Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
568/20.5T8LSB-D.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: PENHORA
CÔNJUGE DO EXECUTADO
REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário
I. O art. 740.º, n.º 1, do CPC determina a citação do cônjuge do executado quando tenham sido penhorados bens comuns do casal, pressupondo, portanto, que sejam casados num regime de comunhão (geral ou de adquiridos); só quando assim é, o cônjuge do executado deve ser citado para os efeitos previstos no artigo (requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação tenha sido requerida).
II. Quando o executado é casado sob o regime da separação de bens, o cônjuge não deve ser citado ao abrigo do art. 740.º do CPC, nem de qualquer outro.
III. O instrumento processual adequado à defesa dos interesses do cônjuge do executado casado no regime de separação de bens, que vê bens seus (em propriedade única ou em compropriedade) penhorados como se pertencessem (exclusivamente) ao executado, é o embargo de terceiro.
IV. A divisão e adjudicação de bens a um terceiro (não executado), numa ação de divisão de coisa comum, não conduz a que bens que estavam onerados com uma penhora deixem de o estar.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
“A”, requerente nos presentes autos que interpôs por apenso à execução movida por EOS Credit Funding contra …Informática Aplicada, Lda. e “B”, cônjuge da aqui requerente, notificada do despacho de indeferimento liminar do seu requerimento, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.
Os presentes autos iniciaram-se em 22/11/2024, por impulso da mulher do executado, requerendo por apenso à execução, a um tempo, a separação de bens (sendo que já é casada nesse regime), a declaração de que alguns bens penhorados são próprios da requerente e a divisão de coisa comum relativa a outros bens móveis penhorados, atribuindo ao conjunto dos bens móveis em causa, e ao incidente, o valor de 750,00 €.
O tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento inicial, com o seguinte argumentário:
O incidente «não tem qualquer base legal que assegure a tramitação de tal pretensão de forma autónoma e enxertada na ação executiva, como parece pretender fazer.
Com efeito, a pretensão da requerente não pode ser considerada como requerimento de separação de bens nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 740º do Código de Processo Civil porque, conforme a própria alega e demonstra documentalmente, é casada com o executado “B” com convenção antenupcial, nos termos da escritura lavrada no Cartório de Serpa, no dia 2 de março de 1992, da qual consta terem fixado o regime de separação absoluta de bens e apenas pela dissolução do casamento por morte de um dos cônjuges, e havendo filhos à data da morte, as partilhas serão feitas segundo o regime da comunhão geral de bens.
De resto, e por considerar que alguns dos bens móveis penhorados ao executado “B” lhes pertencem em regime de compropriedade, pretende ainda a divisão de coisa comum nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 925º e ss. do Código de Processo Civil.
Está em causa, pois, pretensão que não tem lugar na marcha processual própria da ação executiva e para a qual este Juízo de Execução não é sequer materialmente competente
A requerente não se conformou e interpôs recurso, com as seguintes conclusões:
«I - A separação de bens prevista no artigo 740.º, nº 1, do CPC faz-se através do processo que seja o adequado à situação em concreto, sob pena de, assim não sendo, se violar o disposto no artigo 601.º, do código civil, e artigo 735.º, nº 1, do CPC.
II - O processo que caiba à situação em concreto corre por apenso ao processo executivo, sob pena de se fazer uma errada aplicação do artº 740.º, nº 1, do CPC.
III - No caso, sendo a Requerente e o marido, o executado, casados no regime de separação de bens, a forma de proceder à divisão dos bens que tenham em compropriedade é a do processo de divisão de coisa comum, por força do artº 1.413.º, nº 1, do código civil, e artº 925.º e segs do CPC.
IV - Por correr por apenso ao processo de execução, o processo de divisão de coisa comum não perde as suas caraterísticas quanto à sua tramitação, designadamente pela existência de uma fase declarativa, a que se segue uma fase executiva, sob pena de se violar o disposto no artº 925.º e seguintes do CPC, no que ao processo de divisão de coisa comum diz respeito.
V - O Tribunal onde corre o processo de execução é o tribunal materialmente competente para julgar o próprio processo de separação de bens, estabelecendo-se assim uma competência material por conexão.
Termos em que, por violação das normas acima indicadas, e no sentido enunciado, deverá ser revogada a douta decisão enunciada no despacho ora recorrido, decidindo V.Exªs pelo prosseguimento do processo de separação de bens antes apresentado pela Requerente, por forma a determinar quais os bens que são do executado e respondem pelas suas dívidas, assim se fazendo a costumada Justiça!»
Não houve respostas à apelação.
A apreciação e decisão deste recurso impõem o conhecimento do processo principal, do qual extraímos os seguintes dados:
i. Por despacho de 12/02/2024, foi deferida a requisição do auxílio da força pública para o ato de penhora de bens móveis, com arrombamento, caso se afigure necessário.
ii. A penhora dos bens móveis foi agendada, em 25/09/2024, para 07/10/2024 e nesta data realizada.
iii. Conforme auto de 07/10/2024, a diligência de penhora decorreu na presença do executado, que nela colaborou, e da advogada, Dra. ….
iv. Das observações escritas no auto, após penhora de 46 verbas, consta «O executado declarou que, na casa, moram cinco pessoas e isso foi tido em conta pela AE na avaliação de penhorabilidade dos bens móveis existentes. O executado declarou que está casado em regime de separação de bens e há bens em casa que são da esposa».
v. Em 21/10/2024, o executado apresentou no p.p. requerimento no qual afirma «tendo tomado conhecimento do auto de penhora dos bens móveis de sua casa, face ao teor do mesmo», expõe que «é casado no regime de separação de bens com “A”» e que «nunca procederam à divisão, ou atribuição, daqueles bens móveis que, fazendo parte do recheio da casa de morada de família, «(…) ter-se-ão como pertencentes em compropriedade a ambos os cônjuges»- artº 1736, nº 2, do código civil». A acrescenta: «Assim, e salvo nos casos em que não subsistam dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges, alguns dos bens móveis, que constituem o recheio da casa de morada de família de ambos, são dos dois em compropriedade».
Junta documentos comprovativos do matrimónio e do respetivo regime de bens.
vi. Por carta expedida em 25/10/2024, “A”, cônjuge do executado, foi «citado(a), nos termos do artigo 740º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns».
vii. Em 22/11/2024, deduz, por apenso à execução, o presente incidente.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se apenas a seguinte questão:
A requerente tem o direito de, por apenso à execução, requerer ação de divisão de coisa comum relativa aos bens móveis penhorados de que alega ser comproprietária com o executado?
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. Apreciação do mérito do recurso
Comecemos por evidenciar os dados mais relevantes.
A execução que constitui o processo principal a que o presente foi apenso corre contra o marido da ora requerente por dívida da sua exclusiva responsabilidade.
O executado é casado com a requerente, ora recorrente, em regime de separação de bens.
Em 07/10/2024, realizou-se penhora de bens móveis na residência do casal, na presença do executado, que colaborou com a diligência sem invocar que não fosse o único proprietário de qualquer dos bens penhorados. Limitou-se a declarar genericamente «que está casado em regime de separação de bens» e que «há bens em casa que são da esposa».
Por requerimento de 21/10/2024, no processo principal, o executado veio novamente dizer e, desta vez, provar ser casado no regime de separação de bens, e suscitar a compropriedade de bens, sem dizer quais, invocando apenas o disposto no art. 1736.º, nº 2, do CC. Em momento algum, o executado disse quais seriam os bens adquiridos em compropriedade, invocando apenas a presunção legal que funciona em caso de dúvida (art. 1736.º, n.º 2, do CC). Mas como pode o próprio (com)proprietário ter dúvidas sobre a sua propriedade?
Por carta expedida em 25/10/2024 ao cônjuge do executado, foi o mesmo «citado(a), nos termos do artigo 740º do Código do Processo Civil (CPC), para o processo de execução à margem referenciado, tendo o prazo de 20 (vinte) dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de serem penhorados os bens comuns».
Em 22/11/2024, a ora recorrente, cônjuge do executado, deduz o presente incidente atípico, pelo seu conteúdo, e deduzindo pedidos formal e substancialmente incompatíveis:
a) separação de bens – o que pressuporia que fosse casada num regime de comunhão, quando já o é em regime de separação, não havendo, portanto, comunhão conjugal de bens;
b) divisão de coisa comum, para que não permaneça na indivisão relativamente a bens de que é comproprietária com o marido – pedido que corresponde a uma forma de processo especial e que teria de intentar de forma autónoma;
c) declaração de que a requerente é a única proprietária de certos bens móveis penhorados ao executado, e é comproprietária de outros (implicitamente, entende-se desejar o levantamento da penhora sobre os mesmos, embora não o peça de forma expressa) – neste âmbito seria adequado ter deduzido embargos de terceiro.
Após o indeferimento liminar acima transcrito, a apelante recorre, focando-se numa “separação de bens” e na divisão de coisa comum que, em seu entender, deduziu adequadamente por apenso à execução.
Vamos por partes.
A recorrente foi chamada à execução nos termos do disposto no art. 740.º do CPC. Devia tê-lo sido? Perguntando de outro modo, verifica-se a situação típica descrita naquela norma?
O art. 740.º do CPC, com a epígrafe «Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges», determina que, quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida.
Só há bens comuns do casal em regimes de comunhão de bens (geral ou de adquiridos); e o requerimento de separação pressupõe a vigência de um regime de comunhão.
A situação típica que a norma regula é a de, em execução movida contra um só dos cônjuges, casado num regime de comunhão, serem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado. Essa situação típica não se verifica no caso dos autos, pelo que a recorrente nunca poderia proceder nos termos indicados na norma – requerer separação de bens – pois já é esse o seu regime. O artigo 740.º do CPC estabelece a citação do cônjuge do executado, mas apenas quando a execução corre contra uma pessoa casada num regime de comunhão (geral ou de adquiridos).
Como se lê no Código de Processo Civil Anotado, II, Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, de António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, 2.ª ed., Almedina, 2022, pp. 112-113, o art. 740.º «e os subsequentes arts. 741.º e 742.º visam harmonizar o regime adjetivo e o regime substantivo acerca das dívidas dos cônjuges e dos bens que pelas mesmas respondem, procurando sanar dúvidas e dificuldades que emergiam do regime anterior. (…) O art. 740.º está projetado para situações em que uma pessoa casada é executada isoladamente, em virtude de apenas ela, e não também o respetivo cônjuge, estar obrigada no título que serve de base à execução. Neste quadro, a observância da regra segundo a qual apenas podem ser penhorados bens de quem for executado (art. 735.º) implica que a penhora comece por incidir sobre os bens próprios do executado. Se tais bens permitirem a satisfação do crédito exequendo e dos demais encargos da execução, o processo extinguir-se-á pelo pagamento. Nestas circunstâncias, não chegará a ser discutido na ação executiva se a dívida em causa era somente da responsabilidade do cônjuge demandado ou da responsabilidade de ambos os cônjuges. E mais significará que os trâmites observados são os típicos de uma execução por dívida própria do cônjuge executado, com a penhora a fazer-se em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 1696.º do CC, não esquecendo que, neste contexto, são igualmente passíveis de penhora os bens a que alude o n.º 2 do art. 1696.º. (…) [S]e o cônjuge isoladamente executado não dispuser de bens próprios ou se tais bens não foram suficientes para o pagamento integral da dívida, o passo seguinte da execução será a penhora de bens comuns do casal, devendo salientar-se que se tratará aí da penhora de bens em espécie, e não da penhora da quota ideal correspondente à meação do cônjuge executado (apesar do que induz a terminologia do n.º 1, in fine, do art. 1696.º do CC).»
Também no mesmo sentido, escreve Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª ed., Almedina, 2022, pp. 356-358, que «o art. 740.º, n.º 1, trata do caso particular da penhora de bens comuns do casal em execução intentada apenas contra um dos cônjuges. Assim, se, numa ação executiva movida apenas contra um dos cônjuges, casado sob o regime da comunhão geral de bens ou sob o regime da comunhão de adquiridos, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado – deve ser citado, o seu cônjuge – ou o seu ex-cônjuge, na eventualidade de ainda não terem sido partilhados os bens comuns do casal para, no prazo de vinte dias, requerer a separação de bens (arts. 1767.º e ss. do CC) ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida (arts. 740.º, n.º 1, e 786.º, n.º 5)».
Na nota 1213 da p. 357, acrescenta: «Daí que este regime não possa ser aplicado aos casos em que os cônjuges são casados sob o regime da separação de bens, pois que, como é consabido, neste regime, não existem bens comuns do casal, mas antes bens próprios de cada um deles ou, quanto muito, bens pertencentes a ambos em situação de compropriedade. Vide, a este respeito, Nascimento, Paulo Sobral Soares do, “Embargos de terceiro deduzidos pelo cônjuge do executado com fundamento em penhora de bens comuns do casal – Ac. do STJ de 9.6.2005, Rev. 1512/05”, in CDP, no 18, abr./jun. 2007, p. 25, bem como Carvalho, Jorge Morais, “As dívidas dos cônjuges no processo executivo”, op. cit., p. 677. Cfr., na jurisprudência, o ac. do TRC de 11.12.2007, proc. 448-D/1995.C1».
Ainda a propósito, o Ac. do TRG de 19-06-2019, proc. 498/12.4TTVCT-C.G1 (Antero Veiga), de cujo sumário consta, entre o mais, que «[o] cônjuge do executado, desde que não vigore o regime de separação de bens, deve ser citado para a execução, nos termos do artigo 786.º e para os efeitos do artigo 787.º do CPC, quando a penhora tenha recaído sobre imóvel que o executado não possa alienar livremente, independentemente de tal imóvel ser próprio ou comum».
Indubitavelmente, a recorrente não podia pedir, nem pediu, a separação de bens, a que o art. 740.º se destina, por já ser esse o seu regime e, como tal, não poder verificar-se a facti species do art. 740.º que exige a penhora de bens comuns do casal.
A ser comproprietária de bens penhorados, como alega ser, pode pedir, como pediu, a divisão de coisa comum por apenso à execução?
A resposta é negativa.
Apenas há apensação de ações quando, verificando-se os pressupostos expressos nos artigos 267.º ou 268.º do CPC, o juiz o ordene, ou nos casos expressamente previstos na lei (v.g. arts. 73.º, 78.º, 87.º, 122.º, 206.º, 344.º, 352.º, 356.º, 364.º, 541.º, 643.º, 690.º, 698.º, 732.º, 740.º, 788.º, 915.º do CPC). A apensação de uma ação de divisão de coisa comum a uma execução na qual foram penhorados bens em compropriedade não corresponde a um caso de apensação legalmente previsto, nem se enquadra numa situação em que o juiz possa ordenar a apensação.
Em todo o caso, uma ação de divisão de coisa comum não resolveria o problema da recorrente, pois os bens que lhe coubessem não deixariam de estar onerados com a penhora. Aliás, tratando-se de bens móveis, pode dividi-los consensualmente com o comproprietário, sem necessitar de processo ou outras formalidades (v. art. 1413.º do CC). Mas, mais uma vez, a divisão de um bem previamente penhorado não prejudica a penhora.
Discute-se se a penhora, com origem processual, não contratual, constitui uma garantia real ou um instituto ad hoc, com efeitos semelhantes. Seguindo de perto Miguel Pestana de Vasconcelos em Direito das Garantias, 4.ª ed., Almedina, 2023, pp. 471-473, a penhora tem essencialmente três efeitos: transfere para o tribunal os poderes de gozo que integram o direito do executado, que, em regra, os exercerá através dum depositário; retira esses direitos da disponibilidade jurídica do executado, considerando inoponíveis à execução, sem prejuízo das regras do registo, os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados (art. 819.º), e, no caso dos créditos, a sua extinção por ato de vontade do executado ou do devedor verificada depois da penhora (art. 820.º); concede ao credor exequente uma preferência relativamente à sua satisfação pelo valor do bem penhorado perante qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (art. 822.º n.º 1). «Daí se dizer que a penhora tem as características da sequela e da preferência, sendo um direito real de garantia. A posição dominante em termos de qualificação da penhora (isto é, como garantia real) é essa» (p. 472). Mesmo autores que a qualificam como figura autónoma, não reconduzível ao universo das garantias reais (Miguel Teixeira de Sousa, Ação executiva singular, Lex, 1998, p. 250, e M. J. Almeida Costa, Direito das obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pp. 983-984, ambos apud Pestana de Vasconcelos, cit.) não lhe negam a sequela.
Ou seja, um processo de divisão de coisa comum (regulado nos arts. 925.º e ss. do CPC) não conduziria, por si, ao levantamento da penhora sobre os bens que fossem eventualmente adjudicados à requerente. A divisão de bens comuns, ainda que pudesse ser feita neste apenso, e não pode, não conduziria ao levantamento da penhora, pois os bens que fossem adjudicados à requerente sê-lo-iam com a correspondente oneração.
Tão-pouco a requerente pede um levantamento da penhora, o recurso está todo orientado para a divisão de bens em compropriedade, não sendo sequer o levantamento da penhora objeto do recurso.
Como acima afirmámos fundamentadamente, o cônjuge do executado casado no regime de separação de bens, que não seja codevedor na dívida exequenda, será sempre terceiro face à execução, pois por força do regime de bens não se pode colocar a hipótese de dívida comunicável, nem existe acervo patrimonial de comunhão conjugal que possa ser afetado (v.g., Marco Carvalho Gonçalves, cit., pp. 442-443, e Ac. do TRG de 19-06-2019, cit.).
Sendo terceira, a requerente podia ter deduzido embargos de terceiro se quisesse o levantamento da penhora que impende sobre bens seus ou sobre a sua parte em bens em compropriedade. O facto de ter sido, mal, citada como se fosse casada em regime de comunhão não a impedia de deduzir embargos de terceiro. O desconhecimento da lei, ainda que fosse o caso, não lhe aproveitaria (art. 6.º do CC). De todo o modo, reiteramos, o levantamento da penhora não é objeto da apelação interposta pela requerente.
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 23/10/2025
Higina Castelo
Laurinda Gemas
Rute Sobral