Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL SALGADO | ||
Descritores: | DÍVIDA DA HERANÇA DESPESAS DE FUNERAL CUSTOS DA ASSISTÊNCIA À DE CUJUS ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O mausoléu que corresponde a uma placa em invocação da falecida, condizente com os usos e costumes no rito da sepultura e desprovida de ostentação inusitada, subsume-se à categoria de despesa de funeral e dívida da herança, de acordo com o disposto no artigo 2068º do Código Civil. 2. Apesar do caráter espontâneo e natural das relações familiares e os valores em que se alicerçam, o Autor custeou do seu bolso a prestação dos cuidados especiais de assistência que a sogra careceu no período anterior ao seu decesso, sendo de inferir com respaldo nas regras da experiência e dos valores éticos dominantes, que suportou tais despesas extraordinárias, no convencimento de antever o reembolso através do património hereditário da falecida. 3. Tendo presente o propósito em que se moveu, os custos suportados em benefício exclusivo da sogra não são de subsumir a actos de doação com espírito de liberalidade, ou, como obrigação natural por imperativo de justiça, com previsão nos artigos 940º e 402º do Código Civil. 4. Diversamente, face à gorada aquisição de deixa hereditária, perdeu a base da motivação dos pagamentos que realizou, detonando empobrecimento do seu património sem causa justificativa, conforme o disposto no artigo 473º, nº1 e nº2, do Código Civil. 5. Perante o decesso da beneficiária, a vantagem patrimonial que obteve em vida, em contraponto à exacta medida do empobrecimento injustificado do Autor, transmitiu-se para o património mortis causa, como dívida da herança e pela qual os RR., seus herdeiros legais, respondem na medida das quotas percebidas. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa I.RELATÓRIO 1. Da Acção 2. C…instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra, M, A, MC, A e J, todos melhor identificados nos autos, pedindo que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €20.764,55, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos, até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto, que os RR. são herdeiros (a 1.ª R., na qualidade de irmã e os demais no âmbito do direito de representação) da herança aberta por óbito de MA. O Autor era afim da autora da herança (genro), sendo que, após a morte da sua esposa, única descendente da autora da herança MA, esta passou a viver às custas exclusivas daquele, por não ter rendimentos suficientes, o qual, sozinho e sem o concurso dos RR., providenciou pelo seu sustento, pagando as despesas com a alimentação, higiene, habitação, saúde transportes, lares e prestadores de serviços. As despesas em que incorreu ascendem ao montante de €20.764,55, valor este que pretende ver reembolsado por parte dos RR. Citados, os RR. contestaram. Alegaram em síntese, não corresponder à verdade que a autora da herança MA não tinha rendimentos para prover ao seu sustento, auferindo duas pensões, uma de velhice e outra de viuvez, e, ademais, era ainda herdeira de 1/6 de 1/5 dos rendimentos advenientes da herança aberta por óbito de …a qual era constituída por quatro fracções autónomas. Acrescentaram ainda, que o Autor sempre manteve total poder para movimentar a conta bancária da falecida, procedendo a todas as operações bancárias necessárias. Impugnaram as despesas que o Autor alega ter incorrido, bem como os respectivos montantes, sendo que quaisquer pagamentos feitos pelo Autor foram no âmbito de um espírito de liberalidade, nada sendo devido pelos RR., e pugnando a final pela absolvição do pedido. Seguidos os demais trâmites da instância, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo « Nestes termos, julga-se a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência; (i)Condenam-se os RR., cada um em função da respectiva quota subjectiva que lhe coube na partilha, a pagar ao A. a quantia de €287,34 (duzentos e oitenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos) ; (ii)Condenam-se os RR. no pagamento de juros de mora sobre a referida quantia, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva civil, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; (iii)Absolvem-se os RR. no demais peticionado;(iv)Condenam-se o A. e os RR. no pagamento das custas processuais, na proporção do seu decaimento.» 3. Do Recurso Inconformado, o Autor interpôs recurso, culminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem: I.Este recurso tem por objecto a decisão sobre a matéria de facto, bem como a decisão sobre as questões de direito e a decisão propriamente dita, padecendo a douta sentença de graves incorreções, designadamente erro na apreciação da prova produzida e erro de julgamento. II.Assim. e quanto à matéria de facto dada como provada e como não provada, existem alguns pontos que se apresentam erradamente julgados e em desconformidade com o depoimento das testemunhas que foram inquiridas, com as declarações do próprio Recorrente e com os documentos juntos aos autos por este, nos termos que se passam a expor. III.A resposta à matéria de facto versada no facto provado número 11 deve ser alterada nos seguintes termos:"11. Após o falecimento da mulher do Autor, em Julho de 2008, em face do desinteresse por parte dos parentes da falecida MA, e inclusivamente a pedido de M, o Autor sentiu-se na obrigação moral de continuar a prestar alimentos e a prover pelo sustento da autora da herança, MA, sua sogra, considerando que não a podia abandonar." IV.A matéria de facto dada como não provada sob o ponto d) dos factos não prova dos deve ser considerada como provada nos seguintes termos :"d. A falecida MA nunca contou com a ajuda ou apoio dos RR., nem estes alguma vez revelaram preocupação com o seu bem-estar." V. A resposta à matéria de facto relativa aos factos provados número 22 e 23 deve ser alterada nos seguintes termos: a)"22. Entre os períodos de março e junho de 2012, o Autor pagou uma mensalidade de €1.200,00 relativa à prestação dos serviços prestados pela família de acolhimento”; b)"23. A referida mensalidade foi reduzida para €1.100,00 entre julho de 2012 e agosto de 2014." VI. Os factos que, sob o epíteto “Factos não provados”, constam das alíneas o) e p), devem ser eliminados da matéria de facto não provada. VII. Impõe-se a alteração da resposta dada aos pontos a) e c) da matéria de facto não provada, fazendo-os constar da lista de factos provados, nos seguintes termos: “a. A falecida MA provinha de famílias pobres, com baixos rendimentos e pouquíssimo património, auferindo rendimentos mensais que pouco excediam os quinhentos euros; c. Os rendimentos da falecida MA eram insuficientes para a mesma satisfazer as suas necessidades básicas. VIII. Deve ser dado como provado, de entre os factos que constam sob a epígrafe “Factos não provados”, que: a) "g. As despesas com o consumo de luz ascenderam a €2.600,11”; b) "h. As despesas com o consumo de água e saneamento, entre 11 de julho de 2008 e 22 de março de 2012, ascenderam a €1.679,79”; c)"i. As despesas com o consumo de telecomunicações, entre 30 de junho de 2008 e 28 de fevereiro de 2012, ascenderam a €1.230,14.”; alterando-se, nesses termos e necessariamente, a redacção dada aos correspondentes pontos do facto provado n.º 15. IX. Deve também considerar-se que foi demonstrado nos autos que:"m. No período entre Janeiro e Fevereiro de 2012, foi necessário contratar duas pessoas para prestar os necessários cuidados à autora da herança MA, no período do dia e no período da noite; n. Pelos serviços referidos no ponto anterior, o Autor pagou a quantia de €500,00 mensais a cada pessoa.”; alterando-se, nesses termos e necessariamente, a decisão quanto à matéria fáctica dada como não provada sob os correspondentes pontos. X. A alteração dos pontos da matéria de facto nos termos constantes das conclusões anteriores impõe-se em sede de reapreciação dos depoimentos das testemunhas, identificadas nas alegações supra, gravados entre os minutos igualmente indicados nessas alegações, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, bem como do depoimento e declarações de parte prestadas pelo Recorrente. XI. Aqueles depoimentos, em razão da sua assertividade, clareza, isenção, conheci-mento direto e espontaneidade, foram incorrectamente avaliados e sopesados pelo tribunal recorrido, com elementar violação das regras de experiência comum e do dever-ser, impon-do-se, consequentemente, a sua reapreciação e, a final, a alteração às respostas à matéria de facto dada como provada e como não provada na sentença em crise, nos termos supra. XII.Ocorreu igualmente um erro de julgamento e de apreciação dos documentos juntos com a petição inicial, relativos às despesas com água, electricidade e telecomunicações, na medida em que o tribunal recorrido optou por desconsiderar, sem fundamento assente nas regras da experiência comum e da normalidade, os factos evidenciados nesses mesmos documentos. XIII. Operando-se a alteração sobre a decisão quanto à matéria de facto, nos termos propugnados, e operada a correcta subsunção jurídica, forçoso é concluir que a presente acção deveria ter sido julgada parcialmente procedente, por provada, e os Réus ser condenados a pagar ao Autor a quantia de €16.266,96 (dezasseis mil, duzentos e sessenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), impondo-se a revogação da sentença proferida e a respectiva substituição. XIV. Devem ser contabilizadas e, concomitantemente, devem os Réus ser condenados a pagar as despesas com o mausoléu, pois trata-se de despesas com sufrágios e enquadram-se, de forma manifesta, na letra e no espírito ínsitos no artigo 2068.º do Código Civil, na medida em que são correntes e comuns no meio social onde o Recorrente e a sua falecida sogra estavam inseridos, em que é exigível e habitual os familiares dos falecidos realizarem determinadas obras nas campas destes, colocando cartões em mármore e livros com letras de metal, por tal corresponder a uma prática ancestral-religiosa observada há vários séculos. XV. Contrariamente à subsunção jurídica efectuada pela Meritíssima Juiz a quo, o Recorrente não assumiu, com espírito de liberalidade, o encargo de prover ao sustento da sua sogra. XVI. Não pode o Recorrente conformar-se com o entendimento propugnado pela Meritíssima Juiz a quo, sob pena de ficarem ao abandono milhares de idosos em Portugal e de os presumíveis herdeiros legítimos apenas beneficiarem do activo das heranças e não serem responsáveis pelo pagamento de encargos que beneficiaram o de cujus durante a sua vi-da. XVII. O Recorrente prestou, de facto, alimentos à falecida MA, não só pelas relações de afinidade e afectividade que tinha para com ela, mas porque, efectivamente, estava convencido de que teria direito a ser ressarcido. XVIII. O Recorrente proveu, de facto e em parte, com os alimentos de que a falecida MA carecia, por causa da sua avançada idade e debilidade e incapacidade para prover sozinha ao seu sustento, utilizando, para o efeito, o seu próprio património e não os bens que faziam parte da herança aberta por óbito da sua esposa MO, em que os Réus vieram comungar, sem ter de suportar quaisquer despesas ou encargos. XIX. O Recorrente não assumiu qualquer espírito de liberalidade porque, não obstante as apontadas razões de ordem moral e de laços de afinidade/familiaridade, sempre teve a legítima expectativa de que seria ressarcido pelos Recorridos, a posteriori, de todas as despesas suportadas com o sustento da sua falecida sogra, atento o facto de esta ter um significativo quinhão hereditário na herança aberta por óbito da sua filha MO, no valor de €45.277,04 (quarenta e cinco mil, duzentos e setenta e sete euros e quatro cêntimos). XX. O Recorrente não reclamou o reembolso dessas despesas no processo de partilha da sua falecida mulher MO porque tal não se mostrava legalmente admissível, uma vez que não estava em causa a partilha por óbito da MA, mas teve sempre a in tenção de as reclamar posteriormente, em acção autónoma para o efeito, tal como acontece nos presentes autos. XXI. Quanto à reconhecida existência, pela Meritíssima Juiz a quo, de uma obrigação natural, nos termos previstos nos artigos 402.º e 403.º do Código Civil, também a mesma carece de fundamento. XXII. A sentença recorrida é completamente omissa quanto à fundamentação da existência de um dever de justiça, sendo certo que nenhuma prova foi feita, em sede de audiência de julgamento, quanto ao alegado cumprimento de um dever de justiça por parte do Recorrente, o que também inviabiliza a subsunção jurídica efectuada pela Meritíssima Juiz a quo, no sentido da existência de uma obrigação natural, nos termos previstos nos artigos 402.º e 403.º do Código Civil. XXIII. As despesas com os alimentos prestados à falecida MA deverão ser ressarcidas pelos Recorridos ao Autor, uma vez que representam encargos típicos da herança, nos termos do vertido no artigo 2068.º do Código Civil, se não mesmo ao abrigo do instituto do enriquecimento do património dos Recorridos, sem causa justificativa – sendo que a obrigação natural não o é – e às custas do património do Recorrente. XXIV. Da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, com as alterações propugnadas no presente recurso, resulta cristalino que a falecida MA não detinha qualquer património ou rendimento, além de duas pensões mensais, uma de velhice e outra de viuvez, pagas pela Segurança Social, as quais, tendo por base o teor do Doc. 222 junto com a petição inicial, variaram, respectivamente, entre €249,17 (duzentos e quarenta e nove euros e dezassete cêntimos) e €243,32 (duzentos e quarenta e três euros e trinta e dois cêntimos) - 2008 - e €280,46 (duzentos e oitenta euros e quarenta e seis cêntimos) e €272,80 (duzentos e setenta e dois euros e oitenta cêntimos) - 2014 -, nos seguintes termos: a) Nos anos de 2008 e de 2009, o valor total mensal de €492,49 (quatrocentos e noventa e dois euros e quarenta e nove cêntimos); b)Nos anos de 2010 e 2011, o valor total mensal de €498,64 (quatrocentos e noventa e oito euros e sessenta e quatro cêntimos);c)No ano de 2012, o valor total mensal de €506,28 (quinhentos e seis euros e vinte e oito cêntimos);d)No ano de 2013, o valor total mensal de €550,58 (quinhentos e cinquenta euros e cinquenta e oito cêntimos);e)No ano de 2014, o valor total mensal de €553,26 (quinhentos e cinquenta e três euros e vinte e seis cêntimos). XXV. Pelo que, nos anos de 2012, 2013 e 2014, a falecida MA auferiu as seguintes quantias: a) €7.087,92 (sete mil, oitenta e sete euros e noventa e dois cêntimos), durante o ano de 2012; b) €7.708,12 (sete mil, setecentos e oito euros e doze cêntimos), durante o ano de 2013; c) €4.979,34 (quatro mil, novecentos e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos), entre os meses de Janeiro e Agosto de 2014. XXVI. Resulta da matéria de facto dada como provada, com as alterações e aditamentos constantes do presente recurso, que o Autor despendeu com a falecida MA e as seguintes quantias mensais: a) No período entre Janeiro e Fevereiro de 2012, foi necessário contratar duas pessoas para prestar os necessários cuidados à autora da herança MA, no período do dia e no período da noite, pagando o Autor a quantia de €500,00 (quinhentos euros) mensais a cada pessoa; b)Entre os períodos de Março e Junho de 2012, o Autor pagou uma mensalidade de €1.200,00 (mil e duzentos euros) relativa à prestação dos serviços prestados pela família de acolhimento; c) A referida mensalidade foi reduzida para €1.100,00 (mil e cem euros) entre Julho de 2012 e Agosto de 2014. XXVII. Pelo que, nesses mesmos anos, nos termos acima expostos, o Autor despendeu, por conta da falecida MA, as seguintes quantias: a) €13.400,00 (treze mil e quatrocentos euros), durante o ano de 2012; b) €13.200,00 (treze mil e duzentos euros), durante o ano de 2013; c) €8.800,00 (oito mil e oitocentos euros), entre os meses de Janeiro e Agosto de 2014. XXVIII. Deverão os Recorridos ser condenados a restituir ao Recorrente os mon-tantes correspondentes às diferenças existentes, expressas nas conclusões supra, no montante global de €15.624,62 (quinze mil, seiscentos e vinte e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), nos seguintes termos: a) €6.312,08 (seis mil, trezentos e doze euros e oito cêntimos), relativos ao ano de 2012; b) €5.491,88 (cinco mil, quatrocentos e noventa e um euros e oitenta e oito cêntimos), atinentes ao ano de 2014; c)€3.820,66 (três mil, oitocentos e vinte euros e sessenta e seis cêntimos), relativos aos meses de Janeiro a Agosto de 2014. XXIX. Por conseguinte, os Recorridos deverão ser condenados a pagar ao Autor, por estarem em causa encargos com a herança da falecida MA, a quantia global de €16.266,96 (dezasseis mil, duzentos e sessenta e seis euros e noventa e seis cêntimos), nos seguintes termos:- €287,34 (duzentos e oitenta e sete euros e trinta e quatro cêntimos), a título de despesas com o funeral;- €355,00 (trezentos e cinquenta e cinco euros), decorrentes da aquisição de um cartão em mármore e ao arranjo de um livro com letras de metal, existentes sobre a campa da falecida MA;- €15.624,62 (quinze mil, seiscentos e vinte e quatro euros e sessenta e dois cêntimos), correspondentes às diferenças entre os montantes despendidos pelo Autor, com a falecida MA, entre os meses de Janeiro de 2012 e Agosto de 2014, e os valores relativos aos rendimentos das pensões de velhice e de viuvez pela mesma auferidos. XXX. Ao Autor incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega e aos Réus incumbe provar os factos impeditivos da verificação do direito reclamado pelo Autor, como resulta do artigo 342.' do Código Civil, pelo que incumbia aos Réus provar que a falecida MA detinha os necessários rendimentos ou património para satisfazer o seu sustento, o que não se verificou. XXXI. A sentença proferida, além do evidente erro na apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e da prova documental junta aos autos, fez errada aplicação do direito, violando, consequentemente, as disposições normativas contidas nos artigos 342.', 402.', 403.', 473.' e seguintes, 940.' e 2068.' do Código Civil.Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, nos termos constantes das Conclusões supra, porque apenas assim se fará justiça. * Os RR. nas contra-alegações refutaram a argumentação do apelante, concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença. * O recurso foi regularmente admitido com efeito devolutivo. Colhidos os vistos legais, nada obsta ao conhecimento de mérito. 3.O Objecto do recurso São as conclusões que delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem- artigos 635º, nº3 a 5 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil - salvo em sede da qualificação jurídica dos factos, ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, não podendo ainda conhecer de questões novas; o tribunal de recurso também não está adstrito à apreciação de todos os argumentos recursivos, debatendo apenas aqueles que se mostrem relevantes para o conhecimento do recurso, e não resultem prejudicados pela solução preconizada – artigos 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma. Dentro de tais parâmetros, caberá decidir se, procede a pretensão do Autor no reembolso das despesas (ou de algumas delas) que suportou com o sustento e cuidados de MA, de cujo acervo patrimonial por morte os RR beneficiaram. Tema decisório que convoca os seguintes tópicos recursivos: - Impugnação da matéria de facto; - Os obrigados legalmente ao dever de alimentos aos familiares; economia comum; - As dívidas da herança; a intenção do prestador e o enriquecimento sem causa. II.FUNDAMENTAÇÃO A. Os Factos A matéria de facto que vem provada da primeira instância: 1.Em 3 de Setembro de 2014, na freguesia de Lordelo, do concelho de Vila Real, faleceu MA, no estado de viúva e sem descendentes sobrevivos. 2.A Autora da herança deixou como únicas herdeiras duas irmãs: a 1.ª Ré e M J, cada uma com um quinhão hereditário correspondente a 50% do valor total da herança. 3.A identificada MJ faleceu em 20 de Outubro de 2016, deixando como seus únicos e universais herdeiros a 2.ª, o 3.º e a 4.ª Réus, seus filhos, cada um com um quinhão hereditário correspondente a 12,50% do valor total da herança e a 5.ª e o 6.º Réus, seus netos, em representação da sua pré falecida filha O cada um com um quinhão hereditário correspondente a 6,25% do valor total da herança. 4.O Autor era afim da autora da herança, no primeiro grau da linha recta (genro). 5.Do património da referida herança fazia parte o quinhão da herança aberta por óbito de MO (esposa do A. e filha da falecida MA) , falecida no dia 19 de Junho de 2008. 6.A herança foi objecto de partilha entre o A. e os RR., mediante o Processo de Inventário n.º 3638/15, que corre termos no Cartório Notarial de…, em Vila Real. 7.Os RR. receberam, a título de tornas, por conta do quinhão hereditário da autora da herança MA, a quantia global de €45.277,04. 8.Cada um dos Réus recebeu, na proporção dos seus quinhões hereditários, as seguintes quantias: a 1.ª Ré €22.638,52;a 2.ª Ré €5.659,63; o 3.º Réu €5.659,63;a 4.ª Ré €5.659,63; a 5.ª Ré €2.829,81;o 6.º Réu €2.829,81; 9. A autora da herança MA viveu com o Autor e a sua filha desde o casamento destes. 10.Após o falecimento da mulher do Autor, em 19.06.2008, a falecida MA continuou a residir com o Autor. 11. Foram sentimentos de amor à sua mulher, enquanto viva, e, posteriormente, de obrigação moral decorrentes dos laços de afinidade/familiares, que levaram o Autor a acolher/manter a falecida MA no seio/residência familiar. 12. O Autor pagou o funeral da autora da herança MA, no valor de €1.545,00, tendo recebido da Segurança Social, a título de subsídio, a quantia de €1.257,66. 13. Com o mausoléu onde a autora da herança MA foi sepultada, o Autor gastou a quantia de €355,00. 14. A falecida MA incorreu em despesas de saúde no valor de €3.679,03, as quais foram pagas com rendimentos da mesma. 15.Durante o período de Julho de 2008 a Março de 2012, o agregado familiar, composto pelo Autor e pela falecida MA, incorreu nas seguintes despesas: Com o consumo de gás, entre 30 de Junho de 2008 e 28 de Fevereiro de 2012, no valor de €3.054,38; Com o consumo de luz, de valor não concretamente apurado; Com o consumo de água, de valor não concretamente apurado; Com o consumo de telecomunicações, de valor não concretamente apurado; Em despesas de alimentação, higiene e outros produtos, de valor não concretamente apurado. 16. O Autor era associado do Clube Interpass. 17. Entre Junho de 2009 e Fevereiro de 201 2, o Autor e a falecida MA efectuaram diversas viagens a Lisboa, em datas não concretamente apuradas, tendo pago as respectivas portagens, de montante não concretamente apurado. 18. O Autor e a falecida MA tinham uma empregada doméstica que os apoiava na execução das tarefas domésticas, designadamente limpar e tratar da roupa, prestando serviços entre 15 a 20 dias por mês. 19. Era a falecida MA quem confeccionava as refeições familiares 20. No período entre Janeiro e Março de 2012, o autor requereu a prestação de apoio domiciliário, prestado pela Santa Casa da Misericórdia de Vila Real, o qual se cifrou no montante de €233,00. 21. A partir de Março de 2012, a autora da herança MA e passou a ficar aos cuidados de uma família de acolhimento, sita…, Vila Real. 22. Entre os períodos de Março a Dezembro de 2013, o valor da mensalidade dos cuidados identificados em 21. ascendeu a €1.000,00. 23. Nos períodos entre Janeiro a Junho de 2014, o valor da mensalidade ascendeu a €850,00. 24. Os RR. nunca pagaram quaisquer despesas incorridas pela falecida, nomeadamente com a alimentação, higiene, habitação, saúde, transportes, lares e prestadores de serviços diversos. 25. A falecida passava alguns períodos de tempo em Lisboa, junto das suas irmãs. 26. A falecida auferia mensalmente duas pensões, uma de velhice e outra de viuvez, pagas pela Segurança Social, as quais variaram entre €249,17 e €243,32 (2009) e €280,46 e €272,80 (2014). 27. A mesma era ainda herdeira de 1/6 de 1/5 da herança deixada por óbito de J…, composta por quatro fracções autónomas, uma sita na …, que se encontravam arrendadas, mas cujo valor concreto das rendas não foi possível apurar. 28. Quando MO faleceu, a conta bancária que esta tinha conjuntamente com a sua mãe (MA) não foi encerrada e o Autor deteve e manteve sempre total poder para a movimentar, procedendo a todas as operações bancárias necessárias. 29. A relação entre o Autor e MA foram sempre amistosas, de grande proximidade, carinho e afecto. E, Não Provado: a. A falecida provinha de famílias pobres, com baixos rendimentos e pouquíssimo património, auferindo rendimentos mensais que pouco excediam os quinhentos euros. b. O Autor era de família abastada e com elevados rendimentos. c. Os rendimentos da falecida MA eram insuficientes para a mesma satisfazer as suas necessidades básicas, a qual estava habituada a um nível de vida superior à média e que lhe era propiciado pelo Autor, em vida da sua filha. d. A falecida nunca contou com a ajuda ou apoio dos RR., nem estes alguma vez revelaram preocupação com o seu bem-estar. e. Em virtude da sua idade avançada e subjacente debilidade física, a autora da herança MA carecia de assistência permanente para a realização dos actos da vida corrente. f. O Autor pagou o Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares da autora da herança, correspondente ao ano de 2013, no valor total de €301,96. g. As despesas com o consumo de luz tenham ascenderam a €2.600,11. h. As despesas com o consumo de água e saneamento, entre 11 de Julho de 2008 e 22 de Março de 2012, ascenderam a €1.679,79.i.As despesas com o consumo de telecomunicações, entre 30 de Junho de 2008 e 28 de Fevereiro de 2012, ascenderam a €1.230,14. j. A falecida era associada do Clube Interpass e as despesas incorridas entre 2008 e 2014 ascenderam a €643,30. k. As despesas com o pagamento de portagens das viagens realizadas pelo Autor com a autora da herança MA, entre Junho de 2009 e Fevereiro de 2012, foram no valor de €1.326,36.l.O Autor pagava €30 por cada dia de trabalho da empregada doméstica, tendo pago, entre Junho de 2008 e Dezembro de 2011, a quantia de €20.760,00 a título de remunerações e a quantia de €2.200,00, a título de contribuições p ara a Segurança Social. m. No período entre Janeiro e Fevereiro de 2012, foi necessário contratar duas pessoas para prestar os necessários cuidados à autora da herança MA, no período do dia e no período da noite. n. Pelos serviços referidos no ponto anterior, o Autor pagou a quantia de €500,00 mensais a cada pessoa. o. Entre os períodos de Março e Junho de 2012, o Autor e MA pagavam uma mensalidade de €1.200,00 relativa à prestação dos serviços prestados pela família de acolhimento. p. A referida mensalidade foi reduzida para €1.100,00 entre Julho de 2012 e Agosto de 2014. q. Apenas parte daqueles valores eram facturados, sendo a restante parte paga separadamente para fazer face a despesas com fraldas, medicamentos e outras despesas necessárias. r. As despesas com alimentação, higiene e outros produtos para as necessidades domésticas, pagas com o cartão BPI Universo, ascenderam ao montante global de €18.934,95. s.A falecida MA auferia ainda rendimentos relativos às rendas arrendamento de um prédio urbano localizado em Vila Real. B. Do mérito do Recurso 1.1. Erro de julgamento da matéria de facto O apelante cumpriu em regularidade os ónus da impugnação da matéria de facto, conforme ao disposto nos artigos 639º, nº1 e 640º, nº1 e nº2, do CPC. O erro de julgamento da decisão de facto estende-se, no dizer do apelante, à matéria de facto provada sob os pontos 11, 22 e 23, que em adverso ao sentido da convicção preconizado pelo Tribunal a quo, deverá merecer o juízo de não provada, e, a matéria de facto não provada sob as alíneas a) c) d), g) h) i) o) p), deverá consignar-se como provada. Em fundamento do dissídio sustenta, que a correcta valorização dos documentos juntos a fls. 201 a 212, das declarações do apelante, e dos depoimentos das testemunhas (…) determinam a alteração da decisão conforme indicado. 1.2. A matéria factual impugnada Os factos em referência têm o seguinte teor:(…) 1.3. Reapreciação O Autor veio a juízo reclamar dos RR., beneficiários da herança de MA, os valores relativos ao custo dos cuidados e sustento da sogra, que desde 2008 e até ao seu decesso em Setembro de 2014, assumiu a seu cargo. Sustentou para tanto, que em virtude de os RR. terem recusado acolher a MA na sua casa, por amor e imperativo moral, aceitou que a sogra permanecesse a viver consigo, prestando-lhe até à morte os cuidados e sustento que carecia, no pressuposto de que viria a beneficiar da respectiva herança. Os RR. refutaram a imputada negligência, afirmando que a MA detinha proventos económicos bastantes e geridos pelo Autor, que actuou movido por exclusivos sentimentos de afecto e espírito de liberalidade. O Autor alegou três circunstâncias que o levaram a assumir os cuidados e sustento da MA: por os RR., familiares e herdeiros da MA, se recusarem a tomar conta dela, após a morte da sua filha e mulher do Autor; por a sogra não dispor de meios económicos; e terceiro, na perspectiva de ser reembolsado-compensado com o recebimento da sua herança. Após os articulados ficou, desde logo, assente que em 2008 a MA continuou a viver com o Autor na sua casa em Vila Real e, que por motivo de doença, a partir de 2012 e até à morte, esteve institucionalizada num lar de acolhimento; incontrovertido se mostra ainda, que no âmbito do inventário aberto por óbito de MO (filha da MA e cônjuge do Autor), os RR. (a 1.ª R., na qualidade de irmã e os demais no âmbito do direito de representação) foram benificiários únicos da quota da MA.[1] Produzida a prova, em síntese, o tribunal a quo extraiu a convicção de que a MA, após a morte da sua filha, permaneceu na casa do Autor, com ele vivendo em razão moral e laços de afecto, em espírito de doação gratuita. A factualidade core impugnada, prende-se com a motivação do Autor, ao cuidar da sogra MA a partir de Junho de 2008, quando faleceu a filha e mulher do Autor. Percorridas as razões do apelante, analisaram-se os documento -extractos bancários sinalizados e procedeu-se à audição integral dos depoimentos destacados; por seu turno, apreendemos a argumentação probatória da sentença, na qual se descreve de modo detalhado e circunstanciado o iter lógico-racional da apreciação da prova. Habilitados à reapreciação da factualidade em equação, apreciemos. a. Pontos 11 e d) da matéria de facto Neste segmento impugnado está em causa indagar, da alegada recusa dos RR. em tomarem conta da MA; ouvimos as declarações de parte do Autor e das testemunhas (…). Pois bem. Além do Autor aludir a um episódio de um telefonema, pouco esclarecedor no tempo e nas circunstâncias, as testemunhas identificadas nunca interagiram com os RR. em tal quadro, nem dos depoimentos se infere que os RR. se furtaram a receber a MA em sua casa, ou que declinassem prestar ajuda financeira ou outra. Os seus depoimentos apenas foram concertados no tópico dos custos/pagamentos efectuados pelo Autor em prol do sustento da MA, e, na afirmação do zelo e ligação afectiva e familiar que manifestava perante a sogra. Ressalta, além do mais, do conjunto dos relatos ouvidos, que a MA estava a habituada a viver com o Autor e a filha em Vila Real, onde permaneceu após a morte daquela, expectável na continuação dos laços de afecto e da dedicação do Autor, reconhecida no meio. Mostraram também conhecimento de que a MA visitava com regularidade as irmãs em Lisboa e Cascais, com elas passando alguns períodos em que o Autor se ausentava em viagem, tal como o próprio mencionou nas suas declarações, e resultou provado so o ponto 25. Ou seja, revisitados os meios probatórios e a apreciação concertada da restante matéria de facto, não existe justificação para avalizar o desinteresse e desvinculação categórica dos RR. pela MA, em respeito à primeira das circunstâncias, que alegadamente levou o Autor a tomar a seu cargo o cuidado da sogra no sobredito espaço temporal. Mantém-se, pois, o consignado na sentença no ponto 11 da matéria de facto provada e d) da matéria de facto não provada. b. Pontos 22, 23 e o) e p) Está em causa o montante pago pelo Autor a título de mensalidade pela estadia da MA na instituição de acolhimento especializado a partir de Março de 2012 e até à sua morte. O Autor alega que pagou Euros 1.200,00 até Junho de 2012, passando após à quantia mensal de Euros 1.100,00; juntou os recibos de fls. 205 a 221, emitidos pela entidade prestadora dos cuidados em seu nome, e apresentou os depoimentos das testemunhas atrás identificadas. Para dizer que é manifesto que a convicção do tribunal recolhida neste domínio não pode deixar de escudar-se no suporte –recibos do pagamento que não expressam aqueles quantitativos. Em primeiro lugar, as testemunhas prestaram um depoimento demasiado “aritmético”, que dita reservas na sua verosimilhança; segundo, as quantias alegadamente cobradas em adicional, de cerca de 100 Euros mensais, teriam que reportar a um bem ou serviço específico em prol da MA, como fraldas, ou outros, que ninguém esclareceu; terceiro, a aventada questão do interesse fiscal da casa de acolhimento em não reflectir no recibo o total da quantia paga pelo Autor , podendo ocorrer, não recolheu qualquer indício que o comprove. Observe-se que, de acordo com as regras da experiência, este tipo de instituição fixa os valores base da mensalidade, acrescendo valores variáveis por cada utente, em função de diferentes cuidados ou despesas, e o fornecimento directo de alguns bens por parte dos familiares; nessa circunstância, dando consistência ao depoimento prestado por (…), dono do lar de acolhimento. Em suma, da análise crítica e conjugada dos elementos probatórios, retira-se, sem dúvida proeminente, a resposta de não prova da matéria de facto impugnada, em alinhamento com a decisão de primeira instância, pelo que, improcede a sua impugnação. c. Pontos a) e c) Está em causa a indagação dos rendimentos da MA e da sua concreta medida para prover aos seus gastos e sustento. Como atrás referido, alegou o Autor, para além do restante, que chamou a si o encargo, em virtude de a sogra não possuir rendimentos para o efeito, habituada ao conforto e condições de vida que disfrutava, sendo oriunda de famílias pobres, enquanto o Autor goza de nível abastado. Sobre a matéria provou-se, que a MA, ao tempo, recebia da Segurança Social o valor mensal e total de cerca de Euros 500,00, depositados na conta bancária, a qual era gerida pelo Autor- ponto 26 dos factos provados; e no referente à herança indivisa de sua filha, alegado pelos RR., não resultou provado que a MA beneficiasse de rendas desse património imobiliário, conforme ponto 27. O Autor insurge-se contra o juízo de não prova das “origens humildes” da MA e da insuficiência dos seus rendimentos para prover às necessidades básicas, invocando, inclusive, contradição com a matéria do ponto 26 dos factos provados. Em concreto, as testemunhas nada esclareceram quanto às despesas da MA, afadigando-se, tão só, a asseverar que era o Autor que pagava tudo; no demais, apurou-se apenas que a MA desenvolveu a sua vida económica e familiar com o marido e ambos trabalhavam, passando em determinada altura, já viúva, a viver com o Autor e a sua filha e mesmo após a morte desta. O certo é que, durante a coabitação com o Autor e até à ida da MA para o lar, em Março de 2012, não ficou apurado qual o valor das suas despesas concretas, com excepção dos gastos de farmácia e cuidados médicos, pagos com dinheiro daquela (ponto 14 ), inferindo-se, portanto, um regime equivalente a uma economia comum, de participação equitativa nas despesas globais do agregado, sem parte definida; mais resultou, designadamente, do depoimento do Autor, que a sogra até então gozava de autonomia, fazia as compras e cozinhava as refeições para ambos ( ponto 19), colaborando assim na dinâmica do agregado. Por último, importa sublinhar que parte dos pontos não provados e impugnados correspondem a valorações conclusivas, estranhas ao elenco da matéria de facto, cuja incidência se avaliará em sede de integração jurídica dos factos apurados e a causa de pedir configurada pelo Autor. Em nossa reapreciação, a alteração do juízo probatório esgrimido pelo Autor não encontra suporte nos elementos probatórios sinalizados e juízos inferentes. Neste conspecto, em face da análise crítica e autónoma da prova que se expôs, concluímos que não ocorre motivo para a alteração veiculada, soçobrando nesta parte a impugnação da decisão da matéria de facto. d. Pontos não provados sob as alíneas g), h) e i) Estão em causa os valores que o Autor alegadamente pagou de água, electricidade e telecomunicações na casa em que vivia com a sogra, por referência ao período de Junho de 2008 a Fevereiro /Março de 2012. Neste âmbito o tribunal a quo apenas considerou provado o montante despendido em gás, em função dos documentos de fls.198 e 201. Defende o Autor apelante que também realizou prova do pagamento dos quantitativos de electricidade, água e telecomunicações, através dos documentos de fls. 199 a 202. A análise desses documentos revela com pertinência, que se trata de extractos bancários de conta bancária do Autor e não viabilizam a correspondência necessária entre o montante dos débitos e os serviços, data e local de fornecimento. Os itens sinalizados no extracto registam débitos a favor das entidades fornecedoras daqueles serviços/bens, mas, de modo algum, permitem o apuramento, ainda que aproximado, dos consumos de luz, água e telecomunicações , na casa onde residia com a sogra; alguns não asseguram sequer o local dos consumos ( v.g. o extracto de conta refere outra morada de Vila Real que não aquela onde o Autor residia com a sogra) e outros indicam o período de 12.2009 a 31.12.2012, altura em que a MA já se encontrava institucionalizada . Naturalmente, que decorrendo das regras da experiência que tais gastos são inerentes ao uso de uma casa de habitação, não pode, todavia, o Autor pretender que o tribunal ficcione uma realidade por cerca de três anos, passando por cima de evidentes discrepâncias do suporte probatório que apresentou, e cuja prova linear através das facturas, ou documento equivalente emitido pelos fornecedores, de fácil concretização e que o Autor omitiu. Em suma, acompanhamos a motivação exarada pelo tribunal a quo, improcedendo a impugnação. e. Pontos não provados sob as alíneas m) e n) Está em causa o pagamento pelo Autor de duas empregadas domésticas entre Janeiro e Fevereiro de 2012, contratadas para prestar os cuidados necessários à MA, então em avançado estado debilitado e anteriormente à sua ida para o lar. O Autor apelante pugna pela demonstração de tal factualidade, em face dos depoimentos das testemunhas (…). De acordo com a lei a convicção exigida ao julgador para a demonstração do facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, assenta em muitas situações numa regra máxima da experiência, baseada na normalidade das coisas e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção; e de outro passo, as provas são qualificadas a partir de um critério funcional como deflui do disposto no artigo 341º, do Código Civil. A modificação da decisão da matéria de facto pelo Tribunal da Relação concretiza-se, na situação em que os meios de prova, sob a ponderação de todas as circunstâncias, tendo presente o princípio da livre apreciação da prova, a par das regras legais da prova tarifada quanto a certos factos, conduzem a um resultado explicável e diferente do atingido pelo julgador de primeira instância. As testemunhas indicadas, próximas do núcleo de vida do Autor e da MA, merecem credibilidade quanto à matéria em equação. Percorrendo o registo integral dos seus relatos, verifica-se consonância no que respeita à degradação rápida do estado de saúde de MA a partir do final do ano de 2011, princípio de 2012, aparentando sinais de perda de capacidade física e cognitiva, que dão consistência à necessidade de o Autor contratar duas pessoas para lhe prestar os cuidados exigidos até encontrar instituição adequada. Apesar das testemunhas aludirem também à intervenção da Santa Casa da Misericórdia (ponto 20), resulta que tal apoio domiciliário coexistia com a prestação dos cuidados à MA por duas empregadas em períodos sucessivos. As regras da experiência em situações paralelas, de idoso em declínio senil, fazem concluir pela necessidade de cuidados permanentes à MA, que o Autor sozinho não poderia objectivamente prestar. Por outro lado, estes serviços, sobretudo fora dos grandes centros urbanos, é desempenhado por pessoas não especializadas, disponíveis para auxiliar as famílias que têm a cargo o idoso, mediante remuneração, a qual, em horário completo, se aproxima do salário mínimo mensal, e que de acordo com os usos e costumes, não emitem recibo; de resto, o contrato de trabalho doméstico (ou de prestação de serviços) é na maioria de carácter verbal. Nesta conformidade, concluímos que se justifica o juízo probatório afirmativo da indicada factualidade, e em consequência, altera-se a decisão da matéria de facto, eliminando os pontos m) e n) dos factos não provados, e, aditando aos factos provados: 30.No período entre Janeiro e Fevereiro de 2012, foi necessário contratar duas pessoas para prestar os necessários cuidados à autora da herança MA, no período do dia e no período da noite. 31. Pelos serviços referidos no ponto anterior, o Autor pagou a quantia de €500,00 mensais a cada pessoa. 2.Do enquadramento jurídico 2.1. Sinopse da demanda Aqui chegados, importa discernir se os factos apurados contemplam distinta valoração jurídica da empreendida pela primeira instância. O Apelante pugna para que, em decorrência da demonstração das despesas sobre ditas, e a correcta valoração jurídica dos factos, os RR. sejam condenados a pagar-lhe o montante total de €16.266,96. Neste quantitativo, reduzido em relação ao petitório, o Apelante incluiu o correspondente aos consumos de gás, electricidade, água, e telecomunicações da casa, os montantes pagos por dois meses às cuidadoras de MA, as mensalidades do lar, e o valor do mausoléu, deduzido o valor total das pensões auferidas pela MA no referido período temporal. Argumenta que as despesas que suportou nos cuidados e sustento da MA, foram realizadas no pressuposto e expectativa de vir a ser reembolsado-compensado através da herança, que veio a caber aos RR, dissentindo do juízo de doação preconizado na sentença recorrida. O Tribunal a quo, após judiciosa análise das fontes das obrigações em causa e a factualidade apurada, concluiu que , quer pelos laços de afecto, quer pelas relações de convívio existentes e pelo relacionamento sogra/genro, as prestações/pagamentos efectuados pelo Autor, em proveito da MA, corresponderam a actos de doação, com espírito de liberalidade, ou enquanto obrigação natural e, portanto, insusceptíveis de exigência judicial; com excepção do montante do funeral,(deduzida a subvenção da segurança social, no total de Euros 287.34), absolveu os RR. do pedido. 2.2. Dívidas da herança; despesas do funeral Revertendo ao caso sub iudice e confrontada a facticidade provada, caberá decidir da bondade da sentença ou da consistência da motivação do Apelante no reembolso dos quantitativos que reclama dos RR. A questão queda-se, ao cabo e ao resto, em saber se, os valores reclamados pelo Autor, a título de despesas com o sustento e cuidados de MA desde 2008 e até à sua morte, compreenderão meros actos liberatórios, ou correspondem a uma dívida da falecida, imputável à herança de que beneficiaram os RR. Vejamos. Começando pela quantia de €355,00 do mausoléu da MA, conforme ponto 13 dos factos provados. Considerou-se na sentença que as despesas do funeral, atenta a previsão expressa no artigo 2068º, do Código Civil, são de reembolsar pelos RR. herdeiros da falecida, mas não já o mausoléu, despesa de natureza voluptuária e uma vez que dela não tiverem conhecimento antecipado. Cremos, salvo o devido respeito, que não se justifica a exclusão do pagamento do mausoléu na categoria de despesa de funeral, a suportar pelos herdeiros da falecida. Apelando aos ensinamentos de Rabindranath Capelo de Sousa « (…)nas despesas com o funeral abrangem-se, v.g., as que ocorrem com a conservação, preparação e transporte do cadáver antes da sepultura, as dos ritos funerários, participações e agradecimentos, as do enterramento e as de trasladação, em conformidade com a condição do defunto ou o costume da terra (…)».[2] No caso, tratou-se da aquisição pelo Autor de uma tabuleta de valor económico mediano, com gravação do nome e dizeres alusivos à falecida MA, condizente com os usos e costumes vigentes no rito da sepultura e desprovida de ostentação inusitada. 2.3. Economia comum; consumos na habitação Voltando ao restante pedido do Apelante. No tocante aos montantes dos consumos de gás, água, luz e telecomunicações (ponto 15 dos factos provados) no período de 2008 até ao acolhimento da MA num lar. Conforme apurado, a MA continuou a viver com o Autor, após a morte da filha e mulher deste, na habitação do casal, em Vila Real; importa também ater-nos que os proventos próprios da sogra eram directamente afectos à economia comum, suportando na medida equitativa os seus consumos de água e outros. Nesse circunstancialismo, à luz da economia comum familiar do agregado, não se vislumbra medida de gasto que ultrapasse a contribuição do rendimento auferido pela residente MA, alegadamente suportada a expensas do Autor. Donde, em tal segmento do pedido acompanhamos o julgado da primeira instância e consequente absolvição dos RR. 2.4. Doação; obrigação natural; enriquecimento sem causa Passando ao período de vida da MA em que a sua autonomia física e saúde em geral ficou afectada, i.e, a partir de Janeiro de 2012. De acordo com a alteração da decisão de facto por esta instância, ficou provado que em razão do agravamento do estado de saúde da MA, o Autor contratou duas empregadas que cuidaram daquela entre janeiro e fevereiro de 2012, a quem pagou o total de Euros 2000,00, superior ao valor mensal da pensão da assistida. No que se prende com o pagamento do lar de acolhimento de Março de 2012 a Agosto de 2014, além dos gastos habituais com alimentação e outros, o quantitativo pago pelo Autor ultrapassa, também, o valor das pensões mensais que a MA auferia à época. Deparamos com despesas, que sem hesitação, foram efectuadas em prol exclusivo da assistência e auxílio da MA, correspondente a necessidades efectivas de valor económico superior aos seus rendimentos e que o Autor custeou. Posto isto, estamos em crer, que tais despesas, de índole extraordinária e destinadas a acudir ao estado de saúde e envelhecimento da MA, que o Autor suportou do seu bolso, não deverão ser subsumidos, seja à figura da doação, seja à da obrigação natural. Na verdade, suportou, convicto e motivado de que seria ressarcido ou compensado através do património da MA, por via da herança. Não se divisa, por conseguinte, na sua actuação espírito de liberalidade, ou que enquanto genro da MA, agisse no cumprimento de dever de ordem moral ou social, correspondente a um dever de justiça, tendo parentes de sangue e herdeiros legais, aqui RR. Apelando à concisão expressiva do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.2017: « As doações remuneratórias são actos de gratidão que, divergindo, embora, da liberalidade pura, por terem ínsito um propósito de generosidade e uma espontaneidade, arredado de espírito interesseiro, como seja a expectativa de qualquer tipo de retribuição já que, na sua génese, nunca se encontra um dever jurídico de pagar.»[3] Na perspectiva de Pires de Lima e Antunes Varela, para que haja doação há que estar subjacente liberdade de espontaneidade. “Por isso se não pode considerar como doação, por falta daquele requisito, nem o cumprimento da obrigação natural nem o donativo conforme os usos sociais, mesmo que haja remuneração, como no caso da gorjeta. Não havendo, porém, nem o dever jurídico nem o dever moral ou social de remunerar o serviço, a liberalidade não representa uma «solutio», nem uma dação em cumprimento: é uma doação. É esta a solução a que conduz este artigo 941.º” [4] Regressando à situação ajuizada. É vero que, não se provou que o Autor interveio na prestação de auxílio e cuidados à sua sogra, em virtude dos RR. se terem desembaraçado do ónus de familiares directos e herdeiros, ou recusado comparticipar nas despesas. Por seu turno, também não passou despercebido que o Autor acalentou a esperança-espectativa de receber a quota da herança da sogra no inventário da MO, que afinal acabou por não se concretizar. Reconhecendo-se o caráter espontâneo e natural das relações familiares e os valores em que se alicerçam, como o afecto, a dedicação, a solidariedade e outros, nem sempre será claro identificar o propósito ou intenção que inspiram o cuidador, em tal quadro de vida. Ora, se como explicita a sentença, não sendo o Autor parente obrigado legalmente a prestar alimentos à sogra, há que inferir com respaldo nas regras da experiência e dos valores éticos dominantes, que suportou as quantias extraordinária aludidas, no convencimento de antever o respectivo reembolso através do património hereditário da falecida. Por isso, consistiu este e não outro, o móbil prevalecente da actuação do Autor, à luz das regras da experiência comum, demonstrativo da intenção que o inspirou, independente dos laços de afecto e apreço familiar demonstrados; e, por conseguinte, afigura-se-nos, no que respeita a essas despesas extraordinárias, não se identificar o propósito e espírito de mera liberalidade do Autor, tanto na vertente da doação, como de um dever de ordem moral ou social, com referência ao disposto nos artigos 940º e 402º do Código Civil. A factualidade revela-se então conciliável com a figura do enriquecimento sem causa, definida no artigo 473º, nº1, do Código Civil- “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”; e, no nº2 , que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial, por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” [5] Como ensina Menezes Cordeiro, « (...) o instituto do enriquecimento só pode ser activado quando algo transite de uma pessoa para a outra”, ademais, referindo-se ao empobrecimento, depois de mencionar que ele pode traduzir-se nas figuras inversas às apontadas a propósito do enriquecimento, bastando o dano em abstracto, e acrescentou ser necessária “a deslocação patrimonial ou o acervo de vantagens que se destinariam ao empobrecido mas que, mercê do fenómeno em estudo, surgem na esfera do enriquecido.»[6] Ou seja, para existir enriquecimento sem causa, pressuposto é que haja um enriquecimento, um empobrecimento, um nexo causal e ainda a falta de causas justificativas da deslocação patrimonial verificada.[7] O Autor perante a gorada expectativa de herdar a quota da sogra na herança de MO, perdeu a base da motivação dos pagamentos efectuados do seu bolso em prol da sogra, redundando em empobrecimento do seu património sem causa justificativa.[8] Assim sendo, perante o decesso da MA, a vantagem patrimonial que esta obteve, em contraponto à exacta medida do empobrecimento injustificado do Autor e Apelante, constitui dívida da herança daquela, pela qual os RR. respondem na medida das quotas, nos termos do artigo 2068º, do Código Civil. Recapitulando. Os RR. deverão reembolsar o Autor: da quantia relativa ao mausoléu (ponto 15); do montante relativo ao vencimento das empregadas domésticas que cuidaram da MA, em casa do Autor, entre janeiro e fevereiro de 2012 (pontos 30 e 31); e dos montantes pagos à casa de acolhimento desde março de 2012 até Agosto de 2014(pontos 21. 22. e 23), deduzidos os valores mensais das pensões da falecida, no total a liquidar pelo Autor. III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso, revogando nessa parte a sentença, e em consequência: a) condenam os RR., e cada um deles na medida da quota da herança recebida, a pagar ao Autor as quantias indicadas nos pontos 15., 21, 22, 23, 30 e 31, sendo as relativas aos cuidados, deduzidas do valor mensal das pensões da falecida, no total a liquidar pelo Autor; b) mantendo a sentença no demais. * As custas do recurso são a cargo do Autor e dos RR, na proporção, respectivamente de 40% e 60%. Lisboa, 8 de Março de 2022 ISABEL SALGADO CONCEIÇÃO SAAVEDRA CRISTINA COELHO _______________________________________________________ [1] Na quota correspondente a cada um deles, conforme consta nos pontos 2 a 4 e 7 e 8 dos factos provados. [2] In Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 1980, págs. 103/005. [3] No proc 5226/14.7T2SNT.L1. S1, disponível in www.dgsi.pt. [4] In Código Civil Anotado, 4ªed, II, pág. 242. [5] Cfr. a propósito Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Volume I, 10.ª edição, 2004, pág. 480 e seguintes, e também, Luís Menezes Leitão in Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, página 381. [6] In, Tratado de Direito Civil Português, volume II, Tomo III, páginas 226, 228, 230/34. [7] Cfr. Entre outros, Galvão Telles in Direito da Obrigações, 5ª, pág. 154 e seguintes. [8] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anotado, Volume I, 4ª edição, páginas 454 e seguintes. |