Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
| Descritores: |  EXECUTADO EMBARGANTE EMBARGOS DE TERCEIRO CONVOLAÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ MANDATÁRIO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: |  - Figurando a embargante como executada no requerimento executivo e no título que o acompanha (uma sentença), a mesma é parte na execução; - A executada carece de legitimidade para deduzir embargos de terceiro; - Não é de convolar os embargos de terceiro para embargos de executado, quando foram apresentados após o decurso do prazo peremptório para a sua dedução; quando os fundamentos invocados para a oposição são legalmente inadmissíveis; e, quando a própria embargada se recusa expressa e frontalmente a assumir a qualidade de executada; - Não há lugar à condenação do Mandatário em multa por litigar de má fé, visto que a lei apenas prevê a condenação da parte – art.º 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. A responsabilidade daquele é regulada pelo artigo 545.º, do Código de Processo Civil: “Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa”.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório. 1.1. O A. Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum contra a R. AA. No final, foi proferida sentença que decidiu: i) Reconhecer o A. como proprietário da fração autónoma identificada pela letra “M”, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sita na Rua 1, descrita na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Amadora sob o n.º 659, da freguesia da Buraca e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo n.º 1050, da freguesia Alfragide; ii) Condenar a R. a desocupar a referida fração e a restitui-la ao A., livre de pessoas e bens; iii) Condenar a R. no pagamento ao A., a título de indemnização pela privação de uso, da quantia de € 192,29 (cento e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos) por cada mês de ocupação da fração, desde março de 2019 até à entrega efetiva da mesma, cujo montante, à data da propositura da ação, ascende a um total de €8.845,34 (oito mil oitocentos e quarenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos); iv) Sobre as quantias indicadas em iii) incidem juros de mora vencidos e vincendos, calculados desde a citação da R. (em 09-01-2023), à taxa legal de 4%, e até efetiva e integral entrega da fração indicada em i). * 1.2. Frustrando-se o cumprimento voluntário da decisão, foi instaurada execução contra a R. AA em que o peticiona a entrega da fração autónoma e a cobrança coerciva da quantia de € 21.031,91 e juros de mora. * 1.3. No dia 7/10/2024, a AA deduziu embargos de executada. Que vieram a ser liminarmente indeferidos no dia 14/11/2024, tendo sido remetida à embargante, no dia 15/11/2024, notificação com cópia da decisão de indeferimento. * 1.4. Insatisfeita, no dia 17/4/2025, novamente patrocinada pelo seu Ilustre Mandatário, a executada AA veio deduzir embargos de terceiro… Foi, então, proferida a decisão apelada que indeferiu liminarmente a petição inicial de embargos de terceiro. Nomeadamente porque a embargante não se subsume à qualificação de terceiro, uma vez que é executada nos autos principais. Consequentemente, a embargante carece de legitimidade activa para deduzir os presentes embargos de terceiro, o que consubstancia uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso (cfr. al. e) do artigo 577.º, artigo 578.º, n.º 1 do artigo 590.º e artigo 345.º do Código de Processo Civil), que determina o indeferimento liminar da petição inicial. * 1.5. Irresignada, a embargante apelou e apresentou as seguintes conclusões: 1ª Em primeiro lugar, verifica-se que os embargos foram deduzidos tempestivamente e por quem tem legitimidade, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida, pelo que a mesma afigura-se ilegal e deve ser revogada. 2ª Os Embargos visam salvaguardar a posse, nada têm a ver com o direito de propriedade. No presente processo, a Embargante, desde 2017, que sempre teve a posse da casa de morada de família, o presente processo nada tem a ver com os processos judiciais anteriores. 3ª Assim é manifesto que não só tem legitimidade como terceiro pois que não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução como a instauração é tempestiva pois que entre a data do conhecimento do propósito da retirada da posse e a instauração dos embargos medeiam menos de 15 dias! Quando a lei confere, pelo menos, um prazo de 15 dias. 4ª Dispõe o artigo 860º, nº1 do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729º a 731º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no nº3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.». 5ª Supletivamente, sempre se dirá que a embargante e ora recorrente é terceira em relação ao julgado em execução, porquanto não figurou como Ré em sede declarativa cuja decisão aqui se executa, sendo-lhe lícito, pois, em tese, usar do meio processual aludido no artigo 342º do CPCivil, ou seja, o Tribunal recorrido se considerava que nunca deveria ter chamado a Recorrente ao processo sempre deveria ter admitido os embargos como embargos de terceiro visto que sempre esteve excluída a dedução de Oposição. 6ª No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que os embargos assemelham-se em tudo ao pedido reconvencional, emergem do fato jurídico que serve de fundamento à defesa. 7ª A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo. 8ª Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. 9ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 10ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1ª instância a fundamente. 11ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pelo embargante, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto. 12º Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 13ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica. 14ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt). 15ª No que respeita ao resumo das declarações prestadas pela embargante e pelas testemunhas, tal como foi dado como assente, nada há que sindicar, sendo certo que o ponto nº7 que não teria havido conhecimento dos proprietários da fracção, a verdade é que, quem adquiriu a fração, não contactou a embargante, tal como quem a vendeu também não comunicou o direito de preferência, afigurando-se até inusitado o processo principal na medida em que: 16ª No dia 29 de Outubro de 2024 (com base no despacho com a ref. 151947022 no dia 03/07/2024) foi tentada a entrega do imóvel em causa. Esta autorização nunca foi renovada, consequentemente a ordem de entrega coerciva do dia 29 de abril de 2025 não tinha respaldo em qualquer autorização judicial! 17ª No dia 17 de Abril de 2025, foram apresentados, de forma legitima e tempestiva, os competentes embargos de terceiro, com efeito suspensivo, quer automático, quer por ter sido requerido com dispensa de prestação de caução. 18ª O processo em epigrafe ainda não transitou em julgado, pois que a decisão liminar (decisão recorrida) apenas foi notificada no dia 23 de Abril de 2025. Assim, as diligências efetuadas padecem de nulidade pois que foram presididas por quem não tinha poderes para tal, sendo certo que, nas várias diligências já levadas a cabo sempre tal questão foi colocada, ou seja, a embargante prescindiu do conhecimento dessa nulidade e muito menos se pronunciou sobre a mesma, no sentido de tal nulidade não ser conhecida. 19ª Com a entrega em juízo dos embargos de terceiro deveria ter sido ordenada a suspensão do despejo da habitação correspondente à casa de morada de família da embargante e ora requerente. Nessa medida, deveria ter sido revogada a autorização judicial da comparência do OPC que assim ficou sem qualquer efeito. 20ª Nos termos do disposto no artº 647º nº3 al. b) do CPC b): “Tem efeito suspensivo da decisão a apelação” “b) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.º e nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação;” 21ª Com a entrega em juízo dos embargos de terceiro deveria ter sido ordenada a suspensão do despejo da habitação correspondente às casas de morada de família da embargante e ora requerente. 22ª Nessa medida, deveria ter sido revogada a autorização judicial da comparência do OPC que assim ficou sem qualquer efeito. 23ª Nos termos do disposto no artº 647º nº3 al. b) do CPC b): “Tem efeito suspensivo da decisão a apelação” “b) Da decisão que ponha termo ao processo nas ações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 629.ºe nas que respeitem à posse ou à propriedade de casa de habitação;” Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo e subindo nos próprios autos, e julgado procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido e ordenando-se o recebimento e envio para julgamento dos embargos, como embargos de terceiro, se fará Justiça!” Concluiu no sentido do provimento do recurso e na revogação da decisão proferida. * 1.6. O exequente respondeu nos seguintes termos: A) Não deve ser concedido qualquer efeito suspensivo ao presente recurso, aliás como assim já foi decidido pelo MM Juiz a quo. B) O presente recurso não passa de uma manobra dilatória e falaciosa para protelar a efetivação da “tomada de posse” e, consequentemente, retardar a restituição do imóvel ao Recorrido. C) Nem os fundamentos, factuais e legais, alegados pelo Recorrente constituem fundamento para admissão do presente recurso, são todos desconexos uns com os outros e sem qualquer adesão à realidade. D) Sobre os factos pouco ou nada diz e muito menos prova o que alega. E) Sempre se dirá que o recurso deverá ser indeferido liminarmente. F) O n.º 1 do artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa refere que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.” G) O direito à habitação conforme consagrado na Constituição é, deste modo, um direito programático e que carece de leis regulamentação e as mesmas existem por força do decreto lei 81/2014 de 19 dezembro e do Regulamento de Atribuição de habitações do IHRU aviso n.º 22600-B/2012 do mesmo não resulta obrigação de regularizar situações ilícitas. H) No entanto, emerge, ainda, da Constituição da República Portuguesa os princípios gerais da “universalidade” e da “igualdade”. I) Estatui o n.º 1 do artigo 12.º da CRP, sob a epígrafe “princípio da universalidade” que “todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição”, e J) do artigo 13.º do citado diploma, sob a epígrafe “princípio da igualdade” que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” K) O princípio da igualdade é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e requer que se dê tratamento igual ao que for igual e que se dê tratamento diferentemente ao que for diferente, proibindo deste modo distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. L) Isto para dizer, que um ocupante ilegal não pode ter preferência sobre quem está regularmente inscrito e aguarda por ter uma habitação social, nem o Recorrido tem funções de natureza assistencialista como p.e. a Segurança Social. Terminou sustentando que não deverá ser concedido provimento ao recurso de apelação interposto de embargos de terceiro por falta de legitimidade e muito menos ser atribuído efeito suspensivo e, em consequência, deverá manter-se a o despacho recorrido, que concluí pelo indeferimento da P.I. e mantendo o já decidido. Deverá ainda o Advogado do Recorrente ser condenada em multa por litigância de má-fé nos termos da alínea d) do art.º 542.º do C.P.C., “Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”, multa essa nunca inferior a 5 UCs. * 1.7. Recebida a apelação e considerando que: a) Na resposta foi suscitada a questão da litigância de má-fé por parte do advogado da requerente; b) O mesmo estará plenamente conhecedor de quem figura como titular no título executivo e da circunstância da apelante já ter anteriormente requerido os embargos na qualidade de executada; c) Presume-se o mesmo conhece os princípios básicos da lei de processo e a presente apelação poderá ser vista como uma utilização abusiva do recurso que visa entorpecer a ação da justiça e protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; Foi ordenada a notificação da apelante e do seu Ilustre Mandatário para, querendo, se pronunciar sobre a questão da litigância de má fé – cfr. art.º 3.º, do Código de Processo Civil. Não foi apresentada resposta a tal notificação. * 1.8. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte: - Se a executada pode deduzir embargos de terceiro; - Se é viável a convolação dos embargos de terceiro para embargos de executado; - Se há fundamento para verificar o incidente de litigância de má fé e, na afirmativa, quem deverá ser responsabilizado por tal, ou seja o mandatário ou a mandante. * 2. Fundamentação. 2.1. Os factos a considerar são os indicados no antecedente relatório e que se evidenciam dos próprios autos e seus apensos. * 2.2. A decisão recorrida decidiu indeferir os presentes embargos de terceira, nomeadamente porque a embargante é executada nos autos principais, pelo que carece de legitimidade activa para deduzir os presentes embargos de terceiro, o que consubstancia uma excepção dilatória. A embargante não foi capaz de contrariar validamente tal fundamento, limitando-se a argumentar que “os embargos foram deduzidos tempestivamente e por quem tem legitimidade, não sendo essa a informação constante da decisão recorrida, pelo que a mesma afigura-se ilegal e deve ser revogada”. Com o requerimento executivo foi junta cópia da sentença proferida no dia 29/1/2024, nos autos n.º 32/23.0T8AMD, do Juízo Local Cível da Amadora, que identifica claramente as partes, nomeadamente a R. AA. Nesse mesmo formulário de requerimento executivo, foi indicado que a executada era a aqui embargante AA. Por conseguinte, a falsidade da argumentação da apelante, aliada ao seu comportamento processual, apenas evidencia uma intolerável instrumentalização do processo, deliberadamente contra a lei, e o propósito de negar a garantia constitucional a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, bem como a garantia de a fazer executar – cfr. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e art.º 2.º, n.º, 1, do Código de Processo Civil. Um dos requisitos para a oposição mediante embargos de terceiro é que o titular da posse ou do direito relevante não seja parte na causa – art.º 342.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Ora, a embargante é parte na causa principal (execução baseada em sentença), pelo que não tem legitimidade, nem pode ser admitida a embargar de terceiro – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1/3/2007, como resulta do seu sumário: I – Com a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código de Processo Civil introduzidas pelo DL 329-A/95, de 12-12, os embargos de terceiro deixaram de ser tratados como processo especial, passando a ser considerados como incidente de instância, na modalidade de intervenção de terceiros e, de entre este, de oposição. Assim, a legitimidade activa para a sua dedução passou a ser determinada nos termos do art.º 351, n.º2, do CPC, ficando restrita a quem não é parte no processo. II – O executado carece de legitimidade activa para intervir em embargos de terceiro a fim de defender a posse (quer em nome e agindo no interesse dos proprietários, quer invocando a qualidade de possuidor precário) relativamente a acto de penhora, atenta a sua qualidade de parte no processo executivo. Para tal efeito a lei criou um novo meio de tutela da posição do executado – a oposição à penhora regulada no art.º 863º-A, do CPC – texto disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 5651/06-2. Estar a discorrer sobre esta questão seria o mesmo que estar a alimentar de forma inútil e fútil o estratagema flagrantemente ilegal da apelante. No entanto, cumpre ainda questionar se a apelante tem legitimidade para embargar de executada e se não poderá ser convolado o requerimento de embargos de terceiros para embargos de executada (sendo certo que não se coloca, no presente caso, o problema da oposição à penhora). Na realidade, o processo civil está estruturado em face do pedido (art.º 3.º, do Código de Processo Civil) e a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação – art.º 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Se a parte pretende exercer um determinado direito (vg. oposição à execução), mas o meio processual que elege para o efeito não se adequa à sua pretensão, estaremos perante o vício do erro na forma de processo. Ora, o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados – art.º 193.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Não obstante, entende-se que tal opção é manifestamente inviável no caso dos autos, por três principais razões, a saber: 1) O decurso do prazo para a dedução de embargos de executado. Há muito que decorreu o prazo para a dedução de embargos de executado, o que determina a preclusão do direito de praticar o acto – cfr. art.ºs 139.º, n.º 3, e 728.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. O que se evidencia pela circunstância dos novos embargos terem sido deduzidos no dia 17/4/2025, quando a executada AA estava conhecedora da existência da execução e até já nela interveio espontaneamente por meio da dedução de anteriores embargos de executada no dia 7/10/2024. A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – cfr. art.º 219.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Em princípio, tal intervenção pressupõe a aceitação dos termos do processo, em que a parte por iniciativa própria vai intervir num processo de que necessariamente tem conhecimento e onde lhe interessa intervir – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2004, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 04A2585. O decurso do prazo para o interessado exercer o seu direito inviabiliza igualmente a convolação oficiosa pelo juiz – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28/6/2018, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 4190/12.1TBGMR-D.G1; 2) Inadmissibilidade dos fundamentos invocados para a oposição. O artigo 729.º, do Código de Processo Civil, indica os fundamentos admissíveis para a oposição à execução baseada em sentença. Sucede que fundamentos que a embargante invoca (incompetência absoluta do tribunal; nulidades da sentença; indisponibilidade de habitação própria; direito a benfeitorias; etc.) já poderiam ter sido anteriormente invocados na acção declarativa e conhecidos na sentença que a decidiu ou em eventual recurso da mesma. Não se reconduzem a nenhum dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença e, em grande parte, são apenas considerações genéricas e completamente alheias à situação dos autos; e, 3) A expressa oposição da embargante. O erro na forma de processo assenta no pressuposto de que o meio processual utilizado pela parte não será o adequado. Nesse caso e se se for possível aproveitar algum acto, a correcção oficiosa pelo juiz do meio processual será um benefício concedido à parte. E o que sucede se a parte, mais do que rejeitar o erro, rejeita a sua correcção? No caso dos autos, a apelante categoricamente rejeita o pressuposto de ser parte na acção executiva e mantém que é um terceiro. Justifica-se que, ainda assim, o juiz mande seguir os termos dos embargos de executado, se a embargante categoricamente rejeita esse pressuposto ou requisito? É que aqui o erro já não está limitado à qualificação do meio processual utilizado pela parte. A própria parte rejeita o requisito subjectivo para a dedução dos embargos de executado: ser parte na acção executiva. Perante esta circunstância especial, afigura-se que, se a parte perentoriamente recusa a verificação de um requisito essencial para os embargos de executado (i. é, ser parte na execução), não se justifica que o tribunal corrija a qualificação do meio processual utilizado pela parte. O problema vai além da mera qualificação do meio processual utilizado pela parte e incide já sobre os requisitos para a dedução de embargos: a embargante rejeita frontalmente (e contra toda a evidência dos autos) a circunstância de assumir a parte passiva da execução! Estar a convolar o incidente, em termos de prosseguir como uma oposição à execução por embargos de executado, consubstanciaria da parte do tribunal um injustificado e incompreensível favorecimento à parte: a executada de forma abusiva apresenta-se como fosse um terceiro a deduzir embargos e até brinca com os conceitos jurídicos mais básicos (vg. invoando que “não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução”), olvidando que é o seu nome que consta do requerimento executivo e do respectivo título (a sentença que a condenou). A convolação pelo tribunal seria, assim, um “prémio” perante um evidente abuso de direito processual. É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – art.º 334.º, do Código de Processo Civil. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem utilizado o abuso do direito como uma exceção perentória no processo civil declarativo, como foi profusamente evidenciado e ilustrado no acórdão de 12/1/2021, disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 2689/19.8T8 GMR-B.G1.S1. A dedução de oposição à execução baseada em sentença é um mecanismo legal que visa acautelar, prevenir ou evitar danos na esfera do executado, mormente os que decorrem de graves vícios do processo de declaração ou da formação do título executivo e que aquele não teve anterior oportunidade de suscitar. Não é um meio apto a ser instrumentalizado apenas em função da mera conveniência ou oportunidade para o executado, para mais quando lhe foi anteriormente decidido que não é titular de algum direito. A boa fé, os bons costumes e o fim social e económico desse direito de acção por meio dedução de oposição à execução baseada em sentença não consentem que o tribunal sancione e valide o comportamento da executada, nomeadamente determinando que se sigam outros termos processuais, que já se sabem ser de todo inviáveis. Como resulta do disposto no artigo 732.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º; c) Forem manifestamente improcedentes. A verificação da previsão desta norma impede qualquer convolação dos embargos, pelo que é de manter a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a petição inicial de embargos de terceiro. * 2.3. Como vimos, a apelada formulou um pedido incidental de condenação do Advogado da recorrente em multa por litigância de má-fé nos termos da alínea d) do art.º 542.º do C.P.C:, “Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”, multa essa nunca inferior a 5 UC’s. Compulsados os autos, o Exmo. Mandatário da apelante, Sr. Dr. BB, subscreveu os embargos de executado que foram apresentados no dia 7/10/2024. Estava, assim, plenamente ciente que a mandante AA figurava como executada nos autos principais e que era aí que tinha que concentrar toda a defesa que pretendia opor à execução. No dia 15/11/2024 foi-lhe remetida notificação com cópia da decisão que indeferir liminarmente a oposição à execução, mediante embargos de executado, indeferir a requerida suspensão da execução sem prestação de caução, e indeferir liminarmente o requerido diferimento da desocupação do imóvel. Não obstante estar plenamente conhecedor destas circunstâncias e necessariamente se presumir conhecedor dos princípios e regras básicas do processo civil, o Exmo. Mandatário da apelante – a pretexto da notificação efetuada no dia 8 de Abril de 2025 – subscreveu novo requerimento em nome da mandante, para agora deduzir embargos de terceiro que, como já acima se referiu, consubstanciam uma intolerável instrumentalização do processo, agindo deliberadamente contra a lei, e no propósito de negar a garantia constitucional a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo, bem como a garantia de a fazer executar – cfr. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e art.º 2.º, n.º, 1, do Código de Processo Civil. Não se trata apenas da dedução de pedidos sem fundamento. A dedução dos embargos de terceiro por parte da executada claramente visa subverter o meio processual, de forma reprovável, para conseguir ilegalmente retardar e entorpecer a acção da justiça (nos moldes que foram afirmados na acção declarativa e na decisão que rejeitou liminarmente os embargos de executado) e protelar o direito legal do exequente de executar a decisão (que é um dos efeitos típicos decorrentes do respectivo trânsito em julgado). A questão também não se restringe à negligência grave, mas antes releva do dolo. Na verdade, o Exmo. Mandatário da apelante necessariamente estava conhecedor que a executada, nas evidenciadas circunstâncias, não podia utilizar a dedução de embargos de terceiro como um expediente para lograr que fosse “ordenado ao Embargado IHRU que se abstenha de impossibilitar ou dificultar a permanência da embargante na casa de morada de família” ou para “dar sem efeito a ordem de despejo”. O dolo ainda foi mais acerbado ou reiterado nas alegações de recurso, nomeadamente quando aí se afirma, com inconsideração e falsidade material e intelectual, que a embargante “não faz parte da relação jurídica que deu origem à presente execução” – vd. 3.ª Conclusão. A conduta processual do Exmo. Mandatário da apelante evidencia grave violação dos deveres do advogado para com a comunidade, nomeadamente quanto à proibição estatutária de advogar contra o direito e de não usar de meios ou expedientes ilegais – cfr. art.º 90.º, n.º 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados. De igual forma, essa conduta revela uma persistente violação do dever de diligência e lealdade que é imposto ao Advogado - cfr. art.º 108.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados. Para mais, o Exmo. Mandatário da apelante revelou ser plenamente conhecedor das regras e princípios legais e não se coibiu que citar repetidamente o Professor Menezes Cordeiro, precisamente no seu livro “Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa “In Agendo”. No entanto, a conduta do Exmo. Mandatário revelou uma subversão dos ensinamentos daquele. Desconsiderou por completo o espírito da obra, a qual consubstancia igualmente uma inequívoca denúncia dos vários comportamentos que entorpecem a administração da Justiça. Na verdade, o Professor Menezes Cordeiro tece aí críticas contundentes aos profissionais do foro e aos Tribunais: Há que prever sanções para as condutas processualmente nocivas. Não é fácil: a ideia do tudo-permitido está ancorada no espírito de muitos. Ela toma corpo no exacerbar do direito de acção, que tudo legitima. Estamos, neste ponto, de regresso ao dominium: um direito com foros de soberania, usque ad coelos e usque ad inferos. Mal parece insistir: não há direitos sem limites. Apenas por ignorância se pode vir pretender o contrário, designadamente quando o direito de acção esteja em jogo (in Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, 2014, pág. 39). Como se vê do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e das alterações introduzidas ao anterior art.º 456.º, do Código de Processo Civil, certamente introduzidas perante o constante agastamento da imagem da Justiça perante manobras processuais ardilosas e fraudulentas, o conceito da má fé processual alargou-se, passando a abranger um maior leque de actuações merecedoras de censura. É que perante as cada vez mais frequentes deturpações da verdade (que se continuam a multiplicar-se – temos que o reconhecer – é porque algumas (demasiadas) surtem efeito), o tribunal não pode ficar indiferente, tratando os factos como se fosse apenas um jogo entre as partes. Como se retira do mencionado preâmbulo da lei, como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagrou-se expressamente o dever de boa fé processual. A postura da embargante, através do seu Ilustre Mandatário, não honrou esse princípio e, objectivamente, embaraçou a acção da justiça. O advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõem. A honestidade, probidade, retidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais. Consagrando o artigo 88.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados - e bem – as obrigações dos Advogados, os Tribunais e a sociedade não podem ficar indiferentes à sua actuação. Assim, afigura-se que a má fé instrumental se evidencia sobretudo através da forma como actuou, por meio dos requerimentos de dedução de embargos e de recurso. Porém, a norma processual que estatui a imposição da multa apenas prevê a actuação da parte: “a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir” – art.º 542.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Não se prevê aí o sancionamento do mandatário, sendo que a sua responsabilidade é regulada pelo artigo 545.º, do Código de Processo Civil: “Quando se reconheça que o mandatário da parte teve responsabilidade pessoal e direta nos atos pelos quais se revelou a má-fé na causa, dar-se-á conhecimento do facto à respetiva associação pública profissional, para que esta possa aplicar sanções e condenar o mandatário na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa”. É verdade que, como bem aponta Marta Alexandra Frias Borges, “ninguém discute que muitas vezes será o próprio mandatário o autor real do comportamento abusivo, sobretudo quando em causa estejam casos de má-fé instrumental, porém, quando muito, poderemos discutir a suficiência do regime de responsabilização do mandatário, e não sancionar a parte com base num grau de diligência que não é o seu. Com efeito, contrariamente ao que sucede noutros ordenamentos jurídicos (principalmente nos sistemas de common law), no nosso ordenamento não é atribuída ao magistrado competência para sancionar diretamente o mandatário. Pelo contrário, entre nós, será a Ordem dos Advogados a dispor de competência exclusiva para exercer jurisdição disciplinar sobre advogados e advogados estagiários (art. 3º, al. g EOA), cabendo ao Conselho de Deontologia (art. 54º, al. a) EOA) aferir da eventual infração disciplinar do mandatário e das consequências que desta advirão, não podendo jamais esta sanção ser aplicada diretamente pelo magistrado” – in Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Universidade de Coimbra, 2014, pág. 80, nota 58, disponível em https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf. Neste sentido também se pronunciaram os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 7/2/2017 (disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 2520/12.5TBPBL.C1) e do Tribunal da Relação de Évora de 30/1/2025 (disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 3031/11.1TBSTR-C.E1). Por conseguinte, considera-se que compete à Ordem dos Advogados e não ao Tribunal a apreciação da responsabilidade pessoal e direta do Exmo. Mandatário da recorrente nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa, bem como a aplicação de sanções e condenação na quota-parte das custas, multa e indemnização que lhe parecer justa. Não há fundamento para a imediata imposição de uma multa pelo Tribunal, mas será dado conhecimento do facto à respectiva Ordem. * 3. Decisão: 3.1. Pelo exposto, acordam em: a) Julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida; e, b) Não conhecer da responsabilidade pessoal e direta do Exmo. Mandatário da recorrente quanto à questão da litigância de má fé, mas determinam que se dê conhecimento da actuação daquele ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 545.º, do Código de Processo Civil, com cópia integral dos autos de execução, de embargos de terceiro e de embargos de executado; 3.2. As custas são a suportar pela apelante, por sair vencida. 3.3. Notifique. Lisboa, 23 de Outubro de 2025 Nuno Gonçalves Eduardo Petersen Silva Vera Antunes  |