Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | RENATA LINHARES DE CASTRO | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO CESSAÇÃO PRAZO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. Com a alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022 de 11/01 à redacção do artigo 239.º, n.º 2 do CIRE, o período de cessão foi reduzido de cinco para três anos, sendo tal redacção aplicável aos processos que se encontrem pendentes. II. Tendo sido proferido, já na vigência da nova redacção, despacho liminar pelo qual se admitiu o pedido de exoneração do passivo restante e no qual se refere um período de cessão de cinco anos, impõe-se reduzir este último para três anos. (Pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa. I - RELATÓRIO RS e mulher NS apresentaram-se à insolvência, requerendo igualmente a concessão da exoneração do passivo restante. Por sentença proferida em 08/04/2022, já transitada em julgado, foi a insolvência declarada. Nesta última foram, ainda, os requerentes convidados a concretizarem e demonstrarem a factualidade necessária ao conhecimento do pedido de exoneração, o que os mesmos vieram fazer. Em 25/08/2022 foi proferido o seguinte Despacho: Os devedores RS e NS, apresentaram-se à insolvência, pedindo a exoneração do passivo restante (…). O Sr. Administrador da Insolvência pronunciou-se favoravelmente ao requerido (…). O credor NOVO BANCO DOS AÇORES, S.A., opôs-se à admissão da exoneração do passivo restante, com fundamento na alínea d), do nº1, do artigo 238.º, do CIRE. Não procedeu à junção de prova. Os restantes credores não se pronunciaram sobre o pedido de exoneração do passivo restante. Cumpre apreciar e decidir: Dispõe o artigo 235.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, “se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste (…)”. (…) No caso em apreço, o pedido foi apresentado tempestivamente, no requerimento de apresentação à insolvência, foi efetuada a declaração de que os insolventes preenchem os requisitos e se dispõem a observar todas as condições exigidas por lei, não foi aprovado e homologado um plano de insolvência e não há conhecimento nem foi alegado qualquer motivo válido para o indeferimento liminar (arts. 236.º, n.ºs 1 e 3, 237.º, alíneas a) e c), e 238.º a contrario sensu, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). (…) Pelo exposto, admito liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante de RS e NS (cfr. artigos 236.º, 237.º, 238.º, à contrário, e 239.º, todos do C.I.R.E.) e, consequentemente: A) Determino que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, designado por período de cessão, o rendimento disponível que os insolventes venham a auferir, atento o disposto no art. 239.º, n.º 3, do CIRE, seja cedido a fiduciário; (…) Custas do incidente pela massa insolvente (…)”. Inconformados com tal despacho dele recorreram os insolventes, formulando, para tanto as seguintes CONCLUSÕES: 1ªOs Insolventes, com o devido respeito, pelo Tribunal a quo, apenas se insurgem parcialmente do douto Despacho. 2ªA questão dos presentes Autos circunscreve-se ao constante da página 4, linhas 1 a 13, inclusive, do douto despacho, cujo conteúdo de dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. 3ª Que em concreto o que aflige os ora Insolventes é o facto do douto despacho ter fixado o prazo, prazo designado por período de cessão, em 5 (cinco) anos. 4ª Ora, tal prazo passou dos 5 (cinco) anos, para 3 (tês) anos, nos termos do artigo 239.°, n° 2 do GIRE, na redação dada pela Lei n° 9/2022, de 11 de janeiro. 5ª Salvo melhor opinião e, com o devido respeito, há aqui um mero lapso por parte do Tribunal a quo, que deverá ser corrigido. 6 ª Passando dos 5 (cinco) anos, para 3 (tês) anos, nos termos supra expostos, o que se requer. Nestes termos, e nos mais de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossa Excelência, deverá o Douto Despacho ser revogada parcialmente, com todas as consequências legais, pelo facto de, tal prazo ter passado dos 5 (cinco) anos, para 3 (tês) anos, nos termos do artigo 239.°, n° 2 do CIRE, na redação dada pela Lei n° 9/2022, de 11 de janeiro, o que se requer.” Não foram apresentadas contra-alegações. Por despacho de 11/10/2022, foi o recurso foi correctamente admitido pelo tribunal a quo. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, ressalvadas as questões que forem de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, sem prejuízo de o tribunal ad quem não estar limitado pela iniciativa das partes, nem estar obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelo recorrente, desde que prejudicados pela solução dada ao litígio - artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, ex vi artigo 663.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC. Assim, a vexata quaestio consiste em decidir se existe fundamento para revogar o decidido pela 1.ª instância, no que concerne à duração do período de cessão. * III – FUNDAMENTAÇÃO FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos e ocorrências processuais relevante são os que resultam do relatório supra enunciado. * FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Como refere Catarina Serra, o instituto da exoneração do passivo restante consiste “na afectação, durante certo período após a conclusão do processo de insolvência, dos rendimentos do devedor à satisfação dos créditos remanescentes, produzindo-se, no final, a extinção daqueles que não tenha sido possível cumprir, por essa via, durante esse período.”[1] Durante o período de cessão fica o devedor obrigado a cumprir com as obrigações que lhe forem impostas, sob pena de, não o fazendo, poder ter lugar a cessação antecipada da exoneração ou mesmo a sua revogação – artigos 243.º e 246.º. Caso cumpra com o estipulado, não sendo a sua conduta passível de censura ao longo de todo esse período, fica, então, liberto do remanescente do seu passivo, sem excepção dos créditos que não tenham sido reclamados e verificados (passivo que não tenha sido liquidado no âmbito do processo de insolvência, nem durante o período de cessão subsequente – artigo 235.º -, ressalvadas as situações a que alude o artigo 245.º). Considerando a data na qual foi proferido o despacho recorrido (25/08/2022), importa atender ao disposto no artigo 239º do CIRE na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 (a qual entrou em vigor no dia 11 de Abril do corrente ano – artigo 12.º da Lei), resultando dos seus n.ºs 1 e 2 que, não havendo motivo para indeferimento liminar, será proferido despacho inicial que determine que “durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.”. Não obstante a apresentação à insolvência pelos recorrentes tenha ocorrido em 07/04/2022, a actual redacção do n.º 2 do artigo 239.º tem plena aplicação ao caso – cfr. artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2022, o qual refere a sua imediata aplicação aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. Ao aplicar a redacção que anteriormente vigorava, o despacho liminar incorreu em erro, designadamente quanto à duração do período de cessão, erro esse que se revela manifesto e grosseiro e que se impõe corrigir. Nessa medida, por assistir razão aos apelantes, terá o decidido pela 1.ª instância de ser revogado na parte objecto do presente recurso, reduzindo o período de cessão aí determinado de cinco para três anos. *** IV - DECISÃO Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e, nessa sequência, decide-se revogar parcialmente o despacho recorrida, fixando-se o período de cessão em três anos. Sem custas. Lisboa, 15 de Dezembro de 2022 Renata Linhares de Castro Nuno Teixeira Rosário Gonçalves [1] In Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Coimbra, 2021, pág. 610. |