Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | CRISTINA ISABEL HENRIQUES | ||
| Descritores: |  CONTRATO DE EMPREITADA INCUMPRIMENTO BURLA  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. No caso dos autos, é bastante claro, até pela descrição dos factos que é feita no RAI, que não existiu erro ou astúcia na celebração do contrato e no desenrolar do mesmo. Do que se trata é de um contrato de empreitada que não decorreu conforme a assistente esperava, tendo havido comportamentos por parte dos arguidos, que no seu modo de ver, configuram um incumprimento contratual, razão pela qual, pôs termo ao mesmo, resolvendo-o. II. Mas, inequivocamente, perante a descrição factual do modo como a obra decorreu, o contrato existiu e a obra foi, parcialmente, executada, embora, eventualmente, de modo que deixou a assistente insatisfeita, gerando-se um cumprimento defeituoso ou incumprimento definitivo, que melhor se configura e encontra solução no âmbito do direito civil, que não é um direito menor, mas sim diferente, sendo as soluções diversas e, provavelmente, mais eficazes, tratando-se de um contrato de empreitada. III. Contudo, os factos que respeitavam ao plano gizado pelos arguidos, e nos quais se configurava a astúcia e o erro provocado, resultaram não indiciados.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam em Conferência os Juízes da 3ªsecção do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório: Nos autos de Processo n.º908/23.5T9CSC.L1, não conformada, veio a assistente AA, melhor identificada nos autos, interpor recurso para este Tribunal do despacho de não pronúncia proferido pela Mmo Juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Cascais (J2), juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem: A. O presente recurso vem interposto do despacho de não pronúncia que decidiu não submeter a julgamento os Arguidos relativamente a factos suscetíveis de integrar a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. B. O Tribunal a quo entendeu que os factos apurados consubstanciam um mero incumprimento contratual, desprovido de relevância penal, por alegada ausência de dolo antecedente e de ardil para configurar um engano penalmente relevante, remetendo a matéria para a jurisdição cível. C. Contudo, essa qualificação ignorou por completo a factualidade indiciariamente apurada, que revela um padrão de actuação fraudulento, planeado e sistemático, por parte dos Arguidos, com o objectivo de obter pagamentos da Recorrente sem qualquer intenção séria de executar a obra contratada. D. A prova constante dos autos e os factos indiciariamente provados demonstram de forma clara que os Arguidos nunca tiveram a intenção real de construir qualquer moradia, tendo utilizado a relação contratual como mero instrumento para a prática de um esquema fraudulento. E. Os Arguidos apresentaram orçamentos contraditórios, inflacionados, manipulados, duplicaram cobranças e exigiram pagamentos não previstos contratualmente, comportamento esse documentado em diversos elementos dos autos, incluindo nos Docs. n.º 10, 12, 18, 19, 26, 27, 28, 31 e 32 da Queixa. Parte dos valores pagos pela Recorrente foi canalizada para uma conta bancária estranha à sociedade Arguida, nomeadamente para uma conta pessoal do BB, indicada pelo próprio ..., seu pai — cf. Doc. n.º 26 “B” da Queixa. G. Os “trabalhos” executados pelos Arguidos foram tecnicamente deficientes e mal executados, conforme resulta do relatório técnico subscrito pelo Eng.º CC (Docs. n.º 125 e 126), e do relatório da Proteção Civil (fls. 237 e ss.), que atesta inclusive a inexistência de certificação dos andaimes e o incumprimento das normas mínimas de segurança, o que evidencia a natureza meramente simulada da intervenção no local. H. A testemunha DD, engenheiro responsável pela fiscalização da obra, confirmou que, apesar das promessas feitas pelo EE na sua presença, os trabalhos nunca foram retomados e o estaleiro sempre apresentou sinais claros de abandono entre .... I. É, pois, forçoso concluir que os “trabalhos” realizados pelos Arguidos no local foram, na sua essência, deficientes, manifestamente inadequados à execução de uma moradia habitável e não representaram qualquer verdadeira tentativa de cumprimento do contrato. J. Pelo contrário, esses “trabalhos” assumiram natureza meramente instrumental, destinando-se unicamente a criar uma aparência de execução de obra, com o intuito de induzir a Recorrente em erro e levá-la a acreditar que os Arguidos iriam efetivamente construir a sua moradia, motivando-a assim a continuar a efectuar pagamentos. K. Sendo certo que após a entrega do montante total de €106.000,00 (cento e seis mil euros), os Arguidos passaram a ignorar a Recorrente: recusaram prestar contas, emitir recibos, atender chamadas, responder a mensagens e até a levantar a correspondência que por aquela lhes foi enviada — cf.Docs. n.º 79 a 82 da Queixa, e Docs. n.º 1 a 3 do requerimento da Recorrente de .../.../2024. L. Uma das artimanhas mais reveladoras utilizadas pelos Arguidos prendeu-se com o episódio relacionado com o fornecimento do denominado “aço leve”: a ... apresentou à Recorrente uma proposta de orçamento alegadamente emitida pela empresa “XX, Lda.”, no valor de €79.415,14 (setenta e nove mil quatrocentos e quinze euros e catorze cêntimos), fazendo-a crer tratar-se do valor efectivo da adjudicação. M. No entanto, a sociedade Arguida, representada pelo ..., já havia adjudicado o fornecimento do mesmo material à empresa “YY, Lda.”, pelo valor real de apenas €36.230,00 (trinta e seis mil duzentos e trinta euros) — cf. Doc. 102 da Queixa. N. Através deste expediente, os Arguidos lograram apropriar-se de uma diferença indevida de €43.185,14 (quarenta e três mil cento e oitenta e cinco euros e catorze cêntimos), conduta essa que revela de forma inequívoca o carácter ardiloso e fraudulento da sua atuação, típica do crime de burla qualificada previsto nos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. O. Em tudo, foi a versão da Recorrente corroborada pelos testemunhos prestados por FF, CC, GG, DD e HH — cf. fls. 144/144v, 223-224, 272, 304/304v e 310/310v. P. Todos os elementos típicos do crime de burla qualificada encontram-se indiciariamente verificados: (i) ardil enganoso; (ii) indução em erro; iii) acto de disposição patrimonial; (iv) prejuízo relevante para a vítima; (v) vantagem patrimonial ilegítima para os Arguidos — nos termos dos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal. Q. No mais, a Recorrente, mãe de três filhos, dois deles menores, aufere apenas €1.280,00 (mil duzentos e oitenta euros) mensais e contraiu um empréstimo para construção da moradia, actualmente com uma dívida bancária de €75.399,24 (setenta e cinco mil trezentos e noventa e nove euros e vinte e quatro cêntimos) — cf. requerimento de .../.../2024. R. A Moradia não foi construída, os Arguidos apropriaram-se das quantias recebidas e a Recorrente viu-se obrigada a residir com os filhos na casa da mãe, partilhando quartos, em condições indignas e insustentáveis. S. A Recorrente tentou, como única solução, vender o imóvel, mas os materiais deixados e abandonados pelos Arguidos continuam a impedir a visita de interessados e inviabilizam a sua comercialização, sendo certo que os Arguidos continuam a recusar-se receber a correspondência que lhes é enviada pela Recorrente – cf. contrato de mediação imobiliária junto sob o Doc. n.º 3 do requerimento de .../.../2024, fotografias juntas sob os Docs. n.º 100 a 102-A da Queixa e cartas devolvidas constantes dos Docs. n.º 1 a 3 do requerimento da Assistente de .../.../2024. T. Com efeito, a gravidade da conduta dos Arguidos não pode medir-se apenas pelo prejuízo financeiro causado à Recorrente, no valor de 106.000,00 (cento e seis mil euros), mas sobretudo pelos efeitos sociais e humanos intoleráveis que dela resultaram, designadamente a sua ruína económica, a privação de condições de habitação digna para si e para os seus filhos e o colapso da sua vida familiar e pessoal. U. Quando uma pessoa como a Recorrente — mãe de três filhos, com um rendimento mensal de €1.280,00 (mil duzentos e oitenta euros) — elevada, através de engano doloso, a contrair um empréstimo bancário de dezenas de milhares de euros, fica sem casa, sem dinheiro e com uma dívida de €75.399,24 (setenta e cinco mil trezentos e noventa e nove euros e vinte e quatro cêntimos), a sociedade não pode deixar de ver nisto um comportamento penalmente relevante e não um mero litígio contratual. V. A conduta dos Arguidos compromete profundamente a confiança da sociedade nas relações negociais, colocando em causa o mínimo ético exigível em contextos de contratação privada. W. Esta realidade reclama resposta do direito penal, pois só este pode afirmar com clareza que a obtenção de riqueza à custa do engano premeditado e da exploração da vulnerabilidade alheia é socialmente inadmissível e criminalmente punível. X. A factualidade dos autos demonstra uma conduta dolosa, reiterada, economicamente predatória e socialmente destrutiva, pelo que não é aceitável a sua desvalorização como mero incumprimento civil, sendo a pronúncia dos Arguidos absolutamente imperativa para a reposição da legalidade e para a efectiva tutela dos direitos da vítima. Y. O despacho recorrido desatendeu o dever legal de proferir despacho de pronúncia sempre que existam, como aqui, indícios suficientes da prática de um crime, nos termos do artigo 308.º, n.º 1 do CPP, mais a mais quando, em sede de instrução, nem sequer se exige prova plena da culpa, mas apenas um juízo de probabilidade fundada. Z. A manutenção da decisão recorrida colide com os princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente com o direito da vítima a uma tutela jurisdicional efetiva e com o dever do Estado de proteger os bens jurídicos penalmente tutelados, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por outra que pronuncie os Arguidos, em autoria material, pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, com vista à reposição da legalidade e à efectiva realização da justiça penal. Respondeu o MºPº, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos: A assistente AA discordou da decisão proferida pela Exmª Senhora Juiz de Instrução Criminal em .../.../2025 – refª ... -, que não pronunciou os arguidos ZZ, Lda., ..., BB e ... pela prática do crime de burla qualificada p. e p. pelo artigo 218º nº 2 a) do Código Penal; e, 2. Entende a recorrente que das diligências de prova realizadas em sede de inquérito e dos elementos posteriormente obtidos no âmbito da instrução resultam factos indiciadores da existência dos elementos típicos do crime de burla qualificada, nomeadamente (i) ardil enganoso; (ii) indução em erro; (iii) acto de disposição patrimonial; (iv) prejuízo relevante para a vítima; e (v) vantagem patrimonial ilegítima; pelo que, 3. A final, entendendo que a Exmª Senhora Juiz desatendeu o dever legal de proferir despacho de pronúncia sempre que existam, como aqui, indícios suficientes da prática de um crime, nos termos do artigo 308.º, n.º 1 do CPP, vem requerer que tal despacho seja revogado e seja substituído por outro que pronuncie os arguidos pelo referido crime de burla qualificada; ora, 4. Com efeito, no que a este crime de burla concerne, tornava-se necessário que se indiciassem factos dos quais se possa concluir que os arguidos, com intenção de obter um enriquecimento ilegítimo, tivessem agido com astúcia, sabendo que os meios engenhosos que utilizavam eram adequados a induzir a recorrente em erro ou engano e que estes foram a causa da prática de actos dos quais resultou um prejuízo patrimonial para a assistente; contudo, 5. Não tem razão, porque tais indícios inexistem nos autos; pois, 6. O que resulta das diligências efectuadas é um incumprimento negocial, situação essa que não é tutelada pela lei penal, devendo ser analisada em sede própria; assim, 7. Concluímos que o despacho sob recurso não merece qualquer censura, não tendo sido violada qualquer norma, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se inalterada a decisão recorrida; Os arguidos também responderam, pugnando pela manutenção do decidido. Neste Tribunal, o Ilustre Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Foi cumprido o disposto no artigo artº 417º nº 2 do CPP e os arguidos e assistente pronunciaram-se no sentido de manter as posições anteriormente assumidas. Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência. 2. Fundamentação Cumpre assim apreciar e decidir. A questão colocada à consideração deste Tribunal é, essencialmente, a seguinte: a. Saber se os factos indiciados integram a prática de crime de burla qualificada e se devem os arguidos ser pronunciados pela prática desse crime; O despacho recorrido decidiu no seguinte sentido: Nos presentes autos, importa, na sequência do requerimento de abertura da instrução verificar se existem ou não nos autos indícios suficientes da prática, pelos arguidos dos factos e incriminação que lhe são imputados pela assistente no requerimento de abertura de instrução. Neste requerimento, refere-se que os arguidos nunca tiveram o propósito de construir a moradia que se propuseram construir dado que nunca dispuseram dos meios nem da competência técnica para construir a moradia pretendida. Ora, este entendimento da assistente não encontra apoio na prova indiciária recolhida em inquérito. Vejamos. Compulsados os autos de inquérito, resulta que estes autos se iniciaram com a denúncia apresentada por AA de fls. 3 a 14, contra ZZ, Lda., ..., BB e ..., da qual consta, com relevo para os autos, que: - em data não concretamente apurada, mas localizada em meados de ..., a assistente (entretanto admitida a intervir nos autos como assistente), contratou os serviços da sociedade denunciada para continuar o projecto de construção da sua casa; - em ... de ... de 2021, a assistente remeteu a EE o projecto da casa com as peças desenhadas e a demais documentação no dia ... de ... de 2021 (conforme Doc. 1); - em ... de ... de 2021, foi apresentada pela sociedade denunciada a 1ª proposta orçamental (proposta 0908_2021) no valor de 30 000,00 + IVA, primeiro de forma verbal em reunião com a assistente e o seu filho FF, onde foram discutidos detalhes e depois passado a escrito e enviada por email (cfr. DOC´s 2 a 6); - essa proposta incluía construção de todos os muros da casa, limpeza de terrenos, Drenagem de água, Lage conforme o projecto, cave e escada interior da cave, e tudo o demais conforme descrito na proposta e que o denunciado disse que serviria de referência (cfr. Doc´s 7 a 9); - nesse mesmo dia, através de contacto telefónico de EE, ficou acordado o pagamento, por parte da assistente, de pagar 30% aquando a adjudicação, mais 30% para realização do aterro e muralhas, mais 30% antes de encher a Lage, e 10% aquando conclusão de trabalhos; - a assistente concordou com a proposta, e efectuou o pagamento correspondente através de transferência bancária, no valor de 11 070,00€ (cfr. Doc. 10); - no dia ... de ... de 2021 a sociedade, através de ..., esposa do denunciado EE, enviou um email à assistente pedindo o valor de 15.000,00€ (cfr. Doc. 11), alegadamente para fazer o pagamento do valor do "ferro", que se encontrava fora do orçamento apresentado e acordado; - a assistente fez como lhe foi pedido, e transferiu para a conta bancária da sociedade o valor dos 15 000,00€ (cfr. Doc.12) ficando a aguardar comprovativo da sociedade da aquisição do "ferro" que justificasse esse valor, o que nunca veio a ocorrer; - no dia ... de ... de 2021, ainda o 1.º orçamento estava a ser executado, a denunciada ... remeteu à assistente novo email da sociedade, com um 2.º orçamento (Orçamento 06092021) de 9 100,00€ + IVA (cfr. Docs. 13 a 16); - O valor pedido vinha justificado para o pagamento: a) Da Lage, (o que representava uma dupla cobrança, pois a Lage já estava incluída no 1.9 orçamento). b) Piscina: c) Escada interior em cofragem, (quando o orçamento anterior já incluía a cave e a escada interior); d) Ferro e betão, (quando tinha feito 2 dias da assistente ter pago 15 000,00€ em ferro e ainda não ter obtido qualquer comprovativo dessa compra pela sociedade). e) O Orçamento mencionava, que todo o material utilizado na execução da obra seria escolhido de acordo com rigorosos critérios de qualidade. - a assistente telefonou ao denunciado EE e confrontou-o com da dupla cobrança dos serviços no 2.9 Orçamento, e pelo facto que já estar a pedir o valor do 2.º orçamento sem estar executado ainda o primeiro, ficando de se reunirem para discutir o assunto; - no dia ... de ... de 2021, a denunciada ... remeteu à assistente novo email, em nome da sociedade, a solicitar mais 10 000,00€ de pagamento, justificando que se destina a reforço dos orçamentos (cfr. Doc.17); - a assistente achou estranho este pedido de reforço, ainda por cima mencionando os 2 orçamentos, sendo que o 2.º ainda estava por acordar, mas entendendo que tudo se iria esclarecer na reunião agendada, transferiu o valor solicitado (cfr. Doc.’s 18 e 19); - num dos dias seguintes, a assistente e o denunciado reuniram-se, tendo este descansado a assistente e garantindo que os envios dos orçamentos eram meras referências, pois é difícil elencar todos os trabalhos num orçamento, para confiar nele- ainda nessa reunião, o denunciado EE assegurou à assistente que lhe iria dar uma "benesse" e baixar um pouco o valor do 2.º orçamento, sendo que os 9 100,00€ a pagar pelos serviços, já incluiriam o valor do IVA; - a assistente acreditou e confiou no denunciado e concordou com o pagamento, convencida de que não sairia nunca prejudicada; - o denunciado comprometeu-se a enviar-lhe enviar um orçamento por escrito com o valor total acordado, o que veio a fazer em ... de ... de 2021, com a proposta orçamental n.º ...1...-2021, no valor total de 195.000,00€ acrescendo IVA Chave na mão, de encontro ao acordado (cfr. Docs. 20 a 26); - no dia ... de ... de 2021, a sociedade remeteu à assistente um email, no qual são explicados os valores pagos e a que título, faltando pagar apenas 830,00€ a respeito do 1.º orçamento (cfr. Doc. n.º 26); - nesse mesmo email, ao contrário do já acordado com o denunciado, não veio considerada a "benesse", ou seja, o valor da dupla cobrança da "Lage" e do "ferro" que já estava pago pela assistente no âmbito do 1.º orçamento não vinha descontado; - a assistente voltou a telefonar ao denunciado EE a respeito do valor constante no email, tendo o mesmo lhe assegurado que a sociedade iria rectificar o email e o que valia seria o acordado entre eles; - contudo, a sociedade nunca rectificou o 2.º orçamento, nem o email no sentido de excluir as serviços que já estavam incluídos e pagos no 1.9 Orçamento; - no dia ... de ... de 2022, o denunciado EE telefonou à assistente, solicitando-lhe o pagamento do valor total do 2.º Orçamento acordado de 9 100,00€, com IVA incluído, e indicou-lhe uma conta bancária por onde tinha preferência que realizasse este pagamento, enviando-lhe de seguida o número da conta por mensagem WhatsApp (cfr. Doc. n.º 26 "B"); - só posteriormente, a assistente veio a apurar que esta conta é titulada por BB, um dos filhos de EE, que nada tem a ver com a sociedade; - a assistente transferiu assim para essa conta o valor total do 2.9 orçamento no valor de 9 100,00€ e o valor de 830,00€ em falta para liquidar a totalidade do 1.9 orçamento, ficando o denunciado de lhe enviar todas as facturas e recibos dos pagamentos, conforme solicitado por telefone e por escrito (cfr. Doc. 26 parte final e Docs. 27 e 28); - no dia ... de ... de 2021, após ter efectuado a transferência, a assistente enviou os comprovativos por email para o denunciado através do email da sociedade, para que ficassem consignados por escrito os pagamentos, e solicitando as respectivas facturas e recibos, que por várias vezes haviam sido pedidas verbalmente (cfr. Doc. 26 "A" parte final); - no dia ... de ... de 2021, recebe a assistente um email da sociedade, assinado por ..., onde lhe é enviada uma factura do valor pago apenas pelo 1.º Orçamento, (tendo a assistente lhe enviado por email o comprovativo também do pagamento do valor total do 2.º orçamento). - só mais tarde a assistente reparou que no descritivo da factura não vinham elencados todos os serviços já pagos correspondentes aquele valor e contantes do 1.º orçamento (cfr. Docs. 29 e 30); - após, o denunciado voltou a solicitar à assistente o pagamento respeitante ao 3.º orçamento ...1...-2021, para a construção da moradia - Chave na mão, pelo valor de 200 000,00€ com IVA incluído, tudo de acordo com o projecto de construção em vigor; - no dia ..., a assistente enviou email ao denunciado, informando-o de que já tinha efectuado o pagamento de 20 000,00€ (10% do valor total com IVA incluído), reforçando por escrito o acordado e enviando o respectivo comprovativo de pagamento (cfr. Docs. n.º 31 e 32); - após este último pagamento, no mês de ..., a assistente passou por várias vezes na obra e não viu ninguém, nem a trabalhar, nem a descarregar material; - a assistente tentou comunicar com o denunciado através de telefone, mensagens, mas sem sucesso, estranhando tal atitude do denunciado; - devido aos atrasos na obra e à falta de resposta do denunciado, a assistente teve de requerer à ... uma prorrogação da Licença de Construção, pagando os respectivos custos inerentes (cfr. Docs. 34 a 50); - a assistente também pagou € 400, a título de trabalho técnico para a preparação do pedido de Prorrogação (cfr. Doc. 41); - entretanto e havendo a necessidade se ser instruído o pedido de libertação da 2ª tranche do empréstimo, perante o banco, a assistente celebrou um contrato de Empreitada em ... de ... de 2022, com a ZZ, Lda., representada pelo seu Administrador Gerente ... (cfr. Docs. 51 a 57); - em ... de ... de 2022, a assistente recebeu o deferimento do pedido de prorrogação de Licença de Construção por parte da ..., tendo a assistente pago de taxa o valor de 200,60€ (cfr. Docs. 45 e 50); - os atrasos na obra mantinham-se e o denunciado não respondia aos contactos e solicitações da assistente; - em ... de ... de 2022, a sociedade denunciada enviou à assistente uma proposta de orçamento para a adjudicação do "Aço Leve" através da sociedade ... no valor de 79 415,14€ mais IVA, fazendo crer à assistente que seria esta a sociedade sub contratada e por este valor, o que causou pressão na denunciada na urgência de tratar dos assuntos junto do banco para a libertação da 2.º tranche do empréstimo. - no dia ... de ... de 2022, foi realizada uma reunião presencial entre a assistente, e o empreiteiro com a presença do filho da assistente, onde ficou reforçado o já falado, que o denunciado teria de proceder com urgência à realização dos trabalhos em atraso adjudicados e já pagos (cfr. Docs. 62 a 64): - no 1.º Orçamento, incluindo Cave Completa e muros no valor de 36.900,00 já pagos; - 2.º Orçamento, incluindo a execução de piscina completa, tendo já sido escolhidos em reunião a cor dos mosaicos/pastilhas para forro da piscina; - adiantamento de 20 000,00€ (10% do valor da obra referente aos pisos 0 e 1) por forma a dar seguimento aos trabalhos na obra, e para o denunciado encomendar material para a estrutura em "Aço Leve"; - mais uma vez o denunciado assegurou à assistente que tudo estaria pronto rapidamente, que esta teria era de conseguir e garantir a libertação da 2.º tranche pelo Banco, que tudo se fazia e que precisava de continuar a confiar nele; - na sequência dos preparativos para o pedido de libertação pelo Banco, do valor da segunda tranche para as obras, em ... de ... de 2022, a sociedade denunciada enviou um mail com o contrato de Empreitada actualizado unilateralmente (cfr. Docs. 65 a 72); - esta actualização contrariava o valor que resultou do celebrado no contrato de empreitada, como também do que havia sido reforçado em reunião realizada 2 dias antes com o denunciado; - a única actualização registada no envio era a subida do valor da Adjudicação de 200 000,00€ com IVA, para 250 000,00 com IVA, ou seja, um aumento de 50 000,00€, que assistente não constatou na altura; - a assistente remeteu o orçamento ao Banco, para instruir o pedido de libertação da segunda tranche do empréstimo (cfr. Doc. 73); - que a assistente só se apercebeu que lhe tinha sido enviado pela sociedade, um orçamento de valor significativamente superior ao acordado, quando o Banco a informou de que existia uma discrepância entre o valor do contrato em vigor/assinado (200 000,00€ com IVA) e o orçamento apresentado (200 000,00€ mais IVA) – cfr. Doc. 74; - no dia ... de ... de 2022, a sociedade denunciada enviou à assistente novo email com um orçamento contendo uma actualização unilateral, e contrária ao acordado, pois o valor apresentado desta vez, já não era de 200 000,00€ com IVA incluído, nem 250 000,00 com IVA, mas sim 307 761,94 com IVA (cfr. Docs. 75 e 76); - que a assistente penou tratar-se de um lapso e por isso solicitou a sua rectificação ao denunciado EE e a realização de uma reunião urgente, já que para a realização da escritura ainda nessa semana, o valor do orçamento teria de ser igual ao contrato que ambos assinaram (cfr. Doc. 77); - no dia ...-...-2022 de manhã, a assistente voltou a comunicar ao denunciado que a obra continua sem ninguém (Doc. 74); - no dia ...-...-2022 de tarde, a assistente inquieta e ansiosa com receio de atrasar ainda mais a aprovação da tranche por parte do Banco e cumprimento dos prazos permitidos excecionalmente pela prorrogação da licença, enviou nova SMS ao denunciado, pedindo-lhe a rectificação do orçamento em conformidade, caso contrário seria impossível a realização da escritura (cfr. Doc. 74 parte final); - em resposta em ... de ... de 2022, a sociedade enviou novo email à assistente, reconhecendo realmente houve um lapso por parte da sociedade mas que esse lapso estava no Contrato de Empreitada assinado, que o valor de 200 00,00 não incluía IVA, apesar de o contrato dizer que incluía, enviando novamente o contrato para aceitação com o valor de 250 000,00€ (cfr. Doc. n.º 78); - porém, o valor de € 250 000,00 não consta do contrato e foi diversas vezes falado e acordado o valor da obra com o denunciado EE, que sabia das condições de vida da assistente e da sua incapacidade de pagar mais € 50.000; - o denunciado deixou de atender as chamadas telefónicas realizadas pela assistente e recusava-se a reunir com a assistente (cfr. Docs. 79 a 82); - o prazo para o envio da documentação para o banco e realização da escritura, encontrava-se a expirar; - no dia ... de ... de 2022, a sociedade denunciada remeteu à assistente por email o orçamento alterado para o valor de 200 410,00€ e, não sendo o valor acordado, a assistente dada a pressão dos prazos, teve de o aceitar (cfr. Doc. n.ºs 83 e 84); - no mesmo dia, a assistente enviou o documento para o Banco, solicitando a escritura no prazo mais rápido possível, com receio de expirar a licença e não ter a obra feita (cfr. Docs. 85 e 86); - no dia ... de ... de 2022, a assistente informou os denunciados de que já tinha sido libertado pelo Banco o valor de 40 000,00€, equivalente aos 20% do valor total do contrato assinado (cfr. Doc. 87); - com esse pagamento estaria concluído o pagamento de 30% do valor total da Obra Chave na Mão, 10% pagos no dia ... de ... de 2021 e 20% a pagar após aceitação por email: - a assistente solicitou aos denunciados uma resposta rápida, de modo a proceder à transferência do dinheiro para a conta bancária constante do contrato, de modo a cumprir os prazos legais estabelecidos contratualmente; - de imediato foi respondido pela sociedade através de email assinado por ... a aceitação da tranche referente ao contrato (cfr. Doc. 88) - a assistente realizou a referida transferência e enviou o respectivo comprovativo aos denunciados (cfr. Docs.89 a 91); - no dia ... o Arquitecto GG enviou comunicação ao denunciado EE, alertando que a sociedade à qual foi adjudicado o "Aço" necessitava da obra limpa e desimpedida, com todas as condições, mencionando o acordado em reunião realizada em ... de ... de 2022 com o denunciado, e juntando a acta da reunião, e dando conhecimento à assistente conforme (cfr. Docs. 92 e 93); - não tendo havido qualquer resposta por parte do denunciados e encontrando-se por realizar os trabalhos de montagem e estrutura, o Eng. DD enviou comunicação ao denunciado, solicitando o comprovativo da encomenda de material por parte do denunciado ao seu subempreiteiro; - ainda nessa comunicação assinalou os diversos trabalhos que não se encontravam executados em obra e que já o deveriam estar, de acordo com o combinado na reunião de ... de ... de 2022, nomeadamente: - o Eng. DD informou ainda o denunciado nessa mesma comunicação que a Dona da Obra (a ora assistente) procedeu ao pagamento de 106 000,00€, e que os trabalhos executados até ao momento não se coadunavam com o montante acumulado já pago; - no dia ... de ... de 2022, a sociedade denunciada enviou mail à assistente, procurando rebater o email do Engenheiro DD (cfr. Doc. 94 e 95); - por fim, concluiu, que respeita à transferência dos 40 000,00€ pela assistente, que já havia sido adjudicado o "aço leve", mas não fez prova disso, ignorando o solicitado pela assistente; - no dia ... de ... de 2022, a assistente enviou mail aos denunciados, com vista a esclarecer todos os pontos, ainda na fé que a sociedade cumprisse com tudo o que estava em falta (cfr. Doc.96 e 97); - o denunciado EE sempre afirmou à assistente que os orçamentos são referências, por ser impossível colocar exaustivamente todos os serviços; - os denunciados aproveitaram-se da falta de conhecimento da assistente quanto aos trabalhos contratados, ao não incluir no orçamento escrito tudo aquilo que foi acordado verbalmente, agindo assim de má fé; - em ..., a assistente solicitou, mas sem sucesso, relatório dos trabalhos realizado, estado da obra, calendarização dos trabalhos (cfr. Doc. 98); - face à ausência de resposta por parte dos denunciados, a assistente solicitou, em ... de ... de 2022, informação ao Sr. Arquitecto GG, a respeito do avanço da obra (cfr. Doc. 99); - nessa mesma, a assistente enviou a todos os intervenientes (Arquitecto GG, ao Eng. DD e ao denunciado EE) um vídeo e fotos, espelhando o estado da obra nesse dia conforme (cfr. Doc. 100 e Doc. n.º 101 - vídeo da obra e Doc. n.º 102-A); - em ... de ... de 2022, a sociedade denunciada remeteu à assistente um email, a solicitar o pagamento da alteração do "LSF"; - em resposta, a assistente respondeu que estava a aguarda factura da sociedade do LSF em seu nome, preferindo realizar o pagamento directamente a essa sociedade (cfr. Doc.102); - veio a assistente a descobrir a existência de constrangimentos no pagamento por parte do denunciado à sociedade sub contratada de fornecimento da "Aço", pois o denunciado apenas tinha pago o valor de 2500,00€, sendo a factura total no valor de 7 246,00€, e vindo a sociedade a solicitar a liquidação da restante fatura com urgência (cfr. Docs. 103 a 105); - mais apurou assistente que o denunciado enviou um orçamento à assistente da sociedade "..." para contratação do "Aço" (cfr. Doc. n.º 61) com o valor de 79 415,14€, fazendo-a crer que contratou esse orçamento e que enviou ao Arquitecto Lino para o mesmo efeito, um orçamento da ..." com outro valor de 57 815,11€, fazendo-o crer que contatou esse orçamento, quando na realidade contratou uma 3.º sociedade "..." pela um valor significativamente mais baixo, de 36 230,00€ (cfr. Dos n.ºs 106 a 112); - desta forma, o denunciado pediu à assistente quase o dobro do valor para a adjudicação do Aço, do que aquele que realmente o denunciado efectivamente contratou apoderando-se assim, de um valor de que não tinha legitimidade de se apoderar através da apresentação de um orçamento falso no sentido de que não era o realmente contratado, e para com isso aguardar a libertação de mais tranches bancárias para se apoderar de valores indevidos e ir inviabilizando o avanço da obra; - em ... de ... de 2022 a assistente solicitou, por diversas vezes, ao denunciado EE o envio do cronograma das atividades realizadas até à presente data na obra, bem como as que iria realizar até ao final do contrato que terminaria em ... de ... de 2022, solicitando um agendamento de reunião para breve (cfr. Docs. 114 e 115); - no dia ... de ... de 2022, a assistente enviou aos denunciados uma carta registada e com Aviso de recepção, fixando um prazo para a regularização dos trabalhos em falta ou pelo menos retomar a obra, para além de outras solicitações para cumprimento de deveres em falta (cfr. Docs.116 a 121); - não existiu qualquer resposta por parte do denunciado; - no dia ... de ... de 2022, a assistente enviou aos denunciados nova carta, resolvendo o Contrato de Empreitada, com a apresentação dos seus fundamentos e motivos (Docs. 122 a 124). - a assistente ficou assim numa situação grave e economicamente difícil, pois teve de contratar novo empreiteiro com os custos respetivos inerentes e também uma Nova Prorrogação da Licença de Construção; - a assistente tem todas as suas capacidades financeiras e de recurso ao crédito esgotadas e que se encontra com um crédito e mas sem casa; - considera que foi enganada pelos denunciados, que se aproveitaram da sua seriedade e ingenuidade; - na sequência do referido, foi elaborado orçamento no valor 26 187,50€ mais IV, que a assistente terá de pagar pelos erros graves de construção deixados pelos denunciados (cfr. Docs. 127 a 130); - foi também solicitado um relatório escrito à Sra. II, do qual consta que o trabalho executado em obra ronda o valor de 70 000,00€ e 75 000,00€ mais IVA, sendo que € 20.000 já eram trabalhos anteriormente realizados (cfr. Docs. 131 e 132); - do valor pago pela assistente, os denunciados só aplicaram 50 000,00€ na obra, pelo que a assistente se encontra prejudicada em pelo menos 56 000,00€ (sem contabilização do IVA). A denunciante AA e ora assistente foi inquirida, tendo confirmado o teor da queixa que apresentou. Nesta fase de instrução, a assistente prestou declarações, no âmbito das quais reiterou os factos constantes da queixa e do requerimento de abertura de instrução apresentados, tendo referido, além do mais que se encontra a pagar o empréstimo de uma casa que não tem pois a obra encontra-se parada e ela e os filhos tiveram que ir viver para a casa da sua mãe, sente-se enganada pois pagou € 106.000 quando na verdade o valor dos trabalhos realizados é de 50.000 a 60.000 euros. Constam dos autos de inquérito os depoimentos das testemunhas, FF (cfr. fls. 144/144 verso), CC (cfr. fls. 223 a 224), GG (cfr. fls. 272), DD (cfr. fls. 304/304 verso) e HH (cfr. fls. 310/310 verso) que corroboraram, no essencial, a versão da assistente apresentada nos autos. Também nesta fase de instrução foi inquirida a testemunha DD que enquanto engenheiro civil e responsável pela direção de fiscalização de obras na empresa onde trabalha, deslocou-se várias vezes à obra em questão entre ... a ........2022, tendo tido uma reunião com o arquiteto da obra e o arguido EE e nas deslocações à obra pode constatar que faltava a placa de sinalização da obra, a vedação, acabar os muros, a placa de obra, além de existir muito entulho e lixo no local; passou pela obra diversas vezes mas nunca viu indícios de a obra ter sido retomada, nunca viu recibos de pagamentos, apenas sabe o que a assistente lhe verbalizou acerca das quantias que havia pago, confirma que enviou o email junto a fls. 61 dos autos dirigido ao arguido EE. Por sua vez, os arguidos ..., BB e ... e JJ prestaram declarações nos autos. Assim, aquando do seu interrogatório, o arguido ..., declarou que (cfr. fls. 149 a 152): - efetivamente existiu negócio entre a sociedade e a assistente, referente a uma obra a efetuar na ...; - os trabalhos acordados entre ambas as partes constam no primeiro orçamento, com o nº 0908_2021, no valor de 30.000€ (trinta mil Euros) acrescido do IVA; - este orçamento (e as ordens de trabalho dele constantes) foi cumprido na íntegra por ambas as partes, i.e. a assistente efetuou o pagamento na totalidade e os trabalhos aí descriminados foram todos efectuados; - posteriormente, foi efetuado o segundo orçamento nº 0609 ..., no valor de 9.100€ (nove mil e cem Euros) acrescido de IVA, perfazendo o total de 11.193€ (onze mil cento e noventa e três Euros) tendo a assistente solicitado não pagar o valor do IVA 2.093€ (dois mil e noventa e três Euros) pelo que o pagamento deste orçamento foi liquidado com oferta do valor do IVA; - o pagamento foi feito pela assistente através de transferência para a conta particular do filho do arguido BB (cfr. fls. 29); - os trabalhos deste orçamento foram faturados juntamente com o primeiro orçamento e constante a fls. 30 embora o valor do IVA tenha sido oferecido; - foi ainda acordado um terceiro orçamento, com o nº 0610_2021, para a construção “moradia-chave na mão”, no valor de 195.000€ (cento e noventa e cinco mil Euros) acrescido de IVA; - este orçamento ficou sem efeito; - mais tarde a assistente foi ao encontro do arguido, explicando-lhe que só conseguia a aprovação bancária de 200.000€ (Duzentos mil Euros) para a empreitada de construção de moradia Chave na mão, pelo que necessitava de um contrato de empreitada nesse valor; - face ao exposto e para facilitar a situação, não foi elaborado orçamento, mas sim o referido contrato de empreitada; - quando a assistente se deslocou ao escritório do arguido para ir buscar o referido contrato, foi-lhe explicado que o mesmo somente servia para o banco; nessa altura, a sua esposa ... estava presente; - posteriormente foi enviado o orçamento com o valor real no dia ... de ... de 2022 (cfr. fls. verso de 52 e 53), no valor de 250.000€ (duzentos e cinquenta mil Euros) acrescido de IVA, perfazendo o total de 307.761,94€ (trezentos e sete mil, setecentos e sessenta e um Euros e noventa e quatro cêntimos); - para melhor esclarecimento junta-se á diligência o orçamento referido contudo completo visto nos autos somente estar a primeira página (cfr. fls. 153 a 186); - numa reunião entre o arguido, a assistente e o filho desta FF, a mesma disse que não tinha dinheiro para cumprir o orçamento sendo que o arguido se disponibilizou a efetuar a empreitada pelo valor de 250.000€ (duzentos e cinquenta mil Euros) já com IVA incluído; - contudo era o mesmo a escolher os materiais e que lhe apresentava as amostras dos mesmos, tendo mesma acordado com o valor e condições, nomeadamente o pagamento de 50% na adjudicação, 40% do valor a meio da obra e 10% no final dos trabalhos, conforme documentos ora juntos; - no dia ... de ... de 2021, a assistente efetuou a transferência bancária para a consta do filho do arguido BB do valor de 20.000€ (vinte mil Euros) conforme fls. 31; - no dia ... de ... de 2022, a assistente efetuou a transferência bancária do valor de 40.000€ (quarenta mil Euros) para a conta do arguido, perfazendo o total de 60.000€ (sessenta mil Euros), ou seja nunca foi efetuado o pagamento estipulado aquando da adjudicação de 50% do valor da empreitada, tal como esclarecido no email enviado pela sua esposa ... e constante nos autos a fls. 62 e verso; - quanto ao valor do ferro referido no paragrafo 85º da denúncia, o valor do primeiro orçamento dado pela sociedade ... no valor de 79.415,14€ (setenta e nove mil quatrocentos e quinze Euros e catorze cêntimos) inclui o ferro, madeiras térmicas (...) e cobertura (telhado) sendo este o orçamento que a assistente entregou no banco porque era o único que havia na altura, estando ciente que ainda não havia adjudicação; - contudo, a assistente necessitava que o banco libertasse dinheiro para a empreitada geral; - o orçamento que efetivamente foi adjudicado foi à sociedade ... no valor de 36.230€ (trinta e seis mil e duzentos e trinta Euros) acrescido de IVA sendo somente pelo ferro, tendo que o arguido de adquirir os restantes materiais noutros comerciantes; - entre o pagamento de 40.000€ e a chegada do ferro já adjudicado pela sociedade do mesmo à ..., a assistente e uma arquiteta amiga da mesma de nome HH alteraram o projeto junto da ... sem autorização do Arquitecto responsável pela empreitada GG, nem pelo arguido; - no paragrafo 93° da denúncia a assistente alega ter remetido uma carta ao arguido; - contudo tal carta nunca foi recebida, o que é fácil de confirmar através do número de registo RL039841196PT que foi devolvida em mão à assistente no dia ... de ... de 2022 as 10h34; - o artigo 94º da denúncia refere que na carta remetida se rescinde o contrato por não haver ninguém na obra; - tal falta de pessoal foi devido à falta do pagamento do valor em dívida referente aos 50% do contrato, ou seja faltavam ainda 65.000€ (sessenta e cinco mil Euros), perfazendo deste modo os 50% nomeadamente de 125.000; - após o arguido ter colocado na empreitada os andaimes à volta do imóvel cerca de 800 m2, a assistente foi ao local tendo ordenado aos funcionários que saíssem da propriedade deixando os bens da ssociedade no seu interior; - na mesma altura, havia outra sociedade a entrar na obra sem conhecimento de ninguém nem do Engenheiro Ricardo nem do responsável pela obra Arquitecto GG; - a outra sociedade esteve a trabalhar em obra com o alvará e seguro da sociedade do arguido; - agendado com a assistente o levantamento do material da sua sociedade que a mesma não deixou trazer no dia ... de ... de 2022, nomeadamente 800 m2 de andaimes no valor de 8.000€ (oito mil Euros), betoneira no valor de 1.000€ (mil Euros), 200 (duzentos) Blocos de cimento avaliados em 150,00€, 2 (dois) carros de mão no valor de 100,00€, Picaretas, pás, torna, etc. no valor de 100,00€, perfazendo o valor de 9.350,00€ (nove mil trezentos e cinquenta Euros); - tal entrega não se concretizou devido à assistente não ter autorizado o levantamento dos bens acima referidos; - nesse mesmo dia o arguido recebeu uma carta registada com a rescisão o contrato; - a advogada do arguido enviou email à assistente, a solicitar uma data para a devolução dos bens do arguido; - contudo a resposta da mesma foi para falar com a sua advogada; - perante tal facto, foi remetido email para a advogada da assistente que informou que não podia e ia estar indisponível até dia ... de ... de 2022, sendo que posteriormente entraria em contacto; - o arguido passou várias vezes pela obra tendo visualizado outros trabalhadores a utilizarem os seus bens pelo que se sente lesado nesse facto nomeadamente a sua sociedade aluga os andaimes a 10,00€ (dez Euros) o m2 sendo que os mesmos se encontram na obra retidos há oito meses. O arguido BB foi interrogado (fls. 200), tendo declarado que não teve qualquer intervenção nos facos denunciados e não tem qualquer vínculo à sociedade arguida, é filho de ... e ... e que apenas recebeu duas transferências no valor € 9.100 e € 20.000 para facilitar à assistente o pagamento sem IVA. Já a arguida ... declarou que: - desempenha as funções de Técnica administrativa da sociedade denominada por ZZ, Lda..; - efetivamente existiu negócio entre a sociedade e a assistente referente a uma obra a efetuar na ...; - os trabalhos acordados entre ambas as partes constam no primeiro orçamento redigido por si, com o nº 0908_2021, no valor de 30.000€ (trinta mil Euros) acrescido do IVA; - este orçamento e ordens de trabalho aí constantes foram cumpridos na íntegra de por ambas as partes, ou seja a assistente efetuou o pagamento na totalidade e os trabalhos al constantes foram todos efetuados; - posteriormente foi efetuado o segundo orçamento também este redigido por si, orçamento nº 0609_2021, no valor de 9.100€ (nove mil e cem Euros) acrescido de IVA, perfazendo o total de 11.193€ (onze mil cento e noventa e três Euros) tendo a assistente solicitado não pagar o valor do IVA 2.093€ (dois mil e noventa e três Euros) pelo que o pagamento deste orçamento foi liquidado com oferta do valor do IVA, tendo a assistente transferido para a conta particular do filho do arguido BB conforme fls. 29; - os trabalhos deste orçamento foram faturados juntamente com o primeiro orçamento e constante a fls. 30 embora o valor do IVA tenha sido oferecido; - posteriormente já com os trabalhos pagos e efectuados, a assistente entrou em contacto telefónico com a arguida a informar que estava muito indignada pois julgava que estava a pagar por uma piscina completa; - contudo, a assistente somente pagou conforme consta no orçamento a fis. 21 verso, que incluía a abertura do buraco, e construção da estrutura em cofragem, ferro e betão; - para a piscina ser completa faltava o isolamento, reboco, ladrilho, injectores, ralo de fundo, skimmers, bombas de água, aspirador e casa de máquinas sendo este trabalho avaliado em cerca de 30.000,00€ (trinta mil Euros); - foi ainda acordado um terceiro orçamento também redigido por si, com nº ...1... 2021, para a construção “moradia-chave na mão”, no valor de 195.000€ (cento e noventa e cinco mil Euros) acrescido de IVA; - contudo ficou sem efeito; - mais tarde a assistente foi ao encontro do arguido ... estando a arguida também presente, explicando que só conseguia a aprovação bancária de 200.000€ (Duzentos mil Euros) para a empreitada de construção de moradia Chave na mão, pelo que necessitava de um contrato de empreitada nesse valor; - face ao exposto e para facilitar a situação, não foi elaborado orçamento, mas sim o referido contrato de empreitada; - quando a assistente se deslocou ao escritório da sociedade para ir buscar o referido contrato, foi-lhe explicado que o mesmo somente servia para o banco bem como reiterando conforme constante nos orçamentos anteriores as condições de pagamento, nomeadamente 50% na adjudicação, 40% a meio da obra e 10% no final dos trabalhos; - posteriormente foi enviado o orçamento elaborado pelo arquitecto GG com o valor real no dia ... de ... de 2022 (cfr. fls. 52 e 53), no valor de 250.000€ (duzentos e cinquenta mil Euros) acrescido de IVA, perfazendo o valor de 307.761,94€ (trezentos e sete mil, setecentos e sessenta e um Euros e noventa e quatro cêntimos); -numa reunião entre o arguido ..., a assistente e o filho desta FF, a mesma disse que não tinha dinheiro para cumprir o orçamento e, por isso, o arguido ... disponibilizou-se a efetuar a empreitada pelo valor de 250.000€ (duzentos e cinquenta mil Euros) já com IVA incluído; - contudo era seria o arguido ... a escolher os materiais e que lhe apresentava as amostras dos mesmos, tendo a assistente acordado com o valor e condições, nomeadamente o pagamento de 50% na adjudicação, 40% do valor a meio da obra e 10% no final dos trabalhos; - no dia ... de ... de 2021, a assistente efetuou a transferência bancária para a conta do filho da arguida BB do valor de 20.000€ (vinte mil Euros) – cfr. fls. 31; - posteriormente, no dia ... de ... de 2022, a assistente efetuou a transferência bancária do valor de 40.000€ (quarenta mil Euros) para a conta do arguido ..., perfazendo o total de 60.000€ (sessenta mil Euros), ou seja nunca foi efetuado o pagamento estipulado aquando da adjudicação de 50% do valor da empreitada, tal como esclarecido no email enviado pela arguida e constante nos autos a fls. 62 e verso; - a assistente tanto pessoalmente como por telefone falou com a arguida a solicitar que iniciasse a fase seguinte da obra, contudo foi a mesma informada que teria de efectuar o restante pagamento dos 50% da adjudicação e que a obra só poderia avançar com a aprovação bancária; - não obstante, a assistente exigia que a sociedade adiantasse o dinheiro para a compra do ferro, o que não aconteceu; - contudo foram solicitados mais orçamentos para compra do aço leve, um dos quais foi adjudicado à sociedade ..., tendo somente fornecido o aço leve ficando os restantes materiais ao encargo da sociedade arguida; - informou a arguida de que faltva ainda 65.000€ (sessenta e cinco mil Euros), para completar os 50% da adjudicação da moradia chave na mão, nomeadamente de 125.000€; - porém, a assistente somente pagou 60.000,00€; - a arguida e o seu filho KK – que se encontra no estrangeiro há vários anos – outorgaram uma procuração a favor do seu pai, o ora arguido ..., datada de ...-...18 conforme cópia junta a fls. 187 a 193 - (cfr. fls. 207 a 210). No requerimento de abertura de instrução apresentado, referiu, além do mais, a assistente que os arguidos nunca tiveram o propósito de construir a moradia que se propuseram construir uma vez que nunca dispuseram dos meios nem da competência técnica para construir o edifício em questão. Sucede, todavia, que os faltos alegados pela assistente são meras suspeitas ou presunções da mesma que não se mostram comprovadas por meio probatório bastante, uma vez que a arguida AA e os arguidos ..., ... e BB apresentaram versões contraditórias dos factos alegados pela assistentes, designadamente dos termos e valores acordados para a execução da obra. No entanto, nada disso resultou indiciariamente provado e assim a versão da assistente não foi confirmada por elemento probatório suficiente, também não tendo resultado que os arguidos tenham atuado de forma dolosa, sendo que o dolo dos arguidos teria necessariamente que assentar em indícios fácticos concretos, o que não acontece. Acresce que os depoimentos das testemunhas, além de vagos e pouco circunstanciados, também não permitiram apurar o modo como os factos terão ocorrido, designadamente a partir do momento em que terão começado os atrasos no cumprimento da obra. Por outro lado, os arguidos apresentaram prova documental abundante dos factos que alegaram, inexistindo elementos de prova bastantes que permitam corroborar cabalmente, uma versão em detrimento da outra. Do direito Cumpre agora indagar se a factualidade indiciada é suscetível de integrar o crime de burla qualificada pelo qual a assistente pretende que os arguidos sejam pronunciados. Vejamos. Nos presentes autos, a assistente imputa aos arguidos a prática de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 217.º, n.º 1 e 218.º, nº 2, al. a) do Código Penal. No caso nos autos, estará em causa a prática do crime de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2 al. a) do Código Penal. É assim que é tipificado, na citada noma legal, o tipo base do crime de burla: “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido (…)”. O crime de burla é um crime contra o património (em geral), cujo preenchimento legal exige a cooperação de outrem, aquele que pratica “actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial”. Neste tipo de crime, o agente induz astuciosamente a vítima em erro sobre factos e tem de haver um dolo específico, que é a intenção de enriquecimento, que será naturalmente ilegítimo. E, se é certo que o crime burla protege o património do queixoso globalmente considerado numa perspectiva jurídico criminal, também é certo que também acautela os valores da lealdade, transparecia e boa fé das transacções e a capacidade de cada pessoa se determinar de forma livre e correcta nas suas disposições de caracter patrimonial. Pelo que, só ocorre o crime de burla quando se verifica um incumprimento contratual preconcebido, criado de forma astuciosa levando o queixoso ao engano que causou o prejuízo patrimonial. Isto é, logo aquando da celebração do negócio o agente tem já a intenção de não cumprir, servindo-se dele, apenas, para levar o queixoso à disposição patrimonial. O que implica, por parte do agente, o uso de um “especial requinte fraudulento”, ou uma “mentira qualificada”, só assim se garantindo a plena observância do princípio da legalidade, uma vez que «astúcia» significa «manha» ou «ardil» (neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24-04-2012, processo n.º 1174/06.2TAFIG.L1-5, disponível em www.dgsi.pt). Não sendo fácil traçar a linha divisória entre a burla e o simples ilícito civil, a jurisprudência e a generalidade da doutrina indica alguns índices que devem ocorrer para que se verifique o crime de burla (neste sentido o referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa supra citado): - quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico- quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto; - quando se verifica um violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena; - quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir; - quando há uma impossibilidade de se reparar o dano; - quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio. No caso vertente, da prova indiciária carreada para os autos não se vislumbra que a sociedade arguida e os seus legais representantes tenham agido com a intenção, ab initio, de obter simplesmente proveito económico, determinando a assistente, a proceder às entregas de dinheiro. Isto até porque os arguidos executaram diversos trabalhos na obra dos da arguida AA, conforme consta das fotografias juntas aos autos. Sucede também que os arguidos procuraram explicar as alegadas divergências quanto aos valores dos orçamentos e aos pagamentos acordados e feitos pela arguida AA e de igual forma, também os arguidos imputam à assistente atrasos nos pagamentos de acordo com que havia sido previamente contratualizado, tendo explicado em que contexto certos orçamentos foram feitos (designadamente no que respeita ao orçamento “chave na mão”). No caso vertente os factos alegadamente praticados pelos arguidos não se encontram previstos na lei como crime, ou seja, a conduta dos mesmos não preenche todos os elementos essencialmente constitutivos de qualquer tipo legal qualificado como crime, designadamente o crime de burla qualificada, devendo o diferendo ser dirimido na sede civil. E assim concordamos inteiramente com o entendimento exarado pela Digna Magistrada do Ministério Público no despacho de arquivamento quando refere que “Todos estas responsabilizações mutuamente imputadas não permitem demonstrar o enriquecimento ilegítimo ou a intenção de enriquecimento ilegítimo dos arguidos. E por outro lado, também não ficou suficientemente indiciado algum erro ou engano que tenha sido astuciosamente provocado pelos arguidos na arguida AA. Pelo que, se considera que os factos participados se subsumem a questões do foro cível, eventualmente de responsabilidade contratual. Assim, o eventual incumprimento contratual ou cumprimento defeituoso dos arguidos, a obrigação de restituição de qualquer quantia, mesmo por parte de AA, bem como eventuais danos ou prejuízos sofridos por todos os arguidos terão de ser apreciados em sede própria, que não o processo crime.” Volvendo ao caso dos autos, urge concluir que os factos apurados na fase de inquérito não integram a prática de um crime de burla ou de outro ilícito criminal, dado que as questões invocadas pela assistente são questões de natureza civil, a resolver em sede própria, que é a cível e não a criminal. Assim sendo e em face da prova constante dos autos, considero suficientemente indiciada a matéria de facto constante dos seguintes artigos do requerimento de abertura de instrução: art. 148.º a 155.º, 162.º a 169.º, 171, 173.º, 180.º, 181.º, 185.º a 191.º, 195.º, 196.º, 199.º, 200.º, 202.º, 203.º, 205.º, 206.º, 208.º, 209.º, 214.º, 225.º, 228.º a 233.º, 235.º a 239.º, 243.º, 247.º, 250.º a 255.º, 257.º e 258.º. Por falta de prova suficiente para o efeito, considero como não indiciados os factos constantes dos seguintes artigos do requerimento de abertura de instrução: art. 156.º a 161.º, 175.º a 179.º, 183.º, 184.º, 192.º a 194.º, 198.º, 201.º, 204.º, 207.º, 210.º a 213.º, 215.º a 222º, 226.º, 227.º , 234.º, 241.º a 242.º, 244.º a 246.º, 248.º, 249.º, 256.º, 259.º a 276.º. Quanto aos factos constantes dos demais artigos do requerimento de abertura de instrução não nos pronunciamos por conterem matéria conclusiva ou se referirem a matéria de direito. É sabido que um arguido só deverá ser pronunciado e submetido a julgamento se for previsível, que será aí condenado. Ora, um juízo de prognose - que sempre se tem que fazer na fase instrutória -, leva-nos a concluir que, com a prova agora existente, que, como já dissemos, será, com toda a probabilidade, idêntica àquela que será apresentada em sede de julgamento, os arguidos não serão condenados, pois a versão dos assistentes quanto ao engano astuciosamente provocado pelos arguidos não é corroborado por qualquer outro elemento de prova de modo a obter a condenação destes últimos. Deste modo e em conclusão, não existem indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena aos arguidos em audiência de discussão e julgamento pela prática de um crime de burla qualificada, impondo-se a prolação de despacho de não pronúncia. * IV- Decisão Nesta conformidade não pronuncio os arguidos ZZ, Lda., ..., BB e ... pela prática de um crime de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, nº 2, al. a), ambos do Código Penal e, consequentemente, ordeno o oportuno arquivamento dos autos. Custas pela assistente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCS. Notifique *** No caso dos autos, a Mma Juiz a quo, uma vez feita a descrição da prova produzida em inquérito, e de a analisar de forma concatenada e crítica, concluiu que essa mesma prova documental e testemunhal não logrou convencer o tribunal dos seguintes factos, que considerou não estarem indiciados: 156. Em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre o início de ... e .../.../2021, a sociedade Arguida e os Arguidos ..., ... e BB, gizaram um plano tendente a enriquecerem ilegitimamente à custa do património da Assistente. 157. Tal plano consistia em criarem a falsa convicção na Assistente de que a Sociedade Arguida iria proceder à construção de uma moradia no terreno da sua propriedade, sito na ..., concelho de Cascais, propriedade da Assistente; 158. E de, fazendo-se valer dessa convicção, determinarem a Assistente, a proceder à transferência para as suas esferas patrimoniais, do maior montante pecuniário possível, quando nunca foi intenção dos Arguidos edificarem qualquer moradia no terreno da Assistente. 159. Para esse efeito, os Arguidos prevaleceram-se dos seguintes expedientes: - A redacção de orçamentos generalistas de forma a poderem invocar que determinados serviços não estavam incluídos nos orçamentos apresentados e liquidados pela Assistente (por exemplo, apondo no orçamento as verbas “muros da moradia”, “piscina”, ou “cave”, para após alegarem que o orçamento não incluía todos os muros, os acabamentos da piscina ou a escada de acesso à cave); - A colocação no terreno de materiais e a construção de elementos, de forma a fazerem crer à Assistente, que nele iriam construir a moradia, que na realidade nunca quiseram construir, nem dispunham de meios técnicos ou humanos para o efeito; - O acordo de detalhes importantes da obra sempre de forma verbal; - A insistência para a aceitação das alterações unilaterais dos orçamentos no sentido da subida de valores, sempre em fases de stress e de cumprimento de prazos (por exemplo, aquando do termo da validadeda licença de construção ou do prazo para envio de documentos para o Banco para instruir pedido de empréstimo); - A apresentação à Assistente de pelo menos um orçamento de aquisição de material a um subempreiteiro, por um determinado valor, como se o mesmo tivesse sido adjudicado, quando na realidade a Sociedade Arguida tinha adjudicado a compra desse material a outro empreiteiro por um valor consideravelmente inferior (de forma a aos Arguidos poderem arrecadar a diferença entre os montantes pagos pela Assistente e o valor efectivamente despendido pela Sociedade Arguida com a aquisição do material); - A dupla cobrança de materiais e serviços; - O pedido de pagamento de valores não orçamentados; - A indicação de uma conta bancária estranha à Sociedade Arguida (titulada pelo BB) para efeitos de transferência bancária de quantias alegadamente devidas à Sociedade Arguida; - A não emissão de facturas e recibos relativamente a valores recebidos; - O não cumprimento das condições de pagamento e solicitação de montantes superiores aos contratados; - A descrição em reuniões presenciais de construções de sonho (tais como, piscina e Deck), sem que nunca os Arguidos tivessem a intenção de as edificar; - Ignorar pedidos de reunião quando os assuntos diziam respeito à execução da obra, mas as mesmas não se traduziam em oportunidade de solicitar a transferência de mais quantias à Assistente; - Não comunicação à Assistente de um cronograma de obra, um relatório do estado da obra etc. Na execução desse plano: 160. Em data não concretamente apurada, mas seguramente situada entre o início de ... e .../.../2021, o ..., reuniu-se com a Assistente. 161. Nessa reunião, o ..., apresentou a Sociedade Arguida como sendo uma empresa especializada na reabilitação de edifícios com 7 anos de experiência e que integrava, nos seus quadros, técnicos experientes cuja principal função era garantir a qualidade dos trabalhos que se propunha efectuar. 275. Ao agirem da forma descrita, os ..., ..., ... e BB, levaram a Assistente a fazer-lhes o pagamento da quantia de €106.000,00 (cento e seis mil euros) o que beneficiou financeiramente os Arguidos e prejudicou financeiramente a Assistente, que em virtude da conduta dos Arguidos teve um prejuízo no mencionado valor. 276. Em tudo, os Arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, conheciam toda a factualidade exposta, tendo actuado da forma como quiseram agir, bem sabendo que as suas condutas eram, e são, proibidas e puníveis por lei E fundamentou, explicitando aqueles que entende terem sido os motivos pelos quais não foi suficiente a prova para considerar tais factos indiciados, designadamente por não ter atribuído maior valor às declarações da assistente em detrimento das dos arguidos e de as testemunhas terem prestado declarações vagas e imprecisas, além da assistente não ter logrado também juntar prova documental dos factos por si alegados. De acordo com o disposto no art. 286º/l do Cód. Proc. Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da dedução de acusação ou do arquivamento do inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento. Tem-se em vista, nesta fase processual, a formulação de um juízo seguro sobre a suficiência dos indícios recolhidos relativos à verificação dos pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (artº 308º/1 do Cód. de Processo Penal), ou seja, de se ter verificado um crime imputável ao arguido. Assim, concluindo‑se pela suficiência dos indícios recolhidos haverá que proferir despacho de pronúncia, caso contrário, o despacho será de não pronúncia. Na base da não pronúncia do arguido, para além da insuficiência de indícios necessariamente consubstanciada na inexistência de factos, na sua não punibilidade, na ausência de responsabilidade do arguido ou na insuficiência da prova para a pronúncia, poderão estar ainda motivos de ordem processual, ou seja, a inadmissibilidade legal do procedimento ou vício de acto processual. Já no que toca ao despacho de pronúncia, a sustentação deverá buscar-se, como vimos, na suficiência de indícios, tidos estes como as causas ou consequências, morais ou materiais, recordações e sinais de um crime e/ou do seu agente que sejam captadas durante a investigação. Ao exigir-se a possibilidade razoável de condenação e não uma possibilidade remota, visa-se, por um lado, não sujeitar o arguido a vexames e incómodos inúteis e, por outro lado, não sobrecarregar a máquina judiciária com tramitações inúteis” cfr. Tolda Pinto, “A Tramitação Processual Penal”, 2ª. ed., pág. 701. Daí que no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no art. 30.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional art. 20.º da D.U.D.H. e art. 27.º da C.R. P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, Tomo IV, pág. 261]. Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva em Direito P.Penal. pág. 179]. Tendo em conta que, também a prova indiciária deve ser sujeita a uma análise racional e objectiva, de acordo com as regras da experiência, da lógica, da razão e dos conhecimentos científicos e técnicos necessários ao caso. Acresce que, nos termos do artigo 307º do CPP, encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução. Pretendia a assistente que os arguidos ..., ..., BB e LL, fossem pronunciados pela prática de um crime de burla qualificada, p.p. nos artigos 217ºe 218.º, nº 2, al. a), ambos do Código Penal. Dispõe o artigo 217º do CP que: Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. E o artigo 218º que quem praticar o facto previsto no n.º1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias. E ainda o n.º 2 alínea a) que A pena é a de prisão de 2 a 8 anos se: o prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado. São, assim, elementos deste crime os seguintes: a) Uso de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocado - Como ensina Marques Borges, em Crimes contra o património em geral, p. 22, tanto o erro como o engano são falsas representações da realidade que levam o burlado a representar mentalmente os factos que lhe são apresentados, por forma diversa dos que eles têm na realidade. O burlado nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiro porque tem um falso convencimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento, nasce, no caso de mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão; no caso de erro exige-se, ainda, que o burlão tenha agido por forma a provocar o erro em que o burlado acaba por cair. b) prática de actos que lhe causem ou causem a outra pessoa um prejuízo patrimonial; c) Intenção de enriquecimento ilegítimo - isto é, intenção de obter para si ou para si ou para terceiro um aumento patrimonial de bens ou uma diminuição do passivo patrimonial à custa do património do burlado. A burla, tendo por bem jurídico protegido o património, é um crime de dano, que apenas se consuma com a ocorrência de um efectivo prejuízo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro. È também um crime de resultado parcial ou cortado na medida em que embora se exija que o agente actue com a intenção de obter para si ou para outrem um enriquecimento ilegítimo a consumação do crime não depende da concretização de tal objectivo, bastando que se verifique o empobrecimento da vítima. A burla é um delito de execução vinculada, no qual a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência de uma muito particular forma de comportamento, traduzindo-se na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa em erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. Para que se esteja em face de um crime de burla não basta o emprego do meio enganoso. Torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais. Como melhor se verá adiante, a este processo, globalmente considerado, se reconduz o domínio do erro como critério de imputação inerente à figura da burla e que esgota o sentido da referência à astúcia. « (…) Tratando-se de um crime material ou de resultado a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática pelo burlado de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e depois entre estes últimos e efectiva verificação de prejuízo patrimonial. (…)» Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, artigo 217º pág.293 a 308. O tipo legal exige que o erro que se forma no sujeito passivo tem de ser provocado astuciosamente. Para Beleza dos Santos a astúcia consistiria, no recurso a uma mentira qualificada - requisito que se justificaria pela circunstância da conduta envolver não só uma ofensividade acrescida em relação ao bem jurídico, mas também a expressão de uma particular perigosidade do agente (Beleza dos Santos , RLJ, nº76º, 276, 278, 295, 322 e 323). Entende-se que a tónica não deve ser colocada na restrição aos critérios gerais de imputação objectiva consubstanciada numa repartição da responsabilidade pelo erro entre os sujeitos activos e passivos da infracção, mas sim na efectiva manipulação de outrem «caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista.(…). A experiência da vida revela que longe de envolver processos rebuscados ou engenhosos a sagacidade comporta uma economia de esforço, limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. A posição adoptada ganha clareza, quando perspectivada do ângulo da qualificação da burla como crime com participação da vítima. Na verdade, uma vez que é o próprio sujeito passivo que pratica os actos de diminuição patrimonial, a burla integra, em último termo, uma hipótese de auto-lesão estruturalmente análoga às situações de autoria mediata em que o domínio do facto do homem de trás deriva do estado de erro do executor. A burla pode ocorrer através de palavras ou declarações expressas, através de actos concludentes ou por omissão. No caso da burla através de declarações expressas, inclui-se a apresentação de documento falso ou de documento que não sendo falso não fundamenta determinada pretensão. No caso dos autos, é bastante claro, até pela descrição dos factos que é feita no RAI, que não existiu erro ou astúcia na celebração do contrato e no desenrolar do mesmo. Do que se trata é de um contrato de empreitada que não decorreu conforme a assistente esperou, tendo havido comportamentos por parte dos arguidos, que no seu modo de ver, configuram um incumprimento contratual, razão pela qual, pôs termo ao mesmo, resolvendo-o. Mas, inequivocamente, perante a descrição factual do modo como a obra decorreu, o contrato existiu e a obra foi, parcialmente, executada, embora, eventualmente, de modo que deixou a assistente insatisfeita, gerando-se um cumprimento defeituoso ou incumprimento definitivo, que melhor se configura e encontra solução no âmbito do direito civil, que não é um direito menor, mas sim diferente, sendo as soluções diversas e, provavelmente, mais eficazes, tratando-se de um contrato de empreitada. Contudo, os factos que respeitavam ao plano gizado pelos arguidos, e nos quais se configurava a astúcia e o erro provocado, resultaram não indiciados. Aliás, tão pouco está indiciada a intenção de enriquecimento ilegítimo - isto é, intenção de obter para si ou para si ou para terceiro um aumento patrimonial de bens ou uma diminuição do passivo patrimonial à custa do património do burlado, que, crê-se que não estava sequer descrita no RAI. O mesmo se diga do elemento subjectivo do tipo de crime que também não resultou indiciado. Não estando, pois, suficientemente indiciados os elementos objectivos e subjectivos do crime de burla qualificada, p.p. nos artigos 217º e 218º, n.º2 alínea a) do CP, bem andou o tribunal a quo ao não pronunciar os arguidos. Deste modo, não assiste, razão à recorrente, devendo ser confirmada na íntegra a decisão da Mma Juiz a quo. 3. Decisão: Assim, e pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, negar provimento ao recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida. Custas pelo assistente que se fixam em 4 UCS. Notifique. Lisboa, 22 de outubro de 2025 Cristina Isabel Henriques João Bártolo Rui Miguel Teixeira  |