Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
88410/21.0YIPRT.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
CAIXA ECONÓMICA
EMPRÉSTIMO
AMORTIZAÇÃO E LIQUIDAÇÃO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A Caixa Económica da Polícia de Segurança Pública tem competência para conceder empréstimos, com baixos juros, aos seus beneficiários (art.º 4º, da Portaria Nº 19.040/1962, de 22/2).
2. A liquidação dos empréstimos é feita mediante o desconto das prestações mensais acordadas (englobando capital e juros) no vencimento dos mutuários, pelo conselho administrativo que pague o vencimento no momento da decisão de concessão do empréstimo. Ocorrendo mudança do conselho administrativo responsável pelo pagamento do vencimento, são-lhe remetidos os elementos referentes ao empréstimo, para que não ocorra interrupção no pagamento das prestações (art.º 16º).
3. Se não obstante as ditas providências, vier a ocorrer interrupção no reembolso, e não for atualizado o plano de amortização estabelecido no momento da concessão do empréstimo, como o exige o art.º 16º, nº 2, do mesmo diploma, tem de se entender que se mantém em vigor o plano inicialmente elaborado, pois da dita norma não decorre a perda de benefício do prazo para o devedor e o vencimento antecipado de todas as prestações, mormente se aquele não é sequer notificado nos termos previstos no art.º 781º, do Código Civil.
4. O prazo de prescrição aplicável é o de cinco anos em relação ao vencimento de cada prestação prevista no plano de pagamentos que se manteve em vigor (art.º 310º, al. e), do Código Civil). 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Serviços Sociais de Polícia de Segurança Pública, com sede na Rua de Xabregas, Nº 44, em Lisboa, instaurou procedimento de Injunção contra D…., residente na Avenida …., Linda A Velha, que após oposição, foi transmutado em Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias.
O Autor, invocando a sua qualidade de instituto de utilidade pública, dotado de personalidade jurídica e de autonomia financeira, nos termos do Decreto-Lei 42794, de 31 de dezembro de 1959, diz o seguinte:
- A Caixa Económica do Autor tem legitimidade para conceder empréstimos aos seus beneficiários;
- A Ré, enquanto beneficiária, solicitou um empréstimo no valor de €12.000,00, que lhe foi concedido;
- Foi acordado que o valor a liquidar seria pago em 72 mensalidades, com vencimento no primeiro dia de cada mês, a iniciar em março de 2009, no valor de €219,90, correspondendo €166,67 a capital e € 53,23 a juros de mora calculados à taxa de 4%;
- A Ré deixou de proceder ao pagamento em 1 de janeiro de 2012, encontrando-se vencidas e não pagas 38 prestações no valor global de €8.356,20, vencidas aos dias 1 de cada mês;
- Apesar das várias e sucessivas interpelações feitas pelo Requerente, a Requerida nunca procedeu ao pagamento dos montantes em dívida, nem devolveu a quantia mutuada, incorrendo em mora e constituindo-se na obrigação de pagar os juros respetivos, calculados desde a data do vencimento da primeira prestação não liquidada até à data de entrada do Requerimento Injuntivo, à taxa legal civil de 4%, no valor global de €3 251,82, a que acrescem €250,00 referentes a despesas administrativas com a cobrança, e ainda a €102,00 relativo a taxa de justiça.
Termina, pedindo seja a Requerida condenada a pagar-lhe a quantia de que é devedora no valor global de €11.960,02, ao qual deverão acrescer juros moratórios vincendos até efetivo e integral pagamento.
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A Ré deduziu oposição e invocou a prescrição do direito do Autor, por terem decorrido mais de cinco anos sobre a data do vencimento das prestações.
           
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Notificado para se pronunciar sobre a exceção de prescrição, disse o Autor que o prazo de prescrição a considerar no caso dos autos é o prazo geral de 20 anos, previsto no art.º 309º do Código Civil e contado nos termos do artigo 781º do mesmo Código, a partir do momento do primeiro incumprimento, que ditou o vencimento das restantes prestações, uma vez que os empréstimos concedidos pela Caixa Económica da Polícia de Segurança Pública são regidos por regulamentação especial, consignada na Portaria n.º 19040/1962, de 22/02.
Acrescenta que a Ré reconheceu a dívida perante o Autor em 24 de outubro de 2019, tendo recusado o pagamento com base na prescrição, pelo que o prazo prescricional sempre se teria, então, interrompido.
Termina, concluindo pela improcedência da exceção.
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Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, condena-se a R. a pagar ao A. a quantia total de oito mil novecentos e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos – acrescida de juros de mora vincendos à taxa supletiva civil sobre 6.333,46€.
Custas na proporção dos respectivos decaimentos (CPC 527º).
Registe e notifique.”
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A Ré não se conformou com a decisão, e dela recorreu, tendo, após alegações, formulado as seguintes conclusões:
“a) O presente recurso impugna a sentença de 12.07.2022, na parte em que determinou que existiu vencimento de todas as prestações e que o prazo de prescrição aplicável é o prazo ordinário de 20 anos.
b) A ré considera a decisão ilegal, com base na violação dos artigos art.º 8.º, 9.º, 310.º, alíneas d) e e), 436.º e 781.º do CC, bem como do art.º 16.º, n.º 2 da Portaria n.º 19.040 de 22.02.1962.
c) O Tribunal a quo considerou verificado, erradamente, o vencimento das prestações na sua totalidade e consequentemente a existência de uma resolução automática por parte da autora com o não pagamento de uma prestação em 01.01.2012.
d) Sucede que do ponto n.º 4 dos factos dados como provados na sentença, resulta que a autora comunicou à mandatária da ré, em 2019, a possibilidade de retoma do plano de pagamento, o que demonstra inequivocamente que a autora não considerou vencidas todas as prestações, nem de alguma forma pretendeu resolver o contrato.
e) Não pode proceder a fundamentação da decisão recorrida suportada no art.º 16.º, n.º 2 da Portaria n.º 19.040 de 22-2-1962 no sentido do não pagamento de uma prestação em 01.01.2012 ter resultado no vencimento de todas as outras.
f) Nessa norma apenas se consagra um mecanismo de “autocompensarão” da autora, através da retirada da retribuição do mutuário do valor em falta, não se tratando do vencimento de todas as prestações do mútuo.
g) Deverá por isso concluir-se que, não tendo existido vencimento das prestações porque o mesmo não opera ope legis, nem tendo sido exercido a prerrogativa de vencimento de todas as prestações do art.º 781.º do CC ou o direito de resolução pela autora, o seu direito de crédito está prescrito pelo decurso do prazo prescricional de 5 anos, consagrado no art.º 310.º, alíneas d) e e) do CC.
h) Subsidiariamente, mesmo que se considere improcedente a defesa da inexistência de vencimento das demais prestações do mútuo em apreço, sempre seria igualmente aplicável o prazo de prescrição estabelecido no art.º 310.º alíneas d) e e) do CC.
i) Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, porquanto as mesmas continuam a ser quotas de amortização do capital.
j) Pelo que, às quotas de amortização do capital integrantes das prestações e juros remuneratórios, se aplica a prescrição quinquenal prevista no art.º 310.º, al. d) e e) do CC, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas, como se estabelece no AUJ do STJ de 30.06.2022, decidido por unanimidade do plenário composto por 32 juízes conselheiros.
k) Esta orientação foi desconsiderada surpreendentemente pelo Tribunal a quo, sem que fosse indicada qualquer razão de facto ou de direito para a afastar.
l) Em suma, tendo cessado o plano convencionado de pagamento das prestações em 01.02.2015 e tendo decorrido mais de cinco anos após esta data sem que a autora diligenciasse pelo seu pagamento – apenas em 18.11.2021 apresentou a injunção – não restam dúvidas da ocorrência de mais de 5 anos e da extinção do direito de crédito por efeito de prescrição – art.º 310.º, al. d) e e) do CC.
m) Caso este tribunal de 2.ª instância, entenda ser de manter a interpretação e aplicação das normas contidas nos art.º 8.º, 9.º, 310.º, alíneas d) e e), 436.º e 781.º do CC, bem como do art.º 16.º, n.º 2 da Portaria n.º 19.040 de 22.02.1962, no sentido de se considerar aplicável o prazo prescricional de 20 anos, cumpre salientar que tal interpretação e aplicação violam, entre outros, o princípio do estado de direito, na vertente do princípio da proteção da confiança ou da tutela da confiança e princípios da certeza e da segurança jurídica (artigo 2.º da CRP) – questão que se suscita para apreciação expressa deste Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º- A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82, mais se remetendo para a argumentação constante na motivação do recurso.
n) Por fim e ainda subsidiariamente, caso improcedem as questões supra identificadas, sempre deverá este tribunal superior revogar a sentença na parte em que não declarou a prescrição dos juros de mora, já que a mesma foi expressamente invocada pela ré na oposição à injunção (item n.º 31) e no requerimento da ré de 18.02.2022 no capítulo específico “III. Dos Juros de Mora” (itens n.º 33, 34 e 35).
Nestes termos requer a V. Exas., face a tudo o que foi supra alegado, se dignem conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado.”
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A Autora respondeu ao recurso, apresentado as respetivas alegações, que rematou com as conclusões que se passam a transcrever:
“I. Não se compreende (pelo menos os aqui Apelantes) qual a posição que pretende assumir a Apelada.
II. Salvo o devido respeito, a alegações apresentadas pela Apelante, são confusas, não se depreendendo o que efetivamente é pretendido pela mesma no que diz respeito a data de vencimento das prestações, relativamente à resolução do contrato de mútuo, não se alcançando qual a pretensão do presente recurso.
III. É que, não existindo a resolução, aparentemente o que a Apelante pretende é que o contrato de mantenha, alegações novas aliás, que nunca foram arguidas em qualquer parte do processo.
IV. E a manter-se, a Apelante continua a ser devedora dos Apelados, devendo sempre, a final ser condenada ao pagamento da totalidade do valor não pago e já vencido (ou não…. !?).
V. A Apelante parece reconhecer que as prestações não estão vencidas, olvidando-se do disposto no Artigo 781.º do Código civil, assim como que o prazo de prescrição, começa a correr quando o direito puder ser exercido (cfr. Artigo 306.º do C.C.), nada é alegado pela Apelante quando ao assunto.
VI. O prazo prescricional a ser considerado nos presentes autos é de o prazo geral de 20 anos, previsto no art.º 309 do Código Civil (contado nos termos do artigo 781º do Código Civil) contados a partir do momento do primeiro incumprimento, que ditou o vencimento das restantes prestações.
VII. Com efeito, os empréstimos concedidos pela da Caixa Económica da Polícia de Segurança Pública são regidos por regulamentação especial, consignada na Portaria n.º 19040/962, 22 de fevereiro – Regulamento da Caixa Económica da PSP, que observada à luz da unidade do ordenamento jurídico é também substancialmente autónoma, tanto pela fragilidade da parte que concede o empréstimo, como pelo singular reforço da obrigação de pagamento imposta aos mutuários, sem precedentes nos vulgos “mútuos civis” aos quais sem rancor pela subsidiariedade que nos possa ser imposta pelo direito, o Regulamento em causa não faz qualquer referência.
VIII. É que, a concessão de empréstimos pela Caixa Económica da PSP, não visa o lucro e padece de um pedido institucionalizado (efetuado através de documento regulamentado, onde são assentes os despachos) – cfr. Documento n.º 1 que juntou a Apelante com a sua oposição.
IX. Pela conjugação do art.º 9.º da referida Portaria, com o art.º 12.º do Decreto-lei n.º 42794/959, 31 de dezembro, os empréstimos só estão acessíveis a Polícias, entes dotados de um estatuto Profissional e Disciplinar próprios, complementados por um Código Deontológico, cuja imperatividade em situações de pobreza extrema, se pode ver diluída e fraturar a isenção e imparcialidades exigidas às suas funções, razão que a existência pretende prevenir como referido pelo legislador no preâmbulo do Estatuto de tais órgãos policiais.
X. Sendo que, e à margem da moralidade subjacente ao parágrafo anterior, estes profissionais socorrem-se da Caixa Económica em situações financeiras fervilhantes, quase sempre depois de excomungados pela generalidade dos operadores de crédito a que se referem os doutos acórdãos invocados pela Apelante
XI. Refira-se, que foram as circunstâncias muito excecionais, que levaram o Diretor dos Serviços Sociais da PSP, ao abrigo do art.º 10.º do Regulamento da Caixa Económica a autorizar um empréstimo superior ao vencimento mensal líquido da peticionária, agora aqui Apelante
XII. Para fazer face a estas situações, o legislador na alçada dos art.º s 3.º, 11.º e 24.º Decreto-lei n.º 42794/959, 31 de dezembro, criou a Caixa Económica da PSP e considerando o risco associado a este tipo de “empréstimos de sobrevivência”, sem precedente normativo conhecido, criou em forma de lei uma obrigação (não se confunda com obrigação contratual nem geral) que em primeira linha transfere para os mutuários a responsabilidade pela amortização regular dos pagamentos, conforme dispõe o último paragrafo do n.º 1 do art.º 17.º na Portaria n.º 19040/962, 22 de fevereiro.
XIII. Estando patente a violação de uma obrigação prevista na lei, quanto ao não cumprimento de cláusulas assentes num mútuo contratual formalizado através de forma certa, assumem os Apelados a vivência do direito de exigir o pagamento do montante em dívida sendo uma obrigação legal de devolver o enriquecido sem causa, que pretende a Apelante usufruir.
XIV. Face ao exposto, duvidas não restam que o prazo prescricional da dívida em causa será de 20 anos e não de 5 como invoca a Apelante, devendo assim improceder a argumentação utilizada, uma vez que o direito dos Apelados não se encontra prescrito, por não terem ainda decorrido os 20 anos referidos sobre a data do último incumprimento.
XV. Assim, desde logo se deverá mencionar que a arguida exceção de prescrição invocada não poderia nunca operar, pois, como deverá ter conhecimento a Apelada, para que este tipo de prescrição não basta, invocar a mesma.
XVI. É que, alegou a Apelada, que o início de incumprimento do contrato da Ré ocorreu há 9 anos e a última das prestações contratualmente estabelecidas e acordadas se venceu há 6 anos (cfr. Artigo 14.º da oposição), invocando para tanto a prescrição prevista na alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.
XVII. Alegou e Alega assim a Apelada que o crédito peticionado nos presentes autos se encontra prescrito, uma vez que estariam em causa quotas de amortização de capital, nos termos do disposto na alínea e) do art.º 310.º do Código Civil.
XVIII. Salvo melhor opinião, a obrigação de pagamento emergente de contrato de mútuo constitui uma obrigação única, pelo que o incumprimento definitivo daquela obrigação implica o vencimento de todas as prestações em dívida àquela data.
XIX. Com efeito, todas as prestações em dívida venceram-se numa única data, ou seja, em fevereiro de 2015, data do incumprimento definitivo da obrigação de pagamento emergente do contrato de mútuo em causa nos presentes autos, com a consequente perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações.
XX. Por conseguinte, o valor em dívida desde o incumprimento (fevereiro de 2015) assume a natureza de obrigação unitária que engloba não só o capital, mas também os juros de mora vencidos, e, por isso, encontra-se sujeito ao prazo de prescrição ordinário previsto no art.º 309.º do CC.
XXI. No entanto, a Apelante pretende ver aplicado ao caso concreto um regime jurídico concebido para a resolução de outras questões
XXII. Pelo que a obrigação de restituição do capital em dívida está sujeita ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no art.º 309.º do CC, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos.
XXIII. A Apelante aliás, e, ao contrário do por si alegado, reconheceu e reconhece a divida em causa nos presentes autos.
XXIV. Sendo que com o presente Recurso, aparentemente entende que não estão as prestações vencidas, ou o contrato resolvido!
XXV. Pois, nos termos do disposto no artigo 325.º n.º 1 do Código Civil,” prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.”
XXVI. Todas as comunicações remetidas pela Apelante as Apelados, tratam-se de reconhecimentos da divida.
XXVII. Ora, nos termos do art.º 325.º n.º 1 do Código Civil, a prescrição é interrompida “pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido”.
XXVIII. Se o devedor reconhece o direito do titular, “é razoável que perca o benefício do prazo prescricional já decorrido: tal reconhecimento pode interpretar-se como renúncia da sua parte a prevalecer-se desse prazo, visto supor a vontade de cumprir, além de que o titular pode confiar na opinião manifestada pela outra parte, não tendo, por isso, que a demandar” (Vaz Serra, estudo citado, BMJ 106, pág. 220).
XXIX. O reconhecimento do direito para efeito de interrupção da prescrição tanto pode ser feito por escrito como verbalmente, conforme decorre da liberdade de forma consagrada no art.º 219.º do Código Civil.
XXX. Assim, deverá ser entendido que a Apelante com o envio de comunicações, interrompeu a prescrição fruto do reconhecimento do crédito dos Autores que aí efetuou, assim como se interrompeu pela interpelação remetida pelos Autores que a Ré rececionou e respondeu.
XXXI. Ora, considerando a data em que a Apelante deixou de pagar – fevereiro de 2015 – e a data do email – outubro de 2019 – verifica-se que, ainda que se considere que o prazo prescricional será de 5 anos, que ainda não havia decorrido tal prazo prescricional de 5 anos.
XXXII. Pelo que, tal reconhecimento, operado antes de se completar o prazo prescricional, de 5 anos (a entender-se este como o prazo a aplicar ao caso em concreto, que se discorda com o devido respeito), interrompe o decurso do mesmo, começando a contar novo prazo nos termos legais, pelo que, aquando da entrada do requerimento injuntivo no BNI em 18.11.2021, ainda não havia decorrido o prazo prescricional de 5 anos.
XXXIII. Pelo que, atento ao supra exposto, duvidas não restam de que a exceção perentória de prescrição invocada pela Apelante deve improceder.
XXXIV. Salvo melhor entendimento, a fiscalização concreta da constitucionalidade ou o pedido de declaração de inconstitucionalidade reportam-se a normas jurídicas e não a decisões dos tribunais, por aplicação de normas legais e sua interpretação.
XXXV. As decisões podem ser ilegais, se contrariarem lei ordinária, e só serão inconstitucionais se se alicerçarem em norma declarada inconstitucional.
XXXVI. Objeto do recurso é sempre a constitucionalidade ou a legalidade de uma norma, não a constitucionalidade ou a legalidade de uma decisão judicial.
XXXVII. Como se pode até constar pelas peças processuais invocadas pela Apelante, em nenhuma delas a mesma no seu pedido requer a prescrição dos juros de mora.
XXXVIII. Pelo que, improcede a sua pretensão, agora forçada de incluir os juros com o capital nos pedidos por si formulados.
XXXIX. Têm assim os Apelados direito ao pagamento de juros de mora atenta a não efectivação atempada das prestações devidas.
XL. Assim, a mora constitui o devedor na obrigação de pagar juros, os quais são devidos depois de o devedor ser interpelado judicial ou extrajudicialmente para cumprir ou, caso a obrigação tenha prazo certo, independentemente da interpelação.
XLI. Ficando demonstrado o não pagamento das prestações a partir de fevereiro de 2015, a partir desse momento passou a Apelante a estar em mora quanto ao cumprimento da obrigação que lhe incumbia, devendo ser condenada a pagar aos Apelados de juros moratórios, à taxa legal de 4% – cfr. artigo 804.º n.º 1 e 2 do Código Civil.
Normas Violadas: A Sentença recorrida não viola nenhuma disposição nem normativo legal.
TERMOS EM QUE, DEVERÁ SER MANTIDA A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
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Admitido o recurso e cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe decidir da prescrição do direito do Autor.

III. Fundamentação de Facto
Os factos relevantes para a decisão, são os enunciados no Relatório, e bem assim, o quadro factual fixado em 1ª instância, relativamente ao qual não foi apresentada impugnação e que se passa a enunciar, e ao qual se adita, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 607º, nº 4, aplicável ex vi  art.º 663º, nº 2, do Código de Processo Civil, a transcrição parcial dos documentos referenciados no ponto 3., para melhor clarificação da posição assumida pelas partes, designadamente, da Ré, e ainda, os factos: 4-A (que tem por fonte o plano de pagamento prestacional que foi junto pela Ré com a oposição e que não foi impugnado); 4-B, e 4-C, que resultam dos autos e têm interesse para a apreciação da questão da prescrição.

Factos Provados
1 - Em 26-I-09 a R. (beneficiária 25164) pediu ao A. um empréstimo de 12.000,00€ a pagar em 72 meses (fls 11) - deferido por despacho de 10-II-09 (fls 12), e tendo o dinheiro sido entregue no dia seguinte.
2 - A R. deixou de pagar as prestações em janeiro de 2012 – tendo pago até então 34 prestações mensais (no valor total de 7.596,36€, e sendo então o ‘capital vincendo’ de 6.333,46€ - cf. plano de pagamentos junto a fls 8-9).
3 - Em 26-IX-19 o A. enviou à R. a carta junta a fls 24v (cujo teor se dá aqui por reproduzido): “Constatamos que não foi regular nos pagamentos do empréstimo concedido ao abrigo da Portaria nº 19040/1962, 22 de fevereiro.
Das 72 prestações, apenas liquidou 34, perfazendo o valor em dívida 8.356,20 (…).
Dispõe de 10 dias, para proceder ao pagamento do montante em dívida, mediante depósito/trasferência para a conta (…).
Caso assim não proceda, os Serviços Sociais da PSP, intentarão as correspondentes ações para retorno do capital mutuado juntamento com os juros contratualizados, acrescidos dos juros moratórios à taxa de 5% e demais encargos resultantes do recurso aos instrumentos legais, sem prejuízo da responsabilização disciplinar que venha a ser apurada.
(…)”.
4 - Em 14-X-19 a Advogada da R. enviou ao A. a ‘mensagem’ junta a fls 23v (cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele se lendo, além do mais: “(…) solicitamos que nos seja esclarecido o facto de ter sido debitada no dia 19 de setembro de 2019 uma prestação relativa ao empréstimo, na conta da nossa cliente com o n.º 0181006580600 da Caixa Geral de Depósitos, quando, ao que crê, a nossa Cliente não prestou a devida autorização de débito direto.
Cumpre ainda solicitar a V. Exa. que nos seja prestada informação acerca do n.º de apólice de seguro relativo ao empréstimo, com o envio das respetivas condições gerais e especiais.
Uma vez nos encontremos habilitados com as informações supra de forma a apurarmos as obrigações da nossa Cliente, voltaremos ao contacto com a máxima brevidade. (….)”; em 15-X-19 o A. enviou à Advogada da R. a ‘mensagem’ junta a fls 23 (cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde se lê, além do mais, que: “(…) I. Relativamente ao débito bancário, pode ser corroborado no documento em apenso, que se deveu a um lapso (entretanto corrigido) resultante da atualização/migração para uma aplicação de gestão integrada de serviços, recentemente implementada, mas ainda com áreas em desenvolvimento.
II. As condições gerais e especiais são as constantes na Portaria n.º 19040/962, 22 de fevereiro, que se junta;
III. Remete-se ainda a documentação relativa ao pedido efetuado pela Exma. Senhora D… e os fundamentos da boa fé inerentes à sua concessão.
Caso a V. Cliente queira dar continuidade ao pagamento das prestações em dívida, deve remeter a autorização de débito que se anexa para o seguinte endereço (…)”, tendo a Advogada da R. respondido em 24-X-19 com a ‘mensagem’ junta a fls 22v (cujo teor se dá aqui por reproduzido, e onde se lê, além do mais, o seguinte: “(…) Adicionada esta documentação com aquela que a nossa Cliente também nos disponibilizou, salvo melhor opinião, conclui-se que no presente contrato de mútuo o direito de exigir o pagamento já se encontra prescrito.
Nos termos das alíneas d) e e) do artigo 310º do Código Civil, prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais ainda que ilíquidos e as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros.
No caso concreto os SSPSP Caixa Económica concederam à nossa Cliente um empréstimo de €12.000,00 o qual seria reembolsado em 72 prestações mensais, a primeira com vencimento em 01.03.2009.
Sucede que a última prestação cobrada à nossa Cliente ocorreu no dia 01.09.2010, data a partir da qual, nos termos da citada norma do código civil, passou a correr o prazo de prescrição de 5 anos.
Ora, não se conhecendo quaisquer causas de suspensão ou de interrupção da prescrição sempre se há-de considerar prescrito o direito de crédito da Caixa Económica desde o dia 01.09.2015. (…).”
4-A – A primeira prestação para reembolso do capital, acrescida dos juros contratados, foi paga pela Ré em 1 de março de 2009.
4-B -O Requerimento de Injunção intentado pelo Autor, contra a Ré, mediante o qual lhe veio exigir o pagamento integral da dívida e juros, deu entrada em 20 de setembro de 2021 (referência citius 20091571).
4-C –A Ré foi citada para deduzir oposição em 25 de novembro de 2021 (referência citius 134687768).
Factos não provados
5 - O débito direto deixou de ser possível em janeiro de 2012.
6 - A R. deixou de pagar em fevereiro de 2015.
7 - O A. despendeu 250,00€ com despesas administrativas com a cobrança.
Fundamentação de Direito
Cuida-se de saber, nesta apelação, da prescrição do direito do autor.
No que diz respeito ao contrato, as partes não colocam em causa a classificação feita em 1ª instância, designadamente, que estamos perante um contrato de mútuo regulado pela Portaria 19.040/1962, de 22/02 (diploma a que pertencem as disposições legais doravante citadas, sem outra indicação expressa).
Tal qualificação afigura-se-nos correta em face da factualidade apurada nos autos, segundo a qual, em 26 de janeiro de 2009, a Ré (na qualidade de beneficiária dos serviços sociais da PSP) solicitou ao Autor, e este concedeu-lhe (em 10 de fevereiro de 2009), o empréstimo da quantia de €12.000,00, a reembolsar em 72 prestações mensais.
O fim da Caixa Económica da Polícia de Segurança Pública é o de “(…) efectuar, com baixos juros, operações de recepção de depósitos e concessão de empréstimos.” – cf. art.º 4º.
E de acordo com o art.º 16º, “Concedido o empréstimo, o conselho administrativo dos Serviços Sociais da Polícia de Segurança Pública tratará imediatamente de pôr à disposição dos interessados a quantia pedida, por intermédio dos conselhos administrativos que lhes pagam os vencimentos no momento da decisão. A estes conselhos administrativos serão remetidos os elementos que os habilitem a iniciar e a continuar os descontos nos vencimentos dos mutuários, até à integral liquidação dos empréstimos.
1.º Quando o mutuário passar a receber os seus vencimentos por outro conselho  administrativo, serão os elementos referentes ao empréstimo remetidos a este último pelo conselho administrativo até aí encarregado desse serviço, a fim de que não se verifique qualquer interrupção no pagamento das prestações, isto independentemente de informação - que é obrigatória - na guia de transferência de vencimentos, acerca da situação de pagamento do empréstimo.
2.º Se, mesmo com as providências indicadas no n.º 1.º, houver interrupção no pagamento das prestações, será feito, por uma só vez, o desconto das prestações vencidas, nos vencimentos do mutuário, até se obter a actualização do plano de amortizações estabelecido no momento da concessão. sublinhado nosso.
Em 11 de fevereiro de 2009 o Autor entregou à Ré a quantia mutuada.
A primeira prestação e respetivos juros foram pagos pela Ré em 1 de março de 2009.
As prestações contratualmente acordadas correspondem a quotas de amortização do capital, resultantes da livre estipulação das partes, sendo a expressão de um plano de reembolso gradual e periódico de capital, com o qual se facilita o pagamento. Ou seja, cada prestação representa um pagamento parcial do capital devido.
Este tipo de prestações prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos previstos no art.º 310º, al. e), do CC, prazo curto com o qual o legislador visou inequivocamente  evitar “(…) que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”,[1] e assim  garantindo “(…) a protecção da certeza e segurança do tráfico, a conveniência de se evitarem os riscos de uma apreciação judicial a longa distância, principalmente quando se requeira a prova testemunhal dos factos e, “last but not the least”, evitar que o credor deixasse acumular excessivamente os seus créditos, para proteger o devedor da onerosidade excessiva que representaria, muito mais tarde, a exigência do pagamento, procurando-se obstar a situações de ruína económica”.[2]
A Ré pagou 34 prestações mensais, no valor total de € 7.596,36.
O reembolso das prestações deixou de ser feito em janeiro de 2012.
O Requerimento de Injunção intentado pelo Autor, contra a Ré, mediante o qual lhe veio exigir o pagamento integral da dívida e juros, deu entrada em 20 de setembro de 2021 e a Ré foi citada para deduzir oposição em 25 de novembro de 2021.
Na sentença recorrida concluiu-se pela aplicação do prazo prescricional ordinário, previsto no art.º 309º do CC.
Considerou-se, ali, para tanto, ao abrigo do invocado nº 2, do art.º 16º, da sobredita Portaria, que em janeiro de 2012, quando a Ré não pagou a prestação então vencida, operou automaticamente a perda do benefício do prazo, passando a ser-lhe exigível o pagamento da totalidade do capital em dívida, e que estando “…. vencidas as prestações, e sendo exigível a totalidade das prestações vincendas – sem juros remuneratório, como resulta do A.U.J. do S.T.J. 7/09 de 5-V -, o prazo de prescrição aplicável é o ordinário de vinte anos (…), e, não, o de cinco anos invocado pela R.”.
Não podemos sufragar este entendimento, como passamos a demonstrar.
Em primeiro lugar, da leitura do nº 2, do art.º 16º, da referida Portaria, não logramos retirar qualquer conclusão sobre a perda do benefício do prazo a favor do devedor e o consequente vencimento e exigibilidade da totalidade das prestações vincendas.
De realçar que as prestações de amortização do empréstimo concedido ao abrigo da dita legislação especial, são descontadas nos vencimentos dos mutuários até à respetiva liquidação (art.º 16º e 17º), estabelecendo o nº 1, do art.º 16, os procedimentos a seguir em ordem a inexistirem interrupções de pagamento quando o mutuário passe a receber o vencimento por conselho administrativo distinto daquele que anteriormente o processava.
E o nº 2, do mesmo art.º 16º, estabelece apenas as regras de atuação em caso de interrupção no pagamento das prestações, quando a observância dos cuidados descritos naquele nº 1 não logrou ser eficaz.
De tal norma resulta, apenas, o seguinte:
1º- Verificando-se interrupção no pagamento das prestações, o desconto das prestações vencidas será feito por uma só vez, no vencimento do mutuário;
2º - Tal pagamento único – das prestações vencidas - será feito até ao momento em que se obtenha a  atualização do plano de amortizações estabelecido no momento da concessão do empréstimo, donde tem de se depreender que a falta de pagamento de uma ou mais prestações não determina o vencimento imediato das restantes, antes se consagra o dever de manter um plano de amortização, mas atualizado em consequência das alterações decorrentes da interrupção de pagamento, regime que se coaduna com os fundamentos e condições especiais da concessão deste tipo de empréstimos, previstos e regulados pela referida Portaria.
In casu, não tendo sido atualizado o plano de pagamentos, ou inexistindo evidência sobre qualquer alteração, já que nada foi alegado, nem apurado nesse sentido, impõe-se concluir pela manutenção do acordo inicial, nomeadamente, pelo vencimento mensal das quotas de amortização do empréstimo.
Inexistindo vencimento antecipado de todas as prestações em janeiro de 2012, em virtude da norma invocada na sentença recorrida (ou qualquer outra) não o determinar; não estando demonstrada a introdução de alterações ao plano de pagamento, e não tendo sido, sequer, apurado, que o Autor/credor, após o primeiro incumprimento tenha notificado a Ré nos termos e para os fins decorrentes do art.º 781º, do Código Civil (razão pela qual nem sequer cumpre apreciar se no caso assistia ao credor o direito de exercer tal prerrogativa – o de informar a Ré, no âmbito do contrato com ela celebrado, de que tinha como antecipadamente vencidas todas as prestações), manteve-se o plano prestacional inicialmente acordado, que cessou em 1 de fevereiro de 2015, em consequência do decurso do prazo de concessão do empréstimo.
Em face do exposto, o prazo prescricional aplicável é, inquestionavelmente, o previsto no artigo 310º, do CC, que com relevância para os autos, dispõe o seguinte:
“Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (…);
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
(…)”.
E sobre esta matéria, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2022, de 22/09, publicado no DR de 22/09/2022, procedeu à uniformização de jurisprudência nos seguintes termos:
“I. No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Destaca-se, neste Acórdão, a justificar a jurisprudência fixada, o seguinte:
“A considerar-se (…) que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
Deste modo, e ainda que se sufragasse o entendimento da sentença recorrida, no sentido de que em janeiro de 2012 tinha ocorrido o vencimento automático das prestações vincendas, sempre seria de considerar o prazo de prescrição quinquenal e não o prazo ordinário da prescrição.
No caso, e tendo por referência o plano de pagamentos acordado entre as partes, a primeira das prestações que não foi paga remonta a 1 de janeiro de 2012; a última, a 1 de fevereiro de 2015, pelo que, mesmo com referência à última das prestações, à data em que a Ré foi citada para a ação, e mesmo no momento em que esta foi proposta, já se mostravam decorridos mais de cinco anos sobre a falta do pagamento.
Diz o apelado, que a considerar-se aplicável o prazo prescricional de cinco anos, deve considerar-se a prescrição interrompida nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 325º, nº 1, do Código Civil, por força da correspondência trocada com a Ré/Apelante, no âmbito da qual esta reconhece a dívida.
Dispõe este preceito legal:
“1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efetuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
Em primeiro lugar, considerando a data da primeira das comunicações que a Ré estabeleceu com o Autor – 14 de outubro de 2019 - e no seguimento do que vimos expondo, a eventual interrupção da prescrição só seria aplicável às prestações vencidas a partir de novembro de 2014, pois relativamente às anteriores, naquela data, mostrava-se decorrido mais de cinco anos sobre o vencimento de qualquer delas.
Tendo presente a matéria de facto descrita sob o nº 4, e designadamente, o teor das comunicações escritas estabelecidas entre o Autor e Ré, nelas não descortinamos qualquer declaração desta, no sentido de reconhecer o crédito ou de querer cumprir/ efetuar qualquer pagamento, tendo, ao invés, invocado a prescrição do direito do Autor.
Inexiste, assim, comportamento suscetível de ser subsumido ao nº 1, do referido art. 325º.
O nº 2, deste mesmo preceito legal trata do reconhecimento tácito, e como decorre expressamente da norma, a eficácia da interrupção da prescrição tem de ser evidenciada através de factos – afirmações pessoais ou comportamentos – que revelem a intenção de reconhecer o direito da parte contrária, que no caso inexistem.
Não tendo ocorrido interrupção da prescrição, à data em que o Autor intentou a ação mostrava-se prescrito o direito, nos termos e ao abrigo do enquadramento legal que se deixou citado e que a sentença recorrida violou.
Decisão
Na sequência do que se deixou exposto, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente por provada a apelação, e em consequência, e revogando a sentença recorrida, julgar procedente, por provada, a exceção perentória de prescrição suscitada pela Ré/Recorrente, absolvendo-a do pedido, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 576º, nº 3, do Código de Processo Civil.
Custas pela pelo Autor/Recorrido (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Lisboa, 12 de janeiro de 2023
Cristina Lourenço (Relatora)
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença

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[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, pág. 280.
[2] Acórdão Do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9/05/200, Processo nº 1815/2006.1, acessível em www.dgsi.pt.