Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ANTÓNIO MOREIRA | ||
Descritores: | ERRO NA DECLARAÇÃO ANULABILIDADE RETROACTIVIDADE GOZO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE/ APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1. Quando o declarante forma uma determinada vontade mas exterioriza uma vontade distinta, o acto é anulável desde que o elemento sobre o qual incidiu o erro se apresente como essencial para o declarante e o declaratário conheça (ou não deva ignorar) tal essencialidade. 2. Quando está em causa a destruição retroactiva dos efeitos de um contrato pelo qual se cedeu o gozo temporário de uma coisa por prazo certo e contra o pagamento de uma prestação por cada um dos meses desse prazo, a ideia subjacente ao disposto no art.º 289º do Código Civil é que ao locatário deve ser restituído o valor das prestações que entregou, enquanto ao locador deve ser restituído o valor relativo ao gozo de que beneficiou o locatário, uma vez que a restituição em espécie desse gozo não se revela possível, e correspondendo o valor desse gozo ao valor das prestações entregues pelo locatário enquanto o bem esteve na sua disponibilidade, usando-o para o fim a que o mesmo se destina. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: Em 23/5/2023 D., Ld.ª intentou acção declarativa com forma comum contra L.P., Ld.ª, pedindo que se declare anulado o contrato de renting celebrado entre ambas e que a R. seja condenada na devolução de todas as quantias entregues pela A. até à propositura da acção, no montante de € 14.351,70, bem como na devolução de todas as quantias que se vierem a vencer desde a data da propositura da acção até que o aludido contrato de renting seja considerado anulado. Alega para tanto e em síntese que: • Após ter solicitado cotação à R. para o renting de um veículo durante 48 meses e 40 mil quilómetros anuais, a R. apresentou-lhe duas propostas, ambas pelo prazo em questão e ambas contemplando os referidos 40 mil quilómetros anuais; • A A. aceitou uma das propostas da R. em 28/10/2020, recepcionando em 5/11/2020 as cláusulas contratuais gerais do contrato e o contrato individual em 20/11/2020, o qual referia o veículo escolhido pela A., o prazo de 48 meses e a quilometragem pretendida (40 mil quilómetros), e tendo assinado e devolvido o mesmo à R.; • Em 3/6/2022 a R. comunicou à A. que a quilometragem contratada tinha sido excedida, pelo que a mensalidade de € 396,86 iria passar para € 620,91; • Uma vez que a quilometragem anual do veículo não excedia os 40 mil quilómetros a A. pediu esclarecimentos à R., que a informou que a quilometragem contratada (40 mil quilómetros) respeitava a toda a duração do contrato, e não a cada período anual; • Uma vez que a A. nunca teve a intenção de contratar uma quilometragem de 40 mil quilómetros para toda a duração do contrato, o que era do conhecimento da R. em virtude das comunicações trocadas entre ambas, e não tendo a R. corrigido o erro que cometeu, desde Junho de 2022 a A. não mais circulou com o veículo porque não tem interesse na manutenção do contrato, já que nunca o quis realizar nos termos que dele ficaram a constar; • Desde Dezembro de 2020 até Maio de 2023 a A. entregou à R. a quantia total de € 14.351,70, correspondente à mensalidade de € 378,21 devida em Dezembro de 2020, às mensalidades de € 396,86 devidas entre Janeiro de 2021 e Junho de 2022, e às mensalidades de € 620,91 devidas entre Julho de 2022 e Maio de 2023. Regularmente citada, a R. apresentou contestação onde, em síntese, confirma as duas propostas que apresentou à A., mais alegando que aquela proposta que a A. refere ter aceitado foi apresentada ao abrigo de uma campanha, e não se tendo concretizado a celebração do contrato directamente com a R. mas através da concessionária L., Ld.ª, à qual a R. entregou propostas distintas e não abrangidas pela campanha, sendo que as condições do contrato resultaram da aceitação da proposta enviada pela R. à referida concessionária, e sendo esta quem remeteu à R. a documentação assinada pela A., na qual constava uma quilometragem de 40 mil quilómetros para todo o prazo de 48 meses de vigência do contrato, e contra o pagamento da referida mensalidade de € 396,86. Conclui pedindo a intervenção principal provocada da referida L., Ld.ª, bem como a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido. Após o exercício do contraditório pela A. quanto ao incidente de intervenção de terceiro, foi admitida a intervenção principal provocada da referida L., Ld.ª como co‑ré e citada a mesma, tendo apresentado contestação onde, em síntese, alega que apenas se limitou a fornecer o veículo objecto do contrato de renting, não tendo tido qualquer intervenção na estipulação da mensalidade e das restantes condições do mesmo e sendo alheia ao contrato. Conclui pela sua absolvição do pedido. Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador tabelar, mais sendo dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova. Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Considerando os elementos fáctico-jurídicos supra tecidos, julga-se a acção totalmente procedente, por totalmente provada e, em consequência, decide-se: 1. Declarar a anulação do negócio reflectido no contrato individual nº 77437 celebrado entre a Autora (…), e a Ré L.P., LDA. 2. Condenar a Ré L.P., LDA., a devolver à Autora (…), as mensalidades, no valor individual de 620,91€, pagas de Dezembro de 2022 a Maio de 2023 - (já contabilizadas em 5.525,46€) - acrescidas das pagas de Junho de 2023 até ao final do contrato (Novembro 2024), no montante máximo total de 14.351,70€ 3. Absolver a Ré L., LDA. do pedido Custas a cargo da Ré L.P., LDA.”. A A. recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 20 pontos que aqui se reproduzem integralmente: 1. Reportam-se as presentes Alegações à Douta Sentença (…), somente na parte em que condenou a Ré L.P. Lda., a devolver à Autora as mensalidades no valor individual de € 620,91, pagas de Dezembro de 2022 a Maio de 2023, acrescidas das pagas de Junho de 2023 até final do contrato (Novembro de 2024), no montante máximo de € 14.651,70, pois entende a Recorrente que a devolução dos valores se deve operar desde Junho de 2024, bem como não ser de aplicar o montante máximo fixado pelo Douto Tribunal; 2. A sentença do Tribunal “a quo” proferida pela Mma. Juiz (cuja pessoa nunca fica em causa nas presentes Alegações, mas apenas e tão-somente a decisão), e certamente por manifesto lapso, condenou a Recorrida L.P., a devolver à Recorrente as mensalidades no valor individual de € 620,91, pagas desde Dezembro de 2022, quando a devolução deveria ocorrer desde Junho desse ano, pois outra conclusão não se pode retirar face à fundamentação empregue na prolação da Sentença recorrida, sendo que está patente na mesma, manifesta contradição entre a fundamentação do Douto Tribunal Recorrido e a decisão proferida, certamente por mero lapso de escrita, ou caso assim se não se entenda, verifica-se nulidade da Sentença, nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil; 3. Limitou o Douto Tribunal a quo o montante a devolver à Recorrente na cifra de € 14.351,70 (catorze mil, trezentos e cinquenta e um euros e setenta cêntimos), quando no pedido formulado por aquela na sua Petição Inicial, foi peticionado efectivamente o pagamento daquele valor, (que era devido no momento da propositura da acção), acrescido de todas as quantias que se viessem a vencer desde a data da propositura da acção, até que o contrato de renting celebrado pelas partes fosse considerado anulado, o que só veio a suceder em 20.12.2024, com a prolação da Sentença ora recorrida, pelo que o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do artigo 3.º n.º 1 do Código de Processo Civil; 4. Com relevância para o presente Recurso, o Douto Tribunal a quo entendeu – e bem! – que resultaram como provados, entre outros, os seguintes factos: (12) - A 03 de Junho de 2022 a Autora recebeu uma comunicação da Ré a informar que a mensalidade do renting iria sofrer actualizações, porquanto a quilometragem contratada havia sido ultrapassada, pelo que a mensalidade iria passar dos € 396,86, para € 620,91 – conforme documento nº 7 (fls. 21v/22v) junto com a PI cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; (16) - Desde Junho de 2022 que a Autora nunca mais circulou com a viatura em questão para não aumentar a quilometragem da mesma; 5. A Recorrente não põe em causa a condenação nos moldes em que a mesma foi proferida – devolução das quantias desde a altura que a Recorrente deixou de utilizar o veículo até à última prestação paga – não concordado somente com o período a partir do qual a Recorrida foi condenada a devolver os aludidos valores, pois nunca o Tribunal poderia ter definido o mês de Dezembro de 2022 como data para início do cálculo com vista ao apuramento dos montantes a devolver, mas sim o mês de Junho de 2022; 6. Admitindo a Recorrente que o Tribunal fez uma boa interpretação e aplicação do Direito ao atribuir à Recorrida o direito à restituição da viatura – que já havia sucedido em Novembro de 2024, altura que o contrato de renting cessou – bem como aos valores correspondentes ao tempo em que a Recorrente usou de forma efectiva do veículo, nunca poderia aquele Tribunal ter concluído que a Recorrente é titular de um direito de crédito sobre a Recorrida, correspondentes às rendas de Dezembro de 2022 até Novembro de 2024, pois a Recorrente deixou de fruir da viatura em Junho de 2022, como consta – e bem! – da Factualidade dada como Provada! 7. Da fundamentação do Tribunal a quo retira‑se apoditicamente que aquele Tribunal, naturalmente por lapso, indica o mês de Dezembro de 2022 como o período a partir do qual a Recorrida terá que devolver os valores pagos pela Recorrente, quando não restaram dúvidas aquele Tribunal que foi em Junho de 2022 que a Recorrente deixou de utilizar o veículo, pelo que deverá ser a partir desta data que a Recorrida terá que devolver as quantias recebias. 8. A indicação de Dezembro de 2022 só pode resultar em manifesta confusão/lapso do referido Tribunal, pois em momento algum é referida outra data que não Junho de 2022, como a altura em que a Recorrente deixou efectivamente de utilizar a viatura em questão, tanto mais que tal está assente na matéria dada como provada (facto 16) - que não merece qualquer censura! - (“Desde Junho de 2022 que a Autora nunca mais circulou com a viatura em questão para não aumentar a quilometragem da mesma”); 9. Dúvidas parecem não subsistir que a indicação do mês de Dezembro de 2022, como data a partir da qual a Recorrente não mais fruiu da viatura em questão, foi erradamente indicada pelo Douto Tribunal a quo, que, por consequência, levou à prolação da Sentença na qual condenou a Recorrida a devolver à Recorrente as mensalidades pagas de Dezembro de 2022, até final do contrato, quando na verdade deveria ter condenado no pagamento das mensalidades desde Junho de 2022 até ao final do contrato, pois só tal conclusão se pode retirar face ao raciocínio empregue pelo Tribunal a quo. 10. Entende a Recorrente que se tratou de mero lapso de escrita a indicação do mês de Dezembro de 2022, cuja correcção se impõem, contudo, caso assim se não entenda, e nos termos do supra alegado, estará sempre a Sentença Recorrida ferida de nulidade, nos termos e para os efeitos da alínea c) n.º 1 do artigo 615.º, porquanto os fundamentos empregues pelo Douto Tribunal, bem como a factualidade dada como provada – a qual não merece qualquer censura! – estão em clara contradição com a decisão proferida, na parte ora posta em crise; 11. Aquando da propositura da acção que originou os presentes autos, a Recorrente formulou o seguinte pedido: a) Ser o contrato de renting celebrado entre a Autora e Ré considerado totalmente anulado por padecer de vício relacionado com a vontade de contratar (erro sobre o objecto); Em consequência: b) Ser a Ré condenada a devolver todas as quantias entregues pela Autora durante a vigência do contrato celebrado entre ambas, as quais ascendem na presente data ao montante de € 14.351,70 (catorze mil, trezentos e cinquenta e um euros e setenta cêntimos), bem como a devolver todas as quantias que se vierem a vencer desde a data da propositura da presente acção até que o aludido contrato de renting seja considerado anulado; 12. Porquanto o contrato em apreço se encontrava em vigor aquando da prepositura da acção, estando, inclusive, a ser pontualmente cumprido pela Recorrente - apesar de aquela ter deixado de utilizar a viatura em Junho de 2022 -, formulou a Recorrente o seu pedido no sentido de ser ressarcida de todos os valores que já havia liquidado à Recorrida no âmbito do contrato de renting, tendo quantificado esse valor em € 14.351,70, pois, reitera-se, era esse o montante que já tinha pago até à entrada da acção em juízo, bem como de todos os valores que se viessem a vencer desde a data da propositura da acção até o aludido contrato ser considerado anulado, valor esse - é apodíctico -, não poderia ter sido quantificado no momento em que a acção entrou em juízo, pois reportava a prestações futuras! 13. Dúvidas não subsistem que a Recorrente não terá peticionado somente o pagamento da quantia de € 14.351,70; 14. Ao ter o Douto Tribunal a quo limitado o valor a devolver pela Recorrida à Recorrente, ao montante de € 14.351,70, com o argumento de que a condenação em montante superior estaria a violar o artigo 3.º, n.º 1 do CPC, acabou esse mesmo Tribunal, por violar o disposto no referido artigo; 15. Caso o Tribunal Recorrido tivesse dúvidas sobre os valores efectivamente pagos pela Recorrente desde o momento da propositura da acção até ao términus do contrato - o que não se concede, pois resultou inequivocamente da audiência de discussão em julgamento que a Recorrente cumpriu pontualmente o contrato, tendo, inclusive, tal sido admitido pela Ilustre Mandatária da Recorrida no início da audiência, bem como a Recorrida não veio sequer alegar qualquer incumprimento por parte da Recorrente - deveria sempre aquele ter relegado para sede de execução de Sentença o apuramento de tais montantes; 16. Em nenhuma circunstância poderia ter o Douto Tribunal a quo limitado o valor da indemnização a receber pela Recorrente na cifra de € 14.351,70, pois ao fazê‑lo está a violar claramente o pedido formulado por aquela, o qual, reitera-se, foi taxativo: Condenação da Recorrida no pagamento das quantias já liquidadas aquando da propositura da acção, bem como daquelas que se viessem a vencer desde essa data até que o contrato fosse declarado anulado; 17. Deverá a Recorrida ser condenada a restituir à Recorrente a quantia global de € 18.627,30 (dezoito mil, seiscentos e vinte e sete euros e trinta cêntimos), referente às prestações liquidadas pela Recorrente entre o período de Junho de 2022 (altura que deixou de circular com a viatura) até Novembro de 2024 (altura que liquidou a última prestação do contrato de renting); 18. A Recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso, pois é respeitado o princípio da sucumbência, previsto no artigo 629.º n.º 1 do Código de Processo Civil, porquanto, com a prolação da Sentença recorrida, e não obstante ter obtido ganho de causa, entende a Recorrente, face ao que supra se alegou, que tal decisão lhe foi desfavorável no montante de € 4.275,60, valor esse que é superior a metade da alçada do Tribunal para onde se recorre, in casu, o Tribunal da Relação de Lisboa, cuja alçada é de € 5.000,01; 19. A decisão da qual se recorre, no entender da Recorrente, viola, entre outras, as seguintes disposições legais: alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º e artigo 3.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil; 20. Termos que se requer seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja proferida decisão que altere a Douta Sentença, determinando a condenação da Recorrida a devolver os valores liquidados pela Recorrente desde Junho de 2022 até Novembro de 2024, no montante global de € 18.627,30 (dezoito mil, seiscentos e vinte e sete euros e trinta cêntimos). A R. apresentou alegação de resposta, apresentando um documento com essa alegação e pugnando pela improcedência do recurso da A. A R. recorre igualmente da sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 41 pontos que aqui se reproduzem integralmente: I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que, julgando a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência, (i) declarou “(…)” e (ii) condenou a Ré aqui apelante, “(…)”. No mais, absolveu a Interveniente Principal/Recorrida (…) do pedido. II. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, a Ré Recorrente não pode concordar com os fundamentos quer de facto e de direito, sustentam a douta decisão proferida, considerando que a mesma advém de uma errada apreciação da prova produzida, incorrendo em consequente erro de julgamento e determinando, por conseguinte, uma desadequada subsunção jurídica dos factos e aplicação do direito. Porquanto, III. É entendimento da Ré Recorrente que mal andou o Meritíssimo Tribunal a quo que ao considerar por provado os citados pontos 5.º a 8.º, 24.º, 26.º, bem como ao considerar que não ficou demonstrada a relação comercial entre a Ré Recorrente a Interveniente e Concessionária L., Lda., ora Recorrida e, desta feita, que o contrato de renting em apreço não foi celebrado através da Concessionária L., Lda., e que esta não teve qualquer intervenção tanto na negociação, como na decisão e contratualização do contrato de renting. IV. Com efeito, pese embora o Meritíssimo Tribunal a quo tenha entendido que a ora Recorrente tinha de ter perfeito conhecimento de que a questão da quilometragem era absolutamente essencial para a Autora, ora Recorrida, tal facto não corresponde à verdade. E é precisamente este ponto – o alegado (des)conhecimento da Recorrente da essencialidade da quilometragem –que é decisivo na decisão proferida pelo Meritíssimo Tribunal a quo. V. No entendimento da Ré Recorrente, não se encontra carreado para os autos qualquer elemento que permita concluir pelo conhecimento, por parte da Ré Recorrente, da essencialidade da quilometragem ser 40.000km/ano, tendo resultado provado que foi através da Interveniente ora Recorrida L., Lda., entidade concessionária, que a Autora celebrou o contrato, não tendo existido qualquer intervenção da Ré junto da Autora na negociação relativa às condições concretas e essenciais da viatura que a Autora pretendia, tendo a contratualização do contrato celebrado sido efectuada também através da L., ainda que a entidade locadora seja a Recorrente. VI. A L. teve um papel fundamental na contratação, tendo sido todas as conversações tidas com o seu trabalhador A.P., resultando tal matéria amplamente evidenciada nos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 29-10-2024 pelo legal representante da Autora, bem como pelas seguintes testemunhas: (i) pelo depoimento prestado pela testemunha da Interveniente A.P. (ii) pelo depoimento prestado pela testemunha da Autora, L.G. (iii) pelo depoimento prestado pela testemunha da Autora C.B. (iv) pelo depoimento prestado pela testemunha da Ré G.D.; e (v) pelo depoimento prestado pela testemunha da Ré D.A.; VII. Desde logo, entendeu o Meritíssimo Tribunal a quo dar como provado que após a análise das duas propostas a Autora veio optar pelo cenário 2, tendo comunicado tal decisão à Ré a 28/10/2020 - “vamos optar pelo Lounge, contrato de 48 meses, 160k Kms” – conforme documento nº 4 (fls. 12v/13) junto com a PI – comunicação essa, posteriormente remetida para a empresa L., de acordo com as indicações fornecidas pela Ré, por forma a agilizar os contactos, sendo que, todas as comunicações posteriores entre a Autora e a Ré foram realizadas por intermédio da L. (factos provados n.os 5, 6 e 7). A final, a Ré por intermédio da L., veio a responder no próprio dia à solicitação da Autora, informando que iria dar continuidade ao processo de renting – conforme documento nº 4 (fls. 12v/13) junto com a PI (facto provado n.º 8). VIII. Contudo, basta uma mera leitura dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente do documento n.º 4 junto com a petição inicial, para se poder facilmente verificar que se impunha considerar os factos 5, 6 e 7 como não provados, uma vez que não só a decisão de contratação por parte da Autora, ora Recorrida, não foi comunicada à Recorrente L.P., mas sim à Interveniente L., na sequência de pedido de cotação de viaturas, datado de 07.10.2020, como também jamais foi dada alguma indicação à Autora Recorrida, por parte da Recorrente de que os contactos teriam de ser efectuados com a L. IX. Não há qualquer elemento nos presentes autos que permita dizer que alguma vez a Recorrente indicou à Autora que teria de falar com a L. acerca das condições da viatura, considerando até que as cotações foram pedidas pela Autora à ora Recorrente apenas no dia seguinte a já ter aceite uma proposta directamente comunicada à L. e com base em cotações remetidas pela Recorrente nas quais não lhe havia sido indicada quem a entidade para quem se destinavam e, como tal, as cotações eram dirigidas à L. X. Ou seja, aquando do envio das primeiras cotações à L., nas quais foram pedidas cotações para 20.000km e 40.000km, a testemunha A.P. nunca indicou para quem as mesmas estavam a ser solicitadas (conforme era usual), pelo que as mesmas se encontram em nome da própria L., desconhecendo que i) as mesmas se destinavam à Autora e ii) que a questão dos 40.000km era essencial, conforme resulta do depoimento da testemunha G.D. XI. Ou seja, o Meritíssimo Tribunal a quo jamais poderia ter considerado como provado o facto n.º 5 da matéria provada, porquanto a decisão de contratação nunca foi comunicada pela Autora à Recorrente, mas sim à L., através do seu, na época funcionário, A.P. (também testemunha no âmbito dos presentes autos) estando esta comunicação provada quer por documentos (documento n.º 4 junto pela própria Autora com a p.i.) como também por prova testemunhal. XII. Assim como, entende a Ré Recorrente que não podia o Meritíssimo Tribunal a quo considerar como não provado (tal como o fez, no entendimento da Recorrente, de forma errada) que “[a] decisão de contratação não foi comunicada pela Autora à L.P., mas sim à L., em resposta às cotações apresentadas pela Ré à L. e que esta última apresentou à Autora” (cfr. alínea n.º 4 da factualidade julgada por não provada, página 6.ª da sentença recorrida). XIII. Sendo que, o único email enviado pela Autora à Recorrente é o pedido de cotações datado de 29.10.2020, ao qual não foi dada resposta, conforme refere a testemunha G.D. (cfr. ficheiro áudio (…)). XIV. Assim sendo e face ao circunstancialismo dos autos e à prova documental carreada para os autos e à prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, mal andou o douto Tribunal recorrido ao julgar o facto constante dos artigos 5.º a 8.º supra descritos por provados, porquanto, da prova documental produzida, resulta evidente que as comunicações constantes dos documentos n.os 1 e 4 juntos com a PI, foram trocadas, exclusivamente, entre a Autora e a Interveniente L., não tendo existido qualquer intervenção da Ré Recorrente nas mesmas. XV. Pelo que, reapreciada a factualidade subjacente aos presentes autos, nomeadamente, atento o teor os documentos n.ºs 1 e 4 juntos com a petição inicial, deverá, dar-se diversa redacção aos pontos 5.º e 8.º dos factos provados, e dar por não provado o ponto 6.º, nos termos seguintes: “5. Após a análise das duas propostas a Autora veio optar pelo cenário 2, tendo comunicado tal decisão à Interveniente L. a 28/10/2020: “vamos optar pelo Lounge, contrato de 48 meses, 160k Kms” – conforme documento nº 4 (fls. 12v/13) junto com a PI cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 8. A Interveniente L., veio a responder no próprio dia à solicitação da Autora, informando que iria dar continuidade ao processo de renting – conforme documento nº 4 (fls. 12v/13) junto com a PI cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.” XVI. Também em relação ao ponto 7.º da matéria provada, entende a Ré Recorrente que o mesmo deverá passar a ter uma redacção diversa, nos termos seguintes: “7. Todas as comunicações entre Autora e Ré foram realizadas por intermédio da L., à excepção do pedido de cotação efectuado pela Autora em 29.10.2022 e que não foi respondida pela Autora”. XVII. Da mesma forma, o Tribunal a quo também não poderia ter considerado como provado o facto 24.º de que “[a] Ré L. foi contactada pela Ré L.P. para aferir que viaturas teria disponíveis e a que preços.” (cfr. página 5.ª da sentença recorrida), porquanto, não resulta provado, por qualquer forma, que tenha havido um contacto por parte da Recorrente L.P. para a Recorrida L., impondo-se também que este facto seja considerado como não provado, o que desde já se requer. XVIII. No que diz respeito aos factos 9.º a 11.º dos factos considerandos como provados, entende a Recorrente que o facto de serem considerados como provados não basta. Desde logo, quem enviou a proposta à Autora? A quem a Autora devolveu a proposta? XIX. Nessa medida, resulta provada a insuficiência da matéria dada como provada, considerando o Tribunal a quo, não considerou quem teria remetido os documentos à Autora e a quem a mesma os devolveu devidamente assinados: se à L. ou à L.P., ora Recorrente. Na verdade, este é um ponto essencial para se perceber a relação estabelecida relativa à contratação e o facto de ter sido a Interveniente L. quem recebeu os referidos documentos, (documento n.º 7 junto com a contestação da Recorrente). XX. Ora o que é facto é que sendo uma sociedade comercial, a Autora tem contabilidade organizada em que é feita uma verificação entre os contratos celebrados e os valores pagos, pelo que o argumento de que a diferença de valores entre ambas as propostas era de apenas poucos euros, também não pode colher. XXI. Tal facto é tão mais evidente que a Autora aceitou uma proposta apresentada pela L. antes de pedir cotações directamente à Recorrente, pelo que não poderia estar a laborar em erro no valor mensal global a pagar. XXII. Este pedido de cotação efectuado pela Autora directamente à Recorrente, em 29.10.2020 (já após a aceitação da proposta junto da L.) não obteve qualquer resposta por parte da Autora Recorrida e é a L. que, em 02.11.2020 remete à Recorrente os documentos assinados pela Autora, nas condições que por esta já tinham sido aceites junto da L., conforme documento n.º 6 junto com a contestação (depoimentos das testemunhas G.D., Comercial da Ré (cfr. minutos 00:05:07 a 00:05:31 do ficheiro áudio (…)) e D.A. (cfr. minutos 00:05:35 do ficheiro áudio (…)). XXIII. Sendo que, segundo as declarações prestadas pelo legal representante da Autora, esta confiou no trabalhador da concessionária ora recorrida para verificar e assegurar que a documentação assinada correspondia aos termos alegadamente contratados, tendo até apresentado questões com a quilometragem ao funcionário da L. (e nunca à Recorrente). Atente-se nos depoimentos das testemunhas L.G. (cfr. minutos 00:09:20 a 00:09:51 e 00:18:30 a 00:23:46 do ficheiro áudio (…)) e C.B. (cfr. minutos 00:12:03 a 00:12:33 do ficheiro áudio (…) e minutos 00:05:06 a 00:05:20 do ficheiro áudio (…)). XXIV. Dos depoimentos supra transcritos e produzidos na audiência de julgamento, não restam dúvidas que todo o processo de celebração do contrato foi tratado e gerido pela Interveniente e Concessionária L., atento que, o Senhor A.P., trabalhador da L., é identificado por diversas testemunhas, inclusive o legal representante da Autora, como sendo o contacto de referência para o esclarecimento de dúvidas e a tomada de decisões no âmbito das propostas de concessão apresentadas e que, inclusive, confirmou com a Autora Recorrida a contratualização levada a cabo pelas Partes. Facto este que é também corroborado pela testemunha P.B., também funcionário da Interveniente e Concessionária L. até Junho de 2023 (cfr. minutos 00:17:42 a 00:21:11) do ficheiro de áudio (…)). XXV. Atento o exposto, e sempre com o máximo respeito, do que decorre do depoimento das testemunhas aqui em análise, é que, tal como resultou claro na audiência de julgamento, as declarações aqui em análise contrariam em absoluto o teor da matéria vertida no ponto 26.º dos factos julgados provados e que deverá ser julgada por não provada a saber: “26. A Ré L. não teve qualquer intervenção ao nível da estipulação do preço e restantes condições relativas ao contrato de renting celebrado.” XXVI. Por seu turno, deverá ser aditada à matéria de facto provada a factualidade alegada na contestação e, com a seguinte redacção: “- A Ré recebeu um pedido da L., de envio de propostas para cotação de renting de uma viatura de marca Fiat, modelo Tipo SW 1.3 Multijet 95Cv, para o prazo de 48 (quarenta e oito) meses, para uma quilometragem de 20.000 km e de 40.000,00 km, cfr. documento n.º 1 junto a contestação. - Na sequência desta solicitação, a Ré enviou para a L. 4 (quatro) propostas, para a quilometragem solicitada (20.000 km e 40.000 km), para a versão Lounge e para a versão Street, cfr. documentos n.os 2 a 5 juntos com a contestação. - As propostas remetidas não tinham qualquer identificação da Autora, pelo que a Ré L.P. não tinha conhecimento para que entidade se dirigiam. - Após o envio das 4 (quatro) propostas, foi a própria L. que remeteu à Ré, no dia 02 de Novembro de 2020, a documentação assinada pela Autora, nas condições por esta aceites, cfr. documento n.º 6 junto com a contestação.” XXVII. Foi também considerado não provado na douta sentença recorrida que “[n]o que se reporta aos factos não provados cumpre acrescentar que: relativamente às relações entre as Rés, competia à Ré L.P. demonstrar a existência da relação contratual. Não o fez. Alias a testemunha D.A. aludiu a existência de uma factura de comissão no valor de 800€, não tendo a mesma sido apresentada. Por seu turno, as testemunha da Ré L. N.L., D.P. e P.B. foram claras em afirmar que para além de não serem nem representantes nem parceiros, não há qualquer factura de comissões.” concluindo a final que não ficou demonstrada a relação comercial entre ambas.” (cfr. página 11.ª da sentença recorrida). XXVIII. A Recorrente não compreende a razão pela qual o Meritíssimo Tribunal a quo formou a sua convicção acerca da factualidade que não apurou e, dessa forma, entendeu dar como não provada, sendo comum que parcerias como a que existia entre a Recorrida L. e a Recorrente L.P. implicam remuneração, assim como ocorre em diversas outras parcerias deste tipo, seja no âmbito de contratos de renting, seja na prestação de outros serviços ou outros contratos de crédito. XXIX. A questão da eventual comissão de intermediação paga pela Recorrente à L. apenas se colocou em sede de audiência de julgamento, questão esta que foi decidida pelo Tribunal a quo com base na convicção e não em provas documentais. XXX. Com efeito, nos termos e para os efeitos do artigo 651.º, n.º 1 do CPC, a ora Recorrente requer a V. Exa. que se digne a ordenar a junção aos presentes autos da factura emitida pela Recorrente à Recorrida L., relativa aos serviços de intermediação financeira por esta prestadas e que tem, inclusivamente, identificada a matrícula da viatura – (…), cfr. documento n.º 1 (vide neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 06.11.2019, no âmbito do processo n.º 1130/18.8T8FNC.L1.S1). XXXI. A questão relativa aos termos em que a parceria entre a Recorrente e a L. funcionava nem sequer foi discutida nos articulados e nem sequer era matéria que constava dos temas de prova, pelo que não era razoável à Recorrente que procedesse à junção de um documento cuja matéria apenas foi discutida em sede de audiência de julgamento e que se revela agora essencial provar o pagamento das comissões de intermediação financeira, o pagamento (ou não) das mesmas foi objecto de apreciação na sentença recorrida, pelo que se requer que a junção do documento seja admitida. XXXII. Considerando novamente o concreto circunstancialismo dos autos, mal andou o douto Tribunal recorrido ao julgar por não provado que “o contrato que veio a ser celebrado através da L. já não se encontrava abrangido pela campanha ao abrigo da qual a Ré Recorrente remeteu as cotações para a Autora” (cfr. página 6 da sentença recorrida), porquanto, da prova documental e testemunhal produzida, resulta que a cotação relativa à viatura modelo Tipo SW 1.3 M-Jet Lounge foi apresentada ao abrigo de uma campanha, o que demonstra manifesta contradição entre si da matéria de facto julgada provada no artigo 20.º (cfr. página 5 de 18 da douta sentença recorrida) e conforme refere a testemunha G.D. (cfr. depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento do dia 29.10.2024, minutos 00:04:08 do ficheiro áudio (…)). XXXIII. E, portanto, ao contrário do que resulta do facto não provado aqui impugnado, resulta dos presentes autos provado que das cotações enviadas a 29.10.2020, a cotação “cenário2” relativa à viatura modelo Tipo SW 1.3 M-Jet Lounge foi, efectivamente, apresentada ao abrigo de uma campanha, conforme resulta, inclusive, do documento nº 1 junto com a petição inicial. XXXIV. Pelo que, sempre deverá a sentença aqui recorrida ser alterada e o aludido facto ser julgado por provado, o que desde já se requer. XXXV. Na sentença recorrida considerou o Meritíssimo Tribunal a quo “ser de enquadrar a situação dos autos na figura do erro na declaração prevista no art. 247 do Código Civil e não na figura do erro sobre os motivos”, fundamentando para tanto que “o que sucedeu foi que a Autora celebrou o referido contrato de locação operacional, emitindo a sua declaração de vontade nesse sentido, convencida de que estava a contratar 40.000 quilómetros anuais. Emitiu assim, por forma não intencional, uma declaração de vontade (renting do veículo, 40.000 km) desconforme com a sua vontade real (40.000 km ano).” – cfr. pág. 15 de 18 da douta sentença proferida. XXXVI. Ora, entende a Recorrente que ficou provado que a Autora, aquando do recebimento do contrato teve questões relacionadas com a quilometragem indicada, mas, mais uma vez, esclareceu-as com o trabalhador da L., A.P. A este propósito, atente-se, novamente, no depoimento da testemunha L.G., aos minutos 00:23:46 a 00:25:20 do ficheiro áudio (…)). XXXVII. Não há nenhum elemento nos autos que permitisse ao Meritíssimo Tribunal a quo considerar que a Recorrente tinha conhecimento da essencialidade dos 40.000km/ano na decisão de contratar da Autora, uma vez que não participou de negociações, nunca teve qualquer contacto com a Autora (à excepção do pedido de cotação ao qual a Autora nem respondeu), antes de 2022, o que resulta não só da linha temporal da apresentação de aceitação de propostas, tal como resulta do depoimento de todas as testemunhas e das declarações do próprio legal representante da Autora, não tendo nenhuma delas referido que a L.P. tinha conhecimento da essencialidade dos 40.000km /ano. XXXVIII. Portanto, a Recorrente apenas teve conhecimento da identidade da Autora já após a aceitação da proposta e aquando do envio da informação da empresa, tendo sido ao então funcionário da L. (A.P.) que Autora confiou na condução do processo de contratação, nomeadamente com todas as conversas relativas à alegada essencialidade dos 40.000km/ano. Nunca tal facto foi do conhecimento da Recorrente, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo (vide neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 12.01.2016, no âmbito do processo n.º 493/12.1TBFIG.C1). XXXIX. Ora, não logrou a Autora, ora Recorrida, provar, conforme lhe incumbia, que a Recorrente tinha conhecimento da essencialidade da quilometragem na sua decisão de contratar bem como, não juntou aos autos qualquer documento e não foi produzida qualquer prova testemunhal que permitisse provar que a Recorrente sabia que os 40.000km/ano eram um factor essencial para a celebração do negócio. XL. Tal facto resulta até do pedido de cotações requerido à Recorrente, na qual apenas foi pedida a cotação para 40.000km mas não foi dada qualquer indicação de que este aspecto era absolutamente essencial e sem o qual não haveria negócio, pelo que todos estes factos permitem concluir, sem margem para dúvidas, de que a Recorrente não tinha, nem nunca teve conhecimento da essencialidade da quilometragem na decisão de contratar da Autora, pelo que não sendo o mesmo do conhecimento da Recorrente, não poderia o negócio ser anulado nos termos e para os efeitos do artigo 247.º do CC. XLI. Pelo, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, andou mal a douta sentença recorrida, devendo, pois, ser revogada e substituída por outra que julgue improcedente o pedido formulado pela Autora ora Recorrida de condenação da Ré e, em consequência, absolva a Recorrente da totalidade do pedido contra si formulado. Com esta sua alegação a R. apresenta igualmente um documento. Pela A. foi apresentada alegação de resposta, aí sustentando a improcedência do recurso da R. Pela interveniente principal foi igualmente apresentada alegação de resposta, apresentando um documento e sustentando a improcedência do recurso da R. *** O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão. Desde logo no que respeita ao recurso da R., torna-se manifesto que os 41 pontos acima reproduzidos não correspondem à referida indicação sintética, mas antes a sucessivas repetições da argumentação expendida anteriormente. O mesmo se pode afirmar, relativamente ao recurso da A., no que respeita aos 20 pontos acima reproduzidos. Todavia, é possível identificar o conjunto de questões que emerge da argumentação apresentada pela A. e pela R., sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende, em cada um dos recursos). Assim, as questões objecto dos recursos prendem-se com: • A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão; • A alteração da matéria de facto; • O erro na declaração negocial da A. e suas consequências quanto ao contrato celebrado com a R.; • A medida da restituição devida pela R. à A. em consequência da anulação do contrato celebrado entre ambas. Previamente, porém, há que conhecer da admissibilidade da junção dos documentos apresentados pela R. e pela interveniente principal. Decorre do art.º 651º, nº 1, do Código de Processo Civil, que com as alegações as partes apenas podem juntar documentos nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425º do Código de Processo Civil, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância. Relativamente ao documento apresentado pela R. com a sua alegação de recurso, trata-se de uma factura emitida pela interveniente principal em nome da R. e datada de 6/4/2021, visando a R. demonstrar através da mesma que a interveniente principal actuou como sua intermediária, e mais justificando a R. a sua apresentação apenas em sede de alegação de recurso porque “a questão relativa aos termos em que a parceria entre a Recorrente e a L. funcionava nem sequer foi discutida nos articulados e nem sequer era matéria que constava dos temas de prova, pelo que não era razoável à Recorrente que procedesse à junção de um documento cuja matéria apenas foi discutida em sede de audiência de julgamento e que se revela agora essencial provar o pagamento das comissões de intermediação financeira, o pagamento (ou não) das mesmas foi objecto de apreciação na sentença recorrida”. Não subsistem dúvidas que a data de emissão da factura é anterior à data da propositura da acção. E a R. nada invoca no sentido de desconhecer a factura até ao termo da audiência final (designadamente por não lhe ter sido apresentada pela interveniente principal). Assim sendo, nada obstava a que o documento em questão fosse apresentado com os articulados ou, no limite, durante a audiência final. O que equivale a afirmar que o documento em questão não se apresenta como objectiva ou subjectivamente superveniente. Por outro lado, e mesmo desprezando a circunstância de não se estar perante um documento superveniente, a necessidade da sua junção apenas em sede de recurso também não se justifica. Com efeito, e como explicam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 786), “tem-se entendido que a junção de documentos às alegações da apelação só pode ter lugar se a decisão da 1ª instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento, quer quando a decisão se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam”. Ora, o documento em causa respeita à intermediação da interveniente principal na negociação do contrato celebrado entre A. e R., o que terá ocorrido em Outubro e Novembro de 2020. Logo na sua contestação a R. alegou (ponto 7) que “o contrato não veio a ser celebrado directamente com a Ré, mas foi celebrado através da Concessão L.”. E reforçou tal alegação no ponto 26, quando invoca que “o contrato não veio a ser celebrado directamente com a Ré, mas por intermédio da concessionária L.”. Ou seja, a questão da intermediação da interveniente principal não surge pela primeira vez apenas com o julgamento de facto constante da sentença recorrida, mas surge pela primeira vez na contestação da R., em razão da posição assumida por esta relativamente à actuação da interveniente principal na celebração do contrato. Do mesmo modo, e como bem observa a R., tal questão foi igualmente debatida na audiência final, no âmbito da prova testemunhal aí produzida. O que significa que, pretendendo a R. produzir prova documental sobre essa questão, consubstanciada na factura emitida em 6/4/2021, poderia ter apresentado o documento em questão com a contestação ou, excepcionalmente (nos termos do nº 3 do art.º 423º do Código de Processo Civil), na audiência final. O que basta para concluir que não está preenchida a previsão do nº 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil. Quanto ao documento apresentado pela R. com a alegação de resposta à alegação de recurso da A., trata-se de uma nota de crédito emitida em nome da A. e datada de 14/12/2024, ou seja, de documento produzido já depois do encerramento da audiência final (em 29/10/2024). Pelo que se trata de um documento objectivamente superveniente. Não obstante, e sendo certo que com o documento em questão a R. visa compensar o valor aí inscrito a crédito da A. com os valores entregues pela A., torna-se evidente que não é em virtude do julgamento efectuado na instância recorrida que decorre a necessidade de junção do documento em questão, mas antes porque a R. efectua uma declaração compensatória apenas neste momento processual. Todavia, e como os recursos não se destinam a julgar questões novas, mas tão só a reapreciar ou reponderar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal recorrido, não correspondendo a meios de renovação da causa através da apresentação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa, torna-se manifesta a inadmissibilidade do conhecimento da compensação inovatoriamente invocada em sede recursiva. O que basta para concluir, também quanto a este documento, que não está preenchida a previsão do nº 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil. Já relativamente ao documento apresentado pela interveniente principal, a sua junção é requerida em sede de contraditório relativamente ao documento apresentado pela R. com a sua alegação de recurso (a factura acima mencionada). Com efeito, e tendo a R. invocado que a parceria mantida com a interveniente principal é que deu causa à emissão da factura com a remuneração da intermediação respectiva, vem a interveniente principal refutar que tenha existido tal intermediação (e a respectiva remuneração), sendo por isso que apresenta o documento em questão, que mais não é que a nota de crédito relativa à factura apresentada pela R. Ou seja, a apresentação de tal documento só encontra a sua justificação na medida da junção do documento apresentado pela R., junção essa que já se viu não ser admissível. Pelo que fica prejudicada a apreciação sobre a necessidade de junção do documento apresentado pela interveniente principal, o que se decide desde já. Mais se indefere a junção dos dois referidos documentos apresentados pela R., havendo que condenar a R. em multa processual, que se mostra adequado fixar em 2 UC, nos termos dos art.º 443º do Código de Processo Civil e 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais. *** Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais, mais se eliminando aquelas que ultrapassam o âmbito da factualidade provada e não provada): 1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica, além do mais, à fabricação de calçado e fabricação de componentes para calçado. 2. A R. é uma sociedade comercial que se dedica à compra, venda, aluguer, manutenção e reparação de máquinas e veículo automóveis. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. A 5 de Novembro de 2020, a A. recepcionou as cláusulas contratuais gerais do referido renting. 10. A 20 de Novembro, a A. recebeu a proposta 8.514.404/001 para ser devolvida assinada, onde consta: - viatura (Fiat sw M-Jet Lounge); - prazo (48 meses) - quilometragem contratada 40.000,00; - custo total mês com IVA 396,86 € (sem IVA 333,71 €). 11. A A. assinou e devolveu a proposta. 12. A 3 de Junho de 2022 a A. recebeu uma comunicação da R. a informar que a mensalidade do renting iria sofrer actualizações, porquanto a quilometragem contratada havia sido ultrapassada, pelo que a mensalidade iria passar dos € 396,86, para € 620,91. 13. A A. solicitou esclarecimentos sobre o porquê do aumento, informando que o veículo estava com uma média de 28.000 km/ano. 14. A R. informou que a A. havia contratado foi um plano de renting com duração de 48 meses e 40.000,00 km para toda a duração do contrato. 15. A A. quando recebeu a proposta final e viu reflectida na mesma 40.000,00 km, interpretou que essa quilometragem era para cada ano de vigência do contrato e não para toda a duração do mesmo. 16. Desde Junho de 2022 que a A. nunca mais circulou com a viatura em questão para não aumentar a quilometragem da mesma. 17. A A. viu-se forçada a adquirir nova viatura para locomoção dos seus comerciais. 18. A A. não tem qualquer interesse na manutenção deste contrato. 19. A A., à data da entrada em juízo, havia procedido ao pagamento de € 14.351,70, sendo € 378,21 em Dezembro de 2020; € 396,86 desde Janeiro de 2021 a Junho de 2022 e € 620,91 desde Julho de 2022 até Maio de 2023. 20. Das cotações enviadas a 29.10.2020, a cotação “cenário 2” relativa à viatura modelo Tipo SW 1.3 M-Jet Lounge foi apresentada ao abrigo de uma campanha. 21. A 24 de Novembro de 2020, a interveniente principal remeteu para a R. uma carta, relativa à proposta nº 8.514.404/001 à qual se encontravam anexos o contrato de garantia e a respectiva letra, assim como a autorização de débito directo. 22. A A. assinou o contrato individual: prazo de 48 meses, com uma quilometragem total incluída de 40.000 km e mediante o pagamento mensal de uma renda no montante de € 396,86. 23. A interveniente principal é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto é a comercialização de veículos automóveis e acessórios e sua reparação e manutenção. 24. 25. A interveniente principal, através do trabalhador A.P., apresentou a gama disponível, tendo ficando assente por parte da A. que iria proceder à contratualização da viatura da marca Fiat modelo Tipo SW através de contrato de renting com a R. 26. A interveniente principal não teve qualquer intervenção ao nível da estipulação do preço e restantes condições relativas ao contrato de renting celebrado. 27. A A. entrou em contacto com a interveniente principal, informando que os quilómetros contratados não seriam suficientes para a utilização pretendida. 28. Tendo-lhe sido comunicado que a renegociação do contrato teria de ser feita com a R. 29. A 5 de Dezembro de 2023, a A. depositou o carro nas instalações da interveniente principal. 30. Posteriormente, a A. regressou às instalações da interveniente principal, levando de novo a viatura consigo. *** Na sentença recorrida considerou-se como não provado que: a. A interveniente principal é concessionária da R. para o distrito de Leiria, agindo sobre as suas ordens e direcção; b. O contrato não veio a ser celebrado directamente com a R., mas foi celebrado através da interveniente principal; c. O contrato que veio a ser celebrado através da interveniente principal já não se encontrava abrangido pela campanha ao abrigo da qual a R. remeteu as cotações para a A.; d. e. Foi através da interveniente principal, entidade concessionária, que a A. celebrou o contrato com a R., não tendo existido qualquer intervenção da R., junto da A. na negociação, decisão e contratualização; f. g. h. Todo o processo de celebração do contrato foi tratado e gerido pela interveniente principal. *** Da nulidade da sentença Segundo a al. c) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É sabido que tal vício da oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, reimpressão, 1981, pág. 141). Ou seja, o vício em questão corresponde ao erro lógico da argumentação jurídica, surgindo quando o resultado do silogismo judiciário aponta num sentido e a decisão aponta no sentido oposto. Na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2017 (relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), trata-se de um vício que “requer uma relação de exclusão recíproca – um dizer e desdizer – entre aqueles dois termos da equação discursiva”. Do mesmo modo, na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/7/2021 (relatado por Fernando Baptista e disponível em www.dgsi.pt), tal vício “distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto, mas antes outro (error facti) ou por o juiz ter incorrido numa incorrecta aplicação das normas ao caso concreto, que demandava a aplicação de outras, ou ter incorrido na errónea interpretação das aplicáveis (error iuris)”. No caso concreto a A. sustenta que a condenação da R. na restituição das mensalidades pagas desde Dezembro de 2022 está em contradição com a fundamentação, já que está demonstrado que foi em Junho de 2022 que a A. deixou de circular com o veículo, não havendo na factualidade provada qualquer referência a Dezembro de 2022, ou tão pouco a 5/12/2020 (data igualmente referida na fundamentação de direito da sentença recorrida). Depois de na fundamentação de direito da sentença recorrida se afirmar a verificação dos requisitos da anulabilidade do contrato celebrado entre as partes, ficou igualmente aí afirmado que de restituir pela R. à A. as mensalidades que esta pagou “desde que deixou de usufruir do veículo até à ultima prestação paga (repare-se que, à data do julgamento não ficou evidenciada qualquer dívida da Autora junto da Ré, sendo que, em Novembro de 2024 terminaram os 48 meses contratados)”. E, em conclusão, ficou expresso na mesma fundamentação de direito da sentença recorrida que “a Autora é titular, pelo menos, de um direito de crédito sobre a Ré L.P.: os valores correspondentes às rendas de Dezembro de 2022, no valor individual de 620,91€, até à última prestação que pagou”. Do mesmo modo, consta do dispositivo da sentença recorrida a condenação da R. a devolver à A. as mensalidades pagas de Dezembro de 2022 até Novembro de 2024. É certo que se refere igualmente na fundamentação de direito que “a Autora procedeu ao pagamento das prestações (…) e usou o veículo até 5 de Dezembro de 2020”. Mas uma vez que tal circunstancialismo não emerge da factualidade provada (pois que apenas resulta demonstrado que a A. deixou de circular com o veículo em Junho de 2022 e que depositou o mesmo nas instalações da interveniente principal em 5/12/2023) essa referência a 5/12/2020 mais não expressa que uma errada consideração do caso concreto, tal como o mesmo emerge da factualidade apurada. Do mesmo modo, e ainda que o tribunal recorrido possa igualmente ter errado ao considerar Dezembro de 2022 como sendo o primeiro mês em que a mensalidade paga pela A. deve ser restituída (desde logo porque esse circunstancialismo não emerge da factualidade provada), aquilo que pode estar em causa é a errada consideração do caso concreto (ou seja, um erro de julgamento), não estando colocada em causa a concordância lógica entre a fundamentação e a decisão. Dito de forma mais simples, não há qualquer “dizer e desdizer” entre a afirmação conclusiva de que a primeira das mensalidades a restituir é a correspondente a Dezembro de 2022, e a decisão de condenar a R. na restituição das mensalidades desde a correspondente a esse mesmo mês de Dezembro de 2022. O que significa que improcede a questão da nulidade da sentença recorrida por oposição entre os fundamentos e a decisão. *** Da alteração da matéria de facto Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão. A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197): “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos. (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”. E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”. Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”. E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”. Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no referido art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto apenas tem por objecto os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultam da instrução da causa (para além dos factos notórios e daqueles que o tribunal tem conhecimento em consequência do exercício das suas funções). Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão. Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”. Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso, mas igualmente decorram do confronto entre o elenco de factos provados e não provados, retirados dos factos alegados pelas partes, assim se respeitando o disposto no referido art.º 5º do Código de Processo Civil. Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes. Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”. Revertendo tais considerações para o caso concreto, pode-se desde logo afirmar que a R. deu cumprimento ao ónus de especificação a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil, não só porque nas conclusões da sua alegação concretiza os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e qual a decisão que os mesmos devem merecer, mas igualmente porque na motivação especifica os meios de prova que conduzem ao resultado pretendido e, no que respeita à prova gravada, identifica as passagens das gravações que entende conduzirem às alterações pretendidas (correspondentes à alteração dos pontos 5 a 8, 24 e 26 dos factos provados, à eliminação dos pontos d., f. e g. dos factos não provados, e ao aditamento ao elenco dos factos provados dos novos pontos identificados na conclusão XXVI). Assim, é em relação a estes pontos que cumpre conhecer da impugnação da decisão de facto, sem prejuízo da verificação da sua relevância, no confronto com o pedido da A. e a respectiva causa de pedir, e sem prejuízo, igualmente, da eventual alteração de outros pontos com conexão com a matéria factual impugnada, de modo a evitar ambiguidades ou contradições. Começando pela matéria dos pontos 5 a 8 e d., f. e g., aquilo que a R. visa é que fique afirmado que foi através da interveniente principal que a A. recebeu as propostas apresentadas pela R., do mesmo modo tendo sido através da interveniente principal que foi comunicada à R. qual a proposta aceite pela A., sem que tenha havia qualquer contacto directo entre A. e R., para além daqueles referidos em 3 e 4. Uma vez que as diversas propostas da R. foram reduzidas a escrito e foram transmitidas por correio electrónico, torna-se essencial recuperar a cronologia dos contactos em questão, bem como a identificação dos seus intervenientes, tal como a mesma emerge da prova documental junta com a P.I. e com a contestação, para assim determinar a verificação da factualidade correspondente. Assim: • De acordo com o teor do documento 1 junto com a contestação da R., por correio electrónico de 7/10/2020 a interveniente principal solicitou à R. cotação para renting de um veículo Fiat Tipo SW 1.3 Multijet 95 cv, por 48 meses, com 20.000 quilómetros e 40.000 quilómetros, e sem quaisquer outras indicações; • De acordo com o teor dos documentos 1 a 5 juntos com a contestação da R., no mesmo dia 7/10/2020 a R. respondeu por correio electrónico à solicitação da interveniente principal, enviando-lhe quatro propostas distintas emitidas em nome desta, constando de todas elas prazo de aluguer de 48 meses, sendo duas para a versão Lounge daquele modelo de veículo (uma com quilometragem contratada de 20.000 quilómetros, mensalidade de € 399,67 e com o nº 8.354.811/001/PA, e a outra de 40.000 quilómetros, mensalidade de € 410,62 e com o nº 8.354.812/001/PA), e sendo as outras duas para a versão Street daquele modelo de veículo (uma com quilometragem contratada de 20.000 quilómetros, mensalidade de € 373,80 e com o nº 8.354.808/002/PA, e a outra de 40.000 quilómetros, mensalidade de € 383,61 e com o nº 8.354.809/001/PA); • De acordo com o teor do documento 4 junto com a P.I., por correio electrónico de 28/10/2020 a A. comunicou à interveniente principal que “vamos optar pelo Lounge, contracto de 48 meses, 160 k Kms. Quando tem carro disponível para entrega?”; • De acordo com o teor do mesmo documento 4 junto com a P.I, no mesmo dia 28/10/2020 a interveniente principal respondeu por correio electrónico à A., declarando-lhe que “ainda não consegui falar com a pessoa responsável na L.P., a fim de dar continuidade ao processo de Renting. Neste momento a viatura com as características pretendidas está disponível. O prazo de entrega vai depender da aprovação do Renting na L.P. e a encomenda da viatura ao concessionário”; • De acordo com o teor do documento 1 junto com a P.I., por correio electrónico de 29/10/2020 a A. solicitou à R. cotação para renting da versão Lounge do mesmo modelo de veículo, por 48 meses e com 40.000 quilómetros/ano; • De acordo com o teor dos documento 1 a 3 juntos com a P.I., no mesmo dia 29/10/2020 a R. respondeu por correio electrónico à solicitação da A., enviando‑lhe duas propostas distintas, constando de ambas prazo de aluguer de 48 meses e quilometragem contratada de 160.000 quilómetros, sendo uma delas para a versão Mirror daquele modelo de veículo, com mensalidade de € 492,54 e com o nº 8.417.367/002, e a outra para a versão Lounge daquele modelo de veículo, com mensalidade de € 386,00 e com o nº 8.347.427/001; • De acordo com o teor do mesmo documento 1 junto com a P.I., nesse mesmo correio electrónico a R. referiu à A. que a proposta relativa à versão Lounge correspondia a uma “oferta especial” (campanha) em que “as viaturas de campanha encontram-se todas reservadas, contudo poderá existir alguma desistência”; • De acordo com o teor do documento 6 junto com a contestação da R., por correio electrónico de 2/11/2020 a interveniente principal enviou à R. a “documentação para aprovação de Renting, nas condições pretendidas pelo Cliente”; • De acordo com o teor do documento 6 junto com a P.I., em 20/11/2020 a R. enviou à interveniente principal outra proposta de renting em nome desta, para a versão Lounge do mesmo modelo de veículo, com prazo de aluguer de 48 meses, quilometragem contratada de 40.000 quilómetros, mensalidade de € 396,86 e com o nº 8.514.404/001/PA; • De acordo com o teor do mesmo documento 6 junto com a P.I., por correio electrónico desse mesmo dia 20/11/2020 a interveniente principal enviou à A. tal proposta de renting, referindo tratar-se da “cotação de Renting actualizada para a viatura apresentada. A Renda mensal da viatura sofreu uma actualização do valor da mesma (para baixo). (…) Assim que confirme a Cotação de Renting agradecia que assina-se a mesma e devolve-se pela mesma via, mais tarde entrega-me o original”. Ou seja, torna-se manifesto que o primeiro pedido de cotações para o renting de um veículo Fiat Tipo SW 1.3 Multijet foi feito à R. pela interveniente principal, ainda que a solicitação da A., mas sem que à R. fosse possível percepcionar essa solicitação. Também se torna manifesto que quando em 28/10/2020 a A. comunicou à interveniente principal qual era a sua opção (a versão Lounge do veículo e uma quilometragem de 160.000 quilómetros, com um prazo de 48 meses), estar-se-ia a referir às quatro opções apresentadas em 7/10/2020 pela R. à interveniente principal, e não à proposta que só lhe foi apresentada directamente pela R. no dia seguinte, a sua solicitação desse mesmo dia (29/10/2020). E também se torna manifesto que o único contacto directo entre A. e R. é o de 29/10/2020, sendo os restantes por intermédio da interveniente principal. O que significa que a redacção do ponto 5 não se pode manter, posto que a comunicação aí referida foi dirigida à interveniente principal, e não à R. Do mesmo modo, inexiste qualquer prova a partir de onde se possa afirmar que a comunicação de 28/10/2020 foi dirigida à interveniente principal de acordo com indicações fornecidas pela R. (como ficou a constar do ponto 6). É que, não só isso não transparece das comunicações escritas acima elencadas, como nenhuma testemunha se referiu a tais indicações. Aliás, tal ausência absoluta de prova dessa factualidade também se retira da circunstância de a motivação constante da sentença recorrida ser totalmente omissa sobre a mesma. Do mesmo modo, ainda, não se pode afirmar que tenha sido a R. quem tenha determinado a interveniente principal a enviar à A. a mensagem de correio electrónico de 28/10/2020 (tal como ficou a constar do ponto 8). E do mesmo modo, igualmente, não se pode afirmar a factualidade do ponto 7, porque já se viu que após a comunicação de 28/10/2020 da A. à interveniente principal a A. comunicou directamente com a R. (em 29/10/2020). Ou seja, impõe-se a alteração dos referidos pontos 5 a 8, para que espelhem fielmente as comunicações entre as partes, nos termos acima explicitados. Do mesmo modo, ainda, há que eliminar dos factos não provados os pontos d., f. e g., tendo presente que se torna necessário reflectir no elenco de factos provados a participação da interveniente principal, quer no recebimento das comunicações da A. e da R., quer nas comunicações efectuadas à A. e à R. (incluindo aquela de 2/11/2020), e só assim se evitando ambiguidades e contradições factuais. Do mesmo modo, ainda, revela-se necessário “reposicionar” a factualidade constante dos pontos 3 e 4, já que a resposta da A. de 28/10/2020 não pode respeitar à comunicação da R. de 29/10/2020 (em resposta a solicitação da A. desse mesmo dia), mas antes a uma comunicação da interveniente principal, na sequência das cotações que havia solicitado à R. em7/10/2020. Isso mesmo resulta igualmente da prova testemunhal produzida a este respeito, tendo presente que a testemunha G.D. (que foi quem subscreveu a comunicação de correio electrónico de 29/10/2020 com as duas propostas de cotação solicitadas directamente à R. pela A.) confirmou a existência de outras propostas solicitadas pela interveniente principal. E nas suas declarações de parte o representante da A. também confirmou a existência de propostas anteriores às duas propostas de 29/10/2020, esclarecendo que foi perante essas propostas anteriores que lhe foram apresentadas pela interveniente principal, que disse à mesma, pela comunicação de correio electrónico de 28/10/2020, qual era a opção da A. (a versão Lounge, por 48 meses e 160.000 quilómetros). Pelo que, para além da eliminação dos pontos d., f. e g. dos factos não provados, alteram-se os pontos 3 a 8 dos factos provados nos seguintes termos: 3. No exercício da sua actividade comercial a A. pretendeu passar a utilizar em renting um veículo Fiat Tipo SW 1.3 Multijet 95 cv para as deslocações dos seus comerciais, tendo contactado a interveniente principal para tanto, atenta a qualidade desta de vendedora de veículos da marca Fiat. 4. Na sequência desse contacto, por correio electrónico de 7/10/2020 a interveniente principal solicitou à R. cotação para renting daquele modelo de veículo, por 48 meses, com 20.000 quilómetros e 40.000 quilómetros, e sem quaisquer outras indicações. 5. Nesse mesmo dia 7/10/2020 a R. respondeu por correio electrónico à solicitação da interveniente principal, enviando-lhe quatro propostas distintas emitidas em nome desta, constando de todas elas prazo de aluguer de 48 meses, sendo duas para a versão Lounge daquele modelo de veículo (uma com quilometragem contratada de 20.000 quilómetros, mensalidade de € 399,67 e com o nº 8.354.811/001/PA, e a outra de 40.000 quilómetros, mensalidade de € 410,62 e com o nº 8.354.812/001/PA), e sendo as outras duas para a versão Street daquele modelo de veículo (uma com quilometragem contratada de 20.000 quilómetros, mensalidade de € 373,80 e com o nº 8.354.808/002/PA, e a outra de 40.000 quilómetros, mensalidade de € 383,61 e com o nº 8.354.809/001/PA). 6. Tendo a interveniente principal dado conhecimento à A. dessas propostas, por correio electrónico de 28/10/2020 a A. comunicou à interveniente principal que “vamos optar pelo Lounge, contracto de 48 meses, 160 k Kms. Quando tem carro disponível para entrega?”. 7. Tendo a interveniente principal respondido à A. por correio electrónico desse mesmo dia 28/10/2020, declarando-lhe que “ainda não consegui falar com a pessoa responsável na L.P., a fim de dar continuidade ao processo de Renting. Neste momento a viatura com as características pretendidas está disponível. O prazo de entrega vai depender da aprovação do Renting na L.P. e a encomenda da viatura ao concessionário”, por correio electrónico do dia seguinte (29/10/2020) a A. solicitou directamente à R. cotação para renting da versão Lounge do mesmo modelo de veículo, por 48 meses e com 40.000 quilómetros/ano. 8. No mesmo dia 29/10/2020 a R. respondeu por correio electrónico à solicitação da A., enviando‑lhe duas propostas distintas, constando de ambas prazo de aluguer de 48 meses e quilometragem contratada de 160.000 quilómetros, sendo uma delas (cenário 1) para a versão Mirror daquele modelo de veículo, com mensalidade de € 492,54 e com o nº 8.417.367/002, e a outra (cenário 2) para a versão Lounge daquele modelo de veículo, com mensalidade de € 386,00 e com o nº 8.347.427/001, e referindo-lhe ainda que a proposta relativa à versão Lounge (cenário 2) correspondia a uma “oferta especial” (campanha) em que “as viaturas de campanha encontram-se todas reservadas, contudo poderá existir alguma desistência”. *** Quanto ao ponto 24, torna-se evidente que quem contactou a interveniente principal para saber da disponibilidade de veículos Fiat Tipo SW 1.3 Multijet 95 cv foi a A., e não a R. Com efeito, e não obstante se apresentar como óbvio que, no âmbito do renting visado pela A., seria a R. a ter de adquirir o veículo para o entregar à A., isso não significa que a R. tivesse de contactar a interveniente principal (enquanto vendedora de veículos da marca Fiat) para apurar dos preços e disponibilidade de entrega. É que face à demonstração do interesse da A. naquela marca e modelo de veículo, a par da abordagem à interveniente principal, nos termos apurados no ponto 3 (com a redacção acima decidida), naturalmente que o sentido inicial dos contactos foi o oposto, sendo por isso que a interveniente principal solicitou à R. cotações em 7/10/2020, e constatando-se que quando a R. facultou as quatro cotações constam das propostas respectivas (documentos 2 a 5 juntos com a contestação da R.) os preços das duas versões do modelo de veículo em questão (€ 19.308,06 para a versão Street e € 21.085,16 para a versão Lounge). Pelo que se impõe a eliminação do ponto 24. *** Por último, e quanto ao ponto 26, entende a R. que a factualidade em questão tem de ser considerada como não provada porque resulta do conjunto dos depoimentos que identifica que todo o processo de celebração do contrato de renting entre A. e R. foi tratado e gerido pela interveniente principal. É certo que toda a prova testemunhal aponta para a intervenção da interveniente principal que conduz à celebração do contrato entre A. e R. Todavia, o que está em causa é a qualidade dessa intervenção, desde logo no que respeita à estipulação do preço e restantes condições do contrato. Já se viu que todas as propostas da R. foram apresentadas por escrito (duas delas directamente à A. e as restantes à interveniente principal). E também já se viu que todas as propostas chegaram ao conhecimento da A. nos exactos termos (escritos) em que foram apresentadas pela R. Do mesmo modo, a interveniente principal comunicou à R. aquilo que lhe era comunicado pela A., tudo em suporte escrito (a troca de comunicações de correio electrónico). Ou seja, a intervenção da interveniente principal limitou-se à transmissão das declarações da A. à R. e vice-versa, não passando pois de um mensageiro (classicamente a interveniente principal mais não fez que de núncio, mas a expressão caiu em desuso e, por isso, prefere-se a expressão mensageiro, para ser melhor entendida pelas partes). Nessa medida, não se pode afirmar qualquer intervenção da interveniente principal ao nível da estipulação do preço e restantes condições relativas ao contrato, porque no âmbito da factualidade em questão esse vocábulo (estipulação) está entendido como o processo negocial de troca de declarações tendente a uma vontade concordante de ambos os declarantes. Pelo que, nesta parte, improcede a impugnação da decisão de facto, sendo de manter o ponto 26. *** Em suma, na parcial procedência da impugnação da decisão de facto eliminam‑se os pontos d., f. e g. dos factos não provados, elimina-se o ponto 24 dos factos provados, e alteram-se os pontos 3 a 8 dos factos provados, tudo nos termos acima referidos, mantendo-se no mais a decisão de facto. *** Do erro na declaração da A. Não sofre qualquer controvérsia que o negócio jurídico que liga A. e R. se reconduz a um contrato de renting (ou se se preferir, de locação operacional, tal como qualificado na sentença recorrida). Do mesmo modo, não sofre qualquer controvérsia que a A. visa a anulação desse negócio jurídico com recurso ao instituto jurídico do erro, no que respeita à declaração da quilometragem total contratada. Depois de convocar a doutrina de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 235), o tribunal recorrido sustenta pela seguinte forma a anulação do negócio, com fundamento na verificação de erro na declaração da A.: “O Tribunal considera ser de enquadrar a situação dos autos na figura do erro na declaração prevista no art. 247 do Código Civil e não na figura do erro sobre os motivos e, muito menos, na figura residual do erro sobre a base do negócio. Na verdade, o que sucedeu foi que a Autora celebrou o referido contrato de locação operacional, emitindo a sua declaração de vontade nesse sentido, convencida de que estava contratar 40.000 quilómetros anuais. Emitiu assim, por forma não intencional, uma declaração de vontade (renting do veículo, 40.000 km) desconforme com a sua vontade real (40.000 km ano). Como resulta do citado art. 247 do Código Civil, a relevância do erro na declaração depende da verificação de dois requisitos: - a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o erro; - o conhecimento dessa essencialidade pelo declaratário ou o dever de a conhecer. O primeiro traduz-se na necessidade de o elemento sobre que incidiu o erro do declarante ser decisivo para a celebração do negócio em si mesmo ou nos seus elementos essenciais. Pressupõe-se um juízo hipotético sobre a declaração que teria sido emitida. Como escreve Maria João Vaz Tomé quanto ao art. 247º (Comentário ao Código Civil – Parte Geral, 2.ª ed., Lisboa: UCE, 2023, p. 706), “a essencialidade tem de ser analisada subjectivamente e em concreto, e não objectivamente e em abstracto (segundo o critério do declaratário razoável ou normal), pois cada um determina livremente os elementos que o possam conduzir a celebrar o contrato.” O segundo requisito consiste no conhecimento (que é subjectivo) ou na susceptibilidade de conhecimento (que é objectiva), pelo declaratário, da essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que versou o erro. Não basta, portanto, que o erro tenha sido essencial para o declarante; é ainda necessário o conhecimento ou a cognoscibilidade dessa essencialidade pelo declaratário. Quando assim sucede, estando então verificados os dois requisitos, o negócio é anulável, pois não há boa-fé ou confiança digna de tutela. A matéria de facto adquirida permite concluir pela verificação destes dois requisitos: para a Autora era condição para a celebração do contrato que este previsse a quilometragem anual (ou total da soma dos 40.000); a Ré tinha disso perfeito conhecimento (ou devia ter face às negociações com aquela). Deste modo, apesar do equívoco enquadramento da situação de erro, a decisão (constitutiva) de anular o negócio – ainda que impropriamente expressa sob a (“declarando a anulação do contrato”)”. Sem colocar em crise o enquadramento jurídico do caso, tal como acima se reproduz, contrapõe tão só a R. que, em face da factualidade apurada, não se verifica qualquer um dos dois requisitos enunciados. Recuperando a causa de pedir, o erro que a A. invoca corresponde ao lapso em que incorreu quando entendeu que a referência a 40.000 quilómetros (constante da proposta da R. nº 8.514.404/001, que a A. recebeu em 20/11/2020 e que assinou e foi devolvida à R.) respeitava à quilometragem máxima prevista para cada um dos 4 anos do contrato, e não à quilometragem total máxima prevista para os 4 anos de duração do contrato. A essencialidade desse elemento (um plafond anual de 40.000 quilómetros) resulta, segundo a alegação da A., da circunstância de querer um veículo que pudesse fazer essa quilometragem, para poder ser utilizado por um comercial. E o conhecimento da essencialidade desse elemento por parte da R. resultará da circunstância de lhe ter sido comunicado pela A. Sem qualquer controvérsia, como já se disse e resulta da fundamentação da sentença recorrida, quando o declarante forma uma determinada vontade mas exterioriza uma vontade distinta, o acto é anulável desde que o elemento sobre o qual incidiu o erro se apresente como essencial para o declarante e o declaratário conheça (ou não deva ignorar) tal essencialidade. Isso mesmo se refere no acórdão de 22/9/2009 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Garcia Calejo e disponível em www.dgsi.pt), quando se conclui que “ocorrerá erro na declaração quando, em virtude do erro, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor (art. 247.º do CC). Esta irregularidade resulta de se ter formado, sem erro, uma certa vontade, tendo-se declarado outra. O acto será anulável desde que o declaratário conhecesse, ou não devesse ignorar, a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”. Do mesmo modo, refere-se no acórdão de 15/5/2012 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por António Joaquim Piçarra e disponível em www.dgsi.pt), que o “erro na declaração, figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista no art.º 247º do Cód. Civil e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo (…) recai apenas sobre o elemento externo da declaração e afecta o comportamento declarativo, isto é, a exteriorização da declaração, produzindo uma divergência entre a vontade, que não está viciada ou deformada, e o que é declarado”. Do mesmo modo, ainda, refere-se no acórdão de 25/2/2025 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Ricardo Costa e disponível em www.dgsi.pt), lançando mão da doutrina de Carlos Mota Pinto, que o “art. 247º do CCiv. prevê que, «[q]uando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.» Estamos perante uma modalidade da divergência não intencional entre a vontade e a declaração negocial (objectiva), enquanto vício na formulação da vontade que afecta a concordância entre o “querido” e o “declarado”. No erro-obstáculo ou erro na declaração previsto no art. 247º do CCiv. o declarante emite a declaração divergente da vontade real sem ter a consciência desta falta de coincidência, seja por “lapso de actividade” (lapsus linguae ou lapsus calami), desde que não se aplique o art. 249º do CCiv., ou por atribuição às palavras de um significado diverso do seu sentido objectivo (desvio na vontade negocial por “erro de juízo” ou “erro sobre o conteúdo da declaração”)”. Regressando ao caso concreto, resulta da factualidade apurada que a A. pretendia celebrar o contrato de renting por 4 anos e com uma quilometragem de 160.000 quilómetros, tal como expressou à interveniente principal (em 28/10/2020) e à R. (em 29/10/2020). Mais resulta apurado (ponto 15) que quando a A. recebeu a proposta final da R. (aquela identificada no ponto 10), a qual referia que a “quilometragem contratada” era de 40.000 quilómetros, interpretou que se tratava da quilometragem para cada um dos 4 anos de vigência do contrato. Mas a A. não estava a interpretar de forma objectiva a expressão “quilometragem contratada” que constava da proposta (como de todas as anteriores propostas), incorrendo num lapso interpretativo que encontrará a sua justificação na circunstância de já lhe ter sido anteriormente apresentada pela R. uma proposta que, referindo como “quilometragem contratada” 160.000 quilómetros, apresentava uma mensalidade com um valor marginalmente inferior ao valor apresentado na denominada proposta final (€ 386,00 contra € 396,86). E como essa diferença marginal podia perfeitamente ser imputada à circunstância daquela proposta anterior ter sido apresentada como “oferta especial”, ao abrigo de uma campanha, pode-se afirmar que, para a A., a expressão “quilometragem contratada 40.000” constante da denominada proposta final significava o plafond de quilometragem para cada um dos 4 anos de vigência do contrato. O que é o mesmo que afirmar que quando a A. assinou e devolveu a proposta final, em manifestação de concordância com o seu teor (ou seja, fazendo sua a declaração negocial constante da mesma), atribuiu erradamente à referida expressão aquele significado. Recuperando o exemplo de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, 1987, pág. 232), assim como se verifica um erro na declaração quando alguém pretende comprar por 10 mas, por lapso, diz que compra por 20, também no caso da A. se verifica um erro na declaração porque a mesma pretendia o renting do veículo com um plafond total de 160.000 quilómetros mas disse à R. que pretendia o renting do veículo com um plafond total de 40.000 quilómetros, atribuindo à expressão “quilometragem contratada 40.000” um significado diverso do seu sentido objectivo. Dito de forma mais simples, sem qualquer erro-vício a A. formou a sua vontade de celebrar o contrato de renting por 4 anos e com um plafond total de 160.000 quilómetros. Mas na exteriorização dessa vontade declarou contratar 40.000 quilómetros para esses mesmos 4 anos de vigência do contrato, porque entendeu erradamente que a expressão utilizada (“quilometragem contratada 40.000”) significava 40.000 quilómetros anuais. Por outro lado tal elemento do contrato de renting, a par do prazo de vigência do mesmo e das características do veículo a que respeitava (Fiat Tipo SW 1.3 Multijet 95 cv, versão Lounge), apresentava-se como essencial para a A., como resulta da circunstância de ter comunicado à interveniente principal (em 28/10/2020) e à R. (em 29/10/2020) apenas esses mesmos três elementos, para efeitos de lhe ser apresentada proposta com o valor da mensalidade do renting pretendido. E porque a A. comunicou os mesmos três elementos directamente à R. (em 29/10/2020), não se pode afirmar que esta ignorasse que esses três elementos (designadamente o plafond total de 160.000 quilómetros) eram essenciais para que a A. aceitasse o valor da mensalidade constante da denominada proposta final. Dito de outra forma, face à forma como as trocas de declarações ocorreram, não só através da interveniente principal mas igualmente directamente entre A. e R. (em 29/10/2020), não podia a R. ignorar (agindo com a diligência que se lhe impunha naquela situação concreta) que a A. só pretendia celebrar o contrato se o plafond total fosse aquele de 160.000 quilómetros que tinha indicado. Poder-se-á objectar que a circunstância de a interveniente principal ter servido de mensageiro entre a A. e a R., no que respeita à recepção da denominada proposta final e sua devolução já assinada pela A., impediria o recurso ao disposto no art.º 247º do Código Civil. Mas o disposto no art.º 250º do Código Civil prevê que a declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos do referido art.º 247º. Ou seja, ainda que o referido papel de mensageiro que a interveniente principal desempenhou possa ter resultado da parceria (formal ou informal, para o caso pouco importa) mantida com a R., e ainda que tenha sido por causa desse papel de mensageiro que a comunicação entre A. e R. se “degradou”, fazendo com que a A. tenha erradamente interpretado e feito sua a expressão “quilometragem contratada 40.000” como significando um plafond de 160.000 quilómetros para 4 anos (equivalente a 40.000 quilómetros por ano), nem por isso deixam de estar reunidos os apontados requisitos da essencialidade e da cognoscibilidade, assim se verificando a relevância de tal erro, nos termos e para os efeitos do referido art.º 247º do Código Civil. Pelo que se verifica o direito da A. à anulação da declaração de aceitação da denominada proposta final e, consequentemente, do contrato de renting assim celebrado com a R. O que equivale a afirmar que, quanto a esta questão do erro na declaração da A., é de manter o juízo de anulação afirmado na sentença recorrida. *** Da medida da restituição devida pela R. à A. Não sofre controvérsia que a consequência da anulação do contrato de renting celebrado entre A. e R. é a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do disposto no art.º 289º do Código Civil. Também não sofre controvérsia, tal como ficou expresso na sentença recorrida, que os “contratos em que uma das partes beneficie do gozo de uma coisa ou de um serviço, como é o caso dos autos, apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art. 289, nº 1. O mesmo é dizer que o mecanismo do art. 289, nº1, com eficácia ex tunc, na sua radicalidade, se não se neutralizarem os efeitos da nulidade ou da anulação em relação às prestações já efectuadas, não assegura a restituição de tudo o que foi prestado. Resultado este que não cumpre a teleologia do próprio preceito e que se aliado à inaplicação do instituto de enriquecimento sem causa, é de uma injustiça flagrante e impele o intérprete a procurar outra via para realizar a maior justiça possível”. E bem ainda, seguindo a doutrina de Menezes Cordeiro aí identificada, que “[n]os contratos de execução continuada em que uma das partes beneficia do gozo de uma coisa – como no arrendamento – ou de serviços – como na empreitada, no mandato ou no depósito – a restituição em espécie não é, evidentemente, possível. Nessa altura, haverá que restituir o valor correspondente o qual, por expressa convenção das partes, não poderá deixar de ser o da contraprestação acordada. Isto é: sendo um arrendamento declarado nulo, deve o “senhorio” restituir as rendas recebidas e o “inquilino” o valor relativo ao gozo de que desfrutou e que equivale, precisamente, às rendas. Ambas as prestações restitutórias se extinguem, então, por compensação, tudo funcionando, afinal, como se não houvesse eficácia retroactiva, nestes casos”. Com efeito, quando está em causa a destruição retroactiva dos efeitos de um contrato pelo qual se cedeu o gozo temporário de uma coisa por prazo certo e contra o pagamento de uma prestação por cada um dos meses desse prazo, a ideia subjacente ao disposto no art.º 289º do Código Civil é que ao locatário deve ser restituído o valor das prestações que entregou, enquanto ao locador deve ser restituído o valor relativo ao gozo de que beneficiou o locatário, uma vez que a restituição em espécie desse gozo não se revela possível. Ora, o valor desse gozo corresponde ao valor das prestações entregues pelo locatário enquanto o bem esteve na sua disponibilidade, usando-o para o fim a que o mesmo se destina. E por isso é que tudo se passa como se nada houvesse a restituir, por força da extinção compensatória de ambas as obrigações de restituição. Regressando ao caso concreto, está demonstrado que a partir de Junho de 2022 a A. deixou de circular com o veículo. A R. não coloca em crise (conclusão XXVI da sua alegação de resposta à alegação do recurso da A.) que esse foi o momento em que a A. deixou de “usufruir do veículo”. Assim, tendo cessado o gozo do veículo em Junho de 2022, estando demonstrado que a A. continuou a entregar à R. o valor mensal de € 620,91, e mais estando as partes de acordo quanto à circunstância de a entrega dessa mensalidade ter ocorrido até Novembro de 2024, já se viu que a medida da restituição devida pela R. à A. ascende à soma das 30 mensalidades entregues entre Junho de 2022 e Novembro de 2024. Pelo que, tendo presente que em Junho de 2022 a mensalidade entregue pela A. ascendeu a € 396,86 e nos meses subsequentes ascendeu a € 620,91, o valor total a restituir perfaz € 18.403,25. E quanto à circunstância de na sentença recorrida se ter afirmado que a condenação da R. não podia ultrapassar € 14.351,70, em obediência ao princípio do dispositivo, torna-se manifesto que o tribunal recorrido não soube interpretar o pedido da A. É que a mesma veio expressamente pedir a condenação da R. na devolução de “todas as quantias entregues pela Autora durante a vigência do contrato”, quer as já pagas até à propositura da acção, e por isso liquidadas em € 14.351,70, quer as “que se vierem a vencer desde a data da propositura da presente acção até que o aludido contrato (…) seja considerado anulado”. Assim, e tendo presente o disposto no art.º 557º do Código de Processo Civil, naturalmente que era lícito à A. formular o seu pedido de restituição das mensalidades entregues à R., tanto relativamente às que já havia entregado como relativamente às que ainda entregaria. E não é a circunstância de a A. não liquidar o valor da devolução correspondente às mensalidades ainda a entregar que determina a desconsideração dessa parte do seu pedido, para efeitos do art.º 609º, nº 1, do Código de Processo Civil, pois que essa liquidação só poderia ocorrer no futuro e em razão de dois pressupostos a verificar: que a R. solicitasse o pagamento de cada uma das mensalidades e que a A. efectuasse tal pagamento. Dito de forma mais simples, tendo a A. pedido a condenação da R. na restituição das mensalidades que fosse pagar à mesma após a propositura da acção, há que considerar que o pedido autoriza a correspondente condenação na restituição do valor das mensalidades pagas após a propositura da acção, não obstante a A. não ter procedido à indicação (com carácter de previsão, porque de um facto futuro se tratava) do valor global dessas mensalidades. Pelo que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, nada obsta à condenação da R. no pagamento à A. do referido montante de € 18.403,25. Em suma, quanto a esta questão da determinação da medida da restituição devida pela R. à A. não pode subsistir o decidido na sentença recorrida, havendo que alterar o ponto 2 do dispositivo da mesma em conformidade com o acima referido. *** DECISÃO Em face do exposto julga-se improcedente o recurso da R. e procedente o recurso da A. e altera-se o ponto 2 do dispositivo da sentença recorrida, que passa a ter a seguinte redacção: 2. Condenar a R. a restituir à A. a quantia de € 18.403,25 (dezoito mil quatrocentos e três euros e vinte e cinco cêntimos), correspondente às 30 mensalidades pagas pela A. à R. entre Junho de 2022 e Novembro de 2024. As custas de ambos os recursos são suportadas pela R. Vai ainda a R. condenada na multa processual de 2 (duas) UC, pela não admissão da junção dos dois documentos apresentados com a sua alegação de recurso e com a sua alegação de resposta ao recurso da A. 11 de Setembro de 2025 António Moreira Rute Sobral Ana Cristina Clemente |