Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1019/18.0T8AGH-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: NULIDADE DE DESPACHO
PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A apresentação da contestação em juízo é notificada ao autor pela secretaria, em conformidade com o disposto nos artigos 221.º, n.º 1 e 575.º, n.º 1, do CPC.
II) Tendo ocorrido notificação do articulado de contestação ao autor -do qual constava a expressão “CONTESTAÇÃO COM RECONVENÇÃO”, pretensão que foi deduzida expressamente identificada e deduzida separadamente, nos termos do artigo 583.º, n.º 1, do CPC – e mencionando-se no ofício de notificação remetido o seguinte: “Assunto: Contestação. Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, que se anexa”, a notificação não padece de algum vício, não estando em falta a prática de qualquer ato que devesse ser realizado, para que o réu tomasse plena constatação do ato que lhe tinha sido notificado.
III) A existência de uma reconvenção numa contestação não altera o estatuto da peça processual em causa, que constitui um articulado de contestação (só que com dedução de reconvenção e com os respetivos efeitos legais, nomeadamente para a apresentação da réplica, nos termos do artigo 584.º, n.º 1, do CPC).
IV) Sendo a reconvenção parte integrante da contestação, admitido este articulado - o que foi comunicado ao autor por diversas ocasiões - , o autor tinha o dever de saber que, tal articulado, poderia conter uma reconvenção, que lhe viabilizasse a possibilidade de apresentação de réplica, sendo esse um objeto possível do articulado de contestação, mas que não o modifica, nem exige formalidades acrescidas no que respeita à sua notificação à contraparte.
V) A invocada ausência de alegação ou de demonstração de facto suscetível de constituir um crédito sobre o autor não pode constituir motivo de não admissão do pedido reconvencional, traduzindo-se numa apreciação do mérito da reconvenção, não influindo sobre a questão da admissibilidade/inadmissibilidade processual de tal pretensão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. Nos autos de ação declarativa de condenação, com processo comum, que JF, identificado nos autos, instaurou contra PESCATUM – CONSERVAS E PESCAS, S.A. e AL, também identificadas nos autos, em 25-01-2021, foi apresentada nos autos contestação por AL, S.A.
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2. A referida contestação foi objeto de notificação ao Mandatário do autor, por ofício de 04-03-2021, onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“(…) Assunto: Contestação-
Fica V. Exa. notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, que se anexa (…)”.
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3. Na primeira página da referida contestação, consta, nomeadamente, escrito o seguinte: “CONTESTAÇÃO COM RECONVENÇÃO (…)” e nesse articulado constam indicados os seguintes subtítulos: “1. Da citação”, “2. Exceção Peremptória: Da Extinção do Crédito”, “3. Exceção Peremptória: Da Prescrição Cambiária”, “4. Da insuficiência do título”, “5. Subsidiariamente, por Compensação”,”6. Por impugnação”, “7. Do Direito”, “8. Reconvenção”, ocupando este último ponto os artigos 49.º a 54.º desse articulado, com a seguinte redação:
“(…) 49.º Como exposto, foi a Ré AL quem efetuou o pagamento ao Banco Popular Portugal da quantia de € 450.000,00, quantia de que a Ré Pescatum não dispunha e que nunca poderia ter pago, de imediato, e pelos seus próprios meios.
50.º Como resulta dos documentos n.º 3 e 4 ora juntos, a dívida para com o Banco Popular foi em parte pago por um cheque emitido pela Ré Pescamar, no valor de € 450.000,00, que Ré Pescatum de imediato endossou ao Banco Popular.
51.º Assim, pois, a proceder de alguma forma a pretensão do Autor contra a aqui Reconvinte — o que apenas se poderia conceber se se viesse a entender que a Reconvinte era avalista e assim co-obrigada do Reconvindo —, sempre se dirá que, se se entender que o Autor goza de um direito de regresso sobre a Reconvinte, então daí resultará necessariamente simétrico direito da Reconvinte sobre o Autor, aqui Reconvindo. De facto,
52.º Tendo pago ao Banco Popular a quantia de € 450.000,00, a Reconvinte goza de um direito de regresso sobre o Reconvindo, de € 225.000,00.
53.º A admitir-se a existência de algum direito de regresso específico do Reconvindo, no valor de € 75.000,00, sobre a Reconvinte, então pretenderá a Reconvinte ver reconhecido o seu simétrico crédito e vê-lo compensado com aquele crédito, como já exposto
54.º Devendo o Reconvindo ser condenado no montante que exceda, isto é, em € 150.000,00”.
Conclui a contestante o mesmo articulado de contestação, nos seguintes termos:
Termos em que, e nos mais de Direito, deverão ser julgadas procedentes as exceções invocadas e, em consequência ser julgada totalmente improcedente a presente ação, absolvendo-se a Ré do pedido,
Caso assim se não entenda, e a título subsidiário, deverá ser julgada procedente a exceção de compensação e procedente o pedido reconvencional, sendo o montante reclamado pelo Autor contra a Ré, ora Reconvinte declarado compensado com o crédito desta e o Autor, ora Reconvindo, condenado a pagar à Reconvinte a quantia de € 150.000,00, acrescida de juros calculados à taxa comercial, desde a data da notificação desta contestação, até efetivo pagamento, com custas a cargo do Autor.”.
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4. Em 21-06-2021, a ré AL, S.A. apresentou nos autos requerimento – objeto de notificação ao mandatário do autor, conforme consta no formulário respetivo - de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 1. Veio o Autor alegar que a Ré AL S.A. se está a escusar a rececionar a citação e requerendo a citação edital.
2. A Ré confessa alguma perplexidade com o que se passa nos presentes autos e com o teor das notificações que dele constam, no que tange à sua citação, não sendo claro, para a Ré, o seu conteúdo.
3. De facto, e como referiu no artigo 1.º e 2.º da Contestação que à cautela apresentou sob a ref.ª 37815911, a Ré já recebeu um articulado de petição inicial, acompanhado de uma tradução, pelo que se dos autos consta a frustração da sua citação, tal será matéria sobre a qual deverá ser inquirido o Tribunal de Pontevedra.
4. A Ré, como já se referiu naquele articulado, fez comparecer um funcionário seu no Tribunal de Pontevedra, para receber a citação.
5. Como já explicitou, foi-lhe entregue o articulado e uma tradução, ao qual já apresentou resposta, através da referida contestação.
6. Não se verifica, pois, na sua ótica, qualquer frustração da citação, mas quando muito a nulidade da citação por falta de indicação dos elementos previstos no art.º 227.º do Código de Processo Civil.
7. A irregularidade dessa citação, como é bom de ver, não se resolve com a citação edital, que nada acrescenta aos autos ou aos direitos de defesa da Ré.
8. Aliás, e na medida em que, analisada a contestação, se conclua que a mesma foi apresentada tempestivamente, a Ré não se opõe ao prosseguimento dos autos. (…)”
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5. Em 09-09-2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Inexistindo articulado próprio de resposta para o efeito, notifique e aguarde o decurso do exercício do prazo do contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC).
Notifique”.
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6. O despacho de 09-09-2021 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 10-09-2021.
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7. Em 04-10-2021 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte: “Nada tendo sido dito, notifique a Autora para, querendo, se pronunciar quanto ao prosseguimento dos autos com a contestação apresentada, tal como pugnado pela Ré, a fim de obviar actos (…)”.
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8. O despacho de 04-10-2021 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 06-10-2021.
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9. Em 28-10-2021 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte: “Renova-se a primeira parte do despacho que antecede (…)”.
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10. O despacho de 28-10-2021 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 28-10-2021.
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11. Em 18-11-2021 foi proferido despacho onde, nomeadamente, se lê o seguinte:
“Renova-se a primeira parte do despacho com a RE 52061011, sob pena de, nada dizendo a Autora, se entender que aceita o prosseguimento dos autos com a contestação apresentada, tal como pugnado pela Ré, a fim de obviar actos.
Prazo: 10 dias.
Notifique. (…)”.
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12. O despacho de 18-11-2021 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 19-10-2021.
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13. Em 10-12-2021 foi proferido despacho de onde se lê, nomeadamente, o seguinte: “Atenta a ausência de oposição, determina-se o prosseguimento dos autos com a contestação apresentada, com os efeitos daí resultantes”, despacho que foi objeto de notificação às partes, expedida nessa data.
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14. O despacho de 10-12-2021 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 10-12-2021.
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15. Em 14-01-2022 foi proferido despacho de onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“Nos termos dos arts. 591.º, 594.º, 595.º e 596.º, do CPC, para a realização de audiência prévia, destinada a realizar tentativa de conciliação, à prolação de despacho saneador, à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, e à programação dos actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões, sua provável duração e designar as respectivas datas, designo o próximo dia 8 de Fevereiro de 2022, às 14h00m, neste tribunal, devendo as partes, ao abrigo do princípio da cooperação que impende sobre todos os sujeitos processuais (art. 7.º, do Código de Processo Civil), vir munidas de um projecto relativo à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Cumpra o disposto no art. 151.º, do Código de Processo Civil.
Notifique, sendo as partes advertidas, nos termos do disposto no art. 148.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, de que, não o tendo já feito, devem enviar, no prazo de 10 dias, o suporte digital das peças processuais apresentadas, para uma mais célere elaboração do despacho a proferir”.
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16. O despacho de 14-01-2022 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 14-01-2022.
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17. Na sequência, por requerimento apresentado em juízo em 18-01-2022, o Mandatário do autor, “notificado do despacho de designação do dia 08 de fevereiro de 2022 pelas 14h00 para a realização da audiência prévia” veio requerer a possibilidade de realizar a mesma através dos meios à distância disponíveis, designadamente pela aplicação Webex.
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18. Em 18-01-2022 foi proferido despacho de onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
“(…) RE 4468015 e 4468116: Atendendo ao requerido e estando em causa intervenção em audiência prévia, nos termos do disposto no art. 6.º-E, n.º 4, al. a), da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, defere-se a requerida intervenção electrónica nos moldes sugeridos”.
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19. O despacho de 18-01-2022 foi objeto de notificação às partes, por ofício de notificação de 19-01-2022.
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20. Em 08-02-2022, em audiência prévia, com a presença dos Mandatários das partes, foi proferido o seguinte despacho, notificado aos presentes:
“Considerando que foram vários os constrangimentos na presente diligência, que dificultam a percepção, de todos, do que se vai passando, considerando que esses constrangimentos resultam de um problema sistemático da rede Vodafone, no dia de hoje, o que é do conhecimento geral, com a concordância de todos os intervenientes, interrompe-se a presente diligência e para sua continuação designa-se o próximo dia 15 de Fevereiro de 2022, pelas 14:00 horas, com a concordância de todos os intervenientes.
Nos termos do disposto no art. 6.º-E, n.º 4, al. a), da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, determina-se se mantenha a requerida intervenção electrónica nos moldes ocorridos no dia de hoje (…)”.
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21. Em 15-02-2022 teve lugar a continuação da audiência prévia, constando da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Pelo ilustre mandatário dos Autores foi requerida a palavra e em uso da mesma requereu:
REQUERIMENTO DE ARGUIÇÃO DE NULIDADE:
Por notificação envida pela secretaria no dia 04-03-2021 foi enviada à Autora cópia da peça processual da 2a Ré, sendo que, do respetivo ofício, consta simplesmente:
«Assunto: Contestação
Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, que se anexa”.
A falta de referência à reconvenção no ofício de notificação induziu em erro a A. no sentido de que a R. se limitava a contestar a ação. Nesse pressuposto, não replicou. Não se tratando de uma ação de simples apreciação negativa e estando a A. convencida pelos termos do ofício de notificação de que inexistia reconvenção, não tinha que se preocupar com a leitura da suposta cópia da contestação dentro de qualquer prazo, pois que não haveria lugar a réplica (art.° 584°, n°s 1 e 2, do Código de Processo Civil). Com o atual Código de Processo Civil, a réplica deixou de ter lugar para resposta às exceções deduzidas na contestação, função esta que anteriormente também desempenhava.
A notificação da contestação ou da contestação com reconvenção é da responsabilidade da secretaria. Só a partir daí se impõe a notificação entre mandatários (art.° 221°, n° 1).
Trata-se de um ato que, caso não seja escrupulosamente cumprido, pode causar prejuízo muito significativo ao autor (art.° 220, n° 1, do CPC).
De acordo com o n° 3 do art.° 219°, tanto a citação como as notificações são sempre acompanhadas “de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto”.
Explicam A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e L. Filipe Pires de Sousa que o n° 3 do art.° 219° institui o princípio da transparência da citação e da notificação, impondo a completude e legibilidade dos elementos necessários à compreensão do ato recetício em causa (art.° 131°, n° 3) e que a sua inobservância é suscetível de geral nulidade processual, nos termos do art.° 195°, n° 1.
A notificação da reconvenção ao autor não é um ato de somenos importância. A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu, pode, mediante a exclusão de determinadas condicionantes, conduzir à admissão por acordo dos factos alegados pelo réu que não forem impugnados. É na réplica que o autor tem que deduzir toda a defesa relativamente à matéria da reconvenção.
Não contendo o Código de Processo Civil, para a notificação da reconvenção, norma semelhante à que nele se prevê para a citação do réu no art.° 563°, o dever de advertência, no ato de citação, da consequência da falta de contestação nem por isso deixam de se justificar para a notificação da reconvenção, as especiais cautelas que nortearam aquela norma.
Neste conspecto, em que a notificação da secretaria apenas se refere à existência de contestação temos como aceitável a A. não se ter apercebido da existência de reconvenção, apesar do envio e receção de cópia do articulado da contestação, contendo reconvenção.
Só na audiência prévia do passado dia 8 de Fevereiro de 2022 é que a A. se apercebeu da existência de reconvenção, motivo pelo qual está ainda em prazo (art.°s 149° e 199°, n° 1, última parte) para arguir tal nulidade processual, o que faz pelo presente, nos termos do disposto no art.° 195°, n° 1, parte final, em conjugação com o art. 219°, n° 3, com as demais consequências legais. - neste sentido Ac. TRPorto de 02/12/2021.
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No seguimento do requerimento acima, foi dada a palavra ao ilustre mandatário das Réus, para, querendo, responder, e pelo mesmo foi dito não pretender se pronunciar.
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Após, pelo Mm.° Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO:
Veio o Autor invocar a nulidade da notificação que lhe foi dirigida a 04-03-2021, relativa à contestação apresentada pela Ré AL SA, invocando, para o efeito, a violação do disposto no art.° 219, n.° 3, do CPC, o que constitui nulidade nos termos do art.° 195.°, n.° 1, do CPC, por tal notificação mencionar que lhe estava a ser notificada contestação, induzindo-o, por isso, em erro porque não notifica da reconvenção deduzida pela Ré em causa, o que fez com que não respondesse a tal peça processual e que apenas se tenha apercebido da dedução de reconvenção no passado dia 8 de Fevereiro, sendo, por isso, tempestiva a arguição em causa.
As Rés devidamente notificadas, nada responderam.
Cumpre decidir.
Conforme resulta da notificação expedida a 04-03-2021, o Autor foi notificado da junção de contestação aos autos pela Réu AL SA.
No ofício remetido pela secção de processos, não se faz, de facto, menção a que a contestação em causa é com reconvenção.
A tal ofício foi anexa a peça processual apresentada pela 2.a Réu e respectivos documentos.
Ora, da leitura da notificação, de facto, à primeira vista resulta que, não foi o Autor expressamente advertido no ofício que lhe foi rementido de que a contestação em causa era acompanhada de reconvenção.
Não foi, nem parece resultar da lei, que tenha de o ser.
Na verdade, a existência de uma reconvenção numa contestação não altera o estatuto da peça processual em causa, que é na mesma uma contestação só que com dedução de reconvenção e com os respectivos efeitos legais, nomeadamente para a apresentação da réplica, nos termos do artigo 584.°, n.° 1, do CPC.
É isso que expressamente resulta do art.° 583.°, n.° 1, do CPC, onde se menciona que a reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, isto é, não transforma aquela peça processual numa outra coisa.
A lei apenas obriga à dedução separada da reconvenção na contestação, o que a 2.a Ré fez, tendo, aliás, epigrafado a sua peça processual logo na primeira página de “Contestação com Reconvenção”, incumbido, pois, à parte que é notificada, lê-la, para, querendo, tomar posição sobre o seu conteúdo.
Não nos parece, ainda, que colha a ideia de que sendo a parte meramente notificada de uma contestação, não a tem de ler porque não tem direito de resposta e não calcula que na contestação está deduzida uma reconvenção.
Não colhe esta ideia em primeirito lugar, porque a reconvenção pode, ainda, ser um momento da peça processual contestação.
Não colhe esta ideia, em segundo lugar, porque, salvo o devido respeito, terá sempre a parte de ler a peça processual e documentos que a acompanham, porque, mesmo que não tenha articulado de resposta à contestação, terá/poderá ter de exercer o contraditório relativamente a qualquer junção documental que ocorra nos termos do art.° 427.°, do CPC.
Em face do exposto, não tendo o oficio em causa de conter expressamente a menção em causa, não se verifica qualquer vicio susceptível de interferir na decisão em causa e que importe a nulidade de qualquer acto nos termos do art.° 195.°, do CPC.
Em face do exposto, ao abrigo das normas legais supra citadas, decide-se indeferir a arguição de nulidade em causa.
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Após, foi dada a palavra aos ilustres mandatários, para, querendo, requerem o que tivessem por conveniente quanto aos requerimentos probatórios e restante projecto do despacho saneador.
Pelo ilustre mandatário do Autor foi requerida a palavra e em uso da mesma foi requerido:
O Autor requer que seja oficiado o Banco Santader Totta SA, antigo Banco Popular, no sentido de informar a identificação completa do actual gestor do processo relacionado com o mencionado e em causa nos autos, para que o mesmo seja notificado para ser ouvido na qualidade de testemunha do Autor.
Após, no exercício do contraditório, pelo ilustre mandatário das Réus foi dito não encontrar justificação nem motivação legal para o acima requerido mas que nada tem a opor, fazendo referência que o gestor do processo em causa foi o Senhor Dr. MV, e que é do seu conhecimento que o mesmo já não é trabalhador do Banco Santader Totta e que nem conhece o seu actual paradeiro profissional.
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No seguimento, pelo ilustre mandatário do Autor foi indicado que o que pretende com o requerimento acima, é a identificação da pessoa que na gestão do processo do pagamento desta livrança, veio a suceder ao Dr. MV.
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Após, por ambas as Rés foi requerido o aditamento ao rol de testemunhas do senhor EM, director financeiro da segunda Réu e com domicílio na sede daquela.
Mais requereram a junção de um documento, que é uma declaração  emitida pelo Banco em Espanha, que foi enviada por correio electrónico de imediato para o Tribunal e para o ilustre mandatário do autor.
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Na sequência da junção documental das Rés, pelo ilustre mandatário do Autor foi requerido prazo de pronúncia relativamente à admissibilidade da junção e ao conteúdo do documento em causa, caso a mesma seja deferida.
Pelo Mm.° Juiz foi deferido o requerido prazo.
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Após, pelo Mm.° Juiz, foi proferido o seguinte:
DESPACHO:
Quanto ao ofício ao Banco Santander Totta SA, para que indique quem é o actual gestor do processo relativo à livrança em discussão nos presentes autos, vai o pedido de colaboração em causa deferido, nos termos do disposto no art.° 417.°, do CPC, devendo, em consequência, o Banco Santander Totta SA, ser notificado, para no prazo de 10 dias, identificar o actual gestor do processo, no qual está inserido o pagamento da livrança obiecto dos presentes autos.
Após, a indicação em causa, deverá ser a pessoa indicada notificada para ser
ouvida como testemunha, porquanto é tempestivo o seu adicionamento, nos termos do art.° 598.°, n.° 2, do CPC.
Quanto ao pedido de adicionamento de testemunha, formulado por ambas as Réus, uma que se mostra tempestivo nos termos do artigo 598.°, n.° 2, do CPC, vai deferido o adicionamento em causa, devendo a testemunha, à semelhança das demais indicadas pelas Rés, ser notificada para ser ouvida por videoconferência.
Nos termos do art. 591.°, do Código de Processo Civil, proferir-se-á. de seguida:
A. Despacho a versar sobre a Admissibilidade do Pedido Reconvencional;
B. Despacho Saneador (com inclusão da fixação do valor da acção);
C. Despacho a Identificar o Objecto do Litígio e a Enunciar os Temas da Prova;
D. Despacho a Admitir os Meios de Prova;
IL Despacho a Programar os Actos a Realizar na Audiência Final, a Estabelecer o Número de Sessões e sua Provável Duração e a Designar as Respectivas Datas, com observância do disposto no art. 151.°, do Novo Código de Processo Civil.
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A. DA ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO RECONVENCIONAL
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Na presente acção, a 2.a Ré, não só contestou, como também alegou a existência de contra-crédito e peticionou a condenação do Autor no pagamento a esta do valor de € 150.000,00.
Não se tendo pronunciou o Autor quanto à admissibilidade de tal pedido.
Vejamos se deve, ou não, ser admitido o pedido reconvencional formulado.
Tal admissibilidade, passa pela análise do disposto nos arts. 266.° e 93.°, ambos do Código de Processo Civil (e ainda, em relação a alguns aspectos, do art. 583.°, do mesmo diploma legal).
Antes, contudo, e como referem, em jeito de definição, JOSÉ LEBRE DE FREITAS / JOÃO REDINHA / Rui PINTO, in Código de Processo Civil. Anotado, Volume 1.° - artigos l.°a 380.°, Coimbra Editora, p. 488, temos que “A reconvenção, consistindo num pedido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (...). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.° 2 [do art. 274.°, do Código de Processo Civil] estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tomam esta admissível” (parêntesis nosso) -a propósito dos mencionados factores de conexão, diz ainda JOSÉ ALBERTO DOS REIS que “seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar numa acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.” (in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra, 1945, p. 99).
A saber, é admissível a reconvenção (Requisitos Objectivos de Admissibilidade da Reconvenção):
(1) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção [art. 266.°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Civil];
(2) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa [art. 266.°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Civil];
(3) quando o réu se propõe a tomar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida [art. 266.°, n.° 2, al. b), do Código de Processo Civil];
(4) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor [art. 266.°, n.° 2, al. c), do Código de Processo Civil];
(5) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter [art. 266.°, n.° 2, al. d), do Código de Processo Civil].
Excluídas que estão, liminarmente, in casu, as hipóteses previstas nas ais. a), b) e d), do n.° 2, do art. 274.°, do Código de Processo Civil, o pedido reconvencional formulado pela 2.a Ré apenas poderá fundar-se na alínea c), desse mesmo n.° 2.
No caso dos autos, o Autor formula a sua pretensão com base num alegado direito de crédito sobre cada uma das Rés.
Por seu turno, a 2.a Ré/Reconvinte, alegando um contra-crédito, peticiona a condenação do Autor no valor excedente ao crédito de que se diz titular.
Em face do que vimos de descrever, facilmente se compreenderá que o pedido reconvencional formulado pela 2.a Ré/Reconvinte é pedido em que pretende o reconhecimento de um crédito para o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, pelo que é admissível, tanto mais que, corresponde a pretensão de tutela jurisdicional substancialmente autónoma (cff., em sentido semelhante, PAULO PIMENTA, Reconvenção, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX [Separata], Coimbra, 1994).
Mas não basta para que tenhamos por admissível o pedido reconvencional.
É que, para além dos sobreditos requisitos objectivos de admissibilidade da reconvenção, para que esta seja admitida é ainda necessária a verificação de determinados requisitos de índole processual.
A saber (Requisitos Processuais de Admissibilidade da Reconvenção):
(1) identidade do juízo competente -o tribunal é competente para a apreciação do pedido reconvencional, sempre que seja absolutamente competente (cfr. o art. 93.°, n.° 1, do Código de Processo Civil) [conforme referem ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO / PAULO PIMENTA, in O Novo Processo Civil, 6.a Edição, Almedina, Porto, 2004, p. 174, “(•••) o regime processual a que se sujeita o pedido do réu há-de ser idêntico, seja apresentado em reconvenção, seja em acção própria. Por outras palavras, se para deduzir o seu pedido em acção própria, o réu (que aí seria autor) teria de observar todos os requisitos técnicos que a lei exige para que se possa obter uma decisão de mérito, isto é, teria de respeitar todos os pressupostos processuais, impõe-se que quando “aproveita” um processo já pendente, para nele enxertar a sua própria acção, também dê cumprimento aos mesmos pressupostos, sem o que, sob a veste da reconvenção, seriam torneados, sem justificação, obstáculos de natureza processual.”] - cff., ainda, o art. 93.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, o qual estabelece as consequências para a circunstância de o tribunal deixar de ser competente em razão do valor;
(2) identidade das formas do processo -apenas é admissível a reconvenção, quando ao pedido reconvencional corresponda a mesma forma de processo da que corresponde ao pedido do autor (isto para que a apreciação do pedido reconvencional não cause perturbações ou dificuldades à normal tramitação do processo em que é enxertado), excepto quando o juiz o autorize (art. 266.°, n.° 3, do Código de Processo Civil).
Ora, como é bom de ver, no caso dos autos, não se mostram desrespeitados quaisquer destes requisitos processuais de verificação da admissibilidade da reconvenção, pois que o tribunal da causa é nacional, material e hierarquicamente competente para a apreciação do pedido reconvencional (cfr. os arts. 62.°, 64.° e 67.°, do Código de Processo Civil) e a forma de processo aplicável a ambos os pedidos é a forma comum (cfr. o art. 546.°, do Código de Processo Civil).
Tanto basta para que tenhamos por admitida a reconvenção.
Assim, em face de tudo o que antecede, vai admitido o pedido reconvencional formulado pela 2.a Ré. na medida em que se enquadra no requisito de admissibilidade previsto no art. 266.°, n.° 2, al. cl. do Código de Processo Civil, e satisfaz as exigências processuais dos arts. 93.°, n.° 1 e 266.°. n.° 3, ambos do Código de Processo Civil.
Notifique (…).”
*
22. Não se conformando com o despacho de 15-02-2022, dele apela o autor, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. No âmbito dos presentes autos, por notificação enviada ao mandatário do Autor, aqui Recorrente, pela secretaria no dia 4 de março de 2021, foi-lhe enviada cópia da peça processual da 2a Ré, sendo que, do respetivo ofício, apenas constava: “Assunto: Contestação Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, que se anexa
B. Sucede que, dessa contestação, também constava reconvenção.
C. Em sede da audiência prévia, veio o aqui recorrente invocar a nulidade da notificação que lhe foi dirigida a 4 de março de 2021, relativamente à contestação apresentada pela 2a Ré, AL, S.A.
D. Tal arguição de nulidade veio a ser indeferida.
E. Salvo o devido respeito, não fez o Mm. ° Juiz a quo, uma adequada aplicação e interpretação das normas de direito aplicáveis ao caso em concreto.
F. Pautando a douta decisão, por uma aplicação errónea da lei que implica uma violação dos direitos de defesa constitucionalmente garantidos, nomeadamente o direito a uma tutela jurisdicionalmente efetiva através de uma crassa violação do direito ao contraditório, princípio basilar do direito processual civil e, em simultâneo, garantido pela constituição.
G. A decidir como decidiu, a douta decisão recorrida, é vedado ao aqui Recorrente, a possibilidade de contradizer os factos constantes da reconvenção, por motivos totalmente alheios a este, mais propriamente, por uma deficiente atuação da secretaria judicial na notificação da contestação COM RECONVENÇÃO.
H. Compulsados os autos verifica-se, efectivamente, que a secretaria notificou o ora Recorrente da contestação sem qualquer referência à reconvenção deduzida, como acontece habitualmente.
I. Dispõe o art. 157°, n.° 6, do CPC que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.
J. Constituindo a omissão da secretaria uma irregularidade, deve a mesma ser oficiosamente conhecida, na medida em que tal acarrete prejuízo para a parte (cfr. o Ac. Da RP de 21/03/2018, processo n.° 4316/14.0TDPRT-A.P1, in www.dgsi.pt).
K. Na verdade, a falta de notificação pela secretaria da menção à reconvenção e sem a prévia alusão à sua inclusão no teor da contestação/reconvenção, constitui uma irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa (arts. 195° e ss. do CPC) e uma irregularidade que prejudica as partes.
L. Razão pela qual deveria a referida irregularidade ter sido sanada, com a concessão de prazo ao Autor para, querendo, apresentar a réplica.
M. Tudo isto se trata claramente de preterição de formalidades essenciais para o bom andamento do processo e para o acesso à efetiva tutela de justiça e garantia dos direitos de defesa dos cidadãos.
N. Com o atual Código de Processo Civil, a réplica deixou de ter lugar para resposta às exceções deduzidas na contestação, função esta que anteriormente também desempenhava.
O. A notificação da contestação ou da contestação com reconvenção é da responsabilidade da secretaria.
P. Trata-se de um ato que, caso não seja escrupulosamente cumprido, pode causar prejuízo muito significativo ao autor (art.° 220, n° 1).
Q. Não contendo o Código de Processo Civil, para a notificação da reconvenção, norma semelhante à que nele se prevê para a citação do réu no art.° 563° — o dever de advertência, no ato de citação, da consequência da falta de contestação - --nem por isso deixam de se justificar para a notificação da reconvenção, as especiais cautelas que nortearam aquela norma.
R. A falta de réplica implica, como vimos, a revelia do reconvindo quanto ao pedido reconvencional.
S. A réplica desempenha, em face da reconvenção, o mesmo papel que a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial: é, por sua natureza, uma contestação da reconvenção, inteiramente sujeita, ressalvadas as devidas adaptações, ao regime da contestação.
T. Assim, quando a notificação da secretaria apenas se refere à existência de contestação, temos como desculpável ao Autor não se ter apercebido da existência de reconvenção, apesar do envio e receção de cópia do articulado da contestação, contendo reconvenção.
U. Dado este conjunto de vicissitudes, o Autor ter-se-á convencido, desde o momento em que foi notificada da contestação de que inexistia reconvenção e só na audiência prévia, se tornou exigível ao Autor o conhecimento da existência da pretensão reconvencional, pelo que, ao invocar a nulidade processual secundária relativa à irregularidade da notificação em audiência prévia, fê-lo em tempo, no prazo de 10 dias.
V. Resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2019 que estando patenteado que o Autor se viu “confrontado com um pedido reconvencional contra si deduzido, sem que tivesse tido oportunidade de o contraditar por nunca lhe ter sido notificada a contestação, sem que tal lhe fosse imputável, e na iminência de ser proferida uma sentença a decidir a causa, viola gravemente o princípio do contraditório, da defesa, da igualdade substancial das partes e da obtenção de um processo equitativo, o despacho que não concede à parte prazo para apresentar o articulado previsto na lei, ou seja, a réplica, sanando-se, desse modo, a nulidade processual detetada em ato processual presidido pelo juiz
W. Tendo o Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão de 02/12/2021 decidido precisamente uma situação similar à presente, que confirmou a decisão interlocutória recorrida que julgou procedente a nulidade processual invocada e admitiu a réplica.
X. Trata-se de um vício formal que viola princípios inerentes ao processo civil, tais como o princípio do contraditório na vertente do direito à defesa, o direito à apresentação e produção de prova e o princípio da igualdade substancial das partes, expressamente previstos nos artigos 3° e 4° do CPC bem como no art. 13° da CRP.
Y. No fundo, uma violação do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da obtenção de um processo equitativo, tal como prevê o n.° 4 do art. 20° da CRP, o art. 10° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Z. Todos estes preceitos aplicáveis diretamente por força do n.° 1 do art. 18° CRP.
AA. Motivo pelo qual deverá a nulidade arguida ser reconhecida com as demais consequências legais.
BB. Acresce que, na data em que rececionou tal notificação estava ainda a ser discutida a validade da citação da 2aRé e concomitantemente a contestação apresentada, tendo a ora recorrente sido notificada da frustração da mesma e tendo-se pronunciado sobre essa mesma frustração tendo requerido a citação edital.
CC. Aliás, só em 10 de Dezembro de 2021 é que veio a ser proferido despacho no sentido de que a contestação apresentada ter-se-ia como admitida prosseguindo os demais trâmites legais, pelo que, no máximo, ter-se-ia que considerar que o prazo para apresentação de réplica iniciar-se-ia com tal notificação, o que significaria que o prazo só terminaria no dia 25 de Janeiro de 2022.
DD. Sucede que logo no dia 14 de Janeiro de 2022 foi proferido despacho que designou data para audiência prévia, o que sucedeu quando ainda não se mostrava decorrido o prazo para apresentação de réplica.
EE. Donde também por este motivo se verificaria a nulidade invocada, que pelo presente se requer e pretende ver reconhecida com as demais consequências legais.
FF. No que ao pedido reconvencional diz respeito pronunciou-se o Tribunal a quo admitiu o mesmo, não podendo o aqui recorrente conformar-se com tal decisão.
GG. No caso concreto não alega nem demonstra qualquer facto suscetível de constituir um crédito sobre o Autor.
HH. Limita-se a juntar uma cópia de um cheque bancário que tem como beneficiário a sociedade Pescatum, posteriormente endossado e não um cheque da própria Ré AL que apresenta o pedido de reconvenção.
II. Ou seja, em nenhum momento demonstra a reconvinte que foi esta que pagou o que quer que seja ao Banco.
JJ. Outrossim, decorre claramente da alegação e da documentação junta aos autos que terá sido a Pescatum a pagar.
KK. Se foi a reconvinte a pagar à Pescatum, a título de suprimentos, a título de mútuo ou outro é manifestamente não oponível ao aqui recorrente e como tal insuscetível de servir de fundamente à reconvenção.
LL. O direito de regresso tal como formulado em sede da petição inicial ocorre e funda-se no facto do avalista, aqui recorrente (diretamente) ter pago a dívida ao credor Banco Popular, em sede do processo executivo contra si movido, tendo por isso direito de regresso sobre o devedor principal e co-avalista.
MM. Coisa bem distinta está descrita na reconvenção, em que não foi a reconvinte que pagou o que quer que fosse à credora.
NN. Donde não existe qualquer direito de regresso, motivo pelo qual não poderá ser admissível a reconvenção.
OO. Donde por carecer de qualquer tipo de fundamento não pode a reconvenção ser admitida.
PP. Enfatize-se que a reconvinte como entidade detentora do capital social da Ré Pescatum e devedora principal da obrigação age em manifesto abuso de direito ao peticionar um montante que, a ter entregue à Ré Pescatum, o fez em benefício próprio e voluntariamente.
QQ. Situação não confundível com as circunstâncias em que o aqui Recorrente teve que proceder ao pagamento da quantia peticionada à credora Banco Popular, ao ser demandado judicialmente para o efeito na qualidade de avalista de tal responsabilidade.
RR. Motivo pelo qual não poderá a reconvenção ser admitida, o que expressamente se requer com as demais consequências legais.”.
*
23. Dos autos não consta terem sido apresentadas contra-alegações.
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24. Nos termos do despacho proferido em 14-03-2023, em audiência final, foi admitido o requerimento recursório.
*
25. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são as de saber:
*
A) Se a decisão recorrida, que indeferiu a nulidade arguida pelo autor na audiência prévia realizada em 15-02-2022, efetuou uma errónea aplicação da lei, violando os princípios do contraditório, na vertente do direito à defesa, o direito à apresentação e produção de prova e o princípio da igualdade substancial das partes (artigos 3.º e 4.º do CPC e 13.º da CRP) e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da obtenção de um processo equitativo (artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem)?
B) Se deve ser revogada a decisão que admitiu o pedido reconvencional?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Se a decisão recorrida, que indeferiu a nulidade arguida pelo autor na audiência prévia realizada em 15-02-2022, efetuou uma errónea aplicação da lei, violando os princípios do contraditório, na vertente do direito à defesa, o direito à apresentação e produção de prova e o princípio da igualdade substancial das partes (artigos 3.º e 4.º do CPC e 13.º da CRP) e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da obtenção de um processo equitativo (artigos 20.º, n.º 4, da CRP, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem)?
Alega o apelante que, ao contrário do decidido em 15-02-2022, a nulidade arguida relativamente à notificação da contestação deveria ter sido julgada verificada, em suma, invocando o seguinte:
- Que a secretaria notificou o recorrente da contestação sem qualquer referência à reconvenção deduzida, como acontece habitualmente;
- Que os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes (artigo 157.º, n.º 6, do CPC);
- Que constituindo a omissão da secretaria uma irregularidade, deve a mesma ser oficiosamente conhecida, na medida em que tal acarrete prejuízo para a parte (cfr. o Ac. da RP de 21/03/2018, processo n.° 4316/14.0TDPRT-A.P1, in www.dgsi.pt);
- Que a falta de notificação pela secretaria da menção à reconvenção e sem a prévia alusão à sua inclusão no teor da contestação/reconvenção, constitui uma irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa (arts. 195° e ss. do CPC) e uma irregularidade que prejudica as partes, razão pela qual deveria a mesma ter sido sanada, com a concessão de prazo ao Autor para, querendo, apresentar a réplica;
- Que a notificação da contestação ou da contestação com reconvenção é da responsabilidade da secretaria, sendo um ato que, caso não seja escrupulosamente cumprido, pode causar prejuízo muito significativo ao autor (art.° 220, n° 1);
- Que não contendo o Código de Processo Civil, para a notificação da reconvenção, norma semelhante à que nele se prevê para a citação do réu no art.° 563° — o dever de advertência, no ato de citação, da consequência da falta de contestação - --nem por isso deixam de se justificar para a notificação da reconvenção, as especiais cautelas que nortearam aquela norma;
- Que a falta de réplica implica a revelia do reconvindo quanto ao pedido reconvencional, desempenhando a réplica, em face da reconvenção, o mesmo papel que a contestação (defesa) do réu em face da petição inicial: é, por sua natureza, uma contestação da reconvenção, inteiramente sujeita, ressalvadas as devidas adaptações, ao regime da contestação;
- Que quando a notificação da secretaria apenas se refere à existência de contestação, temos como desculpável ao Autor não se ter apercebido da existência de reconvenção, apesar do envio e receção de cópia do articulado da contestação, contendo reconvenção;
- Que o Autor ter-se-á convencido, desde o momento em que foi notificada da contestação de que inexistia reconvenção e só na audiência prévia, se tornou exigível ao Autor o conhecimento da existência da pretensão reconvencional, pelo que, ao invocar a nulidade processual secundária relativa à irregularidade da notificação em audiência prévia, fê-lo em tempo, no prazo de 10 dias;
- Que na data em que rececionou tal notificação estava ainda a ser discutida a validade da citação da 2ª Ré e concomitantemente a contestação apresentada, tendo a recorrente sido notificada da frustração da mesma e tendo-se pronunciado sobre essa mesma frustração tendo requerido a citação edital, sendo que, só em 10 de Dezembro de 2021 é que veio a ser proferido despacho no sentido de que a contestação apresentada ter-se-ia como admitida prosseguindo os demais trâmites legais, pelo que, no máximo, ter-se-ia que considerar que o prazo para apresentação de réplica iniciar-se-ia com tal notificação, o que significaria que o prazo só terminaria no dia 25 de Janeiro de 2022;
- Que logo no dia 14 de Janeiro de 2022 foi proferido despacho que designou data para audiência prévia, o que sucedeu quando ainda não se mostrava decorrido o prazo para apresentação de réplica.
Mais invoca o requerente em abono da sua posição o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/2019 e no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/12/2021.
Vejamos:
A contestação é a peça processual em que, por via de regra, é feita a defesa do réu relativamente ao pedido formulado pelo autor, correspondendo ao exercício do respetivo contraditório face a tal pretensão (cfr. artigo 3.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC). Contudo, em tal articulado, o réu pode, igualmente, formular contra o autor uma contra-pretensão, que tem a denominação de reconvenção. A contestação é, pois, o articulado onde o réu pode deduzir reconvenção (cfr. artigo 266.º do CPC).
Conforme salienta Francisco Ferreira de Almeida (Direito Processual Civil; Vol. II, Almedina, 2015, p. 113), “[a] contestação é a peça processual em que, por via de regra, é feita a defesa (oposição) do réu relativamente ao pedido do autor, assim exercitando o seu direito ao contraditório (artº 3º, nºs 1 e 2). Em certas circunstâncias, poderá ainda ser aproveitada pelo réu para deduzir pedidos contra o autor (artº 266º). Por isso, costuma distinguir-se, no âmbito da contestação, entre defesa propriamente dita (contestação defesa) – e reconvenção (contestação-reconvenção); naquela, o réu toma posição perante a pretensão contra si formulada, confinando-se a «contrariar direta ou indiretamente a pretensão do autor»; nesta, o demandado passa ao contra-ataque, formulando pedidos (autónomos) contra o autor”.
Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2013, pp. 93-95) sublinha, por seu turno, que “em sentido material, a contestação é a peça escrita através da qual o réu responde à petição inicial, deduzindo os meios de defesa que tenha contra a pretensão do autor. Em sentido formal, é um articulado de estrutura similar à da petição inicial, incluindo o endereço, o cabeçalho, a narração e a conclusão (cfr. art.º 572º)”.
Considera-se ainda como contestação em sentido formal, que não em sentido material, o articulado apresentado no prazo e sob a forma de contestação, em que o réu se limita a confessar o pedido contra ele deduzido (cfr. artigo 283.º, n.º 1, do CPC) ou os factos alegados pelo autor (cfr. artigo 356.º, n.º 1, do CC) ou a deduzir pedido reconvencional.
A apresentação da contestação em juízo é notificada ao autor, nos termos do artigo 575.º, n.º 1, do CPC, ao qual será enviado o respetivo duplicado.
Trata-se de uma decorrência do princípio do contraditório – artigo 3.º do CPC – para que o demandante fique a conhecer os argumentos utilizados pelo demandado, bem como, porque, em certos casos, assiste ao autor o direito de pronúncia sobre o teor da contestação, replicando, quando seja deduzida reconvenção ou quando a ação seja de simples apreciação negativa (cfr. artigo 584.º do CPC), ou, apresentando articulado próprio, quando tenha sido suscitado incidente de incompetência relativa (artigo 103.º, n.º 2, do CPC), podendo tomar posição sobre os documentos que acompanham a referida peça (cfr. artigos 444.º, n.º 1 e 446.º, n.º 1, do CPC).
O envio do duplicado da contestação ao autor sucede “a fim de que possa tomar conhecimento da atitude assumida pelo réu perante a ação e atuar processualmente em conformidade, v.g., apresentando réplica (cfr. o n.º 1 do artigo 575.º)” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil; Vol. II, Almedina, 2015, pp. 115-116).
A “notificação é realizada pela secretaria e faz-se na pessoa do mandatário constituído pelo autor (arts. 247.º, n.º 1 e 248.º) ou é dirigida ao próprio autor, não havendo mandatário constituído (art. 249.º)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 701).
Conforme resulta do n.º 2 do artigo 219.º do CPC, “a notificação serve para, em quaisquer outros casos [em que não deva ter lugar a citação], chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
De harmonia com o n.º 3 do artigo 219.º do CPC, “a citação e as notificações são sempre acompanhadas de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto”.
Conforme salientam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 280), “[o] n.º 3 institui o princípio da transparência da citação e da notificação, impondo a completude e legibilidade dos elementos necessários à compreensão do ato recetício em causa (art. 131.º, n.º 3). A sua inobservância é suscetível de gerar nulidade processual, nos termos do art. 195º, n.º 1 (RP 15-4-13, 1036/12)”.
Quando as citações e notificações sejam realizadas por via eletrónica, estabelece o n.º 4 do artigo 219.º do CPC que:
- Podem ser efetuadas através do envio de informação estruturada respeitante à identificação do processo e da interoperabilidade entre o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais e o sistema de informação do citando ou notificando; e
- Os elementos e cópias referidos no n.º 3, podem constar de outro suporte eletrónico acessível ao citando ou notificando.
Em geral, estabelece o n.º 1 do artigo 131.º do CPC, que os atos processuais têm a forma que, “nos termos mais simples, melhor corresponda ao fim que visam atingir” e, de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, “os atos processuais que hajam de reduzir-se a escrito devem ser compostos de modo a não deixar dúvidas acerca da sua autenticidade formal e redigidos de maneira a tornar claro o seu conteúdo, possuindo as abreviaturas usadas significado inequívoco”.
No caso de ter sido apresentada reconvenção, o autor tem o direito de apresentar réplica no prazo de 30 dias a contar da data em que for ou se considerar notificada a apresentação da contestação (cfr. artigos 584.º, n.º 1 e 585.º do CPC).
A notificação da apresentação da contestação é da competência da secretaria, como decorre do artigo 220.º, n.º 2, do CPC.
As nulidades processuais “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspectos processuais” (assim, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1956, p. 156).
De acordo com o disposto no artigo 186.º e ss. do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
A omissão da notificação da contestação corresponde a ato processual imposto por lei, pelo que, a sua omissão determina a ocorrência da nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC.
Conforme se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2019 (Pº 21715/16.6T8LSB.L1-1, rel. ADELAIDE DOMINGOS), a omissão da notificação da contestação ao autor configura um “vício formal que viola princípios inerentes ao processo civil, como sejam, o princípio do contraditório, na vertente do direito à defesa, o direito à apresentação e produção de prova e o princípio da igualdade substancial das partes, expressamente consagrados nos artigos 3.º, n.º 3, 4.º do CPC, e artigo 13.º, n.º1, CRP, e, no fundo, ao princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente da obtenção de um processo equitativo (artigo 20, n.º 4, da CRP, artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicáveis diretamente por força do artigo 18.º, n.º 1, da CRP).
Relembrando-se aqui de forma sucinta que o Tribunal Constitucional tem vindo a caraterizar os princípios acima referidos como estruturante da nossa ordem jurídica. Assim, e por exemplo, no Acórdão n.º 259/2000, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 7 de novembro de 2000, escreveu o seguinte:
«O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deva chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão nº 86/88 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11. °, pp. 741 e segs.)].
É que - sublinhou-se no Acórdão n.° 358/98 (publicado no Diário da República, 2ª série, de 17 de Julho de 1998), repetindo o que se tinha afirmado no Acórdão n° 249/97 (publicado no Diário da República 2ª série, de 17 de Maio de 1997) - o processo de um Estado de direito (processo civil incluído) tem de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele, cada uma das partes tem de poder expor as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.°, n.° 1, da Constituição, que prescreve que “a todos é assegurado o acesso [...] aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
A ideia de que, no Estado de direito, a resolução judicial dos litígios tem de fazer-se sempre com observância de um due process of law já, de resto, o Tribunal a tinha posto em relevo no Acórdão n.° 404/87 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.°, pp. 391 e segs.)»
Sublinhando o mesmo aresto que «…a ideia de processo equitativo e leal (due process of law) exige, não apenas um juiz independente e imparcial - um juiz que, ao dizer o direito do caso, o faça mantendo-se alheio e acima de influências exteriores, a nada mais obedecendo do que à lei e aos ditames da sua consciência – como também que as partes sejam colocadas em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obter justiça. Criando-se uma situação de “indefensão”, a sentença só por acaso será justa».
No mesmo sentido, concluem Jorge Miranda e Rui Medeiros[3] que a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20º, nº 4, da CRP, postula «…a efectividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas»”.
Conforme se salienta nesse Acórdão, contudo, há que ter em conta que a lei processual estabelece regras para a arguição e conhecimento das nulidades processuais, previstas no artigo 195.º do CPC.
O regime de arguição da nulidade processual em causa nos autos encontra-se regulado no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, estipulando-se, em suma, o seguinte:
- Quando a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar;
- Quando a parte não estiver presente no ato em que foi cometida a nulidade, o prazo (de 10 dias – por força do disposto no n.º 1 do artigo 149.º do CPC) para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo (neste caso, “a mera intervenção processual desencadeia o início do prazo para arguir a nulidade” – assim, o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2019, Pº 21715/16.6T8LSB.L1-1, rel. ADELAIDE DOMINGOS) ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (neste segundo caso, conforme se refere no mesmo aresto, “não basta a simples notificação para marcar o início do prazo, impondo-se ainda que seja de presumir que a parte em face da notificação, tomou conhecimento da nulidade ou se pôde aperceber da mesma”).
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, verificamos que não ocorreu omissão de notificação da contestação ao autor, sendo que, tal ato foi objeto de notificação por ofício datado de 04-03-2021.
Entende o apelante, contudo, que a secretaria – entidade responsável pela notificação - o notificou da contestação sem qualquer referência à reconvenção deduzida, como acontece habitualmente, considerando que a omissão da secretaria constitui uma irregularidade, de conhecimento oficioso e que a falta de notificação pela secretaria da menção à reconvenção e sem a prévia alusão à sua inclusão no teor da contestação/reconvenção, constitui uma irregularidade que pode influir no exame ou na decisão da causa (arts. 195° e ss. do CPC) que a prejudica, razão pela qual deveria ter sido sanada, com a concessão de prazo ao Autor para, querendo, apresentar a réplica.
Como se disse, convoca o recorrente o decidido nos dois acórdãos acima referenciados.
Sucede que, na situação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2019 (Pº 21715/16.6T8LSB.L1-1, rel. ADELAIDE DOMINGOS) tinha ocorrido absoluta omissão de notificação ao autor da contestação apresentada, situação que, como se viu, não se verifica nos presentes autos, pelo que, as conclusões a que se chegou em tal aresto, não são transponíveis para o caso do presente processo.
Já relativamente ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-12-2021 (Pº 24484/16.6T8PRT.P1, rel. FILIPE CAROÇO), a situação factual de tal aresto é idêntica à dos presentes autos: Ocorreu a notificação do articulado de contestação ao autor, da qual constava a expressão “CONTESTAÇÃO COM RECONVENÇÃO”, mas, no ofício remetido mencionava-se apenas o seguinte: “Assunto: Contestação. Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, cujos duplicados se remetem (…)”. Contudo, nessa situação – do aresto do Tribunal da Relação do Porto – ainda se mencionava o seguinte: “Mais se informação que o réu protestou juntar no prazo de 30 dias o DOC 1”.
Nesse aresto refere-se, a dado passo, o seguinte:
“A falta de referência à reconvenção no ofício de notificação terá induzido em erro a A. no sentido de que a R. se limitava a contestar a ação. Nesse pressuposto, não replicou. Não se tratando de uma ação de simples apreciação negativa e estando a A. convencida ---pelos termos do ofício de notificação --- de que inexistia reconvenção, não tinha que se preocupar com a leitura da suposta cópia da contestação dentro de qualquer prazo, pois que não haveria lugar a réplica (artº 584º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (…). Com o atual Código de Processo Civil, a réplica deixou de ter lugar para resposta às exceções deduzidas na contestação, função esta que anteriormente também desempenhava.
A notificação da contestação ou da contestação com reconvenção é da responsabilidade da secretaria. Só a partir daí se impõe a notificação entre mandatários (artº 221º, nº 1). Trata-se de um ato que, caso não seja escrupulosamente cumprido, pode causar prejuízo muito significativo ao autor (art.º 220, nº 1).
De acordo com o nº 3 do art.º 219º, tanto a citação como as notificações são sempre acompanhadas “de todos os elementos e de cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objeto”.
(…)
A notificação da reconvenção ao autor não é um ato de somenos importância. A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no art.º 574º (cf. art.º 587º), ou seja, pode, mediante a exclusão de determinadas condicionantes, conduzir à admissão por acordo dos factos alegados pelo réu que não forem impugnados. É na réplica que o autor tem que deduzir toda a defesa relativamente à matéria da reconvenção (art.º 584º, nº 1). Não contendo o Código de Processo Civil, para a notificação da reconvenção, norma semelhante à que nele se prevê para a citação do réu no art.º 563.º ---o dever de advertência, no ato de citação, da consequência da falta de contestação ---nem por isso deixam de se justificar para a notificação da reconvenção, as especiais cautelas que nortearam aquela norma. A falta de réplica implica, como vimos, a revelia do reconvindo quanto ao pedido reconvencional.
(…)
Neste conspecto, em que a notificação da secretaria apenas se refere à existência de contestação e a um documento que irá ser junto ao processo em momento posterior, temos como desculpável a A. não se ter apercebido da existência de reconvenção, apesar do envio e receção de cópia do articulado de contestação, contendo reconvenção (…)”.
O referido Acórdão abre, todavia, a porta para se considerar indesculpável o erro verificado, muito embora, se conclua no aresto, que a junção dos documentos que faltavam juntar, eram necessários à plena compreensão do objeto da reconvenção.
Ora, não obstante o pugnado pelo recorrente, certo é que, não se encontra justificação para tomar idêntica decisão.
De facto, na situação dos autos, não nos parece que seja admissível considerar ter ocorrido alguma irregularidade na notificação operada, nem, igualmente, a tramitação processual ocorrida permite inferir alguma indução do autor em erro relativamente ao objeto do articulado que lhe foi notificado, sendo certo que, não estava em falta a prática de qualquer ato que devesse ser realizado, para que o réu tomasse plena constatação do ato que lhe tinha sido notificado.
Por outro lado, não se nos afigura que para a perfeição da notificação da contestação ao autor existisse alguma vinculação da secretaria ou do Tribunal, no sentido de indicar no ofício de notificação de tal articulado, no caso de a contestação incluir pedido reconvencional, que tal articulado contém uma reconvenção.
É que, por um lado, não se vê que haja a “habitualidade” referenciada pelo recorrente, na menção de “contestação com reconvenção” na notificação usualmente operada do articulado de contestação. Mas, por ouro lado, conforme bem se salienta na decisão recorrida, não parece resultar da lei que tal expressa menção – de que a contestação continha deduzida uma reconvenção – devesse ser objeto de menção no ofício de notificação:
“Na verdade, a existência de uma reconvenção numa contestação não altera o estatuto da peça processual em causa, que é na mesma uma contestação só que com dedução de reconvenção e com os respectivos efeitos legais, nomeadamente para a apresentação da réplica, nos termos do artigo 584.°, n.° 1, do CPC.
É isso que expressamente resulta do art.° 583.°, n.° 1, do CPC, onde se menciona que a reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, isto é, não transforma aquela peça processual numa outra coisa.
A lei apenas obriga à dedução separada da reconvenção na contestação, o que a 2.a Ré fez, tendo, aliás, epigrafado a sua peça processual logo na primeira página de “Contestação com Reconvenção”, incumbido, pois, à parte que é notificada, lê-la, para, querendo, tomar posição sobre o seu conteúdo.”
De facto, o articulado a notificar – e relativamente ao qual têm que ser efetuadas as prescrições legais de notificação – é o de contestação, constituindo a reconvenção (a dedução de uma pretensão reconvencional) um objeto possível do articulado de contestação, mas que, todavia, não modifica o articulado correspondente.
E, nessa medida, não se afigura que, para a cabal e integral completude e perceção do ato a notificar, devesse ser incluída na notificação outra menção ou especificação para além daquela que dela constou.
Não ocorreu, pois, alguma invalidade ou irregularidade, que tenha comprometido a notificação, a qual se mostra ter sido devidamente operada.
Por outro lado, não encontramos alguma justificação para que o apelante conclua no sentido que referiu na conclusão U) das suas alegações de recurso: De que se terá convencido, pelos termos da notificação, “desde o momento em que foi notificada da contestação de que inexistia reconvenção e só na audiência prévia, se tornou exigível ao Autor o conhecimento da existência da pretensão reconvencional, pelo que, ao invocar a nulidade processual secundária relativa à irregularidade da notificação em audiência prévia, fê-lo em tempo, no prazo de 10 dias”.
Se atentarmos na tramitação ocorrida nos autos vemos a seguinte realidade:
- Na contestação remetida com a notificação, em 04-03-2021, consta escrito na 1.ª página de tal articulado a menção “CONTESTAÇÃO COM RECONVENÇÃO (…)” e nesse articulado constam indicados os seguintes subtítulos: “1. Da citação”, “2. Exceção Peremptória: Da Extinção do Crédito”, “3. Exceção Peremptória: Da Prescrição Cambiária”, “4. Da insuficiência do título”, “5. Subsidiariamente, por Compensação”,”6. Por impugnação”, “7. Do Direito”, “8. Reconvenção”, ocupando este último ponto os artigos 49.º a 54.º desse articulado com a redação acima transcrita, terminando-se em tal articulado, entre outras menções, por se pedir a procedência do pedido reconvencional formulado;
- Em 21-06-2021, a ré AL, S.A. apresentou nos autos requerimento a requerer que, na “medida em que, analisada a contestação, se conclua que a mesma foi apresentada tempestivamente… não se opõe ao prosseguimento dos autos. (…)”;
- Na sequência, em 09-09-2021 foi proferido despacho a determinar a notificação para exercício de contraditório, a qual foi efetuada;
- Em 04-10-2021 foi proferido despacho onde se deu conta de que, nada tendo sido dito, se determinou a notificação do autor para, “querendo, se pronunciar quanto ao prosseguimento dos autos com a contestação apresentada, tal como pugnado pela Ré, a fim de obviar actos (…)”, despacho que foi notificado ao autor, despacho que foi renovado em 28-10-2021 e em 18-11-2021, sendo que, neste último se consignou que, nada sendo dito, se entendia que o autor “…aceita o prosseguimento dos autos com a contestação apresentada…”;
- Considerando a ausência de oposição, por despacho de 10-12-2021 determinou-se o prosseguimento dos autos com a contestação apresentada, “com os efeitos daí resultantes”, despacho que foi objeto de notificação às partes, expedida nessa data;
- Na sequência, em 14-01-2022 foi proferido despacho a designar audiência prévia, com as finalidades aí invocadas, o que foi notificado às partes por ofício dessa data;
- O Mandatário do autor, ainda veio requerer a possibilidade de realização da audiência prévia por meios à distância (cf. requerimento apresentado em juízo em 18-01-2022), pretensão que foi acolhida por despacho de 18-01-2022;
- Em 08-02-2022, em audiência prévia, com a presença dos Mandatários das partes, foi proferido o seguinte despacho, notificado aos presentes:
“Considerando que foram vários os constrangimentos na presente diligência, que dificultam a percepção, de todos, do que se vai passando, considerando que esses constrangimentos resultam de um problema sistemático da rede Vodafone, no dia de hoje, o que é do conhecimento geral, com a concordância de todos os intervenientes, interrompe-se a presente diligência e para sua continuação designa-se o próximo dia 15 de Fevereiro de 2022, pelas 14:00 horas, com a concordância de todos os intervenientes.
Nos termos do disposto no art. 6.º-E, n.º 4, al. a), da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, determina-se se mantenha a requerida intervenção electrónica nos moldes ocorridos no dia de hoje (…)”; e
- Em 15-02-2022 teve lugar a continuação da audiência prévia, na qual, entre outros actos, foi proferido o despacho recorrido, na sequência do requerimento de arguição de nulidade aí apresentado pelo Mandatário do autor.
Vê-se, por esta singela tramitação, que, senão antes, pelo menos, com a notificação do despacho proferido em 10-12-2021, o autor tomou conhecimento de que tinha sido admitida a contestação apresentada, “com os efeitos daí decorrentes”, designadamente, o de arguição de nulidade referente à notificação que lhe tinha sido efetuada de tal articulado.
Dispunha, pois, o autor do prazo de 10 dias, para arguir a nulidade correspondente, dado que, pelo menos desde então, tinha todas as condições para verificar que o articulado em questão tinha sido objeto de admissão nos autos e que, igualmente, desde a notificação de tal despacho, teria possibilidade de apresentar o articulado de réplica (em 30 dias – cfr. artigo 585.º do CPC) como forma de pronúncia sobre a reconvenção apresentada.
Não o tendo feito nesse prazo, apenas vindo arguir a nulidade da notificação da contestação em 15-02-2022, é de ter manifestamente por extemporânea, uma tal arguição.
Mas, mesmo que assim não se considerasse, certo é que, da tramitação processual ocorrida, decerto que, o réu teria tido oportunidade, em diversos momentos, se nela tivesse atentado, de percecionar que no articulado de contestação tinha sido deduzida uma reconvenção.
Conforme bem se refere na decisão recorrida, não colhe a ideia de que sendo a parte meramente notificada de que foi apresentada uma “contestação” não tem de ler o seu conteúdo, porque, nessa circunstância, não tem direito de resposta.
Na verdade, conforme resulta dos artigos 571.º, 572.º, 573.º e 583.º do CPC, na contestação deve ser deduzida toda a defesa (excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado e os incidentes e meios de defesa supervenientes), aí cabendo tanto a defesa por impugnação como por exceção e, nesse articulado, o réu deve, não só, individualizar a ação e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, como também, expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação e deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, sendo nesse articulado que deve ser deduzida a reconvenção.
Conforme inequivocamente se refere no n.º 1 do artigo 583.º do CPC, “a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 552.º.”.
Por outro lado, de acordo com o disposto nos artigos 584.º, n.º 1 e 587.º, n.º 1, do CPC, só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção e a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º.(ou seja, “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”).
Verifica-se, pois, que, de facto, a reconvenção é parte integrante da contestação, pelo que, admitido este articulado - o que foi comunicado ao autor por diversas ocasiões - , o autor tinha o dever de saber que, tal articulado, poderia conter uma reconvenção, que lhe viabilizasse a possibilidade de apresentação de réplica.
O autor, contudo, conformando-se com uma tal possibilidade, não replicou, por factos que, nessa medida, lhe são inteiramente imputáveis e não decorrem da forma como lhe foi efetuada a notificação da contestação.
Não colhem os demais argumentos em contrário expostos pelo apelante.
Com efeito, tendo o autor a posição de demandante, não colhe o argumento de paridade ou de aplicação do que se prevê no artigo 563.º do CPC, relativamente à citação, situação em que o autor notificado da contestação não se encontra.
De facto, “[o] ato de contestar, mais do que expressar o exercício do direito de defesa, configura a observância de um ónus, já que a lei estabelece cominações para a revelia do réu. Por isso, as informações a transmitir ao réu aquando da citação devem incluir as consequências da falta de contestação (art. 227.º)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, 2022, p. 676).
Essas cautelas, atentas as consequências gravosas, não se verificam relativamente à notificação da contestação, inexistindo posição igualitária relativamente à citação (ou ato pelo qual se dá a conhecer a petição inicial ao réu) e à notificação da contestação ao autor.
Não têm, pois, ao autor de ser feita a advertência a que se reporta o mencionado artigo 563.º do CPC.
Mas, para além disso, não nos parece que seja, de algum modo, desculpável que o autor dos presentes autos não se tenha apercebido, como refere, da existência de reconvenção.
De facto, a reconvenção foi, como é legal, deduzida especificada e separadamente.
Essa prescrição legal visa, com clareza, alertar o autor para a dedução de tal modo de pretensão, não exigindo a lei que, de outro modo, ou na notificação da contestação, deva ser efetuada expressa referência à existência de reconvenção.
Mas, para além disso, no caso em apreço, certo é que, ao autor foi viabilizado o conhecimento da existência da reconvenção, dado que, precisamente, estava em questão, nos vários despachos que lhe foram remetidos para o efeito, a possibilidade de se pronunciar sobre o articulado de contestação, o qual, como é óbvio, deveria ter sido objeto de leitura.
E se tal leitura tivesse sumariamente ocorrido, sem dúvida, que o autor se teria, de imediato, apercebido de que a reconvenção tinha sido deduzida.
Também aqui tem de concluir-se que a circunstância de não se ler o ato de contestação que é notificado, apenas é imputável àquele a quem a notificação é efetuada.
Não existem quaisquer razões que demonstrem ter o autor ficado convencido de que a contestação não continha reconvenção, inexistindo qualquer facto que inculque nesse sentido.
Assim, por tudo o exposto, não se verifica que, a decisão recorrida - que, perante a arguição de nulidade do mencionado acto de notificação da contestação, a indeferiu – mereça alguma censura, não tendo, igualmente, aplicado, de forma errónea a lei aplicável.
No mais, cumpre salientar que não se alcança que o decidido, ora sancionado por este Tribunal de recurso, se mostre violador de algum dos princípios invocados pelo apelante.
No vigente CPC, reconheceu-se como pilar fundamental do processo civil português, o princípio do contraditório, precipitado no artigo 3.º do CPC, preceito de onde consta o seguinte:
“1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”.
“O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo” (assim, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado, vol 1º, 1999, p. 8).
Impondo a necessidade de que a discussão do litígio se faça com contradição entre as partes, o artigo 3.º, n.º 3, do CPC estatui, em termos imperativos, que o juiz se encontra adstrito a observar e a fazer cumprir, ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, concretizando a lei que não poderá – salvo caso de manifesta desnecessidade – decidir questões de direito ou de facto (ainda que de conhecimento oficioso), sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, aqui se evidenciando o subprincípio da audiência prévia aplicado ao processo civil.
“O princípio do contraditório é estruturante do direito processual civil, encontrando-se consagrado no artigo 3º do Código de Processo Civil como forma de evitar a denominada “decisão - surpresa”, constituindo corolário do direito fundamental de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Pº 699/13.8GCOVR-B.P1, rel. JORGE LANGWEG).
E conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-04-2018 (Pº 533/04.0TMBRG-K.G1, rel. EUGÉNIA CUNHA), “existe, presentemente, uma conceção ampla do princípio do contraditório, a qual teve origem em garantia constitucional da República Federal Alemã, tendo a doutrina e jurisprudência começando a ligar ao princípio do contraditório ideias de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e de influência na decisão, passando o processo visto como um sistema, dinâmico, de comunicações entre as partes e o Tribunal. Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem. Com o aditamento do nº 3, do art. 3º, do CPC, e a proibição de decisões-surpresa, pretendeu-se uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior ênfase e utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, reforçando-se, assim, a colaboração e o contributo das partes com vista à melhor satisfação dos seus próprios interesses e à justa composição dos litígios. Contudo, o dever de audição prévia só existe quando estiverem em causa factos ou questões de direito suscetíveis de virem a integrar a base de decisão. A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico”.
Em semelhante sentido pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-05-2022 (Pº 491/16.8T8BCL-E.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES) concluindo que: “Actualmente vigora uma concepção ampla do princípio do contraditório, nos termos da qual, além do direito de conhecer a pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão, a ambas as partes, em plena igualdade, é garantido o direito a intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, prova e direito só estando dispensado em casos de manifesta desnecessidade”.
De facto, “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, proíbe a prolação de decisões surpresa, mesmo que de conhecimento oficioso, e garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-05-2017, Pº 28354/16.0YIPRT.P1, rel. FERNANDO SAMÕES).
Porém, não obstante o contraditório constituir um princípio fundamental do processo civil – integrado, desde logo, no Título I (denominado “Das disposições dos princípios fundamentais”) do Livro I do CPC, “importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspetivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade. O cumprimento do princípio do contraditório não se reporta, pelo menos essencial ou determinantemente, às normas que o juiz entende aplicar, nem à interpretação que delas venha a fazer, mas antes aos factos invocados e às posições assumidas pelas partes” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-11-2012, Pº 572/11.4TBCND.C1, rel. JOSÉ AVELINO GONÇALVES).
Evidenciando a estreita correlação entre o princípio do contraditório e a necessidade de celeridade do processo, determinante do “direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo” (cfr. artigo 2.º, n.º 1, do CPC), expressão do direito ao processo equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da CRP), sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 20) que: “Tal como o princípio do contraditório não deve obscurecer o objetivo da celeridade processual, também esta não pode conduzir a uma dispensa do contraditório sob o pretexto da sua desnecessidade. Tal dispensa é prevista a título excecional, de modo que apenas se justificará quando a questão já tenha sido suficientemente discutida ou quando a falta de audição das partes não prejudique de modo algum o resultado final”.
Nalguns casos, a lei determina mesmo que o contraditório se opere de forma deferida. É o que ocorre, por exemplo, com os despachos liminares (neste sentido, vd. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-04-2019, Pº 699/13.8GCOVR-B.P1, rel. JORGE LANGWEG: “Um despacho liminar apenas é precedido de um requerimento, uma petição inicial ou um recurso, não tendo o legislador previsto um despacho prévio ao despacho preliminar. A parte requerente/autora/recorrente, ao apresentar a sua pretensão processual, estando ciente da possibilidade da sua imediata rejeição em despacho liminar previsto na lei, ao ser confrontada com a sua concretização, não pode invocar tratar-se de uma decisão-surpresa. O princípio do contraditório é assegurado, nesses casos, de forma diferida, mediante a arguição, perante o tribunal de primeira instância, de eventual nulidade, ou mediante a interposição de recurso” e, bem assim, exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-05-2018, Pº 16173/17.0T8LSB.L1, rel. NUNO SAMPAIO e de 10-10-2019, Pº 26411/11.8T2SNT-D.L1-6, rel. ANA DE AZEREDO COELHO).
Conforme dá nota Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 46), “o direito ao contraditório (…) possui um conteúdo multifacetado: ele atribui à parte não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção e, portanto, um direito à audição prévia antes de contra ela ser tomada qualquer decisão ou providência, mas também um direito a conhecer todas as condutas assumidas pela contraparte e a poder tomar posição sobre elas, ou seja, um direito de resposta (…).
O contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte no processo. Quanto a esse aspecto vale a regra de que cumpre à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prévia citação”.
A violação do contraditório insere-se, em geral, na cláusula geral sobre as nulidades processuais, a que se refere o artigo 195.º, n.º 1, do CPC e, dada a importância da observância do contraditório, “é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou na decisão da causa” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o Novo Processo Civil; Lex, Lisboa, 1996, p. 48).
Assim, “confrontado com uma decisão que tenha sido proferida com desrespeito pelo princípio do contraditório (v.g. quando se trate de uma verdadeira decisão-surpresa), a sua impugnação deve ser feita através da interposição de recurso, se e quando este for admissível, ou mediante a arguição da nulidade da decisão nos demais casos” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pp. 20-21).
Ora, conforme se expendeu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-01-2015 (Pº 1378/14.4TBMAI.P1, rel. M. PINTO DOS SANTOS), “a violação do princípio do contraditório é geradora da nulidade processual prevista no art. 195º nº 1 do Novo CPC se influir no exame ou na decisão proferida. Quando o acto afectado de nulidade se encontra coberto por decisão que se lhe seguiu, tal nulidade pode ser objecto de recurso e pode ser declarada pelo Tribunal da Relação”.
Conforme referia Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, reimpr., p. 424): “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão do tribunal, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição de lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (…) e não por meio de arguição de nulidade de processo”.
No mesmo sentido, Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 183) entendia que “se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou, expressa ou implicitamente, a prática de qualquer acto que a lei impõe, o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. Trata-se em suma da consagração do brocardo: «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se»”.
Igualmente, Antunes Varela (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, p. 393) referenciava que, “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”.
Ainda no mesmo sentido, defendia Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, p. 134) que, “tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso (…)”.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, encontra-se intocado o aludido princípio do contraditório, sob qualquer das suas vertentes, pela efetivação da notificação realizada, tendo sido dado conhecimento ao autor de que o réu tinha deduzido contestação.
E, como se viu, na concretização da correspondente notificação (notificação da contestação ao autor) não tinha o Tribunal de ter efetuado outra especificação para além da que dela fez constar, não tendo sido coartado, de algum modo, o direito de defesa ou de contradição do autor.
O autor, se o entendesse pertinente, poderia apresentar a réplica que omitiu ou, por outro modo, poderia pronunciar-se sobre os documentos apresentados, ou ainda, contradizer o invocado em sede de contestação, apresentando, no articulado que correspondentemente deduzisse, os meios de defesa que considerasse relevantes e pertinentes.
Iguais considerações nos merece a apreciação da situação em face do princípio da igualdade substancial das partes.
Conforme salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, Wolters Klüwer/Coimbra Editora, p. 219), “[o] princípio da igualdade constitui um dos elementos estruturantes do constitucionalismo”, conformando todo o sistema jurídico.
Deriva do princípio da igualdade – artigo 13.º da CRP - que o legislador deve tratar por igual aquilo que é essencialmente igual e desigualmente aquilo que é essencialmente desigual. Daqui deriva uma proibição do arbítrio, concretizando-se no artigo 202.º, n.º 2, da CRP, que incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, o que postula (a par com outras vinculações do julgador – como a obrigação de fundamentação legal de decisões -artigo 205.º da CRP – e de respeito pelos comandos constitucionais – cfr. artigo 204.º da CRP) o respeito pelo princípio da igualdade. Este princípio espelha-se, igualmente, no exercício de pretensões jurídicas, consagrando o artigo 20.º da CRP - Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1) e todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo (n.º 4).
A consagração constitucional do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, nº4 da Constituição da República Portuguesa) envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza.
Como é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC n.ºs 86/88, 157/2008 e 530/2008) o direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras.
Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 339), a respeito do estruturante princípio da igualdade, “o seu âmbito de protecção abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: (a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com os critérios de valor objectivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; (b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias (cfr. nº2, onde se faz expressa menção de categorias subjectivas que historicamente fundamentaram discriminações); (c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas da natureza social, económica e cultural (cfr., por ex., arts. 9º/d e f, 58º-2/b e 74º-1)”.
Como se referiu no Acórdão n.º 96/2005 do TC, de 23-02-2005 (rel. PAULO MOTA PINTO) “muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio [da igualdade] postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais)  -  cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de março de 1988, e II Série, de 12 de setembro de 1990, 30 de julho de 1993, 6 de outubro do mesmo ano, e 19 de janeiro e 30 de agosto de 1994, respetivamente”.
“A vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pertencendo-lhe, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente” (assim, o Acórdão do TC n.º 159/2019, de 13-03-2019, rel. CATARINA SARMENTO E CASTRO).
E, conforme se sublinhou no acórdão da Comissão Constitucional, n.º 458 (Apêndice ao Diário da República, de 23 de agosto de 1983, p. 120): “Aos tribunais, na apreciação daquele princípio, não compete verdadeiramente «substituírem-se» ao legislador, ponderando a situação como se estivessem no lugar dele e impondo a sua própria ideia do que seria, no caso, a solução “razoável”, “justa” e “oportuna” (do que seria a solução ideal do caso); compete-lhes, sim “afastar aquelas soluções legais de todo o ponto insuscetíveis de se credenciarem racionalmente”
Concretização deste princípio fundamental no âmbito do processo civil é a da exigência de igualdade relativa das partes perante o Tribunal, a propósito do que se fala de “igualdade de armas”.
Salienta Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto; Coimbra Editora, 1996, pp. 105-106) que “[o] princípio da igualdade de armas constitui, tal como o do contraditório, manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o tribunal. No que particularmente lhe respeita, impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva instrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis a outra. Próximo do princípio constitucional da igualdade e não discriminação (art. 13 CR), o princípio da igualdade de armas impõe um «estatuto de igualdade substancial das partes» (…)”.
Também Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1996, pp. 38-43) salienta que “[a]mbas as partes devem possuir em processo os mesmos poderes, direitos e deveres, isto é, cada uma delas deve situar-se numa posição de plena igualdade perante a outra e ambas devem ser iguais perante o tribunal (…). Mas o Estado social de direito previsto no art. 2.º CRP exige mais do que uma igualdade meramente formal entre as partes da acção: há que assegurar uma igualdade substancial das partes e que evitar trata partes essencialmente iguais de forma desigual e de modo igual partes que são fundamentalmente desiguais (…).
Um primeiro problema suscitado pelo artigo 3.º-A [atual artigo 4.º do CPC] é o de saber o que se deve entender por “igualdade substancial das partes”. Uma situação de igualdade ou de desigualdade pressupõe uma comparação através de certos factores (…).
A melhor solução é a que entende que o princípio da igualdade substancial das partes importa a prevenção ou correcção das posições de desigualdade que se verifiquem em processo, independentemente da situação extraprocessual de cada uma das partes. Se não fosse assim, poder-se-ia questionar se este papel assistencial do juiz não colidiria com a sua necessária imparcialidade perante as partes. Mas, entendido desse modo, o princípio da igualdade substancial não choca com o princípio da imparcialidade do tribunal. Esta imparcialidade traduz-se numa independência perante as partes, mas, neste contexto, imparcialidade não é sinónimo de neutralidade: a imparcialidade impõe que o juiz auxilie do mesmo modo qualquer das partes necessitadas ou, dito de outra forma, implica, verificadas as mesmas condições, o mesmo auxílio do juiz a qualquer dessas partes; a neutralidade determina a passividade do juiz perante a desigualdade substancial das partes (…).
A posição processual das partes é, em muitos dos seus aspetos, substancialmente distinta. Por exemplo: o autor escolhe, normalmente segundo o seu arbítrio, o momento da propositura da ação e o réu tem sempre um prazo limitado para apresentação da sua defesa (…) o que origina uma desigualdade substancial entre as partes a favor do autor (…).
O princípio da igualdade substancial destina-se a impedir que o juiz crie, pela sua própria actividade ou (o que poderá suceder mais frequentemente) pela sua omissão, situações de desigualdade substancial das partes.
A referência à igualdade substancial que consta do artº 3.º-A não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais. Quer dizer: a igualdade substancial é algo que não pode ser alcançado através da supressão dos factores de igualdade formal, mas através de um auxílio suplementar a favor da parte carenciada do auxílio (…)”.
A respeito da questão de saber se a igualdade substancial das partes deve constituir também um critério de decisão do Tribunal, ou seja, se deve determinar que, para se obter a igualdade substancial das partes, o juiz pode proferir uma decisão cujo conteúdo é determinado pela situação extraprocessual das partes, refere Miguel Teixeira de Sousa (ob. cit., p. 45) que “o tribunal só pode introduzir na sua decisão as correcções que a lei permitir ou que resultarem de qualquer [dos] critérios formais de decisão (…)”, exemplificando com uma decisão que aplique uma multa a uma parte e outra multa a outra parte, salientando que, nada impõe a aplicação de um valor igual a ambas as sanções que não atenda à desigualdade económica das partes.
Na linha do que se vem expondo, “os princípios da igualdade de armas e das partes, não se pode[m] confundir com uma atitude assistencialista do tribunal relativamente à parte mais fraca.
Se o juiz entender que, para cumprir o dever de procurar a verdade material e não apenas a verdade processual ou formal, decidir ouvir uma testemunha ou mandar juntar um documento que, afinal, favorece a parte mais forte, mesmo assim está obrigado a mandar produzir tal prova.
Isto significa, como sublinha Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 44, que “a expressão do princípio da igualdade deve ser procurada fora daqueles poderes instrutórios ou inquisitórios, o que de modo algum exclui um amplo campo de aplicação desse princípio. Esta aplicação verifica-se tanto no conteúdo positivo, que impõe ao tribunal um dever de construir a igualdade das partes, como no conteúdo negativo, que o proíbe de originar, pela sua conduta, uma desigualdade entre as partes.”” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11-02-2021, Pº 405/19.3T8FAR.E1, rel. JOSÉ MANUEL BARATA).
Em síntese, conforme bem se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-10-2016 (Pº 7303/15.8T8CBR.C1, rel. RAMALHO PINTO): “O princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas, implicando antes que se trate por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, de tal maneira que só haverá violação desse princípio da igualdade se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais”.
Em suma: O princípio da “igualdade de armas” implica a paridade simétrica das posições das partes perante o tribunal, impondo o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses, existindo violação deste princípio se houver tratamento diferenciado de situações essencialmente iguais.
Todavia, o não cumprimento de regras processuais será imputável à respetiva parte, sem que se possa afirmar a existência de violação do princípio da igualdade (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2020 (Pº 1776/19.7T8MTS-A.P1, rel. DOMINGOS MORAIS).
Na aferição do respeito por tal princípio, no que respeita a cada uma das partes, não poderá olvidar-se que a função dos diversos articulados admissíveis em processo civil é diversa (petição inicial, contestação, réplica), pelo que, também diversa é a posição dos apresentantes de cada um desses articulados e que a forma pela qual se fazem chegar à contraparte os articulados deduzidos também é diverso, atento o diverso grau de impacto intra-processual, que a notificação de tais articulados implica.
Como se disse, o grau de impacto na esfera jurídica da parte é substancialmente diverso, quando o réu é citado e lhe é dado conhecimento de que, contra ele, foi deduzida uma ação, daquele em que o autor, que já inicialmente deduziu uma pretensão, é notificado de que o réu se defendeu, apresentando uma contestação, relativamente ao articulado inicial do demandante.
Essa diferença é assumida pelo legislador, sem que se possa dizer que implique alguma violação do princípio da igualdade substancial das partes.
Não se verifica que, por a notificação da contestação ter ocorrido da forma como ocorreu haja uma discriminação de uma parte relativamente à outra. O que ocorre é que, como se vem dizendo, a posição processual de demandante e demandado é diversa, o que justifica diversa configuração legal relativamente aos meios de defesa ou de pronúncia que estão acessíveis a cada uma dessas partes.
Conforme se aludiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2020 (Pº 1776/19.7T8MTS-A.P1, rel. DOMINGOS MORAIS), “inexiste a violação dos princípios de igualdade, equidade e imparcialidade quando a parte apresenta a acção em juízo e exerce o direito ao processo em todas as fases processuais. Se o faz indevidamente, sibe imputet”.
No caso, para além do mais, não se mostra beliscado o direito a uma solução jurídica do conflito pela decisão tomada.
Nesta medida, igualmente, inexiste alguma violação do direito de acesso ao direito ou à tutela jurisdicional efetiva.
Podem sintetizar-se as considerações expendidas na formulação das seguintes proposições principais:
- A apresentação da contestação em juízo é notificada ao autor pela secretaria, em conformidade com o disposto nos artigos 221.º, n.º 1 e 575.º, n.º 1, do CPC;
- Tendo ocorrido notificação do articulado de contestação ao autor -do qual constava a expressão “CONTESTAÇÃO COM RECONVENÇÃO”, pretensão que foi deduzida expressamente identificada e deduzida separadamente, nos termos do artigo 583.º, n.º 1, do CPC – e mencionando-se no ofício de notificação remetido o seguinte: “Assunto: Contestação. Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação aos presentes autos, que se anexa”, a notificação não padece de algum vício, não estando em falta a prática de qualquer ato que devesse ser realizado, para que o réu tomasse plena constatação do ato que lhe tinha sido notificado;
- A existência de uma reconvenção numa contestação não altera o estatuto da peça processual em causa, que constitui um articulado de contestação (só que com dedução de reconvenção e com os respetivos efeitos legais, nomeadamente para a apresentação da réplica, nos termos do artigo 584.º, n.º 1, do CPC); e
- Sendo a reconvenção parte integrante da contestação, admitido este articulado - o que foi comunicado ao autor por diversas ocasiões - , o autor tinha o dever de saber que, tal articulado, poderia conter uma reconvenção, que lhe viabilizasse a possibilidade de apresentação de réplica, sendo esse um objeto possível do articulado de contestação, mas que não o modifica, nem exige formalidades acrescidas no que respeita à sua notificação à contraparte.
A questão em apreço deve, pois, receber resposta negativa.
*
B) Se deve ser revogada a decisão que admitiu o pedido reconvencional?
Conclui o recorrente, ainda, que:
“(…) FF. No que ao pedido reconvencional diz respeito pronunciou-se o Tribunal a quo admitiu o mesmo, não podendo o aqui recorrente conformar-se com tal decisão.
GG. No caso concreto não alega nem demonstra qualquer facto suscetível de constituir um crédito sobre o Autor.
HH. Limita-se a juntar uma cópia de um cheque bancário que tem como beneficiário a sociedade Pescatum, posteriormente endossado e não um cheque da própria Ré AL que apresenta o pedido de reconvenção.
II. Ou seja, em nenhum momento demonstra a reconvinte que foi esta que pagou o que quer que seja ao Banco.
JJ. Outrossim, decorre claramente da alegação e da documentação junta aos autos que terá sido a Pescatum a pagar.
KK. Se foi a reconvinte a pagar à Pescatum, a título de suprimentos, a título de mútuo ou outro é manifestamente não oponível ao aqui recorrente e como tal insuscetível de servir de fundamente à reconvenção.
LL. O direito de regresso tal como formulado em sede da petição inicial ocorre e funda-se no facto do avalista, aqui recorrente (diretamente) ter pago a dívida ao credor Banco Popular, em sede do processo executivo contra si movido, tendo por isso direito de regresso sobre o devedor principal e co-avalista.
MM. Coisa bem distinta está descrita na reconvenção, em que não foi a reconvinte que pagou o que quer que fosse à credora.
NN. Donde não existe qualquer direito de regresso, motivo pelo qual não poderá ser admissível a reconvenção.
OO. Donde por carecer de qualquer tipo de fundamento não pode a reconvenção ser admitida.
PP. Enfatize-se que a reconvinte como entidade detentora do capital social da Ré Pescatum e devedora principal da obrigação age em manifesto abuso de direito ao peticionar um montante que, a ter entregue à Ré Pescatum, o fez em benefício próprio e voluntariamente.
QQ. Situação não confundível com as circunstâncias em que o aqui Recorrente teve que proceder ao pagamento da quantia peticionada à credora Banco Popular, ao ser demandado judicialmente para o efeito na qualidade de avalista de tal responsabilidade.
RR. Motivo pelo qual não poderá a reconvenção ser admitida, o que expressamente se requer com as demais consequências legais.”.
Vejamos:
Em termos gerais, no âmbito do processo comum de declaração, para além de impugnar os factos articulados pelo autor, ou de contra ele deduzir exceção dilatória ou perentória, o réu pode aproveitar o articulado de defesa para operar uma modificação objetiva da instância, deduzindo um pedido que seja autónomo relativamente ao pedido do autor, “visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido, ultrapassará uma postura ou atitude simplesmente defensional, pois que acrescentará algo de inovatório (relativamente ao pedido principal), dizendo em tal eventualidade que se defendeu, ou melhor, que contra-atacou através de reconvenção” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 149).
De facto, conforme resulta do disposto nos nºs. 1 do artigo 266.º do CPC, o réu pode deduzir pedido reconvencional, apresentando uma contra-pretensão contra o autor, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 266.º do CPC, não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda forma de processo diferente da do pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos do artigo 37.º, n.ºs. 2 e 3 do CPC, com as necessárias adaptações.
O réu deve observar, na dedução do pedido reconvencional, determinados requisitos formais ou processuais legalmente exigidos para a obtenção de uma decisão de mérito, como sejam:
- A verificação dos pressupostos processuais relativos à competência absoluta do tribunal (em razão da matéria, nacionalidade e hierarquia) – cfr. artigo 93.º, n.º 2, do CPC;
- A verificação dos pressupostos processuais relacionados com a forma do processo (cfr. artigo 266.º, n.º 3, do CPC);
-A dedução na contestação, de modo separado, discriminado e destacado ou isoladamente (no caso de não existir contestação-defesa) e com subordinação a artigos como qualquer outro articulado, devendo conter as indicações e elementos constantes do artigo 552.º, n.º 1, als. c), d) e e) do CPC (cfr. artigo 583.º, n.º. 1, do CPC);
- A indicação do valor da reconvenção (cfr. artigo 583.º, n.º 2, do CPC).
Para além dos requisitos processuais e conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 266.º do CPC, o exercício do direito de reconvir depende ainda da verificação de requisitos de ordem substancial ou material, apenas sendo admissível em situações em que exista uma certa conexão entre o pedido do autor e o formulado pelo réu.
A reconvenção é, assim, materialmente admissível nos casos elencados no artigo 266.º, n.º 2, do CPC, a saber:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A reconvenção pode ainda ser deduzida a título eventual – reconvenção subsidiária – para o caso de o pedido originário do autor vir a ser julgado procedente (neste sentido, vd., entre outros, na doutrina, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 153; Miguel Teixeira de Sousa; “Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 11-18; Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 158; Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 221; e, na jurisprudência, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 20-05-2004, Pº 0432573, rel. FERNANDO BAPTISTA; de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES; de 21-11-2019, Pº 1414/18.5T8PVZ.P1, rel. CARLOS PORTELA; e de 13-10-2020, Pº 3393/18.0T8PNF.P2, rel. VIEIRA E CUNHA).
Miguel Teixeira de Sousa (“Reconvenção subsidiária, valor da causa e responsabilidade pelas custas”, in Cadernos de Direito Privado, ISSN 1645-7242, n.º 7, 2004, pp. 12-13), distingue, ainda, a reconvenção subsidiária da reconvenção dependente, considerando que, enquanto, na primeira, se verifica que o réu quer obter, antes do mais, a improcedência da ação (pedido principal) e apenas, se tal não suceder, pretende a procedência do pedido reconvencional (pedido subsidiário), já na segunda figura (reconvenção dependente) o réu utiliza a procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor como objeto prejudicial face à reconvenção que deduz.
Relativamente à alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado; Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, p. 531) que a correspondente previsão pressupõe que o pedido reconvencional se funde na mesma causa de pedir, total ou parcialmente, que a do pedido do autor (de acordo com a teoria da substanciação, importando a causa de pedir integrada pelos factos concretos que caraterizam a norma/instituto jurídico invocados).
Assim, “a dedução de um pedido reconvencional fundado na mesma causa de pedir do pedido do autor, pressupõe que aquela seja entendida à luz da teoria da substanciação, isto é, integrada pelos factos concretos que concretizam a norma ou o instituto jurídicos invocados, não valendo para o efeito a abstracta invocação pelo réu dos mesmos norma ou instituto jurídicos, quando consubstanciados por factos absolutamente diferentes e distintos dos primitivos (arts. 266º, nº 1 e nº 2, al. a), e 581º, nº 4, ambos do C.P.C.)” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2018, Pº 1630/17.7T8VRL-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS).
De facto, tratando-se a reconvenção de uma contra-pretensão do requerido, embora dentro do mesmo processo, um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que, o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo, ou no qual o réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo autor-reconvindo.
Sobre a mesma alínea a) reportam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 302) que, “[o] facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação especificada dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Conforme evidencia Mariana França Gouveia (A Causa de Pedir na Ação Declarativa; Almedina, 2019, p. 270), “a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconvenção, deve ser definida através do facto principal comum a ambas as contra pretensões”, ou seja, que “os factos alegados devem ser selecionados através das normas jurídicas alegadas, assim se determinando quais são os principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a ação e para a reconvenção, haverá identidade de causa de pedir e, logo, estará preenchido o requisito” previsto na alínea a) do n.º 2, do artigo 266.º do CPC.
Assim:
“A admissibilidade da reconvenção pressupõe uma conexão objectiva entre as duas ações, um nexo entre os objectos da causa inicial e da causa reconvencional.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação se existir identidade, total ou parcial, de ambas as causas de pedir, a da ação e da reconvenção.
O pedido reconvencional do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa quando faz nascer uma questão prejudicial em relação à causa principal, ou seja, produza “efeito útil defensivo”, capaz de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-03-2020, Pº 590/19.4T8GRD-A.C1, rel. JORGE ARCANJO).
Isso mesmo se expressou, igualmente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06-05-2021 (Pº 2103/19.9T8VNF-A.G1, rel. JORGE TEIXEIRA) no qual se referiu o seguinte:
“A primeira parte da al. a) do n.º 2 do art. 266 carece de ser interpretada no sentido de que a reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o Autor funda o direito que invoca. Já a segunda parte daquela alínea tem o sentido de que só é admissível a reconvenção quando o réu-reconvinte invoque como meio de defesa qualquer acto ou facto jurídico que tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelo autor e com base nesse acto ou facto – ou parte dele - que serve de fundamento à sua defesa, deduza o pedido reconvencional. Isto porque, tratando-se de uma contra pretensão, conquanto dentro do mesmo processo, a reconvenção, embora com um pedido autónomo, deve ter certa compatibilidade com a causa de pedir do autor, pelo que o pedido reconvencional tem de ter necessariamente a sua génese na causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo, ou a factualidade na qual o Réu-reconvinte estriba a sua defesa em relação a essa causa de pedir invocada pelo Autor-reconvindo. Por sua vez, a defesa por excepção consiste, antes, num ataque lateral ou de flanco, com a alegação de factos novos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos alegados pelo autor, socorrendo-se o réu de factos diversos daqueles em que se funda a petição”.
Assim, a primeira parte da mencionada alínea a) só poderá ter o sentido de a reconvenção ser admissível quando o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir da acção, isto é, o mesmo facto jurídico (real ou concreto) em que o autor fundamenta o direito que invoca, de modo a concluir-se que o pedido cruzado do réu resulte naturalmente, ou até se contenha, na causa de pedir do autor: Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento do preço da compra e venda, o réu pede a condenação do autor na entrega da coisa (o mesmo contrato é, simultaneamente, causa do pedido do autor e do réu).
Por seu turno, a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC tem o sentido de a reconvenção ser admissível quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que, a verificar-se, tenha a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor, em termos de tal pretensão do réu ser normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa (cfr., neste sentido, entre outros, Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, II, p. 28 e os acórdãos do STJ de 05-03-1996, in BMJ 455.º, p. 389 e de 27-04-2006, Pº 06A945, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS e do Tribunal da Relação do Porto de 16-09-1991, CJ, ano XVI, tomo IV, p. 247 e de 05-07-2011, Pº 7830/10.3TBVNG-A.P1, rel. FERNANDO SAMÕES): Pedida, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de remanescente do preço de empreitada, o réu exceciona a anulabilidade do contrato por dolo e pede a condenação do autor na restituição do que pagou e em indemnização (a causa de pedir da reconvenção assenta nos factos que sustentam a anulabilidade do contrato e o seu incumprimento pelo autor).
De todo o modo tem que existir uma conexão entre o pedido do autor e do réu e esta tem de ser “uma conexão forte, não bastando uma ténue ligação entre os objectos da acção e da reconvenção, já que a lei optou, como vimos, por um sistema restritivo de admissibilidade da reconvenção, o que implica, por parte do juiz, uma análise minuciosa das causa de pedir alegadas nas duas demandas cruzadas” (cfr., Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 43).
Na alínea b) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, admite-se a reconvenção “quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida”.
Conforme refere Marco António de Aço e Borges (A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 76), “[c]onstitui pressuposto do uso da reconvenção com este fim a existência de uma acção através da qual o autor peticione a entrega de uma coisa certa e determinada.
Esta situação está pensada para aqueles casos em que o detentor da coisa é demandado para a entregar e pede, em reconvenção, uma indemnização fundada nas benfeitorias ou despesas introduzidas ou efectuadas com respeito a essa coisa.
Estão nessa situação o depositário, o comodatário, o mandatário, o locatário”.
O pedido reconvencional para indemnização por benfeitorias é um pedido que pressupõe a alegação de factos materiais concretos que devam ser qualificados como benfeitorias, devendo ser um pedido específico, certo e determinado, “já que, sendo genérico (…) isto é, indeterminado no seu quantitativo, é ilegal, porquanto a lei o proíbe fora dos apertados casos taxativamente enumerados no artº [556.º do CPC]” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, p. 76).
De acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, admite-se a pretensão reconvencional, “quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor”.
A compensação – causa de extinção de obrigações para além do cumprimento –operará quando uma pessoa dever a outra certa quantia, por determinado título, sendo credora dela, de igual ou diversa quantia, por título diferente.
“O legislador do NCPC, ao introduzir a redacção plasmada na alínea c), do n.º2 do art.º 266º, teve por fito pôr termo à controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre a questão da admissibilidade da compensação por via de excepção, nos casos em que o valor da mesma fosse inferior ao do pedido do autor, optando por estabelecer que a compensação só pode operar por via reconvencional, independentemente do seu valor ser inferior ou não ao pedido formulado pelo autor.” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-02-2018, Pº 96889/16.5YIPRT.E1, rel. SILVA RATO).
A compensação traduz um “encontro de contas” e, por isso, “não é possível invocar a compensação, (…) se o réu negar a existência do crédito contra si afirmado, caso contrário, seria um contrassenso” (assim, Marco António de Aço e Borges; A Demanda Reconvencional; Quid Juris, 2008, pp. 63-64). De todo o modo, o réu poderá reconvir pedindo o reconhecimento de um crédito, para obter a compensação, “para o caso de não proceder a defesa dele consistente na negação do direito de crédito do autor” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-02-2022, Pº 1058/20.1T8ACB-A.C1, rel. FERNANDO MONTEIRO).
Finalmente, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 266.º do CPC, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter, falando-se, a propósito em reversão a favor do réu, do efeito jurídico pretendido pelo autor (hipótese legal que foi especialmente pensada para as ações de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens).
No caso em apreço, o Tribunal recorrido pronunciou-se (cfr. ata de audiência prévia de 15-02-2022) sobre a questão da admissibilidade do pedido reconvencional, nos seguintes termos:
“(…) A. DA ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO RECONVENCIONAL
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Na presente acção, a 2.ª Ré, não só contestou, como também alegou a existência de contra-crédito e peticionou a condenação do Autor no pagamento a esta do valor de € 150.000,00.
Não se tendo pronunciou o Autor quanto à admissibilidade de tal pedido.
Vejamos se deve, ou não, ser admitido o pedido reconvencional formulado.
Tal admissibilidade, passa pela análise do disposto nos arts. 266.° e 93.°, ambos do Código de Processo Civil (e ainda, em relação a alguns aspectos, do art. 583.°, do mesmo diploma legal).
Antes, contudo, e como referem, em jeito de definição, JOSÉ LEBRE DE FREITAS / JOÃO REDINHA / Rui PINTO, in Código de Processo Civil. Anotado, Volume 1.° - artigos l.°a 380.°, Coimbra Editora, p. 488, temos que “A reconvenção, consistindo num pedido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (...). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.° 2 [do art. 274.°, do Código de Processo Civil] estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tomam esta admissível” (parêntesis nosso) -a propósito dos mencionados factores de conexão, diz ainda JOSÉ ALBERTO DOS REIS que “seria inadmissível que ao réu fosse lícito enxertar numa acção pendente uma outra que com ela não tivesse conexão alguma.” (in Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra, 1945, p. 99).
A saber, é admissível a reconvenção (Requisitos Objectivos de Admissibilidade da Reconvenção):
(1) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção [art. 266.°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Civil];
(2) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa [art. 266.°, n.° 2, al. a), do Código de Processo Civil];
(3) quando o réu se propõe a tomar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida [art. 266.°, n.° 2, al. b), do Código de Processo Civil];
(4) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor [art. 266.°, n.° 2, al. c), do Código de Processo Civil];
(5) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter [art. 266.°, n.° 2, al. d), do Código de Processo Civil].
Excluídas que estão, liminarmente, in casu, as hipóteses previstas nas ais. a), b) e d), do n.° 2, do art. 274.°, do Código de Processo Civil, o pedido reconvencional formulado pela 2.ª Ré apenas poderá fundar-se na alínea c), desse mesmo n.° 2.
No caso dos autos, o Autor formula a sua pretensão com base num alegado direito de crédito sobre cada uma das Rés.
Por seu turno, a 2.a Ré/Reconvinte, alegando um contra-crédito, peticiona a condenação do Autor no valor excedente ao crédito de que se diz titular.
Em face do que vimos de descrever, facilmente se compreenderá que o pedido reconvencional formulado pela 2.a Ré/Reconvinte é pedido em que pretende o reconhecimento de um crédito para o pagamento do valor em que o seu crédito excede o do autor, pelo que é admissível, tanto mais que, corresponde a pretensão de tutela jurisdicional substancialmente autónoma (cff., em sentido semelhante, PAULO PIMENTA, Reconvenção, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXX [Separata], Coimbra, 1994).
Mas não basta para que tenhamos por admissível o pedido reconvencional.
É que, para além dos sobreditos requisitos objectivos de admissibilidade da reconvenção, para que esta seja admitida é ainda necessária a verificação de determinados requisitos de índole processual.
A saber (Requisitos Processuais de Admissibilidade da Reconvenção):
(1) identidade do juízo competente -o tribunal é competente para a apreciação do pedido reconvencional, sempre que seja absolutamente competente (cfr. o art. 93.°, n.° 1, do Código de Processo Civil) [conforme referem ANTÓNIO MONTALVÃO MACHADO / PAULO PIMENTA, in O Novo Processo Civil, 6.a Edição, Almedina, Porto, 2004, p. 174, “(•••) o regime processual a que se sujeita o pedido do réu há-de ser idêntico, seja apresentado em reconvenção, seja em acção própria. Por outras palavras, se para deduzir o seu pedido em acção própria, o réu (que aí seria autor) teria de observar todos os requisitos técnicos que a lei exige para que se possa obter uma decisão de mérito, isto é, teria de respeitar todos os pressupostos processuais, impõe-se que quando “aproveita” um processo já pendente, para nele enxertar a sua própria acção, também dê cumprimento aos mesmos pressupostos, sem o que, sob a veste da reconvenção, seriam torneados, sem justificação, obstáculos de natureza processual.”] - cff., ainda, o art. 93.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, o qual estabelece as consequências para a circunstância de o tribunal deixar de ser competente em razão do valor;
(2) identidade das formas do processo -apenas é admissível a reconvenção, quando ao pedido reconvencional corresponda a mesma forma de processo da que corresponde ao pedido do autor (isto para que a apreciação do pedido reconvencional não cause perturbações ou dificuldades à normal tramitação do processo em que é enxertado), excepto quando o juiz o autorize (art. 266.°, n.° 3, do Código de Processo Civil).
Ora, como é bom de ver, no caso dos autos, não se mostram desrespeitados quaisquer destes requisitos processuais de verificação da admissibilidade da reconvenção, pois que o tribunal da causa é nacional, material e hierarquicamente competente para a apreciação do pedido reconvencional (cfr. os arts. 62.°, 64.° e 67.°, do Código de Processo Civil) e a forma de processo aplicável a ambos os pedidos é a forma comum (cfr. o art. 546.°, do Código de Processo Civil).
Tanto basta para que tenhamos por admitida a reconvenção.
Assim, em face de tudo o que antecede, vai admitido o pedido reconvencional formulado pela 2.a Ré. na medida em que se enquadra no requisito de admissibilidade previsto no art. 266.°, n.° 2, al. cl. do Código de Processo Civil, e satisfaz as exigências processuais dos arts. 93.°, n.° 1 e 266.°. n.° 3, ambos do Código de Processo Civil.
Notifique (…)”.
Ora, não se alcançam razões para divergir deste entendimento.
Na realidade, o apelante limita-se a invocar que a alegação do réu não “alega nem demonstra qualquer facto suscetível de constituir um crédito sobre o Autor”, limitando-se a juntar uma cópia de um cheque bancário que tem como beneficiário a sociedade Pescatum, posteriormente endossado e, não, um cheque da ré AL que deduz a reconvenção.
Contudo, se bem se vê, esta circunstância – ou a pessoa de quem “pagou” - relaciona-se com factos invocados pela ré e com a prova da pretensão reconvencional e com a questão da sua procedência/improcedência, mas não, com a da sua admissibilidade liminar, relativamente à qual o invocado abuso de direito não colhe.
É que, conforme se concluiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2022 (Pº 2535/19.2T8VFR-A.P1.S1, rel. JOÃO CURA MARIANO): “A verificação do preenchimento de uma das situações taxativamente tipificadas nas alíneas do n.º 2, do artigo 266.º, do Código de Processo Civil, de admissão de um pedido reconvencional, deve ser apurada pela leitura da situação jurídica invocada na reconvenção, tal como é configurada pelo reconvinte. Mas, a admissibilidade processual do pedido reconvencional deduzido não se encontra dependente da procedência dessa causa de pedir. Essa já é uma questão relativa ao mérito do pedido reconvencional formulado e não à sua mera admissibilidade processual”.
Conforme se explica na fundamentação de tal aresto, na situação que apreciou, “(…) a decisão recorrida não admitiu o pedido reconvencional por ter entendido que a Ré não é titular do direito de crédito que invocou na contestação para deduzir o pedido reconvencional em causa. Este fundamento, pelas razões acima expostas, não pode ser motivo de não admissão do pedido reconvencional, uma vez que se traduz já numa apreciação do mérito desse pedido que teria como resultado, não a inadmissibilidade processual do pedido reconvencional, mas sim a sua improcedência com a consequente absolvição do Autor desse pedido.”.
Ou seja: A invocada ausência de alegação ou de demonstração de facto suscetível de constituir um crédito sobre o autor não pode constituir motivo de não admissão do pedido reconvencional, traduzindo-se numa apreciação do mérito da reconvenção, não influindo sobre a questão da admissibilidade/inadmissibilidade processual de tal pretensão.
Em face do exposto, inexiste motivo para a revogação da decisão recorrida, na parte em que admitiu o pedido reconvencional.
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A apelação improcederá em conformidade com o exposto, com manutenção da decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre o autor/apelante, que decaiu, para este efeito, integralmente – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo autor/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 20 de abril de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
João Miguel Mourão Vaz Gomes