Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1754/18.3T8CSC.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I) A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: Compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; Punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
II) O artigo 496.º, n.º 1 do CC atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
1. AMP, identificada nos autos, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra PL, VB e SOLUÇÕES D’OBRA – CONSULTADORIA E MEDIAÇÃO DE OBRAS, LDA., também identificados nos autos, peticionando a condenação solidária destes a:
“a) – reconhecer o direito que assiste à Autora de ver cumprido, na sua totalidade, o Contrato de Empreitada de Obra Particular livremente celebrado entre as partes;
b) – devolver à Autora o montante de 21.931 euros (vinte e um mil novecentos e trinta e um euros), correspondente à verba paga a mais relativamente ao trabalho efectivamente executado;
c) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 21.931 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
d) – pagar à Autora a quantia de 604,80 euros, relativa a electicidade que teve de pagar na sua casa em remodelação (Vide Art. 35º. desta PI);
e) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 604,80 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
f) – pagar à Autora a quantia de 946,80 euros, relativa a água que teve de pagar na sua casa em remodelação;
g) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 946,80 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
h) – pagar à Autora a quantia de 9.000 euros, relativa a despesas de transporte adicionais por ter ido viver para Belas devido ao facto de não poder utilizar a sua casa em remodelação;
i) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 9.000 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
j) – pagar à Autora a quantia de 27.360 euros, relativa a despesas de rendas devido ao facto de não poder utilizar a sua casa em remodelação (Vide Art. 35º. desta PI);
k) – pagar à Autora os juros legais vencidos, à taxa legal, incidentes sobre a quantia de 27.360 euros, a partir de 30.04.2012, e os vincendos até efectivo pagamento;
l) – pagar à Autora a quantia de 45.000 euros, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos e que são imputáveis à actuação dolosa dos Réus.”.
Alegou, em síntese, o seguinte:
- No dia 25-07-2011, na qualidade de dona de obra, celebrou com os 3 Réus, um Contrato de Empreitada de Obra Particular, pelo qual lhes adjudicou trabalhos de remodelação do edifício do nº. … da Rua …, 1495-126 Algés, que teriam de observar a regulamentação técnica em vigor e as regras de arte, definidas em documento anexo;
- O Réu PL, é o responsável técnico pela execução da obra junto da Câmara Municipal de Oeiras, que a licenciou.
- O preço total é de 68.000 euros, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, sendo  com a adjudicação da obra - 20 mil euros + IVA;  com a estrutura concluída - 20 mil euros + IVA; com os revestimentos colocados - 20 mil euros + IVA; com a conclusão da obra - 8 mil euros + IVA;
- Todos os pagamentos relativos aos trabalhos do contrato de empreitada deveriam ser efectuados ao Réu Soluções d’Obra – Consultadoria e Mediação de Obras Limitada, que ficaria encarregue da gestão dos pagamentos a efectuar pela Autora ao Réu PL, e da mediação da obra e dos serviços de consultadoria inerentes à mesma.
- O Réu VB, assumiu-se como empreiteiro da obra.
- As obras iniciaram-se no mês de Outubro de 2011 e, por tal motivo, a Autora teve necessidade de arrendar uma casa pequena para viver, a partir de 21-10-2011 enquanto não fosse possível regressar à sua habitação;
- A Autora entregava pontualmente aos Réus todas as “tranches” de faseamento de obras, fiscalizadas pelo engenheiro do banco mutuante que aprovou o financiamento da remodelação da sua casa;
- A partir de Março de 2012, os Réus começaram a pressionar a Autora no sentido de exigir ao banco mais adiantamentos de dinheiro, invocando aqueles que tinham investido em materiais;
- Na realidade, os Réus já tinham em seu poder o montante de 21.931 euros a mais por obra ainda não executada;
- O projecto de remodelação do prédio em causa apenas foi executado em 55%;
-No dia 30 de Abril de 2012, os Réus abandonaram a obra, invocando que a Autora estava falida, apesar de bem saberem que tal atitude constituía um inequívoco incumprimento parcial do contrato de empreitada, livremente celebrado entre as partes e tendo plena consciência de que o estado de construção do edifício não permitia que o mesmo fosse reutilizado pela Autora por falta de condições mínimas de habitalidade;
- A Autora pagou aos Réus, através do banco, a quantia global de 54.000 euros, verba esta que cobriu todas as despesas de mão de obra e materiais aplicados no edifício, ficando os Réus com um saldo a seu favor de 21.931 euros correspondente à parte da obra ainda não executada;
- Com o abandono da obra, os Réus não executaram trabalhos;
- A Autora pagou a mais a quantia de 21.931 euros, correspondente a obra não executada, verba esta que está incluída nos 54 mil euros;
- A Autora continua a não poder regressar à sua casa, dado o estado em que se encontra, relevando-se o facto de a Autora já ter pago 80% do valor contratualizado das obras, isto é, 54.000 euros, de um total 68 mil euros;
- A partir de 30 de Abril de 2012, data em que os Réus abandonaram a obra, a Autora não pode ser responsabilizada por despesas adicionais que não lhe são imputáveis, com fornecimento de Água que teve de pagar na casa em remodelação até 31 de Maio de 2018, com fornecimento de electicidade que teve de pagar na casa em remodelação até 31 de Maio de 2018, com o “passe combinado” (camioneta/comboio/autocarro), no itinerário Belas/Lisboa e volta e com as rendas da casa de Belas;
- A Autora, ao verificar que tinha a sua casa totalmente inabitável a partir da 1ª intervenção do empreiteiro, já tinha pago 54 mil euros, e não tinha dinheiro para custear a finalização das obras, sendo obrigada a viver em 2 assoalhadas com 380 euros mensais de renda, entrou em depressão psico/psiquiátrica, cuja responsabilidade imputa à actuação dos Réus;
- Todos os Réus são solidariamente responsáveis pelo incumprimento parcial do contrato de empreitada de obra particular, em geral, e nas suas específicas vertentes de intervenção na obra, em particular.
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2. Os réus SOLUÇÕES D’OBRA – CONSULTADORIA E MEDIAÇÃO DE OBRAS, LDA. e VB foram citados pessoalmente e contestaram. A primeira impugnou o alegado pela autora, dizendo que no âmbito do contrato a sua tarefa estava restrita à mediação e ao recebimento das quantias, não tendo qualquer outra intervenção na empreitada. O segundo impugnou que tivesse celebrado o contrato invocado pela autora.
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3. O réu PL foi citado editalmente, não contestou e, nessa sequência, foi citado o MINISTÉRIO PÚBLICO.
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4. Realizou-se a audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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5. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, após o que, em 16-08-2022 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados pela autora.
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6. Não se conformando com a decisão proferida, dela apela a autora, pugnando pela pela condenação dos réus nos montantes peticionados, tendo formulado as seguintes conclusões:
“I - Os 3 Réus, ora Recorridos, não cumpriram o ónus previsto no art.º 341º, n.º 2 do Código Civil, já que não fizeram prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora, ou seja, o reembolso do montante de €68.000,00, acrescido de IVA, correspondente à realização de trabalhos de remodelação da casa, propriedade da Autora, e bem assim os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, a nível mental, e dados como provados na presente acção.
II - Não poderá colher o argumento, por si só, de que a não assinatura do Réu VB no contrato de empreitada de obra particular, celebrado em 25 de julho de 2011, o afasta de uma responsabilidade solidária, uma vez que este foi citado para duas acções e não esclareceu o motivo porque consta a sua identificação na primeira página do contrato em causa, lavrado em papel timbrado da firma da Ré Soluções d`Obra, Lda, já que ao ser chamado em tribunal como Réu parece ter-se conformado com essa situação e não apresentou denúncia criminal. Mais, declarou conhecer o Réu PL e ter tido com ele relacionamento no âmbito da construção civil.
III - Salvo o devido respeito, não se entende o motivo, porque é absolvida a Ré Soluções D`Obra, Lda, quando é certo que foi esta firma que elaborou, em seu papel timbrado, o contrato em causa, serviu de mediadora, recebeu a primeira transferência, controlou a execução dos trabalhos e os respectivos pagamentos, escolheu o executor das obras.
IV - Sendo certo que o Réu PL, pessoa que a Autora encontrou dentro da sua casa, em obras de remodelação, e sempre se intitulou como engenheiro responsável do empreiteiro VB, identificado na primeira parte do contrato, e de quem se dizia representante efectivo com plenos poderes.
Aliás, a Autora entregou ao Réu PL, em numerário, todas as tranches subsequentes à primeira tranferência a favor a da mediadora, o que fez, nas instalações do balcão de Carnaxide do Banco Popular.
V- Sem conceder, a Ré Soluções D`Obra, Lda e o Réu revel PL, não podem deixar de ser condenados pelos prejuízos patrimoniais causados à Autora, uma vez que tiveram parte activa e determinante no incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no abandono da obra, no recebimento de montantes correspondentes a obras não efectuadas e atiraram para o Hospital Psiquiátrico a dona da obra, auxiliar de acção médica que vive apenas do seu salário”.
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7. O réu VB apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com confirmação da sentença recorrida, tendo concluído que:
“1 - A (…) sentença recorrida, apresenta fundamentação fáctica e jurídica, sendo válida a prova produzida pelo que correcta a apreciação da mesma e o respectivo enquadramento jurídico.
2 – O Recorrido não teve qualquer tipo de intervenção no contrato de empreitada, não o assinou, e nem a Recorrente nem a Ré “Soluções”, o conhecia ou o viu alguma vez na obra.
3 – A Recorrente nada acrescenta para fundamentar as Alegações que apresenta”.
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8. O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação do réu PL apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com confirmação da sentença recorrida.
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9. Em 09-01-2023 foi proferido despacho de admissão do recurso.
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10. Foram colhidos os vistos legais.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as únicas questões a decidir são as seguintes:
A) Delimitação do objeto do recurso.
B) Se a ação deveria ter sido julgada procedente, com condenação dos réus nos pedidos formulados pela autora?
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3. Fundamentação de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU A SEGUINTE FACTUALIDADE:
Factos provados/não provados/provados parcialmente da p. i. com interesse para a causa:
1º.No dia 25 de Julho de 2011, a Autora celebrou com os Réus Soluções e PL, um acordo denominado “Contrato de Empreitada de Obra Particular”, nos termos do doc. de fls. 7-8 dos autos.
2º. Por via desse acordo, a Autora adjudicou ao Réu PL e sob proposta apresentada pela Ré Soluções os trabalhos de remodelação do edifício, que estes aceitaram, correspondente à vivenda sita no nº. … da Rua …, 1495-126 Algés.
3º. Trabalhos estes que teriam de observar a regulamentação técnica em vigor e as regras de arte, definidas em documento anexo, de fls. 10 e segs., que constitui o orçamento que foi apresentado à Autora pela Ré Soluções.
4º. O Réu PL, é o responsável técnico pela execução da obra junto da Câmara Municipal de Oeiras, que a licenciou.
5º. O preço total devido pela execução dos trabalhos é de 68.000 euros, ao qual acrescerá o IVA à taxa legal em vigor, no total de 83.640€.
6º. Os pagamentos devidos no âmbito do acordo deveriam ser efetuados à Ré Soluções.
7º. A Ré Soluções ficaria encarregue da gestão dos pagamentos a efetuar pela Autora ao Réu PL e da mediação da obra e dos serviços de consultadoria inerentes à mesma.
8º. Não provado
9º. Os pagamentos seriam efetuados da seguinte forma:
a) - com a adjudicação da obra - 20 mil euros + IVA;
b) - com a estrutura concluída - 20 mil euros + IVA;
c) - com os revestimentos colocados - 20 mil euros + IVA;
d) - com a conclusão da obra - 8 mil euros + IVA;
10º.Sendo que a obra de remodelação do imóvel consistia em:
- demolições do telhado, e de todo o interior do edifício, em madeiramento;
- na edificação de um novo telhado, em laje;
- construção dos pisos em betão;
- construção de uma escada em viga metálica que ligaria o rés do chão ao 1º. andar;
- colocação de portas interiores em madeira e exteriores em alumínio;
- colocação de janelas com vidro duplo e portadas exteriores;
- construção de 2 varandas e 1 marquise;
- instalação de loiças sanitárias e de cozinha;
- instalação de redes de gás, electricidade, água, esgotos e telecomunicações;
- aplicação de azulejos no chão de todas as divisões do edifício;
- aplicação de azulejos nas paredes da casa de banho e da cozinha;
- isolamento exterior e interior do edifício;
- pintura exterior e interior do edifício;
11º.As obras iniciaram-se no mês de Outubro de 2011.
12º.Por tal motivo, a Autora teve necessidade de arrendar uma casa pequena para viver, a partir de 21 de Outubro de 2011 enquanto não fosse possível regressar à sua habitação com um mínimo de condições de habitabilidade.
13º. Devido ao valor das rendas praticadas, conseguiu uma casa na localidade de Belas e o local de trabalho da autora é o Hospital de Egas Moniz.
14º. Não provado.
15º. A Autora entregava aos Réus Soluções e PL todas as “tranches” de faseamento de obras, fiscalizadas pelo engenheiro do banco mutuante que aprovou o financiamento da remodelação da sua casa.
16º. A partir de Março de 2012, o Réu PL exigiu da Autora mais adiantamentos de dinheiro, invocando que tinha investido montante superior ao que havia sido pago em materiais.
17º. Não provado.
18º. O projeto de remodelação do edifício em causa, descrito no Orçamento nº 261110, de 16/03/2011, apresentado pela Ré Soluções, foi executado em 68%.
21º. No dia 30 de Abril de 2012, o Réu PL abandonou a obra invocando que a Autora se recusou a pagar mais dinheiro pela obra.
23º. O estado de construção do edifício naquela data não permitia que o mesmo fosse reutilizado pela Autora por falta de condições de habitabilidade.
24º. A Autora pagou aos Réus, através do banco, a quantia global de 54.000 euros.
25º. Com o abandono da obra, os Réus não executaram os seguintes trabalhos:
- construção de escada, em viga metálica, que ligaria o rés do chão ao 1º andar;
- colocação de portas interiores em madeira e exteriores em alumínio;
- colocação de janelas com vidro duplo e portadas exteriores;
- construção de 2 varandas e 1 marquise;
- instalação de loiças sanitárias e de cozinha;
- aplicação de azulejos no chão de todas as divisões do edifício;
- aplicação de azulejos nas paredes da casa de banho e da cozinha;
- isolamento e pintura exterior e interior;
26º. Não provado.
27º. No dia 28 de Setembro de 2012, o Réu PL remeteu à Autora uma carta a informar que não havia condições para a continuidade da obra.
28º. Esse Réu mais informou que iria contactar a Câmara de Oeiras para retirar o seu termo de responsabilidade da obra.
30º. No dia 18 de Fevereiro de 2013, a Autora interpelou, por carta, o Réu PL, para, no prazo de 15 dias, devolver a quantia de 21.931 euros.
31º. Carta com o mesmo teor e a mesma motivação foi remetida para a Ré Soluções, datada de 19 de Fevereiro de 2013.
32º. A Autora continua a não poder regressar à sua casa, dado o estado em que se encontra a vivenda, que tem o esqueleto interior, sem portas, sem janelas, sem louças sanitárias, sem chão de azulejo, e sem escadas com degraus.
35º. Não provado.
36º. A Autora, em face do abandono da obra e por ter a casa inabitável, sem possibilidades monetárias de a concluir, entrou em depressão psiquiátrica.
39º. A partir de Maio de 2012 e até 2018, a Autora teve que passar a ser assistida pela Médica Psiquiatra Dra. LD.
40º. Tendo estado internada na enfermaria de Psiquiatria no Hospital Fernando da Fonseca.
41º. A Autora vive sozinha, e aufere como Assistente Operacional no Hospital Egas Moniz, o ordenado mínimo nacional.
42º. Está a tomar anti-depressivos, sendo que, antes da adjudicação da obra, não tinha problemas de saúde do foro mental.
Da contestação da Ré Soluções provou-se o seguinte:
A) As funções desempenhadas pela R. Soluções no âmbito do acordo acima descrito consistiam no seguinte:
a) - Apresentação de uma proposta de orçamento;
b) - Gestão de pagamentos a efetuar pelo dono da obra;
c) - Apoio técnico ao dono da obra durante a execução da mesma;
d) - Promoção de reuniões entre o empreiteiro e o dono da obra, para esclarecimento de eventuais divergências entre ambos e proposta de resolução das mesmas.
B) Serviços estes prestados por um Técnico Qualificado (Arquitecto ou Engenheiro), sem qualquer custo para o dono da obra.
C) No caso da obra da A., tais serviços foram prestados pela Arq.ª SB e pelo então gerente da R. Soluções, IS.
D) A Ré Soluções promoveu a realização de uma reunião, no dia 23-07-2012 no local da obra, com a presença da A., do Réu PL e da R. Soluções D’Obra, Lda, representada por IS e pela Arq.ª SB, com o objetivo de se obter um entendimento por forma a concluir a obra.
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Factos não provados
Para além daqueles já indicados quanto à p. i., nada mais se provou do alegado na contestação da ré Soluções.
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4. Fundamentação de Direito:
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A) Delimitação do objeto do recurso.
Na respetiva alegação de recurso, a apelante invoca, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 8- A ora Recorrente já tinha interposto uma ação na extinta Instância Central- Secção Cível -Juiz 4 de Loures- da Comarca de Lisboa Norte, a coberto do Proc. …/...8TBTVD, que correu termos pelo Tribunal de Torres Vedras e que depois foi alvo das vicissitudes da reforma territorial dos tribunais.
Neste tribunal, o Mmo. Juiz considerou que o contrato plasmado em papel timbrado da Ré Soluções D´Obra, é inoponível ao réu VB, uma vez ue, este ao não o assinar, não se vinculou aos direitos e obrigações nele expressas, mas continua válido e oponível em relação aos réus Soluções D´Obra,Lda e Réu PL.
9 - Não obstante, o doutamente entendido pelo Mmo Juiz no Proc. …/…, atrás referido, a Recorrente não está convencida de que o Réu VB seja absolutamente alheio ao contrato de empreitada ora em recurso (…)
16 - O Réu VB foi accionado pela ora Recorrente na acção n.º …/…- Inst. Central, Secção Cível- Juiz 4 de Loures, e na presente acção ora em recurso.
Mas não há notícia de que tenha procedido contra o réu PL, fazendo ter despesas e arrelias.
O que é, no mínimo, muito estranho.”.
E nas conclusões da apelação, a recorrente concluiu, designadamente, que:
“(…) II - Não poderá colher o argumento, por si só, de que a não assinatura do Réu VB no contrato de empreitada de obra particular, celebrado em 25 de julho de 2011, o afasta de uma responsabilidade solidária, uma vez que este foi citado para duas acções (…).
IV – (…) o réu PL, pessoa que a Autora encontrou dentro da sua casa, em obras de remodelação, e sempre se intitulou como engenheiro responsável do empreiteiro VB, identificado na primeira parte do contrato, e de quem se dizia representante efectivo com plenos poderes.
Aliás, a Autora entregou ao Réu PL, em numerário, todas as tranches subsequentes à primeira tranferência a favor a da mediadora, o que fez, nas instalações do balcão de Carnaxide do Banco Popular”.
Prescreve o artigo 639.º do CPC – sobre o ónus de alegar e de formular conclusões - nos seguintes termos:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.”.
Por sua vez, dispõe o artigo 640.º do CPC que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. o Acórdão do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, rel. ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, rel. MANUEL BARGADO).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exata das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicação, com exatidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, rel. PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, rel. LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação, bastando que os demais requisitos constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, rel. MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Pº 6095/15T8BRG.G1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Pº 6871/14.6T8CBR.C1, rel. MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
No caso dos autos, a apelante vem invocar a consideração de factualidade que não se encontra no rol dos factos selecionados pelo Tribunal recorrido.
Ora, tendo presentes as considerações acima expendidas e apreciando a alegação da recorrente, verifica-se que a mesma não identifica, minimamente, quais os concretos pontos da matéria de facto que considera terem sido incorretamente julgados pelo Tribunal recorrido ou por este desconsiderados, assim como, não identifica qual a decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto que invoca, nem são invocados os meios de prova produzidos que determinariam outra factualidade.
As considerações expendidas pela recorrente resumem-se, como decorre das alegações de recurso, a considerações genéricas apresentadas sobre os factos, tecidas de forma inconsequente, porque delas a recorrente não extrai alguma conclusão em termos de inclusão/exclusão de pontos de facto relativamente à selecção fatual levada a efeito pelo Tribunal recorrido.
Conforme refere Abrantes Geraldes, (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pp. 199-200) impõe-se a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto”, designadamente quando se verifique “(…) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; (…) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); (…) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)”, concluindo que, a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Ora, a discordância com a matéria de facto aquilatada pelo Tribunal recorrido, por não observar os ónus de impugnação consignados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, não passa de “mera manifestação de inconsequente inconformismo” da apelante, sobre o resultado probatório alcançado pelo Tribunal, não podendo ser admitida.
Isso mesmo foi, aliás, sublinhado na alegação de resposta apresentada pelo Ministério Público.
Por outra perspetiva, no que concerne à invocação de factualidade inovadora, cumpre referir que, como é sabido, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.
Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.
Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98).
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
“A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES).
Em face do exposto, o objeto do recurso a apreciar restringe-se à impugnação da matéria de direito da decisão recorrida.
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B) Se a ação deveria ter sido julgada procedente, com condenação dos réus nos pedidos formulados pela autora?
Considera a apelante que a decisão recorrida deveria ter condenado os 3 réus no pedido formulado, concluindo, em suma, que os réus “não cumpriram o ónus previsto no art.º 341º, n.º 2 do Código Civil, já que não fizeram prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora, ou seja, o reembolso do montante de €68.000,00, acrescido de IVA, correspondente à realização de trabalhos de remodelação da casa, propriedade da Autora, e bem assim os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente, a nível mental, e dados como provados na presente acção” (cfr. Conclusão I da alegação de recurso).
E nas demais conclusões, a apelante especifica o que seu entender convoca a responsabilidade dos réus:
- A não assinatura do réu VB no contrato de empreitada celebrado em 25-07-2011 não o afasta de responsabilidade, por ter sido citado para 2 acções e não esclareceu o motivo porque consta a sua identificação no contrato, parecendo ter-se conformado com essa situação (uma vez chamado a juízo) e não apresentou denúncia criminal, declarando ainda conhecer o réu PL e com este ter tido relacionamento no âmbito da construção civil;
- A ré Soluções D`Obra, Lda, elaborou, em seu papel timbrado, o contrato em causa, serviu de mediadora, recebeu a primeira transferência, controlou a execução dos trabalhos e os respectivos pagamentos, escolheu o executor das obras;
- O réu PL, pessoa que a Autora encontrou dentro da sua casa, em obras de remodelação, e sempre se intitulou como engenheiro responsável do empreiteiro VB, identificado na primeira parte do contrato, e de quem se dizia representante efectivo com plenos poderes e que lhe entregou, em numerário, todas as tranches subsequentes à primeira tranferência a favor a da mediadora, o que fez, nas instalações do balcão de Carnaxide do Banco Popular;
- E, quanto à ré Soluções D`Obra, Lda e ao réu PL, os mesmos não podem deixar de ser condenados pelos prejuízos patrimoniais causados à autora, uma vez que tiveram parte activa e determinante no incumprimento do contrato de empreitada, consubstanciado no abandono da obra, no recebimento de montantes correspondentes a obras não efectuadas e atiraram para o Hospital Psiquiátrico a dona da obra, auxiliar de acção médica que vive apenas do seu salário.
O recorrido VB contrapôs que não teve nenhum tipo de intervenção no contrato, não o assinou, nem os demais réus o conheciam ou o viram na obra.
Por seu turno, quanto à conclusão do contrato, reporta o Ministério Público nas alegações de recurso nomeadamente o seguinte:
“(…) concluímos como o MMo Juiz, pois, na verdade, acreditamos que resulta claro que o empreiteiro responsável pela obra era o nosso representado.
Afinal foi o mesmo que se assumiu como tal no contrato, foi o mesmo que recebia os pagamentos (vejam-se factos provados n.ºs 2, 4, 15, 16.º, 21.º28.º, da PI e A) e D) da contestação), o mesmo licenciou a obra junto da entidade administrativa, e foi o mesmo que encetava reuniões com a dona da obra ora apelante.
Porém, e por outro lado, fica confuso o montante em que a apelante pretende ser ressarcida, porquanto na PI falava de 21.930€, e agora no recurso fala da totalidade da obra.
Porém, efectivamente, também este pedido seria necessariamente de improceder. Antes de mais, como bem se diz na sentença, o montante global das obras foi acordado em 68 mil € + IVA, o que corresponde ao total de 83.640,00€. Ora, tendo ficado provado que os R. cumpriram 68% do contrato e, portanto, 56.875,20€ e que a A. apenas pagou 54.000,00, afigura-se-nos que o R. que representamos (nem nenhum outro), têm que reembolsar. Mais, ficaram a perder 2.875,20€ de trabalhos realizados que não receberam.
E nada havendo a ressarcir, este pedido não pode proceder.”.
Recordando a factualidade apurada, verifica-se que, por ela apenas se logrou demonstrar a celebração de um contrato de empreitada, celebrado entre a autora e o réu PL, com referência ao escrito datado de 25-07-2011 e junto aos autos.
Por via de tal acordo, a autora adjudicou, mediante o preço de 68.000 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, ao referido réu os trabalhos de remodelação do edifício da autora que ficaram apurados supra.
Os pagamentos seriam efetuados da seguinte forma:
a) - com a adjudicação da obra - 20 mil euros + IVA;
b) - com a estrutura concluída - 20 mil euros + IVA;
c) - com os revestimentos colocados - 20 mil euros + IVA;
d) - com a conclusão da obra - 8 mil euros + IVA.
Tais pagamentos deveriam ser efetuados pela autora à ré Soluções D’Obra, que ficou encarregue da gestão de tais pagamentos e da mediação da obra e dos serviços de consultadoria inerentes à mesma (os serviços consistiam na apresentação de uma proposta de orçamento, gestão de pagamentos a efetuar pelo dono da obra, apoio técnico ao dono da obra durante a execução da mesma e promoção de reuniões entre o empreiteiro e o dono da obra, para esclarecimento de eventuais divergências entre ambos e proposta de resolução das mesmas, serviços que eram prestados por um Técnico Qualificado).
Iniciada a obra, a autora pagou, referente à mesma, a quantia global de 54.000 euros.
Todavia, a partir de Março de 2012, o réu PL exigiu da Autora mais adiantamentos de dinheiro, invocando que tinha investido montante superior ao que havia sido pago em materiais.
O projeto de remodelação do edifício em causa, descrito no Orçamento nº 261110, de 16-03-2011, apresentado pela ré Soluções, foi executado em 68%, sendo que, o estado da construção não permitia que o mesmo fosse reutilizado pela autora por falta de condições de habitabilidade.
Apurou-se ainda que, no dia 30-04-2012, o réu PL abandonou a obra invocando que a autora se recusou a pagar mais dinheiro pela obra.
Estes são, em suma, os factos apurados, sendo que, relativamente aos mesmos não foi deduzida pela recorrente válida impugnação.
Dispõe o artigo 1207º do Código Civil que “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Analisando o citado preceito legal, ensina Pedro Romano Martinez (“Contrato de Empreitada”, in Direito das Obrigações, 3º Vol., A.A.F.D.L., 1991, pp. 432) que “são três os elementos essenciais da empreitada: os sujeitos, a realização de uma obra, e o pagamento do preço”.
Como refere João Cura Mariano (Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra; 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, p.58): “O resultado a que o empreiteiro fica vinculado é o de realização duma obra, o que individualiza os contratos de empreitada no âmbito da figura mais vasta dos contratos de prestação de serviço.
A obra tanto pode ser a de construção duma coisa nova, como a simples reparação, limpeza, modificação, manutenção ou destruição duma coisa já existente, devendo, contudo, traduzir-se no resultado de actividade de alteração física de coisa corpórea”.
“O contrato de empreitada é um negócio jurídico bilateral, sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, de execução continuada, do qual emergem reciprocamente direitos e deveres consubstanciados numa relação jurídica complexa” (assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-09-2008, Pº 336/03.9TBALD.C1, rel. JORGE ARCANJO).
Face aos factos apontados é inequívoco que o acordo celebrado entre a autora e o réu PL reúne as características apontadas deste tipo contratual, pelo que, deve ser qualificado como empreitada, sendo inequívoco o carácter oneroso da obra desenvolvida.
Essa qualificação foi a adotada pela decisão recorrida.
Estando em causa um contrato de empreitada, as relações jurídicas estabelecidas entre as partes têm de ser apreciadas com subordinação à disciplina legal prevista para este contrato e que consta, nomeadamente, dos artigos 1208º a 1228º do Código Civil, sem olvidar as demais estipulações contratualmente assumidas, sendo que, no caso, a forma adotada pelas partes foi a forma escrita.
Previamente a tal apreciação importa considerar que a autora alega ter celebrado com todos os réus o contrato dos autos.
Sobre este ponto, a decisão recorrida expressou o seguinte:
“A autora alegou que celebrou o contrato com todos os réus e, ainda, alegou expressamente a função que cada um dos réus tinha na execução do contrato. Disse que o réu PL era o responsável técnico junto da câmara municipal de Oeiras, a ré Soluções tinha seu cargo a gestão de pagamentos e o empreiteiro era o réu VB.
Ora, da prova produzida resultou que o réu VB não celebrou o contrato. Nos termos em que a autora delineou a ação, era a este réu que incumbia levar a efeito a obra, não era, nem ao réu PL, nem à ré Soluções. Não se tendo provado que o réu VB era o empreiteiro, consideramos que a ação tem de ser considerada improcedente. Efetivamente, nos termos invocados pela autora, os danos que invocou decorreram do facto de a obra ter sido abandonada.
Quem, nos termos da causa de pedir invocada, tinha obrigação de levar a efeito a obra era o réu VB, não eram os outros dois réus, que, nos termos alegados, um era o diretor técnico, PL, e a ré estava encarregue de receber os pagamentos, de fazer a mediação da obra e de prestar serviços de consultoria.
Note-se que, mesmo em face do despacho de 01.09.20213 (de fls. 124), que convidou a autora a esclarecer a questão de não constar do documento que consubstancia o contrato a assinatura daquele réu, aquela nada veio dizer, mantendo, portanto, a alegação efetuada na p. i.. Ou seja, o tribunal chamou a atenção da autora para essa questão, que resultava de forma óbvia do teor do documento escrito, e nem mesmo assim ela veio corrigir a alegação”.
Ora, estas considerações não merecem algum reparo.
Conforme resulta do escrito junto aos autos como documento 1 com a petição inicial, embora nele conste que a celebração do contrato se reporta à autora e a VB, certo é que, quem aparece a subscrever o contrato é PL.
Não se apurou que VB tivesse tido alguma intervenção na celebração contratual, nem na execução da obra dos autos.
Cabia à autora, enquanto facto constitutivo da respetiva pretensão (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) a alegação e prova de que o contrato dos autos foi celebrado com VB, elemento que, efetuado o julgamento dos autos, não resultou apurado.
A razão de, no mencionado documento 1 junto com a petição inicial, ter sido aposto o nome de VB na página 1 do mesmo, não resultou apurada, não se podendo inferir alguma consideração da existência de tal menção, designadamente, para concluir – como pretende a autora – no sentido de que o contrato é vinculador e responsabilizante daquele.
E, nessa medida, também não lhe poderá ser imputável alguma responsabilidade civil (cfr. artigo 483.º do CC) decorrente da situação pessoal da autora.
A decisão de absolvição do réu VB não merece, neste contexto, algum reparo.
O mesmo se diga relativamente à absolvição da ré Soluções D`Obra, Lda. Quanto a esta ré, a intervenção no âmbito do contrato dos autos limitava-se à supra considerada: Gestão dos pagamentos que a autora efetuaria e mediação da obra e dos serviços de consultadoria inerentes à mesma.
Todavia, atentos os factos apurados, a intervenção da aludida ré não determina alguma responsabilidade quer pela situação pessoal da autora, quer pela inexecução –a partir do momento em que teve lugar a sustação – da obra em questão.
De facto, atento o restrito âmbito de tal intervenção da ré Soluções D’Obra, Lda. não se alcança, ao invés do invocado pela recorrente, que a circunstância de ser mencionada no escrito já referenciado, de ter recebido o primeiro pagamento e de ter mediado aos pagamentos, determine alguma responsabilização pela cessação dos trabalhos da obra.
Tratam-se de prestações diversas: A execução dos trabalhos da obra, a cargo do empreiteiro. A mediação e recebimento dos pagamentos, respeitante à execução da prestação de pagamento do preço, da responsabilidade da mencionada ré.
Ora, não se tendo apurado algum indevido comportamento da ré Soluções D’Obra, Lda. na execução da prestação a seu cargo, circunstância que não foi, de algum modo, invocada pela autora, a pretensão da autora nos presentes autos (que assenta noutros pressupostos), relativamente a tal ré, soçobra integralmente.
Resta o apuramento de responsabilidade imputada ao réu PL.
A este respeito, a autora invocou que, os réus não prosseguiram a obra.
E apurou-se que a obra não foi integralmente concluída.
A autora invocou que “pagou a mais” aos réus a quantia de 21.931 euros, correspondente a obra não executada.
Contudo, apurou-se que o projeto de remodelação do edifício em causa, descrito no Orçamento nº 261110, de 16-03-2011, apresentado pela ré Soluções, foi executado em 68% (e não na proporção de 55%, que a autora tinha alegado – cfr. artigo 18.º da p.i.).
Tal percentagem de execução corresponde ao valor de 56.875,20, sendo que, quando a obra parou, a autora apenas tinha liquidado 54.000 euros.
Assim, como bem refere o Ministério Público, não se apura responsabilidade do réu PL relativamente ao peticionado montante de € 21.931,00, pois, na data em que a obra parou a execução de trabalhos apresentava um valor proporcionalmente superior, face ao valor dos pagamentos que, até aí, tinham sido efetuados pela autora.
Soçobram as pretensões formuladas nas alíneas a), b) e c) do petitório formulado na petição inicial.
No que respeita ao invocado no artigo 35.º da petição inicial, a responsabilização civil do réu PL mostra-se impedida, pois, não se verifica, desde logo, o pressuposto de responsabilidade civil (cfr. artigo 483.º do CC) assente na verificação de tais danos, uma vez que, os mesmos danos não resultaram apurados.
Soçobram, igualmente, as pretensões expressas nas alíneas d), e), f), g), h), i), j) e k) do petitório formulado na petição inicial.
Resta o apuramento de responsabilidade face à pretensão expressa na alínea l) do petitório da petição inicial: “l) – pagar à Autor a quantia de 45.000 euros, a título de ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos e que são imputáveis à actuação dolosa dos Réus”.
Vejamos:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 483.º do CC, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Do n.º 2 do artigo 483.º do CC resulta que a responsabilidade civil se funda, em princípio, na culpa e, só excecionalmente, “nos casos especificados na lei”, no risco ou por factos lícitos.
O mencionado artigo 483.º do CC constitui o normativo base do instituto da responsabilidade civil, cuja “questão fulcral é (…) a de saber quando e em que termos alguém deve indemnizar um dano sofrido por outrem” (assim, Manuel Carneiro da Frada; Direito Civil – Responsabilidade Civil – O método do caso; Almedina, Coimbra, 2006, p. 61).
A responsabilidade civil determina a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática – por ação ou por omissão - por parte de alguém de uma conduta, ilícita e culposa, suscetível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros.
Assim, a responsabilidade civil, geradora da obrigação de indemnizar, impõe a verificação de um facto voluntário, ilícito, imputável ao lesante, indicador da existência de culpa da sua parte, que, causalmente, provoque danos.
Daqui se extrai que são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Conforme escrevem Antunes Varela e Pires de Lima (Código Civil Anotado, volume I, p. 471) o elemento básico da responsabilidade é o facto do agente, “um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana”, que se traduz, em regra, numa ação, mas que poderá, também, consistir numa omissão.
A conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes à tarefa a realizar – traduz um acto humano, comissivo (prática de um acto) ou omissivo (não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se), de natureza voluntária (dominável e controlável pela vontade) e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa, determinando danos para outrem, violando um direito desta ou um interesse particular protegido por disposição legal.
A ilicitude do facto traduz-se na violação de um dever jurídico (ou sua antijuridicidade, sob a forma de violação de um direito subjectivo de outrem ou de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sem que existam causas exclusão ou de justificação para tal).
Para além disso, torna-se imprescindível que o agente tenha agido com culpa, isto é, que o comportamento ou conduta assumida ou omitida, possa ser censurável à luz do conjunto de valorações ético-jurídicas prevalentes, sendo que, de harmonia com o disposto no artigo 487.º, n.º 1, do CC, é ao lesado que incumbirá provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (caso em que se inverterá o respetivo ónus da prova - cfr. arts. 344º, 350º e 487º, nº 1, todos do Código Civil).
Assim, agirá com culpa aquele que colocado perante uma situação concreta e especifica, atua de modo a vulnerar o direito de outrem ou interesses que a lei quis proteger, sem que tenha justificação alguma para o fazer.
E, desde que, a lei não estabeleça outro critério, a culpa será apreciada, em face das circunstâncias de cada caso, pela diligência de um «bom pai de família» ou homem médio («in abstracto») e não segundo a diligência habitual do autor do facto ilícito (artº 487º, nº 2, do Código Civil).
Daqui resulta que, o paradigma a ter em conta nesta apreciação, é o da conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa (modelo de homem que resulta do meio social, profissional e cultural daquele indivíduo concreto determinado a partir do círculo de relações em que está inserido) na especificidade da situação concreta (vd. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 1991, p. 471).
“A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente aje por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-05-2013, Pº 3748/08.8TBVIS.C1.S1, rel. GABRIEL CATARINO).
A culpa pode revestir as modalidades de dolo ou mera culpa ou negligência.
No dolo, costuma distinguir-se o dolo direto (quando esteja presente na intenção de se desencadear o desfecho lesivo da conduta), o dolo necessário (quando o agente não pretenda o resultado danoso, que para ele é uma consequência secundária, mas, todavia, o mesmo seja necessário ou inevitável para atingir o fim desejado) e o dolo eventual (quando o agente se conforma com a possibilidade de ocorrência do dano, antecipadamente conjeturado ou representado).
Já se estará em situação de negligência consciente se “o agente, tendo antecipado o resultado danoso, não o tenha acolhido como uma consequência plausível da sua conduta no instante em que decidiu executá-la” (assim, José Alberto Gonzalez; Direito da Responsabilidade Civil; Quid Juris, 2017, p. 183) e, em caso de negligência inconsciente, se o agente nem sequer previu o resultado da sua conduta como provável no  desenlace da sua conduta, quando a consumou.
Para existir obrigação de indemnizar é ainda necessária a verificação do dano ou prejuízo (que consiste em “toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica” - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., 1991, p. 477), sendo indemnizáveis os danos de natureza patrimonial, mas também os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Torna-se ainda necessário, para que ocorra a responsabilização civil do lesante, que o facto possa ser imputável ao agente e que possa ser estabelecido um nexo causal ou uma relação de causalidade - um elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima - entre o facto e o dano ocorrido, sendo que, a obrigação de indemnização apenas terá lugar em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a ocorrência da lesão (cfr. artigo 563.º do CC).
O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano, de modo tal, que se reconheça uma relação de causalidade adequada entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano, em termos de se poder considerar que tal acto foi causa (adequada da produção) do dano.
De acordo com a orientação doutrinal mais adequada, no apuramento sobre se o facto é ou não causa adequada do dano, estamos perante uma causalidade adequada, na sua formulação negativa, isto é, a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano.
Em regra, salvo havendo presunção legal de culpa, os factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil enunciados no n.º 1 do artigo 483.º do CC, incluindo a ilicitude, são constitutivos do direito de indemnização dela emergente, devendo ser demonstrados pelo lesado (neste sentido, entre outros, os seguintes arestos: STJ de 15-05-2003, Pº 03B535, rel. LUCAS COELHO; STJ de 30-05-2003, Pº 2209/08.0TBTVD.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA; STJ de 02-11-2010, Pº 2290/04 – 0TBBCL.G1. S1, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS, Relação de Lisboa de 03-12-2009, Pº 2425/08.4YXLSB.L1-2, rel. ONDINA CARMO ALVES; Relação do Porto de 08-02-2021, Pº 274/17.8T8AVR.P1, rel. EUGÉNIA CUNHA).
Revertendo estas considerações para a situação dos autos, verifica-se que, no caso e a este respeito, apurou-se a seguinte factualidade:
- Que a Autora, em face do abandono da obra e por ter a casa inabitável, sem possibilidades monetárias de a concluir, entrou em depressão psiquiátrica, tendo sido assistida de maio de 2012 até 2018, por médica.
- Que esteve internada na enfermaria de Psiquiatria no Hospital Fernando da Fonseca.
- Que está a tomar anti-depressivos, sendo que, antes da adjudicação da obra, não tinha problemas de saúde do foro mental.
Na decisão recorrida expressa-se a possibilidade de imputação de responsabilidade pelos danos verificados à autora, mas não se conclui nesse sentido, antes, no sentido da improcedência de uma tal pretensão: “(…) ainda que se pudesse imputar a algum dos outros réus a responsabilidade pelo abandono da obra, a ação só poderia proceder quanto aos danos decorrentes da depressão com que a autora ficou a padecer por causa daquele abandono (…)”.
A nosso ver, tal decisão é viciosa e deverá ser objeto de revogação.
De facto, apurou-se que os trabalhos não foram concluídos e que foi o abandono da obra e a inabitabilidade que se gerou da sua casa, que, aliada às impossibilidades monetárias de a concluir, determinou a entrada da autora em depressão psiquiátrica e a sua assistência médica e medicamentosa.
E tal abandono não é justificado – face ao réu PL – por qualquer ausência de pagamento que fosse devido.
Na realidade, a cadência de pagamentos era a que consta expressa no contrato – cfr. ponto 4 do mesmo – e reproduzida no ponto 9.º dos factos elencados, a saber:
a) com a adjudicação da obra – 20 mil euros + IVA;
b) com a estrutura concluída – 20 mil euros + IVA;
c) com os revestimentos colocados – 20 mil euros + IVA; e
d) com a conclusão da obra – 8 mil euros + IVA.
Conforme salientam Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo (Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Vol. II, Almedina, 2012, pp. 299-300), “[a] obra (…) deve ser realizada sem vícios nem faltas de qualidade, de acordo com o plano convencionado (artigo 1208.º) e, além disso, de acordo com o dever de cumprimento dos contratos nos termos da boa fé (artigo 762.º/2), cumprindo as regras da arte, e todas as outras acessórias para se poder afirmar haver um cumprimento conforme com o interesse do dono da obra – por exemplo, regulamentos urbanísticos e outras normas administrativas”.
Ora, apurou-se que a obra não foi integralmente executada, tendo sido abandonada pelo réu PL.
Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (os que respeitam à existência do direito ou pretensão no momento em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se) – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC.
A prova dos factos impeditivos (as ocorrências imputadas no momento em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se e que obstam à formação do direito ou pretensão), modificativos (os que alteram objetiva ou subjetivamente o direito validamente constituído) ou extintivos (os que, em momento posterior àquele em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se, operam a cessação dos efeitos da relação constituída) do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC.
Assim, o que verdadeiramente releva, em sede do chamado “ónus (objetivo) da prova”, é saber a que parte interessa que certos factos essenciais alegados acabem demonstrados no processo, para efeitos da decisão jurisdicional.
Deste modo, se o juiz, no final da fase da instrução, ficar em situação de dúvida irresolúvel sobre determinada factualidade, julgará a mesma em sentido contrário aos interesses da parte que seria beneficiada pela demonstração dessa factualidade; por outras palavras, julgará como não provados os factos essenciais em que se baseia a pretensão do autor ou do réu.
Em consequência disso, a repartição legal do ónus da prova deve ser vista, sobretudo, como um verdadeiro critério de decisão do juiz da matéria de facto, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto. Reporta-se ao risco que cada uma das partes corre quanto à demonstração ou não demonstração de certo facto essencial à sua pretensão; tal risco decorre de, na dúvida irresolúvel sobre a realidade de certo facto, o juiz dos factos ter o dever legal de decidir contra a parte a quem interessava a demonstração da mesma.
A regra do ónus da prova traduz-se num critério decisório do juiz e, mediatamente, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo-se na desvantajosa consequência de se ter tal facto como inexistente.
Pode, pois, dizer-se que as regras de repartição do ónus (objetivo) da prova, a que se referem os artigos 342º e 343º do CC e 414º do CPC, constituem um regime jurídico dirigido imediatamente ao julgador e não apenas às partes (cf. artigos 413.º do CPC e 8.º, n.º 1, do CC).
Não corresponde, portanto, a um verdadeiro ónus (no sentido de necessidade, imposta pela ordem jurídica a uma pessoa, de proceder de certo modo para conseguir ou manter uma vantagem), nem a uma tarefa a cargo das partes, embora naturalmente as impulsione a certa atividade processual no respetivo interesse.
As partes fornecerão as provas em atenção aos seus interesses (assim H. D. Echandia; Teoria General de La Prueba Judicial, 5ª Ed, Buenos Aires, Ed. Victor P. de Zavalía, 1981, p. 424).
Assim, o ónus da prova encontra-se diretamente associado a um risco processual: o risco de, sendo insuficiente a prova produzida, a parte ver desatendida a sua pretensão (assim, José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª. Ed., Coimbra Editora, 1985, p. 272).
Ou seja, como afirma Rita Lynce de Faria (A Inversão do ónus da prova no direito civil português, Universidade Católica Editora, 2018, pp. 10-11): O ónus da prova “apenas adquire relevância se, no final do processo, não tiver sido carreada por qualquer dos sujeitos processuais a prova necessária para a demonstração dos factos relevantes para a procedência da respetiva pretensão”.
Conforme se referiu, de modo semelhante, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2020 (Pº 96/17.6T8MAI.P1.S1, rel. NUNO PINTO OLIVEIRA), “o problema do ónus da prova consiste "na atribuição dos resultados da incerteza da prova; noutros termos, trata-se de decidir qual é a parte que perderá o processo se o juiz — que deve pronunciar uma decisão — não pôde formar a sua convicção por não dispor de provas suficientes””.
Em termos práticos, pode dizer-se que, “[p]ara efeitos de repartição do ónus da prova nos termos do artigo 342.º do CC, importa atentar na função constitutiva ou excetiva (impeditiva, modificativa ou extintiva) dos factos essenciais em relação ao direito invocado pelo autor. A função constitutiva ou excetiva dos factos essenciais é aferível no quadro da previsão normativa (facti species) aplicável ao caso e atento o efeito prático-jurídico pretendido. Depois de assim concretamente definida a função constitutiva ou excetiva dos factos essenciais em causa, importa então equacionar a repartição do ónus da prova à luz das regras gerais do artigo 342.º do CC ou das regras especiais dos artigos 343.º e 344.º, n.º 1, do mesmo diploma ou dele constantes ou mesmo previstas em legislação especial ou avulsa” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2018, Pº 318/05.6TVPRT.P1.S1, rel. TOMÉ GOMES).
Ora, demonstrada a não conclusão e o abandono da obra por parte do réu PL e atenta a ausência de invocação - como lhe competiria, enquanto facto impeditivo do direito da autora (cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC) – de que a autora, ilicitamente, não procedeu aos pagamentos devidos, nos termos contratualmente estipulados ou, por outra forma, não procedeu ao cumprimento das obrigações sobre si atinentes, em termos tais que legitimassem o abandono de obra verificado, verifica-se o evento desencadeador da responsabilização do réu, pelos danos sofridos pela autora, na decorrência de tal abandono.
De facto, muito embora tenha sido invocado (em 30-04-2012 - cfr. facto 21º) que a autora não procedeu aos pagamentos devidos, nada mais se apurou nos autos do que essa mesma invocação (nomeadamente, não se apurou que os pagamentos a que a autora procedeu não foram efetuados da forma mencionada nas alíneas acima referenciadas).
Ou seja: Se é certo que a autora não logrou demonstrar que “pagou a mais” 21.931 euros, também não se demonstrou que os pagamentos da autora tenham sido indevidamente realizados, que tenha faltado a um pagamento que devesse ter efetuado, ou que, esta tenha, de algum modo, incumprido uma tal obrigação sobre si impendente.
Assim, porque realizada sem justificação e para este efeito, a paragem da obra e sua não conclusão é, neste contexto, de ter por ilícita e culposa e geradora de responsabilidade para o referido réu PL, relativamente aos prejuízos daí derivados para a pessoa da autora.
Um dos casos em que a lei prevê o recurso à equidade na decisão consiste na determinação da indemnização por danos não patrimoniais, a fixar, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, do CC, equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo Código.
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva: Compensatória, na medida em que o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, na qual se atende à extensão e gravidade dos danos; Punitiva, na medida em que a lei enuncia que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
O artigo 496.º, n.º 1 do CC atribui ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas, no intuito de arbitrar à vítima a importância de valores de natureza não patrimonial em que o lesado se viu afetado e, daí que, os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma estrita e precisa medição quantitativa, mas sim, a uma valoração compensatória.
“Na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade humana” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2004, Proc.º n.º 2616/04, rel. SALVADOR DA COSTA).
O legislador fixou como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, n.º 3 do CC); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (artigo 494.º, aplicável ex vi da primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º, do mesmo Código). A respeito do critério atinente à consideração da situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma “(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa”, só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que, o bem “vida” não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no artigo 494.º do CC (cfr. Maria Manuel Veloso; “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542).
Conforme se sintetizou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-05-2019 (Processo 1760/16.2T8VCT.G1, rel. MARGARIDA SOUSA): “Os danos não patrimoniais devem ser objeto de compensação a fixar com recurso à equidade, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência (art.’s 496º, nº 3, e 494º do Cód. Civil), sempre com o objetivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão – como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais –, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado.
A compensação em causa “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral” (Acórdão do STJ de 24.04.2013).
Merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações (Acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004 – Apelação nº 3546/03, 2ª secção).
E isto assim é, na verdade, porque o intérprete da lei deve ter presente as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada (art. 9º, nº 1, do Código Civil), nota esta, do legislador, que Antunes Varela e Pires de Lima qualificam de “vincadamente actualista” (CC Anotado, I, pág. 58).
Por outro lado, como repetidamente o Supremo Tribunal de Justiça tem dito, a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, não se compadecendo com a atribuição de valores meramente simbólicos, nem com miserabilismos indemnizatórios.”.
Em moldes semelhantes, se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-05-2021 (Pº 152/14.2PTOER.L1-3, rel. FLORBELA SEBASTIÃO E SILVA) que, “na fixação de danos não patrimoniais há que atender, entre outras coisas, ao grau do quantum doloris, ao grau do dano estético, aos respectivos graus de repercussão na actividade sexual e na desportiva, ao número de intervenções cirúrgicas para salvar a vida do lesado e/ou corrigir os danos físicos, à natureza e duração do tratamento, à duração da convalescença, à duração dos vários défices funcionais temporários, ao grau do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica e a todo o impacto que o acidente teve no bem-estar psíquico do lesado”.
Além destes elementos, deverá o julgador ter ainda em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, na decorrência do disposto no artigo 8.º, n.º 3, do CC (neste sentido, vd. Antunes Varela; Das Obrigações em Geral; Vol. I, p. 577; para maiores desenvolvimentos, vd. Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite; A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais; FDUNL, Lisboa, 2015).
Contudo, conforme resulta do n.º 1 do artigo 496.º do CC, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
O legislador consagrou assim uma cláusula geral, optando por não circunscrever o direito a compensação por dano não patrimonial a hipóteses legalmente expressas. “Considerou preferível, em alternativa, admitir, em termos gerais, a compensação do dano não patrimonial, estabelecendo apenas, como requisito específico de admissibilidade dessa compensação, a acrescer aos pressupostos gerais da responsabilidade civil definidos no artigo 483.º, que o dano não patrimonial se revista de gravidade tal que mereça a tutela do direito. O risco de um indiscriminado alargamento da responsabilidade civil é, desta forma, evitado, pela atribuição ao juiz da tarefa de apreciar quais os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade merecem a tutela do direito” (assim, Gabriela Páris Fernandes; anotação ao artigo 496.º do CC no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, p. 355).
Tem-se entendido uniformemente na jurisprudência, que, “para efeito de compensação por danos não patrimoniais, dano que, pela sua gravidade, mereça a tutela do direito, não terá que ser considerado apenas aquele que é exorbitante ou excepcional, mas também aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” (cfr., neste sentido, entre outros, os seguintes Acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, Pº 07A1187, rel. ALVES VELHO; de 30-11-2010, Pº 581/1999.P1.S1, rel. ALVES VELHO; de 24-01-2012, Pº 540/2001.P1.S1, rel. MARTINS DE SOUSA; de 26-02-2013, Pº 6064/05.3TVLSB.L1.S1, rel. ALVES VELHO; da Relação de Lisboa de 24-11-2005, Pº 9035/2005-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; de 17-01-2008, Pº 684/2007-6, rel. FERNANDA ISABEL PEREIRA; de 28-10-2008, Pº 7563/2008-1, rel. ROSÁRIO GONÇALVES; de 08-03-2018, 3613/16.5T8CSC.L1-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; de 02-12-2021, Pº 17407/16.4T8LSB.L1-6, rel. MANUEL RODRIGUES; da Relação de Coimbra de 16-02-2017, Pº 177/16.3T8FIG.C1, rel. FERNANDO MONTEIRO; de 27-04-2017, Pº 3/14.8T8VIS.C1, rel. MOREIRA DO CARMO; de 29-01-2019, Pº 1569/12.2TBLRA.C2, rel. MOREIRA DO CARMO; da Relação de Évora de 22-11-2018, Pº 328/18.3T8STB.E1, rel. TOMÉ DE CARVALHO; e da Relação de Guimarães de 13-09-2018, Pº 749/15.3T8BCL.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES; e de 16-09-2021, Pº 26/20.8T8VNF-B.G1, rel. MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA).
“Contudo não são merecedores da tutela do direito os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2018, Pº 158/16.7T8SRQ.L2-4, rel. LEOPOLDO SOARES), ao passo que os incómodos, contrariedades, angústias ou desgostos “significativos” serão, em contrapartida, suscetíveis de compensação (assim, Gabriela Páris Fernandes; anotação ao artigo 496.º do CC no Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, pp. 359-360, com alusão ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-04-2010, Pº 17/07.4TBCBR.C1.S1, rel. GARCIA CALEJO).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, verifica-se que a depressão psiquiátrica da autora, se bem que esteja ligada a outras causas, tem relação (ou também tem conexão adequada) com o abandono de obra que, injustificadamente, ocorreu por parte de PL, assumindo um patamar suficientemente grave, que determina lhe seja conferida tutela jurídica, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CPC.
Tendo em conta os aludidos critérios legais para a sua fixação acima enunciados e tendo em conta a “contribuição” da conduta respetiva para a geração dos danos verificados, a indemnização correspondente deverá situar-se na quantia de € 10.000,00, quantia que o réu PL deverá ser condenado a satisfazer à autora, a título dos danos não patrimoniais sofridos por esta.
Tendo em consideração o valor actualizado da fixação indemnizatória a que se procedeu, sobre tal quantia acrescerão os juros de mora, contabilizados à taxa legal, a contar da presente decisão (cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 29-10-2015, Pº 8968/09.5TBBRG.G1.S1, rel. ORLANDO AFONSO e de 24-09-2020, Pº 4871/18.6T8VNF.G1.S1, rel. OLINDO GERALDES).
Assim, a apelação procederá parcialmente, em conformidade com o exposto, com condenação do réu PL, a pagar à autora a quantia de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente decisão, mantendo-se, quanto ao mais, a decisão recorrida.
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De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, a responsabilidade tributária inerente incidirá sobre a autora/apelante e sobre o réu PL, na proporção que se fixa em ½ (metade) para cada um – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC – e sem prejuízo do apoio judiciário de que a autora, presentemente, beneficia.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando o réu PL, a pagar à autora/apelante a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente decisão, mantendo-se, quanto ao mais, a decisão recorrida.
Custas pela autora/apelante e pelo réu PL, na proporção que se fixa em ½ (metade) para cada um, sem prejuízo do apoio judiciário de que a autora, presentemente, beneficia.
Notifique e registe.
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Lisboa, 26 de janeiro de 2023.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
 João Miguel Mourão Vaz Gomes