Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1356/12.8TBPDL-O.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531.º do CPC destina-se a sancionar condutas da parte que, pese embora não justifiquem uma condenação em litigância de má-fé, correspondem a pretensões (infundadas e abusivas) ou à prática de actos (inúteis, dilatórios) que não teriam sido formuladas e/ou praticados caso aquela tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis, nessa medida se revelando excepcionalmente censuráveis (litigância anómala e imponderada que em nada se confunde com o exercício de uma defesa aguerrida dos interesses em causa).
II. A aplicação de tal sanção pressupõe a prévia observância do princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, ouvindo-se para tanto o sujeito visado, ao qual não era exigível que perspectivasse a sua condenação a esse título, sob pena de tal condenação traduzir uma decisão-surpresa.
III. Não se subsumem no âmbito dos requisitos da taxa sancionatória excepcional os requerimentos apresentados por um credor no âmbito de um processo de insolvência, pelos quais requereu a substituição da Administradora da Insolvência nomeada pelo tribunal (artigo 53.º do CIRE) e, posteriormente, a destituição da mesma administradora (artigo 56.º do CIRE), mais tendo arguido a nulidade de despacho judicial que, previamente ao agendamento de assembleia de credores para os efeitos previstos no artigo 75.º do CIRE, determinou a audição dos demais credores sob a alegação de visar evitar a prática de actos inúteis, já que, em todas estas situações, não está em causa a manifesta improcedência de pretensões de índole processual ou substantiva.
(Pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de insolvência referentes à devedora MN, veio a credora “K …, Unipessoal, Lda”, interpor recurso autónomo do despacho proferido em 22/02/2022 que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 531.º do CPC e 10.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), a condenou numa taxa sancionatória excepcional de 3 UCs.
A terminar as respectivas alegações, formulou a apelante as conclusões que aqui se transcrevem:
“I. Proferiu o Tribunal recorrido sentença em que condenou a Recorrente na taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531.º do C.P.C., no valor de 3 UC’s.
II. Tal decisão carece de total fundamento, quer formal, quer material.
III. Desde logo, decidiu o Tribunal a quo sem a prévia audição da Recorrente, omissão que infringe os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa.
IV. Decidiu o Tribunal a quo sem qualquer fundamento material, porquanto condenou a Recorrente pelo simples facto de ter apresentado requerimento suscitando a nulidade do despacho de fls, com a referência 52445608 e ter requerido a destituição com justa causa da Administradora de Insolvência.
V. Porém, não ficou demonstrado, carecendo de total fundamento a argumentação expendida, que que pos Requerimentos apresentados pela Recorrente fosses manifestamente improcedentes e que esta não tivesse agido com a prudência devida,
VI. A não ser assim, isto é, se o simples pedido de destituição da Administradora de Insolvência e Requerimento de nulidade de despacho que, na prática queria antecipar o direito de voto a ser expresso em Assembleia de Credores, negaria o acesso ao direito.
VII. De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos: - violou, desde logo e atenta a falta de audiência prévia da Recorrente, o art.º 3º, n.º 3 do CPC [cfr. Ac. do STJ, de 11.09.2012, já citado], sendo, por isso, anulável;
VIII. - violou o princípio do acesso ao direito, constitucionalmente consagrado, uma vez pretende sancionar a improcedência dos pedidos da Recorrente com a condenação desta na taxa sancionatório excecional; - violou o artigo 531.º do C.P.C., uma vez que, sem fundamento, condenou a Recorrente numa taxa sancionatória excecional de 3 UC’s.
IX. Deverá, pois, a decisão proferida, não obstante o vício que determina a sua a anulabilidade, ser declarada nula, por falta de fundamento, na parte em que condena a Recorrente na taxa sancionatória excecional.”
Pelo Ministério Público foi apresentada resposta ao recurso, pugnando pela improcedência do mesmo.
O recurso foi admitido como sendo de apelação autónoma, a subir em separado e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 644.º, n.º 2, al. e), 645.º, n.º 1 e 2 e 647.º, n.º 3, al. e), todos do CPC.
Foram colhidos os vistos legais.
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II. DO OBJECTO DO RECURSO             
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:                
1ª Se ocorre nulidade do despacho por violação do princípio do contraditório;
2.ª Se estão ou não reunidos os pressupostos de que o legislador faz depender a condenação em taxa sancionatória excepcional, a que se refere o artigo 531º do CPC.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do relatório supra (que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidos), às quais acrescem as seguintes:
1. Os presentes autos de insolvência deram entrada em juízo no dia 30/05/2012, tendo sido requeridos pela credora “A …, L.da”.
2. Por sentença proferida em 28/07/2012, já transitada em julgada, foi declarada a insolvência de MN, mais se tendo nomeado como administradora da insolvência (AI) a Sra. Dra. P.
3. Em 20/09/2012 realizou-se assembleia de credores, no âmbito da qual foi determinado que os autos prosseguissem para liquidação do activo da insolvente.
4. Por requerimento de 18/11/2021, pela apelante foi requerida, nos termos previstos pelo artigo 53.º do CIRE, a substituição da AI nomeada pelo tribunal pelo Dr. J (cuja declaração de aceitação juntou), bem como a convocação de uma assembleia de credores com esse fim[1].
5. A tal requerimento opuseram-se, em 02/12/2021, os credores “R…, L.da” e “A …, L.da”, invocando, para tanto, que “(…) o administrador de insolvência proposto pela credora K, poderá não reunir as condições necessárias à estabilidade do exercício das funções do AI e não reunir a autonomia necessária e devida, uma vez que a gerência da sobredita credora é exercida pela Sra. D, casada, em regime de separação de bens, com o filho da insolvente, senhor AM. O que desde logo poderá gerar um justo receio quanto aos interesses subjacentes à requerida substituição. Com o devido e merecido respeito, afigura-se-nos que a requerida substituição e indicação de novo AI, apenas tem em vista a satisfação de interesses próprios da insolvente e seus familiares.”.
6. No mesmo dia foi exercido o contraditório a tal oposição pela apelante – “(…) A substituição da Administradora de Insolvência, assenta em questões práticas: celeridade na liquidação, no exercício de um legítimo interesse da K enquanto credora, tal como os demais credores, em condições de igualdade: recebimento do valor produto da liquidação pendente, reitera-se, há mais de 11 anos… (…)” -, reiterando a sua pretensão.
7. Em 03/12/2021, veio a credora B subscrever a oposição referida no ponto 5.
8. Em 06/12/2021, veio a AI nomeada pronunciar-se quanto ao seu pedido de substituição, pugnando pelo seu indeferimento, nos seguintes moldes:
“- A sociedade K …, Ld.ª, NIPC 513228187, tem a sua sede na Rua …, Capelas, e foi constituída por D em 03.10.2014. // - D, por sua vez, é casada sob o regime da separação de bens com AM – vide doc. 1 // - Já AM é, não só filho da insolvente e do seu marido, como com eles co-habita na referida Rua … Capelas – vide doc. 2 // - Assim, todos os créditos daquela sociedade devem ser qualificados como créditos subordinados nos termos conjugados nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1, alíneas c) e d) e n.º 2, alíneas a e d), e artigo n.º 48.º, alínea a), ambos do CIRE // - Por outro lado, importa relembrar que tanto AM como o seu pai JJ são pessoas com interesses contrários aos dos demais credores, // - Nomeadamente porquanto JJ é co-titular dos bens apreendidos para o processo, tendo dado entrada com processo de restituição e separação de bens da Massa Insolvente (apenso L dos presentes autos), // - Apenso em que se verificou que o activo é inferior ao passivo, // - E que por isso mesmo foi requerida a sua insolvência pela Massa Insolvente. // - O que, certamente, deu origem ao presente pedido. // - Mais, tanto JJ, como AM e D foram parte em negócios realizados pela insolvente antes do início dos autos e que vieram a ser resolvidos em benefício da massa insolvente, // - Como intentaram ações judiciais por apenso para impugnar tais resoluções que foram julgadas improcedes, // - E que vieram a ressumbrar em decisões que declaram, para além do mais, “Assim sendo, não só pode ser resolvida a doação efectuada à autora em 24 de Maio de 2012, como o acto de disposição gratuita, inilidivelmente prejudicial à massa insolvente, praticado fora do prazo de dois anos antes da insolvência e em que a segunda doação se baseia. Em face do exposto e por ter havido respeito pelas normas acima referidas, que sustentavam a resolução das doações, efectuada, pela senhora administradora da massa insolvente de MN, julgo improcedente a presente acção de anulação, que indefiro.” – vide apensos “B”, “C” e “H” aos presentes. // - Assim, não pode deixar de se considerar que aquela sociedade, bem como os respectivos beneficiários efectivos, têm interesses contrários ao regular desenrolar do processo,  // - E que o pedido de substituição da requerente tem como finalidade a remoção de um Administrador de Insolvência do processo que tudo tem feito em benefício dos credores, // - Substituindo-se por colega que, apenas por não estar ciente dos contornos dos negócios e do longo desenrolar do processo, seja mais favorável aos nefastos desígnios dos requerentes. // - Quanto ao demais, cumpre apontar que a requerente tem desempenhados as suas funções em cumprimento claro da lei, // - E mesmo quanto os seus atos foram impugnados por apenso ao processo, estes foram confirmados, // - Tendo a requerente sempre justificado atempada e detalhadamente, no local próprio, as razões que levam à demora dos presentes autos. // - Não existindo justa causa para a sua destituição (que não teve o credor o despudor de requerer por reconhecer que assim é) // - Sem embargo, a requerente mantém-se, e ao cargo que desempenha, à disponibilidade dos credores, // - Mas em especial os que verdadeiramente ficaram prejudicados pela insolvência (com o necessário desvalor dos familiares da insolvente que tudo têm feito para atrasar os presentes autos). // Tendo consultados os requerimentos apresentados nos autos com as ref.ªs 4408601, 4409036 e 4410188, acrescenta ainda: // - As alegações dos senhores credores, que não foram genéricas, vêm de encontro às imputações claras, circunstanciadas e documentadas que a requerente fez supra, // - E espelham a tramitação processual dos presentes autos. // - Não se descortinando qual a névoa de mentiras e falsidades a que alude a credora K a 02.12.2021, // - Sendo importante referir a contradição da própria credora que pode ser vista nos autos: pretende uma célere liquidação, mas quando o sogro da gerente (que consigo vive e indicou a morada como sendo a da sede dos autos) é citado ou notificado para a sua morada, não recebe as respetivas citações. // - Termos em que se requer a V.Ex.ª se digne indeferir o pedido formulado pela credora K por evidente conflite de interesses.”
9. Nessa sequência, no mesmo dia 6 de Dezembro, pelo tribunal a quo foi proferido despacho com o seguinte teor: “(…) considerando a oposição dos 3 Credores já expressa nos autos de votar contra o referido pedido de substituição, por forma a evitar-se a prática de actos inúteis, antes de mais, notifique os restantes Credores, que ainda não se pronunciaram, para, no prazo de 10 dias, querendo virem declarar a sua posição.”.
10. Cumprido tal despacho, apenas a credora Caixa Geral de Depósitos, SA se pronunciou em 08/12/2021 (favorável à substituição).
11. Também a insolvente, em 20/12/2021, veio manifestar-se favorável à substituição da AI nomeada.
12. Em 22/12/2021, veio a apelante invocar a nulidade do despacho proferido em 06/12/2021 por violação do artigo 75.º, n.º 1 conjugado com o artigo 53.º, n.º 1, ambos do CIRE, argumentando: “não pode o Tribunal «antecipar» o sentido de voto dos credores e com isso indeferir a sua não convocação com o argumento da prática de actos inúteis, porquanto é na sobredita Assembleia Credores (e não fora dela…) que deverá ser discutida e votada a proposta, podendo inclusive, serem apresentadas propostas alternativas pelo que, nos termos do artigo 195.º do CPC ex vi artigo 17.º do CIRE deverá o douto Despacho ser anulado e substituído por outro com a convocatória devida.
Mesmo que assim não se entenda o que não se concede, mas que se admite à cautela de patrocínio,
3. deverá a pedido de pronúncia dos credores ser suspenso, pois, por um lado, foi requerida a habilitação de cessionário pela I, de parte do crédito do «falecido Banif», devendo por uma questão de prudência e economia processual aguardar pelo seu sentido de voto e, por outro lado, com o decretamento de insolvência do Banif, deverá ser notificada a massa insolvente do Banif para, querendo se pronunciar, uma vez que as procuração nos autos caducou (cfr. artigo 112.º do CIRE).”.  
13. E, em 06/01/2022, apresentou novo requerimento, através do qual, reiterando embora a sua pretensão de substituição da AI, requereu igualmente a sua destituição, o qual terminou peticionando: “i) Que a AI cujo pedido de substituição e destituição corre termos, se abstenha da prática de qualquer acto de liquidação da massa insolvente até decisão deste douto Tribunal sobre os pedidos formulados; ii) Que a AI, por não dispor de legitimidade nem do consentimento dos credores, se abstenha de interpor recurso da decisão proferida no âmbito do processo n.º 29692/21.5T8LSB, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 7, Comarca de Lisboa; iii) a destituição da Administradora Insolvência por inaptidão para o exercício do cargo, rectius, violação de forma negligente dos deveres inerentes à função não se vislumbrando condições que permitam manter uma relação de confiança para o futuro com o Tribunal, com os credores, e com a insolvente, integrando o conceito de ‘ ‘justa causa’ nos termos do termos do termos do artigo 56.º, n.º 1 do CIRE; iv) a nomeação como Administrador do Dr. J, do Dr. J, constante das listas oficiais, com domicílio profissional na Rua …, o qual se encontra disponível para assumir nos presentes autos entes autos aquele encargo e tem a concordância dos credores representativos de mais de 50% dos direitos de voto.”.[2]
14. Em 19/01/2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Ref.ª 4426240: Antes de mais, notifique a Cessionária I, para, no prazo de 10 dias, vir juntar comprovativo do preço da alienação global dos créditos, considerando que o mesmo se encontra suprimido no contrato de cessão apresentado, sob pena de indeferimento da requerida habilitação (arts. 1º, 2º e 3º, nºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei nº 42/2019, de 28 de março).[3]
Ref.ª 4437655: O pedido de nulidade do despacho que antecede por violação do art.º 75.º, n.º 1 ex vi art.º 53.º, n.º 1 do CIRE carece em absoluto de fundamento, assente que não foi decidido a “não convocação da assembleia”, razão pela qual vai o mesmo indeferido.
Quanto à “suspensão”, impõe-se dizer que, por deliberação de 20 de dezembro de 2015, o Governo e o Banco de Portugal tomaram a decisão de constituir a sociedade “Oitante, S.A”, e foram transferidos para esta última sociedade, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-S e al. c) do n.º 2 do artigo 145.º-T do RGICSF conjugados com o artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os direitos e obrigações correspondentes a activos do BANIF –Banco Internacional do Funchal, S.A.
Ademais, a habilitação de cessionário nos termos requeridos não determina suspensão dos autos e muito menos “suspensão do pedido de pronúncia dos credores”, carecendo tal pedido também de base legal, indeferindo-se o mesmo.
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No demais, considerando o estado dos autos, as posições assumidas pelos credores e o pedido de substituição e de convocação formulado por credor, designo para a realização da Assembleia de Credores, o próximo dia 2 de fevereiro de 2022, às 15h00m (artigo 75º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
A ordem de trabalhos é a seguinte:
- Substituição da Sr.ª Administradora da Insolvência – (eventual) Eleição de Administrador da Insolvência.
Notifique a Administradora da Insolvência e cumpra-se o disposto nos artigos 75.º, nº2 e 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.”
15. No dia 02/02/2022 realizou-se a assembleia de credores, no âmbito da qual se decidiu: Nos termos do art.º 53.º do CIRE e conforme resultou da votação ora realizada, determina-se a substituição da Sr.ª Administradora da Insolvência, P, pelo indicado Administrador da Insolvência J, a fls. 267, considerando a norma estipulada no art.º 3.º do citado dispositivo legal e em aplicação.
Uma vez que, a ordem de trabalhos se cingia à substituição da Sr.ª Administradora da Insolvência e nada mais existindo a deliberar, determino que me abra após e oportunamente conclusão, considerando ainda que, após o pedido de substituição, objeto de votação na presente assembleia foi efetuado um pedido de destituição da Sr.ª Administradora da Insolvência.”[4]
16. Em 22/02/2022 foi então proferido o despacho a que se reporta o presente recurso, o qual tem o seguinte teor:
“Sem prejuízo da substituição de AI nos termos que resultam da acta que antecede, impõe-se proferir despacho em face da conduta processual da Credora K, geradora de manifesto entorpecimento.
Assim:
Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art. 531.º, do CPC, a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando-se evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido, assim se salvaguardando o princípio da economia processual, e a actuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta.
Com a taxa sancionatória excepcional não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.
Estabelece o artigo 531.° do CPC que, quando o requerimento, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a diligência devida.
No caso entre mãos, não estamos em presença de uma situação de falta de diligência ou de negligência, mas duma actuação manifestamente dolosa, porquanto a Credora K apresenta um pedido de destituição e nomeação de Administrador de Insolvência a fls. 267, sem alegar qualquer concreto facto idóneo a configurar, como devido, justa causa de destituição da Sr.ª Administradora da Insolvência. Perante o despacho deste tribunal de fls. 276, concedendo, como devido, o contraditório aos demais Credores, veio a referida Credora K arguir nulidade, sabendo carecer em absoluto de fundamento, assente que o tribunal apenas concedeu o contraditório, trave-mestra de todo o processo civil.
Neste passo, veio a mesma Credora, K, alegadamente na sequência do requerimento apresentado pela Sr.ª Administradora da Insolvência no Apenso E, afirmar que mantém interesse no pedido de substituição com a referência 4437655, e ao mesmo tempo invocar “ilegitimidade, falta de consentimento e violação de deveres de informação” e justa causa de substituição e destituição e nomeação do “Dr. J” como administrador da presente insolvência, novamente numa amálgama de conclusões e alegações genéricas como se extrai claramente de fls. 321, ponto 45.
Ora, analisados os autos fácil é de ver que a liquidação se arrasta ao longo de anos por questões diversas, processos judiciais (relacionados com o activo da Insolvente e, em concreto com a partilha a efectuar referente à comunhão de bens com JJ) e, permitimo-nos dizer, sucessivos requerimentos que configuram entraves à regular e normal tramitação do processo, bastando atentar ao último requerimento da Sr.ª Administradora da Insolvência na liquidação, dando conhecimento de incidente de nulidade suscitado pelo marido da Insolvente.
No mesmo sentido, por conhecimento funcional consigna-se que o ilustre mandatário que representa a aqui Requerente representa/ou representou e patrocinou o referido marido da insolvente JJ – facto gerador, inclusivamente, de eventual conflito de interesses-, e, bem assim, em todas as insolvências que requer junto deste tribunal, requer, ainda, a nomeação do “Dr. J”, o que, com o devido respeito, subverte as próprias normas da aleatoriedade em primeira linha na nomeação do administrador de insolvência, por forma a salvaguardar a imparcialidade e isenção – cfr. requerimento apresentado no apenso M por JJ, patrocinado pelo ilustre advogado RC.
Por todo o exposto, é indubitável que, do exposto as recentes intervenções no processo da Credora K representam expediente com intuito meramente dilatório, entorpecendo a acção da justiça.
Impõe-se, pois, sem demais considerações, a sua condenação na taxa sancionatória excepcional.
Pelo que, face ao exposto, decido condenar a Credora e Requerente K, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 531.º do CPC e art.º 10.º do Regulamento das Custas Processuais, na taxa sancionatória excepcional pelo valor de 3 (três) UC’s.
Notifique.”
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da invocada violação do princípio do contraditório
Alega a recorrente ter sido proferida uma decisão surpresa, uma vez que não foi precedida da sua audição por forma a que se pudesse defender.
Em termos gerais, pode-se afirmar que a oportunidade de defesa implica que, previamente à sua condenação, seja a parte ouvida, estando, ainda, o princípio do contraditório estritamente ligado ao princípio da igualdade das partes (consagrado no artigo 4.º do CPC).[5] Traduz, pois, um direito de resposta a um qualquer acto da contraparte (seja quanto aos fundamento de direito, em matéria de direito, seja em matéria de facto).
Sendo o princípio do contraditório estruturante e basilar do direito processual civil e criminal, só será plenamente cumprido quando se assegura à parte a possibilidade de se pronunciar, contrariando e discutindo, os factos que a afectem.
Estatui o n.º 3 do artigo 3.º do CPC que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.[6]
Haverá manifesta desnecessidade quando estejamos perante uma questão suficientemente debatida ou quando a falta de audição das partes não prejudique o resultado final da lide. Já assim não sucederá caso o exercício do contraditório puder vir a influenciar a decisão do tribunal (hipótese em que deverá ser garantido às partes o direito de exercer tal influência).[7]
No plano do direito, ou seja, quanto à subsunção dos factos às soluções previstas na lei, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença/despacho, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se venha a basear. Proíbe-se a denominada decisão surpresa, isto é, a decisão que se funda numa questão não suscitada por qualquer das partes.
Reportando tais considerações ao presente caso, dir-se-á que, pese embora o processo de insolvência não constitua um processo de partes, no mesmo existem interessados, designadamente os credores reclamantes, como sucede com a aqui apelante.
E, se a invocada violação do contraditório não tem subjacente a prática de um acto processual da contraparte, dúvidas inexistem de a decisão recorrida afectar exclusivamente os interesses da apelante (única condenada).
Sendo pacífico que a 1.ª Instância não notificou a apelante para se pronunciar quanto à sua eventual condenação no pagamento de uma taxa sancionatória excepcional, importa apreciar se teria de o ter feito.
A apelante responde afirmativamente, sustentando a sua posição no decidido pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 652/2017, de 11/10[8], no qual se pode ler: “Cumpre, ainda, apreciar a inconstitucionalidade da norma do artigo 531.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a decisão (…) que condene uma parte em taxa sancionatória excecional não tem de ser precedida da audição da parte interessada. Nesta matéria – e recordando que as regras atinentes à aplicação de uma taxa sancionatória excecional têm natureza análoga à das normas que regulam a litigância de má fé –, é possível convocar jurisprudência do Tribunal que, concretizando o direito de defesa e de contraditório contidos no direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º da CRP, tem concluído de um modo uniforme que a decisão que aplica aquela sanção processual pressupõe a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente quanto à condenação prevista como possível.
Este aresto reproduz o decidido no acórdão do mesmo tribunal n.º 357/98[9], o qual se pronunciou no sentido de ser necessário proceder à audição do interessado quando esteja em causa uma condenação em litigância de má fé, justificando que a argumentação aí expendida se transpõe para o regime da condenação em taxa sancionatória excepcional, “cuja natureza é – para efeitos de garantia do contraditório – equiparável à da sanção prevista em caso de litigância de má fé”.[10]
Mais acrescentando: “Ali, como aqui, não é constitucionalmente aceitável que uma decisão prejudicial para a parte, que consiste na aplicação de uma sanção prevista como consequência de uma conduta processual censurável, possa ser tomada sem que o seu destinatário tenha a possibilidade de ser ouvido quanto à mesma, direito processual que corresponde à esfera última e irredutível do contraditório, garantia inscrita no direito a um processo equitativo consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da CRP.”.
Citando o mesmo acórdão, também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa defendem que a aplicação desta sanção deve ser precedida de audição da parte.[11]
Igualmente esta Relação de Lisboa, em acórdão proferido em 20/12/2018[12], sumariou: “A aplicação da taxa sancionatória excepcional prevista no artigo 531º do CPC deve ser precedida da audição da parte sancionanda, no cumprimento do princípio do contraditório e sob pena de ser proferida uma decisão-surpresa”, sendo que o STJ, no seu acórdão de 09/12/2021[13], após negar um recurso de revista, concedeu aos recorrentes prazo para “querendo, se pronunciarem sobre a aplicação de taxa sancionatória excepcional” (não avançando, desde logo, para qualquer condenação a esse título).
E, embora sem conhecerem directamente da questão, igual posição é assumida pela Relação de Évora nos acórdãos de 09/11/2017[14] e de 24/02/2022[15].
Também nós subscrevemos tal entendimento, por se concordar com o mesmo, não sendo de acolher a argumentação invocada pelo Ministério Público na sua Resposta ao recurso, tanto mais que a mesma é atinente ao processo crime (no qual está em causa o interesse público), afastando-se, pois, dos princípios que regem ao processo civil e, consequentemente, ao processo insolvencial.[16]
Ocorreu, assim, nulidade por violação do princípio do contraditório, o qual sempre teria de ser observado por a condenação em causa não ser susceptível de ser perspectivada pela apelante (ou, melhor dizendo, não lhe ser exigível que o perspectivasse).
Entendemos, porém, não ser de ordenar a remessa dos autos à 1.ª Instância para que seja cumprido o contraditório.
Como refere Abrantes Geraldes, decorre do artigo 665.º do CPC que, apesar de verificada uma nulidade, poderá a Relação conhecer do âmbito do recurso desde que os autos reúnam todos os elementos para tanto.
Julgamos ser esse o caso, razão pela qual assim se procederá, tanto mais que se trata de uma nulidade que foi suscitada no âmbito do próprio recurso (e que, como adiante se demonstrará, não irá afectar a pretensão da recorrente), sendo que se mostra igualmente já plasmada nos autos a posição sobre o entendimento que a apelante tem quanto à questão de fundo (fundamentos que determinaram a aplicação da sanção em causa).
Ordenar a baixa dos autos traduziria, como se verá, a prática de um acto inútil, o que não é permitido pelo artigo 130.º do CPC.
2. Da verificação das condições para aplicação à recorrente da taxa sancionatória excepcional
Sob a epígrafe “Taxa sancionatória excecional”, prescreve o artigo 531.º do CPC que “Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida».[17] 
A aplicação da taxa sancionatória excepcional, para além de ter de constar de decisão judicial fundamentada (fundamentos válidos e concretos), depende do preenchimento dos seguintes requisitos de verificação cumulativa: a) ser a pretensão (de natureza substantiva ou processual) manifestamente improcedente; e b) não ter a parte agido com a prudência ou diligência que lhe são exigíveis.[18]  
Defende Salvador da Costa[19] que a taxa sancionatória excepcional visa “penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Deve tratar-se de pretensões manifestamente improcedentes, em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento. Mas a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé.
Na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, o juiz, ou o coletivo de juízes, conforme os casos, deve ter em conta o quadro de facto disponível, as normas jurídicas aplicáveis e as várias soluções plausíveis das questões de direito.
Segundo o acórdão do STJ de 22/02/2022[20], “I - A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531.º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível. II – Justifica-se a aplicação da taxa de justiça sancionatória excepcional quando os inúmeros requerimentos, incidentes e pretensões apresentadas pela parte, têm todos o mesmo denominador comum: a total e absoluta falta de cabimento e suporte legal para cada um deles, verificando-se uma lamentável situação de evidente abuso do direito de acção, exercido à revelia e contra as regras processuais a que era suposto obedecer (…). III – É precisamente para tentar pôr cobro a este tipo de anómala e patológica litigância que se encontra legalmente prevista a taxa de justiça sancionatória excepcional, ou seja, para desincentivar a utilização de expedientes processuais sem nenhum tipo de critério, nem razoabilidade mínima, obrigando o sistema judicial a gastar inutilmente o seu tempo e os seus meios com uma actividade completamente contraproducente e adversa ao respeito pelos comandos legais a que seria suposto encontrar-se estritamente vinculada.
A parte responsável pelas custas pode, assim, ser condenada no pagamento de taxa sancionatória excepcional (a qual, de acordo com o disposto no art. 10.º do RCP, pode ser fixada entre 2 e 15 UC´s) “nas situações em que, apesar de a sua atuação não atingir gravidade que justifique a condenação como litigante de má-fé, se reflita na dedução de pretensões, meios de defesa, incidentes ou recursos manifestamente improcedentes e que, além disso, revelem a violação das regras da prudência ou diligência devida”.[21]
Ou seja, embora a referida taxa assuma, como refere Salvador da Costa, a natureza jurídica de uma penalidade, próxima da que decorre da litigância de má fé (por estar em causa a censurabilidade da actuação processual das partes), ambos os regimes distinguem-se ao nível do âmbito da actuação censurável (em termos amplos e globais na litigância de má fé, cuja condenação decorre das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 542.º do CPC; e numa perspetiva de actividade processual mais restrita na taxa sancionatória excepcional).
Atendendo, porém, que o artigo 531.º se limita a enunciar, de forma genérica, os pressupostos de aplicação da taxa sancionatória excepcional, “deve o tribunal proceder a uma rigorosa distinção entre o que constitui uma defesa enérgica e exaustiva dos interesses das partes e um uso desviante e perverso dos meios processuais[22], sob pena de se poder estar a coartar o direito de as partes defenderem os seus interesses pela via processual.
Nesse sentido, veja-se, ainda, o acórdão do STJ de 18/12/2019.[23]
Tecidas estas considerações, reportemo-nos ao caso dos autos.
Argumenta-se no despacho recorrido ser “indubitável que, do exposto as recentes intervenções no processo da Credora K representam expediente com intuito meramente dilatório, entorpecendo a acção da justiça”.
Nessa medida, como resulta do mesmo despacho, as recentes intervenções da apelante serão:
a) assumiu uma “actuação manifestamente dolosa, porquanto (…) apresenta um pedido de destituição e nomeação de Administrador de Insolvência a fls. 267, sem alegar qualquer concreto facto idóneo a configurar, como devido, justa causa de destituição (…)”;
b) perante o despacho proferido em 06/12/2021, “concedendo, como devido, o contraditório aos demais credores, veio (…) arguir nulidade, sabendo carecer em absoluto de fundamento, assente que o tribunal apenas concedeu o contraditório, trave-mestra de todo o processo civil”;
c) “alegadamente na sequência do requerimento apresentado pela Sr.ª Administradora da Insolvência no Apenso E” veio afirmar que “mantém interesse no pedido de substituição (…) e ao mesmo tempo invocar «ilegitimidade, falta de consentimento e violação de deveres de informação» e justa causa de substituição e destituição e nomeação do «Dr. J» como administrador da presente insolvência, novamente numa amálgama de conclusões e alegações genéricas (…)”;
Mais acrescentando:
“analisados os autos fácil é de ver que a liquidação se arrasta ao longo de anos por questões diversas, processos judiciais (relacionados com o activo da Insolvente e, em concreto com a partilha a efectuar referente à comunhão de bens com JJ) e, permitimo-nos dizer, sucessivos requerimentos que configuram entraves à regular e normal tramitação do processo, bastando atentar ao último requerimento da Sr.ª Administradora da Insolvência na liquidação, dando conhecimento de incidente de nulidade suscitado pelo marido da Insolvente.
No mesmo sentido, por conhecimento funcional consigna-se que o ilustre mandatário que representa a aqui Requerente representa/ou representou e patrocinou o referido marido da insolvente JJ – facto gerador, inclusivamente, de eventual conflito de interesses-, e, bem assim, em todas as insolvências que requer junto deste tribunal, requer, ainda, a nomeação do “Dr. J”, o que, com o devido respeito, subverte as próprias normas da aleatoriedade em primeira linha na nomeação do administrador de insolvência, por forma a salvaguardar a imparcialidade e isenção – cfr. requerimento apresentado no apenso M por JJ, patrocinado pelo ilustre advogado RC.”
Sendo estes os fundamentos invocados, vejamos se é possível concluir pelo acerto (ou não) da decisão que julgou verificados os requisitos da aplicação da taxa sancionatória excepcional.
Ora, salvo melhor entendimento, julgamos que a resposta tem de ser negativa, como se demonstrará por análise de cada um desses fundamentos:
a) No que concerne à primeira das enunciadas intervenções, impõe-se referir que o requerimento apresentado pela apelante a “fls. 267”, não traduziu qualquer pedido de destituição. Pese embora não se tenha identificado tal requerimento pela correspondente referência citius, consta expressamente da acta de assembleia de credores realizada em 02/02/2022 que se trata do requerimento pelo qual foi requerida a substituição (e não destituição) da AI – requerimento de 18/11/2021.
Ora, a substituição requerida ao abrigo do artigo 53.º, como foi o caso, carece de ser sustentada em concretos factos justificativos já que, neste caso, não é motivada por qualquer atitude incorrecta ou negligente assumida pela AI no exercício das respetivas funções (antes o sendo por motivo alheio a esse mesmo exercício). Ao requerente apenas será exigível que indique concretamente a ordem de trabalhos sobre a qual o colectivo de credores é chamado a pronunciar-se - exigência que a apelante cumpriu).
Como tal, o pedido de substituição apresentado nenhuma censura merece, para além de, diga-se, ter vindo o mesmo a ser deferido aquando da mencionada assembleia de credores.
b) Já no que concerne à arguição de nulidade do despacho proferido em 06/12/2021[24], a qual foi julgada improcedente, dir-se-á que, se é certo que o mesmo não indeferiu a realização da assembleia de credores a que alude o artigo 75.º do CIRE, não se poderá ignorar que aí se consignou expressamente: “(…) considerando a oposição dos 3 Credores já expressa nos autos de votar contra o referido pedido de substituição, por forma a evitar-se a prática de actos inúteis, antes de mais, notifique os restantes Credores, que ainda não se pronunciaram, para, no prazo de 10 dias, querendo virem declarar a sua posição” (o sublinhado é nosso).
Face ao acabado de transcrever, admite-se que o despacho pudesse ser interpretado como estando a ser ponderada a desnecessidade de não ser a assembleia de credores agendada (só assim se compreendo a expressão que se realçou).
Nessa medida, pese embora se entenda que a arguição da nulidade possa ter sido precipitada (no que respeita ao juízo de valor realizado pela apelante, já que não foi, efectivamente, indeferida a realização da diligência), a verdade é que a apelante mais não fez do que salvaguardar-se quanto a uma possível decisão de não agendamento da assembleia – tanto mais que é no decurso desta assembleia que deverá ser discutida, votada e decidida a proposta de substituição do AI. Ou seja, a nulidade foi julgada improcedente mas, nem por isso, se poderá considerar que a sua arguição tenha sido abusiva ou excepcionalmente censurável (susceptível de permitir concluir por uma falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico). Aliás, a aplicação da taxa sancionatória excepcional não visa sancionar erros técnico-jurídicos (os quais são punidos através do pagamento de custas – taxa de justiça normal), mas antes reagir contra uma conduta claramente abusiva do uso do processo (independentemente do sucesso da sua pretensão).
c) Reporta-se este fundamento ao pedido, agora sim, de destituição da AI (requerimento de 06/01/2022), à qual alude o artigo 56.º do CIRE, aqui se exigindo já a invocação de factos concretos que integrem justa causa para tanto (violação de deveres legais ou estatutários que demonstrem inaptidão ou incompetência para o exercício do cargo).
Antes de mais, cumpre referir que, uma vez que a AI nomeada nos autos havia já sido substituída no processo, sempre o conhecimento do pedido de destituição ficaria prejudicado (e tanto assim é que o tribunal a quo, claro está, não se pronunciou em termos decisórios sobre tal pedido).
Dir-se-á, também, que, pese embora, no requerimento em apreço, a apelante tenha reiterado a sua pretensão quanto à substituição da AI, julgamos inexistir qualquer contradição, uma vez que, à data, inexistia ainda decisão quanto àquele primeiro pedido e as razões que depois motivaram o pedido de destituição da AI – no entender da apelante, realce-se -, em nada se confundem com o primeiro requerimento.
Mais se acrescenta que, independentemente da bondade e relevância dos factos invocados para justificar a destituição (que não cumpre aqui apreciar), não se poderá afirmar a inexistência dos mesmos (bem ou mal foram invocados factos concretos para o pedido). E, mesmo em caso de improcedência deste pedido, não se poderá concluir ser a mesma manifesta nos termos exigidos pelo artigo 531.º do CPC.
Já no que concerne às demais considerações vertidas no despacho recorrido importa dizer que:
- No mesmo, a Mma. Juíza a quo não imputa o arrastar da liquidação à apelante, assim como não refere serem da autoria da mesma os invocados requerimentos que terão sido apresentados no processo e que configuram entraves à sua regular e normal tramitação;
- Quanto ao facto de o ilustre mandatário da apelante ter já patrocinado o marido da insolvente, salvo o devido respeito, se o tribunal entende que poderá ocorrer um eventual conflito de interesses, a solução passaria pela comunicação desse facto ao Conselho Deontológico da Ordem dos Advogados.[25]
- Já o facto de o mesmo mandatário, em todas as insolvências que requer junto do tribunal, solicitar a nomeação do mesmo administrador da insolvência, afigura-se-nos ser um argumento de todo descabido.
Por um lado, o ilustre causídico não estará, certamente, em todos esses processos (que se desconhece quais sejam), a representar a aqui apelante. Por outro lado, das duas uma: tratando-se de uma nomeação requerida na petição inicial, em nada vincula o tribunal – cfr. artigo 52.º, n.º 1 do CIRE. Se a nomeação requerida decorrer de um pedido de substituição do AI anteriormente designado, nos termos previstos pelo artigo 53.º do CIRE (como aqui sucedeu), sempre a decisão de substituição estará sujeita aos requisitos aí previstos.
De tudo o que se expôs, forçoso é concluir não ter a apelante feito um uso anormal e desadequado dos meios processuais que a lei lhe concede, não agiu com fins dilatórios (nada resulta nesse sentido), sendo que as questões pela mesma suscitada e que motivaram o despacho recorrido não se subsumem no âmbito dos requisitos da taxa sancionatória excepcional, visto não estar propriamente em causa a manifesta improcedência de pretensões de índole processual ou substantiva.
Acresce que os requerimentos em causa, se bem que possam ter contribuído para algum retardamento (muito pouco significativo, diga-se), têm suporte legal - tanto os pedidos de substituição e de destituição do AI, como a arguição de nulidades estão expressamente contemplados no CIRE (artigos 53.º e 56.º) ou no CPC (artigo 195.º) - e não traduzem pretensões manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência por parte da recorrente e que tenham dado azo a assinalável actividade processual, que se possa qualificar de excepcionalmente reprovável.
Tão pouco se poderá dizer estarmos perante uma litigância frívola, justificadora da aplicação da taxa sancionatória excepcional.
Em suma, com todo o respeito por opinião contrária, as circunstâncias mencionadas no despacho recorrido não justificam a condenação decretada a título de taxa sancionatória excepcional.
*
V. DECISÃO
Perante o exposto, acordam os Juízes desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso, revogando-se o despacho impugnado na parte em que condenou a recorrente em taxa sancionatória excepcional.
Sem custas.

Lisboa, 6 de Setembro de 2022
Renata Linhares de Castro
Nuno Magalhães Teixeira
Rosário Gonçalves
_______________________________________________________
[1] Indicando como ordem de trabalhos: “Ponto Único – Substituição da Administradora de Insolvência Dra. P, nos termos do artigo 53.º, n.º 1, do CIRE”.
[2] No Proc. n.º 29692/21.5T8LSB, em 27/12/2021, foi proferido despacho de indeferimento liminar da petição inicial por considerar “que a massa insolvente de MN não dispõe de legitimidade para requerer a declaração de insolvência do requerido JJ, face aos factos alegados.” (despacho que a recorrente juntou ao seu requerimento).
[3] Por despacho proferido em 17/01/2022 foi declarada a I habilitada na qualidade de credora para intervir no processo de insolvência em substituição do “BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA”.
[4] A votação alcançada foi a seguinte: “A …, Lda”, “R …, Lda” e Fazenda Nacional, votaram contra a substituição; “Caixa Geral de Depósitos, S.A”, B, K e I, votaram a favor da substituição.
[5] Segundo MANUEL DOMINGUES DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, pág. 379, o princípio do contraditório consiste em que “cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e de direito), a oferecer as provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras”.
[6] Como referido no acórdão da Relação do Porto de 02/12/2019 (Proc. 14227/19.8T8PRT.P1, relatora Eugénia Cunha): “Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”, disponível, como os demais que se citarem, em www.dgsi.pt.
[7] Nos casos em que o princípio do contraditório se imponha, a nulidade resultante do seu incumprimento, caso esteja a coberto de uma decisão judicial, deverá ser impugnada através da interposição de recurso (caso o mesmo seja admissível).
[8] Proferido no âmbito do Proc. n.º 251/2017 e relatado por José António Pires Teles Pereira, no qual se decidiu: “(…) b) Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 531.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a decisão constante de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido pela formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que condene uma parte em taxa sancionatória excecional não tem de ser precedida da audição da parte interessada”. 
[9] Proferido no âmbito do Proc. n.º 135/97 e relatado por Guilherme da Fonseca. 
[10] Também SALVADOR DA COSTA, in As Custas Processuais – Análise e Comentário, 8.ª Edição, Almedina, 2021, pág. 20, escreve: “Como a própria designação indica, não obstante a referência deste normativo a taxa, dada a sua estrutura e fim, trata-se de uma sanção com a natureza de penalidade, próxima da que decorre da condenação das partes por litigância de má fé.
[11] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2020, pág. 606.
[12] Proferido no âmbito do Proc. n.º 684/16.8T8ALM-A.L1-7 e relatado por Carla Câmara, no qual se refere que “A condenação do recorrente em taxa sancionatória excepcional, sem que previamente o mesmo fosse ouvido, bule com os princípios constitucionais de acesso ao direito, do contraditório e da proibição da indefesa, consagrados na Constituição.”. 
[13] Proferido no âmbito do Proc. n.º 9296/18.0T8SNT.L1.S1 e relatado por Rijo Ferreira.
[14] Proferido no âmbito do Proc. n.º 4174/12.0TBPTM-I.E1 e relatado por Canelas Brás: “(…) haveriam de ter sido as partes informadas, antes, da intenção sancionatória do Tribunal e, só depois, se proferindo, então, a decisão no sentido que muito bem se entendesse ser o mais adequado ao andamento que estavam a ter os autos (…). Para mais, logo numa matéria de carácter sancionatório! Ao invés, no caso sub judicio, passou-se, de imediato, à sanção sem ouvir ninguém a esse propósito. Porém, uma tal invalidade processual não é de conhecimento oficioso do tribunal (…)
[15] Proferido no âmbito do Proc. n.º 1216/15.0T8LLE-D.E1 e relatado por Maria Domingas: “Os recorrentes impugnam a aplicação da taxa sancionatória que lhes foi aplicada (…). Antes de mais, parece oportuno precisar que os apelantes não invocaram a nulidade decorrente da falta de audição prévia no que respeita ao segmento da decisão que ora se aprecia, discutindo apenas, a este respeito, os fundamentos substantivos da condenação. Deste modo, porque se trata de nulidade que não é de conhecimento oficioso, encontra-se o seu conhecimento subtraído ao objecto do presente recurso.” .
[16] Na sua Resposta, o Ministério Público invoca o acórdão do STJ de 04/01/2017 (Proc. n.º 149/05.3PULSB.L1-B.S1, relatado por Rosa Tching), para defender a desnecessidade do contraditório. Contudo, tal acórdão foi relatado em matéria criminal e como no mesmo expressamente se refere, “(..) enquanto o processo civil, tem subjacente o poder dispositivo das partes, no quadro da prossecução de interesses e direitos privados, ao processo penal subjaz a realização de um interesse público, o que não deixa de ter reflexos, no quadro de ação e de intervenção processual. (…) no domínio dos direitos penal e processual penal, o uso indevido do processo com expedientes manifestamente infundados e meramente dilatórios (contemplem, ou não, má fé, negligência ou mesmo dolo), é sancionado apenas em custas, com o agravamento da taxa de justiça devida. E se assim é, não se vê que a decisão de condenação no pagamento desta taxa de justiça-sanção, com vista à moralização da atividade processual, seja susceptível de afetar a posição jurídica do visado. (…)”.
[17] A taxa sancionatória excepcional foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o RCP e aditou o artigo 447.º-B ao CPC então em vigor, esclarecendo-se, no respectivo Preâmbulo, tratar-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.
[18] Vide, entre muitos, os acórdãos da Relação de Coimbra de 03/12/2019 (Proc. n.º 566/15.0T8GRD-B.C1, relator Alberto Ruço) e da Relação do Porto de 07/10/2021 (Proc. n.º 27758/18.8T8PRT.P1, relator Carlos Portela) e de 06/02/2012 (Proc. n.º 425885/09.6YIPRT-B.P1, relatora Anabela Luna de Carvalho), podendo ler-se neste último: “as questões processuais têm de ser manifestamente improcedentes ou dilatórias, ou seja, despidas de qualquer interesse atendível na prática do acto. E, as questões de mérito hão-de ser manifestamente improcedentes (…) e (…) resultarem exclusivamente da falta de prudência e diligência da parte”.  
[19] Obra citada, págs. 19/20,
[20] Proferido no âmbito do Proc. n.º 103/06.8TBMNC-E.G1.S1 e relatado por Luís Espírito Santo.
[21] ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E PIRES DE SOUSA, obra citada, pág. 605.
[22] Acórdão da Relação do Porto de 07/10/2021, já citado.
[23] Proferido no âmbito do Proc. n.º 136/13.8JDLSB.L2-A.S1 e relatado por Manuel Augusto de Matos. No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora de 24/02/2022, já citado.
[24] Apesar de, em tal despacho, o tribunal ter igualmente indeferido o pedido de suspensão da instância apresentado pela apelante, o certo é que, no despacho recorrido, não foi tal indeferimento valorado para efeitos de aplicação da taxa sancionatória excepcional pelo que se mostra inócuo apreciar tal matéria.
[25] Cfr. artigo 99.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09/09.