Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2794/22.3T8CSC.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: DESLOCAÇÃO ILÍCITA DE MENOR
PROCESSO DE ENTREGA JUDICIAL
TRIBUNAL COMPETENTE
CONVENÇÃO DE HAIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–Numa situação em que esteja em causa uma deslocação ilícita e uma decisão sobre o regresso de uma criança, não se trata de apurar a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer das responsabilidades parentais, direito de guarda ou outras questões respeitantes a essa criança, mas, tão só, de definir o modo como tal regresso deve ser requerido e junto de que entidades;

II–Tendo ocorrido deslocação ilícita de uma criança para um país subscritor da Convenção de Haia de 25.10.1980 e nos termos definidos no art. 3 dessa Convenção, o pedido de regresso deve ser formulado junto da autoridade central do Estado onde a criança residia, cabendo a esta cooperar com a autoridade central do Estado para onde a criança foi deslocada, de modo a assegurar o seu regresso imediato;

III–Por sua vez, à autoridade central do Estado onde a criança se encontrar caberá tomar todas as medidas apropriadas para garantir esse regresso, designadamente introduzindo ou favorecendo a abertura de um procedimento judicial ou administrativo para o efeito;

IV–O processo de entrega judicial de criança instaurado pelo progenitor face à deslocação da sua filha menor pela progenitora, de Portugal para o Brasil – que solicitou já, entretanto, o regresso da criança através da Autoridade Central Portuguesa – não constitui o meio processual adequado aos fins pretendidos pelo requerente, não sendo o tribunal português internacionalmente competente para apreciar e decidir do referido processo.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


IRelatório:


Fernando ……., residente em São Domingos de Rana, veio, em 18.8.2022, requerer junto do Juízo de Família e Menores de Cascais contra Elizabete ……., brasileira, residente em Piedade, Jaboatão dos Guararapes, Recife, Brasil, processo para entrega judicial de criança, ao abrigo da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25.10.1980, do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27.11, e do art. 13 do RGPTC, respeitante à filha de ambos, Bruna ……., nascida em 9.10.2013.

Invoca, para tanto e em síntese, que vivendo o requerente e a requerida, casados entre si, habitualmente em São Domingos de Rana com a menor, a requerida ausentou-se com a filha para o Brasil, em Julho de 2022, sem conhecimento ou autorização do requerente, tendo a mesma comunicado às técnicas da CPCJ de Cascais a sua intenção de não mais regressar a Portugal. Diz que já solicitou, entretanto, o regresso da criança através da Autoridade Central Portuguesa e pede que seja determinado o imediato regresso da mesma e a sua entrega ao progenitor.

O Ministério Público veio requerer se julgue verificada a incompetência do tribunal português para apreciar a pretensão, uma vez que esta deve ser apreciada pela autoridade judicial do local onde a criança se encontra.

Por despacho de 24.8.2022, determinou-se a audição do requerente sobre a incompetência do tribunal português, sustentando-se que o meio processual adequado à satisfação do pedido é o já dirigido à Autoridade Central cuja decisão compete às autoridades judiciais e administrativas brasileiras.

Em resposta, o requerente insiste na competência do tribunal português, invocando o art. 10 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 e defendendo que deve ser fixado um regime provisório, ao abrigo do art. 20 do mesmo Regulamento, que assegure o regresso imediato da menor de modo que esta inicie o ano letivo no Colégio da Bafureira onde se encontra inscrita.

Em 31.8.2022, foi proferida decisão que concluiu nos seguintes termos: “(…) Consta da factualidade vertida no aludido requerimento e nos documentos que o acompanham que o requerente continua casado com a mãe da menor, inexistindo qualquer processo de regulação das responsabilidades parentais ou de promoção e proteção pendentes em Juízo. Consta igualmente apresentou o pedido de regresso junto da Autoridade Central do nosso país, pedido esse que já foi devidamente encaminhado para a Autoridade Central brasileira e cujo resultado aguarda.
Ora, como já referido anteriormente, resulta dos artigos 8º a 12º da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto internacional de Crianças, de 25/10/1980, que «Artigo 8º Qualquer pessoa, instituição ou organismo que julgue que uma criança tenha sido deslocada ou retirada em violação de um direito de custódia pode participar o facto à autoridade central do residência habitual da criança ou à autoridade central de qualquer outro Estado Contratante, para que lhe seja prestada assistência por forma a assegurar o regresso do criança. Artigo 9.º Quando a autoridade central que tomou conhecimento do requerimento mencionado no Artigo 8.º tiver razões para acreditar que o criança se encontra num outro Estado Contratante, deverá transmiti-lo directamente e sem demora à autoridade central desse Estado Contratante e disso informará a autoridade central requerente ou, se for caso disso, o requerente. Artigo 10.° A autoridade central do Estado onde a criança se encontrar deverá tomar ou mandar tomar todos as medidos apropriadas para assegurar a reposição voluntária da mesma. Artigo 11.º As autoridades judiciais ou administrativas dos Estados Contratantes deverão adoptar procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança.»
No caso, o requerente agiu nessa conformidade e a Autoridade Central Portuguesa já informou o requerente do encaminhamento da situação junto da Autoridade Central no Brasil, cujas autoridades judiciais e administrativas, deverão dar andamento ao pedido nos termos constantes do artigo 11º da Convenção, por serem com competência internacionalmente para o efeito.
Em face do acabado de referir, forçoso se torna concluir que este Tribunal carece de competência para intervir no pedido de regresso da criança a Portugal, não sendo a providência tutelar cível o meio processual adequado para os fins pretendidos pelo requerente, mas sim, o pedido por si já efetuado junto da Autoridade Central e cuja decisão compete às autoridades judiciais e administrativas brasileiras.
Nestes termos, não tendo este Juízo de Família e Menores competência internacional para a apreciação desta ação, desde já declaro o Juiz 2 do Juízo de Família e Menores de Cascais da Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste incompetente em razão das regras de competência internacional, o que determina a incompetência absoluta do Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 96.º e 97.º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, julgo verificada a exceção de incompetência deste Juízo de Família e Menores em razão das regras de competência internacional e em consequência, indefiro liminarmente o requerido, ao abrigo do disposto nos artigos 590.º/1 e 577.º/a), do Código de Processo Civil.
Custas pelo Requerente, de harmonia com o vertido no artigo 527.º/1/2 do Código de Processa Civil.
(…).”

Inconformado, interpôs recurso o requerente, apresentando alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

i.-A competência internacional do tribunal português para fixar medidas provisórias e cautelares resulta do artigo 20. ° do Regulamento (CE) n. ° 2201/2003, de 27 de novembro, que preconiza o seguinte a este respeito:
"1. Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.
2. As medidas tomadas por força do n. ° 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas. "

ii.-Os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas podem decidir cautelarmente, estando comprovado nos autos que a menor frequentou o 2.° ano no Colégio da Bafureira e que era residente em Portugal, até ser deslocada ilicitamente pela progenitora.
iii.-Acresce, que é a própria Autoridade Central Brasileira que afirma encontrar-se a aguardar decisão do tribunal português.
iv.-No entendimento do recorrente e salvaguardando todo o respeito, o tribunal a quo fez uma aplicação errada das normas substantivas e processuais à factualidade que se tem por assente, pois que em caso de urgência os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança podem tomar medidas cautelares ou provisórias, configurando o início do ano escolar da menor uma situação de urgência que justifica a fixação de um regime provisório, até que exista uma tomada de posição por parte da Autoridade Central Brasileira, o que poderá demorar meses, ficando o superior interesse da criança prejudicado caso não se fixe qualquer regime provisório.
v.-Existindo motivos de facto que justificam a aplicação de medidas urgentes e cautelares, é competente o tribunal português para fixar tal regime até que exista uma tomada de posição por parte da Autoridade Central Brasileira.
vi.-Somos a concluir que andou mal o douto tribunal a quo ao proferir a sentença ora em recurso porquanto a situação fáctica relatada nos autos justifica a fixação de medidas cautelares, que acautelem o superior interesse da menor que iniciará o próximo ano letivo a 9 de setembro de 2022.
vii.-Vislumbrando-se a impossibilidade de existir uma resposta por parte da Autoridade Central Brasileira até esta data, deverá ser fixado um regime provisório que determine o imediato regresso da menor a Portugal.
viii.-Face ao exposto, somos a concluir que a sentença recorrida viola o disposto no artigo 20.° do Regulamento(CE) n.° 2201/2003, de 27 de novembro, e, por conseguinte, deverá ser substituída por despacho que fixe cautelarmente a medida de regresso da menor, a fim de iniciar o ano letivo.”

Em contra-alegações, defende o M.P. o acerto do decidido.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*

IIFundamentos de Facto:
A factualidade a ponderar é a que acima consta do relatório.
                                         *
IIIFundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões acima transcritas, verificamos que a única questão a ponderar respeita a saber se o tribunal português, concretamente o Juiz 2 do Tribunal de Família e Menores de Cascais, é internacionalmente competente para apreciar e decidir os presentes autos de entrega judicial de criança.
O Tribunal a quo considerou a jurisdição portuguesa incompetente para apreciar e decidir os mesmos, à luz do art. 11 da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25.10.1980, e indeferiu liminarmente o requerimento inicial.
É desta decisão que o apelante discorda, louvando-se, além do mais, no art. 20 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, de 27.11.

Analisando.
Estabelece o art. 62 do C.P.C. que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa (al. a)), tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou alguns dos factos que a integram (b)), ou quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (al. c)).
Tal não obsta, no entanto, ao estabelecido em regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais, atento o princípio constitucional segundo o qual “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português” (art. 8, nº 2, da C.R.P.), e tendo ainda em conta o disposto no art. 59 do C.P.C..
Cumpre, naturalmente, relembrar que a questão da competência apenas respeita à definição do tribunal a quem cumpre decidir a causa e não à determinação do direito aplicável à regulação do litígio.
O presente processo foi instaurado ao abrigo da Convenção de Haia de 25.10.1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de que Portugal e o Brasil foram também subscritores([1]), e do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27.11.
A mencionada Convenção, como resulta do seu texto inicial, teve em conta que “os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia” e visou, por isso, proteger a mesma “no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícitas e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual.”
Dispõe o art. 3 da mesma Convenção que: “A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a)- Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e
b)- Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.” 

Por seu turno, o mencionado Regulamento (CE) nº 2201/2003 prevê, no seu considerando 17, que em caso de deslocação ou de retenção ilícitas de uma criança, deve ser obtido sem demora o seu regresso, devendo continuar a aplicar-se a mencionada Convenção de Haia completada pelas disposições do Regulamento, nomeadamente, o seu art. 11.

Sem cuidar aqui de saber qual a forma especial de processo tutelar cível aplicável às ações de regresso – se o processo de entrega judicial previsto no art. 49 do RGPTC, se a providência tutelar cível comum prevista no art. 67 do mesmo Diploma – nenhuma dúvida haverá de que deverá tratar-se de um processo urgente, célere e expedito, tendo como referência temporal o prazo de seis semanas para a tomada de decisão a contar da apresentação do pedido (cfr. arts. 2 e 11 da Convenção de Haia de 25.10.1980 e 11, nº 3, do Regulamento (CE) nº 2201/2003).

As regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa em matéria de providências tutelares cíveis são as que constam do atual art. 9 do RGPTC.
Por força do nº 1 deste artigo será competente para decretar as providências o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado. Ou seja, o primeiro critério é o da residência da criança no momento em que a providência é instaurada.
Numa situação em que esteja em causa uma deslocação ilícita e uma decisão sobre o regresso de uma criança, não se trata de apurar a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer das responsabilidades parentais, direito de guarda ou outras questões respeitantes a essa criança, mas, tão só, de definir o modo como tal regresso deve ser requerido e junto de que entidades.
Da leitura dos arts. 8 a 20 da Convenção de Haia de 25.10.1980 resulta que o pedido de regresso deve ser formulado junto da autoridade central de cada Estado Contratante encarregada de dar cumprimento às obrigações que lhe são impostas, cabendo a estas entidades cooperar entre si e promover a colaboração entre as autoridades competentes dos seus respetivos Estados, por forma a assegurar o regresso imediato das crianças (cfr. arts. 6 e 7 da Convenção).

Dispõe, aliás, concretamente a al. f) do art. 7 da referida Convenção que compete às autoridades centrais tomar as medidas apropriadas para, além do mais, “Introduzir ou favorecer a abertura de um procedimento judicial ou administrativo que vise o regresso da criança ou, concretamente, que permita a organização ou o exercício efectivo do direito de visita”.

Estabelece ainda o art. 10 da mesma Convenção que: “A autoridade central do Estado onde a criança se encontrar deverá tomar ou mandar tomar todas as medidas apropriadas para assegurar a reposição voluntária da mesma.”

Segundo explica António José Fialho([2]): “(…) As autoridades centrais são os organismos designados pelos respectivos Estados para executar as funções decorrentes de um dado instrumento legal às quais compete a obrigação de velar pelo regular cumprimento dos procedimentos instituídos no quadro dos instrumentos de direito internacional assinados e ratificados por esse Estado(..).
A intervenção da Autoridade Central ocorre sempre que seja solicitada quer a nível nacional - em que atua na qualidade de requerente - quer a nível internacional - em que atua na qualidade de requerida.
A actividade das autoridades centrais (na qualidade de requerente ou de requerida) consubstancia-se ainda no acompanhamento processual e na prestação, às partes envolvidas, de toda a informação adicional no âmbito dos processos em que esteja em causa o pedido de regresso da criança de acordo com a Convenção da Haia de 1980.
(…) Ao estabelecer, de forma meramente exemplificativa, qual o procedimento da autoridade central perante o pedido que lhe é formulado, o artigo 7.º da Convenção da Haia de 1980 impõe a existência de uma fase pré-contenciosa(..), da exclusiva competência da Autoridade Central(..), com vista a obter o regresso voluntário da criança.(…).”
Prevê, por sua vez, o art. 11 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 que: 1. Os n.ºs 2 a 8 são aplicáveis quando uma pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda pedir às autoridades competentes de um Estado-Membro uma decisão, baseada na Convenção da Haia de 25 de Outubro de 1980 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças (a seguir designada 'Convenção de Haia de 1980'), a fim de obter o regresso de uma criança que tenha sido ilicitamente deslocada ou retida num Estado-Membro que não o da sua residência habitual imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas.
2. Ao aplicar os artigos 12.º e 13.º da Convenção da Haia de 1980, deve-se providenciar no sentido de que a criança tenha a oportunidade de ser ouvida durante o processo, excepto se tal for considerado inadequado em função da sua idade ou grau de maturidade.
3. O tribunal ao qual seja apresentado um pedido de regresso de uma criança, nos termos do disposto no n.º 1, deve acelerar a tramitação do pedido, utilizando o procedimento mais expedito previsto na legislação nacional.
Sem prejuízo do disposto no primeiro parágrafo, o tribunal deve pronunciar-se o mais tardar no prazo de seis semanas a contar da apresentação do pedido, excepto em caso de circunstâncias excepcionais que o impossibilitem.
4. O tribunal não pode recusar o regresso da criança ao abrigo da alínea b) do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, se se provar que foram tomadas medidas adequadas para garantir a sua protecção após o regresso.
5. O tribunal não pode recusar o regresso da criança se a pessoa que o requereu não tiver tido oportunidade de ser ouvida.
6. Se um tribunal tiver proferido uma decisão de retenção, ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, deve imediatamente enviar, directamente ou através da sua autoridade central, uma cópia dessa decisão e dos documentos conexos, em especial as actas das audiências, ao tribunal competente ou à autoridade central do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da sua retenção ou deslocação ilícitas, tal como previsto no direito interno. O tribunal deve receber todos os documentos referidos no prazo de um mês a contar da data da decisão de retenção.
7. Excepto se uma das partes já tiver instaurado um processo nos tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da retenção ou deslocação ilícitas, o tribunal ou a autoridade central que receba a informação referida no n.º 6 deve notificá-la às partes e convidá-las a apresentar as suas observações ao tribunal, nos termos do direito interno, no prazo de três meses a contar da data da notificação, para que o tribunal possa analisar a questão da guarda da criança.
Sem prejuízo das regras de competência previstas no presente regulamento, o tribunal arquivará o processo se não tiver recebido observações dentro do prazo previsto.
8. Não obstante uma decisão de retenção, proferida ao abrigo do artigo 13.º da Convenção da Haia de 1980, uma decisão posterior que exija o regresso da criança, proferida por um tribunal competente ao abrigo do presente regulamento, tem força executória nos termos da secção 4 do capítulo III, a fim de garantir o regresso da criança.”

Por conseguinte, tendo ocorrido deslocação ilícita de uma criança para um país subscritor da Convenção de Haia de 25.10.1980 nos termos definidos no art. 3 dessa Convenção, o pedido de regresso deve ser formulado junto da autoridade central do Estado onde a criança residia a quem caberá cooperar com a autoridade central do Estado para onde a criança foi deslocada, de modo a assegurar o seu regresso imediato.

Por sua vez, à autoridade central do Estado onde a criança se encontrar caberá tomar todas as medidas apropriadas para garantir esse regresso, designadamente introduzindo ou favorecendo a abertura de um procedimento judicial ou administrativo para o efeito.

Assim, na ordem jurídica nacional, quando a autoridade central atua na qualidade de requerida, a providência judicial relativa ao regresso é iniciada pelo Ministério Público junto do juízo de família e menores ou do juízo local da área onde se encontre a criança e instruída com o expediente remetido pela autoridade central portuguesa.

Diz-nos ainda José António Fialho([3]) que: “(…) Recebido o requerimento, o juiz verifica os pressupostos de que depende o prosseguimento da providência e determina as diligências que considere necessárias o que inclui, normalmente, a comunicação ao Sistema de Informação SCHENGEN dos dados de identificação da criança e do progenitor com quem se encontra com vista a evitar nova deslocação, a audição da criança e desse progenitor e outras diligências probatórias que o caso justifique.(…).”

Na situação aqui em análise, o requerente invoca que a filha Bruna ......., que vivia com ambos os pais em São Domingos de Rana, foi levada pela mãe para o Brasil sem o seu consentimento, afirmando que já solicitou o regresso da criança através da Autoridade Central Portuguesa. Pede que seja determinado o imediato regresso da mesma e a sua entrega ao progenitor.
Não é conhecida a instauração em Portugal, antes da deslocação referida, de qualquer processo sobre as responsabilidades parentais ou outro respeitante à referida menor
Já no recurso, o apelante insiste na competência internacional do tribunal português para fixar medidas provisórias e cautelares, de acordo com o art. 20 do Regulamento (CE) nº 2201/2003, o que, defende, se justifica face ao início do ano escolar, requerendo a revogação do decidido e a sua substituição “por despacho que fixe cautelarmente a medida de regresso da menor, a fim de iniciar o ano letivo.”
Não lhe assiste razão.
Já vimos qual o procedimento adequado ao regresso de criança deslocada ilicitamente e concluímos que esse procedimento, seja numa fase administrativa ou contenciosa, tem caráter urgente e deve dessa forma ser tramitado.
Constatamos também que o requerente deu já início ao mesmo junto da entidade competente para o efeito, solicitando o regresso da criança através da Autoridade Central Portuguesa no âmbito da Convenção da Haia de 1980.
Desse modo, inevitável é concluir que estes autos não constituem o meio processual adequado aos fins pretendidos pelo requerente, como se afirmou na decisão recorrida.
Acresce que a previsão constante do art. 20 do Regulamento (CE) nº 2201/2003([4]) não justifica, minimamente, a oportunidade e a competência do Tribunal a quo para conhecer do processo instaurado.
Desde logo porque o motivo invocado pelo apelante/requerente é o início do ano escolar em estabelecimento de ensino em Portugal onde a criança se encontra inscrita que, constituindo razão atendível ao objetivo essencial de assegurar o regresso da criança deslocada ilicitamente, não poderá justificar, em si mesma, a instauração do presente processo, de entrega judicial de criança, em derrogação do regime aplicável em conformidade com os instrumentos internacionais e com vista a determinar, precisamente, essa entrega.
Ou seja, o que o apelante/requerente pretende com o presente processo é, afinal, a própria decisão definitiva de regresso e entrega da criança, a realização direta e imediata do direito reclamado, e não qualquer decisão incidental, provisória ou cautelar, respeitante à menor (e/ou a seus pais), apenas destinada a assegurar/prevenir a eficácia da tutela que deve depois obter-se através do procedimento adequado.
Em suma, não será o Tribunal a quo internacionalmente competente para apreciar e decidir os presentes autos, conforme decidido.
***

IV–Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.



Lisboa, 25.10.2022



Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                         
Edgar Taborda Lopes

                                                       

[1]Foi aprovada, na ordem jurídica nacional, para ratificação pelo Decreto n° 33/83, de 11.5.
[2]In “Contributo para um regime processual das ações de regresso das crianças ilicitamente deslocadas ou retidas”, JULGAR Online, Maio de 2019, págs. 17 e 20.
[3]Cfr. ob. cit., pág. 39.
[4]Dispõe este normativo, sob a epígrafe “Medidas provisórias e cautelares”: “1. Em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado-Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado-Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do mérito.
2. As medidas tomadas por força do n.º 1 deixam de ter efeito quando o tribunal do Estado-Membro competente quanto ao mérito ao abrigo do presente regulamento tiver tomado as medidas que considerar adequadas.”