Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ARLINDO CRUA | ||
Descritores: | INVENTÁRIO ADJUDICAÇÃO CASO JULGADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A adjudicação legalmente prevista no nº. 2, do artº. 62º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, traduz-se num incidente á disposição do credor de tornas, cujo pagamento foi reclamado e não satisfeito pelo devedor, de forma a ver preenchida a sua quota através do ingresso no seu património de bens que haviam cabido em partilha ao devedor ; II - este incidente é totalmente distinto do procedimento de natureza executiva previsto no nº. 3, do mesmo normativo, possuindo um conteúdo diferenciado e uma tramitação divergente, inexistindo qualquer interligação entre ambas as soluções ou procedimentos, na disponibilidade do credor de tornas, de forma a obter o pagamento que lhe é devido ; III – a decisão de adjudicação efectuada à então interessada e cabeça-de-casal (ora Ré) no âmbito do inventário, através de despacho, de verbas que anteriormente haviam sido adjudicadas à co-interessada (ora Autora), devedora das tornas, não se insere em qualquer procedimento ou processo de natureza ou índole executiva ; IV – pelo que não era passível ou susceptível de oposição, mediante a dedução de embargos, mas antes, e apenas, susceptível de reacção recursória apelativa, a qual, todavia, não foi interposta, determinando que aquela decisão tenha transitado em julgado ; V - concluindo-se pela inexistência de qualquer procedimento executivo e, consequentemente, pela inexistência legal de um qualquer direito de oposição a exercer mediante a dedução de embargos, não possui qualquer utilidade concreta apreciar, in casu, acerca da eventual não preclusão dos fundamentos de oposição, não invocados em oposição deduzida á execução, ou não invocados por nenhuma oposição ter sido deduzida (como sucederia no caso sub judice), de forma a que os mesmos pudessem vir a ser posteriormente exercitados através da dedução de autónoma acção declarativa ; VI - tornando-se a sentença definitiva, por já não ser susceptível de recurso, impugnação ou reclamação, ou seja, passando a mesma a deter o carácter ou qualidade de imutabilidade, ocorre a formação de caso julgado, apenas com natureza formal (com efeitos apenas no processo concreto) quando a sentença tenha sido de absolvição da instância e, simultaneamente com natureza formal e material (com efeitos dentro e fora do processo) quando tenha sido de mérito ; VII - Ocorrido tal trânsito em julgado, a força obrigatória do decidido assume uma dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado ; VIII - tal efeito negativo traduz-se, por via da excepção dilatória de caso julgado, numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão, traduzindo-se o efeito positivo ou autoridade do caso julgado na vinculação das partes e do Tribunal a uma decisão antecedente ; IX - deste modo, o denominado caso julgado material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente ou posterior é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior ou subsequente é idêntico ao objecto da acção antecedente ; X - transitada em julgado decisão, que adjudicou à ora Ré bens do activo em partilha, sustentada no não pagamento das tornas por parte da co-interessada devedora, ora Autora, impõe-se a autoridade ou efeito positivo do caso julgado, pois, a decisão proferenda na presente acção teria por pressuposto o invocado pagamento das tornas, sendo que esta questão concreta já foi apreciada e julgada antecedentemente, em sentido divergente, naqueles autos de inventário ; XI - concretizando, a autoridade de caso julgado formado por aquela decisão prolatada nos autos de inventário, tendo por base o omisso pagamento de tornas por parte da interessada devedora adjudicante, inserindo-se no objecto desta acção, obsta que aquela situação jurídica material definida nos autos de inventário – não pagamento das tornas devidas, determinante da procedência do incidente de adjudicação à interessada credora - possa ser contrariada pela presente acção, nomeadamente através de diversa definição da mesma situação, ou seja, da alegação de efectivo pagamento daquelas mesmas tornas ; XII - com efeito, o assentimento do não pagamento das tornas, que justificou a procedência da requerida adjudicação á interessada credora, ora Ré, cobre, sob a autoridade de caso julgado, a questão que ora se pretendia apreciar do aludido não pagamento das mesmas tornas, o que determina a desnecessidade ou inconveniência desta posterior pronúncia ; XIII - manifestando-se, assim, o caso julgado material, como autoridade de caso julgado, no seu aspecto positivo de proibição de contradição daquela decisão transitada, encontrando-se as partes e o Tribunal vinculados a esta antecedente decisão ; XIV - efectivamente, a autoridade de caso julgado tem como campo de abrangência relevante não apenas o segmento decisório da decisão transitada, mas também os fundamentos da decisão, ou os requisitos ou pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação da decisão declarada ou prolatada ; XV – constatada a verificação da autoridade de caso julgado de uma decisão de mérito distónica ou incompatível com o teor do objecto a decidir posteriormente noutra acção, o alcance daquela tem necessárias repercussões no mérito desta, determinando-lhe juízo de improcedência e, consequentemente, juízo de absolvição do réu do pedido ; XVI – tendo o saneador sentença apelado concluído estarmos perante uma excepção inominada de autoridade de caso julgado, determinando a consequente absolvição dos Réus da instância (em vez do pedido), apesar da incorrecção jurídica deste efeito, não tendo os mesmos Réus (ora Apelados) interposto recurso, não é juridicamente assertivo proceder á alteração daquela decisão, em virtude de se configurar como desfavorável aos Autores Apelantes, urgindo operacionalizar a reformatio in pejus prevista no nº. 5, do artº. 635º, do Cód. de Processo Civil. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1: I - RELATÓRIO 1 – AA e marido BB, residentes na Localização 1, Funchal, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e marido DD, residentes no Localização 2, Apart. E, Funchal, deduzindo o seguinte petitório: “(….) a presente acção deve ser julgada inteiramente procedente, por provada, seja e atenção da causa de pedir principal ou da causa de pedir subsidiária também invocada e, por via dessa procedência, devem: a) Ser julgada nula e sem efeito a adjudicação à R. mulher dos cinco prédios referidos no douto despacho de 28 de Junho de 2022, ou seja, os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob os números ...5...,77, todos da freguesia de Santo António, concelho do Funchal; b) Ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição que se encontra lavrado na Conservatória do Registo Predial do Funchal, a favor da R. mulher relativamente aos mesmos cinco prédios (Inscrição essa resultante da Apresentação n.º 1981, de 2022/12/28); c) Ser igualmente determinado o cancelamento do registo de hipoteca legal inscrito sobre os mesmos 5 prédios e ainda sobre o sexto prédio a que tais hipoteca e inscrição se referiram (inscrição resultante da Ap. 2764, de 2021/07/07); e d) Serem os RR. condenados nas custas, incluindo as custas de parte a favor dos AA”. Para tanto, alegaram, em súmula, o seguinte: • a presente acção surge na sequência da tramitação de um processo de inventário pelo Cartório Notarial da Licenciada …, sito no Funchal, que nele recebeu o n.º .../17 ; • tal processo de inventário foi requerido pela ora demandada mulher, que foi designada cabeça de casal e como tal exerceu as funções desse cargo ; • nesse mesmo processo foi efectuada e lavrada, em acta de conferência preparatória realizada em 29-01-2020, partilha dos bens da herança aberta por óbito de EE e FF ; • tal processo de inventário correu os seus termos até final segundo o regime (RJPI) aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março ; • pelo que houve lugar à remessa dos autos a Tribunal para homologação da partilha referida ; • consequentemente, foi proferida, pela Meritíssima Juiz de Direito do Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3, onde o processo resultante daquela remessa recebeu o n.º 2282/20.2T8FNC, douta sentença de 24 de Julho de 2020, que homologou a partilha efectuada, e transitou em julgado ; • ficou acordado – e a constar da acta da já aludida conferência preparatória – que, uma vez que era adjudicada à aqui demandante mulher “a totalidade das VERBAS UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS E SETE da relação de bens, no valor de duzentos mil euros” (ou seja, a totalidade dos bens em partilha) que a A. mulher pagaria tornas à interessada sua irmã, CC, tornas essas no valor de CEM MIL EUROS ; • tendo ainda ficado consignado na mesma acta que, A. e R., de comum acordo, determinavam que as ditas tornas seriam pagas no prazo de seis meses a contar da sentença de homologação, sendo que o acordo foi aceite nos seus precisos termos pela Senhora Notária ; • Em 27-10-2021, dirigido à Senhora Notária e subscrito pelo seu distinto mandatário, Sr. Dr. GG, foi apresentado no inventário requerimento onde é formulada a pretensão de que os autos sigam os demais termos pelo Tribunal desta Comarca, designadamente os resultantes do não pagamento das tornas devidas à requerente pela interessada AA, devedora das mesmas ; • Tal requerimento em causa é veículo de uma mentira, sendo que a Autora teve conhecimento, no final do ano de 2022, de que a R. mulher alegava (designadamente pelo já citado requerimento de mandatário, está bom de ver) que as tornas de cem mil euros devidas por ela, demandante, não teriam sido pagas, alegação essa revoltantemente falsa e caluniosa, sendo mesmo susceptível de ser qualificada como extorsão, que veio a ser consumada, e a que esta acção visa minorar os efeitos lesivos assim causados ; • Estando assente entre demandante e demandada que a partilha se faria pela adjudicação à ora A. da totalidade das verbas a partilhar (Verbas 1 a 7 da Relação de Bens), os AA., no dia da conferência preparatória de 29 de Janeiro de 2020, antes do início dessa conferência, e de acordo com a orientação da Notária Sra. Dra. Suzana Lopes Teixeira, dirigiram-se ao seu Banco (Caixa Montepio Geral, junto à Sé do Funchal), acompanhados pelo que era ao tempo o seu mandatário judicial, Sr. Dr. HH ; • Tendo formulado o pedido, que foi atendido, de emissão de dois cheques cruzados, de cinquenta mil euros cada um, nominativos, NÃO ENDOSSÁVEIS e à ordem da R. mulher, datados um do dia 27 de Janeiro e, o outro, de 31 de Janeiro de 2020 ; • Verificando-se pelos versos dos ditos cheques que eles foram apresentados na compensação, o primeiro em 30 de Janeiro e o segundo em 3 de Fevereiro do ano de 2022, mais constando a mesma menção de REC CNT BENEF ; • Assim, as tornas de cem mil euros, alegadamente não pagas, foram real e tempestivamente liquidadas (e logo no início do prazo de seis meses que fora estipulado) ; • A “execução especial” instaurada pela R. mulher para recebimento (duplicado) de tornas acarretou manifestamente danos à A. mulher ; • Com efeito, na decorrência do pedido injustamente formulado pela R. mulher, nesse novo requerimento, aquela teve a ousadia de impetrar no mesmo Juízo Local Cível de Funchal – Juiz 3, supostamente ao abrigo do n.º 2 do artigo 62,º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que lhe fosse feita adjudicação das verbas n.ºs 1, 2, 3, 5 e 7 da Relação de Bens, adjudicação essa que perfaria o valor de 89.500,00 € para parcial “preenchimento da sua quota”, posto que restariam por preencher 10.500,00 € , valor que, com hipócrita e falsa generosidade, se referiu dever ser satisfeito em tempo e modo a definir ; • Por douto despacho de 28-06-2022 da Senhora Juiz de Direito do Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3, essa adjudicação à R (o que o mesmo é que dizer aos RR. dado o regime de bens do se casamento) das verbas indicadas veio a ser deferida, tendo o dito despacho transitado em julgado ; • Para a hipótese de se entender infundada ou insubsistente a causa de pedir referida, deduzem idêntico pedido sustentado em causa de pedir subsidiária, assente no enriquecimento sem causa dos RR., obtido através de uma execução injusta (a tal execução simplificada que o legislador engendrou no âmbito do processo de inventário) ; • Pois os ora demandados (no plural porque casados no regime da comunhão geral de bens) receberam já e no tempo devido, como ficou dito, as quantias a que tinham direito a título de tornas ; • Pelo que, em razão do enriquecimento dos RR. assim produzido, têm estes, se necessário com base nesse enriquecimento, a obrigação de proceder à aludida restituição à A. dos imóveis cuja aquisição a Ré mulher, pelo seu mandatário impetrou, obteve e registou ; • Sendo que o facto de as questões mencionadas nesta petição não terem sido suscitadas, oficiosamente ou por iniciativa dos ora demandantes, no âmbito de oposição à execução instaurada pela ora R. mulher (no aludido Processo n.º 2282/20.2T8FNC do Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3), não obsta a que as mesmas sejam agora suscitadas, com vista a evitar que subsista na ordem jurídica um enriquecimento sem causa dos demandados. 2 – Devidamente citados, vieram os Réus apresentar contestação, excepcionando e impugnando, aduzindo, em resumo, que: • Só o oportunismo e a má-fé dos AA. levam a que, depois de deixar passar os momentos e as sedes próprias para reagir, alegar e demonstrar que haviam já pago as “tornas devidas à R. mulher”, venham agora juntar cópia de cheques de pagamento efectuado à R. mulher que sabem bem nada ter a ver – absolutamente nada – com as tornas em causa ; • Aliás, se estivessem pagas era isso mesmo que teriam fixado em acta, pelo que estamos perante uma descarada e despudorada litigância de má-fé, que não pode ficar impune ; • o acordo de partilha de 29-01-2020 foi homologado por sentença judicial de 24-07-2020, (Proc. nº 2282/20.2T8FNC) de há muito transitada, e que constitui caso julgado ; • temos, pois, um primeiro caso julgado, que a pretensão formulada nesta acção manifestamente viola, já que a sentença de homologação da partilha não foi interposto recurso, no prazo de 30 dias subsequentes à sua notificação como não foi objecto de recurso de revisão ou de qualquer pedido ou acção de anulação ; • Passados mais de seis meses sobre a sentença de homologação da partilha de 24-07-2020, a R. mulher requereu, em 25-05-2021, a notificação da A. mulher para proceder ao seu pagamento, esgotadas que estavam as diligências feitas nesse sentido, designadamente por intermédio do ilustre Advogado que, então, a representava ; • Na sequência de tal requerimento, a Senhora Notária, em 08-07-2021, proferiu despacho ordenando à A., mulher que, nos termos do art.º 62º, nº 1 do RJPI procedesse ao depósito das tornas ; • A A. mulher se entendia não dever efectuar tal depósito teria, naturalmente, no âmbito do processo de inventário, junto da Notária e do Tribunal, de provar que já tinha efectuado tal pagamento e comprovando-o, o que não era fácil, face ao livre reconhecimento, em acta da Conferência Preparatória, de que as tornas tinham ficado em dívida ; • E, se ainda assim, não lograsse obter acolhimento da sua alegação, sempre poderia requerer que o processo fosse remetido para os meios comuns, ou seja, para o Tribunal da Comarca do Cartório Notarial, nos termos do nº 7 do art.º 3º do RJPI, provando aí, nessa sede que teria havido erro e não ter deixado, como deixou, que tal acordo fosse homologado por sentença judicial transitada em julgado ; • Pelo que, o despacho que ordenou o pagamento das tornas transitou e constitui mais um caso julgado que este Tribunal não pode ignorar ; • O mesmo sucedendo com caso julgado constituído pelo despacho de adjudicação à R. mulher das verbas 1 a 7 da relação de bens, nos termos do nº 2 do art.º 62º da Lei nº 23/2013, de 5 de Março (RJPI) ; • Por outro lado, a conduta dos Autores traduz-se, ainda, num manifesto abuso de direito ; • não se percebe o comportamento “frouxo” da A. mulher, pois, quem tivesse a efectiva consciência de que tinha pago as tornas devidas, reagia com toda a veemência e não deixava consumar as situações de adjudicação das verbas 1 a 7 do inventário, a favor da R. mulher nos termos do nº 2 do art.º 62º de Lei nº 23/2013, de 5 de Março, ou seja, com toda a legalidade ; • agora, percebe a Ré mulher a reserva mental com que a A. mulher actuou, designadamente quando lhe pediu para arredondar (para baixo) o acerto de contas entre ambas, para cem mil euros, e cuja regularização constituiu condição prévia para o acordo de partilha e justificou a dilação de seis meses para dar tempo aos AA. para se habilitarem para tal pagamento ; • com esta falta de seriedade e com este tipo de procedimento não admira que a A. mulher num processo que nada tem de transcendente, se tenha incompatibilizado com seis Advogados, e já não encontrasse na Madeira quem a patrocinasse ; • aliás, se os AA. considerassem que o acordo de partilha, homologado por sentença judicial transitada em julgado, não correspondia à vontade das partes e à verdade do acordado, teriam, antes de mais, de requerer a sua anulação ou, mesmo, interpor daquela sentença recurso de revisão ; • não o tendo feito, (nem se vê que lograssem obter qualquer sucesso), os AA. tentaram tornear essa circunstância com a construção arquitectada na presente acção que tenta alicerçar-se na imputação de conduta ilícita, e mesmo dolosa, por parte da R. mulher. Concluem, no sentido de: - deverem ser consideradas procedentes as excepções deduzidas, com a sua consequente absolvição da instância ; - em qualquer caso, ser julgada improcedente a acção, com todas as suas consequências ; - serem os Autores condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização condignas. 3 – Notificados expressamente para se pronunciarem acerca das excepções invocadas na contestação, vieram os Autores fazê-lo por requerimento de 09/01/2024, concluindo no sentido da improcedência das deduzidas excepções de caso julgado e de abuso de direito. 4 – Obtida prévia anuência das partes quanto à dispensa de realização da audiência prévia, em 16/04/2024, foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados dos autos afigura-se a possibilidade de se verificar a exceção de autoridade do caso julgado, razão pela qual, atento o disposto no art. º 3º, nº 3 do C.P.C., concedo às partes o prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre essa eventual exceção, informando igualmente se mantêm a sua concordância em relação à dispensa da audiência prévia. Notifique”. 5 – Respondendo ao convite, vieram os Autores referenciar o seguinte: “(….) QUANTO À EVENTUAL EXCEPÇÃO DE AUTORIDADE DE CASO JULGADO, os AA. compreendem a posição muito prudente de V. Ex.ª. Contudo, entendem ser muito claro que NÃO se verifica a excepção de autoridade de caso julgado. Esse seu entendimento radica numa constatação elementar, que é a de, in casu, o hipotético caso julgado a cuja autoridade se quisesse lançar mão, a existir, ser apenas um caso julgado formal, não um caso julgado material. Os RR., como dito na resposta dos AA. de 9 de Janeiro passado, entenderam serem três as decisões a que se reportariam as excepções de caso julgado (e não autoridade de caso julgado) por eles deduzidas, a saber: a) a sentença de homologação da partilha; b) a decisão que “ordenou” à A. mulher o depósito das tornas alegadamente ainda não pagas; e c) finalmente, o douto despacho que adjudicou à R. mulher, cinco dos prédios que, pelo acordo de partilha homologado, haviam sido adjudicados anteriormente à A. mulher. Quanto à decisão referida na alínea a) supra, ficou dito na aludida resposta dos AA. que “a inconformação dos AA. que originou a presente acção nada teve ou tem que ver com a mencionada sentença de homologação da partilha, mas sim e unicamente com o que veio a passar-se depois com a fase aludida no artigo 12.º do articulado inicial dos AA”. E que estava em causa, apenas, a FASE que logo apontaram como sendo << BEM DISTINTA do inventário propriamente dito >>, acrescentando que << a Doutrina e a Jurisprudência vêm tratando, correctamente, e desde há muito, como a de EXECUÇÃO ESPECIAL PARA COBRANÇA DE TORNAS >>, a fase em questão. Os AA. também ali explicitaram o seu entendimento de que se estava perante << um regime de execução simplificada, quer quanto ao título executivo quer quanto à tramitação a que está sujeito >>, sem que deixasse << de se estar NO DOMÍNIO PROCESSUAL DAS EXECUÇÕES >>. Acrescentaram que era evidente que os AA. apenas vieram questionar, nesta acção, o que se passou nessa nova fase, de execução para cobrança de tornas. E que, assim, a invocação, como se de excepção se tratasse (e não trata), do caso julgado decorrente da sentença de homologação da partilha, não pode ser tida como defesa por excepção, mas antes inteiramente desconsiderada,” uma vez que nada tem a ver com a realidade de uma acção (esta) em que o que os demandantes põem em causa é já o que se passou na fase executiva, simplificada embora, iniciada depois do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, que os AA. não discutem minimamente”. No tocante à decisão referida na alínea b) supra, um despacho da Senhora Notária, despacho esse que os RR. dizem ser de 8-07-2021, e em que a autora do despacho, segundo eles, “ordenou” o depósito das tornas supostamente não pagas, a existir despacho com o conteúdo apontado pelos demandados, seria manifestamente um despacho de mero expediente e, de todo o modo, proferido “já fora da fase do inventário propriamente dito, situada, isso sim, na sequência da partilha já finda, e na fase da execução simplificada”. Relativamente à decisão referida na alínea c) supra, também ela integra já a fase de execução para cobrança de tornas, e não a fase de inventário propriamente dito. Ficou alegado na resposta já mencionada que “é hoje generalizadamente aceite pela melhor Doutrina e também já pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça, que, não tendo havido oposição à execução ou a algum dos seus actos, preliminares incluídos, isso não impede que quem é executado recorra a meios processuais autónomos para defender os seus direitos indevidamente postergados por execução injusta. E que, “assim, o facto de as questões mencionadas na petição inicial desta acção não terem sido suscitadas, oficiosamente ou por iniciativa dos ora demandantes, no âmbito de oposição à execução instaurada contra a A. mulher, não obsta a que as mesmas sejam agora suscitadas, com vista a evitar/anular o enriquecimento sem causa dos aqui demandados”. Como então demonstrado, nomeadamente com recurso a conscienciosa decisão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que ficou parcial mas substancialmente transcrita, nas execuções não existe por parte dos executados o ónus de embargar e, não existindo, << não ficam precludidos os fundamentos não invocados (e que não há preclusão decorrente da não dedução de embargos) >>, tal como foi vertido no Sumário do douto Acórdão do STJ de 3 de Maio de 2023, proferido no processo n.º 1704/21.0T8GRD.C1.S1. A consequência jurídica é a de que << o caso julgado que se constitui é restrito à causa de pedir invocada e, em consequência, não há preclusão em relação ao que não foi invocado/discutido nos embargos.>> Como o Conselheiro Abrantes Geraldes consignou na Nota 7 aposta em pé-de-página no aresto a que acaba de aludir-se, “enquanto o ónus de embargar não for assumida e explicitamente consagrado pelo legislador, não há processualmente onde alicerçar os efeitos preclusivos”. Atento o que precede e se invocou na resposta dada pelos AA., em 9 de Janeiro deste ano, às excepções vertidas na douta contestação, uma conclusão se impõe, e é, sem margem para quaisquer dúvidas, a de que não se formou caso julgado material sobre o conteúdo das decisões para as quais os RR. reclamam existência de caso julgado. A existir caso julgado em qualquer dessas decisões, tratar-se-á apenas de caso julgado formal. A autoridade de caso julgado pressupõe, obviamente, que haja um anterior “caso julgado”. Se, como ficou dito, nas execuções não embargadas não se produzem os efeitos preclusivos e, nas embargadas, eles só se produzem relativamente aos fundamentos dos embargos deduzidos e apreciados (por a lei processual vigente não impôr aos executados o ónus de embargar), é seguro que não há, nos casos das decisões apontadas pelos RR., nada que vedasse a propositura da presente acção, por não se ter formado verdadeiro caso julgado de cuja autoridade haja de cuidar-se. A existir, não passará de caso julgado formal. No artigo de RUI PINTO intitulado “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, publicado na Revista JULGAR Online, novembro de 2018) é citada e transcrita uma passagem do Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Julho de 2018 (proferido no processo 26902/13.6T2SNT.L1-2, e relatado pela Senhora Desembargadora Maria José Mouro). É a passagem em que é afirmado que << o caso julgado formal só tem um valor intraprocessual enquanto o caso julgado material, além dessa eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada.>> Assim, é claro que, se os AA. puderam e podem intentar e fazer seguir, legitimamente, e por ausência de efeitos preclusivos de decisões proferidas adentro do processo de execução simplificada em que a A. mulher, e aliás só ela, foi executada, jamais se poderá reivindicar com sucesso, nesta oportunidade, o impedimento a que este Tribunal conheça do mérito da acção com base na ausência na lei de imposição aos executados do ónus de embargar. Em conclusão: não há nestes autos lugar para o reconhecimento de qualquer excepção de autoridade de caso julgado.”. 6 – Apresentaram igualmente pronúncia os Réus, referenciando o seguinte: “I - Quanto à excepção de caso julgado a) Da sentença de homologação de partilha 1. Está fora de causa que é um adquirido da nossa lei processual, bem como da nossa Doutrina e Jurisprudência, que a sentença homologatória da partilha, uma vez transitada, constitui caso julgado material, para todos os legais efeitos. 2. E esta questão assume particular importância no domínio da legislação que atribuiu aos Notários a competência para a tramitação dos inventários, entretanto, alterada. 3. Certo é, porém que, para além da sentença homologatória da partilha, verifica-se que em diversas situações, anteriores ou posteriores à partilha, se registava, por imperativo legal, a intervenção última do Tribunal, constituindo-se caso julgado, quanto a diferentes questões incidentais, concretas, em que o Juiz intervinha, para além, e subsequentemente à própria sentença homologatória da partilha. 4. Mas vejamos a opinião do Conselheiro Augusto Lopes Cardoso quanto à sentença homologatória da partilha, especificamente na vigência do regime da competência dos Notários, (Lei nº 23/2013, de 5 de Março), como é o caso do Inventário de onde emerge a questão em causa nos autos. 5. Importa, aliás, atentar na opinião daquele ilustre Conselheiro, não apenas sobre a circunstância de a sentença homologatória da partilha constituir caso julgado, mas ainda a incidência e consequências de tal sentença sobre decisões interlocutórias, anteriores, do próprio Notário. 6. Aliás, quanto a estas, enquanto não tiver sido proferida sentença homologatória da partilha, refere Lopes Cardoso: “Temos tido o cuidado de amiúde falar, admitimos que com maior rigor, em caso resolvido, em paralelismo com o conceito típico do Direito Administrativo; razão pela qual é hoje mais exacto do que dantes falar, como se faz no art.º 17º-1 RJPI, em questões «definitivamente resolvidas». É que, por princípio, não é extrapolável, sob pena de grosseira violação do art.º 202º-1 CRP, o conceito de caso julgado”. 7. E mais adiante refere: “Por isso, se sustentou aqui a necessidade de uma análise minuciosa e definitivamente decisória de todas e cada uma das questões decididas no decurso do processo de inventário, a ter lugar na decisão (sentença) homologatória da partilha. Mais se nos afigura que assim deve ser mesmo na decisão notarial que não tenha tido impugnação, mas que tenha decidido controvérsia «no confronto do cabeça-de-casal ou dos demais interessados» (cf. RJPI art.º 17º-1). Daqui resulta que é a decisão homologatória da partilha que vai conferir às questões interlocutórias a que se refere o art.º 17º RJPI a subsistência de caso julgado, com toda a sua força”. 8. E conclui aquele autor: “É, assim, razoável afirmar que o caso julgado da decisão (sentença) homologatória da partilha, sobre valer por si mesmo quanto à própria partilha efectuada, solidifica os casos julgados que as decisões intercalares foram estabelecendo e, do mesmo passo, consolida as resoluções tomadas pelos interessados no decurso do inventário”. 9. Ora, é necessário ter presente os termos da partilha em causa para se saber o conteúdo do que foi homologado por sentença, ou seja, o que passou a integrar e a constituir caso julgado material, para todos os legais efeitos. 10.E isso, no presente caso, é de uma clareza cristalina e integra, basicamente, os seguintes itens: - A adjudicação das verbas 1 a 7 à A. mulher; - A obrigação da A. mulher pagar de tornas à R. a quantia de 100.000,00 €uros; - O prazo de pagamento de tais tornas em seis meses, a contar da data da sentença de homologação da partilha; - A renúncia do direito de reclamar, impugnar ou recorrer da sentença homologatória da partilha, prescindindo dos prazos legais para tal efeito, condição que a A. mulher, como se vê, não respeitou. b) Do caso julgado constituído pelo despacho da Snrª Notária que ordenou à A. mulher que procedesse ao pagamento das tornas, nos termos do art.º 62º, nº 1 do RJPI (Lei nº 23/2013, de 5 de Março) 11.Importa ter presente que este despacho da senhora Notária, a ordenar à A. mulher que procedesse ao depósito das tornas, nos termos do art.º 62º, nº 1 do RJPI, é já, em si mesmo, um acto executório do caso julgado constituído pela sentença de homologação da partilha. 12. Efectivamente, mais não se tratou do que da execução de caso julgado judicial, anterior, e, em consequência, parte integrante do mesmo. 13.Ora, na exacta medida em que se trata de acto que se limita, no quadro legal, a cumprir ou executar caso julgado anterior, afigura-se-nos inimpugnável. 14.De qualquer forma, ainda que pudesse ser impugnado, a verdade é que não o foi, e, em consequência, ainda como acto executório da transitada sentença homologatória da partilha, passou a constituir, em si mesmo, uma vez transitado, caso julgado. 15.Mas, de qualquer modo, uma vez que, não foi efectuado o pagamento ou depósito das tornas, no prazo legalmente fixado e conforme havia sido ordenado, veio a ser proferido, pelo Meritíssimo Juiz da Comarca do Funchal, despacho de adjudicação à R. mulher das verbas 1 a 7 da relação de bens, nos termos do nº 1 do art.º 62º da Lei nº 23/2013, de 5 de Março. 16.Tal despacho também não foi impugnado e, em consequência, transitou em julgado. 17.Ora, como não podia deixar de ser, aquele despacho judicial de adjudicação à R. das verbas 1 a 7, implicou a prévia análise e a confirmação da correcção do despacho da Snrª Notária, ordenando à A. que procedesse ao pagamento das tornas nos termos do nº 1 do art.º 62º do RJPI. 18.Por assim ser, este despacho passou a beneficiar e, de certo modo, a integrar e a ser assumido pelo caso julgado constituído pelo despacho do Meritíssimo Juiz de 28-06-2022, que adjudicou à R. mulher e Cabeça de Casal, CC, as verbas 1 a 7 da relação de bens. c) Do caso julgado constituído pelo despacho de adjudicação à R. mulher das verbas 1 a 7 da relação de bens, nos termos do nº 2 do art.º 62º da Lei nº 23/2013, de 5 de Março (RJPI) 19.Também o despacho de adjudicação à R. mulher das verbas 1 a 7 da relação de bens, é ainda uma consequência executória do caso julgado constituído pela sentença homologatória da partilha, ou seja, independentemente de, por si só, decorridos os prazos de impugnação, se ter constituído como caso julgado, em boa verdade, e em rigor, por ser uma decorrência de tal sentença homologatória, já beneficiava do alcance daquele caso julgado. 20.Mas ainda que se autonomize, em absoluto, o despacho de adjudicação de 28-06-2022, ele sempre constitui, por si só, caso julgado, com todas as legais consequências, como anteriormente se demonstrou, de onde decorre que a ofensa de caso julgado, é múltipla. II - CONCLUSÃO a. Não deixa de ser impressionante que a A. se tenha conformado com todos estes actos, seja da intervenção da Notária, seja da intervenção judicial, que os sindicou e validou, e depois de ter deixado precludir todos os prazos legais e processuais do inventário, e os meios próprios para reagir, tenha vindo intentar a presente acção, numa tentativa astuta de recuperar prazos legais que, como já se referiu, haviam precludido. b. Aliás, a demonstração de que o pagamento feito pela A. à R., anteriormente à partilha, nada tem a ver com o devido a título de tornas, está também patente na circunstância de terem, livremente, acordado um prazo de seis meses para este pagamento, conferindo à A. uma razoável dilação, para satisfação do que era efectivamente devido. c. Naturalmente que, para além da intrínseca conexão das decisões que se entende configurarem caso julgado, que a A. manifestamente viola com a presente acção, impõe-se chamar à atenção de que os casos julgados mais relevantes são a sentença de homologação da partilha e o despacho de adjudicação das verbas 1 a 7. d. Efectivamente, trata-se de actos judiciais puros, que têm ainda a virtualidade de validarem todos os actos notariais que lhes antecederam, incluindo o despacho da Snrª Notária, ordenando à A. que procedesse ao pagamento das tornas devidas à R.. e. Também Miguel Teixeira de Sousa e outros referem a propósito do alcance da sentença homologatória da partilha, como caso julgado, o seguinte: “Como qualquer outra decisão judicial que põe termo a um processo judicial, a sentença homologatória está sujeita a recurso, nos termos gerais, como o assegura expressamente o art.º 1123º, nº 1, alínea c). Do decurso do prazo de interposição de recurso ou de apresentação de reclamações (quando o recurso não seja admissível: art.º 616º, nº 2) depende o trânsito em julgado da sentença que, com o valor de qualquer outra decisão judicial, traduz a composição definitiva do conflito de interesses regulado através do processo de inventário”. f. Apesar de assim ser, ou seja, da natureza de caso julgado da sentença de homologação da partilha, a Lei nº 23/2013 prevê, no seu art.º 71º, a possibilidade de se proceder à emenda da partilha, quando esta, por qualquer razão, fundamentada, possa enfermar de erro. g. Efectivamente, a ser verdadeira a tese da A., de nada dever à R. (o que se não admite), teria havido erro, pois, em vez de se dizer que as tornas de 100 mil euros a pagar pela A. à R., estavam em dívida e deveriam ser pagas no prazo de seis meses, dever-se-ia ter dito que tais tornas estavam pagas, não havendo, assim, que fixar qualquer prazo para tal pagamento. h. Ora, a A. sabe bem que esse erro não existe e, por isso, não adoptou qualquer procedimento nem intentou qualquer acção de emenda à partilha, apesar de saber bem que esse seria, a ter razão (e não tem!), o único caminho processual que lhe podia assistir. i. Acresce que, para intentar tal acção a A. dispunha do prazo de um ano a partir do conhecimento de tal alegado erro. j. Ora, no mínimo, a existir erro (o que se não concede), sempre a A. ter-se-ia apercebido dele, pelo menos quando foi notificada do despacho da senhora Notária, de 08-07-2021, para, nos termos do art.º 62º, nº 1 do RJPI, proceder ao depósito das tornas (que ela, na sua tese, não devia!). k. Todavia, a A. deixou passar esse prazo de 1 ano, do art.º 71º do RJPI, de que dispunha, para requerer a acção de emenda à partilha, razão pela qual, quer a sentença de homologação da partilha, quer as demais decisões transitadas a que se aludiu, se consolidaram, definitivamente, como casos julgados. l. Acontece que a presente acção constitui ainda, e mais uma vez, um expediente para procurar tornear e tentar recuperar o prazo de 1 ano referido no art.º 71º do RJPI. m. Aliás, o inciso final do nº 1 do citado art.º 71º do RJPI “…, contanto que este conhecimento seja posterior à decisão”, sob pena de má-fé, poderia constituir, por si só, impedimento a qualquer iniciativa da A., para pôr em causa o acordo da partilha, judicialmente homologado. n. Assim sendo, a excepção de caso julgado não pode deixar de proceder, sendo que daí resulta que, em bom rigor, a presente acção constitui, em si mesma, um acto inútil, que a lei não consente (art.º 130º do CPCivil). o. Na verdade se, (por inadmissível hipótese teórica), a presente acção fosse declarada procedente, tal decisão sempre colidiria com os casos julgados que integram a excepção deduzida nestes autos, por adoptar decisão contraditória com os mesmos. p. Ora, assim sendo, teria lugar a aplicação do disposto no art.º 625º do CPCivil, que é claro no sentido de que, “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”, ou seja, cumpram-se as decisões que integram a excepção de caso julgado suscitadas. q. Daqui resulta que a decisão a proferir nos presentes autos, só não constituirá um acto inútil, (que a lei proíbe - art.º 130º do CPCivil), se for de improcedência, ou seja, e com maior rigor, se for no sentido de declarar a absolvição da instância por procedência da excepção de caso julgado. r. Assim sendo, estão reunidas todas as condições, como se demonstrou, para a procedência da excepção de caso julgado e consequente absolvição dos RR. da instância”. 7 – Posteriormente, em 15/05/2024, foi proferido saneador sentença, traduzindo-se o Dispositivo nos seguintes termos: “Em face do exposto, ao abrigo do preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 278º, nº 1 alínea e), 279º, 576º, nº 2, 577° e 578º, todos do Código de Processo Civil, julgo procedente a exceção inominada de autoridade do caso julgado e, consequentemente determino a absolvição da instância dos réus. * Custas pelos autores – art.º 527º do C.P.C. * Registe e notifique”. 8 – Inconformados com o decidido, os Autores interpuseram recurso de apelação, em 16/06/2024, por referência à sentença prolatada. Apresentaram, em conformidade, os Recorrentes as seguintes CONCLUSÕES: “1.ª A decisão que os Apelantes vieram a Juízo colocar em questão, através da acção julgada improcedente pela sentença de que se recorre, inseriu-se na fase de execução para cobrança de tornas, e não na fase de inventário propriamente dito, execução que é uma execução especial, simplificada, mas não deixa de ser uma execução. 2.ª A Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que vem sendo consolidada, com apoio de parte bem significativa da Doutrina, tem ido firmemente no sentido de que, no processo executivo, só se verifica efeito preclusivo relativamente aos meios de defesa específicos da fase executiva e, quanto àqueles desses meios utilizados nessa defesa, unicamente quanto aos concretos excepções e meios de defesa apreciados. 3.ª Essa orientação assenta no entendimento de que, no domínio da lei processual civil vigente, não existe, nas execuções, a impôr-se aos executados, o ónus de embargar e ou de concentração da defesa. 4.ª Como ficou cristalinamente exposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-05-2023, já citado nesta alegação, uma vez que não está legalmente consagrado o ónus referido na conclusão antecedente – e enquanto não vigorar, e for aplicável, diferente e oposta estatuição legislativa – , não resultam precludidos fundamentos não invocados em defesa deduzida na execução, e também não há preclusão decorrente da não dedução, pelos executados, de oposição à execução. 5.ª Inexiste de todo razão pela qual esse entendimento não deva ser aplicado a respeito da execução simplificada para cobrança de tornas a que se reporta a conclusão 1.ª antecedente. 6.ª Ao invés, e precisamente porque se está, nesse caso, perante uma execução aligeirada ou simplificada, ocorre maioria de razão para que tenha plena aplicação, em relação a ela, o entendimento apontado nas conclusões antecedentes. 7.ª A sentença que se impugna não se ocupou minimamente das matérias relevantes e invocadas pelos Apelantes, como fica exposto, no sentido da aplicação in casu do entendimento focado nas conclusões 2.ª e seguintes e, por via dessa aplicação, no da conclusão da inexistência de caso julgado a poder ser invocado contra o prosseguimento e procedência da acção, uma vez que não existia/existe qualquer preclusão que legitimasse/legitime a consideração da existência de caso julgado, e da sua autoridade. 8.ª Cientes de que os tribunais demandados, chegada a hora de decidir, têm que se pronunciar, e emitir julgamento, sobre as questões que lhe cumpre apreciar, mas já não sobre as razões, fundamentos e argumentos apresentados, os Apelantes não invocam nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão recorrida, 9.ª Sendo que, todavia, admitem que será legítimo entender que em verdade existiu essa nulidade por omissão de pronúncia, do mesmo passo que sustentam, nesta alegação, que a melhor orientação (havendo, como há, a esse propósito, divisão na Jurisprudência) é a que defende que tal nulidade é de conhecimento oficioso do Tribunal, 10.ª Razão por que manifestam aqui a sua plena confiança de que Vossas Excelências, se for caso disso, conhecerão dessa nulidade ex officio. 11.ª O certo é que, se o Senhor Juiz “a quo” não incorreu em nulidade da sentença, cometeu seguramente, o que se afirma sem quebra do respeito devido, flagrante erro de julgamento. 12.ª A decisão apelada violou, por erro de interpretação e de aplicação, as normas dos artigos 278.º, nº 1 - alínea e), 279.º, 576.º, nº 2, 577.º , 578.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, sendo patente que também errou em qualificar a autoridade de caso julgado como uma excepção dilatória, justificativa da absolvição da instância 13.ª Em consequência, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença impugnada e determinando-se que acção prossiga os seus normais termos. 14.ª Assim decidindo, Vossas Excelências farão, uma vez mais, sã e verdadeira J U S T I Ç A”. 9 – Os Recorridos/Apelados Réus apresentaram contra-alegações, sem formularem conclusões. Defendem a validade e acerto da decisão recorrida, referenciando, ainda, que caso seja julgado “necessário e conveniente à apreciação e decisão do presente recurso, que seja requerido à 1ª Instância o envio, a título devolutivo, para apensação transitória a estes autos de apelação, do processo de inventário nº 2282/20.2T8FNC, que correu pelo Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira”. 10 – Tal recurso foi admitido por despacho datado de 03/10/2024 – cf., fls. 123 -, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir. ** II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que: “1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”. Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes Apelantes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões: Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA, no âmbito do qual se ponderará acerca do seguinte: • da concreta inexistência da excepção inominada de autoridade do caso julgado ; • da inexistência de preclusão justificativa de formação de caso julgado material da decisão, na execução por tornas, de adjudicação de imóveis à Ré mulher (ora Apelada) ; • da inexistência do ónus de embargar ou de deduzir oposição à execução ; • da não preclusão dos fundamentos de oposição, não invocados em oposição deduzida à execução, ou não invocados por nenhuma oposição ter sido deduzida. ------- Adrede, conhecer-se-á, ainda, a título de questão prévia, acerca do aparente convite ao conhecimento oficioso, de pretensa nulidade, por omissão de pronúncia, do prolatado saneador sentença. ** III - FUNDAMENTAÇÃO A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO No saneador sentença recorrido/apelado, foram considerados como PROVADOS, com interesse para o conhecimento da excepção de caso julgado/autoridade do caso julgado, os seguintes factos: a) a ré requereu processo de inventário no Cartório Notarial da Licenciada …, sito no Funchal, para partilha da herança aberta por óbito de EE e FF, que nele recebeu o n.º .../17, no qual foi designada cabeça de casal a aqui ré; b) nesse processo foi efetuada e lavrada, em ata de conferência preparatória realizada em 29-01-2020, a partilha dos bens da herança aberta por óbito de EE e FF; c) os termos do acordo dessa partilha tiveram um aditamento deferido por despacho de 2-03-2020, no que concerne ao prédio identificado sob a verba n.º 4 adjudicado à ora autora; d) aquele processo de inventário correu os seus termos até final segundo o regime (RJPI) aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, tendo sido remetido a Tribunal para homologação da partilha acima referida; e) na sequência, foi proferida, pela Meritíssima Juiz de Direito do Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3, onde o processo resultante daquela remessa recebeu o n.º 2282/20.2T8FNC, douta sentença de 24 de Julho de 2020, que homologou a partilha, a qual transitou em julgado; f) ficou acordado – e a constar da ata da já aludida conferência preparatória – que, uma vez que era adjudicada à aqui autora “a totalidade das VERBAS UM, DOIS, TRÊS, QUATRO, CINCO, SEIS E SETE da relação de bens, no valor de duzentos mil euros” (ou seja, a totalidade dos bens em partilha) que a autora pagaria tornas à interessada sua irmã, CC, aqui ré, tornas essas no valor de CEM MIL EUROS; g) mais ficou consignado na dita ata que, autora e ré, de comum acordo, determinavam que as ditas tornas seriam pagas no prazo de seis meses a contar da sentença de homologação, sendo que o acordo foi aceite nos seus precisos termos pela Senhora Notária já referida; h) a 25-05-2021 a ré requereu a notificação da autora para proceder ao pagamento das tornas; i) na sequência de tal requerimento, a Senhora Notária, em 08-07-2021, proferiu despacho ordenando à autora que, nos termos do art.º 62º, nº 1 do RJPI procedesse ao depósito das tornas; j) na sequência da remessa dos autos de inventário, pela Snrª Notária, o Tribunal Judicial da Comarca da Madeira – Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3 (Proc. nº 2282/20.2T8FNC), foi proferido em 28-06-2022 (refª.: 52003408) despacho de adjudicação à ré e cabeça-de-casal, CC das verbas 1, 2, 3, 5 e 7 que integram a relação de bens da herança aberta por óbito de EE e FF, despacho este que foi devidamente notificado às partes e transitou em julgado em 20.09.2022. -------------- Ao abrigo do disposto nos nºs. 3 e 4, do artº. 607º, ex vi do nº. 2, do artº. 663º, ambos do Cód. de Processo Civil, tendo por base a prova documental junta aos autos, decide-se aditar a tal factualidade provada um novo facto, a figurar como i1), com a seguinte redacção: “i1) não se tendo procedido a tal depósito nos termos determinados, veio a interessada e cabeça-de-casal CC, ora Ré, nos termos do nº. 2, do artº. 62º, do RJPI – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, requerer a adjudicação, para preenchimento da sua quota, das verbas nºs. 1, 2, 3, 5 e 7 das heranças identificadas em b)”. ---------- QUESTÃO PRÉVIA Criticando a alegada sobriedade da decisão apelada, que acusam de ter-se recusado a analisar as dificuldades colocadas pelos autos, referenciam os Apelantes Autores que aquela não analisou minimamente os temas por si suscitados, quer na petição inicial, quer na resposta às excepções invocadas. Acrescentam bem saber que o Tribunal a quo estava vinculado a pronunciar-se, e emitir julgamento, “sobre as questões que lhe cumpre apreciar, mas já não sobre as razões, fundamentos e argumentos apresentados”, pelo que, também por esta razão, “não invocam nulidade, por omissão de pronúncia, da decisão recorrida”. Admitem, todavia, que esta possa existir, e que seja de conhecimento oficioso, pelo que “limitam-se a manifestar aqui a sua plena confiança de que Vossas Excelências, se for caso disso, conhecerão dessa eventual nulidade ex officio”. Apreciando: Os Recorrentes não invocam a nulidade enunciada, sobre cuja existência manifestam dúvidas, colocando-se numa situação em que admitem o seu oficioso conhecimento, num discurso equívoco e pouco claro. Logicamente que o presente Tribunal não carecia do assentimento e alerta dos Apelantes para, caso entendesse dever intervir em termos oficiosos, o fazer, conhecendo acerca das matérias que estivessem no seu âmbito de disponibilidade oficiosa. Pelo que, nada requerendo os Recorrentes acerca de tal matéria, e não suscitando a mesma um dever de oficiosa intervenção deste Tribunal, nada urge decidir ou determinar. ** B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO Alegam os Recorrentes que na execução por tornas, de adjudicação de imóveis à ora Ré mulher (Apelada), não ocorreu qualquer preclusão justificativa de formação de caso julgado material da decisão aí prolatada. Com efeito, naquela execução especial, tal como ocorre nos demais processos executivos, inexiste qualquer ónus de embargar ou deduzir oposição à execução, pelo que não precludem os fundamentos de oposição não invocados na oposição (embargos) deduzida à execução, ou não invocados por nenhuma oposição ter sido deduzida. O que determina, consequentemente, a inexistência da determinada excepção inominada de autoridade de caso julgado. Em sede contra-alegacional, referenciam os Recorridos Réus que o ocorrido no inventário traduziu-se na dedução do incidente de adjudicação, à reclamante das tornas, dos bens que haviam cabido em partilha, o que se traduz num mero incidente no inventário, previsto no nº. 2, do artº. 62º, da Lei nº. 23/2013, e não o desencadear de qualquer processo executivo, ainda que especial, para efeito da cobrança do valor das tornas. Assim, acrescentam, a execução só tem lugar quando não é reclamado o pagamento das tornas, nos termos do nº. 2, do artº. 62º, da Lei nº. 23/2013 (que reproduz o nº. 4, do artº. 1378º, do antecedente Cód. de Processo Civil), o qual se traduz num incidente destinado a evitar a execução. Pelo que, estando-se perante despacho judicial proferido no inventário, e não se inserindo em qualquer processo executivo, não é passível de embargos, mas sim de recurso de apelação, que não foi interposto, tendo aquela decisão transitado em julgado. No saneador sentença apelado raciocinou-se, em súmula, nos seguintes termos: - cumpre apreciar acerca da invocada excepção de caso julgado ou autoridade de caso julgado ; - relativamente à excepção de caso julgado, no processo de inventário, que correu termos no Cartório Notarial, onde recebeu o nº. .../17 e que, posteriormente, foi tramitado no Juízo Local Cível do Funchal – Juiz 3, onde recebeu o nº. 2282/20.2T8FNC, foi pedida a partilha dos bens da herança aberta por óbito de EE e FF ; - na presente acção, pretendem os Autores que seja julgada nula e sem efeito a adjudicação à Ré de 5 prédios (identificados no despacho de 28/06/2022, proferido no processo de inventário), invocando, para o efeito: • A responsabilidade civil extracontratual ; • O enriquecimento sem causa ; - assim, o pedido e a causa de pedir nestes autos são distintos do pedido e causa de pedir do referido processo de inventário, pelo que não se verifica a invocada excepção de caso julgado ; - relativamente à excepção de autoridade de caso julgado, esta tem a ver com a existência de relações entre acções e não de identidade jurídica ; - definitivamente julgada uma certa questão, em acção que correu termos entre determinadas partes, a decisão sobre essa questão ou objecto da primeira causa impõe-se necessariamente em todas as acções que venham a correr termos ; - ainda que incidindo sobre objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como relação condicionante ou prejudicial da relação material controvertida na acção posterior ; - no processo de inventário foi efectuada a adjudicação à ora Ré das verbas nºs. 1, 2, 3, 5 e 7, através de sentença transitada em julgado a 20/09/2022 ; Através da presente acção os Autores pretendem que se declare nula e sem efeito aquela decisão judicial, ou seja, pretendem que seja anulada uma sentença transitada em julgado ; - o que consubstancia uma violação da autoridade do caso julgado ; - pois, uma decisão judicial transitada em julgado só pode ser objecto de revisão através do recurso previsto nos artºs. 696º e segs., do Cód. de Processo Civil ; - por todo o exposto, nos termos dos artºs. 278º, nº. 1, alín. e), 279º, 576º, nº. 2, 577º e 578º, todos do Cód. de Processo Civil, julga-se procedente a excepção inominada de autoridade do caso julgado e, consequentemente, determina-se a absolvição dos Réus da instância. Entendem os Autores Apelantes que a adjudicação dos bens imóveis efectuada à ora Ré mulher, nos autos de inventário, ocorreu no âmbito de um processo de natureza executivo (execução especial ou especialíssima), e que o facto de não terem deduzido qualquer oposição á mesma, não determinando qualquer preclusão, não traduz ou consubstancia qualquer situação de caso julgado ou autoridade de caso julgado, capaz de obstar a que a oposição que então não foi exercida o possa ser através da presente acção autónoma. Nomeadamente, através da invocação de que o aludido não pagamento das tornas não corresponde à realidade, mas que as mesmas foram tempestivamente liquidadas, determinando as consequências que enformam o petitório deduzido: pedido de nulidade da adjudicação efectuada, cancelamento do registo de aquisição de tais imóveis a favor da então credora, ora Ré mulher, e cancelamento do registo da hipoteca legal sobre os mesmos imóveis. Por sua vez, os Réus Apelados defendem que aquela adjudicação à reclamante de tornas ocorreu no âmbito de um incidente do inventário, previsto no nº. 2, do artº. 62º, da Lei nº. 23/2013, destinado a evitar a execução, e não no âmbito de um qualquer processo executivo, ainda que especial, nomeadamente o previsto no nº. 3, do mesmo normativo. Assim, não se inserindo aquele despacho de adjudicação em qualquer processo executivo, não é o mesmo susceptível de embargos, mas sim de recurso de apelação, o qual não foi interposto, tendo tal decisão transitado em julgado e impondo-se os seus efeitos nestes autos sob a forma de autoridade de caso julgado. Desta forma, urge aferir acerca do seguinte: - num primeiro momento, aferir se tal decisão de adjudicação, decorrente de alegado não pagamento das tornas por parte da interessada licitante (ora Autora), se insere num processo ou procedimento executivo, susceptível de admitir a dedução de oposição, mediante embargos ; - na afirmativa, apreciar se a não dedução de tal oposição tem natureza preclusiva, inviabilizando que as questões que ali não foram (e deveriam ser) apreciadas (nomeadamente o facto das tornas terem sido efectivamente pagas), o possam ser posteriormente em acção autónoma ; - na negativa, determinar quais os efeitos decorrentes do trânsito em julgado daquela decisão de adjudicação. Analisemos. - Do pagamento das tornas mediante adjudicação Estatui o artº. 62º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, ao abrigo do qual tramitaram os autos de inventário até final, sobre a epígrafe pagamento ou depósito das tornas, que: “1 - Reclamado o pagamento das tornas, é notificado o interessado que tenha de as pagar, para as depositar. 2 - Não sendo efetuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 60.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo neste caso aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior. 3 - Podem também os requerentes pedir que, tornando-se definitiva a decisão de partilha, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas. 4 - Não sendo reclamado o seu pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da decisão homologatória da partilha e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tomados, quanto aos móveis, os atos previstos no artigo 68.º” (sublinhado nosso). Antecedentemente, tal normativo, sob a epígrafe pagamento ou garantia das tornas, encontrava-se enunciado no artº. 58º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário – aprovado pela Lei nº. 29/2009, de 29/06 -, prescrevendo o nº. 2 que “não sendo as tornas pagas, nem garantido o seu pagamento, nem aceite a proposta para o seu pagamento, os requerentes podem pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que garantam imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar, sendo aplicável o disposto no n.º 4 do artigo anterior”. O qual sucedeu ao artº. 1378º, do Cód. de Processo Civil – redacção do DL nº. 329-A/95, de 12/12 -, que, tendo como título pagamento ou depósito das tornas, estatuía no seu nº. 2 que “não sendo efectuado o depósito, podem os requerentes pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no artigo 1376.º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar. É aplicável neste caso o disposto no n.º 4 do artigo anterior”. Acrescentando este normativo, no seu nº. 3, que “podem também os requerentes pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para o pagamento das tornas”. Em anotação a este último normativo, referencia Lopes Cardoso – Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, 4ª Edição, 1990, pág. 448 a 453 – que, nas situações de falta do tempestivo depósito das tornas cujo pagamento foi reclamado, podem os credores das tornas “optar por um dos seguintes procedimentos: a. Ou pedir que das verbas destinadas ao devedor lhes sejam adjudicadas, pelo valor constante da informação prevista no art. 1376º, as que escolherem e sejam necessárias para preenchimento das suas quotas, contanto que depositem imediatamente a importância das tornas que, por virtude da adjudicação, tenham de pagar ; b. Ou pedir que, transitada em julgado a sentença, se proceda no mesmo processo à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento das tornas”. Assim, no que concerne à primeira opção, “a adjudicação de verbas referida no nº. 2 do art. 1378º só pode ser pedida por os credores de tornas que oportunamente reclamarem o pagamento não satisfeito. Deste facto deriva para eles o direito a escolher, de entre as verbas destinadas ao devedor (licitante remisso), as necessárias para preenchimento das suas quotas”. Todavia, nesta escolha, “não deixará de considerar que, tendo a escolha de recair em verbas que, pelo seu valor, preencham a respectiva quota, haverá de reduzir-se ao mínimo a importância a tornar por sua parte”. Assim deferida a adjudicação e efectuado, subsequentemente, o depósito do excesso por sua parte, caso exista, concretiza-se a adjudicação dos respectivos bens escolhidos, sendo que, porém, aquele despacho de adjudicação “não deve ser proferido sem audição prévia do devedor das tornas (licitante remisso), isto para lhe possibilitar tomar posição quanto à própria escolha e, até, quanto á dispensa do depósito das tornas de que, mercê dela, venha a ser credor”. Relativamente á enunciada segunda opção ou consequência da falta do depósito tempestivo das tornas reclamadas, “só possível quando o credor não tenha requerido a adjudicação, consiste na faculdade, a este outorgada, de pedir que se proceda à venda dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento delas. Está aqui a criação de um novo, privativo e prático, processo executivo, embora especial”. Nesta situação, longe de seguir-se o formalismo próprio executivo, “o credor das tornas limita-se a pedir, em simples requerimento, o que no nº. 3 do art. 1378º se lhe consente. Então, formulado tal pedido e transitada que seja a sentença homologatória das partilhas, procede-se á venda, no próprio processo de inventário, dos bens adjudicados ao devedor até onde seja necessário para pagamento do seu débito ao requerente, isto sem haver necessidade de lhe instaurar qualquer processo executivo, de o citar para o efeito e de nomear bens à penhora” (sublinhado nosso). Em anotação ao transcrito artº. 62º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, sob o qual tramitaram os autos de inventário, referenciam Carla Câmara, Carlos Castelo Branco, João Correia e Sérgio Castanheira – Regime Jurídico do Processo de Inventário Anotado, 2017, 3ª Edição, Almedina, pág. 346 a 348 – que “nos termos dos n.ºs 2 e 3, se for reclamado o pagamento de tornas, mas não for efectuado tempestivamente o seu depósito, a licitação anterior não fica sem efeito, devendo os credores de tornas esclarecer se pretendem a adjudicação nos termos previstos no nº. 2 ou a venda dos bens adjudicados ao devedor, nos termos previstos no n.º 3”. Assim, “no que se refere à opção pela venda dos bens do devedor de tornas prevista no n.º 3, a mesma é, como se disse, alternativa da opção de adjudicação, não fazendo sentido ser promovida, no caso de ter sido requerida a adjudicação”. Acrescentam, realçando a “natureza complexa do processo de inventário e a diversidade em que assenta a sua natureza com enxertos declarativos – na decisão de questões incidentais, seja para habilitar herdeiros, seja para decidir questões prejudiciais – e executivos – quando ocorre a venda, ocasionada pela falta de dinheiro suficiente na herança para satisfazer as dívidas vencidas e aprovadas por todos ou na situação em que o pagamento das tornas não é satisfeito”, citando Lopes Cardoso, encontrar-se naquele nº. 3 “ínsita a criação de um novo, privativo, prático, processo executivo (….), muito embora o credor de tornas se limite a solicitar, em simples requerimento, o que esta norma lhe permite” (sublinhado nosso). Em termos jurisprudenciais, referenciou-se no douto aresto do STJ de 04/01/1974 – Relator: Ludovico da Costa, Processo nº. 64670, in BMJ, nº. 233, pág. 212 –, a propósito do então vigente nº. 2, do artº. 1378º, do Cód. de Processo Civil, visar este preceito “dar imediato pagamento ao credor que o deseje, fazendo-lhe entrega de bens que antes estavam destinados ao devedor, deste modo evitando-se execução contra este” (sublinhado nosso). Por sua vez, equacionou-se no douto Acórdão da RC de 19/09/2006 – Relator: Cardoso de Albuquerque, Processo nº. 66-G/2000.C1, in www.dgsi.pt – se o regime previsto no nº. 3, do artº. 1378º, do então vigente Cód. de Processo Civil poderia “ser tido como mero incidente do inventário e com aplicação do mesmo regime processual que a este seja aplicável, mesmo no que concerne à aplicação subsidiária das normas reguladoras do processo executivo ou ao invés como uma verdadeira execução autónoma ainda que correndo termos no processo declarativo em que foi proferida a decisão em que se funda a que seja aplicável na parte que interesse, a nova disciplina do processo executivo. Julgamos que o entendimento mais correcto será o de ponderar que com o trâmite de venda do bem adjudicado, após findo o processo de inventário com o trânsito da sentença homologatória, se inicia de facto uma instância executiva”. Acrescentou-se, ainda, que “dado o carácter em extremo simplificado do processo de execução destinado a dar realização material coactiva ao crédito de tornas, optou o legislador por prescindir dos trâmites da execução normal por quantia certa, sendo certo que a nova lei é omissa quanto à regulamentação do mesmo. Deste modo, entendemos que a tramitação deste processo deve seguir a disciplina de qualquer outra execução decorrente da sentença de partilhas que devesse ser instaurada após a entrada em vigor da nova lei, na parte em que ela seja compatível com a dispensa das formalidades próprias destas. E isto vale por dizer que o processo se inicia precedendo despacho judicial a ordenar a venda do bem adjudicado sem a necessidade de qualquer prévio requerimento e no mais com aplicação ao trâmite da venda, do novo regime do processo executivo comum para pagamento de quantia certa (…)” (sublinhado nosso). Resulta do exposto entendimento doutrinário e jurisprudencial que a adjudicação legalmente prevista no nº. 2, do artº. 62º, do Regime Jurídico do Processo de Inventário – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, traduz-se num incidente á disposição do credor de tornas, cujo pagamento foi reclamado e não satisfeito pelo devedor, de forma a ver preenchida a sua quota através do ingresso no seu património de bens que haviam cabido em partilha ao devedor. Por outro lado, resulta com evidência que este incidente é totalmente distinto do procedimento de natureza executiva previsto no nº. 3, do mesmo normativo, possuindo um conteúdo diferenciado e uma tramitação divergente, inexistindo qualquer interligação entre ambas as soluções ou procedimentos, na disponibilidade do credor de tornas, de forma a obter o pagamento que lhe é devido. Donde, a adjudicação efectuada à então interessada e cabeça-de-casal (ora Ré) no âmbito do inventário, através do despacho prolatado em 28/06/2022, de verbas que anteriormente haviam sido adjudicadas à co-interessada (ora Autora), devedora das tornas – facto provado j) -, não se insere em qualquer procedimento ou processo de natureza ou índole executiva. E, assim sendo, não era o mesmo passível ou susceptível de oposição, mediante a dedução de embargos, mas antes, e apenas, susceptível de reacção recursória apelativa, a qual, todavia, não foi interposta, determinando que aquela decisão tenha transitado em julgado. Ora, assim sendo (como se nos afigura evidente), é destituído de qualquer utilidade, injustificando-se, aferir ou apreciar se a não dedução daquela putativa oposição tem natureza preclusiva, inviabilizando que as questões que ali não foram (e deveriam ser) apreciadas (nomeadamente o facto das tornas terem sido efectivamente pagas), o possam ser posteriormente na presente acção autónoma intentada. Ou seja, concluindo-se pela inexistência de qualquer procedimento executivo e, consequentemente, pela inexistência legal de um qualquer direito de oposição a exercer mediante a dedução de embargos, não possui qualquer utilidade concreta apreciar, in casu, acerca da eventual não preclusão dos fundamentos de oposição, não invocados em oposição deduzida á execução, ou não invocados por nenhuma oposição ter sido deduzida (como sucederia no caso sub judice), de forma a que os mesmos pudessem vir a ser posteriormente exercitados através da dedução de autónoma acção declarativa. Concluindo-se nos termos sufragados, urge então determinar quais os efeitos decorrentes do trânsito em julgado daquela decisão de adjudicação. No âmbito dos efeitos da sentença, e prevendo acerca do valor da sentença transitada em julgado, estatui o nº. 1, do artº. 619º, do Cód. de Processo Civil, que “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º”. Prescrevendo acerca do caso julgado formal, refere o artº. 620º, do mesmo diploma, que: “1 – As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo. 2 – Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630º”. Acresce o artº. 621º, acerca do alcance do caso julgado, que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”. Tornando-se a sentença definitiva, por já não ser susceptível de recurso, impugnação ou reclamação, “forma-se então o caso julgado, só formal (com efeitos apenas no processo concreto) quando a sentença tenha sido de absolvição da instância e simultaneamente formal e material (com efeitos dentro e fora do processo) quando tenha sido de mérito”. Traduzindo-se a sentença como decisão de mérito, acerca da relação material em controvérsia, produz, fora do processo o efeito de caso julgado material: “a conformação das situações jurídicas substantivas por ela reconhecidas como constituídas impõe-se, com referência à data da sentença, nos planos substantivo e processual (….), distinguindo-se, neste, o efeito negativo da inadmissibilidade duma segunda ação (proibição de repetição: excepção de caso julgado) e o efeito positivo da constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado)”. Assim, com “o caso julgado condenatório precludem definitivamente todos os meios de defesa invocáveis contra a pretensão deduzida”, e com “o caso julgado absolutório precludem todas as razões de sustentação da pretensão deduzida, que não encontraram acolhimento na decisão proferida. Fala-se de efeito preclusivo do caso julgado para caracterizar esta inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida” (sublinhado nosso). O que é aplicável não só à sentença proferida com julgamento da matéria de facto, como ainda ao próprio saneador-sentença 2. Transitada em julgado a sentença, ou seja, passando a mesma a deter o carácter ou qualidade de imutabilidade, a sua força obrigatória “desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado”. Assim, “o efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577º, al. i), segunda parte, 580º e 581º. Classicamente corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior (…). Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur”. Deste modo, enquanto “o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objecto processual, mediante a exclusão do poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objectos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão” (sublinhado nosso) 3. Nas palavras de Teixeira de Sousa 4, “a exceção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional , duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior”. Pelo que, “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de ação, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”. Pelo que, respeitada a identidade dos sujeitos, “a autoridade de caso julgado decorrente de decisão proferida em anterior ação pode funcionar independentemente da verificação do restante condicionalismo de que depende a exceção de caso julgado (art. 581º), em situações em que a questão anteriormente decidida não possa voltar a ser discutida entre os mesmos sujeitos (…), abarcando, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (…). Seguro é que tal mecanismo, que visa evitar contradições decisórias entre os mesmos sujeitos, não poderá ser invocado em ação que corra entre sujeitos diversos na perspectiva da sua qualidade jurídica” (sublinhado nosso) 5. Questão diferenciada, mas atinente à presente, reporta-se á consideração ou apreciação dos efeitos emergentes de uma decisão transitada em julgado por referência aos meios de defesa que foram, ou poderiam ter sido, invocados pelo réu em acção declarativa. Refere Alberto dos Reis 6, citando Manuel de Andrade 7, que “o caso julgado preclude todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele poderia ter deduzido, mas não deduziu, assim como preclude todas as possíveis razões do autor. Desde que a sentença reconhece o direito do autor, ficam precludidos, fica fechada a porta a todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir. É a significação da máxima tantum judicatum disputatum vel disputari debebat. Por outro lado, a sentença que julga improcedente a acção, preclude incontestavelmente ao autor a possibilidade de, em novo processo, invocar outros factos instrumentais, ou outras razões (argumentos de direito) não produzidas nem consideradas no processo anterior”. Citando jurisprudência do STJ – Acórdão de 10/10/2012, Processo nº. 1999/11 -, aludem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa 8 que a “«autoridade de caso julgado de uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova ação, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária», na medida em que uma tal pretensão poderia (e deveria) ter sido deduzida por via reconvencional na primeira ação (…)”. Jurisprudencialmente, acerca da presente problemática, podem-se referenciar, entre outros e desde logo, o aresto desta Relação de 21/11/2019 9. Expôs-se expressamente neste aresto que “a força obrigatória do caso julgado material se desdobra numa dupla (ou até tripla) eficácia: um efeito negativo (pela exceção dilatória, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação) e um efeito positivo (a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito; verifica-se quando o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial da segunda ação). A este respeito, veja-se, por exemplo, a explicação de Rui Pinto “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias” Julgar Online, novembro de 2018, págs. 6-7: “O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior [8 Assim, TEIXEIRA DE SOUSA, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), BMJ 325, 159]. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur. Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. (…) Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior. II. O efeito negativo tem por destinatário os tribunais e apresenta natureza processual. Traduz-se na exceção dilatória de caso julgado. O efeito positivo tem por destinatário as partes e os tribunais e apresenta diversa natureza, em razão do objeto da decisão. Assim, nas decisões que têm por objeto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; já nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material – a sentença é título bastante de efeitos materiais”. Na jurisprudência, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt II - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”). III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida. IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A exceção de caso julgado material encontra consagração legal como exceção dilatória no art. 577.º, al. i) do CPC. Pressupõe a repetição de uma causa em dois processos distintos, sendo seu requisito, conforme dispõe o n.º 1 do art. 580.º do mesmo código, que o primeiro desses processos tenha findado por decisão que já não admita recurso ordinário, isto é, que tenha transitado em julgado. Conforme expressamente previsto no n.º 2 do art. 580.º, a exceção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, compreendendo-se, pois, que seja de conhecimento oficioso – cf. art. 578.º do CPC. Nas palavras de Alberto dos Reis, “Oposta a excepção de caso julgado e julgada procedente, o juiz absolve o réu do pedido [pois, no anterior Código, na versão então em vigor, era considerada uma exceção perentória], embora não chegue a conhecer do mérito da causa; e absolve-o fundado na força e autoridade do caso julgado constituído pela sentença anterior. Desta sorte, evita-se um novo julgamento de mérito da mesma causa, obsta-se a que o tribunal ou contradiga ou reproduza a decisão contida na primeira instância.” - in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pág. 92. Haverá uma repetição de causas quando se verifique uma identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cf. art. 581.º CPC). A exigência desta tríplice identidade fixa os limites subjetivos e objetivos do caso julgado. Relativamente aos limites subjetivos, a identidade dos sujeitos que releva para efeito da exceção de caso julgado é, como dispõe o art. 581.º, n.º 2, do CPC, a identidade jurídica. Assim, o caso julgado forma-se relativamente aos intervenientes no processo (pessoa singular ou coletiva) e ainda quanto aos sucessores na posição jurídica substantiva das partes, os quais, por sucessão mortis causa ou transmissão inter vivos, tenham assumido a posição jurídica de quem era parte no processo (independentemente da substituição se dar no decurso da ação, quer posteriormente à prolação da sentença), e quer se trate da parte vencedora, quer da parte vencida. Neste sentido, veja-se Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, págs. 722 e seguintes. Quanto aos limites objetivos, estes traduzem-se na identidade do pedido e da causa de pedir. Para a primeira o que importa é a obtenção pelo autor (ou réu-reconvinte, quanto aos pedidos reconvencionais) do mesmo efeito jurídico que se tentara alcançar com a propositura da primeira ação (dedução de reconvenção), tenha ou não esse objetivo sido alcançado. A este propósito, veja-se a seguinte passagem do sumário do acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: A identidade de pedido – que integra a tríplice identidade (…) – é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos. Já a identidade de causas de pedir supõe que os factos em que se fundamenta o direito alegado pelo autor (ou réu-reconvinte) têm de ser os mesmos nas várias ações em causa (cf. art. 581.º, n.º 4, do CPC). Assim, haverá que conjugar a decisão do tribunal relativamente à pretensão do autor ou do réu reconvinte, concretizada no pedido ou na reconvenção, e delimitada em função da respetiva causa de pedir. Para Antunes Varela, obra citada, pág. 712, “a ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado”. Situações há em que, não obstante esta tríplice identidade não ocorra, designadamente por não existir uma coincidência de pedidos, se impõe a autoridade ou efeito positivo do caso julgado, na medida em que a decisão da causa tem como pressuposto o julgamento feito numa anterior ação sobre determinada questão concreta. Assim, como se explica no acórdão da Relação de Évora de 06-04-2017, proferido no processo n.º 5416/16.8T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt: I. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil, o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. II. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, prevista no artigo 581º do Código de Processo Civil. Vem sendo discutida a problemática da extensão do caso julgado material, se abrange apenas a decisão final ou também os respetivos fundamentos, incluindo o raciocínio lógico que conduziu à mesma. Neste último sentido, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa de 15-03-2011, no processo n.º 956/10.5TVLSB-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt: o caso julgado abrange a parte decisória da sentença ou despacho, bem como os fundamentos de facto e de direito pressupostos da parte dispositiva, funcionando como exceção dilatória, quando os objetos de ambos os processos coincidem integralmente, ou como autoridade, quando existe uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois. Parece-nos, contudo, que uma coisa é certa: não é possível retirar apenas da fundamentação (de facto e/ou de direito) de uma sentença um qualquer efeito negativo ou positivo, pois o caso julgado só se verifica em relação a questões suscitadas e apreciadas numa ação e que devam considerar-se abrangidas, ainda que de forma não expressa, nos precisos limites e termos em que julga. Daí que, como se decidiu no acórdão do STJ de 07-03-2017, proferido na Revista n.º 740/10.6TBPRG.G1.S1 - 2.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: I - Em tese geral, o caso julgado forma-se sobre a decisão proferida na acção e não sobre os fundamentos de facto da decisão. II - Os fundamentos de facto, isto é, as decisões proferidas sobre as concretas questões de facto colocadas numa acção não valem por si mesmas, não são vinculativas quando desligadas da respectiva decisão; valem apenas enquanto fundamentos dessa decisão e em conjunto com ela. III - Se a decisão proferida numa acção não constitui caso julgado impeditivo da decisão de outra, a eventual contradição entre factos provados (e não provados) numa e noutra será irrelevante e, como tal, nunca legitimará a anulação do julgamento posterior para eliminação dessa incompatibilidade factual constatada entre processos diferentes. E também no acórdão do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 3154/15.8T8PRT.S1- 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: “I - A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. II - A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida. III - Não ocorre exceção de caso julgado se não há identidade entre os pedidos formulados nas duas ações, sendo distinto o pedido de nulidade do contrato com a consequente restituição das prestações realizadas em execução do mesmo do pedido de reparação de dano em sede de responsabilidade civil. IV - Não se verifica a autoridade do caso julgado se na primeira ação não se mostra decidida qualquer questão que possa modificar ou desaparecer o fundamento da segunda: naquela, o direito a indemnização por eventuais danos sofridos tem por base a nulidade dos contratos; nesta, esse direito de indemnização é fundamentado em responsabilidade civil contratual, pressupondo a validade dos mesmos”. Veja-se ainda o acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: V - Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado. (…) VII - Temporalmente, o caso julgado é limitado ao encerramento da discussão em 1.ª instância, implicando a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões que, apesar de anteriores àquele momento, não foram – podendo ter sido – suscitadas no processo com decisão transitada. A referência temporal do caso julgado consubstancia, deste modo, um momento preclusivo. Ora, este efeito preclusivo da alegação factual que decorre do princípio da preclusão da defesa consagrado em diversos preceitos legais, com destaque, no processo declarativo comum, para o art. 573.º do CPC, tem levado a doutrina e a jurisprudência a reconhecer um efeito preclusivo do caso julgado, na medida em que a preclusão extraprocessual opera através da exceção de caso julgado. A este respeito, é incontornável referir os estudos de Miguel Teixeira de Sousa, “Preclusão e contrário contraditório”, anotação ao acórdão do STJ de 10-10-2012, no processo n.º 1999/11, publicado na revista “direito Privado”, n.º 41, Janeiro/Março 2013, págs. 18-28 e “Preclusão e caso julgado”, disponível online em https://www.academia.edu Também Rui Pinto, no artigo citado, pág. 42, se pronuncia sobre esta problemática: “Mas, simetricamente e em plena e justa igualdade com o que sucede com o autor vencedor, em caso de caso julgado positivo, para o réu vencido a condenação no pedido determina a preclusão de alegabilidade futura tanto dos fundamentos de defesa deduzidos, como dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido. E, também quanto ao réu, essa “preclusão” resulta de dois mecanismos processuais distintos. Efetivamente, o princípio da concentração da defesa na contestação (cf. artigo 573.º), incluindo na defesa superveniente (como se deduz da conjugação dos artigos 588.º, n.º 1, e 729.º, al. g)), determina a preclusão de toda a defesa que não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor. Assim, o réu que perdeu não pode, depois, na oposição à execução (cf. artigos 729.º, al. g), a contrario, e 860.º, n.º 3.º) invocar as exceções que não usara, como, por ex., a nulidade do contrato invocado pelo autor, para se negar ao pagamento. Mas, por outro lado, tampouco o pode fazer em (i) ação autónoma ou em (ii) reconvenção, porque lhe vai ser oposta a autoridade de caso julgado, decorrente da vinculação positiva externa ao caso julgado assente no artigo 619.º, em sede de objetos em relação de prejudicialidade”. Na jurisprudência, destaque para o acórdão do STJ de 06-12-2016, na Revista n.º 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2 - 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt: III - A concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação (preclusão) estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado e com o dever de lealdade e de litigar de boa-fé (processual). IV - Não faria sentido que alguém, reagindo a um acto que considera ofensivo da posse que exerce sobre uma coisa, dispondo de factos idóneos a paralisar esse acto ofensivo, não concentrasse nessa defesa todos os argumentos de facto e de direito de que dispusesse; deverá por razões de litigância transparente, invocá-los de uma só vez, cooperando para a resolução definitiva do litígio. V - O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil, decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento nos institutos da litispendência e do caso julgado – art. 580.º, n.º 2, do CPC – e nos preceitos de onde decorre o postulado da concentração dos meios de alegação dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito – art. 552.º, n.º 1, al. d), do CPC – e das excepções – quanto à defesa – art. 573.º, n.º 1, do CPC. VI - A embargante invocou, no segundo processo de embargos de terceiro com função preventiva, ser titular de direito de retenção sobre "obras novas e inovações” que implantou na fracção autónoma cuja entrega foi judicialmente ordenada, alegando que foram por si realizadas em 2005, tendo invocado, nos primeiros embargos que instaurou, a titularidade da posição de locatária do contrato de locação financeira dessa fracção, sendo que, quando interpôs os primeiros embargos as aludidas "obras e inovações” que agora invoca a fundamentar os segundos embargos já existiam. VII - A admitir-se que a embargante pudesse invocar, no segundo processo, fundamentos que omitiu, voluntariamente, no primeiro processo de embargos de terceiro com função preventiva, cuja decisão de improcedência transitou em julgado (visando ambos os processos os mesmos efeitos), seria contornar o efeito preclusivo da invocação factual, desconsiderar o princípio da concentração da defesa e violar a estabilidade do caso julgado”. Mencionemos, ainda, o douto aresto da RG de 07/08/2014 10, referenciando que “o caso julgado material pode valer como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção do caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente”. Acrescenta, citando Teixeira de Sousa 11, que na excepção do caso julgado, o caso julgado material garante “não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica”, e tem por fim “obstar que o órgão jurisdicional da acção subsequente seja colocado perante a situação de contradizer ou de repetir a decisão transitada”, representado para o tribunal o comando imperativo de não proferir decisão idêntica ou diversa da decisão transitada. Por seu lado, a autoridade do caso julgado, o caso julgado material representa “o comando de acção ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente”. Deste modo, pode então “concluir-se que os efeitos do caso julgado material se projectam “em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão do distinto objecto posterior, ou como excepção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objecto posterior”. Impondo-se, então, consequentemente, “as conclusões seguintes: - Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; - Quando a apreciação do objecto processualmente antecedente é repetido no objecto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como excepção de caso julgado no processo posterior. Ou seja, a diversidade entre os objectos adjectivos torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objectos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a excepção do caso julgado. Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada, e o efeito impeditivo, o impedimento dos sujeitos à repetição e à contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objecto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do acto decisório e o impedimento à reapreciação do acto decisório transitado em processo subsequente com idêntico objecto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão. A delimitação entre as duas figuras pode estabelecer-se, grosso modo, da seguinte forma: - Se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objectos de ambos os processos coincidem integralmente, nenhuma franja tendo deixado de ser jurisdicionalmente valorada), verifica-se a excepção de caso julgado; - Se pelo contrário, o objecto do processo precedente não abarca esgotantemente o objecto do processo subsequente, e neste existe extensão não abrangida no objecto do processo precedente (e por isso não jurisdicionalmente valorada e, logo, não decidida), ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois distintos objectos, verifica-se a autoridade do caso julgado. Basilar se demonstra então esclarecer, em cada caso concreto, se ocorre diversidade entre os objectos adjectivos das acções (precedente e subsequente) ou antes se se verifica identidade entre os objectos processuais delas, impondo-se, assim, a prévia determinação do conceito de objecto do processo”. Referenciemos, ainda, o exposto no douto Acórdão do STJ de 18/06/2014 12, o qual começa por ressalvar que “a “autoridade do caso julgado” não pode servir para desvirtuar a figura do “caso julgado”. Ou seja, o objectivo de evitar toda e qualquer contradição lógica entre duas sentenças judiciais, ainda que proferidas em processos diferentes, não pode justificar que, contra as mais elementares regras processuais, se façam repercutir numa acção que corre entre determinados sujeitos os efeitos decorrentes de uma sentença proferida noutro processo que correu entre outros sujeitos”. Acrescenta, então, que “a autoridade de caso julgado é um conceito que tem sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir. Ainda assim, Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312)” (sublinhado nosso). Deste modo, aduz-se, noutras situações a ““autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado. Tal pode ocorrer, segundo Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Ainda assim, acrescenta o mesmo autor, “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581). (…) O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção” (sublinhado nosso). Por sua vez, o douto Acórdão do STJ de 03/11/2016 13 invoca que tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem duas funções ao instituto do caso julgado. Assim, “se a função positiva [é negativa, existindo manifesto lapso no aduzido] é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a função positiva é desempenhada pela autoridade do caso julgado, visando evitar que o Tribunal seja confrontado com a necessidade de reproduzir ou de contradizer uma anterior decisão que apreciou determinada questão ou resolveu determinado litígio. Quanto à excepção de caso julgado é de exigir a identidade dos três elementos que integram a instância e que são enunciados e delimitados no art. 591º do CPC. Já para que possa ser invocada a autoridade de caso julgado é fundamental apreciar se a questão se encontra ou não coberta por alguma decisão anterior, de tal modo que se torne desnecessário ou inconveniente uma pronúncia posterior. Não se tornando necessária uma total identidade daqueles elementos, não poderá deixar de se verificar alguma sobreposição nos elementos, com especial destaque para o elemento subjectivo” (sublinhado nosso). O que realça, apelando ao entendimento de Lebre de Freitas 14, quando este referencia que “a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida”. Enuncie-se, ainda, o sumariado no douto aresto do mesmo STJ de 07/03/2017 15, no sentido de que: “1. A excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, dessa mesma realidade - o caso julgado; a excepção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: "a autoridade existe onde a excepção não chega, exactamente nos casos em que não há identidade objectiva". 2. Esta distinção tem justamente por pressuposto que, na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objectos dos dois processos e na excepção uma identidade entre esses objectos. Naquele caso, o objecto processual decidido na primeira acção surge como condição para apreciação do objecto processual da segunda acção; neste caso, o objecto processual da primeira acção é repetido na segunda. 3. Está essencialmente em causa a força vinculante da decisão anterior transitada em julgado, que se impõe em termos absolutos, impedindo a repetição (excepção), ou em termos relativos, impedindo apenas a contradição (autoridade)” (sublinhado nosso) 16. Por fim, mencione-se, ainda, o sumariado no douto Acórdão do mesmo STJ de 13/09/2018 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 687/17.5T8PNF.S1, in www.dgsi.pt -, onde se consignou que “a autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil” (sublinhado nosso). De retorno ao caso concreto, vejamos: - no âmbito dos autos de inventário, que correram termos em Cartório Notarial, em que as ora Autora e Ré figuraram como interessadas, foi efectuada, em 29/01/2020, a partilha dos bens das heranças abertas por óbito dos inventariados ; - em sede de Tribunal competente, tal partilha foi homologada por sentença datada de 24/07/2020, devidamente transitada em julgado, tendo sido adjudicada à interessada ora Autora a totalidade dos bens em partilha (verbas nºs. 1 a 7), ficando esta vinculada a pagar tornas á co-interessada sua irmã, ora Ré, no valor de 100.000,00 € (cem mil euros), no prazo de 6 meses a contar da sentença de homologação ; - em 25/05/2021, a ali interessada, ora Ré, requereu a notificação da adjudicante, ora Autora, para proceder ao pagamento das tornas, tendo a Sra. Notária, em 08/07/2021, proferido despacho a determinar que a interessada devedora de tornas, ora Autora, procedesse ao depósito das tornas devidas, nos termos do artº. 62º, nº. 1, do RJPI ; - não se tendo concretizado o depósito nos termos determinados, veio a interessada e cabeça-de-casal CC, ora Ré, nos termos do nº. 2, do artº. 62º, do RJPI – aprovado pela Lei nº. 23/2013, de 05/03 -, requerer a adjudicação, para preenchimento da sua quota, das verbas nºs. 1, 2, 3, 5 e 7 das heranças sob partilha ; - remetidos novamente os autos de inventário ao Tribunal competente, em 28/06/2022, foi prolatado despacho de adjudicação à interessada credora de tornas, ora Ré, das verbas nºs. 1, 2, 3, 5 e 7, integrantes da relação de bens das heranças ; - tal despacho foi devidamente notificado às partes, tendo transitado em 20/09/2022 ; - através da presente acção pretendem os Autores que seja julgada nula e sem efeito a adjudicação à ora Ré mulher de tais verbas, que se traduzem em imóveis, e que, para além do demais, seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré mulher de tais cinco prédios ; - o que fundamentam na alegação de que o valor das tornas foi devidamente liquidado, pelo que inexistia qualquer razão para a determinada adjudicação à ora Ré mulher, operada nos quadros do nº. 2, do artº. 62º, do RJPI então vigente ; - pretendendo, assim, a procedência daquele petitório sustentada na responsabilidade civil extracontratual dos Réus ou, subsidiariamente, no instituto do enriquecimento sem causa ; - todavia, conforme enunciámos, quer o requerimento da interessada credora de tornas, que alegava omissão no seu pagamento, quer a determinação da Sra. Notária, no sentido da notificação da devedora interessada proceder ao depósito das tornas, quer, ainda, o próprio despacho de adjudicação á interessada credora dos bens por esta indicados como pretendidos para o preenchimento da sua quota, nos termos do citado nº. 2, do artº. 62º, do então vigente RJPI, não mereceram qualquer reparo, pronúncia ou oposição por parte da indicada interessada devedora ; - tendo vindo, inclusive, o despacho de adjudicação, sustentado no não pagamento das tornas pela interessada obrigada devedora, a transitar em julgado, pois não foi alvo de qualquer recurso por esta (a ora Autora) interposto ; - transitada em julgado esta decisão, que adjudicou à ora Ré bens do activo em partilha, sustentada no não pagamento das tornas por parte da co-interessada devedora, ora Autora, impõe-se a autoridade ou efeito positivo do caso julgado, pois, a decisão proferenda na presente acção teria por pressuposto o invocado pagamento das tornas, sendo que esta questão concreta já foi apreciada e julgada antecedentemente, em sentido divergente, naqueles autos de inventário ; - concretizando, a autoridade de caso julgado formado por aquela decisão prolatada nos autos de inventário, tendo por base o omisso pagamento de tornas por parte da interessada devedora adjudicante, inserindo-se no objecto desta acção, obsta que aquela situação jurídica material definida nos autos de inventário – não pagamento das tornas devidas, determinante da procedência do incidente de adjudicação à interessada credora - possa ser contrariada pela presente acção, nomeadamente através de diversa definição da mesma situação, ou seja, da alegação de efectivo pagamento daquelas mesmas tornas ; - com efeito, o assentimento do não pagamento das tornas, que justificou a procedência da requerida adjudicação á interessada credora, ora Ré, cobre, sob a autoridade de caso julgado, a questão que ora se pretendia apreciar do aludido não pagamento das mesmas tornas, o que determina a desnecessidade ou inconveniência desta posterior pronúncia ; - manifestando-se, assim, o caso julgado material, como autoridade de caso julgado, no seu aspecto positivo de proibição de contradição daquela decisão transitada, encontrando-se as partes e o Tribunal vinculados a esta antecedente decisão ; - efectivamente, e conforme aludido, a autoridade de caso julgado tem como campo de abrangência relevante não apenas o segmento decisório da decisão transitada, mas também os fundamentos da decisão, ou os requisitos ou pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação da decisão declarada ou prolatada ; - o que conduz á verificação de excepção de autoridade do caso julgado. Ora, conforme referenciado, o saneador sentença apelado entendeu estarmos perante a verificação, nos termos dos artigos 278º, nº. 1, alín. e), 279º, 576º, nº. 2, 577º e 578º, todos do Cód. de Processo Civil, de excepção dilatória inominada de autoridade do caso julgado, determinante de absolvição dos Réus da instância. Todavia, conforme referenciado no douto Acórdão do STJ de 28/03/2019 – Relator: Tomé Gomes, processo nº. 6659/08.3TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt -, “verificada a autoridade do caso julgado de uma decisão de mérito que seja incompatível com o objeto a decidir posteriormente noutra ação, o seu alcance não pode deixar de se repercutir no próprio mérito desta, importando, nessa medida, a sua improcedência com a consequente absolvição do réu do pedido. Diferentemente sucede no domínio da exceção dilatória de caso julgado como tal incluída no artigo 577.º, alínea f), do CPC, cuja procedência determina a absolvição do réu da instância nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), e 576.º, n.º 2, do mesmo Código” (sublinhado nosso). Entendimento que é sustentado, entre outros, pelos seguintes doutos arestos (todos in www.dgsi.pt): da RE de 13/01/2022 – Relatora: Emília Ramos Costa, Processo nº. 260/21.3T8STR.E1 -, e desta Relação de Lisboa de 27/05/2021 – Relatora: Gabriela Cunha Rodrigues, Processo nº. 4171/20.1T8LSB.L1-2, no qual o ora Relator figura como 1º Adjunto – e de 26/10/2021 – Relator José Capacete, Processo nº. 511/20.1T8PDL-A.L1-7. Resulta, assim, não se configurar a autoridade de caso julgado como uma excepção dilatória, sendo, deste modo, insusceptível de retirar da mesma um qualquer fundamento para um juízo de absolvição da instância, nomeadamente através da invocação do prescrito nos artigos 278º, nº. 1, alín. e), 279º, 576º, nº. 2, 577º e 578º, todos do Cód. de Processo Civil. Todavia, tendo sido neste sentido a decisão do Tribunal Recorrido, e não tendo os Apelados interposto recurso daquela, é legítimo ao presente Tribunal convolar tal decisão em juízo de absolvição do pedido ? Tal admissibilidade foi sustentada pelo citado aresto desta Relação de 26/10/2021, sustentado no juízo aposto no referenciado aresto do STJ de 28/03/2019, donde consta que inscrevendo-se a autoridade de caso julgado “no plano do mérito da ação, implica necessariamente um juízo de improcedência desta com a consequente absolvição dos R.R. dos pedidos aqui formulados e não uma mera absolvição da instância, conforme o decretado pelas instâncias, como sucederia em caso de exceção dilatória do caso julgado. Trata-se, no entanto, de um erro de qualificação jurídica que importa aqui suprir e como tal assim decidir”. Em sentido divergente, pronunciou-se o citado aresto desta Relação e Secção de 27/05/2021, o qual, confrontado coma a decisão recorrida na qual foi verificada uma excepção dilatória, determinante da absolvição da Ré da instância, entendeu que “uma procedência parcial nesta parte seria desfavorável ao próprio Recorrente e favorável à Recorrida, que não recorreu. Corresponderia a incorrer no vício de alterar uma decisão em desfavor do Recorrente. A proibição da reformatio in pejus está prevista no artigo 635.º, n.º 5, do CPC. Assim, resta apenas julgar o recurso improcedente” (sublinhado nosso). Entendimento que foi corroborado pelo enunciado aresto da RE de 13/01/2022, no qual se consignou que “a autoridade de caso julgado não é, assim, como o caso julgado, uma exceção dilatória que leva à absolvição do Réu da instância, uma vez que implica uma efetiva apreciação do mérito da ação, impondo a apreciação concreta das causas de pedir e dos pedidos em ambas as ações, pelo que a constatação de que estamos perante uma situação de autoridade de caso julgado impõe a improcedência da ação e a consequente absolvição do Réu do pedido. Porém, não foi assim que a 1.ª instância decidiu, sendo que a correta decisão beneficiaria não o Apelante, mas o Apelado, o qual não interpôs recurso. Nesta conformidade, apesar do errado enquadramento jurídico efetuado pela 1.ª instância, uma vez que tal alteração seria em desfavor do Apelante, encontrando-se, nos termos do art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, proibida a reformatio in pejus, não se procederá a qualquer alteração na sentença recorrida, julgando-se apenas o recurso improcedente” (sublinhado nosso). Ora, na ponderação e reiteração do argumentário exposto, não descortinamos motivo para divergir da solução já perfilhada por esta Secção e Relação (e subscrita pelo ora Relator), o que determina, num juízo de falência das conclusões recursórias, a total improcedência da pretensão apelatória suscitada, com consequente confirmação do saneador sentença prolatado. ------ Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas são suportadas pelos Autores/Apelantes/Recorrentes. *** IV. DECISÃO Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em: I. Julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes/Recorrentes/Autores AA e marido BB, em que figuram como Apelados/Recorridos/Réus CC e marido DD ; II. Em consequência, confirma-se, in totum, o saneador sentença recorrido/apelado ; III. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas são suportadas pelos Autores/Apelantes/Recorrentes. ----------- Lisboa, 11 de Setembro de 2025 Arlindo Crua Laurinda Gemas Higina Castelo _______________________________________________________ 1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. 2. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, Almedina, pág. 748 a 750. 3. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2018, pág. 185 e 186. 4. O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, nº. 325, pág. 49 e segs.. 5. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019 Reimpressão, pág. 743. 6. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, Reimpressão, pág. 174. 7. Noções, págs. 129 e 130. 8. Ob. cit., pág. 744. 9. Relatora: Laurinda Gemas, Processo nº. 474/19.6T8FNC.L1, ora 1ª Adjunta, no qual o ora Relator interveio como 2º Adjunto. 10. Relator: Jorge Teixeira, Processo nº. 600/14.TBFLG.G1, in www.dgsi.pt . 11. Ob. cit., pág. 168, 171, 172 e 179. 12. Relator: Abrantes Geraldes, Processo nº. 209/09.1TBPTL.G1.S1, in www.dgsi.pt . 13. Relator: Abrantes Geraldes, Processo nº. 1628/15.0T8STR-A.S1, in www.dgsi.pt . 14. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª Edição, pág. 354. 15. Relator: Pinto de Almeida, Processo nº. 2772/10.5TBGMR-Q.G1.S1, in www.dgsi.pt . 16. Acerca da extensão e limites objectivos do caso julgado, cf., ainda, o douto Acórdão do STJ de 06/02/1996, Relator: Torres Paulo, BMJ, nº. 454, pág. 604 e 605. |