Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALFREDO COSTA | ||
Descritores: | PROVA VALORAÇÃO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | - A convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados). - A questão da mera opinião ante as provas produzidas (nomeadamente sobre a interpolação a retirar da interpretação dos documentos dos autos) não faz parte da dupla jurisdição em matéria de facto, pois o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal da 1ª instância, nem pode pôr questões ao arguido/ofendido/testemunhas sobre dúvidas que se lhe suscitem. - Em matéria de medida da pena o recurso a apreciar pelo Tribunal da Relação mantém, também, o arquétipo de remédio jurídico. - Neste quadro, o Tribunal da Relação somente altera o quantum da pena fixada pela 1ª Instância se, e apenas, detectar incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, ou na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Ou seja, não pode proceder como se o fizesse ex novo; como se inexistisse uma decisão de 1.ª instância. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO 1.1. Por sentença proferida em 19.09.2022, no processo comum singular nº 303/21.0PDCSC, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Cascais - JC Criminal – Juiz 3, em que é arguido MB, foi decidido: (transcrição) (…) A) Condenar o arguido MB pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art.º 152.º, números 1, als. b) e c) e 2, al. a), do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; B) Suspender a execução da pena de prisão cominada ao arguido MB, a que é feita referência em A), pelo período de 2 (dois) anos, com subordinação a regime de prova; C) Julgar improcedente a acusação, na parte em que requer a aplicação ao arguido MB das penas acessórias de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, de proibição de uso e porte de arma e de inibição do exercício do poder paternal, e absolver o arguido na medida correspondente; D) Condenar o arguido MB na pena acessória de proibição de qualquer contacto com a vítima AO, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, com excepção do estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais do menor WB, pelo período de dois anos; E) Condenar o arguido MB no pagamento à vítima AO da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de reparação pelos prejuízos de natureza não patrimonial sofridos, ao abrigo do disposto nos art.ºs 82.º-A do Cód. Processo Penal e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09. (…) * 1.2. O arguido interpôs recurso desta sentença, tendo, para esse efeito, formulado as seguintes conclusões: (transcrição) (…) I. O ora Recorrente foi condenado: A) Condenar o arguido MB pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo art. 152, n.ºs 1, als. b) e c) e 2, al. a), do Cód. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; B) Suspender a execução da pena de prisão cominada ao arguido MB, a que é feita referência em A), pelo período de 2 (dois) anos, com subordinação a regime de prova; C) Julgar improcedente a acusação, na parte em que requer a aplicação ao arguido MB das penas acessórias de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, de proibição de uso e porte de arma e de inibição do exercício do poder paternal, e absolver o arguido na medida correspondente; D) Condenar o arguido MB na pena acessória de proibição de qualquer contacto com a vítima AO, por qualquer meio, por si ou por interposta pessoa, com excepção do estritamente necessário ao exercício das responsabilidades parentais do menor WB, pelo período de dois anos; E) Condenar o arguido MB no pagamento à vítima AO da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de reparação pelos prejuízos de natureza não patrimonial sofridos, ao abrigo do disposto nos art.ºs 82.º-A do Cód. Processo Penal e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09 II. Salvo o devido respeito, a apreciação feita na sentença ora recorrida não é a mais acertada, sendo que o presente recurso coloca em crise o seguinte: 1) impugnação da matéria de facto da como provada no ponto 4 da sentença ora recorrida; 2) omissão de factos da matéria dada como provada como provada na sentença correlacionados com os factos dados como provados em 3, 6 e 11 da sentença ora recorrida; 3) a condenação do ora recorrente como consequência da omissão de factos que deveriam ser dados como provados relacionados com os factos dados como provados 3, 6 e 12 da sentença ora recorrida; 4) a medida da pena de prisão e da medida da indemnização arbitrada pelo tribunal à ofendida; III. A prova produzida em audiência de julgamento, o ora Recorrente considera que inexiste em absoluto qualquer prova que demonstre o facto 4 da matéria de facto na sentença ora sindica segundo o qual dá como provado que “Após o nascimento do filho WB, AO sofreu uma depressão pós-parto, demonstrando um estado de espírito mais frágil e debilitado”. IV. Da análise da prova documental constante dos autos conclui-se que inexiste qualquer relatório médico ou de outra índole que ateste que a queixosa sofreu uma depressão pós-parto e, consequentemente, que a mesma estava num estado de espírito mais frágil e debilitado. V. Em momento algum do depoimento da queixosa resultou que ela afirmasse que estava em depressão ou com um estado de espírito especialmente afectado negativamente no pós parto. VI. Assim, o tribunal a quo, porque não qualquer prova que suporte essa conclusão, julgou erradamente ao dar como provado o facto 4 na matéria dada como provada constante da sentença, facto que ora expressamente se impugna e que V. Exas. devem dar como não provado pelas razões referidas supra. VII. O Recorrente entende que não podiam deixar de considerar-se como provados outros factos relevantes relacionados com os factos dados como provados em 3, 6 e 12. VIII. Os referidos factos estão todos relacionados com expressões injuriosas dirigidas pelo recorrente à queixosa. Ora, se é facto que o recorrente admitiu que proferiu essas expressões à queixosa com a frequência ali referida, não é menos verdade que o Recorrente explicou mais que uma vez detalhadamente que quando proferiu tais expressões, nomeadamente as que constam no ponto 3, também era vítima de expressões injuriosas da ofendida dirigidas ao recorrente tais como “vai para a tua terra”, “preto do caralho”, “cabrão” ou “filho da puta”. IX. O recorrente afirmou que tais expressões injuriosas que era vítima com a mesma frequência com que as dizia à queixosa surgiam de igualmente de discussões iniciadas pela queixosa sendo que tais expressões eram igualmente dirigidas inicialmente pela queixosa ao recorrente, sendo que este respondia na mesma moeda como assumiu em julgamento. X. Por outro lado, a queixosa assumiu nas suas declarações que não se ficava e que também dirigia expressões injuriosas ao recorrente embora convenientemente não tivesse bem presente que expressões ofensivas utilizava contra o recorrente. XI. Ademais relativamente aos factos 6 e 12 dados como provados o recorrente explicou que tais mensagens foram em resposta às mensagens de voz ofensivas no whatsapp da queixosa dirigidas ao recorrente. XII. Se as declarações do Recorrente foram valoradas, e bem, pelo Tribunal a quo como confessória e dar como provados os factos dados como provados em 3, 6 e 12, também deviam tais declarações pela mesma lógica ser valoradas relativamente às expressões injuriosas que foi alvo da queixosa, o que de resto ainda que não mesma extensão foram referidas pela queixosa como tendo existido. XIII. O Tribunal a quo ao não dar como provado que o Recorrente também foi alvo/vítima de expressões injuriosas pela queixosa no âmbito dos factos dados como provados em 3, 6 e 12 na sentença ora recorrida, incorre num erro de julgamento de facto que tem toda a relevância para condenação ou não do Recorrente pelo crime de que vem acusado, dado que tais factos consubstanciam um situação de reciprocidade de expressões ofensivas entre o ex-casal que segundo a jurisprudência afastam o cometimento do crime de violência doméstica por ambas as partes. XIV. A este propósito e também no âmbito do crime de violência doméstica, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 01/06/2017, processo 3/16.0PAPST.L1-9, disponível em www.dgsi.pt e o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 09/01/2013, processo 31/09.5GCVLP.P1, também disponível em www.dgsi.pt XV. Transportando a referida jurisprudência para o caso vertente e na senda do que já ficou acima expendido quando à matéria de facto que se impugnou relativamente à não dada como provada, somos de crer convictamente que no presente caso não existe crime de violência doméstica precisamente porque as acções de desvalor, mormente as injúrias verbais, eram recíprocas, como resultou inequívoco do depoimento do Recorrente e da própria queixosa. XVI. Assim, no caso vertente estamos eminentemente perante uma situação de reciprocidade de injúria verbal ou escrita, em que não existe um agressor e uma vítima, mas sim duas vítimas uma da outra. Ou nas palavras da doutrina do douto Acórdão da Relação do Porto acima citado “não se alcançando qualquer posição de domínio de um sobre o outro, não se identificando” ou ainda na doutrina do professor Taipa de Carvalho não existia “subordinação existencial” entre o arguido e a assistente. XVII. Por conseguinte, face a toda doutrina jurisprudencial dos acórdãos da Relação de Lisboa e do Porto acima citados, no caso vertente, face à prova produzida e à factualidade que deve ser dada como provada nos termos acima sustentados quanto às injurias verbais mútuas, é inexorável que na situação dos autos não existia qualquer relação de supremacia do arguido perante a queixosa, não se podendo igualmente falar de um agressor e de uma vítima XVIII. Por conseguinte, soçobra o tipo objectivo do ilícito do crime de violência doméstica e impõe-se a absolvição do recorrente nos presentes autos. XIX. Caso não se entenda que o recorrente deve ser condenado pelo crime de violência doméstica, considera-se que face a todas circunstâncias do caso, à primariedade do recorrente e às suas condições sociais, familiares e profissionais deve ser reduzida a medida da pena de prisão e reduzida a indemnização atribuída à ofendida, porquanto é desproporcional e desajustada ao caso vertente. XX. Conforme consta do facto 23 e 24 da matéria dada como provada na sentença ora recorrente, resulta que o Recorrente desde 2020 reside com outra companheira da qual entretanto teve outro filho recentemente, bem como encontra-se activo na sua vida profissional. XXI. Por outro lado, as recolhas e entregas do filho menor em comum do recorrente e da queixosa são feitas na creche ou por interposta pessoa quando é na casa de algum dos pais, circunstâncias que indiciam claramente que não existe qualquer perigo acrescido que o Recorrente volte praticar factos semelhantes contra a queixosa. XXII. Além do mais, importa não olvidar que o Recorrente é primário e assumiu os factos constantes nos pontos 3, 6 e 12 e manifestou arrependimento e pediu desculpa à queixosa pelos mesmos, o que naturalmente é da maior relevância do ponto de vista de circunstância atenuante. XXIII. Com efeito, atendendo a todas as circunstâncias concretas do caso, à primariedade do arguido, à conduta posterior do recorrente e a sua plena inserção social e profissional, é adequada e suficiente para a prevenção geral e especial patentes no caso a medida de 2 anos de prisão suspensa na sua execução e não 3 anos como foi aplicada pelo tribunal a quo medida da pena que é manifestamente excessiva, desproporcional e desadequado ao caso vertente e, por isso, viola o artigo 71.º do CP. XXIV. O tribunal a quo condenou ainda o Recorrente no pagamento à queixosa da quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de reparação pelos prejuízos de natureza não patrimonial sofridos, ao abrigo do disposto nos art.ºs. 82.-A do Cód. Processo Penal e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09. XXV. Pelos motivos já acima expostos, nomeadamente os factos concretos do caso em apreço e, por outro lado, pela escassa prova produzida quanto aos danos não patrimoniais da queixosa inexiste qualquer evidência ou razão objectiva para que a indemnização seja num valor tão avultado como é 5.000€, valor que é manifestamente excessivo e desproporcional para o caso em concreto, mormente a ausência de prova de danos patrimoniais tão graves que justifique um valor indemnizatório desta ordem de grandeza. XXVI. Com efeito, face ao concreto circunstancialismo do caso dos autos crê-se que para satisfazer adequadamente as necessidades de prevenção geral e especial não pode ser arbitrar uma indemnização de montante superior a 500,00€, por conseguinte a indemnização a título não patrimoniais a arbitrar à queixosa deve ser no máximo de 500,00€. (…) * 1.3. Admitido o recurso, o M. P. apresentou resposta, na qual concluiu: (transcrição) (…) 1º Entende o MP que, não assiste razão ao recorrente, quer no que concerne à fixação da matéria de facto provada, quer quanto ás invocadas omissões na matéria de facto, justificadoras de eventual reciprocidade de violência verbal com a vítima, da sua justificação num contexto de reciprocidade; da fixação do ponto 4, quer da medida da pena e do montante indemnizatório fixado. 2º Inexiste em nosso entendimento qualquer vicio a que alude o artigo 410º, nº 2 do CPP, que resulte do texto da douta decisão, mormente a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto, porquanto da análise dos argumentos do recorrente resulta que o mesmo pretende fazer valer as declarações do arguido e ofendida, sem recorrer ao disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP. 3º Inexiste qualquer reciprocidade por parte da ofendida que afaste o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivo do tipo legal de crime, não se impondo para a verificação do crime que a vítima tenha que ser um ser inerte e passivo, apenas se exige que exista uma relação de domínio, ou maus tratos que afete a dignidade de um ser humanos, a quem o arguido, na qualidade de companheiro e pai do filho comum devia em especial à ofendida. 4º Ora, salvo melhor opinião, o arguido ao invocar omissões na matéria de facto provada, por entender resultar provados outros factos deveria ter recorrido da matéria de facto, e dar cumprimento ao disposto no artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP. 5º Mostra-se a douta sentença bem fundamentada, aí plasmado todo o processo lógico-dedutivo subjacente à convicção firmada, consentâneo com as regras da experiência e a livre apreciação da prova - cfr. Artigo 127 º do Código Processo Penal 6º A matéria de facto provada é esclarecedora da atitude de desprezo, verbal e atentatória da dignidade da companheira do arguido e mãe do seu filho, no domicilio de ambos, atitude que se manteve após a cessação da coabitação, quando a ofendida passa a residir em casa de sua mãe (vide pontos 6 a 13), domínio e maus tratos evidentes nas palavras utilizadas para se dirigir à ofendida, bem como fisicamente em que, sem pejo e na presença da família da ofendida e do filho menor, entra pela casa desta a dentro e agarra a vitima pelo pescoço arrastando-a ate junto da janela da porta - vide pontos 7 a 10 !. 7º Quanto ao ponto 4, não merece reparo a sua fundamentação, alicerçada nas declarações da ofendida e de amiga da mesma AZ. Acresce que, tal também resulta da leitura da documentação médica junta aos autos relativos à ofendida (da existência de depressão e de medicação que a vítima refere tomar). 8º Importa referir, com relevância, que a vítima, recursou prestar declarações sobre os factos que ocorreram no período da coabitação, e que aqueles que foram provados nessas datas, o foram pelas declarações “parcialmente confessórias” do arguido. 9º O que dizer das ameaças dadas como provadas no ponto 11., já após a separação e no contexto de entrega do filho menor de ambos, em que o arguido não só ameaça a vítima que a REBENTA TODA COMO LHE TIRA O FILHO! E da perturbação que isso lhe causava! 10º Aliás, do decurso da prova e postura do arguido, foi tão evidente para este MP a instrumentalização do filho de ambos pelo arguido, como forma de atemorizar/dominar a vitima, de exclui-la da vida do filho, que foi solicitado que de imediato se extraísse certidão para regulação das RERP o que foi deferido - vide ata de fls. 240. 11º Não merece qualquer censura e reparo a medida da pena fixada pelo tribunal a quo, em face da gravidade dos factos, do elevado grau de ilicitude e culpa, do sofrimento causado à vítima, das prementes necessidades de prevenção geral, da personalidade do arguido manifestada nos factos provados, tudo em consonância com os critérios previstos no artigo 71º do CP. Também não merece qualquer reparo o montante indemnizatório fixado, bem fundamentada a fixação de tal valor, estando em causa o valor da dignidade humana. 12º Andou, pois, bem, o tribunal a quo ao fixar a matéria de facto nos termos em que o fez, da sua fundamentação e da sua subsunção ao Direito, logo da condenação do arguido/recorrente, nos termos sobreditos e nas penas aplicadas. (…) * 1.4. Remetido o processo a este Tribunal da Relação, na vista a que se refere o art.º 416º do CPP, o Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pelo não provimento do recurso. * 1.5. Cumprido o preceituado no art.º 417º nº 2 do CPP, não foram deduzidas respostas. * 1.6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência prevista nos art.ºs 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP, cumpre decidir. * II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Do âmbito do recurso e das questões a decidir: De acordo com o preceituado nos art.ºs 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos art.ºs 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art.º 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito[1]. Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior[2]. Seguindo esta ordem lógica, no caso concreto e seguindo a ordem indicada pelo recorrente, as questões a apreciar são: a) erro de julgamento da matéria de facto submetida á apreciação do tribunal a quo; b) a medida da pena de prisão e da medida da indemnização arbitrada pelo tribunal à ofendida. * 2.2. Fundamentação de facto 2.2.1. Da sentença recorrida consta a seguinte matéria provada e não provada: (transcrição) (…) A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA Da discussão da causa, com interesse para a decisão resultou provada a seguinte matéria de facto: 1. O arguido e AO iniciaram um relacionamento amoroso há cerca de cinco anos, tendo residido, no período compreendido entre o dia 13 de Janeiro de 2016 e o dia 10 de Junho de 2020, em comunhão de mesa, cama e habitação, na residência sita na Rua (…). em Belas, casa dos pais do arguido. 2. Desse relacionamento amoroso nasceu um filho em comum, WB, em 21 de Novembro de 2017. 3. Em datas e em número de vezes não concretamente apurados, mas situados no período compreendido entre o mês de Abril de 2016 e o mês de Novembro de 2019, durante discussões no interior da residência, que ocorriam, em média, com uma periodicidade quinzenal, o arguido dirigiu a AO as expressões, em tom alto e estado enfurecido: "és uma puta, és uma carocha, és uma vaca e uma porca, sua burra do caralho". 4. Após o nascimento do filho WB, AO sofreu uma depressão pós-parto, demonstrando um estado de espírito mais frágil e debilitado. 5. O relacionamento amoroso e coabitação terminaram por volta do mês de Junho de 2020, por iniciativa comum do arguido MB e da vítima AO, tendo esta saído da residência comum, com o filho WB, passando, desde então, a residir com a sua mãe SC, na residência sita na Rua (…), em Matarraque. 6. No dia 23 de Novembro de 2020, pelas 10h01m, o arguido enviou a seguinte mensagem via aplicação Whatsapp para o telemóvel de AO: "Tas toda queimada burra de merda". 7. Em data não concretamente apurada mas situada no decurso do mês de Setembro ou de Outubro de 2020, aquando de uma das entregas do menor WB, o arguido entrou de rompante na residência da vítima, sita na Rua (…)em Matarraque, quando a mãe desta lhe abriu a porta, e dirigiu-se a AO num ímpeto, simulando gestos de agressão, tendo sido agarrado, por um dos braços, por SC.. 8. Então, o arguido arrastou SC, exercendo força enquanto aquela o segurava pelo braço, sempre a tentar alcançar AO, que, ao aperceber-se da presença do arguido, se refugiou na cozinha da residência. 9. O arguido logrou alcançar AO, tendo-a agarrado e apertado o pescoço, após o que, continuando a agarrá-la e apertar pelo pescoço, arrastou a vítima até junto da janela da porta da varanda da cozinha. 10. Logo após, devido à intervenção de JG, irmão da vítima, o arguido agarrou no menor WB, que presenciou a anterior conduta do arguido, e abandonou a residência de seguida na companhia do menor. 11. Igualmente em datas não concretamente apuradas mas situadas no último ano, desde a separação e com maior incidência nos momentos de entrega do menor à vítima, o arguido iniciou discussões com AO durante as quais lhe disse, enfurecido: "não volto a trazer o filho, qualquer dia bato-te, dás-me raiva, rebento-te toda, qualquer dia tiro-te o filho, não vais ver o teu filho crescer, não vais ficar cá para contar". 12. No dia 31 de Maio de 2021, o arguido enviou as seguintes mensagens via aplicação Whastapp para o telemóvel de AO: i. pelas 15h01m: "Tu es uma triste juroo"; ii. pelas 15h02m: "Socia tas me a enervar juroo"; "Tas a esticar''; iii. pelas 15h03m: "Manda so mais um áudio, juro vou te por a mao"; "Já que não tem mao em ti espera vais ver"; iv. pelas 19h12m: "Tou te so avisar vou te tirar o puto juro"; "Espera"; "Não falta muito". 13. Em consequência directa e necessária das condutas do arguido, AO sofreu dores e lesões físicas e sentiu tristeza, nervosismo, ansiedade, receio pela sua integridade física e, ainda, vergonha e humilhação. 14. Ao agir do modo supra descrito, o arguido pretendeu e sabia que maltratava física, verbal e psicologicamente a vítima AO, sua ex-companheira e mãe do seu filho menor, no interior da residência e na presença do menor, atingindo-a na sua saúde e bem estar físico e psíquico, provocando-lhe dores e lesões, amedrontando-a e perturbando-a no seu descanso e sentimento de segurança, provocando-lhe receio pela sua integridade física, e ainda ofendendo-a na sua honra e consideração pessoal, em tudo atentando contra a sua dignidade, tudo o que quis, conhecia e logrou. 15. O arguido agiu sempre consciente, voluntária, livre e deliberadamente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito: 16. A vítima AO exerce a actividade profissional de operadora de call-center, auferindo o salário líquido mensal de €920,00. 17. Vive na companhia da mãe, em casa desta, sendo a vítima AO a pagar a renda de casa, no valor mensal de €500,00. 18. Como despesa fixa mensal, a vítima AO suporta, ainda, metade da mensalidade da escola frequentada pelo filho WB, no valor de €125,00, assegurando o arguido o pagamento da outra metade da mensalidade. * 19. MB é o mais velho de uma fratria de dois irmãos, natural da Guiné-Bissau, onde viveu até cerca dos quatro anos de idade, integrado no agregado familiar dos pais, que subsistiam das suas actividades profissionais, o pai como médico, e a mãe em diversas actividades, a última das quais como auxiliar de saúde. A vinda para Portugal foi motivada pela guerra, tendo a adaptação ao país decorrido bem, num contexto socioeconómico estável. 20. O ambiente familiar é caracterizado como estável e estruturado, sem exposição a situações de ofensas e/ou violência, mantendo os progenitores do arguido uma boa relação conjugal entre si. 21. O arguido iniciou o percurso escolar em idade própria, contando com uma retenção no 7.º ano de escolaridade. Devido a problema de saúde, teve que suspender os estudos aos 16 anos de idade, tendo retomado em 2018, com a frequência de um curso EFA, nocturno, para obtenção de equivalência ao 12.º ano de escolaridade. 22. O arguido iniciou a sua actividade laborai, com cerca de 20 anos de idade, na empresa de publicidade "VASP", por intermédio de empresa de trabalho temporário, tendo, posteriormente, tido outras experiências de trabalho temporário, em áreas indiferenciadas. Em meados de 2020 realizou um curso de Tripulante de Ambulância de Transporte, e iniciou trabalho na empresa "LouresMacas". Actualmente, encontra-se a trabalhar na "GroundForce, SPDH, Serviços Portugueses de Handling", por intermédio da empresa de trabalho temporário "EVOLVE", na função de operador de escala no Aeroporto de Lisboa, com contrato de trabalho incerto, auferindo um salário mensal que se computa entre os €900,00 e os €1.200,00 mensais. 23. O arguido iniciou relacionamento amoroso com a sua actual companheira, CC, no mês de Setembro de 2020, vivendo ambos em união de facto desde o mês de Novembro de 2021. Para além do casal, o agregado familiar é constituído pelo filho comum do casal, de 6 meses de idade, e, desde finais do mês de Novembro de 2021, pelo menor WB, filho comum do arguido e da vítima AO, passando o menor os fins-de-semana com a mãe. 24. A companheira do arguido tem a profissão de esteticista, auferindo um vencimento mensal que varia entre os €800,00 e os €1.000,00, encontrando-se, actualmente, de baixa por maternidade. 25. O agregado familiar reside numa casa pertença de um familiar de CC, não suportando despesas com o alojamento. 26. O arguido MB não tem condenações averbadas no respectivo registo criminal. * B) — MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos constantes da acusação: a) — que, durante o período de relacionamento amoroso e coabitação, a que é feita referência em 1., o arguido alguma vez tivesse desferido pontapés nas pernas, socos por todo o corpo e chapadas na face de AO, usando toda a sua força e robustez física e dessa forma provocando-lhe dores intensas e hematomas; b) — que o arguido se tivesse aproveitado da circunstância de AO ter sofrido uma depressão pós-parto para passar a iniciar discussões com a mesma no interior da residência com maior frequência, que passou a semanal, dirigindo-lhe as expressões: "és uma puta, és uma carocha, és uma vaca e uma porca, sua burra do caralho"; c) — que, em data não concretamente apurada, mas situada após o nascimento do filho WB, no interior do quarto da residência e durante uma discussão, o arguido apertou o pescoço de AO, trancando-o com o seu braço num movimento conhecido como "mata leão", e permanecendo nessa posição por vários minutos até quase lhe provocar a perda de consciência, que só não sucedeu devido à intervenção da mãe do arguido nesse momento; d) — que, em data não concretamente apurada mas situada durante os cinco anos de coabitação, no interior da residência e durante uma discussão, o arguido desferiu um pontapé no rosto de AO que a projectou para o solo, provocando-lhe dores, hematomas e a fractura da cana do nariz; e) — que, numa ocasião situada numa altura em que o menor WB contava cerca de três meses de idade, no interior da residência e após a ocorrência de mais uma discussão como as supra descritas, AO manifestou ao arguido intenção de terminar o relacionamento e abandonar a residência, ao que aquele lhe retorquiu, em tom sério: "vais embora e não vês mais o teu filho!", provocando-lhe receio e demovendo-a de tais intenções; f) — que AO nunca procurou tratamento hospitalar por vergonha e receio do arguido; g) — que o arguido nunca aceitou de bom grado a saída de AO e do filho WB da residência comum e o facto de passarem a residir com a sua mãe SC; h) — que em data situada cerca de cinco meses volvidos da separação, no interior da residência da mãe de AO, sita na Rua …, S. Domingos de Rana, na presença do menor WB, o arguido iniciou uma discussão com a vítima durante a qual lhe disse "és uma puta, és uma carocha, és uma vaca e uma porca, sua burra do caralho" e, de seguida, desferiu-lhe um pontapé nas pernas, provocando-lhe dores e muita tristeza e consternação por o filho menor ter presenciado tais factos; i) — que, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 7. a 9., o arguido não logrou concretizar os seus intuitos devido à intervenção de JG, irmão da vítima, que se colocou na frente do arguido; j) — que, no dia 10 de Junho de 2021, o arguido telefonou a AO e durante aquela chamada disse-lhe: "és uma puta, és uma carocha, és uma vaca e uma porca, sua burra do caralho", ao que a vítima desligou de imediato a chamada; k) — que, em consequência directa e necessária das condutas do arguido, AO receou pela sua vida e/ou temeu pelo futuro com o seu filho; I) - que, ao agir do modo descrito, o arguido pretendeu provocar em AO receio pela sua vida, o que logrou. (…) 2.2.2. Quanto à motivação da decisão de facto: (transcrição) (…) No caso vertente, a convicção do Tribunal, relativamente aos factos considerados como demonstrados, alicerçou-se na apreciação, conjugada e com apelo às regras de experiência comum e de normalidade, dos elementos de prova constantes dos autos e resultantes da audiência de julgamento. Nas declarações que prestou, o arguido MB, confirmou a factualidade que o tribunal considerou como demonstrada, a que é feita menção nos pontos 2., 3., 6., 11. e 12. da Matéria de Facto, tendo o arguido e a ofendida AO confirmado, de forma, no essencial, coincidente, a factualidade que o tribunal considerou como demonstrada, a que é feita menção nos pontos 1. e 5.. No que respeita à factualidade a que é feita menção nos pontos 7. a 10., na análise ponderada dos depoimentos testemunhais da vítima AO e de SC, mãe da primeira, que relataram, de forma, no essencial coincidente, o referido episódio, tendo ambas prestado um relato que se afigurou genuíno, sincero, credível, coerente e compatível entre si. Relativamente a esta factualidade, o depoimento das testemunhas AO e SC encontra suporte de prova no depoimento da testemunha JP, irmão de AO, que deu conta ao tribunal de, à data, se encontrar a viver em casa da sua mãe, e de, num momento em que estava na sala, se ter apercebido que o ora arguido tinha entrado em casa, notoriamente enervado, tendo ouvido vozes mais exaltadas na cozinha, o que o levou a dirigir-se a esta divisão. Esclareceu que não viu, desde o início, o que se passou na cozinha, e que quando entrou nesta divisão viu que a AO se encontrava de costas para a janela, encostada ao parapeito, e que a mãe se encontrava colocada de permeio, entre esta e o arguido, estando este a falar com a ofendida de forma exaltada, a gesticular, mas não tendo as mãos em cima da desta, tendo a testemunha constatado que a sua irmã estava com medo, e formado a convicção de que o arguido se encontrava na eminência de a agredir. Acrescentou que, na ocasião, conversou com o arguido, tendo-se este acalmado e abandonado a residência. É certo que, relativamente a este episódio, o arguido negou a sua prática, tendo referido que, nessa ocasião, não entrou na casa da ofendida AO, nem esteve ao pé da mãe desta, nem nunca apertou o pescoço à ofendida, versão que não nos mereceu credibilidade, porquanto se encontra em patente contradição com o depoimento das testemunhas AO, SC e JP, a que é feita menção no parágrafo que antecede, e em que, pelos motivos expostos, o tribunal acreditou. Atendeu-se, igualmente, ao depoimento da testemunha AZ, que deu conta ao tribunal de ser amiga da ofendida AO, desde há cerca de dez a onze anos. Adiantou que nunca viu o arguido a bater na ofendida, mas que, no período do relacionamento desta com o arguido, em muitas ocasiões, em que estava a falar ofendida ao telefone, ouvia a voz do arguido, a desrespeitar a ofendida e a dirigir-lhe ameaças, tais como "vais levar nos cornos" ou "seja a última vez que fazes essa merda". A testemunha AZ confirmou, igualmente, a factualidade que o tribunal considerou como demonstrada, a que é feita menção no ponto 4. da Matéria de Facto. No que respeita à factualidade a que é feita menção no ponto 13., o tribunal sedimentou a sua convicção nos depoimentos da vítima AO e da testemunha AZ, quanto às sequelas emocionais da conduta do arguido na pessoa da ofendida, tendo ambas logrado depor sobre essa factualidade, de modo coerente com as regras da experiência comum, de acordo com as quais é possível inferir um juízo baseado na cultura das pessoas de que uma vítima de violência doméstica, mais a mais com os contornos de que se revestiram os factos que constituem objecto dos presentes autos, sofre dores, se sente humilhada, psicologicamente abalada e tem receio da repetição de comportamentos da mesma natureza. Todos os referidos depoimentos testemunhais, na matéria aludida, foram relevantes, tendo as testemunhas inquiridas deposto com isenção, de forma explicativa, circunstanciada e sem qualquer outro desígnio que não o de colaborar com o tribunal na descoberta da verdade dos factos, motivo pelo qual nos mereceram credibilidade. A testemunha SB, mãe do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a dar conta ao tribunal de, no período em que o arguido e a ofendida viveram na sua residência, ter presenciado inúmeras discussões entre o casal, que eram motivadas por ciúmes da ofendida. Nunca viu o arguido a bater na ofendida, nem a dirigir-lhe nenhuma expressão injuriosa. A testemunha FA, amigo do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a dar conta ao tribunal de ter travado conhecimento com o arguido há cerca de nove a dez anos atrás, e de o ter por uma pessoa tranquila, correcta e trabalhadora. Acrescentou que, no período em que o arguido e a ofendida viviam juntos, frequentou, em inúmeras ocasiões, a residência do casal, tendo, em algumas dessas situações, assistido a discussões entre o casal. Nunca viu o arguido a agredir a ofendida, nem a dirigir-lhe expressões injuriosas. Também a testemunha CC, actual companheira do arguido, com quem começou a viver no mês de Setembro de 2020, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a dar conta ao tribunal de ter visto o arguido e a ofendida a cruzarem-se no âmbito das entregas do filho WB, nunca tendo presenciado qualquer tipo de agressão. Também a testemunha EB, irmã do arguido, não trouxe qualquer contributo para a decisão da matéria de facto, nada sabendo de relevante, tendo-se limitado a dar conta ao tribunal de, durante o período em que a ofendida viveu, na companhia do arguido, em casa dos seus (da testemunha e do arguido) pais, ter presenciado algumas discussões entre o casal, no interior da residência, no decurso das quais a ofendida se exaltava. Inquirida, referiu já não se recordar do que o arguido e a ofendida diziam no decurso dessas discussões. Nunca presenciou qualquer tipo de agressão física entre o casal. O tribunal socorreu-se, ainda, de uma presunção natural no que tange aos factos subjectivos constantes dos pontos 14. e 15., porquanto os factos objectivos provados, de acordo com as regras da experiência comum, permitem inferir estes factos subjectivos. Que o arguido MB agiu com vontade livre e consciente corresponde ao normal do agir humano, nada tendo sido alegado que ponha em causa essa liberdade de decisão. Os factos dos pontos 16. a 18. resultaram provados, tendo por base as declarações da vítima AO, quanto às respectivas condições pessoais, laborais e económicas, que se consideraram credíveis, não sendo postas em causa. Para prova da factualidade a que é feita menção nos pontos 19. a 25., foi valorado o relatório social para julgamento elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, relativamente à pessoa do arguido, que integra fls. 216 a 219, onde se abordam os dados relevantes do respectivo processo de socialização, e as respectivas condições sociais e pessoais, bem como o impacto da situação jurídico-penal, cujo teor foi complementado com as declarações prestadas pelo próprio em audiência de julgamento, mostrando-se a ausência de antecedentes criminais do arguido certificada no respectivo CRC, que integra fls. 220, com data de emissão de 14/03/2022. * Os factos que se deram como não provados foram excluídos por não ter sido produzida prova que os confirmasse, sendo certo que, relativamente à factualidade a que é feita menção nas als. a) a g) e i) a I), nem o arguido, nem nenhuma das testemunhas inquiridas, confirmou tal matéria, e os demais elementos probatórios carreados para os autos também não comprovam estes factos, motivo pelo qual os mesmos foram considerados como não provados. No que respeita à factualidade a que é feita menção na al. h), importa ponderar que, pese embora a vítima AO tivesse afirmado, no decurso do seu depoimento, que numa ocasião em que o arguido se dirigiu à sua residência, acompanhado de um amigo, de nome WG, com o intuito de ver o filho, ocorreu uma discussão entre ambos, tendo, no decurso da mesma, o arguido apelidando-a de "puta", "vaca" e "carôcha", e, imediatamente antes de sair da residência, desferido um pontapé que a atingiu na parte de trás das pernas, tal factualidade foi negada, não apenas pelo arguido, mas, igualmente, pela testemunha WG, que referiu que na única ocasião em que acompanhou o arguido a casa da ofendida, onde este se deslocou para ir buscar o filho, não existiu qualquer agressão ou insulto entre o arguido e a ofendida, acrescentando que a entrega do menor teve lugar à entrada do prédio. Em suma, em relação a esta matéria, a versão apresentada pela testemunha AO em audiência de julgamento, não foi corroborada por qualquer outro meio de prova, testemunhal, documental e/ou pericial, pelo que, atenta a negação pelo arguido e pela testemunha WG da versão apresentada pela testemunha AO em audiência, o Tribunal ficou, nesta parte, numa situação de dúvida fundada sobre a verificação de tais factos, impondo-se, destarte, que a decisão probatória, quanto a esses factos, atenda ao princípio de prova in dubio pro reo, decorrência do princípio substantivo da presunção da inocência, consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. (…) * 2.3. Do erro de julgamento da matéria de facto submetida a apreciação do tribunal a quo Invoca o ora arguido/recorrente a “impugnação da matéria de facto da como provada no ponto 4 da sentença ora recorrida; omissão de factos da matéria dada como provada como provada na sentença correlacionados com os factos dados como provados em 3, 6 e 11 da sentença ora recorrida; a condenação do ora recorrente como consequência da omissão de factos que deveriam ser dados como provados relacionados com os factos dados como provados 3, 6 e 12 da sentença ora recorrida”. Primeiramente, importa dizer que este tribunal ad quem não consegue alcançar o que o arguido/recorrente pretende invocar com o trecho do texto acima transcrito, porquanto é patente a manifesta confusão no que concerne à matéria de facto que pretende censurar. É que nem a leitura atenta do texto da motivação nos traz luz sobre o que pretende o arguido/recorrente, verdadeiramente, impugnar. Não obstante, diremos: O mecanismo por via do qual deverá ser invocado a impugnação ampla da matéria de facto encontra-se previsto e regulado no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP e envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal na primeira instância, e da prova dela resultante. Essa reapreciação não é livre, nem abrangente, antes tem vários limites, porque está condicionada ao cumprimento de deveres muito específicos de motivação e formulação de conclusões do recurso.[3] Assim, nos termos do nº 3 do art.º 412º do CPP, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, c) as provas que devem ser renovadas. O nº 4 do mesmo artigo acrescenta que, tratando-se de prova gravada, as indicações a que se referem as alíneas b) e c) do nº 3 se fazem por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, sendo que, neste caso, o tribunal procederá à audição ou visualização das passagens indicadas, e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, segundo o estabelecido no nº 6. Quando se trate de depoimentos de testemunhas, de declarações de arguidos, assistentes, partes civis, peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem, pois, de individualizar, no universo das declarações e depoimentos prestados, quais as particulares passagens, nas quais ficaram gravadas as frases que se referem ao facto impugnado. Mas só isso não chega para o sucesso da impugnação ampla. O recorrente terá de indicar, com toda a clareza e precisão, o que é que, na matéria de facto, concretamente, quer ver modificado, apresentando a sua versão probatória e factual alternativa à decisão de facto exarada na sentença que impugna, e dizendo quais os motivos exactos para tal modificação, em relação a cada facto alternativo que propõe, o que exige que o recorrente apresente o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida e o correlacione comparativamente com o facto individualizado que considera erradamente julgado. Essa modificação será, ainda, assim, tão só a que resultar do filtro da documentação da prova, segundo a especificação da recorrente, por referência ao conteúdo da ata, com indicação expressa e precisa dos trechos dos depoimentos ou declarações em que alicerça a sua divergência (art.º 412º nº 4 do CPP), ou, pelo menos, mediante «a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente»[4]. Por fim, é necessário que dessa indicação resulte comprovada a insustentabilidade lógica ou a arbitrariedade da decisão recorrida e que a versão probatória e factual alternativa proposta no recurso é que a correcta. Trata-se, em suma, de colocar à apreciação do tribunal de recurso a aferição da conformidade ou desconformidade da decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados com a prova efectivamente produzida no processo, de acordo com as regras da experiência e da lógica, com os conhecimentos científicos, bem como com as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, com os princípios da prova proibida, da livre apreciação da prova e do in dúbio pro reo, assim como, com as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos. Se dessa comparação resultar que o Tribunal a quo não podia ter concluído, como concluiu na consideração daqueles factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detectado. Porém, se a convicção ainda puder ser objectivável de acordo com essas mesmas regras e a versão que o recorrente apresentar for meramente alternativa e igualmente possível, então, deverá manter-se a opção do julgador, porquanto tem o respaldo dos princípios da oralidade e da imediação da prova, da qual já não beneficia o Tribunal de recurso. Neste caso, já não haverá, nem erro de julgamento, nem possibilidade de alteração factual. Ou seja, a convicção do julgador, no tribunal do julgamento, só poderá ser modificada se, depois de cabal e eficazmente cumprido o triplo ónus de impugnação previsto no citado art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do CPP, se constatar que decisão da primeira instância sobre os precisos factos impugnados quando comparada com a prova efectivamente produzida no processo, deveria necessariamente ter sido a oposta, seja porque aquela convicção se encontra alicerçada em provas ilegais ou proibidas, seja porque se mostram violadas as regras da experiência comum e da lógica, ou, ainda, porque foram ignorados os conhecimentos científicos, ou inobservadas as regras específicas e princípios vigentes em matéria probatória, designadamente, os princípios da livre apreciação da prova e in dúbio pro reo, assim como, as normas que regem sobre a validade da prova e sobre a eficácia probatória especial de certos meios de prova, como é o caso da confissão, da prova pericial ou da que emerge de certo tipo de documentos (autênticos e autenticados). «A censura dirigida à decisão de facto proferida deverá assentar “na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção (…)”. «A reapreciação da prova, dentro daqueles parâmetros, só determinará uma alteração da matéria de facto quando do respectivo reexame se concluir que as provas impõem uma decisão diversa, excluindo-se a hipótese de tal alteração ter lugar quando aquela reapreciação apenas permita uma decisão diferente da proferida, porquanto, se a decisão de facto impugnada se mostrar devidamente fundamentada e se apresenta como uma das possíveis soluções face às regras da experiência comum, deve a mesma prevalecer, não ocorrendo, nesse caso, violação das regras e princípios de direito probatório».[5] A referência do arguido/recorrente a referências do que terá o arguido dito em audiência, sem qualquer referência ao início e terminus das declarações gravadas em audiência e respectivas transcrições, está em clara violação do ónus de impugnação especificada inserta no aludido artigo 412º do Código Processo Penal, pois, além de não fazer constar os respectivos conteúdos na motivação, também, não consta das conclusões do recurso que, como se sabe, fixa o seu objecto. É de relevar que, em Processo Penal, só o julgamento realizado na 1ª instância está em condições privilegiadas para fixar os factos, por beneficiar em pleno dos princípios da oralidade e imediação. Assim, e por princípio, o Tribunal da Relação só deve alterar os factos quando se aperceber de qualquer erro nítido de julgamento, ilogicidade ou utilização de provas proibidas que ali tenha ocorrido. Não se trata, pois, de um segundo julgamento para sopesar argumentos, quanto à solução ideal que decorreu do julgamento. Com efeito, só a 1ª instância analisa com imediação e oralidade os factos em julgamento – linguagem não verbal, reacções corporais, expressões e tantos outros fenómenos que escapam a uma simples gravação – pelo que, em princípio é esse o Tribunal mais apto, a bem conhecer dos factos. Por outro lado, como referido, importa considerar que o recorrente tem o ónus de fazer referência às provas que impõem decisão diversa da recorrida (art.º 412º/3, b), C.P.P.), o que é bem diferente de se referir a provas que podem conduzir a uma decisão diferente. Neste sentido confronte-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra[6]; “O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e oralidade. Por outro lado, a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão.” Dito de outro modo, a questão da mera opinião ante as provas produzidas (nomeadamente sobre a interpolação a retirar da interpretação dos documentos dos autos) não faz parte da dupla jurisdição em matéria de facto, pois o Tribunal de recurso não beneficia dos mesmos princípios da imediação e oralidade, de que beneficiou o Tribunal da 1ª instância, nem pode pôr questões ao arguido/ofendido/testemunhas sobre dúvidas que se lhe suscitem. Ora, a questão nos autos é a de se optar por uma ou outra das versões dos factos, com base no princípio da livre apreciação da prova – art.º 127º C.P.P. Não ocorrem raciocínios ilógicos, com base em provas proibidas ou nitidamente errados, pelo que até é discutível se, neste espaço, o Tribunal da Relação deve ainda verificar do juízo feito em 1ª instância. É que, então, o que está em causa é tão-só o princípio da livre apreciação da prova (art.º 127º C.P.P.). E, o juízo probatório feito na 1ª instância, só pode ser afastado perante provas que, forçosamente imponham decisão diversa (art.º 412º/3, b), C.P.P.). In casu, é de considerar que as declarações do arguido do que disse, ou não disse, e que o ora recorrente enuncia são meramente pontuais, lacónicas e genéricas. In casu, não é visível que o tribunal a quo se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação da prova, ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente. A livre apreciação da prova significa ausência de critérios legais prefixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”[7]. Não se trata de uma convicção puramente subjectiva ou emocional, mas sim de uma convicção pessoal necessariamente objectivável e motivável. E essa objectivação encontra-se na motivação da matéria de facto, formada e exteriorizada de um modo que se mantém aceitável, sem desdouro para o esforço argumentativo do arguido/recorrente por entendimento contrário. Termos em que se considera que o recurso não pode proceder nesta parte. * 3.4. A medida da pena de prisão e da medida da indemnização arbitrada pelo tribunal à ofendida. Sobre esta temática, argumenta o arguido/recorrente que “face a todas circunstâncias do caso, à primariedade do recorrente e às suas condições sociais, familiares e profissionais deve ser reduzida a medida da pena de prisão e reduzida a indemnização atribuída à ofendida, porquanto é desproporcional e desajustada ao caso vertente.”. O arguido não põe em causa a condenação das penas acessórias nem a substituição da pena de prisão pela suspensão da execução da pena. Apenas põe em causa o quantum da pena de prisão e o quantum indemnizatório, pelo que é apenas sobre estas duas questões que impende a apreciação deste tribunal. Vejamos, então, se assiste razão ao recorrente: A matéria de facto encontra-se definitivamente fixada, considerando a improcedência do recurso neste segmento conforme supra apreciado. É, pois, sobre tal matéria de facto fixada na sentença recorrida que este Tribunal ad quem se deve fundamentar para apreciar e decidir a questão suscitada. Apreciemos: O arguido/recorrente, nas suas conclusões, refere a sua discordância com a medida da pena e medida da indemnização atribuída considerando-as excessivas. É pacífico que em matéria de medida da pena o recurso a apreciar pelo Tribunal da Relação mantém, também, o arquétipo de remédio jurídico. Neste quadro, o Tribunal da Relação somente altera o quantum da pena fixada pela 1ª Instância se, e apenas, detectar incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, ou na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Ou seja, não pode proceder como se o fizesse ex novo; como se inexistisse uma decisão de 1ª instância. A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”[8]. In casu resta, pois, olhar a decisão à luz do entendimento referido. Assim, a fundamentação da pena no acórdão recorrido tem o seguinte teor: (transcrição) (…) A moldura aplicável ao crime de violência doméstica agravada, p.p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, al. a), do Cód. Penal, em cuja prática o arguido MB incorreu, é a pena de prisão de 2 a 5 anos, cabendo agora determinar, tendo por base a referida moldura legal abstracta, qual a pena concreta a aplicar ao arguido. Para tanto, há que ter em conta os critérios previstos no art.º 71.º do Cód. Penal, tendo como referência a culpa do agente e as exigências de prevenção. O n.º 2 da citada disposição legal estabelece que o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem contra ou a favor do agente, enunciando algumas dessas circunstâncias nas suas alíneas: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As circunstâncias e critérios do art.º 71.º do Cód. Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados. Assim, nesta perspectiva, valorando a matéria fáctica provada nos termos do art.º 71.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, importa atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido e contra ele, designadamente: - quanto à culpa, a mesma molda-se, no caso, na modalidade de dolo directo, sendo de grau elevado, resultando dos factos provados que o arguido deve ser alvo de elevado juízo de censura ético-social; - a ilicitude presente na prática dos factos atingiu muito elevado grau, tendo em consideração que as suas actuações foram reiteradamente levadas a cabo, estendendo-se, no tempo, por um período superior a cinco anos, considerando ainda as concretas condutas do arguido e as consequências no corpo e na saúde da ofendida AO, e tendo em conta o respectivo modo de execução, de que resultaram relevantes consequências, uma vez que a ofendida, em consequência directa e necessária da agressão de que, numa ocasião, foi vítima, sentiu dores, tendo-se sentido, igualmente, atemorizada e ofendida na sua honra e consideração em resultado das ameaças e das expressões injuriosas que, de forma recalcitrante, lhe foram endereçadas; - são prementes as razões de prevenção geral, uma vez que a violência doméstica é um crime frequente, perturbando fortemente as relações familiares e a paz social, que importa reforçar; - a situação pessoal do arguido, descrita na matéria de facto, e a ausência de antecedentes criminais. Os factos praticados revelam uma desconformidade da personalidade do arguido com os valores protegidos pela lei penal, o que se traduz numa carência de socialização, no âmbito da prevenção especial. Assim, afigura-se justa e adequada ao caso, a aplicação ao arguido da pena de 3 (três) anos de prisão, situada entre o limite mínimo e o termo médio da pena, no primeiro terço da moldura abstracta aplicável. (…) Não podemos deixar de consignar o total acerto do processo aplicativo da pena desenvolvido na sentença recorrida. Na verdade, este traduz uma correcta compreensão do quadro constitucional e legal punitivo e uma exacta concretização, na aplicação e graduação da pena fixada. Procedeu-se à correcta selecção dos elementos factuais elegíveis, identificação das normas legais aplicáveis, ponderação dos critérios legalmente atendíveis, justificando-se por tudo, de facto e de direito, as penas fixadas. Na moldura abstracta acima transcrita, as exigências de prevenção geral e especial nunca consentiriam a fixação de uma pena abaixo do ponto fixado na sentença recorrida. Dito isto, decide-se manter a sentença recorrida, no que concerne à pena fixada, que pela sua correcção nenhuma censura nos merece. No que tange ao quantum fixado a título de arbitramento de indemnização à vítima AO, nos termos do disposto nos art.ºs 82.º- A do Cód. Processo Penal e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09, diremos: Tratando-se de uma fixação oficiosa de indemnização por danos morais por parte do tribunal, a sua fixação, alicerçada em critérios de equidade, assentará nos factos resultantes da prova produzida na audiência de discussão e julgamento. Vejamos Sobre esta temática[9] é pacifico que o critério para a fixação destes danos morais[10] consta do artº 494º do CC por remissão do nº 3 do art.º 496º, do mesmo diploma legal. Na determinação da mencionada compensação deve por isso atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, bem como à do lesado. E a apreciação da gravidade do dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve ser efectuada seguindo critérios objectivos para evitar que subjectivismos intoleráveis do lesado ou do lesante interfiram e descaracterizem a finalidade que o instituto tem em vista atingir. In casu, estamos perante a prática de um crime doloso, em que o grau de culpa do agente se mostra muito elevado e em que as suas consequências não se podem deixar de se considerar como muito relevantes. Assim sendo e tomando em consideração o que se apurou quanto à situação socioeconómica de ambos, mostra-se adequado o quantum de €5.000,00 fixado na sentença recorrida. O recurso não merece, pois, provimento. * III – DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar integralmente a sentença recorrida. Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em cinco UCs. (art.ºs 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP). * Tribunal da Relação de Lisboa, 08-02-2023 Alfredo Costa Rosa Vasconcelos Francisco Henriques _______________________________________________________ [1] Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005 [2] Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061 [3] (Maria João Antunes, in RPCC – Ano 4 Fasc.1 – pág. 120; Acórdão do STJ n.º 3/2012, de 8/3/2012, DR, I Série, n.º 77, de 18/4/2012 Acs. da Relação de Guimarães de 6.11.2017, proc. 3671/13.4TDLSB.G1; da Relação de Évora de 09.01.2018 proc. 31/14.3GBFTR.E1; da Relação de Coimbra de 08.05.2018, proc. 30/16.0GANZR.C1; da Relação de Lisboa de 12.06.2019, processo 473/16.0JAPDL.L1, in http://www.dgsi.pt) [4] (Ac. do STJ nº 3/2012, de fixação de jurisprudência de 08.03.2012, in D.R. 1.ª série, nº 77 de 18 de Abril de 2012) [5] (Ac. da Relação de Lisboa de 10.09.2019 proc. 150/18.7PCRGR.L1-5. No mesmo sentido, Ac. STJ n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 18-4-2012; Acs. do Tribunal Constitucional nºs 124/90; 322/93; 59/2006 e 312/2012, in www.tribunalconstitucional.pt e AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07-12-2005 Paulo Saragoça da Mata, in A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença em Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra 2004, pág. 253, Ana Maria Brito, Revista do C.E.J., Jornadas Sobre a Revisão do C.P.P., pág. 390; Cunha Rodrigues, «Recursos», in O Novo Código de Processo Penal, p. 393 e ainda, os Acs. do STJ de 12.09.2013, proc. 150/09.8PBSXL.L1.S1 e de 11.06.2014, proc. 14/07.0TRLSB.S1; Acs. da Relação de Coimbra de 16.11.2016, proc. 208/14.1JACBR.C1; de 13.06.2018, proc. 771/15.0PAMGR.C1 e de 08.05.2019, proc. 62/17.1GBCNF.C1; Acs. da Relação do Porto de 15.11.2018, proc. 291/17.8JAAVR.P1, de 25.09.2019, processo 1146/16.9PBMTS.P1 e de 29.04.2020, proc. 1164/18.2T9OVR.P1; da Relação de Lisboa de 24.10.2018, proc. 6744/16.8L1T9LSB-3; de 13.11.2019, proc. 103/15.7PHSNT.L1, de 09.07.2020, proc. 135/16.8GELSB.L1-9, da Relação de Guimarães de 08.06.2020, proc. 729/17.4GBVVD.G1 in http://www.dgsi.pt). [6] Datado de 12/9/2012, Proc.º 245/09, in www.dgsi.pt [7] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, p. 202-3 [8] Cfr. Figueiredo Dias, DPP “As Consequências Jurídica do Crime” 1993, §254, p. 197. [9] Reparação pelos prejuízos de natureza não patrimonial sofridos, ao abrigo do disposto nos arts. 82.°-A do Cód. Processo Penal e 21.° da Lei n.° 112/2009, de 16/09. [10] Que reveste natureza compensatória e sancionatória. |