Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7960/14.2T8LSB-A.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
FACTOS INSTRUMENTAIS
CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) A nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC) apenas terá lugar quando existir, por parte do julgador, o dever de pronúncia ou de decisão, em conformidade com o prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
II) Em sede de exercício do contraditório sobre uma pretensão da contraparte não tem cabimento processual a dedução, a título subsidiário, de uma pretensão que, apenas em sede autónoma – articulado superveniente - poderá ser deduzida, pelo que, julgando o Tribunal extemporânea a apresentação de tal pronúncia pela embargante, não ocorre nulidade da decisão, por omissão de pronúncia se o Tribunal não apreciou a pretensão subsidiária ali deduzida.
III) Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento, e daqui que improcede a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, se o que o recorrente faz através da arguição é simplesmente dissentir da decisão.
IV) O requerimento da embargante, no sentido da consideração pelo Tribunal de factos instrumentais, resultantes da instrução da causa, não determina para o Tribunal algum dever de pronúncia específica sobre tal questão, pois, os factos instrumentais são considerados pelo julgador independentemente da posição das partes sobre os mesmos, conforme decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, estando o seu relevo limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos.
V) Conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado, quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
VI) A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, derivando do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado.
VII) A ocorrência da exceção de caso julgado supõe a “repetição de uma causa”, repetição que ocorre quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cfr. artigos 580.º e 581.º do CPC).
VIII) A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da excepção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa garantir a coerência e a dignidade das decisões judiciais, expressando o efeito positivo do caso julgado, tratando-se da vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior.
IX) O efeito positivo do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine, do CPC). O caso julgado não tem, em regra, por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença; para o ter, a parte terá de o pedir, em conformidade com o disposto no artigo 91.º, n.º 2, do CPC.
X) E tem de existir uma relação entre os objetos processuais de dois processos: Uma relação de prejudicialidade ou de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos.
XI) A autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2, do CPC.
XII) Não se alcança nenhuma razão que justifique a extensão de aplicação do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica”, de índole pontual e subsidiária, a normas de natureza processual, sabendo-se que, por um lado, tal instituto teve origem relativamente a situações de abusiva separação de patrimónios, relacionada com a tutela de direitos substantivos e, não, origem em abuso uso de normas processuais; mas, por outro lado, o ordenamento jurídico contém já normas (cfr. artigos 8.º, 542.º a 545.º, 618.º e 670.º do CPC) que visam combater o abuso do direito de ação, cuja previsão abrange todas as situações em que as partes de um processo tomam neste um comportamento desconforme ao direito, não se afigurando que seja legítimo o lançar mão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na vertente da sua aplicação ao pressuposto da personalidade judiciária, por forma a despersonalizar entes que, para efeitos da lei processual civil, são dotados de personalidade judiciária.
XIII) Resulta do artigo 588.º do CPC que os articulados supervenientes constituem uma modalidade de defesa diferida mediante a qual as partes podem, observadas certas condições, trazer ao processo factos relevantes que ocorram até ao encerramento da discussão.
XIV) Os factos que devem integrar um articulado superveniente são sempre factos essenciais, não se dirigindo o mesmo a integrar apenas factos instrumentais.
XV) No caso, atento o objeto da causa e considerado o pedido e a causa de pedir formulados pela embargante, mesmo entendidos à luz da contestação da embargada, os mesmos não consentem a convolação da pretensão deduzida na petição de embargos (invocando-se na mesma a inexistência de qualquer relação causal que justificasse a emissão da letrada dada à execução), para aquela que é gizada e a que subjaz o articulado superveniente deduzido (visando a introdução de factos assinalando o não cumprimento da obrigação da embargada, em razão do cumprimento do contrato que se negou existir), por tal implicar a convolação – e, mesmo, contradição - para relação jurídica diversa da primeira e controvertida (cfr. artigo 265.º, n.º 3, do CPC).
XVI) O articulado superveniente não serve o propósito de introdução em juízo de factos (supervenientes) que integrem uma nova causa de pedir.
XVII) Neste âmbito, a indagação sobre a superveniência do conhecimento pela embargante dos factos que invocou, configuraria a prática de um ato inútil e, nessa medida, vedado praticar (cfr. artigo 130.º do CPC), razão pela qual, bem andou o Tribunal ao indeferir, sem outras indagações, o articulado superveniente deduzido.
XVIII) Para ter lugar a inversão do ónus da prova a que se reporta o n.º 2 do artigo 344.º do CC tem de, cumulativamente, existir uma impossibilidade de produção de prova por parte do onerado e, bem assim, que essa impossibilidade tenha resultado de comportamento culposo da parte contrária.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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1. ESPAÇO CURVO – CONSTRUÇÕES, S.A. veio deduzir oposição (mediante embargos de executado) à execução que lhe foi movida por PACTUSMAR – CONTABILIDADE E FISCALIDADE, LDA. - entretanto substituída por JM, habilitado por sentença proferida em 29-05-2019 no apenso de habilitação de cessionário- concluindo que “a transação, fornecimento, prestação de serviços ou seja o que foi que deu origem a uma alegada factura nº48, de 25/9/2014, emitida pela Exequente (…) é UMA FICÇÃO, ardilosamente criada pelos responsáveis da Pactusmar Lda.”, uma vez que “entre a Exectada e a Exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento.”
Alegou, para tanto e em suma, que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactumar, a quem tem ligações, deu corpo.
Aliás, o próprio JP, que surge com o seu nome inscrito como administrador da Executada, numa tentativa de simulação da existência de um aceite, nega em documento lavrado em cartório notarial essa assinatura, afirmando-a como falsificada e sendo falsa a própria letra (Doc.1).
De facto, o tal de JM, aproveitando-se do facto de, ao tempo ter acesso às instalações da Executada por ser responsável pela contabilidade de algumas empresas do grupo onde a Espaço Curvo SA se insere, forjou a letra e utilizou os carimbos da Executada, tendo preenchido a letra e apondo-lhe uma assinatura falsificada do Administrador ao tempo.
Trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS.”
Pugnou, a final, pela absolvição da executada do pedido exequendo e pela suspensão da execução, com dispensa de prestação de caução.
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2. Os embargos foram liminarmente recebidos, nos termos do despacho de 12-02-2016.
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3. A exequente contestou, concluindo pela improcedência dos embargos de executado, tendo impugnado motivadamente a factualidade alegada na petição de embargos, invocando factos suscetíveis de integrar a relação subjacente ao preenchimento e emissão da letra dada à execução.
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4. Após, foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, com fixação do valor da causa, conhecimento dos pressupostos processuais, identificação do objeto do litígio, enunciação dos temas da prova e admissão da prova.
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5. Por requerimento de 09-05-2021, a embargante veio “invocar a AUTORIDADE DO CASO JULGADO FORMADO NO PROCESSO N.º 37789/15.9T8SNT SOBRE A FORMA DE PAGAMENTO DOS SERVIÇOS DE CONTABILIDADE PRESTADOS ÀS SOCIEDADES DE CM, ENTRE AS QUAIS A EMBARGANTE, POR FM”, concluindo que, “com base no teor da certidão das duas decisões judiciais proferidas no processo n.º …/…, já transitadas em julgado, devem de imediato ser julgados como não provados o artigo 9.º da contestação (ou qualquer outro da contestação na parte em que alega que foi a Pactusmar, Lda., e não FM, a ser contratada para prestar os serviços de contabilidade à Espaço Curvo, S.A.) e o artigo 10.º da contestação, por se encontrar em total confronto com a matéria de facto já julgada como provada naqueles autos, ao alegar que, para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA (ao invés da utilização da loja a que reportam aqueles autos e em que, na sequência de reconvenção da Embargante, foi julgada procedente a invalidade do pretenso contrato de arrendamento que ardilosamente o ora Embargado e seu pai fizeram assinar pelo à data Administrador da Embargante, JS).
De onde decorre, sem mais, a total improcedência da contestação aos Embargos, que se requer que seja declarada com base na autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, por a matéria de facto constante daqueles artigos da contestação ser facto constitutivo do direito de crédito alegado pela Embargada Pactusmar, Lda. sobre a Embargante, cedido ao ora Embargado JM (…)”.
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6. Por requerimento de 10-05-2021, a embargante requereu o seguinte:
“(…) que se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento [“a) aceita a matéria de facto julgada como provada no processo n.º 37789/15.9T8SNT, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra – J4, intentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. (de que é Gerente o ora Exequente), na qualidade de Autora, contra os aí Réus a Espaço Curvo, SA (aqui Embargante) e CM, que consta da certidão judicial junta ao Apenso B;
b) aceita, para não mais retirar (cfr. artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC), a matéria de facto vertida nos artigos 4.º a 8.º da contestação aos Embargos;
c) aceita (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-Administrador JP e ainda (com base naquela perícia e enquanto facto instrumental que resultou da instrução da causa) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM;
d) aceita, com referência ao alegado no artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 (de que a Embargada apenas juntou aos autos a primeira folha) e os IRC destes mesmos anos”.].
Mais requer que, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, resultando da instrução da causa (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao ex-Administrador da Embargante JP e ainda (com base naquela perícia) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM, o Tribunal conheça dos seguintes factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio:
- Se foi JM quem preencheu pelo seu punho e de forma integral a letra dada à execução e em que circunstâncias;
- Em que data e de que forma JP assinou a letra dada à execução (se a mesma estava totalmente em branco ou já se encontrava pré-preenchida por JM na altura da respectiva assinatura)?
- Por ordem de quem e para que efeito assinou JP a referida letra?
- E a quem entregou a JP a letra e em que circunstâncias?
Mais requer que, nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, sejam desde já juntos autos os quatro documentos que ora se oferecem, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, considerando-se que junção aos autos dos Doc. 1 e 2, face às contradições que objectivamente patenteiam quanto às declarações de JP, serão relevantes não só para a sua inquirição como Testemunha, mas para efeitos de contradita nos termos do artigo 521.º e 522.º do CPP, revelando-se, também nesse contexto, a sua junção como legalmente admissível, mesmo depois da inquirição da mesma (artigo 522.º, n.º 3, do CPC), consignando-se ainda que os Doc.s 3, 4 e 5 consubstanciam confissão do ora Embargado quanto ao preenchimento integral da letra de câmbio dado à execução quando alegadamente se encontrava em branco e, por isso, em circunstâncias totalmente opostas àquelas que seriam compatíveis com qualquer uma das duas versões apresentadas JP no processo crime (…)”.
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7. Teve lugar audiência de discussão e julgamento, com produção probatória, sendo que, na sessão de 11-05-2021 foi, nomeadamente, deduzido pela embargante articulado superveniente (concluindo, requerendo fosse admitido o mesmo e “produzida prova sobre os factos alegados nos artigos 3 a 17.° do mesmo, concluindo-se como nos Embargos) e requerimento de “RESPOSTA À EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DEDUZIDA NA CONTESTAÇÃO AOS EMBARGOS DA EMBARGADA PACTUSMAR, LDA. NA PARTE EM QUE ALEGA O LANÇAMENTO PELA EMBARGANTE DA FACTURA N.° 48 DA EMBARGANTE NA SUA CONTABILIDADE” (tendo concluindo neste último, nos seguintes termos: “Termos em que, deve ser admitia a presente resposta e, consequentemente, declarada improcedente a excepção peremptória alegada pela Pactusmar, Lda. da confissão - através do lançamento na contabilidade da Embargante - da dívida subjacente à letra e factura discutida nos presentes embargos, concluindo-se como nos Embargos; Sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admitida resposta aos artigos 19.° e 20° da contestação aos Embargos), requer subsidiariamente que a matéria de facto alegada nos artigos 13.° a 19.° do presente articulado seja aceite e apreciada pelo Tribunal enquanto articulado superveniente efectuado nos termos do artigo 588.°, n.°s 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC, concluindo-se como nos Embargos. Para o efeito, requer nos termos dos artigos 7.°, n.° 4 e 417.°, n.°s 1 e 2, do CPC, que seja notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.° 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que se requer para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.° e 20.° da contestação e para prova da matéria alegado nos artigos 13.° a 19.° do presente articulado/resposta. Mais requer, sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admitida resposta aos artigos 19.° e 20.° da contestação aos Embargos e ou de não ser subsidiariamente admitido como o articulado superveniente o alegado nos artigos 13.° a 19.°), que os documentos ora oferecidos e aqueles cuja junção é requerida no parágrafo anterior, seja oficiosamente determinada nos termos do disposto nos artigos 411.° e 436.°, n.° 1, do CPC, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, ponderando-se ainda que os Doc.s 2 e 3 correspondem a consultas que a Embargante apenas efectuou no dia 4.05.2021, desconhecendo até essa data que a Pactusmar não tinha o seu IES de 2014 disponível (como não tem os de 2010, 2011 e 2012) e ou que a Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado, tinha lançado uma factura no e- fatura da Espaço Curvo, SA, que depois anulou, e que o documento junto como Doc. 1 apenas foi emitido e entregue à Embargante em 10.05.2021”), nos demais termos constantes da respetiva ata e dos documentos juntos aos autos.
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8. Por requerimento de 19-05-2021, o embargado/habilitado JM, pronunciou-se sobre os requerimentos da embargante (sobre a invocação da questão referente à autoridade de caso julgado, sobre o conhecimento de factos instrumentais, sobre o articulado superveniente e sobre a resposta a excepção peremptória) concluindo pelo seu indeferimento.
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9. A embargante ainda apresentou em juízo, em 01-06-2021, requerimento visando exercer o contraditório sobre “a) o documento oferecido pelo ora Embargado, que constitui fotocópia simples do despacho de não pronúncia proferido no processo crime n.º …/…, que corre termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no Juízo de Instrução Criminal de Sintra – Juiz 2, e para dar nota sobre o estado em que se encontra tal processo; b) a pretensão do Embargado de aquele despacho de não pronúncia poder influenciar (agora e ou futuramente) a decisão de mérito dos presentes autos; c) a afirmação do Embargado de que a Embargante veio confessar a existência de uma relação comercial entre si e a sociedade Pactusmar, Lda.; e d) sobre a alegada extemporaneidade da “alegação” de factos novos quando constituam (como constituem) factos instrumentais que resultem da instrução da causa”, reiterando a sua pretensão de que, em face “da certidão judicial junta pela Embargante das duas decisões judiciais proferidas no processo n.º …/…, já transitadas em julgado, devem de imediato ser julgados como não provados os factos alegados no artigo 9.º da contestação (ou qualquer outro da contestação na parte em que alega que foi a Pactusmar, Lda., e não FM, a ser contratada para prestar os serviços de contabilidade à Espaço Curvo, S.A.) e o artigo 10.º da contestação, por se encontrarem em total confronto com a matéria de facto já julgada como provada naqueles autos, ao alegar que, para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA (ao invés da utilização da loja a que reportam aqueles autos e em que, na sequência de reconvenção da Embargante, foi julgada procedente a invalidade do pretenso contrato de arrendamento que ardilosamente o ora Embargado e seu pai fizeram assinar pelo à data Administrador da Embargante, JS).
De onde decorre, sem mais, a total improcedência da contestação aos Embargos, que se requer que seja declarada com base na autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, por a matéria de facto constante daqueles artigos da contestação ser facto constitutivo do direito de crédito alegado pela Embargada Pactusmar, Lda. sobre a Embargante, cedido ao ora Embargado JM (…)”.
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10. Após outra produção probatória, em 13-10-2021 teve lugar a última sessão da audiência de discussão e julgamento, constando da respetiva ata, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Reaberta a presente diligência pelas 14:45 horas, pelo Mm Juiz foi comunicado aos Ilustres Mandatários que na sessão que teve lugar no dia 11.05.2021 foram apresentados pela executada/opoente dois requerimentos – ARTICULADO SUPERVENIENTE e RESPOSTA À EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA –, os quais, embora liminarmente admitidos a fim de a parte contrária sobre os mesmos pronunciar e após tal pronúncia, não foram objeto de despacho/pronúncia definitiva pelo Tribunal.
Colocou, então, o Mm. Juiz, à consideração dos Ilustres Senhores Advogados a hipótese de o fazer antes das alegações ou em simultâneo com a elaboração da sentença.
Pelos Ilustres Senhores Advogados foi dito que pretendiam alegar, não se opondo ao conhecimento pelo Tribunal de tais requerimentos aquando da prolação da sentença.
Mais disseram não se opor a que após as alegações fosse junto pela exequente o documento que a executada requereu que fosse junto no requerimento que antecedeu a presente diligência, sobre o qual a executada se pronunciará.
Nesta conformidade, foi dada a palavra aos Ilustres Mandatários presentes para Alegações, tendo os mesmos procedido em conformidade, encontrando-se as mesmas registadas em suporte digital.
(…) Seguidamente pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Notifique a Exequente/Embargada para em 10 dias juntar aos autos fatura e nota de crédito de 9/9/2014 e cumprido o contraditório abra conclusão para prolação de sentença (…)”.

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10. Na sequência, em 13-12-2021 foi proferida decisão sobre os requerimentos das partes, nos termos seguintes:
“(…) Requerimento de 09.05.2021 e resposta de 19.05.2021:
Veio a embargante “Espaço Curvo – Construções, S.A.” invocar a “autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… sobre a forma de pagamento dos serviços de contabilidade prestados às sociedades de CM, entre as quais a embargante, por FM”, pugnando, a final, no sentido de serem “julgados como não provados o artigo 9.º da contestação (ou qualquer outro da contestação na parte em que alega que foi a Pactusmar, Lda., e não FM, a ser contratada para prestar os serviços de contabilidade à Espaço Curvo, S.A.) e o artigo 10.º da contestação, por se encontrar em total confronto com a matéria de facto já julgada como provada naqueles autos, ao alegar que, para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA (ao invés da utilização da loja a que reportam aqueles autos e em que, na sequência de reconvenção da Embargante, foi julgada procedente a invalidade do pretenso contrato de arrendamento que ardilosamente o ora Embargado e seu pai fizeram assinar pelo à data Administrador da Embargante, JS)”.
Junta, para o efeito, certidão da sentença e do acórdão que a confirmou, proferida e elaborado no processo n.º …/…, que correu termos na Instância Local Cível de Sintra.
(…)
A exequente pronunciou-se nos seguintes termos:
“11 – Vem a embargante requerer que se julgue de imediato como não provados ao factos alegados em 9º e 10º da contestação aos embargos por no seu entender se encontrar em total confronto com a matéria dada como provada no âmbito do processo n.º  …/….
12 – Mesmo que fosse verdade, que não é, sempre estaria agora a embargante, como se referiu, a trazer factos novos aos presentes autos o que é de todo inadmissível.
13 – Por outro lado, a autoridade do caso julgado pressupõe a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda o que não é o caso.
14 – Naqueles autos o que se discutia eram as razões de existência de um contrato de arrendamento celebrado entre a qui embargante Espaço Curvo e a sociedade Melhor rigor, Lda.
15 – Da mesma forma que nos presentes autos nunca se falou em qualquer contrato de arrendamento, também nunca naquele processo se falou, discutiu ou fez referência à razão de existência e emissão da letra dada à execução nos presentes autos.
16 – Refere a embargante, num dos seus requerimento, que as partes têm a obrigação de colaborar com o Tribunal concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
17 – Se a embargante agisse de acordo com o que diz, teria junto aos autos também a decisão instrutória que foi proferida no âmbito do processo n.º …/… que correu termos no Tribunal Judicial de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Sintra, Juiz 2, que se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos, que culminou com a não pronúncia dos arguidos.
18 – Em tal processo discutiu-se, e aqui sim, os factos/traços fundamentais dos presentes autos e onde se pode ler, além do mais que, não indiciam suficientemente os autos que:
a) Pelo serviço prestado CM cedeu a utilização de uma loja a título gratuito para que FM ali exercesse a sua actividade profissional (logo, refere o exactamente o contrário do que é referido naquele processo n.º …/…;
b) FM e JM apuseram a assinatura de JP no termo de recebimento de documentação contabilística e da fatura n.º 48;
c) FM tivesse procedido ao preenchimento de tal documento por forma a fazer crer a quem o apresentasse que a realidade que o mesmo espelhava correspondia à verdade e que aquelas empresas tinham mantido entre 2010 e 2014uma relação comercial;
d) Nem a rúbrica nem a assinatura de JP são da sua autoria; e) FM e JM sabiam que não lhes era devida qualquer contrapartida monetária;
19 – Para além disso, ainda se pode ler nessa douta decisão instrutória que:
a) “Constata-se que, ao contrário do que se afirma na acusação, FM entregou e assinou as declarações fiscais atinentes à sociedade Espaço Curvo Referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014” – contrariamente ao alegado pela embargante no seu requerimento inicial.
b) “Em cumprimento da decisão foi emitido o mandado de busca, datado de 27 de fevereiro de 2012, tendo por finalidade «a apreensão de documentos e objectos que pudessem interessar àquela investigação, em particular relativos às sociedades e negócios conexos com CM – que tal diligência teve por alvo, além de outros locais, as instalações sitas no Largo … de …, … cave, sala …, Monte Abraão, Queluz na medida em que sirvam ou tenham servido de sede, arquivo ou centro de actividade para escritório de contabilidade de FM…”;
c) “Em face do exposto não pode o tribunal ter por credível a afirmação de que CM cedeu a utilização da loja identificada nos autos, a título gratuito, para que FM ali exercesse a sua actividade profissional, pois o arguido não carecia de tal espaço para esse efeito, nem aí exerceu qualquer actividade” - – mas uma vez, ao contrário do referido naquele processo n.º …/….
d) “No exame pericial que teve por objecto a análise dos escritos apostos na letra de câmbio no valor de 44.780,00€ sacada por “Pactusmar” e aceite por “Espaço Curvo” (fls. 15) conclui-se por muitíssimo provável que a escrita suspeita referente ao nome JP no local do aceite seja autoria de JP…” – contrariamente ao alegado pela embargante no seu Requerimento Inicial, mas que esta já acabou por aceitar.
e) “Indiciando-se que o arguido FM realizou os serviços referentes à execução da contabilidade da sociedade “Espaço Curvo” não será pelo facto de terem sido faturados pela sociedade de que é único sócio e gerente que não é devido o seu pagamento”.
f) Em face do exposto, não sendo possível afirmar que os escritos constantes da letra aceite por “Espaço Curvo” preenchida por JM não correspondem à realidade pois os serviços (execução da contabilidade) foram prestados sendo consequentemente devido o seu pagamento, a dúvida quanto ao valor exato não pode fundamentar o juízo de que o valor não corresponde à realidade ou aí foi inscrito com o propósito de obter um enriquecimento ilícito”.
g) Considerando que a letra foi aceite por quem representava a aceitante e sacada pelo credor dos honorários. O seu pagamento era devido e a cobrança judicial um meio legal de o alcançar”.
20 – Resta assim, fazendo contraponto à invocação da autoridade de caso julgado efectuado agora pela embargante, referir que nos termos do artigo 624º do Código de Processo Civil “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário”.
Pugna, a final, pelo indeferimento do requerimento apresentado pela embargante.
(…)
Apreciando.
A execução de que dependem estes autos foi intentada pela sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”, representada por FM, contra a sociedade comercial “Espaço Curvo – Construções, S.A.”, cujo administrador é CM, com base numa letra de câmbio no valor de €44.280,00, na qual figura como sacador a sociedade exequente e como sacado/aceitante a sociedade executada/opoente.
Na presente oposição à execução (mediante embargos de executado), a executada/opoente alega que “entre a executada e a exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento”.
Mais alegou que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo”, sendo que a assinatura que na mesma consta como sendo do punho do, à data, administrador da sociedade executada (JP), não foi, aí, por este, aposta.
Conclui dizendo que “trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS”.
E foi esta a forma como a executada/opoente configurou a sua defesa.
A sociedade exequente veio, por seu lado, em sede de contestação, alegar o seguinte:
“7º O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, o referido FM, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional no âmbito de uma processo relacionado com o BPN.
8º Ficou então acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da Executada, como veio a acontecer.
9º Foi então pedido à Exequente, sempre na pessoa do seu legal representante, como se disse, que executasse serviços de contabilidade da Executada pois haveria a necessidade de proceder, nomeadamente, ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações, nomeadamente, de IRC e IES que se encontravam em atraso.
10º A Exequente e a Executada acordaram então que o preço a pagar por esta pelos serviços solicitados para a sociedade Espaço Curvo, SA, ora executada, seria de 750,00 €/mês acrescido do respectivo IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €, acrescido do respectivo IVA, por cada ano.
11º No cumprimento do que se havia comprometido com a Executada, a Exequente através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela Executada,
12º Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso,
13º E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013.
14º Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º2 a 9 que ora se juntam, foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respectivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,
15º Tendo ainda sido o própria a efectuar a organização dos documentos contabilísticos da Executada referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.
16º Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a Executada jamais pagou à Exequente o quer que fosse.
17º Nesse seguimento, a Executada solicitou ao legal representante da Exequente a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC,
18º Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida.
19º Perante isto, a Executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respectiva factura no valor de 44 280,00 € (Documento n.º10).
20º A Executada aceitou e recebeu a respectiva factura tanto que a lançou na respectiva contabilidade (Documento n.º 11).
21º Contudo, a alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra, agora dada à Execução, como garantia do pagamento da respectiva factura.
22º Não vindo no entanto a honrar o seu compromisso na respectiva data de vencimento pelo que não teve a Exequente alternativa senão avançar com a presente execução.”
E é esta a relação subjacente que vem alegada pela exequente.
Em suma,
- A sociedade exequente deu à execução um título de crédito, fazendo-se valer das caraterísticas da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, estando desonerada da alegação da obrigação causal/subjacente;
- A sociedade executada/opoente invocou, além da falsidade da letra dada à execução, a inexistência da obrigação fundamental.
- A sociedade exequente, em sede de contestação, impugnou motivadamente a oposição alegando a relação subjacente à emissão da letra dada à execução.
A ação declarativa que correu termos na Instância Local Cível de Sintra sob o n.º …/…, foi instaurada pela sociedade “Melhor Rigor – Contabilidade e Gestão de Condomínios, Lda.” contra CM e Espaço Curvo Construções, S.A., aí se peticionando que os réus fossem condenados:
A) A reconhecer a existência do contrato de arrendamento referido em 2.º da petição inicial, bem como a sua validade e vigência, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz;
B) A abster-se no futuro de praticar quaisquer actos que perturbem o seu uso ou impeçam o livre acesso por parte dos Autores ao referido imóvel;
C) Solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 8.413,20 de indemnização em consequência de terem impossibilitado o cumprimento do contrato de cessão de exploração entre a Autora e António Frazão;
D) Solidariamente, a indemnizar a Autora por todos os prejuízos, já previsíveis mas ainda não determináveis, nem sendo passíveis de contabilização, que resultaram e venham a resultar da impossibilidade de ceder o imóvel arrendado, por via da conduta dos Réus sendo esta a liquidar em execução de sentença.
Foi, nesse processo, proferida sentença (transitada em julgado e confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) que julgou a ação improcedente por não provada e em consequência:
“A) DECLARA a anulabilidade do documento particular denominado “Contrato de arrendamento não habitacional” mencionado no ponto 2) da matéria de facto provada, por motivo de erro na declaração do legal representante da Ré Espaço Curvo, SA, e em consequência, após o trânsito em julgado, determina a restituição da loja que constitui o locado aos Réus, com cessação dos efeitos da providência cautelar decretada; mais
B) ABSOLVENDO os Réus de todos os pedidos formulados pela Autora; e
C) ABSOLVENDO a Autora de todos os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus.”
Aqui chegados e analisados criticamente os elementos de um (execução e respetiva oposição) e de outro (ação declarativa n.º3789/15.9T8SNT) processo concluímos que, para além da diferença entre as espécies de ações (executiva versus declarativa) e, por conseguinte, entre as respetivas finalidades, inexiste coincidência das partes, do pedido e da causa de pedir, pelo que, no caso, não se verifica a exceção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).
Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.
Para a solução do problema da irrelevância ou não do caso julgado em relação a terceiros, há de recorrer-se às normas de direito material que regem as relações jurídicas respetivas.
A jurisprudência e a doutrina, em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira (in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, a executada/opoente pretende que seja dado como não provado o facto alegado no artigo 9.º da contestação (ou qualquer outro da contestação na parte em que alega que foi a Pactusmar, Lda., e não FM, a ser contratada para prestar os serviços de contabilidade à Espaço Curvo, S.A.) e o artigo 10.º da contestação, por se encontrar em total confronto com a matéria de facto já julgada como provada naqueles autos, ao alegar que, para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA (ao invés da utilização da loja a que reportam aqueles autos e em que, na sequência de reconvenção da Embargante, foi julgada procedente a invalidade do pretenso contrato de arrendamento que ardilosamente o ora Embargado e seu pai fizeram assinar pelo à data Administrador da Embargante, JS).
Isto porque na referida ação declarativa se deu como provado o seguinte:
“(…)
12. O FM negociou a utilização do locado com o Réu CM, principal accionista da Ré Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.
13. A Autora, cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.
14. O JM mostrou ao Réu CM, na residência daquele, um contrato de comodato, para integrar o acordo alcançado, que aquele aprovou.
15. O JM sabia que o Réu CM estava impedido de contactar com o JS, administrador da Ré Espaço Curvo, SA por decisão do Juiz de Instrução Criminal, no âmbito do Inquérito n.º …/…, que corria termos no DCIAP.
16. Em consequência do que o JM elaborou um contrato de arrendamento em nome da Autora, em divergência com o contrato de comodato apresentado.
17. E, aproveitando-se do impedimento de contacto entre o Réu CM e o JS, apresentou o contrato de arrendamento a este último que o assinou.”
Independentemente do que aí se deu como provado, certo é que na referida ação não foram partes nem FM nem a sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.” (ora exequente) – que, por isso, não tiveram oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença –, sendo que é esta (“Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”) que aqui se apresenta como credora, munida de uma letra de câmbio em que figura como sacada/aceitante a sociedade executada “Espaço Curvo – Construções, S.A.” (mostrando-se confessada a autoria da assinatura do respetivo legal representante).
Porque a obrigação cambiária é uma obrigação literal e abstrata, que decorre do título que a incorpora, o credor que exige o respetivo pagamento não carece de invocar no requerimento executivo a sua causa (a relação subjacente ou fundamental) – que se presume –, podendo limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, como fez a aqui exequente, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da ação executiva onde se exige o seu cumprimento – ver, neste sentido, Ac. RE, de 28.06.2017, relatado por Isabel Peixoto Imaginário; Ac. RE, de 25.01.2018, relatado por Elisabete Valente; Ac. RL, de 22.10.2019, relatado por Ana Maria Silva; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E assim sendo, cabe à executada o ónus de alegar e provar que tal relação inexiste, já que foi esta a forma como configurou a sua defesa. Ou seja, é a executada que tem de alegar e provar a inexistência da relação subjacente à relação cambiária (cf. Lebre de Freitas; acs. do TRP de 21/10/1996, CJ.V, pág. 183, e de 13/03/2003, CJ.II., pág. 179, Ac. do TRP de 03/03/2016 – 175/14.1T8LOU-A.P1, que decidiram ser ónus do executado a prova da inexistência da relação fundamental).
Nesta conformidade, é indiferente que nesta oposição venha a ser dado como não provado o alegado no artigo 9.º da contestação e que para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA, uma vez que o referido FM não é, sequer, parte nestes autos.
O ónus que recai sobre a executada – atenta a forma como configurou a sua defesa – é o de provar que entre a sociedade executada e a sociedade exequente não existiu qualquer relação causal, fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução.
Acresce que o facto dado como provado na ação declarativa no sentido de que “FM negociou a utilização do locado com o Réu CM, principal accionista da Ré Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.”, não permite concluir, com segurança, que estamos perante a mesma relação que aqui se discute, atenta a forma como a aqui exequente configurou a sua pretensão. Com efeito, não resulta claro e evidente, de tal facto, que a realização das contabilidades aí referida corresponde, ou não, à relação subjacente à emissão da letra dada à execução, desde logo porque a invocada realização das contabilidades não se mostra concretizada no seu objeto e lapso/período temporal, sendo que os respetivos âmbito e intervenientes (realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.) não encontram integral correspondência no que é discutido nestes autos, que se circunscreve, apenas, à relação entre a sociedade “Pactusmar, Lda.”/exequente e a sociedade “Espaço Curvo, S.A.”/executada.
Em face do exposto, por não se verificarem os requisitos/pressupostos da autoridade do caso julgado material nos termos invocados pela executada/opoente, indefiro a respetiva pretensão.
Custas pelo incidente, que se fixam, em 2UC, a cargo da executada/opoente.
(…)
Do requerimento apresentado pela executada/opoente oralmente na audiência de julgamento no dia 11/05/2021 (Resposta à Excepção Peremptória) e requerimento de resposta da exequente datado de 19.05.2021:
No início da sessão de audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 11 de maio de 2021, a executada/opoente apresentou requerimento de “resposta à exceção perentória deduzida na contestação aos embargos da embargada Pactusmar, Lda. na parte em que alega o lançamento pela embargante da factura n.º48 da embargante na sua contabilidade”.
A exequente pronunciou-se no sentido da extemporaneidade do referido articulado, pugnando, a final, pelo respetivo indeferimento.
Apreciando.
Prevê acerca da função da réplica, estatui o artº. 584º, do Cód. de Processo Civil, que:
“1 - Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.
2 - Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu”.
Por sua vez, ainda no âmbito da réplica, acerca da posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu, prescreve o artº. 587º, do mesmo diploma, que:
“1 - A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º.
2 - Às exceções deduzidas na réplica aplica-se o disposto na alínea c) do artigo 572.º”.
Tratando-se de um articulado eventual, que só pode ter lugar em duas situações – quando o réu haja deduzido pedido reconvencional na contestação; nas acções de simples apreciação negativa -, constata-se que, desde a nova versão do Código de Processo Civil introduzida pela Lei nº. 41/2013, de 26/06, “quando o réu se defenda por excepção, o autor não dispõe de articulado próprio para responder às excepções deduzidas. Daqui decorre que, nesses casos (tal como quando o réu se limita à defesa por impugnação), a etapa inicial do processo fica reduzida a dois articulados”.
Todavia, apesar da inexistência de um articulado próprio para responder às excepções deduzidas pelo réu, “sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal como estabelece o nº. 4 do art. 3º. Só não será assim se o juiz decidir proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim” [cf. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 223].
Efectivamente, conforme dispõe o nº. 4, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, “às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
No caso dos autos, a primeira sessão de audiência de discussão e julgamento teve lugar no dia 19.02.2019, no âmbito da qual, depois de iniciada, as partes requereram a suspensão da instância até que fosse decidido o incidente de habilitação de cessionário deduzido por apenso, a fim de evitar a “prática de actos inúteis na medida em que poderão haver partes ouvidas como testemunhas e testemunhas ouvidas como parte”, o que foi deferido.
Ou seja, o que se pretendeu com a requerida suspensão foi não dar início à produção da prova presencial (declarações de parte e testemunhal). Tal circunstância não impedia, como não impediu, que, aberta que se mostrava a audiência, a executada apresentasse o requerimento de resposta à contestação, se fosse essa a sua vontade.
Note-se que, não sendo apresentado tal articulado na audiência prévia, por a ela não ter havido lugar, cabia à executada fazê-lo no início da audiência final. A circunstância de o Tribunal ter acedido ao pedido das partes no sentido de não dar início à produção de prova para evitar que testemunhas e partes depusessem em qualidades que iriam perder, suspendendo a instância, em nada colidiu com a oportunidade de a executada apresentar, nessa mesma sessão e previamente ao pedido de suspensão da instância, o articulado de resposta. Note-se que no caso de transmissão, por atos entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente (exequente originária) continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente (cessionário) não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo (cf. artigo 263.º do CPC).
Não o tendo feito, mostra-se a apresentação de tal articulado, em momento posterior, extemporânea.
Acresce, ainda assim, que a alegação, no articulado da contestação, de que “a executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respetiva factura no valor de €44 280€ (Documento n.º10)” e que “a executada aceitou e recebeu a respetiva factura tanto que a lançou na respetiva contabilidade (Documento n.º11)” – cf. artigos 19.º e 20.º da contestação – não integra/constitui matéria de exceção, mas antes impugnação motivada (no contexto dos demais factos alegados na contestação) à invocação, pela executada/opoente, da inexistência de qualquer relação causal, subjacente e/ou fundamental que sustentasse a emissão da letra dada à execução. E como já se deixou dito, o ónus de alegação e prova da inexistência dessa relação cabe à executada e não à exequente, beneficiando, esta, da presunção decorrente da existência do referido título cambiário (assente que se mostra, por confissão, a genuinidade da assinatura do administrador da sociedade executada no lugar do aceite).
Pelo exposto, indefiro o articulado de resposta à contestação.
Custas do incidente a cargo da executada que se fixam em 2UC.
(…)
Do articulado superveniente apresentado pela executada/opoente na audiência de discussão e julgamento e resposta da exequente;
A executada/opoente começa por alegar que “o presente articulado superveniente é destinado à alegação e prova de que os serviços de contabilidade efectuados por FM (que a embargada Pactusmar, Lda. alega terem efetivamente prestados por si através do seu sócio Gerente) foram (no período em que o foram), no mínimo, grosseiramente negligentes, como resulta dos seguintes factos (subjetivamente) supervenientes, de que a Espaço Curvo, Lda. apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021, factos que se passam a alegar.”
Conclui, a final, no sentido da relevância de tais factos “para a apreciação dos presentes embargos, por constituir exceção do não cumprimento que obstará sempre à formação da dívida que a Pactusmar alegou ter sobre a Embargante”.
Apreciando.
Como já se deixou dito, a execução de que dependem estes autos foi intentada pela sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”, representada por FM, contra a sociedade comercial “Espaço Curvo – Construções, S.A.”, cujo administrador é CM, com base numa letra de câmbio no valor de €44.280,00, na qual figura como sacador a sociedade exequente e como sacado/aceitante a sociedade executada/opoente.
Na presente oposição à execução (mediante embargos de executado), a executada/opoente alega que “entre a executada e a exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento”.
Mais alegou que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo”, sendo que a assinatura que na mesma consta como sendo do punho do, à data, administrador da sociedade executada (JP), não foi, aí, por este, aposta.
Conclui dizendo que “trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS”.
E foi esta a forma como a executada/opoente configurou a sua defesa.
A sociedade exequente veio, por seu lado, em sede de contestação, alegar o seguinte:
“7º O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, o referido FM, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional no âmbito de uma processo relacionado com o BPN.
8º Ficou então acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da Executada, como veio a acontecer.
9º Foi então pedido à Exequente, sempre na pessoa do seu legal representante, como se disse, que executasse serviços de contabilidade da Executada pois haveria a necessidade de proceder, nomeadamente, ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações, nomeadamente, de IRC e IES que se encontravam em atraso.
10º A Exequente e a Executada acordaram então que o preço a pagar por esta pelos serviços solicitados para a sociedade Espaço Curvo, SA, ora executada, seria de 750,00 €/mês acrescido do respectivo IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €, acrescido do respectivo IVA, por cada ano.
11º No cumprimento do que se havia comprometido com a Executada, a Exequente através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela Executada,
12º Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso,
13º E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013.
14º Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º2 a 9 que ora se juntam, foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respectivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,
15º Tendo ainda sido o própria a efectuar a organização dos documentos contabilísticos da Executada referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.
16º Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a Executada jamais pagou à Exequente o quer que fosse.
17º Nesse seguimento, a Executada solicitou ao legal representante da Exequente a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC,
18º Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida.
19º Perante isto, a Executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respectiva factura no valor de 44 280,00 € (Documento n.º10).
20º A Executada aceitou e recebeu a respectiva factura tanto que a lançou na respectiva contabilidade (Documento n.º 11).
21º Contudo, a alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra, agora dada à Execução, como garantia do pagamento da respectiva factura.
22º Não vindo no entanto a honrar o seu compromisso na respectiva data de vencimento pelo que não teve a Exequente alternativa senão avançar com a presente execução.”
E é esta a relação subjacente que vem alegada pela exequente.
Em suma,
- A sociedade exequente deu à execução um título de crédito, fazendo-se valer das caraterísticas da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, estando desonerada da alegação da obrigação causal/subjacente;
- A sociedade executada/opoente invocou, além da falsidade da letra dada à execução, a inexistência da obrigação fundamental.
- A sociedade exequente, em sede de contestação, impugnou motivadamente a oposição alegando a relação subjacente à emissão da letra dada à execução.
E com isto, estabilizou-se a instância objetiva da presente oposição.
Na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição. – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 19.03.2019, relatado por José Rainho (in www.dgsi.pt).
Parafraseando aqui o que se deixou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de abril de 2017 (proferido no processo n.º 1329/15.9T8VCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, relatado por José Rainho, com referência ao que se aduz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016 (processo nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, relator Fonseca Ramos) – que, por seu turno, transcreve um escrito de Miguel Teixeira de Sousa – “aceitamos que a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito. Na oposição à execução, o embargante tem o ónus de concentrar na petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição.”
Aliás, a concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual) – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 06.12.2016, relatado por Fonseca Ramos (in www.dgsi.pt).
Os alegados factos supervenientes trazidos aos autos pela executada sustentam, como a própria expressamente admite, defesa por exceção – no caso, exceção do não cumprimento –, a qual, para além de legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa), se afigura manifestamente contraditória com a posição assumida na petição de embargos, a saber: da inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre executada e exequente.
Ora, se, na perspetiva da executada, não existiu relação – prestação de serviços de contabilidade por parte da exequente à executada –, a que incumprimento ou cumprimento defeituoso se refere a executada?
Em face do exposto, por violação do princípio da concentração da defesa, indefiro o articulado superveniente apresentado pela executada.
Custas do incidente a cargo da executada que se fixam em 2UC (…).”.
Na mesma data foi proferida sentença a julgar improcedentes os embargos.
*
12. Não se conformando com as referidas decisões delas apela a embargante, pugnando, na procedência do recurso, pela declaração de nulidade da sentença recorrida, com baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância para suprimento das nulidades acima arguidas; se assim não se entender, pela alteração da matéria de facto julgada como provada e não provada, com revogando-se a decisão recorrida e julgando-se totalmente procedentes os embargos; e, se assim não se entender, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue totalmente procedentes os Embargos, com extinção da execução, tendo formulado as seguintes conclusões:
“(…) Da violação da autoridade do caso julgado formado no processo n.º 37789/15.9T8SNT / Do efeito da autoridade daquele julgado ao nível da (in)existência da alegada relação subjacente entre a Embargante e a primitiva Embargada, da forma de pagamento dos serviços de contabilidade prestados à Embargante por FM (e não pela primitiva Embargante, a Pactusmar) e da efectivadade de tal pagamento através da disponibilização da loja referida no mesmo até momento posterior ao termo da prestação de tais serviços.
1. A autoridade de tal caso julgado formado no processo n.º …/… abarca e impõe, ao contrário do entendimento expresso na douta Sentença recorrida, que os serviços de contabilidade a que se refere aquele julgado foram acordados entre CM (e não com a Embargada) e tinham como contrapartida acordada a disponibilidade da loja identificada naqueles autos, resultando que, nos presentes autos, se discutem os mesmos serviços (ou serviços que necessariamente se sobrepõem) aos ali apreciados com referência à Espaço Curvo;
2. O que resulta da matéria de facto provada nos pontos 11 a 20 do processo n.º …/…, mas, igualmente, da matéria de facto dos pontos 3 a 7 que aqui se dá como reproduzida.
3. A matéria de facto julgada como provada - naquele processo intentado pela sociedade Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado JM que ali a representou em declarações de parte - demonstra ser absolutamente falsa a versão dos factos alegada pela Embargada, à luz da qual a alegada prestação de serviços subjacente à letra teria sido acordada e prestada pela Pactusmar, mediante o pagamento de avença mensal de 750,00, mais IVA (artigo 10.º da contestação aos Embargos), da qual teria resultado uma única factura relativa a quatro anos;
4. Da indesmentível autoridade do caso julgado formado no processo n.º 37789/15.9T8SNT resulta, no entendimento da Recorrente, que os serviços discutidos num e noutro processo, prestados por FM (e pela ali Autora Melhor Rigor, Lda. conforme ponto 18.º da matéria provada naquele processo) foram contratados no mesmíssimo “pedaço de vida”, leia-se, nas mesmas circunstâncias de facto claramente aceites pelas partes dos presentes autos (após o conhecimento de CM e FM aquando da detenção de ambos junto do EPL);
5. O que se confirma pela alegação da própria Embargada, que “confessa” na contestação aos Embargos que, em diversos processos, se discutiu sempre a mesma realidade de facto, e não outra, conforme resulta claríssimo dos artigos 6.º a 8.º da contestação aos Embargos e da nota de rodapé n.º 1 aposta no artigo 6.º daquela contestação, nota de rodapé onde a Embargada expressamente refere o processo n.º 37789/15.9T8SNT, o que repete nos artigos 25.º e 26.º da contestação aos Embargos, aí se alegando (contra a Embargante) o sentido do depoimento nele prestado pela Testemunha JP;
6. Aliás, nunca a primitiva Embargada (ou o actual Embargado) se defendeu da autoridade daquele julgado alegando que no processo n.º 37789/15.9T8SNT se tinham discutido quaisquer outros serviços de contabilidade, nem poderiam fazê-lo, já que invoca(m) como relação subjacente à letra a alegada dívida emergente de uma factura (Doc. 10 junto com a contestação ao Embargos), no valor de euros: 44.280,00 (v.d. artigo 19.º da Contestação aos Embargos), que se constata, através da respectiva leitura, corresponder à facturação de “avença anual” relativa aos quatro anos de contabilidade da Embargante que a Embargada alega ter executado, através de FM, serviços que pretende cobrar através da letra dada à execução (que tem o mesmo valor e data da factura);
7. Pelo que, a hipótese de se tratarem de outros serviços de contabilidade se acha inevitavelmente afastada, não se justificando, por isso, o inovador argumento utilizado pelo Tribunal “a quo” de que “não resulta claro e evidente (…) que a realização das contabilidades aí referida corresponde, ou não, à relação subjacente à emissão da letra dada à execução, desde logo porque a invocada realização das contabilidades não se mostra concretizada no seu objeto e lapso/período temporal, sendo que os respetivos âmbito e intervenientes (realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.) não encontram integral correspondência no que é discutido nestes autos, que se circunscreve, apenas, à relação entre a sociedade “Pactusmar, Lda.”/exequente e a sociedade “Espaço Curvo, S.A.”/executada.” (“Negrito” e sublinhado nosso).
8. Na óptica da Recorrente, o Tribunal “a quo” deveria ter concluído que ambos os processos se reportam (i) à realização da mesma contabilidade, a da Espaço Curvo (ii) no mesmo período temporal ou período necessariamente sobreposto.
9. Para tal, deveria, s.m.o., o Tribunal “a quo” ter atentado, e não atentou:
a) no facto de a Embargada alegar – no âmbito das relações internas - que a dívida subjacente à letra emerge da realização da contabilidade da Recorrente, desde o comummente aceite acordo inicial entre CM e FM (v.d. artigos 6.º a 9.º da contestação aos Embargos e aceitação desta matéria efectuada pela Embargante em 10.05.2021 através de requerimento apresentado via citius com a “REFª: 38812755”), acordo este executado ao longo dos anos de 2010, 2011, 2012 e até “ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.”, estando a factura datada de 25.09.2014, a mesma data que veio a ser aposta na letra dada à execução;
b) que é a própria Embargada que, nos presentes autos, alega ter procedido à execução continuada da contabilidade da Embargante, de onde alegadamente resultou a emissão da factura que junta à Contestação como Doc. 10, a qual reporta à pretensa “avença anual” com referência aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, no total de euros: 44.280,00 (cfr. art.º 19.º da Contestação aos Embargos); e que
c) no ponto 18.º da matéria de facto julgada como provada no processo n.º 37789/15.9T8SNT, se provou que “Desde Setembro de 2013, que a autora e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à ré Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.”, resultando dos pontos 6.º e 7.º da mesma matéria de facto que a posse da loja exercida pela Melhor Rigor, através do seu Gerente, o actual Embargado, se manteve até ao dia 3.07.2014 (leia-se, até momento posterior à alegada prestação de serviços pela Pactusmar).
10. Ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”, dúvidas não restam de que a execução da contabilidade da Espaço Curvo está inequivocamente abrangida pelo acordo para prestação de serviços de contabilidade julgado como provado no processo n.º 37789/15.9T8SNT e que o período temporal aí em causa abarca necessariamente aquele que também se discute nos autos, já que aí se provou expressamente que a prestação de serviços por FM cessou em Setembro de 2013, mas que a contraprestação acordada pelos mesmos (a disponibilização da loja à Melhor Rigor enquanto beneficiária do acordo entre CM e FM) se manteve até 3.07.2014.
11. As dúvidas suscitadas pelo Tribunal “a quo” seriam facilmente ultrapassadas bastando para tal atentar na passagem da fundamentação da douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância no processo n.º …/…, mantida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em que se pode ler: “Ora tal facto, conjugado com outras circunstâncias, indicia uma maior verosimilhança da versão dos Réus, senão vejamos, o Réu CM, confrontado com imputações de burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais (fls. 67-V e segs), viu necessidade de escolher um contabilista de confiança que conheceu na prisão, o FM, com o qual acordou a remuneração através de uma cedência de loja, o que foi confirmado pelas declarações de parte de CM, que explicou o contexto em que se conheceu o FM e indicou o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade, cessando em meados de 2013, factualidade que estranhamente não foi contraditada por JM, nas suas declarações de parte, o que lhe retirou credibilidade.”
12. Ou seja, no julgado que se formou no âmbito do processo n.º …/…, não só ficou expressamente provado que a contabilidade deixou de ser realizada por FM em Setembro de 2013, como se demonstrou que essa contabilidade teve o início da sua execução após o acordo entre CM e FM, o mesmíssimo que a Embargada alega na contestação aos Embargos, efectuado no exacto contexto em que a Embargada alega ter ocorrido (após o conhecimento travado entre ambos aquando da sua detenção), pese embora a Melhor Rigor (Gerida pelo ora Embargado, JM) tenha continuado a usufruir indevidamente da loja, contraprestação acordada pelos serviços que tinham entretanto cessado (razão pela qual se ordenou a alteração da decisão cautelar que determinara a restituição provisória da posse à Melhor Rigor).
13. Estamos perante a execução da mesma contabilidade, a da Espaço Curvo, contratada nas mesmas circunstâncias entre CM e FM e que se provou ter sido elaborada até Setembro de 2013 (peticionando a Embargada o seu pagamento até ao fim de 2013), e, por isso, não se justifica o fundamento adoptado na douta Sentença recorrida de que não é claro que se trata dos mesmos serviços. Por outro lado:
14. Conforme é reconhecido pelo próprio Tribunal “a quo” “a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.” que “em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira (in www.dgsi.pt).”
15. Contraditoriamente com a jurisprudência que cita (e não põe em causa) o Tribunal “a quo” veio a rejeitar o efeito da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, por entender que “Independentemente do que aí se deu como provado, certo é que na referida ação não foram partes nem FM nem a sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.” (ora exequente) – que, por isso, não tiveram oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença –, sendo que é esta (“Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”) que aqui se apresenta como credora, munida de uma letra de câmbio em que figura como sacada/aceitante a sociedade executada “Espaço Curvo – Construções, S.A.” (mostrando-se confessada a autoria da assinatura do respetivo legal representante).” concluindo que “é a executada que tem de alegar e provar a inexistência da relação subjacente à relação cambiária” (“Negrito” e sublinhado nosso)
16. Ao contrário do que se entendeu na douta Sentença recorrida, uma coisa é a distribuição do ónus de alegação e prova aplicável no âmbito dos presentes Embargos [e quanto a este tema se concluirá infra] outra, inconfundível, é o efeito da autoridade do caso julgado, que se repercute no que se deve, ou não, considerar assente no âmbito dos presentes autos, por ter sido previamente julgado, no âmbito do processo n.º 37789/15.9T8SNT.
17. Sendo que, salvo o devido respeito, o que não poderia ter sucedido, mas veio a suceder na douta Sentença recorrida, é afastar-se a autoridade do caso julgado com recurso à invocação das regras do ónus da prova.
18. Uma coisa é decidir se a autoridade do causa julgado se pode verificar independentemente de não existir a tríplice identidade nos processos em confronto, e a isso respondeu o Tribunal “a quo” referindo jurisprudência nesse sentido; outra, distinta e inconfundível, é a questão da repartição do ónus da prova quanto à alegada inexistência de relação subjacente à letra (e esta apenas se colocará caso a autoridade do caso julgado não comprove já tal inexistência, por a mesma não ser compatível com o caso julgado que já se formou).
19. Assim, mesmo que se entenda que o ónus da prova da inexistência é da Embargante, o que importava discutir era, enquanto questão prévia, se da autoridade do caso julgado formado no processo n.º 37789/15.9T8SNT resulta a demonstração da inexistência da relação subjacente invocada pela Embargada – a prestação de serviços de contabilidade à luz de uma avença reflectida na factura junta à Contestação aos Embargos como Doc. 10, cujo valor consta também da letra dada à execução, como se concluiu já.
20. Donde, deveria, s.m.o., o Tribunal “a quo” ter considerado que a autoridade do caso julgado formado no processo n.º 37789/15.9T8SNT impõe que, nos presentes autos, se considere como não provada a matéria de facto alegada na Contestação aos Embargos como relação jurídica subjacente à letra (efeito negativo do caso julgado), mas, do mesmo passo, se julgue como provada, a seguinte matéria de facto (efeito positivo da autoridade desse caso julgado):
- O FM negociou a utilização do locado [fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz] com o CM, principal accionista da Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.
- A Autora no processo n.º …/…, a Melhor Rigor, Lda., cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.
- Desde Setembro de 2013, que a Melhor Rigor, Lda. e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.
- A Melhor Rigor no dia 1.06.2014, através de contrato de cessão de exploração, cedeu tal loja a terceiro, pelo prazo de doze meses, pela renda mensal nos seis primeiros meses de euros: 530,00 e de euros: 610,00 nos meses seguintes.
- A Melhor Rigor manteve a posse da loja até ao dia 3.07.2014.
21. Mas, resulta ainda do teor daquele julgado, e esta importante realidade processual não foi nunca considerada pelo Tribunal “a quo”, que:
- JM, enquanto Gerente da Melhor Rigor, prestou declarações de parte no processo n.º 37789/15.9T8SNT e aí não contraditou a factualidade relativa ao contexto em que CM conheceu FM, o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade por este e que estes cessaram em meados de 2013.
22. Assim, ao contrário do que se entendeu na douta Sentença recorrida, encontra-se provada, por via da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, qual a específica forma de pagamento acordada quanto aos serviços de contabilidade prestados por FM à Embargante (e às demais sociedades que integram o seu Grupo), o contexto da sua celebração e o mês e ano até ao qual foi executado tal acordo, e, finalmente, que o pagamento acordado ocorreu, de facto, através da possibilidade de utilização da loja a que alude o processo n.º …/…, uma vez que se provou que tais serviços cessaram em Setembro de 2013, e que a loja não foi nessa altura devolvida (à revelia do acordado), razão pela qual se encontra demonstrado que a Embargante nada deve a FM, à Melhor Rigor, Lda. (sociedade de que o actual Embargante é Gerente) e ou à Embargada, pela evidente circunstância de o referido FM não poderia prestar os mesmos serviços, por via de um acordo que se provou ter ocorrido e ter sido cumprido pela Recorrente, e, por outro lado, através de uma avença mensal com a Embargada faturada até final de 2013.
23. O que, naturalmente, compromete a alegação da Embargada de que tais serviços lhe eram devidos pela Embargante e lhe seriam remunerados por via de avença.
24. Daí decorre, ao contrário do que se entendeu ser o caso, não apenas que o Tribunal “a quo” deveria julgar (como sucedeu) como não provada a matéria de facto alegada na contestação aos Embargos sobre a alegada avença mensal subjacente ao valor titulado pela letra dada à execução, mas concluir pela prova da inexistência da dívida emergente da pretensa relação subjacente à letra invocada pela Embargada, e, assim, que a factura emitida pela primitiva Exequente/Embargada não lhe era devida pela Embargante, considerando que se provou que se tratavam de serviços a que não correspondia uma prestação pecuniária (avença), de onde decorre a inevitável e integral procedência dos Embargos.
25. Por razões de economia processual, de prestígio das instituições judiciárias e de certeza das relações jurídicas, mesmo sem que se verifique a chamada excepção do caso julgado, dada a circunstância meramente formal, de a Autora no processo n.º …/… ser a sociedade Melhor Rigor, Lda. e os Réus a Espaço Curvo, SA e CM (e não também a primitiva Embargada como seria exigível pelo artigo 581.º do CPC), a verdade é que o Tribunal “a quo” não poderia deixar de considerar aquilo a que a jurisprudência maioritária vem qualificando como a autoridade do caso julgado (v.d. Ac. do STJ datado de 20.12.2017);
26. Como não poderia, para esse efeito, deixar de ter em conta que a sociedade Autora naquela acção, a Melhor Rigor, Lda., foi sempre directa e pessoalmente gerida pelo Arguido JM, conforme expressamente decorre da Sentença proferida no processo n.º …/…, acima citada, onde se constada até que JM, actual Embargado, a representou em declarações de parte, provando-se que esta sociedade foi beneficiária do acordo relativo à loja; acção esta que veio a improceder e a declarar a anulabilidade daquele contrato de arrendamento, por erro intencionalmente provocado pelo actual Embargado JM cuja invalidade foi já declarada.
27. Mesmo que se entendesse ponderar a circunstância de a Pactusmar, Lda. não ter sido parte naquela acção, a verdade é que, actualmente, essa mesma Pactusmar, Lda. já não é parte nos presentes autos, tendo-lhe sucedido como cessionário do crédito o actual Embargado JM.
28. Ora, quanto ao actual Embargante e à sociedade de que é sócio e Gerente resulta do julgado formado no processo n.º …/… que “13.º - A autora, cujo sócio-gerente JM, é filho do FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.” e ainda que “18.º - Desde Setembro de 2013, que a autora e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à ré Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.”
29. Mais resulta da fundamentação de tal decisão, já acima citada, que o actual Embargado pôde, de facto, discutir a matéria de facto em causa, tendo inclusive prestado declarações de parte sobre a mesma em representação da ali Autora, sem que a versão que apresentou em juízo merecesse credibilidade e/ou fosse dada como provada, antes se provando a contrária ali alegada pela ora Recorrente.
30. Daqui decorre, no entendimento da Recorrente, que o actual Embargado teve, e tal não foi sequer ponderado, “oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença”, ainda que o tivesse feito em representação da ali Autora, a Melhor Rigor, que, aliás, recorreu da Sentença de 1.ª Instância, sucumbindo também junto da 2.ª Instância na sua pretensão e mantendo-se a sua condenação em sede de pedido reconvencional.
31. Estando vedado ao actual Embargado JM, sob pena de abuso de direito (artigo 344.º, do CC), vir invocar nos autos que tal julgado não lhe é oponível por não ter sido pessoalmente parte naquela acção, pois tal corresponde a uma utilização abusiva da  personalidade jurídica da sociedade Melhor Rigor, Lda., como capa protectora para aautoridade de um julgado que directamente se pronunciou sobre a ilicitude de actos pessoalmente praticados pelo Embargado, fazendo uso daquela de tal sociedade (num contexto de uma tentativa de obter uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito através de um contrato de arrendamento que deu a assinar a JS, bem sabendo que não correspondia ao acordado comodato).
32. Pelo que, no caso vertente, haverá que proceder à desconsideração da personalidade da sociedade ali Autora Melhor Rigor, Lda., sem que se vise sequer que a mesma seja patrimonialmente responsabilidade pela actuação do seu sócio e Gerente JM (pelo que não haverá sequer que se provar que o sócio confundiu patrimonialmente o seu património com a sociedade);
33. Solução que se impõe para evitar que o actual Embargado se possa valer da autonomia da personalidade jurídica de que é sócio Gerente para ensaiar uma nova tentativa para levar o sistema judicial, em nova acção em seu nome prosseguida, a refutar/inverter aquilo que um Tribunal que o integra (aliás, dois) decidiu(ram) já em acção intentada, por sua iniciativa, com a sua participação e total conhecimento, mas em nome colectivo, sobretudo num quadro em que se provou que o ora Embargado se aproveitou da sociedade em causa (instrumentalizando-a) para, em nome daquela, obter um contrato que ardilosamente gizou e levou a Embargada a assinar, com má fé e intuito de a prejudicar.
34. Tal desconsideração da personalidade jurídica corresponde, em rigor, a uma mera desconsideração da personalidade judiciária, que nem sequer ofende a autonomia patrimonial da sociedade, mas apenas a sua autonomia judiciária de forma a impedir que o respectivo sócio-gerente dela se prevaleça com o objectivo de poder voltar a usar o direito de acção para contrariar um julgado quanto a factos essenciais aí apreciados relativamente aos quais teve – em representação da sociedade – total contraditório, o que configura o exercício de um direito para além do respectivo fim social.
35. Sendo este o remédio legal para o abuso de direito (artigo 334.º, do CC), uma vez que “A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.” (Ac. TRL, datado de 03-07-2013).
36. Credibilidade do sistema que ficaria caso se permitisse ao agora Embargado (sóciogerente da sociedade convencida em juízo e beneficiária material do acordo de prestação de serviços) continuar a pleitear nos autos, com o desiderato de levar (como levou) um outro Tribunal, no âmbito dos presentes autos, a contrariar o primeiro julgado quanto à matéria de facto já decidida e inclusive confirmada por um Tribunal superior.
37. Ao julgar como julgou, violou a douta Sentença recorrida o artigo 344.º, do CC, bem como, a autoridade do caso julgado formado no processo n.º 37789/15.9T8SNT.L1 de onde decorre, ao contrário do que se entendeu ser o caso, a prova da inexistência da alegada relação subjacente à letra entre a Embargada e a Embargante, e, de igual forma, a inexistência da dívida invocada pela Embargada com base na factura que emitiu (Doc. 10 junto com a contestação aos Embargos), o que determina a necessária procedência dos Embargos.
Da omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre questão que deveria ter apreciado, que traduz nulidade da mesma, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, decorrente da violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, quanto ao pedido subsidiário da Embargante (em relação à admissão da resposta à excepção apresentada e não admitida) para que a alegação dos factos dos artigos 13.º a 19.º fossem considerados e admitidos como articulado superveniente, e, por outro lado, quanto ao requerimento probatório da Embargante, ambos efectuados pela Embargante em 11.05.21.
38. O Tribunal “a quo” não se pronunciou, nem através da douta Sentença recorrida, nem em qualquer outra decisão, sobre o requerimento apresentado/entregue pela Recorrente na Audiência de Julgamento realizada 11.05.2021 (v.d. acta da “ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO”) para que, não sendo aceite (como não foi, a resposta à excepção apresentada pela Embargante), “a matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado” fosse “aceite e apreciada pelo Tribunal enquanto articulado superveniente efectuado nos termos do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC” e para que, “nos termos dos artigos 7.º, n.º 4 e 417.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que seja [fosse] notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.º 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que se requer para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.º e 20.º da contestação e para prova da matéria alegado nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado/resposta.”, ou, “sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admitida resposta aos artigos 19.º e 20.º da contestação aos Embargos e ou de não ser subsidiariamente admitido como o articulado superveniente o alegado nos artigos 13.º a 19.º), que os documentos (…) cuja junção é requerida no parágrafo anterior, seja oficiosamente determinada nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, ponderando-se ainda que os Doc.s 2 e 3 correspondem a consultas que a Embargante apenas efectuou no dia 4.05.2021, desconhecendo até essa data que a Pactusmar não tinha o seu IES de 2014 disponível (como não tem os de 2010, 2011 e 2012) e ou que a Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado, tinha lançado uma factura no e-fatura da Espaço Curvo, SA, que depois anulou, e que o documento junto como Doc. 1 apenas foi emitido e entregue à Embargante em 10.05.2021.” (v.d. digitalização do requerimento entregue em papel inserido no citius com a ref.ª 131026916).
39. A resposta à excepção apresentada pela Embargante apenas veio a ser apreciada e indeferida pelo Tribunal “a quo” em sede de Sentença, não tendo, contudo, o Tribunal “a quo” conhecido do pedido subsidiário para que a matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º daquele requerimento fossem aceites como articulado superveniente, não se pronunciando, igualmente, sobre a produção da prova requerida, ainda que de forma subsidiária e autónoma da admissão da resposta à excepção e ou do articulado superveniente.
40. Na realidade, a douta Sentença recorrida apenas se pronunciou quanto à não admissibilidade da resposta à excepção à contestação enquanto tal, conforme fundamentação que aqui se dá como integralmente reproduzido, na sequência da qual decidiu “Pelo exposto, indefiro o articulado de resposta à contestação.” (“Negrito” e sublinhado nosso).
41. Na sequência disso os factos alegados pela Embargante, nos artigos 13.º a 19.º daquele requerimento, não foram apreciados pelo Tribunal “a quo” em sede de Sentença.
42. No entendimento da Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter apreciado a admissibilidade subsidiária da alegação daqueles factos, como factos supervenientes, e ou, em qualquer caso, tomado posição sobre a admissibilidade da produção da prova oportunamente requerida pela Recorrente para que fosse notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.º 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que a Recorrente requereu “para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.º e 20.º da contestação” e ou para prova da matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º do daquele articulado/resposta.
43. A diligência probatória requerida pela Embargante era tendente ao cumprimento do ónus da prova que a douta decisão recorrida entendeu ser da Embargante quanto à inexistência da relação jurídica subjacente à letra.
44. Conforme se decidiu no recente Ac. do TRG, datado de 8.07.2021 “Se o tribunal omite o conhecimento de um requerimento probatório da parte estamos não perante uma nulidade processual mas, sim, face a um típico caso de omissão de pronúncia da decisão recorrida.”.
45. Pelo que, ao deixar de se pronunciar sobre as duas questões/pretensões que lhe foram directamente colocadas/peticionadas pela Requerente (a admissão subsidiária dos factos como articulado superveniente e o requerimento de prova efectuado), e que não se encontravam prejudicadas por outras de que conheceu, omitiu o Tribunal “a quo” a apreciação de  questões de que devia ter conhecido nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se acha violado, incorrendo a douta Sentença recorrida na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada.
Da violação do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC decorrente da não admissão do articulado superveniente apresentado em 11.05.2127.
46. Conforme resulta dos autos (v.d. acta da “ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO”), a Embargante apresentou em 11.05.21 em audiência de julgamento articulado superveniente que aqui se dá como integralmente reproduzido (v.d. digitalização do requerimento entregue em papel e inserido no citius com a ref.ª 131026924):
47. A decisão recorrida não admitiu o articulado superveniente apresentado pela Embargante, assentando o indeferimento do mesmo em dois fundamentos/argumentos distintos:
a) o de que o articulado é legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa); e
b) o de que o mesmo é contraditório com a posição anteriormente assumida nos Embargos, onde se invoca a inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre executada e exequente (que assim não poderia ser simultaneamente defeituosa).
48. Salvo o devido respeito, que é muito, discorda a Recorrente dos argumentos adoptados na douta decisão recorrida.
49. Quanto ao primeiro argumento: Sem por em causa a existência do princípio da concentração e ou a sua aplicação aos presentes autos, o que está em causa e deveria ter sido apreciado pelo Tribunal “a quo” era o cumprimento, por parte do articulado superveniente, dos requisitos legalmente previstos para o efeito pelo artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC, expressamente invocado pela Recorrente para que fosse admitido.
27 Articulado superveniente que não se confunde com aquele que, na mesma data, foi apresentado, através de outro requerimento, de forma subsidiária à resposta à excepção apresentada pela Embargante, a que reporta o ponto anterior.
50. Analisado o articulado apresentado (e, por facilidade, entregue por escrito) pela Recorrente dele resulta imediatamente que este alega reportar “a factos de que a Embargante apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021, efectuado nos termos do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC”, conforme é também mencionado na douta Sentença recorrida.
51. Assim sendo, no entendimento do Recorrente, ao contrário do decidido, não poderia o Tribunal “a quo” limitar-se a invocar o princípio da concentração da defesa para fundamentar o imediato indeferimento do articulado superveniente apresentado;
52. Tal princípio é exactamente excepcionado pelo regime que a Embargante invocou para a admissão daquele articulado, em razão da superveniência dos factos, superveniência que, como é sabido, pode ser de natureza objectiva ou subjectiva.
53. Para apreciar a admissibilidade do articulado superveniente em causa em função da norma invocada pela Embargante, teria o Tribunal “a quo” que se pronunciar sobre o momento em que a Embargante tomou efectivo conhecimento dos factos aí alegados, o que não foi apreciado pelo Tribunal “a quo”.
54. Caso perante os documentos oferecidos pela Embargante o Tribunal “a quo” tivesse dúvidas quanto ao momento em que os novos factos foram efectivamente conhecidos pela mesma, deveria ter ordenado a produção da prova testemunhal, desde logo requerida, atinente à superveniência daquele conhecimento, e, só após isso, poderia ter tomado posição sobre a questão da admissibilidade do articulado superveniente deduzido.
55. Quanto ao segundo argumento: Na óptica da Recorrente não tem razão o Tribunal “a quo” quando considera que os factos constantes do articulado superveniente (cumprimento defeituoso) são necessariamente contraditórios com a versão constante dos Embargos (inexistência de qualquer relação comercial).
56. Na verdade, trata-se de uma contradição meramente aparente desde que se entenda a alegação dos novos factos como uma linha de defesa subsidiária, como de facto é (considerando que a Embargante não põe em causa que FM lhe prestou serviços de contabilidade, antes impugnando que os mesmos lhe tivessem sido prestados no âmbito de uma qualquer relação comercial com a Embargada), hipótese que o próprio Tribunal “a quo” não deixou de equacionar quando afirmou, a dado passo da decisão recorrida, referindo-se àquele articulado, que “Ainda que se interprete o requerimento em causa no quadro de uma defesa subsidiária (…)”.
57. Sendo que, a limite e sem conceder, deveria o Tribunal “a quo” ter notificado a Embargante para justificar a compatibilidade de ambas as alegações, ao invés de proferir de imediato decisão de não admissão daquele articulado.
58. Pelo exposto, ao meramente invocar o princípio da concentração da defesa, sem aferir se, no caso “sub judice”, se verificava a excepção legalmente prevista àquele princípio, consentida pelo artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC, e ao invocar ainda (sem a admitir como subsidiária) que a linha de defesa emergente dos factos alegados era contraditória com a dos Embargos, violou a douta decisão recorrida aquele dispositivo, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” e determine que o mesmo se deve pronunciar, por via da produção da prova oferecida, e, em concreto, da prova testemunhal desde logo arrolada, sobre a superveniência do conhecimento pela Embargante, alegadamente ocorrido no decurso do mês de Maio de 2021, sobre os novos factos alegados, conforme expressamente invocado pela ora Recorrente.
Da omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre questão que deveria ter apreciado, que traduz nulidade da mesma, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, decorrente da violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, quanto ao requerimento para produção de prova apresentado pela Embargante em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983”.
59. O Tribunal “a quo” não se pronunciou, nem através da douta Sentença recorrida, nem em qualquer outra decisão, sobre o requerimento apresentado pela Recorrente via citius em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983” para que “(…) não tendo Embargada conhecimento directo e ou acesso ao processo executivo em causa, requer a V. Ex.ª se digne ordenar, à luz do princípio da cooperação das partes (artigo 7.º, n.º 1, do CPC), ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 432.º do CPC, que o ora Embargado (ou a Melhor Rigor, Lda., se assim for entendido) venha aos autos, no prazo de 10 dias, juntar cópia da petição executiva a que aludiu aquele Fiador e Gerente da Cessionária, para que se possa comprovar qual o período aí peticionado (que excedeu em muito o período da prestação de serviços por FM à Embargante ocorrida até Setembro de 2013) e qual o valor que veio, com juros, a ser recebido pela sociedade Melhor Rigor, pertencente ao ora Embargado.”.
60. Conforme resulta dos autos, o Requerimento em causa, não foi nunca apreciado pelo Tribunal “a quo” (nem através de qualquer despacho oralmente proferido, nem em sede da douta Sentença ora recorrida).
61. A diligência probatória requerida pela Embargante era tendente ao cumprimento do ónus da prova que a douta decisão recorrida entendeu ser da Embargante quanto à inexistência de qualquer dívida emergente do não pagamento dos serviços incluídos na factura junta à Contestação dos Embargos (por os mesmos se encontrarem pagos por via da disponibilidade e possibilidade de rentabilização da loja da Embargante efectuada pela Melhor Rigor até data posterior ao termo da prestação de serviços por FM), pretensa dívida a cujo pagamento a Embargante alega que a letra era destinada.
62. Ao deixar de se pronunciar sobre o requerimento de prova efectuado pela Embargante, que não se encontrava prejudicado por qualquer decisão entretanto proferida, omitiu o Tribunal “a quo” a apreciação de questão de que devia ter conhecido nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se acha violado, incorrendo a douta Sentença recorrida na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada.
Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, por violação das regras relativas ao valor de prova plena decorrente da confissão.
63. Decorre do princípio que se extrai dos artigos 574.º e 587.º, n.º 1 do CPC, como revelado pela parte final da al. c) do artigo 572.º do CPC, a contrario, que se consideram provados os factos em que haja acordo das partes ou que não tenham sido impugnados.
64. Por sua vez, resulta dos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, que se verifica prova por acordo se os factos alegados na contestação pela Embargada forem confessados pela Embargante, desde que não estejam em causa direitos indisponíveis (artigo 268.º, n.º 1, do CPC).
65. A Embargante apresentou requerimento em 10.05.2021, cujo teor aqui se dá como reproduzido, onde declarou que:
a) “aceita a matéria de facto julgada como provada no processo n.º 37789/15.9T8SNT, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra – J4, intentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. (de que é Gerente o ora Exequente), na qualidade de Autora, contra os aí Réus a Espaço Curvo, SA (aqui Embargante) e CM, que consta da certidão judicial junta ao Apenso B;
b) aceita, para não mais retirar (cfr. artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC), a matéria de facto vertida nos artigos 4.º a 8.º da contestação aos Embargos;
c) aceita (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-Administrador JP e ainda (com base naquela perícia e enquanto facto instrumental que resultou da instrução da causa) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM;
d) aceita, com referência ao alegado no artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 (de que a Embargada apenas juntou aos autos a primeira folha) e os IRC destes mesmos anos.”
66. Face ao disposto nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, expressamente invocados pela Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado como plenamente provada, por confissão/acordo, conforme lhe foi expressamente requerido pela Embargante, a matéria de facto alegada pela Embargada nos artigos 4.º a 8.º da Contestação aos Embargos, e, parcialmente, com base na alegação constante do artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 e os IRC destes mesmos anos.
67. Efectivamente, no requerimento apresentado em 10.05.21 a Embargante, ora Recorrente, requereu ao Tribunal “a quo” “que se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento.” (sic)
68. Sobre a matéria de facto assim, expressa e irrevogavelmente, aceite pela Embargante o Tribunal “a quo” nada decidiu, o que, consubstanciando omissão de pronúncia que dita a nulidade da decisão nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC;
69. Importando, por outro lado, erro no julgamento da matéria de facto provada e não provada com referência àqueles artigos da contestação aos Embargos, uma vez que o Tribunal “a quo” veio a incluir a matéria de facto expressamente confessada pela Embargante em sede de matéria de facto não provada, ao invés de a inserir nos factos provados, em obediência ao disposto nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, normas que se acham consequentemente violadas, considerando que a acção em causa não versa sobre factos indisponíveis, mostrando-se ainda violado o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, uma vez que os factos confessados se devem considerar como plenamente provados.
70. Pelo exposto, deve o Tribunal “ad quem” considerar como plenamente provada, através de confissão/acordo, a matéria de facto alegada pela Embargada nos artigos 4.º a 8.º da Contestação aos Embargos e, com base na alegação constante do artigo 14.º da contestação aos Embargos, nessa parte aceite pela Embargante, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 e os IRC destes mesmos anos.
Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da violação das regras sobre o valor da prova pericial quanto a factos instrumentais decorrentes da instrução da causa (artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC).
71. Encontra-se junta ao Incidente de Habilitação de Cessionário exame pericial elaborado em 27.07.2016 (data muito posterior à presente execução e Embargos) pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária à letra e assinatura aposta na letra dada à execução, do qual resulta como “muitíssimo provável” que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence a JP, o que veio a determinar que a Embargante aceitasse a veracidade de tal facto (pese embora a declaração com reconhecimento notarial emitida pelo mesmo onde este negara anteriormente ter assinado tal letra), tal como o Tribunal “a quo” deu como provado, e que a letra que preencheu essa mesma letra de câmbio pertence ao actual Embargado JM.
72. Como resulta da jurisprudência não estando o Tribunal “a quo” vinculado ao valor da prova resultante da prova pericial, tem o dever de sobre a mesma se pronunciar, fundamentando a sua decisão se a mesma for no sentido de divergir da resposta dos Peritos, o que não sucedeu.
73. Por outro lado, decorre do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, que o Tribunal tem o poder dever de apreciar factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio, desde que os mesmos resultem da instrução da causa.
74. Sobre isso, requereu a Recorrente ao Tribunal “a quo”, através de requerimento remetido a juízo em 10.05.21, o seguinte “Mais requer que, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, resultando da instrução da causa (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao ex-Administrador da Embargante JP e ainda (com base naquela perícia) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM, o Tribunal conheça dos seguintes factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio:
- Se foi JM quem preencheu pelo seu punho e de forma integral a letra dada à execução e em que circunstâncias;
- Em que data e de que forma JP assinou a letra dada à execução (se a mesma estava totalmente em branco ou já se encontrava pré-preenchida por JM na altura da respectiva assinatura)?
- Por ordem de quem e para que efeito assinou JP a referida letra?
- E a quem entregou a JP o a letra e em que circunstâncias?
Mais requer que, nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, sejam desde já juntos autos os quatro documentos que ora se oferecem, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, considerando-se que junção aos autos dos Doc. 1 e 2, face às contradições que objectivamente patenteiam quanto às declarações de JP, serão relevantes não só para a sua inquirição como Testemunha, mas para efeitos de contradita nos termos do artigo 521.º e 522.º do CPP, revelando-se, também nesse contexto, a sua junção como legalmente admissível, mesmo depois da inquirição da mesma (artigo 522.º, n.º 3, do CPC), consignando-se ainda que os Doc.s 3, 4 e 5 consubstanciam confissão do ora Embargado quanto ao preenchimento integral da letra de câmbio dado à execução quando alegadamente se encontrava em branco e, por isso, em circunstâncias totalmente opostas àquelas que seriam compatíveis com qualquer uma das duas versões apresentadas JP no processo crime.”
75. Sobre tal requerimento da Embargante o Tribunal “a quo” nada decidiu, o que consubstancia omissão de pronúncia que dita a nulidade da decisão ora recorrida, por violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC;
76. Consubstanciando, também erro no julgamento da matéria de facto provada e não provada, uma vez que o Tribunal “a quo” não só não se pronunciou sobre a matéria de facto em causa, em violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, como deixou de julgar como provada aquela matéria de facto, na parte atinente à autoria da letra que preencheu a letra dada à execução, através da prova pericial acima citada de onde resulta que é “muitíssimo provável” que a letra que consta do corpo da letra dada à execução seja do actual Embargado JM (v.d. exame pericial à letra junto ao Apenso da Habilitação de Cessionário28 através de requerimento da Embargante com a “REF.ª 31551842” datado de 14.02.2019);
77. Matéria de facto cuja prova decorre também das declarações de parte do Embargado JM prestadas na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, transcrito nas alegações supra, na parte com início em 01h40m24s e termo no 01h40m40s.
28 Que tramitou com o n.º …/….
78. Acresce que, o mesmo JM, declarou igualmente em sede de instrução, no processo crime em que é Arguido, que (i) foi ele que preencheu a letra quando estava em branco e sem carimbo e (ii) foi ele, JM, quem disponibilizou a letra ao seu pai e a pedido do mesmo, uma vez que a tinha por hábito usar “muito letras com os meus clientes para desconto de papel comercial” (v.d. gravação de declarações de Arguido JM efectuadas em instrução no âmbito do processo crime n.º …/…, com início da transcrição constante da alegação supra no 25m03s a 25m30s e de 21m00s a 21m52s da gravação áudio respectiva – Doc. 4 e 5 juntos com o requerimento da Embargante de 10.05.2021);
79. Declarando nos presentes autos, de forma totalmente contraditória no que concerne a quem disponibilizou a letra, sumariada na douta Sentença recorrida que “No que respeita à letra dada à execução, esclareceu que a mesma foi disponibilizada pelo CM, tendo sido a testemunha quem preencheu o corpo da letra, tendo-a entregue ao seu pai. Preencheu a letra sem que se mostrasse apostos a assinatura e o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”, os quais terão sido apostos pelo administrador JP (embora não o tenha presenciado).”
80. Pelo exposto, salvo o devido respeito, deverá o Tribunal “ad quem” decidir que:
a) a douta decisão recorrida incorreu em nulidade decorrente da omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC sobre o requerimento formulado pelo Embargante em 10.05.21 (para que o Tribunal emitisse pronúncia sobre os factos instrumentais que resultam da instrução da causa e são relevantes à boa decisão da mesma, expressamente enunciados nesse requerimento), devendo, para esse efeito, ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal recorrido proceda à respectiva sanação;
b) a douta decisão recorrida, ao deixar de considerar/apreciar tais factos de forma oficiosa, por resultarem da instrução da causa, incorreu na violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC; e, se assim não se entender;
c) a douta decisão recorrida, ao deixar de dar como provado o resultado do exame pericial efectuado à letra constante da letra dada à execução, que demonstra que a mesma pertence ao actual Embargado JM, violou o disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC e ainda o artigo 421.º, n.º 1, do CPC, deixando de efectuar uma correcta valoração dos meios de prova produzidos sobre esse facto e que consubstanciam, além do exame pericial junto aos autos, as declarações prestada pelo ora Embargado JM, acima transcritas, bem como, as declarações prestadas pelo mesmo perante JIC no processo de inquérito n.º …/… (Doc.s 4 e 5 juntos pela Recorrente em 10.05.21 que aqui se dão como reproduzidas).
81. Pelo exposto, deve o Tribunal “ad quem” declarar a nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia ou, se assim não se entender, considerar, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC como provado o seguinte facto instrumental que claramente resultou da instrução da causa:
- A letra constante da letra dada à execução pertence ao actual Embargado JM.
Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da violação da autoridade do caso julgado e do poder dever de apreciação de factos instrumentais decorrentes da instrução da causa (artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC).
82. Como decorre das conclusões 1 a 37, verifica-se erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, considerando que o Tribunal “a quo” entendeu, erradamente, que no caso “sub judice” não se verifica a autoridade do caso julgado, tendo, consequentemente, deixado de dar como provada a seguinte matéria de facto que dele necessariamente decorre constante da conclusão 20 e 21.
83. Tais factos, por estarem provados (“in casu” através de certidão judicial que atesta o teor da decisão e o seu trânsito) e a respectiva prova decorrer da instrução da causa, deveriam ter sido apreciados e julgados como provados pelo Tribunal “a quo” por constituírem “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (artigo 5.º, n.º 2, al. a), do CPC) e por, quanto a eles, ter tido o Embargado expresso contraditório (artigo 5.º, n.º 1, al. b), do CPC), verificando-se, finalmente, que os mesmos se afiguraram úteis à “justa composição do litígio” (artigo 6.º, n.º 1, do CPC), requerendo-se que sejam aditados à matéria de facto julgada como provada.
Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da incorrecta a apreciação dos meios de prova testemunhal e documental produzidos.
84. Finalmente, na óptica da Recorrente, verifica-se ainda erro na apreciação da prova produzida, uma vez que, se duvidava, como afirmou ser o caso, da credibilidade de todos quanto prestaram declarações/depoimento de parte e se encontravam envolvidos em processos diversos, e se nada valem as suas declarações, não poderia, sem se contradizer, dar como provada a matéria de facto que consta do ponto segundo [“2. O carimbo respeitante à sociedade executada foi aposto na letra por CM, sendo que a assinatura foi sobre o mesmo aposta pelo punho do administrador, à data, da sociedade executada, JP. que o carimbo foi aposto na letra por CM”]
85. Na realidade, para dar essa matéria de facto como provada teve o Tribunal “a quo” de valorar positivamente as declarações prestadas pela Testemunha JP (Arguido em dois processos crimes conexos com a factualidade dos autos e condenado num deles), quando a mesma não merece qualquer credibilidade, não havendo quaisquer razões que justifiquem que o Tribunal “a quo” afirme na douta Sentença recorrida que “Se a aposição de tal assinatura foi do conhecimento de CM e por si autorizada, não é crível que na referida letra tenha sido abusivamente, por terceiro, aposto o carimbo da sociedade.”, o que manifestamente não se provou.
86. Na verdade, como resulta da douta Sentença recorrida CM negou peremptoriamente ter tido conhecimento, ou autorizado, a emissão da letra, explicando que a contrapartida acordada para a realização da contabilidade era a disponibilidade da loja que acordou com FM, versão dos factos que veio a ser reiterada pelas Testemunhas JM e TR e que é amplamente corroborada pela decisão do processo n.º …/….
87. Ao contrário do que resulta da douta Sentença recorrida, o facto de a Embargante ter aceite posteriormente (com base no exame pericial à letra do mesmo feito no processo crime) que a assinatura pertence a JP não autoriza a que se presuma que o mesmo foi autorizado para esse efeito por CM, não autorizando ainda que, por via disso, se conclua que terá sido CM a apor na letra o carimbo, já que JP negou tê-lo feito, afirmando que foi CM que o fez.
88. Sobre a credibilidade da Testemunha JP que, como se refere na Sentença recorrida, declarou que foi CM quem lhe deu ordem para assinar a letra e nela colocou o carimbo, foi já decidido na douta Sentença de 1.ª Instância Local de Sinta – Secção Cível – J4, proferida no processo n.º …/…, transitada em julgado, que: “O declarado por JP, num quadro de ressabiamento manifesto com os Réus por motivo de falta de pagamento de vencimentos de administrador, não mereceu credibilidade, bem como os documentos por si subscritos, ou queixas crimes por si mencionadas como interpostas e depois retiradas, tanto mais que nem sequer documentos completos sobre as referidas queixas foram apresentadas, razão pela qual não se acreditou nem no seu teor nem na sua veracidade, motivo pela qual foram considerados como não provados os factos descritos em 31) e 34) e 37).”
89. A Testemunha em causa foi já condenada, através de douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21.03.2019, pela prática de crime de injúrias na forma agravada ao I. Advogado, Dr. JBM, praticado no decurso do julgamento do processo n.º …/… (onde o mesmo representou a Embargante e veio a ser declarada a nulidade do contrato de arrendamento relativo à loja de Belas), por aí ter declarado em sessão de julgamento realizada no dia 23.11.2015 que: “ESSE SENHOR ADVOGADO CHAMOU-ME AO ESCRITÒRIO DELE E FUI AMEAÇADO QUE ESTIVE NA GUERRA E QUE NUMA ESQUINA PODIA LEVAR COM UM FRASCO DE ÁCIDO NOS OLHOS”, conforme documento que se junto autos em 23.09.2021 que se dá como reproduzido (Doc. 2 que acompanhou o requerimento com a “REFª: 39921605”);
90. Pelo que se verifica que a Testemunha JP:
a) assinou a declaração reconhecida notarialmente em 29.12.2014 declarando que a assinatura constante da letra “FOI FALSIFICADA e NÃO FOI FEITA POR MIM” (Doc. 1 junto com os Embargos);
b) declarou depois em 23.11.2015 (no julgamento do processo n.º …/…) que foi ameaçado pelo Ilustre Advogado Dr. JBM para declarar que não foi ele o autor da assinatura (Doc. 2 que acompanhou o requerimento com a “REFª: 39921605”);
c) declarou depois (no dia seguinte) em 24.11.2015 no processo crime onde foi Arguido, quanto à letra, que “a mesma foi assinada por si, embora não a tenha preenchido, nem entregue” e que “era normal assinar letras da empresa que ficavam por preencher” e, quanto ao documento por si assinado em Cartório (Doc. 1 junto com os Embargos), que lhe foi “lido um documento completamente diferente, dizendo que era necessário para comparar as assinaturas em tribunal e ele pensou que era esse documento que estava a assinar.” (Doc. 1 junto em 10.05.2021); e
d) veio em sessão de 22.09.2021, nos presentes autos, a declarar que (i) CM na presença e com a colaboração do Advogado Dr. JBM, que já antes injuriara, trocou os papéis no Cartório aquando do reconhecimento e que (ii) a letra que foi por si assinada, não estava afinal em branco, mas totalmente preenchida, e que a
veio a entregar a FM a pedido de CM, que a teria carimbado.
91. Pelo exposto, deixou o Tribunal “a quo” de ter em conta a total ausência de credibilidade da Testemunha JP, que claramente decorre dos elementos de prova acima identificados, afigurando-se à Recorrente que o ponto 2 da matéria de facto provada jamais poderia (como foi) ter sido julgado como provado com base no depoimento da mesma.
92. Assim, não se tendo produzido prova minimamente credível de que o carimbo foi aposto na letra dada à execução por CM, deveria o Tribunal “a quo” ter, desde logo, julgado a mesma como não provada.
Acresce que:
93. Com base nas declarações de parte prestadas por CM, que se relevaram consistentes entre si e com o teor da douta decisão transitada em julgado proferida no processo n.º …/…, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado como provado que: O carimbo da Embargante não foi aposto na letra por CM, tendo sido abusivamente utilizado para esse efeito.
94. A este respeito declarou CM que não conhecia sequer a Pactusmar, que foi surpreendido com a factura e com a letra dada à execução, e, quanto à pretensa relação subjacente, que na altura da sua detenção e nos tempos seguintes vivia uma situação complicada e “o Sr. FM ofereceu-se para ir fazer as contabilidades da empresa, à troca disso eu cedi-lhe uma espaço que é nosso, espaço esse que era para ele… estava todo equipado (…) estava impedido de falar com o Sr. JS por determinação do Tribunal e o filho do Sr. FM, o JM vai a minha casa e diz que pronto que era preciso fazer um contrato por causa da água e da luz, a gente faz um contrato de comodato, e ele leva o contrato ao Sr. JS, que já não é o mesmo contrato, era um contrato de arrendamento, o que é que acontece, a partir daí acontece, eu nem me passava pela cabeça”, pelo que não faria sequer sentido qualquer fatura, declarando ainda que FM fazia a contabilidade no escritório de uma das suas sociedades, onde estavam os carimbos, ao qual tinha livre acesso pois tinha a chave (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922110057_3550527_2871302, com início no 14h10m e termo no 16m e 00s, transcrito nas alegações supra)
95. Quanto a esta versão anota-se que a Sentença recorrida reconhece que a Testemunha JM declarou que “o exercício das funções de administrador das testemunhas JS e JP (que sucedeu ao primeiro) era meramente formal, uma vez que era o seu pai quem continuava a dar as ordens, sendo que este (seu pai) “não autorizou a letra nem a utilização do carimbo” que na mesma foi aposto como sendo da sociedade “Espaço Curvo”.”
96. Mais reconhecendo que “A testemunha TR, unida de facto com CM, corroborou, no essencial, a versão trazida aos autos por CM e JM (…)”.
97. Sendo que a circunstância de existirem processos de natureza civil e criminal e grande litigiosidade não pode, no caso concreto, levar a que se conclua, como se concluiu, pela ausência de credibilidade e ou objectividade do declarante CM ou das Testemunhas da JM e TC, uma vez que estes foram aqueles que, no confronto com as declarações de JM, FM e JP, apresentaram uma versão dos factos verossímil à luz dos normais conhecimentos da experiência e compatível com aquela que no processo n.º …/…, onde todos foram ouvidos, se provou.
98. Acresce a isto que, a Testemunha JS declarou, na sessão de Julgamento realizada no dia 22.09.2021, pelas 9h45m, de forma relevante e imparcial, mas não valorada e ou referida na douta Sentença recorrida, que tanto FM como JM tinham acesso ao local se encontravam os carimbos da Espaço Curvo, que era o local onde faziam a contabilidade da mesma (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922101652_3550527_2871302, com início no 14h10m e termo no 16m e 00s).
99. Conforme resulta da douta Sentença recorrida, nos presentes autos confrontam-se duas versões totalmente incompatíveis, sendo evidente que uma das partes falta à verdade.
100. Na versão do Embargado JM e seu pai FM (igualmente sustentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. no processo n.º …/…, intentado contra a Recorrente e CM, onde prestou declarações de parte JM em representação da Melhor Rigor):
a) A Recorrente Espaço Curvo, S.A. e a Melhor Rigor, Lda. teriam validamente celebrado o contrato de arrendamento da loja a que se reportam aqueles autos (sita na Rua …, n.º …, Loja Esq., 2605-658 Belas), por uma renda mensal de 100,00 euros, renda que a Melhor Rigor, Lda. teria pago à Recorrente (tese já afastada por decisão transitada em julgado que declarou a invalidade daquele contrato de arrendamento, por se ter provado que o mesmo foi celebrado com erro dolosamente provocado pelo Embargado no Administrador da ora Recorrente Espaço Curvo);
b) A (novamente invocada) validade desse contrato de arrendamento e do pretenso pagamento da alegada renda nele prevista, constitui pressuposto lógico da alegação de que a prestação de serviços de contabilidade por FM a favor da Recorrente, seriam devidos pela Espaço Curvo, S.A à sociedade Pactusmar, Lda., versão que a douta decisão recorrida deveria, salvo o devido respeito, ter de imediato refutado.
101. Na versão da Espaço Curvo, S.A. (sustentada no teor da Sentença proferida no processo n.º …/…):
a) O Arguido FM, contra aquilo que foi acordado com CM na qualidade de accionista e Administrador de facto da Recorrente, levou ardilosamente o, à data, Administrador da Recorrente (JS) a assinar um (já declarado inválido) contrato de arrendamento a favor da sociedade Melhor Rigor, relativo à loja a que reportam aos autos, por uma renda de 100,00 euros;
b) Constituindo a disponibilidade daquela loja a contrapartida acordada para a prestação dos serviços de contabilidade por FM às sociedades do grupo da Recorrente.
102. Mesmo que se entenda que o caso julgado formado no processo n.º …/… não tem autoridade de caso julgado formalmente oponível ao actual Embargado JM, recorde-se, Gerente que prestou declarações de parte em representação da ali Autora, a Melhor Rigor, Lda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, a verdade é que o Tribunal “a quo” deixou de valorar o teor da douta Sentença proferida no processo n.º …/… enquanto documento que comprova o “modus operandi” implementado pelo dito JM na relação com a ora Recorrente e que demonstra a necessária falsidade da versão da contestação aos Embargos.
103. Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância, secundado depois pelo TRL, fez constar naquela Sentença proferida no processo n.º …/… que “No caso vertente, atento a matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que para os réus CM e Espaço Curvo, SA, era essencial que a cedência da loja fosse efectuada no regime de comodato, não só para poder remunerar os serviços de contabilidade, como para poder ter a loja em regime de cedência precária, na medida em que caso tivesse optado por um arrendamento, teria sem dúvida estipulado uma renda superior, em conformidade com o mercado imobiliário da zona e não teria deixado o contrato sem duração determinada. A opção pelo comodato afigura-se deste modo, seja no plano pessoal, seja no plano de estratégia económica da empresa, como determinante do modelo de contrato a assinar. Ora, tal circunstância era conhecida quer de FM, quer do legal representante da autora, JM, que exibiu ao réu CM um modelo de contrato de comodato, pelo que o mesmo sabia e não podia ignorar, que caso o administrador da ré soubesse da real vontade do réu CM, não teria assinado o contrato. A declaração negocial do legal representante da ré Espaço Curvo, SA, a vontade social da ré, que deu origem ao contrato de arrendamento encontra-se assim inequivocamente viciada por erro na declaração, nos termos do art. 247.º do Cód. Civil. (…) Por conseguinte, não pode o contrato de arrendamento ser considerado como válido, como peticionado pela autora, porque o mesmo se encontra viciado por erro na declaração quanto à declaração negocial do legal representante da ré à data, devendo nessa conformidade o referido contrato ser declarado anulado, em consequência do que fica exposto fica prejudicada a apreciação de todos os restantes pedidos da autora (…)”.
104. Além de que, resulta da matéria de facto julgada como provada naquele processo que “16.º - Em consequência do que o JM elaborou um contrato de arrendamento em nome da autora, em divergência com o contrato de comodato apresentado.”, “17.º - E, aproveitando-se do impedimento de contacto entre o réu CM e o JS, apresentou o contrato de arrendamento a este último que o assinou.”.
105. Mais se pode ler naquela Sentença que “Atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que pese embora as partes tenham acordado a subscrição de um documento consubstanciando a cedência da loja em comodato como contrapartida pela realização dos serviços de contabilidade das empresa do Réu, a Autora por intermédio do seu representante legal [o aqui Embargado JM], deu a assinar ao representante do Réu, um contrato de arrendamento por um valor de € 100,00 euros, bastante inferior ao preço praticado na zona, e não de comodato, aproveitando-se da proibição de contactos vigentes entre o Réu e o seu administrador, pelo que o representante legal da Ré incorreu em erro aquando da assinatura do contrato que constitui a causa de pedir dos presentes autos.”
106. Face a um tal “modus operandi”, já definitivamente demonstrado num outro processo onde se discutiram os mesmos factos (como a contratação de FM por CM para prestar serviços de contabilidade à Embargante e às sociedades pertencentes ao seu Grupo) e ou factos contemporâneos dos autos (como a falsificação de um contrato de arrendamento por parte do ora Embargado), tendo a este propósito JM, mais uma vez, negado estar combinado com CM a celebração de um comodado da loja destinado ao pagamento dos serviços de contabilidade de FM (como já declarado por Sentença) e insistido na celebração de um contrato de arrendamento por 100,00, deveria desde logo o Tribunal “a quo” ter concluído pela total ausência de credibilidade da versão do mesmo, e, assim, com a versão da contestação aos Embargos;
107. Em declarações de parte o actual Embargado JM, na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, declarou que “(…) a loja, a loja de Belas foi arrendada colocada a funcionar para se vender.”, conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, com início no 19m05s e termo no 19m18s, reiterando mais à frente que a renda acordada foi de 100,00 (registo áudio com início no 20m23s e termo no 20:30).
108. O que, não correspondendo à verdade (como já foi definitivamente julgado) permitiu ao Embargado defender a existência de uma alegada avença mensal para a prestação dos serviços de contabilidade, pretensamente justificativa da factura emitida pela Pactusmar.
109. Declarou ainda a Testemunha FM, na mesma sessão de julgamento, igualmente sem qualquer credibilidade, quando confrontado com o resumo das suas declarações no processo n.º …/… constantes da decisão transitada em julgado ali proferida, “Isso é falso, eu nunca disse uma coisa dessas!” e “Não disse isso, em momento algum poderia dizer uma barbaridade dessas!” (conforme registo áudio denominado “20210923144216_3550527_2871302” respectivo entre o 58m 20s e 59m e 16s).
110. Verifica-se ainda que a Testemunha FM reconheceu ter escrito ao TOC que lhe sucedeu, através de carta anexa ao Doc. 1 junto pela Embargante em 11.05.21, que consta de papel timbrado seu enquanto TOC (e não em papel timbrado da Embargada Pactusmar), ao contrário do que sucedeu com o posterior TOC da Embargada que, por trabalhar para uma sociedade de contabilidade, lhe escreveu em representação da mesma (conforme carta também anexa ao Doc. 1 e registo áudio respectivo com o número “20210923144216_3550527_2871302” entre o 59m 17s e 59m e 1h01m33s, transcrito nas alegações supra).
111. Analisada a carta elaborada e assinada pela Testemunha FM, datada de 28 de Agosto de 2014, junta aos autos pela Embargada em 11.05.21 (como anexo e parte integrante do Doc. 1) nela afirma aquela Testemunha que “As referidas empresas nunca procederam ao pagamento de qualquer valor devido pela execução dos meus serviços, enquanto Técnico Oficial de Contas”, o que, contradiz frontalmente (através de escrito do Gerente da primitiva Embargada) a alegação de que o contrato de prestação de serviços seria com a Pactusmar.
112. Donde, face à existência de contradição entre depoimentos das Testemunhas ouvidas e declarações de parte, deveria o Tribunal “a quo” ter valorado tal documento (que não é sequer referido na douta decisão recorrida) no sentido de, por se tratar de um documento emitido antes da factura e da letra alegadamente em dívida à Pactusmar, desacreditar a alegação da Pactusmar de que teria sido esta sociedade a ser contratada para elaborar os serviços de contabilidade de diversas sociedades do Grupo da Embargante, credibilizando a versão da Embargante de que não teve nunca qualquer relação comercial com a Embargada.
113. Acresce ao exposto que, a requerimento da Embargante veio o ora Embargado JM, conforme lhe foi doutamente ordenado, juntar aos autos (através de requerimento de 14.10.2021 com a “REFª: 40140515”) uma factura emitida pela sociedade de que é Gerente, a Melhor Rigor, Lda., em nome da Embargada e uma nota de crédito da mesma data e com o mesmo valor.
114. Analisada a factura em causa verifica-se que a mesma tem data de 19.09.2014 e o valor de euros: 38.250,00 (trinta e oito mil euros duzentos e cinquenta euros), mais IVA, no total de euros: 47.047,50 (quarenta e sete mil e quarenta e sete euros e cinquenta centavos), nela referindo a Melhor Rigor, Lda. facturar à Embargante Espaço Curvo, Lda. a “avença anual” de 2010, 2011, 2012, 2013 e o primeiro trimestre de 2014;
115. Os valores facturados coincidem com aqueles que a Pactusmar, Lda. veio (seis dias depois, data da letra) a facturar em 25.09.2014 pelo valor anual de euros: 9.000,00 (nove mil euros), mais IVA, quanto aos anos de 2010 a 2013;
116. Verificando-se, contudo, que a Melhor Rigor, Lda. facturou inexplicavelmente à Embargada não só os mesmos serviços de contabilidade, mas mais um trimestre do que a Pactusmar veio (seis dias depois) a facturar à mesma Embargante...
117. Quanto a esta incompreensível realidade veio o Embargado JM informar que “a Fatura nº 2014/207 foi emitida e anulada no mesmo dia por erro dos serviços”;
118. Não logrando, porém, explicar como é que o erro “dos serviços” da Melhor Rigor, Lda. – confessadamente gerida por JM e num momento em que a Pactusmar alega que “as relações entre a Exequente e a Executada já se encontravam deterioradas” (art.º 15 da contestação aos Embargos) - levou a que esta sociedade, a Melhor Rigor, Lda., emitisse factura dos mesmos serviços que a Pactusmar veio também a facturar (seis dias depois) e pretende receber através da letra dada à execução.
119. Pelo que, na óptica da Recorrente, os documentos juntos aos autos pelo Embargado JM apenas demonstram que seis dias antes da emissão da letra data à execução (e da factura, da mesma data, que pretensamente a suportaria), o actual Embargado JM e seu pai, beneficiando de circunstâncias a que deram azo (e, desde logo, de não existir qualquer contrato de prestação de serviços de contabilidade escrito, em violação das obrigações a que FM estava estatutariamente obrigado), ainda andavam a “escolher” o veículo através do qual viriam a facturar e qual a exacta quantia (desde que “choruda”) que, sem fundamento algum (pois que receberam, por via da Melhor Rigor, a disponibilidade da loja da Embargante, cuja exploração foi cedida a terceiro, como se provou documentalmente, por 750,00 e 850,00 mensais, valores com IVA, ao longo de diversos anos), iriam tentar exigir à Embargada, por via da interposição da acção executiva, onde se veio sintomaticamente a indicar como morada da sede da Embargante a morada da Testemunha JP (que veio a renunciar à Administração seis dias após tal interposição, tendo a letra vencido nove dias antes de tal renúncia).
120. Sendo, pelo exposto, de concluir que também esses dois documentos emitidos pela Melhor Rigor, de que o Embargado é sócio-gerente, demonstram que (como sempre foi alegado) a alegada relação contratual entre a Embargante e a Pactusmar é, apenas é só, uma “ficção”, que se soma ao contrato de arrendamento falso, dado a assinar pelo Embargado ao Administrador da Embargante.
121. Finalmente, deixou ainda o Tribunal “a quo” de considerar o depoimento prestado por JS, na parte em que declarou de forma credível ter sido ex-funcionário das finanças e não ser usual proceder à faturação, numa única factura, de quatro anos de serviços em casos de, como é alegado, estar em causa uma avença mensal, e que, no mínimo e à luz da normalidade da prática comercial, caso tal avença não fosse faturada de forma mensal, deveria ser objecto de facturação anual, declarações prestadas na sessão de Julgamento realizada no dia 22.09.2021, pelas 9h45m (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922101652_3550527_2871302, com início no 16m e 50s e termo no 19m e 58s, transcritas nas alegações supra).
122. Pelo que, avaliando a credibilidade das versões apresentadas por Embargante e Embargada, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado que a versão dos factos alegada pela Embargante era aquela que estava de acordo com a normalidade da vida, aferida à luz dos normais conhecimentos da experiência, afastando a alegação (manifestamente arredada pela prática comercial comum) de que só ao fim de quatro anos de execução de uma avença que alega ser mensal, a Embargada tenha decidido proceder à emissão de uma factura a cobrar à Embargante, tanto mais que se verifica que dias antes de o fazer uma outra sociedade de que é sócio-gerente o actual Embargado, a Melhor Rigor, tinha procedido à emissão de outra factura pelos mesmos serviços, mas faturando mais seis meses, que veio a anular;
123. Tudo isto se passando num momento (o da emissão da letra e factura 25.09.2014) em que, como também resulta da douta Sentença proferida no processo n.º …/… (pontos 6 e 7 da matéria de facto), pelo menos desde 3.07.2014 a sociedade de que é sóciogerente o JM, se viu desapossada da loja por CM, loja de que vinha dispondo enquanto beneficiária do acordo relativo à possibilidade de utilização da mesma como contrapartida dos serviços de contabilidade, bem sabendo que o seu pai FM tinha, desde Setembro de 2013, deixado de prestar quaisquer serviços de contabilidade à Espaço Curvo e ou a sociedades do seu Grupo (v.d. pontos 12 e 18 da matéria de facto).
124. Consequentemente, ao invés do decidido, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provado, não apenas a matéria de facto constante das conclusões 20 e 21, mas igualmente que:
- A Pactusmar e a Espaço Curvo não acordaram que o preço a pagar pelos serviços de contabilidade prestados à Espaço Curvo por FM, seria de 750,00 /mês acrescido do respectivo IVA a taxa legal, ou seja, o montante de 9.000,00, acrescido do respectivo IVA, por cada ano (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar no artigo 10.º da Contestação aos Embargos);
- A Espaço Curvo não deve à Pactusmar a factura com valor de euros: 44.280,00, que consubstancia o Doc. 10 junto à Contestação aos Embargos que se dá como reproduzida, a cujo pretenso pagamento se destinava a letra dada à execução com o mesmo valor (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar nos artigos 10.º, 18.º e 19.º da Contestação aos Embargos e do alegado no artigo 2.º dos Embargos), requerendo-se que o Tribunal “ad quem”, reapreciados os meios de prova acima indicados, considere tal matéria de facto como provada.
Da violação da forma escrita do contrato que a Embargada alega constituir a relação subjacente à letra / Da inversão do ónus da prova daí decorrente quanto à inexistência da relação subjacente operada nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil / Da violação dos artigos 70.º, n.º 5 do EOCC e 9.º, n.º 1, do CDCC, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, artigos 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro e dos artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC.
125. A relação subjacente invocada na Contestação aos Embargos (de onde pretensamente emerge o alegado crédito que fundamenta a letra) radica na execução pela Embargada de um pretenso contrato de prestação de serviços de contabilidade celebrado com a Embargante (conforme alegado nos artigos 7 a 20 daquele articulado);
126. Conforme se decidiu no douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 7 de Maio de 2019, “O contrato de prestação de serviços celebrado por contabilista certificado com vista ao exercício da sua profissão deve revestir a forma escrita, conforme resulta do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (EOCC ) – art. 70º, nº5 – e do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados (CDCC) – art. 9º –, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro e republicados em anexo à mesma lei e da qual fazem parte integrante, conforme dispõe o art. 3º – anexo I e II, respetivamente. (…) Entre outras cláusulas, o contrato deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento. Nos termos do art. 17º (“[i]nfração deontológica”) “[q]ualquer conduta dos contabilistas certificados contrária às regras deontológicas constitui infração disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no Estatuto dos Contabilistas Certificados”, sendo que tais normativos são aplicáveis às sociedades nos termos do art. 18º [ [8] ] do Código [ [9] ].” (“Negrito” e sublinhado nosso).
127. Quanto a isto, declarou enquanto Testemunha FM (TOC através do qual a Embargada alega ter prestado serviços à Embargante), na sessão de julgamento realizada dia 23.09.2021, com início pelas 14h15m, que não foi celebrado qualquer contrato escrito entre a Pactusmar e a Espaço Curvo, tendo confirmado a instâncias do Tribunal que “Nunca houve nenhum documento, ou troca de correspondência, ou qualquer outro documento”, mais declarando, quando questionado pelo Mm.º Juiz “a quo” se se tratava de “uma relação fantasma!? Que não tem expressão em qualquer documento que não seja uma fatura emitida unilateralmente pela Pactusmar ao fim de quatro anos de relação comercial, é isso!?”: “Sim! Foi exactamente isso!” (conforme registo áudio respectivo, com o número 20210923144216_3550527_2871302, com início no 12m e 57s e termo no 16m e 48s, o que manteve depois na parte gravada com início no 17m e 30s e termo no 17m e 55s, ambos acima transcritos).
128. De igual forma, em sede de declarações de parte prestadas pelo actual Embargado JM, na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, declarou o mesmo que “(…) meu pai o meu pai nunca, nunca, firmou um contrato de prestação de avenças (…)” (conforme consta do registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, com início no 7m59s e termo no 9m00s).
129. Assim, face à alegação de que o pretenso crédito da Autora se acha fundado em relação subjacente que radica na alegada execução de contrato de prestação de serviços de contabilidade com início em 2010, abarcando os anos de 2011, 2012 e 2013, sendo a única factura emitida em 25.09.2014, torna-se relevante considerar como provado, como facto instrumental que decorre da produção da prova que:- O contrato de prestação de serviços invocado pela Embargada não foi celebrado por escrito.
130. Daí decorrendo (i) senão a nulidade daquele contrato, nos termos do artigo 220.º do Código Civil (hipótese refutada pelo Ac. TRP, datado de 26.06.2008), (ii) em alternativa à mesma, (caso se considere, como se considerou, que a Embargada, por ser possuidora de uma letra de câmbio, está dispensada do ónus da prova dos factos constitutivos do direito de crédito que invoca), a aplicação ao caso “sub judice” do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC: “2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”;
131. Assim, provando-se que a primitiva Embargada, a Pactusmar, omitiu culposamente a formalização por escrito do contrato de prestação de serviços que alega ter celebrado com a Embargada, dever-se-á entender que a mesma (i) tornou culposamente impossível à Embargante, através da forma legalmente/estatutariamente prescrita, produzir prova de que o mesmo tal contrato não existe e ou do seu alegado conteúdo e que (ii) tal omissão dificulta extremamente a prova sobre a sua (in)existência e ou sobre o seu putativo conteúdo, que deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento.
132. Nas situações em que ocorra um comportamento culposo da parte não onerada que torne impossível ou extremamente dificultosa a prova pela parte onerada, a inversão do ónus de prova sobre a parte faltosa poderá ser determinada a coberto do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC (Ac. do STJ, datado de 24-05-2018).
133. Com efeito, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem equiparado a impossibilidade à grave dificuldade da prova, entendendo que, neste último caso, há também lugar à inversão do ónus da prova se o onerado não puder produzi-la por culpa da contraparte (vide Ac. TRC, de 19/12/2012, Proc.º n.º 31156/10.3YIPRT.C1, in www.dgsi.pt onde vêm citados outros três acórdãos no mesmo sentido, a saber, Ac. TRP, de 18/5/78, in CJ, 78, IIÍ, pág. 847 e de 9/10/79, in CJ, 79, IV, pág. 1276 e Ac. STJ, de 18/3/83, in BMJ n° 324, pág. 584);
134. De igual forma, também a doutrina tem defendido que, quando a prova não for possível ou se tornar extremamente difícil, àquele que, segundo as regras do art.º 342.º do CC, teria de o fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte (cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 106, 314, Ano 103, 509 e Estudo sobre Provas, no BMJ 110 a 112, n.º 17);
135. Sendo esta a solução legalmente aplicável ao caso, sob pena de se verificar por parte da primitiva Embargante um autêntico abuso de direito (artigo 334.º, do CC), na modalidade de “venire contra factum proprium”, na medida em que à Pactusmar seria permitido violar a forma legalmente/estatutariamente exigida para o contrato que invoca ter celebrado com a Embargante, e, em simultâneo, beneficiar da circunstância (a que culposamente deu azo e que constitui infracção disciplinar) de a mesma não poder cumprir o ónus da prova que lhe competiria com recurso a um contrato escrito.
136. Consequentemente, mesmo que se entenda (como se entendeu na douta decisão recorrida) que o ónus da prova quanto à inexistência de uma efectiva relação subjacente à letra era da Embargante, dever-se-á considerar invertido o ónus da prova, considerando que, no caso concreto, tratando-se alegadamente de dívida emergente de um pretenso contrato de prestação de serviços de contabilidade, não tendo a Embargada junto qualquer contrato escrito, antes alegando que a prestação de serviços de contabilidade foi acordada (verbalmente) entre FM e CM, e tendo o Gerente da primitiva Embargada declarado como Testemunha que nunca, ao longo de vários anos, foi feito qualquer contrato por escrito e que não existia qualquer documento que pudesse confirmar a relação contratual alegada na Contestação aos Embargos, fosse qual fosse (além da fatura apenas emitida em 25.09.2014), conforme consta da gravação áudio transcrita nas alegações supra.
137. Daí resultando que – ao invés do decidido – deveria o Tribunal “a quo”, no caso “sub judice”, ter considerado que cabia a parte Embargada a prova (por via de prova testemunhal ou outra prova documental) que o contrato de prestações de serviços foi celebrado entre a Espaço Curvo e a Pactusmar e qual o respectivo conteúdo, prova que, convenhamos, lhe deveria ser fácil ao fim de vários anos de alegada execução de serviços, caso efectivamente os tivesse prestado.
138. Ora, não tendo a Embargada produzido tal prova e tendo FM declarado que não existia um único documento que a provasse, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado como procedentes os Embargos.
139. Ao julgar, como julgou, no sentido de considerar que, no caso “sub judice”, face à indiscutível e assumida inexistência de qualquer contrato escrito que comprove (ou infirme) que os serviços de contabilidade foram contratados à Embargada Pactusmar pela Embargante mediante o pagamento da avença alegada, o ónus da prova da demonstração da inexistência de tal contrato pertencia à Embargante, violou os artigos 70.º, n.º 5 do EOCC e 9.º, n.º 1, do CDCC, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, os artigos 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro, bem como, os artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC (…)”.
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13. O embargado apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso interposto e manutenção da decisão recorrida, tendo concluído o seguinte:
“1 –(…) a análise efectuada na sentença mostra-se correcta, bem estruturada e fundamentada, não sofrendo das fragilidades que a Recorrente lhe pretende assacar.
2 – O Recorrido escusar-se-á de reproduzir o decidido pelo Tribunal a quo, não enfastiando esta contra-alegação (como fez a Recorrente ao debitar mais de 30 páginas a transcrever a sentença recorrida), limitando-se a oferecer as razões pelas quais concorda com a improcedência dos embargos e impugnará os fundamentos aduzidos pela Recorrente.
3 – Antes de passar a responder individualmente a cada um desses pontos que mereceu a discordância da Recorrente, CONVÉM recordar ao antecedentes dos presentes embargos para melhor percebermos a bondade do presente recurso.
4 – A Recorrente ESPAÇO CURVO veio deduzir embargos de executado alicerçando essa sua oposição essencialmente em dois factos, a saber:
- Que a letra dada à execução era falsa quanto à sua letra e assinatura, pois que nunca teria sido assinada pelo seu administrador à data, JP (Cfr. artigos 4º e 5º do Requerimento Inicial de Embargos de Executado);
- Que entre a primitiva exequente Pactusmar e a embargante nunca teria existido qualquer relação comercial (Cfr. artigo 2º do Requerimento Inicial de Embargos de Executado).
5 – Acontece, como já deu para perceber, que os argumentos ali alegados pela Recorrente estavam desde início condenados ao fracasso pois facilmente se demonstraria, como já se demonstrou e a Recorrente veio confessar e admitir, que efectivamente a letra foi assinada pelo seu administrador à data e que, efectivamente, existiu uma relação comercial entre a primitiva exequente Pactusmar e a embargante.
6 – Assim, como se salientou e bem na sentença, perante esta confissão A RECORRENTE ESVAZIOU OS FUNDAMENTOS DOS SEUS EMBARGOS não passando os Requerimentos que veio depois apresentar em Maio de 2021, à porta da audiência de julgamento, uma tentativa de alterar a sua versão dos factos.
7 – Como é consabido, atendendo ao princípio da exigência estabilidade da instância (artigo 260º do Código de Processo Civil) e o princípio da concentração de defesa no respectivo articulado, a não inclusão de factos no requerimento inicial não pode ser encarada como passível de emenda ou aperfeiçoamento pois que a sua inclusão naquele momento implicava a violação da estabilidade da instância com reflexos no regular andamento da causa.
Da violação da Autoridade do Caso Julgado
8 – O Recorrido/habilitado JM quanto a este ponto, pouco mais poderá acrescentar do que aquilo que por ele já foi dito em resposta (que por uma questão de brevidade, se dá por integralmente reproduzido) ao então Requerimento apresentado pela Recorrente em 09/05/2021 e o que vem referido na douta sentença recorrida.
9 – A autoridade do caso julgado pressupõe a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, a tríplice identidade a que alude o artigo 581º do Código de Processo Civil, o que não é o caso.
10 – Daí se ter concluído, e bem, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que “para além da diferença entre as espécies de ações (executiva versus declarativa) e, por conseguinte, entre as respectivas finalidades, inexiste coincidência das partes, do pedido e da causa de pedir, pelo que, no caso, não se verifica a exceção do caso julgado…” – sublinhamos.
11 – No entanto, apenas por cautela e por dever de ofício, não podemos de deixar de fazer referência à decisão instrutória que foi proferida no âmbito do processo n.º …/… que correu termos no Tribunal Judicial de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Sintra, Juiz 2, (que se juntou e se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos), que culminou com a não pronúncia dos arguidos.
12 – Resta assim, fazendo contraponto à invocação da autoridade de caso julgado efectuado agora pela embargante, referir que nos termos do artigo 624º do Código de Processo Civil “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário” – o que não se fez.
13 – Devendo por isso o Recurso improceder nesta parte.
Da omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário da Embargante/Recorrente
14 – Quanto a este ponto, o que apraz dizer é que o Tribunal não deixou se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela Recorrente/Embargante oralmente na audiência de julgamento realizada no dia 11/05/2021, ao contrário do que alega agora em recurso.
15 – Como se refere na douta sentença “No caso dos autos, a primeira sessão de audiência de discussão e julgamento teve lugar no dia 19.02.2019, no âmbito da qual, depois de iniciada, as partes requereram a suspensão da instância…Tal circunstância não impedia, como não impediu, que, aberta que se mostrava a audiência, a executada apresentasse o requerimento de resposta à contestação, se fosse essa a sua vontade…Não o tendo feito, mostra-se a apresentação de tal articulado, em momento posterior, extemporânea” – sublinhamos.
Da não admissão do articulado superveniente
16 – Na senda de alegação de novos factos, veio a Recorrente/Embargante, escudando-se num articulado superveniente, alegar uma excepção de não cumprimento.
17 – Para quem inicialmente alegou a inexistência de qualquer relação comercial, vir alegar um incumprimento é estar mais uma vez a dar o dito por não dito, confessar que inicialmente deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos, impediu a descoberta da verdade, entorpeceu a acção da justiça, tudo o que a lei classifica como litigante de má fé.
18 – Assim, sem mais delongas, apenas nos resta sublinhar o referido na douta sentença recorrida quando refere que “Os alegados factos supervenientes trazidos aos autos pela executada sustentam, como a própria expressamente admite, defesa por exceção – no caso, exceção do não cumprimentos - , a qual, para além de legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa), se afigura manifestamente contraditória com a posição assumida na petição de embargos, a saber: da inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre a executada e exequente” – sublinhamos.
19 – Além disso, não é credível e muito menos razoável que a embargante venha agora dizer que só em Maio de 2021 tomou conhecimento de factos da sua contabilidade ocorridos há mais de 7 anos (!!!).
Da omissão de pronúncia quanto ao requerimento de prova para junção aos autos de cópia de petição executiva
20 – Quando supra se referiu que a Recorrente/Embargante nos últimos tempos apenas tem querido baralhar, confundir e complicar os presentes autos, vale também para aqui.
21 – Talvez seja falha nossa, mas não conseguimos perceber o sentido e alcance de tal pretensão, ou como é que uma acção executiva em que foram parte terceiras pessoas que não fazem parte dos presentes autos possa influenciar a decisão dos presentes autos.
22 – Diga-se no entanto, que tal documento poderia perfeitamente ter sido junto pela própria Recorrente/Embargante já que estaria na sua disponibilidade e, como aliás o habilitado JM já referiu em sede de resposta, não obstante não se vislumbrar qualquer interesse para a boa decisão da causa, nem sequer se opunha a tal junção, desde que a Recorrente/Embargante requeresse a respectiva certidão, a pagasse e a juntasse, já que era livre de o fazer.
Do erro de julgamento da matéria de facto julgada como provada
23 – Quanto a este ponto de discórdia da Recorrente/Embargante, necessário se torna compreender o raciocínio plasmado na motivação douta sentença recorrido quando começa por referir “Importa, todavia, ter presente que estamos perante uma oposição a execução fundada em título de crédito, tendo a exequente optado por dar à execução uma letra de câmbio, fazendo-se valer das características da incorporação, literalidade, autonomia e abstração…”.
24 – E (voltando ao mesmo) refere novamente a sentença que “A executada começa por alegar perentoriamente na petição inicial da presente oposição que «a transação, fornecimento, prestação de serviços ou seja o que for que deu origem a uma alegada factura nº48, de 25/9/2014, emitida pela Exequente (…) é UMA FICÇÃO, ardilosamente criada pelos responsáveis da Pactusmar, Lda» uma vez que «entre a Executada e a Exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento»”.
25 – Tal como já referimos supra, também o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” não deixou de sublinhar “alguma atipicidade da conduta processual da executada” (sublinhamos), pois, como ali se diz “…por requerimento de 10.05.2021, veio admitir expressamente que aceita como verdadeiro o facto de que «a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-administrador JP» - fazendo cair a tese de que a assinatura aposta na letra…havia sido falsificada.”
26 – Daí que tenha concluído o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que “…por fim, que, independentemente da contradição entre as versões apresentadas pelas partes, dúvidas não se colocam quanto aos ónus da alegação e prova sobre a questão fundamental, a de saber se inexistiu relação subjacente à emissão da letra dada à execução”, acrescentamos, que a Recorrente/Embargante, como vimos, até confessou.
27 – Depois, como aí se diz, “Documentalmente, temos uma letra aceite pela executada, assinada por quem à data, representava legalmente a sociedade executada” e, porque assim era, remata dizendo “Em suma, estando em causa uma execução cambiária não tinha a exequente de provar a relação subjacente, bastando-lhe apresentar o título de crédito assinado pela executada; sobre esta recaía, em sede de oposição à execução, alegar e provar a inexistência da obrigação fundamental, para isentar da responsabilidade resultante da subscrição da letra.
28 – Pelo que o presente recurso deve improceder, não apenas de facto, mas também de direito.
29 – Assim, julgando o presente recurso totalmente improcedente, mantendo in tottum a douta sentença proferida nos autos, farão V. Ex.ª, Ilustres Desembargadores, a costumada”.
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13. O recurso foi liminarmente admitido por despacho de 04-02-2022, sustentando-se no mesmo a inexistência das nulidades apontadas.
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14. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil (abreviadamente, CPC) - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir, relativamente ao recurso de apelação em questão, são as de saber:
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A) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC, por omissão de pronúncia, “quanto ao pedido subsidiário da Embargante (em relação à admissão da resposta à excepção apresentada e não admitida) para que a alegação dos factos dos artigos 13.º a 19.º fossem considerados e admitidos como articulado superveniente, e, por outro lado, quanto ao requerimento probatório da Embargante, ambos efectuados pela Embargante em 11.05.21”?
B) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC, por omissão de pronúncia, “quanto ao requerimento para produção de prova apresentado pela Embargante em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983””?
C) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, por omissão de pronúncia, relativamente ao requerimento apresentado em 10-05-2021, no qual a embargante requereu “que se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento”?
D) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, por omissão de pronúncia, relativamente ao requerimento apresentado em 10-05-2021, no qual a embargante requereu: “Mais requer que, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, resultando da instrução da causa (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao ex-Administrador da Embargante JP e ainda (com base naquela perícia) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM, o Tribunal conheça dos seguintes factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio:
- Se foi JM quem preencheu pelo seu punho e de forma integral a letra dada à execução e em que circunstâncias;
- Em que data e de que forma JP assinou a letra dada à execução (se a mesma estava totalmente em branco ou já se encontrava pré-preenchida por JM na altura da respectiva assinatura)?
- Por ordem de quem e para que efeito assinou JP a referida letra?
- E a quem entregou a JP a letra e em que circunstâncias?
Mais requer que, nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, sejam desde já juntos autos os quatro documentos que ora se oferecem, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, considerando-se que junção aos autos dos Doc. 1 e 2, face às contradições que objectivamente patenteiam quanto às declarações de JP, serão relevantes não só para a sua inquirição como Testemunha, mas para efeitos de contradita nos termos do artigo 521.º e 522.º do CPP, revelando-se, também nesse contexto, a sua junção como legalmente admissível, mesmo depois da inquirição da mesma (artigo 522.º, n.º 3, do CPC), consignando-se ainda que os Doc.s 3, 4 e 5 consubstanciam confissão do ora Embargado quanto ao preenchimento integral da letra de câmbio dado à execução quando alegadamente se encontrava em branco e, por isso, em circunstâncias totalmente opostas àquelas que seriam compatíveis com qualquer uma das duas versões apresentadas JP no processo crime”?
E) Se a decisão recorrida violou a autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…?
F) Se a decisão recorrida violou o artigo 334.º, do CC e se haverá que proceder à desconsideração da personalidade judiciária da sociedade Melhor Rigor, Lda.?
G) Se a decisão recorrida, ao não admitir o articulado superveniente apresentado em 11-05-2021, violou o artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC?
H) Se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada, em violação das regras relativas ao valor de prova plena decorrente da confissão – artigos 46.º, 465.º, n.º 2 e 607.º, n.º 5, do CPC - por o Tribunal recorrido ter incluído nos factos não provados, matéria de facto expressamente confessada?
I) Se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada, em violação das regras relativas ao valor da prova pericial e documental, por o Tribunal recorrido ter deixado de considerar/apreciar factos instrumentais, decorrentes da instrução da causa (quanto à prova pericial, “na parte atinente à autoria da letra que preencheu a letra dada à execução, através da prova pericial acima citada de onde resulta que é “muitíssimo provável” que a letra que consta do corpo da letra dada à execução seja do actual Embargado JM (v.d. exame pericial à letra junto ao Apenso da Habilitação de Cessionário(…) através de requerimento da Embargante com a “REF.ª 31551842” datado de 14.02.2019)” e quanto à prova documental, em face das “declarações prestada pelo ora Embargado JM, acima transcritas, bem como, as declarações prestadas pelo mesmo perante JIC no processo de inquérito n.º …/… (Doc.s 4 e 5 juntos pela Recorrente em 10.05.21 (…)”), em violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c), 6.º, n.º 1 e 421.º, n.º 1, do CPC?
J) Se o facto provado 2) constante da decisão recorrida deve transitar para os factos não provados e se o Tribunal recorrido deveria ter considerado como provado que: “O carimbo da Embargante não foi aposto na letra por CM, tendo sido abusivamente utilizado para esse efeito”?
K) Se deve ser aditada à matéria de facto provada, a constante das conclusões 20.ª (- O FM negociou a utilização do locado [fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz] com o CM, principal accionista da Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.; - A Autora no processo n.º …/…, a Melhor Rigor, Lda., cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito; - Desde Setembro de 2013, que a Melhor Rigor, Lda. e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado; - A Melhor Rigor no dia 1.06.2014, através de contrato de cessão de exploração, cedeu tal loja a terceiro, pelo prazo de doze meses, pela renda mensal nos seis primeiros meses de euros: 530,00 e de euros: 610,00 nos meses seguintes; - A Melhor Rigor manteve a posse da loja até ao dia 3.07.2014) e 21.ª (- JM, enquanto Gerente da Melhor Rigor, prestou declarações de parte no processo n.º …/… e aí não contraditou a factualidade relativa ao contexto em que CM conheceu FM, o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade por este e que estes cessaram em meados de 2013; - A Pactusmar e a Espaço Curvo não acordaram que o preço a pagar pelos serviços de contabilidade prestados à Espaço Curvo por FM, seria de 750,00 /mês acrescido do respectivo IVA a taxa legal, ou seja, o montante de 9.000,00, acrescido do respectivo IVA, por cada ano (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar no artigo 10.º da Contestação aos Embargos); - A Espaço Curvo não deve à Pactusmar a factura com valor de euros: 44.280,00, que consubstancia o Doc. 10 junto à Contestação aos Embargos que se dá como reproduzida, a cujo pretenso pagamento se destinava a letra dada à execução com o mesmo valor (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar nos artigos 10.º, 18.º e 19.º da Contestação aos Embargos e do alegado no artigo 2.º dos Embargos”) da alegação da recorrente?
L) Se deverá aditar-se à matéria de facto provada que: “O contrato de prestação de serviços invocado pela Embargada não foi celebrado por escrito”?
M) Se a decisão recorrida, ao considerar que o ónus da prova da demonstração da inexistência do contrato de prestação de serviços celebrado entre embargante e a Pactusmar, pertencia à embargante, violou os artigos 70.º, n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, 9.º, n.º 1, do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro e dos artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC?
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3. Fundamentação de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A exequente é portadora da letra nº 500792887102393206, no valor de €44.280,00, emitida em 25/09/2014 e com data de vencimento a 25/10/2014, na qual figuram as assinaturas da exequente no local próprio para o saque e da executada no local próprio para o aceite.
2. O carimbo respeitante à sociedade executada foi aposto na letra por CM, sendo que a assinatura foi sobre o mesmo aposta pelo punho do administrador, à data, da sociedade executada, JP.
3. A sociedade comercial “PACTUSMAR – CONTABILIDADE E FISCALIDADE, LDA.” dedica-se à atividade de Prestação de Serviços de Contabilidade e fiscalidade, tendo como sócio maioritário e gerente FM, com o contribuinte fiscal nº ….
4. O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, FM, no estabelecimento prisional, onde ambos se encontravam presos no âmbito de um processo crime.
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. CM e FM acordaram, entre si, que este, na qualidade de legal representante e por intermédio da sociedade exequente, assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas – nomeadamente no sentido de proceder ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações (v.g., de IRC e IES) –, entre as quais se incluía a executada.
2. A Exequente e a Executada acordaram que o preço a pagar por esta àquela, pela prestação de tais serviços, seria de 750,00 €/mês acrescido do respetivo IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €/ano, acrescido do respetivo IVA.
3. No cumprimento do que se havia comprometido com a Executada, a Exequente através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela Executada,
4. Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso.
5. E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013.
6. Foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respetivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,
7. Tendo ainda sido a própria a efetuar a organização dos documentos contabilísticos da Executada referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.
8. Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a Executada jamais pagou à Exequente o quer que fosse.
9. Nesse seguimento, a Executada solicitou ao legal representante da Exequente a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC.
10. Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida.
11. Perante isto, a Executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respetiva fatura no valor de 44 280,00 €.
12. A Executada aceitou e recebeu a respetiva fatura tanto que a lançou na respetiva contabilidade.
13. Contudo, a alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra, agora dada à Execução, como garantia do pagamento da respetiva fatura.
14. Não vindo, no entanto, a honrar o seu compromisso na respetiva data de vencimento.
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4. Fundamentação de Direito:
Vejamos o recurso interposto, apreciando cada uma das questões enunciadas.
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A) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC, por omissão de pronúncia, “quanto ao pedido subsidiário da Embargante (em relação à admissão da resposta à excepção apresentada e não admitida) para que a alegação dos factos dos artigos 13.º a 19.º fossem considerados e admitidos como articulado superveniente, e, por outro lado, quanto ao requerimento probatório da Embargante, ambos efectuados pela Embargante em 11.05.21”?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre questão que deveria ter apreciado, que traduz nulidade da mesma, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, decorrente da violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, quanto ao pedido subsidiário da Embargante (em relação à admissão da resposta à excepção apresentada e não admitida) para que a alegação dos factos dos artigos 13.º a 19.º fossem considerados e admitidos como articulado superveniente, e, por outro lado, quanto ao requerimento probatório da Embargante, ambos efectuados pela Embargante em 11.05.21.
38. O Tribunal “a quo” não se pronunciou, nem através da douta Sentença recorrida, nem em qualquer outra decisão, sobre o requerimento apresentado/entregue pela Recorrente na Audiência de Julgamento realizada 11.05.2021 (v.d. acta da “ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO”) para que, não sendo aceite (como não foi, a resposta à excepção apresentada pela Embargante), “a matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado” fosse “aceite e apreciada pelo Tribunal enquanto articulado superveniente efectuado nos termos do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC” e para que, “nos termos dos artigos 7.º, n.º 4 e 417.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, que seja [fosse] notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.º 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que se requer para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.º e 20.º da contestação e para prova da matéria alegado nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado/resposta.”, ou, “sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admitida resposta aos artigos 19.º e 20.º da contestação aos Embargos e ou de não ser subsidiariamente admitido como o articulado superveniente o alegado nos artigos 13.º a 19.º), que os documentos (…) cuja junção é requerida no parágrafo anterior, seja oficiosamente determinada nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, ponderando-se ainda que os Doc.s 2 e 3 correspondem a consultas que a Embargante apenas efectuou no dia 4.05.2021, desconhecendo até essa data que a Pactusmar não tinha o seu IES de 2014 disponível (como não tem os de 2010, 2011 e 2012) e ou que a Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado, tinha lançado uma factura no e-fatura da Espaço Curvo, SA, que depois anulou, e que o documento junto como Doc. 1 apenas foi emitido e entregue à Embargante em 10.05.2021.” (v.d. digitalização do requerimento entregue em papel inserido no citius com a ref.ª 131026916).
39. A resposta à excepção apresentada pela Embargante apenas veio a ser apreciada e indeferida pelo Tribunal “a quo” em sede de Sentença, não tendo, contudo, o Tribunal “a quo” conhecido do pedido subsidiário para que a matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º daquele requerimento fossem aceites como articulado superveniente, não se pronunciando, igualmente, sobre a produção da prova requerida, ainda que de forma subsidiária e autónoma da admissão da resposta à excepção e ou do articulado superveniente.
40. Na realidade, a douta Sentença recorrida apenas se pronunciou quanto à não admissibilidade da resposta à excepção à contestação enquanto tal, conforme fundamentação que aqui se dá como integralmente reproduzido, na sequência da qual decidiu “Pelo exposto, indefiro o articulado de resposta à contestação.” (“Negrito” e sublinhado nosso).
41. Na sequência disso os factos alegados pela Embargante, nos artigos 13.º a 19.º daquele requerimento, não foram apreciados pelo Tribunal “a quo” em sede de Sentença.
42. No entendimento da Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter apreciado a admissibilidade subsidiária da alegação daqueles factos, como factos supervenientes, e ou, em qualquer caso, tomado posição sobre a admissibilidade da produção da prova oportunamente requerida pela Recorrente para que fosse notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.º 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que a Recorrente requereu “para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.º e 20.º da contestação” e ou para prova da matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º do daquele articulado/resposta.
43. A diligência probatória requerida pela Embargante era tendente ao cumprimento do ónus da prova que a douta decisão recorrida entendeu ser da Embargante quanto à inexistência da relação jurídica subjacente à letra.
44. Conforme se decidiu no recente Ac. do TRG, datado de 8.07.2021 “Se o tribunal omite o conhecimento de um requerimento probatório da parte estamos não perante uma nulidade processual mas, sim, face a um típico caso de omissão de pronúncia da decisão recorrida.”.
45. Pelo que, ao deixar de se pronunciar sobre as duas questões/pretensões que lhe foram directamente colocadas/peticionadas pela Requerente (a admissão subsidiária dos factos como articulado superveniente e o requerimento de prova efectuado), e que não se encontravam prejudicadas por outras de que conheceu, omitiu o Tribunal “a quo” a apreciação de  questões de que devia ter conhecido nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se acha violado, incorrendo a douta Sentença recorrida na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada (…)”.
A recorrida contrapôs que o Tribunal não deixou se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela Recorrente/Embargante oralmente na audiência de julgamento realizada no dia 11/05/2021.
O Tribunal recorrido pronunciou-se – em sede do despacho de admissão do recurso – sobre a nulidade arguida, concluindo pela sua não verificação, dizendo que, “[c]onsiderando o que se deixou dito a quando da apreciação do incidente em causa (cf. fls.14 a 18 da sentença recorrida) – concluindo-se pelo indeferimento do articulado superveniente –, resultam necessariamente indeferidas, na sua globalidade, as pretensões que com o mesmo pretendia, a executada/recorrente, obter (…)”.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
A recorrente arguiu a ocorrência da nulidade constante da alínea d) do mencionado n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de pronúncia do Tribunal recorrido.
Vejamos se, no caso, o juiz do Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre questões de que devesse conhecer, sabendo-se que, é “frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades” (assim, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, p. 132).
Apenas existirá nulidade da sentença por omissão de pronúncia (ou por pronúncia indevida) com referência às questões objecto do processo, não com atinência a todo e qualquer argumento esgrimido pela parte.
A nulidade por omissão de pronúncia supõe o silenciar, em absoluto, por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão sintética e escassamente fundamentada a propósito dessa questão (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-03-2007, Pº 07A091, rel. SEBASTIÃO PÓVOAS).
Caso o tribunal se pronuncie quanto às questões que lhe foram submetidas, isto é, sobre todos os pedidos, causas de pedir e exceções que foram suscitadas, ainda que o faça genericamente, não ocorre o vício da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia. Poderá, todavia, existir mero erro de julgamento, atacável em via de recurso, onde caso assista razão ao recorrente, se impõe alterar o decidido, tornando-o conforme ao direito aplicável.
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há de, assim, resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608.º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A questão a decidir pelo julgador está diretamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir, não estando o juiz obrigado a apreciar e a rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência da sua pretensão, ou a pronunciar-se sobre todas as considerações tecidas para esse efeito. O que o juiz deve fazer é pronunciar-se sobre a questão que se suscita apreciando-a e decidindo-a segundo a solução de direito que julga correta.
De acordo com o n.º 2 do artigo 608.º do CPC, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras, sendo certo que, o dever de pronúncia obrigatória é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de exceção.
“O dever imposto no nº 2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e da causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-03-2018, Processo nº 1453/17.3T8BRG.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
Assim, “importa distinguir entre os casos em que o tribunal deixa de pronunciar-se efetivamente sobre questão que devia apreciar e aqueles em que esse tribunal invoca razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção, sendo coisas diferentes deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, por não ter o tribunal de esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25-03-2019, Processo 226/16.5T8MAI-E.P1, relator NELSON FERNANDES).
Na realidade, como se referiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-09-2011 (P.º n.º 480/09.9JALRA.C1, relator ORLANDO GONÇALVES): “1.- A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. 2.- O que importa é que o tribunal decida a questão colocada e não que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões que foram invocados para suporte dessa pretensão”.
Se a decisão não faz referência a todos os argumentos invocados pela parte tal não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, sendo certo que, a decisão tomada quanto à resolução da questão poderá muitas vezes tornar inútil o conhecimento dos argumentos ou considerações expendidas, designadamente por opostos, irrelevantes ou prejudicados em face da solução adotada.
Conclui-se – como se fez no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-05-2019 (Processo 1211/09.9GACSC-A.L2-3, relatora MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA) - que: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal -“questões”- não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta-se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir”.
No caso em apreço, a embargante apresentou requerimentos, em dias sucessivos (09-05-2021, 10-05-2021 e 11-05-2021), nos termos deles constantes e conforme supra assinalado.
Na ata da sessão de julgamento de 11-05-2021 o Mandatário da embargante referiu-se a alguns deles requerendo a junção aos autos de:
“-ARTICULADO SUPERVENIENTE relativos a factos de que a Embargante apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021 como resposta à contestação (disponibilizando para todos os presentes em suporte escrito);
- RESPOSTA À EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA deduzida na contestação aos embargos da embargada Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade Lda., na parte em que alega o lançamento pela embargante da factura n.º 48 da embargante na sua contabilidade (…)”.
No documento escrito de resposta à mencionada excepção peremptória (“RESPOSTA ORALMENTE APRESENTADA NO INÍCIO DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO”) lê-se no seu dispositivo o seguinte:
“Termos em que, deve ser admiti[d]a a presente resposta e, consequentemente, declarada improcedente a excepção peremptória alegada pela Pactusmar, Lda. da confissão – através do lançamento na contabilidade da Embargante – da dívida subjacente à letra e factura discutida nos presentes embargos, concluindo-se como nos Embargos.
Sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admitida resposta aos artigos 19.º e 20.º da contestação aos Embargos), requer subsidiariamente que a matéria de facto alegada nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado seja aceite e apreciada pelo Tribunal enquanto articulado superveniente efectuado nos termos do artigo 588.º, n.ºs. 1, 2, e 3, al. c) e 6, do CPC, concluindo-se como nos Embargos.
Para o efeito, requer nos termos dos artigos 7.º, n.º 4 e 417.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC, que seja notificada a Pactusmar, Lda. para juntar aos autos em 10 dias o seu IES de 2014 e o balancete onde esteja lançada a factura n.º 48, bem como, a declaração de IVA que a inclua, o que se requer para contraprova da matéria alegada pela Embargada nos artigos 19.º e 20.º da contestação e para prova da matéria alegado nos artigos 13.º a 19.º do presente articulado/resposta.
Mais requer, sem conceder e por mera cautela de patrocínio (acautelando a hipótese de à Embargante não ser admita resposta aos artigos 13.º a 19.º da contestação aos Embargos e ou de não ser subsidiariamente admitido como o articulado superveniente o alegado nos artigos 13.º a 19.º), que os documentos ora oferecidos e aqueles cuja junção é requerida no parágrafo anterior, seja oficiosamente determinada nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, ponderando-se ainda que os Doc.s 2 e 3 correspondem a consultas que a Embargante apenas efectuou no dia 4.05.2021, desconhecendo até essa data que a Pactusmar não tinha o seu IES de 2014 disponível (como não tem os de 2010, 2011 e 2012) e ou que a Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado, tinha lançado uma factura no e-fatura da Espaço Curvo, SA, que depois anulou, e que o documento junto como Doc. 1 foi emitido e entregue à Embargante em 10.05.2021 (…)”.
Na sessão de julgamento de 13-10-2021, foi assinalado, nomeadamente, que os requerimentos apresentados pela embargante – “ARTICULADO SUPERVENIENTE E RESPOSTA À EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA – os quais, embora liminarmente admitidos a fim de a parte contrária sobre os mesmos pronunciar e após tal pronúncia, não foram objeto de despacho/pronúncia definitiva pelo Tribunal”, tendo os advogados das partes dito não se opor ao conhecimento pelo Tribunal de tais requerimentos aquando da prolação da sentença.
Foi, nessa sequência que, aquando da prolação da sentença de embargos e antes desta, o Tribunal recorrido se pronunciou sobre os aludidos requerimentos da embargante.
Sobre a questão colocada, o Tribunal proferiu a seguinte decisão:
“(…) Do requerimento apresentado pela executada/opoente oralmente na audiência de julgamento no dia 11/05/2021 (Resposta à Excepção Peremptória) e requerimento de resposta da exequente datado de 19.05.2021:
No início da sessão de audiência de discussão e julgamento que teve lugar no dia 11 de maio de 2021, a executada/opoente apresentou requerimento de “resposta à exceção perentória deduzida na contestação aos embargos da embargada Pactusmar, Lda. na parte em que alega o lançamento pela embargante da factura n.º48 da embargante na sua contabilidade”.
A exequente pronunciou-se no sentido da extemporaneidade do referido articulado, pugnando, a final, pelo respetivo indeferimento.
Apreciando.
Prevê acerca da função da réplica, estatui o artº. 584º, do Cód. de Processo Civil, que:
“1 - Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.
2 - Nas ações de simples apreciação negativa, a réplica serve para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu”.
Por sua vez, ainda no âmbito da réplica, acerca da posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu, prescreve o artº. 587º, do mesmo diploma, que:
“1 - A falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º.
2 - Às exceções deduzidas na réplica aplica-se o disposto na alínea c) do artigo 572.º”.
Tratando-se de um articulado eventual, que só pode ter lugar em duas situações – quando o réu haja deduzido pedido reconvencional na contestação; nas acções de simples apreciação negativa -, constata-se que, desde a nova versão do Código de Processo Civil introduzida pela Lei nº. 41/2013, de 26/06, “quando o réu se defenda por excepção, o autor não dispõe de articulado próprio para responder às excepções deduzidas. Daqui decorre que, nesses casos (tal como quando o réu se limita à defesa por impugnação), a etapa inicial do processo fica reduzida a dois articulados”.
Todavia, apesar da inexistência de um articulado próprio para responder às excepções deduzidas pelo réu, “sempre fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a tal matéria, mais exactamente na audiência prévia, tal como estabelece o nº. 4 do art. 3º. Só não será assim se o juiz decidir proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim” [cf. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 223].
Efectivamente, conforme dispõe o nº. 4, do artº. 3º, do Cód. de Processo Civil, “às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
No caso dos autos, a primeira sessão de audiência de discussão e julgamento teve lugar no dia 19.02.2019, no âmbito da qual, depois de iniciada, as partes requereram a suspensão da instância até que fosse decidido o incidente de habilitação de cessionário deduzido por apenso, a fim de evitar a “prática de actos inúteis na medida em que poderão haver partes ouvidas como testemunhas e testemunhas ouvidas como parte”, o que foi deferido.
Ou seja, o que se pretendeu com a requerida suspensão foi não dar início à produção da prova presencial (declarações de parte e testemunhal). Tal circunstância não impedia, como não impediu, que, aberta que se mostrava a audiência, a executada apresentasse o requerimento de resposta à contestação, se fosse essa a sua vontade.
Note-se que, não sendo apresentado tal articulado na audiência prévia, por a ela não ter havido lugar, cabia à executada fazê-lo no início da audiência final. A circunstância de o Tribunal ter acedido ao pedido das partes no sentido de não dar início à produção de prova para evitar que testemunhas e partes depusessem em qualidades que iriam perder, suspendendo a instância, em nada colidiu com a oportunidade de a executada apresentar, nessa mesma sessão e previamente ao pedido de suspensão da instância, o articulado de resposta. Note-se que no caso de transmissão, por atos entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente (exequente originária) continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente (cessionário) não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo (cf. artigo 263.º do CPC).
Não o tendo feito, mostra-se a apresentação de tal articulado, em momento posterior, extemporânea.
Acresce, ainda assim, que a alegação, no articulado da contestação, de que “a executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respetiva factura no valor de €44 280€ (Documento n.º10)” e que “a executada aceitou e recebeu a respetiva factura tanto que a lançou na respetiva contabilidade (Documento n.º11)” – cf. artigos 19.º e 20.º da contestação – não integra/constitui matéria de exceção, mas antes impugnação motivada (no contexto dos demais factos alegados na contestação) à invocação, pela executada/opoente, da inexistência de qualquer relação causal, subjacente e/ou fundamental que sustentasse a emissão da letra dada à execução. E como já se deixou dito, o ónus de alegação e prova da inexistência dessa relação cabe à executada e não à exequente, beneficiando, esta, da presunção decorrente da existência do referido título cambiário (assente que se mostra, por confissão, a genuinidade da assinatura do administrador da sociedade executada no lugar do aceite).
Pelo exposto, indefiro o articulado de resposta à contestação.
Custas do incidente a cargo da executada que se fixam em 2UC (…)”.
Conforme resulta desta decisão de indeferimento do articulado apresentado em 11-05-2021, a mesma assentou, em suma, em duas considerações: A da extemporaneidade da apresentação do articulado de resposta em 11-05-2021, relativamente ao início da audiência que o Tribunal situou em 19-02-2021; a da inexistência de matéria de exceção nos artigos 19.º e 20.º da contestação de embargos, que motivasse a ulterior resposta/pronúncia da embargante.
O Tribunal sustentou inexistir a nulidade arguida.
Ora, ao invés do invocado pela embargante não se alcança que o Tribunal recorrido tenha omitido pronúncia que devesse ter efetuado sobre o requerimento em apreço.
De facto, constituindo a pronúncia da embargante uma desejada pronúncia de resposta sobre exceção perentória invocadamente deduzida pela contraparte, nela não cabe, ainda que, deduzida a título subsidiário, a invocação de factos supervenientes, pretensão que apenas poderá ter lugar, mediante a apresentação de articulado – cfr artigo 147.º, n.º 1, do CPC – superveniente, deduzido com autonomia.
Não é, por acaso, que a dedução de articulado superveniente deve ocorrer “em articulado posterior ou em novo articulado” aos que, normalmente, têm lugar em sede declarativa – cfr. artigo 588.º, n.º 1, do CPC – sendo orais e ficando consignadas em ata a dedução de factos supervenientes, o despacho de admissão/rejeição, a resposta da parte contrária e o despacho que enuncie o tema da prova, quando qualquer dos atos tenha lugar depois de aberta a audiência final – cfr. artigo 589º, n.º 2, do CPC.
Nesta medida, em sede de exercício do contraditório sobre uma pretensão da contraparte não tem cabimento processual a dedução, a título subsidiário, de uma autónoma pretensão que, apenas em sede autónoma (por via de articulado superveniente) poderá ser deduzida.
Mas, independentemente disso, certo é que, o juízo levado a efeito pelo Tribunal recorrido assentou na extemporaneidade da apresentação de pronúncia por parte da embargante, sobre a exceção deduzida pela contraparte, o que conduz, sem outras considerações, a que o requerimento deduzido para tal efeito, não deva ser objeto de apreciação, culminando no naufrágio das pretensões que nele sejam inseridas.
Ou seja: Da apreciação efetuada pelo Tribunal recorrido resultaram prejudicadas, na sua apreciação, as demais pretensões que foram inseridas pela embargante no requerimento apresentado em 11-05-2021.
Pode concluir-se, assim, que, em sede de exercício do contraditório sobre uma pretensão da contraparte não tem cabimento processual a dedução, a título subsidiário, de uma pretensão que, apenas em sede autónoma – articulado superveniente - poderá ser deduzida, pelo que, julgando o Tribunal extemporânea a apresentação de tal pronúncia pela embargante, não ocorre omissão de pronúncia (cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) se o Tribunal não apreciar a pretensão subsidiária ali deduzida.
A nulidade arguida não se verifica, improcedendo o alegado, em contrário, pela recorrente.
*
B) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4 do CPC, por omissão de pronúncia, “quanto ao requerimento para produção de prova apresentado pela Embargante em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983””?
Arguiu, ainda, a recorrente a ocorrência de nulidade por omissão de pronúncia, com outro fundamento.
Para o efeito, concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da omissão de pronúncia da decisão recorrida sobre questão que deveria ter apreciado, que traduz nulidade da mesma, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, decorrente da violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, quanto ao requerimento para produção de prova apresentado pela Embargante em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983”.
59. O Tribunal “a quo” não se pronunciou, nem através da douta Sentença recorrida, nem em qualquer outra decisão, sobre o requerimento apresentado pela Recorrente via citius em 23.09.2021 com a “REFª: 39922983” para que “(…) não tendo Embargada conhecimento directo e ou acesso ao processo executivo em causa, requer a V. Ex.ª se digne ordenar, à luz do princípio da cooperação das partes (artigo 7.º, n.º 1, do CPC), ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 432.º do CPC, que o ora Embargado (ou a Melhor Rigor, Lda., se assim for entendido) venha aos autos, no prazo de 10 dias, juntar cópia da petição executiva a que aludiu aquele Fiador e Gerente da Cessionária, para que se possa comprovar qual o período aí peticionado (que excedeu em muito o período da prestação de serviços por FM à Embargante ocorrida até Setembro de 2013) e qual o valor que veio, com juros, a ser recebido pela sociedade Melhor Rigor, pertencente ao ora Embargado.”.
60. Conforme resulta dos autos, o Requerimento em causa, não foi nunca apreciado pelo Tribunal “a quo” (nem através de qualquer despacho oralmente proferido, nem em sede da douta Sentença ora recorrida).
61. A diligência probatória requerida pela Embargante era tendente ao cumprimento do ónus da prova que a douta decisão recorrida entendeu ser da Embargante quanto à inexistência de qualquer dívida emergente do não pagamento dos serviços incluídos na factura junta à Contestação dos Embargos (por os mesmos se encontrarem pagos por via da disponibilidade e possibilidade de rentabilização da loja da Embargante efectuada pela Melhor Rigor até data posterior ao termo da prestação de serviços por FM), pretensa dívida a cujo pagamento a Embargante alega que a letra era destinada.
62. Ao deixar de se pronunciar sobre o requerimento de prova efectuado pela Embargante, que não se encontrava prejudicado por qualquer decisão entretanto proferida, omitiu o Tribunal “a quo” a apreciação de questão de que devia ter conhecido nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se acha violado, incorrendo a douta Sentença recorrida na nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada (…)”.
A recorrida concluiu pela improcedência do arguido.
Vejamos:
No requerimento em apreço, apresentado pela embargante em 23-09-2021, a mesma concluiu o seguinte:
“Termos em que, requer a V.ª Ex.ª, nos termos do artigo 423.º, n.º 3, do CPC, se digne admitir a junção aos autos dos dois documentos ora oferecidos (contrato de cessão e gravação áudio das declarações do Gerente da Cessionária da loja em CD, cuja entrega será pessoalmente efectuada pelo signatário).
Por outro lado, não tendo Embargada conhecimento directo e ou acesso ao processo executivo em causa, requer a V. Ex.ª se digne ordenar, à luz do princípio da cooperação das partes (artigo 7.º, n.º 1, do CPC), ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 432.º do CPC, que o ora Embargado (ou a Melhor Rigor, Lda., se assim for entendido) venha aos autos, no prazo de 10 dias, juntar cópia da petição executiva a que aludiu aquele Fiador e Gerente da Cessionária, para que se possa comprovar qual o período aí peticionado (que excedeu em muito o período da prestação de serviços por FM à Embargante ocorrida até Setembro de 2013) e qual o valor que veio, como juros, a ser recebido pela sociedade Melhor Rigor, pertencente ao ora Embargado”.
Considera a recorrente que o Tribunal recorrido omitiu decisão sobre o requerimento, dizendo que o mesmo não foi nunca apreciado pelo Tribunal “a quo” (nem através de qualquer despacho oralmente proferido, nem em sede da douta Sentença ora recorrida).
Ora, antes de prosseguirmos importa distinguir entre nulidade da sentença – a que foi arguida pela recorrente – e nulidade processual.
Na realidade, uma coisa é a nulidade processual (por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência), outra, bem diferente, é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso, um vício do conteúdo do acto (aqui se inserindo a omissão de pronúncia, que é um vício referente aos limites).
Sobre o conceito de nulidade processual refere Miguel Teixeira de Sousa (“O que é uma nulidade processual?”, in Blog do IPPC, 18-04-2018, disponível no endereço: https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2018-04-19T07:00:00%2B01:00&max-results=12&start=163&by-date=false) o seguinte:
“1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).
2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:
-- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;
-- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.
No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.
3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.
Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte.
É, aliás, fácil comprovar, em função do direito positivo, o que acaba de se afirmar:
-- A única nulidade processual nominada que decorre do conteúdo do acto é a ineptidão da petição inicial (cf. art. 186.º); (…);
-- As nulidades da sentença e dos acórdãos decorrem do conteúdo destes actos do tribunal, dado que estas decisões não têm o conteúdo que deviam ter ou têm um conteúdo que não podem ter (cf. art. 615.º, 666.º, n.º 1, e 685.º CPC); também não é por acaso que estas nulidades não são reconduzidas às nulidades processuais reguladas nos art. 186.º a 202.º CPC.
4. Em conclusão:
-- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;
-- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.”.
O mesmo Autor refere-se à distinção entre nulidades do processo e nulidades da sentença nos seguintes termos (“Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, in Blog do IPPC, 22-09-2020, disponível no endereço: https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html):
“O CPC trata das nulidades processuais nos art. 186.º a 202.º e das nulidades da sentença e do acórdão nos art. 615.º, 666.º e 685.º. Perante isto, pode colocar-se a questão: por que motivo têm tratamento em diferentes lugares do CPC as nulidades processuais e as nulidades da sentença? Ou noutra formulação: dado que a sentença é um acto processual, qual o motivo para que a nulidade da sentença não esteja tratada em conjunto com as nulidades processuais? Ou noutra formulação ainda mais precisa: constando do art. 195.º CPC uma regra geral sobre a nulidade dos actos, qual a justificação para que exista uma regulamentação específica sobre a nulidade da sentença?
A resposta tem a ver com a dupla perspectiva pela qual a sentença pode ser considerada (assim como qualquer outro acto processual) e é a seguinte: a sentença pode ser vista como trâmite ou como acto: no primeiro caso, atende-se à sentença no quadro da tramitação da causa; no segundo, considera-se o conteúdo admissível ou necessário da sentença.
Disto decorre que uma sentença pode constituir uma nulidade processual, se for considerada na perspectiva da sentença como trâmite: basta, por exemplo, que ela seja proferida fora do momento apropriado na tramitação processual. Um exemplo (naturalmente académico): se, no procedimento comum, o juiz proferir uma decisão logo a seguir ao termo da fase dos articulados, verifica-se uma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, porque foi praticado um acto que a lei, naquele momento, não permite.
Importa notar, no entanto, que, atendendo à diferença da sentença como trâmite e como acto, a nulidade processual do art. 195.º CPC nada tem a ver com a nulidade da sentença dos art. 615.º, 666.º e 685.º CPC. É fácil verificar que assim é.
A nulidade processual decorrente do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC existe mesmo que a sentença não padeça de nenhum outro vício, nomeadamente daqueles que estão enumerados no art. 615.º CPC. Quer dizer: a sentença pode conter toda a fundamentação exigível, pode não padecer de nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão, pode não conter nenhuma omissão ou nenhum excesso de pronúncia e pode não condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, mas, ainda assim, porque é proferida fora do momento adequado, verifica-se a nulidade processual imposta pelo art. 195.º, n.º 1, CPC.
Voltando ao exemplo (académico) acima referido: o proferimento da sentença logo depois da fase dos articulados constitui uma nulidade processual; no entanto, essa sentença pode não padecer de nenhum dos fundamentos de nulidade enumerados no art. 615.º, n.º 1, CPC.
O inverso também é possível (e é, aliás, a situação mais frequente): se a sentença é proferida no momento processualmente adequado, mas se a mesma não contém toda a fundamentação exigível, padece de uma contradição entre os fundamentos e a decisão, contém uma omissão ou um excesso de pronúncia ou condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, não há nenhuma nulidade processual nos termos do art. 195.º, n.º 1, CPC, embora se trate de sentença que é nula segundo o disposto nos art. 615.º, n.º 1, 666.º e 685.º CPC.”.
Nesta linha, a ausência de pronúncia sobre requerimento apresentado por uma das partes suscita uma questão de nulidade da decisão, por omissão de pronúncia e não uma nulidade processual.
Dito isto, importa, contudo, sublinhar que, como acima se mencionou, a nulidade por omissão de pronúncia apenas terá lugar quando existir, por parte do julgador, o dever de pronúncia ou de decisão, em conformidade com o prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
Ora, atenta a sequência de tramitação processual ocorrida nos presentes autos, não se afigura que tenha procedência a invocada nulidade, porquanto, inexistir o dever de decisão ou de pronúncia sobre a questão em apreço, uma vez que, a apreciação do requerimento em questão se encontrava prejudicada pela solução dada a outras questões processuais.
Na realidade, na sessão da audiência de julgamento que teve lugar em 13-10-2021, consta da respetiva ata, designadamente, o seguinte:
“Mais disseram [os Advogados das partes] não se opor a que após as alegações fosse junto pela exequente o documento que a executada requereu que fosse junto no requerimento que antecedeu a presente diligência, sobre o qual a executada se pronunciará.
Nesta conformidade, foi dada a palavra aos Ilustres Mandatários presentes para Alegações, tendo os mesmos procedido em conformidade…”.
Após tal produção de alegações, pelo Juiz do Tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho:
“Notifique a Exequente/Embargada para em 10 dias juntar aos autos fatura e nota de crédito de 9/9/2014 e cumprido o contraditório abra conclusão para prolação de sentença”.
Ora, conforme resulta de tal decisão, tomada perante os Advogados das partes, o Tribunal notificou a embargada para juntar a fatura e nota de crédito de 09-09-2014 e assinalou às partes que, após o cumprimento do contraditório inerente a essa concreta questão, iria proferir sentença.
E, de facto, nessa sequência e na lógica de tal tramitação, em 14-10-2021, o embargado veio aos autos juntar fatura e nota de crédito, “conforme requerido pela embargante na audiência última…”, requerimento sobre o qual a embargante não deixou de se pronunciar, conforme requerimento apresentado em 18-10-2021, no qual não arguiu alguma nulidade sobre a ausência de pronúncia sobre o requerimento de 23-09-2021.
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 607.º do CPC, o processo é concluso ao juiz para prolação de sentença, encerrada que se encontre a audiência, o que supõe que se concluíram os atos que devam ter lugar no âmbito da audiência de julgamento, como sejam, os previstos no n.º 3 do artigo 604.º do CPC, o que supõe a conclusão de todo e qualquer ato instrutório de produção de prova.
Nesta medida, com a prolação do despacho prolatado no termo da sessão da audiência de julgamento de 13-10-2021, as partes encontravam-se em condições de percecionar que, ressalvada a determinação constante de tal despacho – notificação da embargada para juntar aos autos a fatura e nota de crédito de 09-09-2014 – não iriam ser realizados outros atos instrutórios.
Assim, decorre do aludido despacho de 13-10-2021, que o Tribunal recorrido não considerou pertinente a realização de outra diligência instrutória previamente à prolação da sentença, donde se conclui, com toda a clareza, encontrar-se indeferido o que foi requerido no requerimento de 23-09-2021.
De todo o modo, se o entendesse diversamente, a embargante poderia contestar a posição levada a efeito pelo Tribunal, arguindo o cometimento de nulidade processual, por falta de apreciação de requerimento probatório, o que deveria ter arguido nos 10 dias posteriores à prolação do dito despacho, em conformidade com o prescrito no n.º 1 do artigo 199.º do CPC (sendo de presumir que com a prolação de tal despacho de 13-10-2021, a embargante ficou a conhecer os termos da questão atinente e que ora suscitou) o que, contudo, não fez.
Ou seja: Quando foi prolatada a decisão (em 13-12-2021), a questão da apreciação do requerimento probatório de 23-09-2021 encontrava-se decidida, consolidada e ultrapassada, tendo-se sanado – por via da não arguição da ocorrência de nulidade processual no prazo de 10 dias – todos os efeitos invalidatórios da eventual irregularidade cometida.
Assim, não sendo questão que o Tribunal recorrido devesse apreciar em sede de sentença – sendo que “a omissão de apreciação de determinadas questões suscitadas pelas partes só determina a nulidade da sentença – nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC – se estiverem em causa questões que devam ser aí apreciadas e tais questões são as que se relacionam com o objecto do litígio (delimitado pelas pretensões formuladas e respectivas causas de pedir) que importa resolver, sejam questões processuais (excepções) que obstam à apreciação da pretensão ou sejam questões relacionadas com o fundo e o mérito da pretensão” (assim, o Acórdão da Relação de Coimbra de 03-03-2020, Pº 1628/18.8T8CBR-A.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES)- , não se vislumbra padecer a sentença prolatada de omissão de pronúncia.
A nulidade arguida é, pois, improcedente.
*
C) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, por omissão de pronúncia, relativamente ao requerimento apresentado em 10-05-2021, no qual a embargante requereu “que se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento”?
Concluiu a recorrente no recurso, ainda e nomeadamente, o seguinte:
“(…) 67. Efectivamente, no requerimento apresentado em 10.05.21 a Embargante, ora Recorrente, requereu ao Tribunal “a quo” “que se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento.” (sic)
68. Sobre a matéria de facto assim, expressa e irrevogavelmente, aceite pela Embargante o Tribunal “a quo” nada decidiu, o que, consubstanciando omissão de pronúncia que dita a nulidade da decisão nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC; (…)”.
Vejamos:
No aludido requerimento de 10-05-2021, a embargante alegou no artigo 2.º que:
“a) aceita a matéria de facto julgada como provada no processo n.º …/…, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra – J4, intentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. (de que é Gerente o ora Exequente), na qualidade de Autora, contra os aí Réus a Espaço Curvo, SA (aqui Embargante) e CM, que consta da certidão judicial junta ao Apenso B;
b) aceita, para não mais retirar (cfr. artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC), a matéria de facto vertida nos artigos 4.º a 8.º da contestação aos Embargos;
c) aceita (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-Administrador JP e ainda (com base naquela perícia e enquanto facto instrumental que resultou da instrução da causa) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM;
d) aceita, com referência ao alegado no artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 (de que a Embargada apenas juntou aos autos a primeira folha) e os IRC destes mesmos anos.”.
E, termina a embargante o aludido requerimento requerendo, nomeadamente, que “se considere por si confessada, para não mais retirar, a matéria de facto identificada no artigo 2.º do presente requerimento”.
Ora, o Tribunal apreciou o vertido no aludido requerimento de 10-05-2021, no momento de prolação da sentença dos autos – cfr. motivação da decisão de facto - não sendo exigível que o Tribunal recorrido procedesse, com autonomia, à prolação de decisão específica ou autónoma sobre o requerimento em questão, o qual, não tendo a feição de articulado (cfr. artigo 147.º, n.º 1, do CPC), nem consubstanciando a dedução de algum incidente, não determinava a prolação de outra decisão pelo Tribunal.
O requerimento da embargante foi no sentido da consideração pelo Tribunal do ali vertido, o que não resulta ter sido omitido pelo Tribunal em sede de prolação da sentença proferida, ao invés do invocado pela recorrente.
Questão diversa é a da conformidade da pretensão da requerente com o juízo levado a efeito pelo Tribunal recorrido. Contudo, isso não comporta qualquer omissão de pronúncia, mas determinará, quando muito, erro de julgamento.
Conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-03-2021 (Pº 850/14.0YRLSB.S3, rel. JOSÉ RAINHO), traduzindo consolidada orientação jurisprudencial, “Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento, e daqui que improcede a arguição de nulidade se o que o recorrente faz através da arguição é simplesmente dissentir da decisão”.
Nesta medida, atento o exposto, não ocorre a invocada omissão de pronúncia.
*
D) Se a decisão recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC, por omissão de pronúncia, relativamente ao requerimento apresentado em 10-05-2021, no qual a embargante requereu: “Mais requer que, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, resultando da instrução da causa (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao ex-Administrador da Embargante JP e ainda (com base naquela perícia) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM, o Tribunal conheça dos seguintes factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio:
- Se foi JM quem preencheu pelo seu punho e de forma integral a letra dada à execução e em que circunstâncias;
- Em que data e de que forma JP assinou a letra dada à execução (se a mesma estava totalmente em branco ou já se encontrava pré-preenchida por JM na altura da respectiva assinatura)?
- Por ordem de quem e para que efeito assinou JP a referida letra?
- E a quem entregou a JP a letra e em que circunstâncias?
Mais requer que, nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, sejam desde já juntos autos os quatro documentos que ora se oferecem, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, considerando-se que junção aos autos dos Doc. 1 e 2, face às contradições que objectivamente patenteiam quanto às declarações de JP, serão relevantes não só para a sua inquirição como Testemunha, mas para efeitos de contradita nos termos do artigo 521.º e 522.º do CPP, revelando-se, também nesse contexto, a sua junção como legalmente admissível, mesmo depois da inquirição da mesma (artigo 522.º, n.º 3, do CPC), consignando-se ainda que os Doc.s 3, 4 e 5 consubstanciam confissão do ora Embargado quanto ao preenchimento integral da letra de câmbio dado à execução quando alegadamente se encontrava em branco e, por isso, em circunstâncias totalmente opostas àquelas que seriam compatíveis com qualquer uma das duas versões apresentadas JP no processo crime”?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 73. Por outro lado, decorre do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, que o Tribunal tem o poder dever de apreciar factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio, desde que os mesmos resultem da instrução da causa.
74. Sobre isso, requereu a Recorrente ao Tribunal “a quo”, através de requerimento remetido a juízo em 10.05.21, o seguinte “Mais requer que, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, resultando da instrução da causa (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao ex-Administrador da Embargante JP e ainda (com base naquela perícia) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM, o Tribunal conheça dos seguintes factos instrumentais relevantes para a justa composição do litígio:
- Se foi JM quem preencheu pelo seu punho e de forma integral a letra dada à execução e em que circunstâncias;
- Em que data e de que forma JP assinou a letra dada à execução (se a mesma estava totalmente em branco ou já se encontrava pré-preenchida por JM na altura da respectiva assinatura)?
- Por ordem de quem e para que efeito assinou JP a referida letra?
- E a quem entregou a JP a letra e em que circunstâncias?
Mais requer que, nos termos do disposto nos artigos 411.º e 436.º, n.º 1, do CPC, sejam desde já juntos autos os quatro documentos que ora se oferecem, por se tratarem de documentos necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, considerando-se que junção aos autos dos Doc. 1 e 2, face às contradições que objectivamente patenteiam quanto às declarações de JP, serão relevantes não só para a sua inquirição como Testemunha, mas para efeitos de contradita nos termos do artigo 521.º e 522.º do CPP, revelando-se, também nesse contexto, a sua junção como legalmente admissível, mesmo depois da inquirição da mesma (artigo 522.º, n.º 3, do CPC), consignando-se ainda que os Doc.s 3, 4 e 5 consubstanciam confissão do ora Embargado quanto ao preenchimento integral da letra de câmbio dado à execução quando alegadamente se encontrava em branco e, por isso, em circunstâncias totalmente opostas àquelas que seriam compatíveis com qualquer uma das duas versões apresentadas JP no processo crime.”
75. Sobre tal requerimento da Embargante o Tribunal “a quo” nada decidiu, o que consubstancia omissão de pronúncia que dita a nulidade da decisão ora recorrida, por violação do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que se deixa arguida e requer que seja declarada nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC; (…)”.
Relativamente a uma tal invocação, são plenamente aplicáveis as considerações constantes da questão precedentemente apreciada.
Na realidade, não se afigura que o requerimento da embargante, no sentido da consideração pelo Tribunal de factos instrumentais, resultantes da instrução da causa, determinasse para o Tribunal algum dever de pronúncia específica sobre tal questão.
De facto, os factos instrumentais são considerados pelo julgador independentemente da posição das partes sobre os mesmos, conforme decorre da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC.
É que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 5.º do CPC, a decisão da matéria de facto tem por objeto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo artigo 5.º resulta que, o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que, na decisão da matéria de facto, devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e, bem ainda, aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objeto dessa decisão.
Isso mesmo sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, p. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”, acrescentando que (ob. cit., p. 722), “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Sobre a enunciação dos factos instrumentais, decorre do n.º 4 do artigo 607.º do CPC, que, os mesmos, não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam, igualmente, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pp. 718-719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Tendo o aludido requerimento de 10-05-2021 sido devidamente apreciado no contexto da motivação da decisão de facto da sentença recorrida, não se alcança alguma omissão de pronúncia.
Assim, em consequência, conclui-se no sentido de que não ocorre a nulidade arguida.
*
E) Se a decisão recorrida violou a autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da violação da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… / Do efeito da autoridade daquele julgado ao nível da (in)existência da alegada relação subjacente entre a Embargante e a primitiva Embargada, da forma de pagamento dos serviços de contabilidade prestados à Embargante por FM (e não pela primitiva Embargante, a Pactusmar) e da efectivadade de tal pagamento através da disponibilização da loja referida no mesmo até momento posterior ao termo da prestação de tais serviços.
1. A autoridade de tal caso julgado formado no processo n.º …/… abarca e impõe, ao contrário do entendimento expresso na douta Sentença recorrida, que os serviços de contabilidade a que se refere aquele julgado foram acordados entre CM e FM (e não com a Embargada) e tinham como contrapartida acordada a disponibilidade da loja identificada naqueles autos, resultando que, nos presentes autos, se discutem os mesmos serviços (ou serviços que necessariamente se sobrepõem) aos ali apreciados com referência à Espaço Curvo;
2. O que resulta da matéria de facto provada nos pontos 11 a 20 do processo n.º …/…, mas, igualmente, da matéria de facto dos pontos 3 a 7 que aqui se dá como reproduzida.
3. A matéria de facto julgada como provada - naquele processo intentado pela sociedade Melhor Rigor, Lda., gerida pelo actual Embargado JM que ali a representou em declarações de parte - demonstra ser absolutamente falsa a versão dos factos alegada pela Embargada, à luz da qual a alegada prestação de serviços subjacente à letra teria sido acordada e prestada pela Pactusmar, mediante o pagamento de avença mensal de 750,00, mais IVA (artigo 10.º da contestação aos Embargos), da qual teria resultado uma única factura relativa a quatro anos;
4. Da indesmentível autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… resulta, no entendimento da Recorrente, que os serviços discutidos num e noutro processo, prestados por FM (e pela ali Autora Melhor Rigor, Lda. conforme ponto 18.º da matéria provada naquele processo) foram contratados no mesmíssimo “pedaço de vida”, leia-se, nas mesmas circunstâncias de facto claramente aceites pelas partes dos presentes autos (após o conhecimento de CM e FM aquando da detenção de ambos junto do EPL);
5. O que se confirma pela alegação da própria Embargada, que “confessa” na contestação aos Embargos que, em diversos processos, se discutiu sempre a mesma realidade de facto, e não outra, conforme resulta claríssimo dos artigos 6.º a 8.º da contestação aos Embargos e da nota de rodapé n.º 1 aposta no artigo 6.º daquela contestação, nota de rodapé onde a Embargada expressamente refere o processo n.º …/…, o que repete nos artigos 25.º e 26.º da contestação aos Embargos, aí se alegando (contra a Embargante) o sentido do depoimento nele prestado pela Testemunha JP;
6. Aliás, nunca a primitiva Embargada (ou o actual Embargado) se defendeu da autoridade daquele julgado alegando que no processo n.º …/… se tinham discutido quaisquer outros serviços de contabilidade, nem poderiam fazê-lo, já que invoca(m) como relação subjacente à letra a alegada dívida emergente de uma factura (Doc. 10 junto com a contestação ao Embargos), no valor de euros: 44.280,00 (v.d. artigo 19.º da Contestação aos Embargos), que se constata, através da respectiva leitura, corresponder à facturação de “avença anual” relativa aos quatro anos de contabilidade da Embargante que a Embargada alega ter executado, através de FM, serviços que pretende cobrar através da letra dada à execução (que tem o mesmo valor e data da factura);
7. Pelo que, a hipótese de se tratarem de outros serviços de contabilidade se acha inevitavelmente afastada, não se justificando, por isso, o inovador argumento utilizado pelo Tribunal “a quo” de que “não resulta claro e evidente (…) que a realização das contabilidades aí referida corresponde, ou não, à relação subjacente à emissão da letra dada à execução, desde logo porque a invocada realização das contabilidades não se mostra concretizada no seu objeto e lapso/período temporal, sendo que os respetivos âmbito e intervenientes (realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.) não encontram integral correspondência no que é discutido nestes autos, que se circunscreve, apenas, à relação entre a sociedade “Pactusmar, Lda.”/exequente e a sociedade “Espaço Curvo, S.A.”/executada.” (“Negrito” e sublinhado nosso).
8. Na óptica da Recorrente, o Tribunal “a quo” deveria ter concluído que ambos os processos se reportam (i) à realização da mesma contabilidade, a da Espaço Curvo (ii) no mesmo período temporal ou período necessariamente sobreposto.
9. Para tal, deveria, s.m.o., o Tribunal “a quo” ter atentado, e não atentou:
a) no facto de a Embargada alegar – no âmbito das relações internas - que a dívida subjacente à letra emerge da realização da contabilidade da Recorrente, desde o comummente aceite acordo inicial entre CM e FM (v.d. artigos 6.º a 9.º da contestação aos Embargos e aceitação desta matéria efectuada pela Embargante em 10.05.2021 através de requerimento apresentado via citius com a “REFª: 38812755”), acordo este executado ao longo dos anos de 2010, 2011, 2012 e até “ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.”, estando a factura datada de 25.09.2014, a mesma data que veio a ser aposta na letra dada à execução;
b) que é a própria Embargada que, nos presentes autos, alega ter procedido à execução continuada da contabilidade da Embargante, de onde alegadamente resultou a emissão da factura que junta à Contestação como Doc. 10, a qual reporta à pretensa “avença anual” com referência aos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, no total de euros: 44.280,00 (cfr. art.º 19.º da Contestação aos Embargos); e que
c) no ponto 18.º da matéria de facto julgada como provada no processo n.º …/…, se provou que “Desde Setembro de 2013, que a autora e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à ré Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.”, resultando dos pontos 6.º e 7.º da mesma matéria de facto que a posse da loja exercida pela Melhor Rigor, através do seu Gerente, o actual Embargado, se manteve até ao dia 3.07.2014 (leia-se, até momento posterior à alegada prestação de serviços pela Pactusmar).
10. Ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”, dúvidas não restam de que a execução da contabilidade da Espaço Curvo está inequivocamente abrangida pelo acordo para prestação de serviços de contabilidade julgado como provado no processo n.º …/… e que o período temporal aí em causa abarca necessariamente aquele que também se discute nos autos, já que aí se provou expressamente que a prestação de serviços por FM cessou em Setembro de 2013, mas que a contraprestação acordada pelos mesmos (a disponibilização da loja à Melhor Rigor enquanto beneficiária do acordo entre CM e FM) se manteve até 3.07.2014.
11. As dúvidas suscitadas pelo Tribunal “a quo” seriam facilmente ultrapassadas bastando para tal atentar na passagem da fundamentação da douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância no processo n.º …/…, mantida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, em que se pode ler: “Ora tal facto, conjugado com outras circunstâncias, indicia uma maior verosimilhança da versão dos Réus, senão vejamos, o Réu CM, confrontado com imputações de burla qualificada, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais (fls. 67-V e segs), viu necessidade de escolher um contabilista de confiança que conheceu na prisão, o FM, com o qual acordou a remuneração através de uma cedência de loja, o que foi confirmado pelas declarações de parte de CM, que explicou o contexto em que se conheceu o FM e indicou o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade, cessando em meados de 2013, factualidade que estranhamente não foi contraditada por JM, nas suas declarações de parte, o que lhe retirou credibilidade.”
12. Ou seja, no julgado que se formou no âmbito do processo n.º …/…, não só ficou expressamente provado que a contabilidade deixou de ser realizada por FM em Setembro de 2013, como se demonstrou que essa contabilidade teve o início da sua execução após o acordo entre CM e FM, o mesmíssimo que a Embargada alega na contestação aos Embargos, efectuado no exacto contexto em que a Embargada alega ter ocorrido (após o conhecimento travado entre ambos aquando da sua detenção), pese embora a Melhor Rigor (Gerida pelo ora Embargado, JM) tenha continuado a usufruir indevidamente da loja, contraprestação acordada pelos serviços que tinham entretanto cessado (razão pela qual se ordenou a alteração da decisão cautelar que determinara a restituição provisória da posse à Melhor Rigor).
13. Estamos perante a execução da mesma contabilidade, a da Espaço Curvo, contratada nas mesmas circunstâncias entre CM e FM e que se provou ter sido elaborada até Setembro de 2013 (peticionando a Embargada o seu pagamento até ao fim de 2013), e, por isso, não se justifica o fundamento adoptado na douta Sentença recorrida de que não é claro que se trata dos mesmos serviços. Por outro lado:
14. Conforme é reconhecido pelo próprio Tribunal “a quo” “a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.” que “em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira (in www.dgsi.pt).”
15. Contraditoriamente com a jurisprudência que cita (e não põe em causa) o Tribunal “a quo” veio a rejeitar o efeito da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, por entender que “Independentemente do que aí se deu como provado, certo é que na referida ação não foram partes nem FM nem a sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.” (ora exequente) – que, por isso, não tiveram oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença –, sendo que é esta (“Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”) que aqui se apresenta como credora, munida de uma letra de câmbio em que figura como sacada/aceitante a sociedade executada “Espaço Curvo – Construções, S.A.” (mostrando-se confessada a autoria da assinatura do respetivo legal representante).” concluindo que “é a executada que tem de alegar e provar a inexistência da relação subjacente à relação cambiária” (“Negrito” e sublinhado nosso)
16. Ao contrário do que se entendeu na douta Sentença recorrida, uma coisa é a distribuição do ónus de alegação e prova aplicável no âmbito dos presentes Embargos [e quanto a este tema se concluirá infra] outra, inconfundível, é o efeito da autoridade do caso julgado, que se repercute no que se deve, ou não, considerar assente no âmbito dos presentes autos, por ter sido previamente julgado, no âmbito do processo n.º …/….
17. Sendo que, salvo o devido respeito, o que não poderia ter sucedido, mas veio a suceder na douta Sentença recorrida, é afastar-se a autoridade do caso julgado com recurso à invocação das regras do ónus da prova.
18. Uma coisa é decidir se a autoridade do causa julgado se pode verificar independentemente de não existir a tríplice identidade nos processos em confronto, e a isso respondeu o Tribunal “a quo” referindo jurisprudência nesse sentido; outra, distinta e inconfundível, é a questão da repartição do ónus da prova quanto à alegada inexistência de relação subjacente à letra (e esta apenas se colocará caso a autoridade do caso julgado não comprove já tal inexistência, por a mesma não ser compatível com o caso julgado que já se formou).
19. Assim, mesmo que se entenda que o ónus da prova da inexistência é da Embargante, o que importava discutir era, enquanto questão prévia, se da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… resulta a demonstração da inexistência da relação subjacente invocada pela Embargada – a prestação de serviços de contabilidade à luz de uma avença reflectida na factura junta à Contestação aos Embargos como Doc. 10, cujo valor consta também da letra dada à execução, como se concluiu já.
20. Donde, deveria, s.m.o., o Tribunal “a quo” ter considerado que a autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… impõe que, nos presentes autos, se considere como não provada a matéria de facto alegada na Contestação aos Embargos como relação jurídica subjacente à letra (efeito negativo do caso julgado), mas, do mesmo passo, se julgue como provada, a seguinte matéria de facto (efeito positivo da autoridade desse caso julgado):
- O FM negociou a utilização do locado [fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz] com o CM, principal accionista da Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.
- A Autora no processo n.º …/…, a Melhor Rigor, Lda., cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.
- Desde Setembro de 2013, que a Melhor Rigor, Lda. e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.
- A Melhor Rigor no dia 1.06.2014, através de contrato de cessão de exploração, cedeu tal loja a terceiro, pelo prazo de doze meses, pela renda mensal nos seis primeiros meses de euros: 530,00 e de euros: 610,00 nos meses seguintes.
- A Melhor Rigor manteve a posse da loja até ao dia 3.07.2014.
21. Mas, resulta ainda do teor daquele julgado, e esta importante realidade processual não foi nunca considerada pelo Tribunal “a quo”, que:
- JM, enquanto Gerente da Melhor Rigor, prestou declarações de parte no processo n.º …/… e aí não contraditou a factualidade relativa ao contexto em que CM conheceu FM, o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade por este e que estes cessaram em meados de 2013.
22. Assim, ao contrário do que se entendeu na douta Sentença recorrida, encontra-se provada, por via da autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/…, qual a específica forma de pagamento acordada quanto aos serviços de contabilidade prestados por FM à Embargante (e às demais sociedades que integram o seu Grupo), o contexto da sua celebração e o mês e ano até ao qual foi executado tal acordo, e, finalmente, que o pagamento acordado ocorreu, de facto, através da possibilidade de utilização da loja a que alude o processo n.º …/…, uma vez que se provou que tais serviços cessaram em Setembro de 2013, e que a loja não foi nessa altura devolvida (à revelia do acordado), razão pela qual se encontra demonstrado que a Embargante nada deve a FM, à Melhor Rigor, Lda. (sociedade de que o actual Embargante é Gerente) e ou à Embargada, pela evidente circunstância de o referido FM não poderia prestar os mesmos serviços, por via de um acordo que se provou ter ocorrido e ter sido cumprido pela Recorrente, e, por outro lado, através de uma avença mensal com a Embargada faturada até final de 2013.
23. O que, naturalmente, compromete a alegação da Embargada de que tais serviços lhe eram devidos pela Embargante e lhe seriam remunerados por via de avença.
24. Daí decorre, ao contrário do que se entendeu ser o caso, não apenas que o Tribunal “a quo” deveria julgar (como sucedeu) como não provada a matéria de facto alegada na contestação aos Embargos sobre a alegada avença mensal subjacente ao valor titulado pela letra dada à execução, mas concluir pela prova da inexistência da dívida emergente da pretensa relação subjacente à letra invocada pela Embargada, e, assim, que a factura emitida pela primitiva Exequente/Embargada não lhe era devida pela Embargante, considerando que se provou que se tratavam de serviços a que não correspondia uma prestação pecuniária (avença), de onde decorre a inevitável e integral procedência dos Embargos.
25. Por razões de economia processual, de prestígio das instituições judiciárias e de certeza das relações jurídicas, mesmo sem que se verifique a chamada excepção do caso julgado, dada a circunstância meramente formal, de a Autora no processo n.º …/… ser a sociedade Melhor Rigor, Lda. e os Réus a Espaço Curvo, SA e CM (e não também a primitiva Embargada como seria exigível pelo artigo 581.º do CPC), a verdade é que o Tribunal “a quo” não poderia deixar de considerar aquilo a que a jurisprudência maioritária vem qualificando como a autoridade do caso julgado (v.d. Ac. do STJ datado de 20.12.2017);
26. Como não poderia, para esse efeito, deixar de ter em conta que a sociedade Autora naquela acção, a Melhor Rigor, Lda., foi sempre directa e pessoalmente gerida pelo Arguido JM, conforme expressamente decorre da Sentença proferida no processo n.º …/…, acima citada, onde se constada até que JM, actual Embargado, a representou em declarações de parte, provando-se que esta sociedade foi beneficiária do acordo relativo à loja; acção esta que veio a improceder e a declarar a anulabilidade daquele contrato de arrendamento, por erro intencionalmente provocado pelo actual Embargado JM, cuja invalidade foi já declarada.
27. Mesmo que se entendesse ponderar a circunstância de a Pactusmar, Lda. não ter sido parte naquela acção, a verdade é que, actualmente, essa mesma Pactusmar, Lda. já não é parte nos presentes autos, tendo-lhe sucedido como cessionário do crédito o actual Embargado JM.
28. Ora, quanto ao actual Embargante e à sociedade de que é sócio e Gerente resulta do julgado formado no processo n.º …/… que “13.º - A autora, cujo sócio-gerente JM, é filho do FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.” e ainda que “18.º - Desde Setembro de 2013, que a autora e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à ré Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado.”
29. Mais resulta da fundamentação de tal decisão, já acima citada, que o actual Embargado pôde, de facto, discutir a matéria de facto em causa, tendo inclusive prestado declarações de parte sobre a mesma em representação da ali Autora, sem que a versão que apresentou em juízo merecesse credibilidade e/ou fosse dada como provada, antes se provando a contrária ali alegada pela ora Recorrente.
30. Daqui decorre, no entendimento da Recorrente, que o actual Embargado teve, e tal não foi sequer ponderado, “oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença”, ainda que o tivesse feito em representação da ali Autora, a Melhor Rigor, que, aliás, recorreu da Sentença de 1.ª Instância, sucumbindo também junto da 2.ª Instância na sua pretensão e mantendo-se a sua condenação em sede de pedido reconvencional (…)”.
Contra-alegou a embargada, invocando, nomeadamente que:
“(…) C) Da violação da Autoridade do Caso Julgado
O Recorrido/habilitado JM quanto a este ponto, pouco mais poderá acrescentar do que aquilo que por ele já foi dito em resposta (que por uma questão de brevidade, se dá por integralmente reproduzido) ao então Requerimento apresentado pela Recorrente em 09/05/2021 e o que vem referido na douta sentença recorrida.
Efectivamente, como se referiu, o que a Recorrente pretendeu, e pretende, é trazer factos novos, uma versão completamente diferente daquela que apresentou inicialmente com o seu requerimento de embargos, o que é processualmente inadmissível.
A autoridade do caso julgado pressupõe a aceitação da decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, a tríplice identidade a que alude o artigo 581º do Código de Processo Civil, o que não é o caso.
Naqueles autos (processo n.º …/…) o que se discutia eram as razões de existência de um contrato de arrendamento celebrado entre aqui Recorrente/Embargante Espaço Curvo e a sociedade Melhor Rigor, Lda.
Da mesma forma que nos presentes autos nunca se falou em qualquer contrato de arrendamento, também nunca naquele processo se falou, discutiu ou fez referência à razão de existência e emissão da letra dada à execução.
Daí se ter concluído, e bem, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que “para além da diferença entre as espécies de ações (executiva versus declarativa) e, por conseguinte, entre as respectivas finalidades, inexiste coincidência das partes, do pedido e da causa de pedir, pelo que, no caso, não se verifica a exceção do caso julgado…” – sublinhamos.
No entanto, apenas por cautela e por dever de ofício, não podemos de deixar de fazer referência à decisão instrutória que foi proferida no âmbito do processo n.º …/… que correu termos no Tribunal Judicial de Lisboa Oeste, Juízo de Instrução Criminal de Sintra, Juiz 2, (que se juntou e se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos), que culminou com a não pronúncia dos arguidos.
Em tal processo discutiu-se, e aqui sim, os factos/traços fundamentais dos presentes autos e onde se pode ler, além do mais que, não indiciam suficientemente os autos que:
a) Pelo serviço prestado CM cedeu a utilização de uma loja a título gratuito para que FM ali exercesse a sua actividade profissional (logo, refere o exactamente o contrário do que é referido naquele processo n.º …/…);
b) FM e JM apuseram a assinatura de JP no termo de recebimento de documentação contabilística e da fatura n.º 48;
c) FM tivesse procedido ao preenchimento de tal documento por forma a fazer crer a quem o apresentasse que a realidade que o mesmo espelhava correspondia à verdade e que aquelas empresas tinham mantido entre 2010 e 2014 uma relação comercial;
d) Nem a rúbrica nem a assinatura de JP são da sua autoria;
e) FM e JM sabiam que não lhes era devida qualquer contrapartida monetária;
Para além disso, ainda se pode ler nessa douta decisão instrutória que:
a) “Constata-se que, ao contrário do que se afirma na acusação, FM entregou e assinou as declarações fiscais atinentes à sociedade Espaço Curvo Referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014” – contrariamente ao alegado pela embargante no seu requerimento inicial.
b) “Em cumprimento da decisão foi emitido o mandado de busca, datado de 27 de fevereiro de 2012, tendo por finalidade «a apreensão de documentos e objectos que pudessem interessar àquela investigação, em particular relativos às sociedades e negócios conexos com CM – que tal diligência teve por alvo, além de outros locais, as instalações sitas no Largo …, … cave, sala 2, Monte Abraão, Queluz na medida em que sirvam ou tenham servido de sede, arquivo ou centro de actividade para escritório de contabilidade de FM…”;
c) “Em face do exposto não pode o tribunal ter por credível a afirmação de que CM cedeu a utilização da loja identificada nos autos, a título gratuito, para que FM ali exercesse a sua actividade profissional, pois o arguido não carecia de tal espaço para esse efeito, nem aí exerceu qualquer actividade” - – mas uma vez, ao contrário do referido naquele processo n.º …/….
d) “No exame pericial que teve por objecto a análise dos escritos apostos na letra de câmbio no valor de 44.780,00€ sacada por “Pactusmar” e aceite por “Espaço Curvo” (fls. 15) conclui-se por muitíssimo provável que a escrita suspeita referente ao nome JP no local do aceite seja autoria de JP…” – contrariamente ao alegado pela embargante no seu Requerimento Inicial, mas que esta já acabou por aceitar.
e) “Indiciando-se que o arguido FM realizou os serviços referentes à execução da contabilidade da sociedade “Espaço Curvo” não será pelo facto de terem sido faturados pela sociedade de que é único sócio e gerente que não é devido o seu pagamento”.
f) Em face do exposto, não sendo possível afirmar que os escritos constantes da letra aceite por “Espaço Curvo” preenchida por JM não correspondem à realidade pois os serviços (execução da contabilidade) foram prestados sendo consequentemente devido o seu pagamento, a dúvida quanto ao valor exato não pode fundamentar o juízo de que o valor não corresponde à realidade ou aí foi inscrito com o propósito de obter um enriquecimento ilícito”.
g) Considerando que a letra foi aceite por quem representava a aceitante e sacada pelo credor dos honorários. O seu pagamento era devido e a cobrança judicial um meio legal de o alcançar”.
Resta assim, fazendo contraponto à invocação da autoridade de caso julgado efectuado agora pela embargante, referir que nos termos do artigo 624º do Código de Processo Civil “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário” – o que não se fez.
Devendo por isso o Recurso improceder nesta parte (…).”.
Vejamos:
Desde logo importa precisar que a decisão a que se reporta a embargante respeita, não ao processo n.º …/…, mas sim, conforme decorre dos documentos juntos com o requerimento apresentado em 09-05-2021, ao processo n.º …/….
Dito isto, cumpre salientar que, conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre o trânsito em julgado, quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
De acordo com o critério da eficácia, distingue-se entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1, do CPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619.º do CPC.
“Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC), critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do preceito) (…).
Nos termos do art.º 613.º agora em vigor (que reproduziu o artigo 666.º do diploma cessante), proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que era lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceitos). Tal regime é aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-10-2015, P.º 231514/11.3YIPRT.C1, rel. MARIA DOMINGAS SIMÕES).
A força obrigatória das decisões que gozam de caso julgado formal é absoluta: mantém-se mesmo que o juiz seja substituído por outro ou o processo seja remetido para outro tribunal ou não pode ser afastada com a mera invocação do princípio da adequação formal (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-12-2011, Pº 545/09.7T2OVR-B.C1, rel. CARLOS QUERIDO).
O n.º 2 do artigo 620.º do CPC determina que se excluem da regra do caso julgado formal “os despachos previstos no artigo 630.º”, exclusão que não significa que esses despachos não tenham força obrigatória dentro do processo, mas sim, que o juiz não estará vinculado a eles de modo absoluto, podendo alterá-los (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 5, consultado em: http://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/).
A exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º do CPC, expressa legalmente o efeito negativo do caso julgado, cujo fundamento constitucional assenta no princípio da segurança jurídica, ínsito ao Estado de Direito, derivando do artigo 2.º da Constituição Portuguesa, à semelhança do que sucede com o trânsito em julgado.
A ocorrência da exceção de caso julgado supõe uma particular relação entre ações judiciais: uma relação de identidade entre os sujeitos e os objetos de duas causas. Em termos lógicos, pressupõe-se, então, a “repetição de uma causa”, conforme enuncia o artigo 580.º, n.º 1, do CPC.
A repetição de uma causa ocorre “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (cfr. n.º 1 do artigo 581.º do CPC).
Tal situação pode ocorrer em termos intraprocessuais, quando se verifique que já foi proferida decisão entre as partes, relativamente a causas de pedir e a pretensões idênticas.
Assim, por exemplo: “O despacho proferido a indeferir liminarmente o incidente de habilitação, entendendo que o mesmo, tendo sido requerido depois de ter sido proferido o acórdão pelo qual se julgou definitivamente a ação, altura em que estavam já findos os termos desta, era manifestamente intempestivo, uma vez transitado em julgado, faz caso julgado formal, impedindo que posteriormente venha o tribunal a proferir novo despacho de sentido contrário” (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-01-2016, Pº 2450/10.5TVLSB.E1, rel. MATA RIBEIRO).
Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, p. 13 e ss.) ensaia uma linha de atuação para a aferição, na prática, da relação de identidade entre causas, concluindo que, primeiro, “apura-se a consideração dos efeitos que uma eventual segunda decisão de mérito terá sobre a primeira decisão de mérito”, importando que, a primeira decisão haja transitado em julgado, nos termos do artigo 628.º CPC; “Depois, para efeitos da exceção de caso julgado há que comparar o teor da parte dispositiva da decisão já transitada com o perímetro potencial da decisão a proferir no segundo processo, segundo as soluções plausíveis da questão de direito, para o que relevam o objeto e os sujeitos determinados pelo autor na petição. Em suma: comparar uma decisão passada com uma potencial decisão futura”.
Conforme explica Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in ROA, Ano 79.º, Jul.-Dez. 2019, pp. 694-695) “[a] definição dos conceitos de identidade de parte, de pedido e de causa de pedir tem sido objeto do estudo de extensa doutrina jurídica que, ao longo de mais de um século, os foi consolidando, sem que algumas inevitáveis divergências tenham impedido a formação de um núcleo central de convergência que tem permanecido estável.
(…) Na definição da identidade das partes há que atender, como diz o n.º 2 do art. 581.º, CPC, à qualidade jurídica em que autor e réu atuam. Daí deriva que, havendo representação, a parte é o representado e não o representante. Daí deriva também que, transmitida a terceiro a situação substantiva da parte, depois de transitada a sentença de mérito, se deva considerar que o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente (cf. art. 54.º-1, CPC), pelo que há identidade de parte na nova ação em que o primeiro apareça no lugar que o segundo ocupou na primeira ação.
Igualmente há que atender, na definição de identidade das partes, à extensão subjetiva da eficácia da sentença, pois a identidade de sujeitos estende-se, além das partes: aos terceiros juridicamente indiferentes (o credor comum, ou outro titular de direito relativo, perante a sentença que declare que o seu devedor, ou outra contraparte, não é titular de certo direito absoluto, cuja titularidade é de quem com ele litigou — sem prejuízo do recurso de revisão fundado na simulação do litígio); aos titulares de situação jurídica concorrente com a que a sentença reconheceu (credor ou devedor solidário; credor de obrigação indivisível; contraente beneficiário da nulidade de cláusula contratual geral; comproprietário, co-herdeiro na fase da comunhão hereditária ou contitular de outro património comum (…); aos titulares de situação jurídica cuja conservação (subcontrato) ou constituição (direito de preferência; contrato a favor de terceiro) dependa do exercício da vontade negocial duma das partes no processo; ao sócio que não impugne a deliberação social; ao chamado a intervir como parte principal ou acessória que não intervenha; ao adquirente do direito litigioso ou do direito já reconhecido ou constituído pela sentença e aos outros substituídos processuais(…). Todos os casos de extensão a terceiros da eficácia da sentença são equiparados aos da estrita identidade de partes, para o efeito dos arts. 577.º-e e 581.º do CPC.”.
Não poderá olvidar-se que o efeito negativo do caso implica, que transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º do CPC) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º do CPC) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 574).
Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso.
Finalmente, cumpre referir que o próprio ordenamento jurídico tem uma salvaguarda para a possibilidade de ocorrência de casos julgados contraditórios, valendo (na expressão legal: “cumprindo-se”) a decisão primeiramente transitada – cfr. artigo 625.º, n.º 1, do CPC. Este princípio é aplicável à contradição que exista entre duas decisões que, “dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual” (cfr. n.º 2 do artigo 625.º do CPC).
Em síntese, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019 (Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “1.- O caso julgado material produz os seus efeitos por duas vias: pode impor-se, na sua vertente negativa, por via da excepção de caso julgado no sentido de impedir a reapreciação da relação ou situação jurídica material que já foi definida por sentença transitada e pode impor-se, na sua vertente positiva, por via da autoridade do caso julgado, vinculando o tribunal e as partes a acatar o que aí ficou definido em quaisquer outras decisões que venham a ser proferidas. 2. Quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão). 3.- O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão). 4.- Ao contrário do que acontece com a excepção de caso julgado (cujo funcionamento pressupõe a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir”.
Questiona-se se os fundamentos da precedente decisão devem ser considerados para efeito de aferição da contradição ou repetição de julgados.
“A resposta é a seguinte: uma vez que a parte dispositiva é interpretada e vincula enquanto conclusão de certos fundamentos de direito, então a qualidade jurídica dos efeitos decretados apenas pode ser entendida à luz dos mesmos. Mas eles só por si não ditam se a decisão quanto a uma pretensão processual é contraditória ou se é repetida; têm de ser conjugados com a parte dispositiva.
Em consequência, há contradição de julgados não apenas quando a parte dispositiva da segunda decisão é essencialmente diferente da primeira, independentemente de os fundamentos serem ou não os mesmos, mas também quando a parte dispositiva da segunda decisão é idêntica (ou não é essencialmente diferente) à da primeira, mas a sua fundamentação é essencialmente diferente. Por ex., na primeira sentença o réu foi condenado a pagar a dívida como devedor solidário e na segunda sentença o réu foi condenado a pagar a dívida como devedor parciário.
Há repetição (ou conformidade) de julgados se a parte dispositiva da segunda decisão é idêntica (ou não é essencialmente diferente) à da primeira e a sua fundamentação não é essencialmente diferente. Por ex., na primeira sentença o réu foi absolvido do pedido de condenação no pagamento de certo montante por o facto não ter sido julgado ilícito e na segunda sentença o réu foi absolvido do pedido de condenação no pagamento de certo montante por não ter sido provado o nexo causal” (assim, Rui Pinto; “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, pp. 16-17).
Importa recordar que, o demandante deduz, na petição inicial, uma determinada pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respectivos. O pedido é a pretensão do autor (art.º 552º, n.º 1, alínea e) do CPC); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido pelo autor (art.º 581º, n.º 3 do CPC).
Conforme refere Lebre de Freitas (“Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in ROA, Ano 79.º, Jul.-Dez. 2019, pp. 696-697): “Para chegar à definição da identidade do pedido, há que interpretar a sentença, atendendo ao seu objeto e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem.
Em primeiro lugar, a liberdade de, em nova ação, pedir aquilo que não se pediu na primeira não se verifica quando o tipo da ação tenha função de carácter limitativo, nem quando o pedido se reporte a uma parte não individualizada do objeto do direito e a sentença seja absolutória ou condene em quantidade menor do que o pedido(…).
Em segundo lugar, a decisão exclui as situações contraditórias com a que por ela é definida, não sendo admissível ação que pudesse levar a solução incompatível com a decisão, nomeadamente por com ela constituir alternativa (…), ou que quantitativa ou qualitativamente nela se inclua.
Em terceiro lugar, com o caso julgado precludem, em caso de condenação no pedido, as exceções, invocadas ou invocáveis, contra o pedido deduzido, bem como, quando proceda uma exceção perentória, as contraexceções contra ele invocadas ou invocáveis.
Em quarto lugar, o caso julgado terá de se estender à decisão das questões prejudiciais quando, caso contrário, se possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado(…), de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma(…). Para o efeito, entende-se por questão prejudicial toda aquela cuja solução constitua pressuposto necessário da decisão de mérito, quer se trate de questão fundamental, relativa à causa de pedir ou a uma exceção perentória, quer respeite ao objeto de incidentes que estejam em correlação lógica com o objeto do processo(…)”.
A causa de pedir traduz o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir - o acto ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar, identificando-se com os concretos factos da vida a que se virá a reconhecer, ou não, a força jurídica bastante e adequada para desencadear os efeitos pretendidos pelo autor, ou seja, a causa de pedir traduz-se nos acontecimentos da vida em que o A. apoia a sua pretensão (cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, p. 369 e 374; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 110 e ss.; Antunes Varela et al.; Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, pp. 232 e ss; Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pp. 321 e ss. e Acórdão do STJ de 01-04-2008, Pº 08A035, rel. PAULO SÁ).
A respeito da eficácia do caso julgado material e da figura da autoridade do caso julgado, expenderam-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-02-2019 (Pº 238/17.1T8VLF.C1, rel. FONTE RAMOS) as seguintes considerações que se têm por pertinentes para a decisão da questão em apreço:
“A eficácia do caso julgado material - relevante para a situação em análise - varia, porém, em função da relação entre o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada e o âmbito subjectivo e o objecto do processo posterior.
Se o âmbito subjectivo e o objecto da decisão transitada for idêntico ao processo posterior, i. é, se ambas as acções possuem o mesmo âmbito subjectivo e a mesma causa de pedir e nelas for formulado o mesmo pedido, o caso julgado vale, no processo subsequente, como excepção do caso julgado - que tem por finalidade evitar que o tribunal da acção posterior seja colocado na alternativa de reproduzir ou de contradizer a decisão transitada (art.ºs 580 n.º 1, in fine, e 581º do CPC). O caso julgado acarreta para o tribunal do processo subsequente a dupla proibição de contradição ou de repetição da decisão transitada, o que explica que se resolva num pressuposto processual negativo e, portanto, numa excepção dilatória (art.º 577º, alínea i) do CPC).
Mas se a relação entre o objecto da decisão transitada e o da acção subsequente, não for de identidade, mas de prejudicialidade, nem por isso, o caso julgado deixa de ser relevante: a decisão proferida sobre o objecto prejudicial (i. é, que constitui pressuposto ou condição de julgamento de outro objecto) vale como autoridade de caso julgado na acção em que se discuta o objecto dependente. Quando isso suceda, o tribunal da acção posterior – acção dependente – está vinculado à decisão proferida na causa anterior – acção prejudicial.
A figura da autoridade do caso julgado - que é distinta da excepção do caso julgado e que não supõe a tríplice identidade por esta exigida - visa garantia a coerência e a dignidade das decisões judiciais.
Assim, nesta matéria, há que fazer uma distinção entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, de extraordinária relevância, dado que, não se tratando da excepção do caso julgado mas da autoridade do caso julgado, não é exigível a apontada relação de identidade, i. é, a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir; só no tocante à excepção do caso julgado - dado que assenta na ideia de repetição de causas - deve reclamar-se uma identidade quanto aos elementos subjectivos (partes) e objectivos (pedido e causa de pedir) da instância (art.º 580º, n.º 1 do CPC).
(…). O instituto do caso julgado encerra assim duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal. A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.
(…) 8. O caso julgado está, porém, sujeito a limites, designadamente objectivos, subjectivos e temporais.
No tocante aos limites objectivos - i. é, ao quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado - este abrange, decerto, a parte decisória do despacho, da sentença ou do acórdão, ou seja, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art.º 607º, n.º 3 do CPC).
O problema está, porém, em saber se, de harmonia com uma concepção restritiva, apenas cobre a parte decisória da sentença ou antes se estende - de acordo com uma concepção ampla - a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão, tendo-se por preferível uma concepção intermédia, para o qual se orienta, maioritariamente, a jurisprudência: o caso julgado abrange todas as questões apreciadas que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença.
Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado, não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos.
E não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão; os pressupostos da decisão são cobertos pelo caso julgado, ficando fora do caso julgado tudo o que esteja contido na sentença, mas que não seja essencial ao iter iudicandi.
(…) É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que a autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no art.º 581 do CPC.
Trata-se da vinculação de um tribunal de uma acção posterior ao decidido numa acção anterior: é isso precisamente que constitui a autoridade de caso julgado; a autoridade do caso julgado impede a apreciação e conhecimento dos factos inerentes às pretensões formuladas (…)”.
Apreciando as questões que não se encontram cobertas pela força do caso julgado, defendem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil; Coimbra Editora, 2.ª ed., 1985, pp. 714-717) que a eficácia do caso julgado apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença, não se estendendo aos fundamentos, pelo que, “os factos considerados como provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
A respeito da autoridade do caso julgado, Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, in Julgar, online, novembro 2018, pp. 17-18) distingue entre “efeito positivo interno” e “efeito positivo externo”. O primeiro tem lugar quando a vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior se refere ao objeto processual e aos sujeitos da decisão. O segundo ocorre quando se refere a objetos processuais que estejam em relação conexa com o objeto da decisão.
O referido Autor (loc. cit., pp. 18-24) desenvolve este distinção referindo a respeito do efeito positivo interno, em suma, o seguinte:
“O efeito positivo interno do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. artigo 607.º, n.º 3, in fine). Dito de outro modo, a força obrigatória é a do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido ou, mais genericamente, impõe ou nega certo efeito jurídico a certo sujeito da ordem jurídica – por regra, as partes. Numa decisão de procedência, estamos a falar, por ex., nos enunciados de condenação na entrega ou no pagamento, de divisão da coisa comum ou de anulação do contrato. Numa decisão de improcedência, trata-se desse mesmo enunciado de improcedência do pedido, qualquer que ele seja.
É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal. É ela que pode ser objeto de imposição forçada, por meio de execução da sentença (cf. artigo 703.º, n.º 1, al. a)).
Por seu lado, os fundamentos da parte dispositiva, tomados por si mesmos, não vinculam, seja os destinatários, seja o tribunal. Portanto, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença; para o ter, a parte terá de o pedir: justamente, o artigo 91.º, n.º 2, determina que a “decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respetivo, exceto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista internacional e em razão da matéria e da hierarquia (…).
O efeito positivo do caso julgado tem por sujeitos os destinatários da decisão: as partes da relação processual, nas decisões proferidas mediante pedido; os sujeitos referidos na decisão, nas decisões proferidas oficiosamente – por ex., a parte ou a testemunha condenada ao pagamento de multa por comportamento processual de má fé. Em suma: o caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão; dito de outro modo, os limites subjetivos do caso julgado coincidem com os limites subjetivos do próprio objeto da decisão. (…).
Mas também à semelhança do que sucede com o efeito negativo, também o efeito positivo interno abrange não apenas as pessoas que sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade física (i.e., as que efetivamente estiveram no processo), mas também aqueles que sejam os mesmos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica (cf. artigo 581.º, n.º 2) (…)”.
Quanto ao efeito positivo externo, refere Rui Pinto (loc. cit., pp. 25-30) que:
“A possibilidade de um efeito positivo externo do caso julgado apresenta duas condições objetivas, negativa e positiva.
Assim, como condição objetiva negativa, a autoridade de caso julgado opera em simetria com a exceção de caso julgado: opera em qualquer configuração de uma causa que não seja a de identidade com causa anterior; ou seja, supõe uma não repetição de causas. Se houvesse uma repetição de causas, haveria, ipso facto, exceção de caso julgado (…).
Para tanto, basta que não ocorra um dos requisitos exigidos pelo artigo 581.º: assim, não há repetição de causa se (i) uma das partes não é a mesma da primeira causa ou se a parte ativa pretende (ii) obter o mesmo efeito jurídico de outros fundamentos, (iii) retirar diferente efeito jurídico dos mesmos fundamentos ou (iv) obter diferente efeito jurídico de outros fundamentos. Nessa configuração, não se verificam as previsões dos artigos 577.º, al. i), 580.º e 581.º, pelo que o tribunal pode conhecer do mérito, pois não está impedido pelo obstáculo da exceção de caso julgado, sem prejuízo de a instância padecer, eventualmente, de outra exceção dilatória insuprível ou não suprida.
(…) Dir-se-ia, porventura, que, assim sendo, desapareceria qualquer fundamento legal para a decisão anterior vincular uma decisão posterior. Aliás, a lei é expressa quando determina que a sentença ou despacho que decidam do mérito têm efeitos fora do próprio processo “nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”.
No entanto, tem sido defendido que fora desses limites se respeita uma autoridade de caso julgado, verificada uma condição objetiva positiva: uma relação de prejudicialidade (Ac. do TRP de 21-11-2016/Proc. 1677/15.8T8VNG.P1 (JORGE SEABRA)) ou uma relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos (…).
Generalizando, e apresentando-a por outra perspetiva, a condição objetiva positiva consiste na existência de uma relação entre os objetos processuais de dois processos de tal ordem que a desconsideração do teor da primeira decisão redundaria na prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com esse teor (…).
Em termos de construção lógica da decisão, na autoridade de caso julgado a decisão anterior determina os fundamentos da segunda decisão; na exceção de caso julgado a decisão anterior obsta à segunda decisão (…).
Chegados aqui, devemos acrescentar uma condição subjetiva para que haja uma tal força vinculativa do caso julgado fora do seu objeto processual: a autoridade de caso julgado apenas pode ser oposta a quem seja tido como parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica como definido pelo artigo 581.º, n.º 2. Seria absolutamente inconstitucional, por contrário à proibição de indefesa, prevista no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição e no artigo 3.º do Código de Processo Civil, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa (…).
Daqui decorre que a autoridade de caso julgado (i) pode ser oposta pelas concretas partes entre si e (ii) não pode ser oposta a quem é terceiro. Em termos práticos, serão julgadas improcedentes (em maior ou menor grau) as pretensões processuais das partes entre si que sejam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor da primeira decisão; mas já idêntica pretensão deduzida por terceiro será apreciada sem consideração pelo sentido decisório alheio (…).
Mas importa notar que, também para este efeito, “terceiro” é o que decorre a contrario da referida definição legal do artigo 581.º, n.º 2: aquele que não é parte do ponto de vista da sua qualidade jurídica no processo em que a decisão foi proferida. Trata-se, assim, de um conceito material de terceiro e não de um conceito formal de terceiro (…)”.
Revertendo estas considerações e aplicando-as ao caso dos autos, vemos que sobre a questão suscitada pela embargante, a respeito da autoridade do caso julgado com precedente decisão judicial, o Tribunal recorrido concluiu que inexistia tal autoridade, relativamente à decisão a proferir, com referência à que foi tomada no processo n.º …/…, tendo expendido as seguintes considerações fundamentadoras:
“(…) A execução de que dependem estes autos foi intentada pela sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”, representada por FM, contra a sociedade comercial “Espaço Curvo – Construções, S.A.”, cujo administrador é CM, com base numa letra de câmbio no valor de €44.280,00, na qual figura como sacador a sociedade exequente e como sacado/aceitante a sociedade executada/opoente.
Na presente oposição à execução (mediante embargos de executado), a executada/opoente alega que “entre a executada e a exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento”.
Mais alegou que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo”, sendo que a assinatura que na mesma consta como sendo do punho do, à data, administrador da sociedade executada (JP), não foi, aí, por este, aposta.
Conclui dizendo que “trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS”.
E foi esta a forma como a executada/opoente configurou a sua defesa.
A sociedade exequente veio, por seu lado, em sede de contestação, alegar o seguinte:
“7º O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, o referido FM, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional no âmbito de uma processo relacionado com o BPN.
8º Ficou então acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da Executada, como veio a acontecer.
9º Foi então pedido à Exequente, sempre na pessoa do seu legal representante, como se disse, que executasse serviços de contabilidade da Executada pois haveria a necessidade de proceder, nomeadamente, ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações, nomeadamente, de IRC e IES que se encontravam em atraso.
10º A Exequente e a Executada acordaram então que o preço a pagar por esta pelos serviços solicitados para a sociedade Espaço Curvo, SA, ora executada, seria de 750,00 €/mês acrescido do respectivo IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €, acrescido do respectivo IVA, por cada ano.
11º No cumprimento do que se havia comprometido com a Executada, a Exequente através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela Executada,
12º Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso,
13º E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013.
14º Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º2 a 9 que ora se juntam, foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respectivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,
15º Tendo ainda sido o própria a efectuar a organização dos documentos contabilísticos da Executada referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.
16º Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a Executada jamais pagou à Exequente o quer que fosse.
17º Nesse seguimento, a Executada solicitou ao legal representante da Exequente a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC,
18º Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida.
19º Perante isto, a Executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respectiva factura no valor de 44 280,00 € (Documento n.º10).
20º A Executada aceitou e recebeu a respectiva factura tanto que a lançou na respectiva contabilidade (Documento n.º 11).
21º Contudo, a alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra, agora dada à Execução, como garantia do pagamento da respectiva factura.
22º Não vindo no entanto a honrar o seu compromisso na respectiva data de vencimento pelo que não teve a Exequente alternativa senão avançar com a presente execução.”
E é esta a relação subjacente que vem alegada pela exequente.
Em suma,
- A sociedade exequente deu à execução um título de crédito, fazendo-se valer das caraterísticas da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, estando desonerada da alegação da obrigação causal/subjacente;
- A sociedade executada/opoente invocou, além da falsidade da letra dada à execução, a inexistência da obrigação fundamental.
- A sociedade exequente, em sede de contestação, impugnou motivadamente a oposição alegando a relação subjacente à emissão da letra dada à execução.
A ação declarativa que correu termos na Instância Local Cível de Sintra sob o n.º3789/15.9T8SNT, foi instaurada pela sociedade “Melhor Rigor – Contabilidade e Gestão de Condomínios, Lda.” contra CM e Espaço Curvo Construções, S.A., aí se peticionando que os réus fossem condenados:
A) A reconhecer a existência do contrato de arrendamento referido em 2.º da petição inicial, bem como a sua validade e vigência, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz;
B) A abster-se no futuro de praticar quaisquer actos que perturbem o seu uso ou impeçam o livre acesso por parte dos Autores ao referido imóvel;
C) Solidariamente, a pagar à Autora a quantia de € 8.413,20 de indemnização em consequência de terem impossibilitado o cumprimento do contrato de cessão de exploração entre a Autora e António Frazão;
D) Solidariamente, a indemnizar a Autora por todos os prejuízos, já previsíveis mas ainda não determináveis, nem sendo passíveis de contabilização, que resultaram e venham a resultar da impossibilidade de ceder o imóvel arrendado, por via da conduta dos Réus sendo esta a liquidar em execução de sentença.
Foi, nesse processo, proferida sentença (transitada em julgado e confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa) que julgou a ação improcedente por não provada e em consequência:
“A) DECLARA a anulabilidade do documento particular denominado “Contrato de arrendamento não habitacional” mencionado no ponto 2) da matéria de facto provada, por motivo de erro na declaração do legal representante da Ré Espaço Curvo, SA, e em consequência, após o trânsito em julgado, determina a restituição da loja que constitui o locado aos Réus, com cessação dos efeitos da providência cautelar decretada; mais
B) ABSOLVENDO os Réus de todos os pedidos formulados pela Autora; e
C) ABSOLVENDO a Autora de todos os pedidos reconvencionais formulados pelos Réus.”
Aqui chegados e analisados criticamente os elementos de um (execução e respetiva oposição) e de outro (ação declarativa n.º…/…) processo concluímos que, para além da diferença entre as espécies de ações (executiva versus declarativa) e, por conseguinte, entre as respetivas finalidades, inexiste coincidência das partes, do pedido e da causa de pedir, pelo que, no caso, não se verifica a exceção do caso julgado, uma vez que não ocorre a tríplice identidade a que alude o art.581º, do CPC (de sujeitos, pedido e causa de pedir).
Todavia, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a autoridade do caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da referida tríplice identidade.
Para a solução do problema da irrelevância ou não do caso julgado em relação a terceiros, há de recorrer-se às normas de direito material que regem as relações jurídicas respetivas.
A jurisprudência e a doutrina, em geral, admitem a projeção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira (in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, a executada/opoente pretende que seja dado como não provado o facto alegado no artigo 9.º da contestação (ou qualquer outro da contestação na parte em que alega que foi a Pactusmar, Lda., e não FM, a ser contratada para prestar os serviços de contabilidade à Espaço Curvo, S.A.) e o artigo 10.º da contestação, por se encontrar em total confronto com a matéria de facto já julgada como provada naqueles autos, ao alegar que, para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA (ao invés da utilização da loja a que reportam aqueles autos e em que, na sequência de reconvenção da Embargante, foi julgada procedente a invalidade do pretenso contrato de arrendamento que ardilosamente o ora Embargado e seu pai fizeram assinar pelo à data Administrador da Embargante, JS).
Isto porque na referida ação declarativa se deu como provado o seguinte:
“(…)
12. O FM negociou a utilização do locado com o Réu CM, principal accionista da Ré Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.
13. A Autora, cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito.
14. O JM mostrou ao Réu CM, na residência daquele, um contrato de comodato, para integrar o acordo alcançado, que aquele aprovou.
15. O JM sabia que o Réu CM estava impedido de contactar com o JS, administrador da Ré Espaço Curvo, SA por decisão do Juiz de Instrução Criminal, no âmbito do Inquérito n.º …/…, que corria termos no DCIAP.
16. Em consequência do que o JM elaborou um contrato de arrendamento em nome da Autora, em divergência com o contrato de comodato apresentado.
17. E, aproveitando-se do impedimento de contacto entre o Réu CM e o JS, apresentou o contrato de arrendamento a este último que o assinou.”
Independentemente do que aí se deu como provado, certo é que na referida ação não foram partes nem FM nem a sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.” (ora exequente) – que, por isso, não tiveram oportunidade de se defender e/ou reagir à sentença –, sendo que é esta (“Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”) que aqui se apresenta como credora, munida de uma letra de câmbio em que figura como sacada/aceitante a sociedade executada “Espaço Curvo – Construções, S.A.” (mostrando-se confessada a autoria da assinatura do respetivo legal representante).
Porque a obrigação cambiária é uma obrigação literal e abstrata, que decorre do título que a incorpora, o credor que exige o respetivo pagamento não carece de invocar no requerimento executivo a sua causa (a relação subjacente ou fundamental) – que se presume –, podendo limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, como fez a aqui exequente, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da ação executiva onde se exige o seu cumprimento – ver, neste sentido, Ac. RE, de 28.06.2017, relatado por Isabel Peixoto Imaginário; Ac. RE, de 25.01.2018, relatado por Elisabete Valente; Ac. RL, de 22.10.2019, relatado por Ana Maria Silva; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E assim sendo, cabe à executada o ónus de alegar e provar que tal relação inexiste, já que foi esta a forma como configurou a sua defesa. Ou seja, é a executada que tem de alegar e provar a inexistência da relação subjacente à relação cambiária (cf. Lebre de Freitas; acs. do TRP de 21/10/1996, CJ.V, pág. 183, e de 13/03/2003, CJ.II., pág. 179, Ac. do TRP de 03/03/2016 – 175/14.1T8LOU-A.P1, que decidiram ser ónus do executado a prova da inexistência da relação fundamental).
Nesta conformidade, é indiferente que nesta oposição venha a ser dado como não provado o alegado no artigo 9.º da contestação e que para pagamento dos serviços de contabilidade prestados por FM à Espaço Curvo, S.A. era devida uma avença mensal de euros: 750,00, mais IVA, uma vez que o referido FM não é, sequer, parte nestes autos.
O ónus que recai sobre a executada – atenta a forma como configurou a sua defesa – é o de provar que entre a sociedade executada e a sociedade exequente não existiu qualquer relação causal, fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução (…)”.
Ora, esta fundamentação não merece alguma censura, achando-se em plena conformidade com o que resulta dos elementos constantes do referido processo invocado pela embargante, confluindo na conclusão de que não ocorre a mencionada autoridade do caso julgado, ou o efeito positivo do caso julgado do processo n.º …/…, relativamente aos presentes autos.
De facto, nos mencionados autos de processo n.º …/… figuraram como partes a Melhor Rigor – Contabilidade e Gestão de Condomínios, Lda. (como aí autora) e CM e Espaço Curvo – Construções, S.A. (como aí réus).
As partes da ação executiva a que respeitam os presentes embargos são, por seu turno, JM (enquanto sucessor, habilitado, da primitiva exequente, Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.), como exequente e, a Espaço Curvo – Construções, S.A., como executada.
Inexiste, pois, coincidência de sujeitos entre uma e outra ação.
Tal coincidência não existe, nem ao nível processual, nem ao nível da qualidade jurídica dos sujeitos.
De facto, como supra se assinalou, não é a mera circunstância, invocada pela embargante, de que o ora exequente é representante da Melhor Rigor, que determina a extensão de efeitos do decidido no processo n.º …/… àquele, sendo certo que, o mesmo não foi parte naqueles autos. Parte no mencionado processo, como autora, foi a sua representada, a Melhor Rigor.
E, de facto, o mencionado embargado, assim como a sua antecessora nos presentes autos – a Pactusmar – não tiveram a qualidade processual de partes naqueles autos com o n.º …/…, nem a referida decisão lhe produz extensivo efeito.
Conforme também se salientou o caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão, o que não é o caso da Pactusmar ou do ora embargado, os quais não foram partes no mencionado processo declarativo, apenas existindo coincidência de julgados relativamente à simultânea intervenção da ora embargante.
Do mesmo passo, não se alcança que a aludida decisão proferida no processo n.º …/… produza o mencionado efeito positivo interno do caso julgado, pois, o enunciado decisório da mesma – traduzido na declaração de anulabilidade de um documento particular denominado “Contrato de arrendamento não habitacional” e na restituição da loja a que o mesmo se referia – não tem tradução alguma no objeto da presente lide, de natureza executiva, sustentado no título dado à execução, relativamente ao qual não está em discussão alguma relação a respeito do que foi objeto da discussão do aludido processo n.º …/….
Tal ausência de vinculatividade do ali decidido, face à lide dos presentes autos, igualmente se estende por consideração aos fundamentos de facto que ali se expressaram, relativamente aos quais, o julgamento não se fez com a extensão vinculativa a que se reporta a parte final do n.º 2 do artigo 91.º do CPC.
Com efeito, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-05-2018 (Pº 3811/13.3TBPRD.P1.S1, rel. ROSA TCHING): “O caso julgado resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo. Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente”.
Com toda a clareza e com atualidade, se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2005 (Pº 05B691, rel. ARAÚJO BARROS) que “não pode (…) confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva decisão judicial. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui.”.
Por fim, não se alcança entre as duas causas alguma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre os objetos processuais das duas causas, que, como se viu, é claramente diverso e nenhuma tangência apresentam, não sendo possível afirmar que a não consideração do decidido no processo n.º …/… possa comportar algum efeito logicamente incompatível face à decisão dos presentes autos.
De facto, “o caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objecto da segunda acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da primeira decisão)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, Pº 355/16.5T8PMS.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES).
Ou seja: Admite-se “a projecção reflexa do caso julgado no caso de a relação coberta por este entrar na formação doutras relações, como pressuposto ou como elemento necessário, já que fixou e definiu a relação prejudicial” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2019, Pº 5992/13.7TBMAI.P2.S1, rel. ROQUE NOGUEIRA).
Sucede que, todavia, não se alcança entre as duas causas em confronto (a dos presentes autos e a do processo n.º …/…), uma relação de conexão ou de prejudicialidade que permita concluir que, aquela, já julgada, é pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que se mostra necessário regular nos presentes autos.
Quanto ao mais, atentos os demais elementos constantes dos autos, atenta a vacuidade da asserção apurada no mencionado processo n.º …/… em termos de objeto e período temporal, igualmente não merece alguma censura a conclusão do Tribunal recorrido – “Acresce que o facto dado como provado na ação declarativa no sentido de que “FM negociou a utilização do locado com o Réu CM, principal accionista da Ré Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.”, não permite concluir, com segurança, que estamos perante a mesma relação que aqui se discute, atenta a forma como a aqui exequente configurou a sua pretensão. Com efeito, não resulta claro e evidente, de tal facto, que a realização das contabilidades aí referida corresponde, ou não, à relação subjacente à emissão da letra dada à execução, desde logo porque a invocada realização das contabilidades não se mostra concretizada no seu objeto e lapso/período temporal, sendo que os respetivos âmbito e intervenientes (realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Ré Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.) não encontram integral correspondência no que é discutido nestes autos, que se circunscreve, apenas, à relação entre a sociedade “Pactusmar, Lda.”/exequente e a sociedade “Espaço Curvo, S.A.”/executada- sobre a ausência de relevo da matéria pretendida incluir nos presentes autos: As conclusões esgrimidas pela embargante, designadamente, as vertidas nos números 9 a 13, não permitem, ao invés do pretendido, conclusão diversa da alcançada pelo Tribunal recorrido, não viabilizando seguro juízo no sentido de que, naqueles autos, estava em questão, designadamente no facto provado em 12, o serviço de contabilidade a que se reportou a embargada nos presentes autos.
Também não procede a invocação da embargante, no sentido de que, na decisão recorrida, se pretendeu afastar a autoridade com a invocação das regras do ónus da prova: Apenas se assinalou que o objeto do processo, não consente o alargamento factual pretendido pela embargante, ou seja, que apresentado título sustentando uma obrigação cambiária, o mesmo incorpora a obrigação do respetivo pagamento, sem necessidade de invocação da sua causa – relação subjacente ou fundamental – cabendo aquele contra quem tal título seja apresentado, invocar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos de tal obrigação exequenda, designadamente, demonstrando que inexiste alguma relação subjacente à emissão do título.
E, aliás, diga-se, foi nesse sentido a invocação efetuada pela embargante em sede de petição de embargos: limitando-se a sustentar que “…entre a Executada e a Exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento” (cfr. artigo 2.º da petição de embargos); que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo” (cfr. artigo 3.º da petição de embargos), concluindo que se trata de “uma transacção fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSA” (cfr. artigo 6.º da petição de embargos).
A decisão recorrida limitou-se a assinalar que, em face de uma tal invocação, caberia à executada sustentar a inexistência da relação fundamental, cabendo-lhe “o ónus de alegar e provar que tal relação inexiste, já que foi esta a forma como configurou a sua defesa”. Tal menção – correta e em conformidade com a lei – apenas assinalou que a observância desse ónus não se prende (ou se limita) à ausência de demonstração do alegado no artigo 9.º da contestação de embargos, dado que, efetivamente, o ónus da embargante é mais amplo e diverso do que aquele a que respeita a contra-invocação da embargada. De todo o modo, nada de prestável, em termos de se poder concluir no sentido de que a autoridade do caso julgado do processo n.º …/… se impõe inelutavelmente à decisão dos presentes autos, advém de uma tal menção, razão pela qual, também o alegado pela embargante e ora recorrente, a este respeito, se mostra improcedente.
Não procedem, em face de tudo o exposto, todas as conclusões da recorrente em contrário, concluindo-se que não foi violada, pela decisão recorrida, a autoridade do caso julgado do aludido processo.
*
F) Se a decisão recorrida violou o artigo 334.º do CC e se haverá que proceder à desconsideração da personalidade judiciária da sociedade Melhor Rigor, Lda.?
Concluiu, igualmente, a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) 31. Estando vedado ao actual Embargado JM, sob pena de abuso de direito (artigo 344.º, do CC), vir invocar nos autos que tal julgado não lhe é oponível por não ter sido pessoalmente parte naquela acção, pois tal corresponde a uma utilização abusiva da  personalidade jurídica da sociedade Melhor Rigor, Lda., como capa protectora para aautoridade de um julgado que directamente se pronunciou sobre a ilicitude de actos pessoalmente praticados pelo Embargado, fazendo uso daquela de tal sociedade (num contexto de uma tentativa de obter uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito através de um contrato de arrendamento que deu a assinar a JS, bem sabendo que não correspondia ao acordado comodato).
32. Pelo que, no caso vertente, haverá que proceder à desconsideração da personalidade da sociedade ali Autora Melhor Rigor, Lda., sem que se vise sequer que a mesma seja patrimonialmente responsabilidade pela actuação do seu sócio e Gerente JM (pelo que não haverá sequer que se provar que o sócio confundiu patrimonialmente o seu património com a sociedade);
33. Solução que se impõe para evitar que o actual Embargado se possa valer da autonomia da personalidade jurídica de que é sócio Gerente para ensaiar uma nova tentativa para levar o sistema judicial, em nova acção em seu nome prosseguida, a refutar/inverter aquilo que um Tribunal que o integra (aliás, dois) decidiu(ram) já em acção intentada, por sua iniciativa, com a sua participação e total conhecimento, mas em nome colectivo, sobretudo num quadro em que se provou que o ora Embargado se aproveitou da sociedade em causa (instrumentalizando-a) para, em nome daquela, obter um contrato que ardilosamente gizou e levou a Embargada a assinar, com má fé e intuito de a prejudicar.
34. Tal desconsideração da personalidade jurídica corresponde, em rigor, a uma mera desconsideração da personalidade judiciária, que nem sequer ofende a autonomia patrimonial da sociedade, mas apenas a sua autonomia judiciária de forma a impedir que o respectivo sócio-gerente dela se prevaleça com o objectivo de poder voltar a usar o direito de acção para contrariar um julgado quanto a factos essenciais aí apreciados relativamente aos quais teve – em representação da sociedade – total contraditório, o que configura o exercício de um direito para além do respectivo fim social.
35. Sendo este o remédio legal para o abuso de direito (artigo 334.º, do CC), uma vez que “A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema.” (Ac. TRL, datado de 03-07-2013).
36. Credibilidade do sistema que ficaria caso se permitisse ao agora Embargado (sóciogerente da sociedade convencida em juízo e beneficiária material do acordo de prestação de serviços) continuar a pleitear nos autos, com o desiderato de levar (como levou) um outro Tribunal, no âmbito dos presentes autos, a contrariar o primeiro julgado quanto à matéria de facto já decidida e inclusive confirmada por um Tribunal superior.
37. Ao julgar como julgou, violou a douta Sentença recorrida o artigo 344.º, do CC, bem como, a autoridade do caso julgado formado no processo n.º …/… de onde decorre, ao contrário do que se entendeu ser o caso, a prova da inexistência da alegada relação subjacente à letra entre a Embargada e a Embargante, e, de igual forma, a inexistência da dívida invocada pela Embargada com base na factura que emitiu (Doc. 10 junto com a contestação aos Embargos), o que determina a necessária procedência dos Embargos (…)”.
Vejamos:
Cumpre salientar, in limine, que o instituto do abuso de direito consta do artigo 334.º do CC e, não, do artigo 344.º do mesmo Código.
Ora, a embargante/recorrente sustenta que o Tribunal recorrido violou tal normativo, dizendo que, ao embargado JM está vedada a invocação de que o caso julgado do processo n.º …/… não lhe é oponível, sob pena de abuso de direito, mais referindo que deve ser desconsiderada a personalidade judiciária da Melhor Rigor.
“O abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-12-2012, Processo 116/07.2TBMCN.P1.S1, rel. FERNANDES DO VALE).
Em semelhante sentido, entre outros, vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-04-2002 (Processo 02B749, rel. ARAÚJO DE BARROS) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2018 (Processo 2069/14.1T8PRT.P1.S1, rel. ROSA RIBEIRO COELHO).
No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-02-2019 (Processo 248015/09.2YIPRT.G1, rel. PURIFICAÇÃO CARVALHO) entendeu-se, porém, que:
“A apreciação e decisão quanto à existência de abuso do direito não depende de expressa invocação pelas partes, por se tratar de questão de direito (art. 664.º, 1.ª parte do CPC) e de matéria de interesse e ordem pública, sendo, pois, permitido o seu conhecimento oficioso. Todavia, a pronúncia oficiosa sobre tal matéria pressupõe que ao tribunal se deparem factos que manifestamente apontem para a verificação de um ilegítimo exercício do direito acionado, ou seja, não tendo a questão do abuso do direito sido suscitada pelas partes, apenas se imporá ponderar quando a matéria de facto revele a necessidade de convocar os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social, em ordem a determinar se o titular do direito o vem exercer, excedendo manifestamente tais limites, em clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”.
Vejamos, pois, se ocorreu o exercício abusivo de direito pela embargada.
Dispõe o artigo 334º do CC que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Comentando o referido preceito legal refere Almeida Costa (Direito das Obrigações; 5ª Ed., 1991, p. 65) o seguinte: “Como se verifica, o nosso legislador aceitou a concepção objectiva do abuso de direito. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário. Exige-se, todavia, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. A lei refere-se ao exercício de direitos - o caso paradigmático de actuação do instituto. A sua letra, portanto, não abrange imediatamente quaisquer hipóteses de inércia ou omissão de exercício que possam também considerar-se abusivas. Mas parece que isso não deve constituir obstáculo insuperável, contanto que se encontrem soluções do segundo tipo clamorosamente ofensivas da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito (...)”.
Menezes Cordeiro (Da Boa-Fé no Direito Civil, 1997, pp. 717-718) sustenta que o artigo 334º do CC é o resultado codificado de uma série de regulações típicas de comportamentos abusivos, apreciados pela doutrina germânica.
Abordando de forma detalhada e completa o instituto do abuso de direito o mesmo Autor (no Tratado de Direito Civil Português; Vol. I, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 199 a 213) enuncia seis tipos característicos em que se pode manifestar o «abuso de direito», a saber:
- A “exceptio doli” (que permitia no Direito Romano deter uma posição jurídica do adversário, num caso, invocando o defendente a prática, pelo autor, de dolo no momento da formação da situação jurídica levada a juízo e, noutro, contrapondo o defendente o incurso do autor em dolo no próprio momento da discussão da causa);
- O “venire contra factum proprium” (ablação do brocardo latino “venire contra factum proprium nulli concidetur”, significando, que a ninguém é permitido agir contra o seu próprio acto, expressando a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assume comportamentos contraditórios);
- As “inalegabilidades formais” (consistente na alegação, em contradição com a boa fé, de nulidade derivada da inobservância da forma prescrita por lei para certos negócios);
- A “supressio” (posição jurídica que não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais o pode ser, pois, tal exercício atenta contra a boa fé) e a surrectio (caso em que uma pessoa vê surgir na sua esfera jurídica, por força da boa fé, uma possibilidade que, de outro modo, não lhe assistiria);
- O “tu quoque” (expressão que visa cobrir os casos em que aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partida do violação exigindo, a outrem, o acatamento das consequências daí resultantes); e
- O “desequilíbrio no exercício” (ou seja, aquelas situações em que ocorre desiquilíbrio no exercício de várias posições jurídicas, nos diversos casos em que tal desiquilíbrio se pode manifestar: exercício danoso inútil; dolo agit qui petita quod statim redditurus est; e a desproporcionalidade).
O abuso do direito pressupõe a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto onde ele deve ser exercido (cfr. Castanheira Neves, Questão de Facto, Questão de Direito, I-513 e sgs.; Cunha de Sá, Abuso do Direito, Lisboa, 1973-451 e sgs.; A. Varela, Abuso do Direito, Rio de Janeiro, 1982 e Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., anot. ao art. 334 CC; e Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª ed., p. 6).
O abuso do direito exige a alegação e prova de circunstâncias excepcionais relativas ao seu exercício, cujo ónus cabe ao demandado (arts. 334.º e 342.º CC).
O abuso de direito tem todas as consequências de um acto ilegítimo: Pode dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade nos termos gerais do art. 294.º do C.C., à legitimidade de oposição, ao alongamento de um prazo de prescrição ou de caducidade (cfr. Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 107.º, p. 25).
Antunes Varela sublinha que a condenação por abuso de direito “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado de aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, de direitos de certo tipo”, acrescentando que, a solução do art. 334º do Código Civil só aponta para os casos de contradição manifesta (in R.L.J., Ano 128º, pág. 241).
Por seu turno, Castanheira Neves configura o abuso de direito como um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados (Questão-de-facto-questão-de-direito, pág. 526, nota 46).
Segundo Coutinho de Abreu, “há abuso de direito quando um comportamento, aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem” (Do Abuso de Direito, Almedina, Coimbra, 1999, p. 43).
Para Baptista Machado, o juiz tem de decidir primeiro a questão de saber se o direito invocado existe ou não e só no caso de concluir pela sua existência (não o caso inverso) lhe é lícito apreciar o exercício abusivo do mesmo direito (in Parecer publicado na C. J., Ano IX, Tomo 2, p. 17).
No caso, não se alcança onde se ancora a invocação da recorrente no sentido da decisão recorrida ter violado o aludido preceito legal, sendo certo que, preliminarmente, a embargante imputa ao embargando a impossibilidade de invocar a inoponibilidade do caso julgado formado no processo n.º …/…
O exercício da defesa por banda da contestante dos embargos, a que sucedeu o ora embargado, não se afigura, de qualquer modo, eivado de uma pretensão abusiva ou sustentando um direito exercitado de forma abusiva.
Mas, poderá sustentar-se a violação do instituto do artigo 334.º do CC, numa invocada não desconsideração da personalidade jurídica da Melhor Rigor, Lda. por banda do Tribunal recorrido, que, na perspetiva da recorrente, deveria ter tido lugar, ou seja: Terá havido, por banda do embargado um abuso de direito “institucional” relativamente à sociedade Melhor Rigor, Lda. de que é responsável (por forma a deduzir a pretensão dos autos executivos)?
Em nosso entender, adiante-se desde já, a resposta não pode deixar de ser frontalmente negativa.
Apreciando:
Conforme dá nota Catarina Serra (“Desdramatizando o afastamento da personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial)”, in Julgar, n.º 9, 2009, p. 116): “Em Portugal, o afastamento da personalidade jurídica foi invocado pela primeira vez, tanto quanto se sabe, por FERRER CORREIA, em 1948 (sete anos antes de ROLF SERICK ter baptizado e desenvolvido a teoria). A verdade é que (ainda) hoje não há nenhuma norma de carácter geral que o consagre. Não é fácil, por isso, reconhecer-se-lhe a categoria de instituto jurídico — de instituto jurídico autónomo — e isto repercute-se na sua aplicação (rara).”.
A doutrina tem-se debatido com a figura, sendo diversos os estudos sobre a matéria, remetendo-se aprofundadas considerações para os respetivos textos (exemplificativamente: Ana Filipa Morais Antunes; “O abuso da personalidade colectiva no Direito das Sociedades Comerciais”, in AA. VV., Novas tendências da responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2007, pp. 7 e ss; Ana Maria Peralta; “Sociedades unipessoais”, in: AA. VV., Novas perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 1988, pp. 249 e ss; Ferrer Correia; Sociedades fictícias e unipessoais, Coimbra, 1948, pp. 312 e ss; Menezes Cordeiro; O levantamento da personalidade jurídica no Direito Civil e no Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 2000, p. 147 e ss.; Diogo Pereira Duarte; Aspectos do levantamento da personalidade colectiva nas sociedades em relação de domínio — contributo para a determinação do regime da empresa plurissocietária, Coimbra, Almedina, 2007; Filipe Cassiano dos Santos; “Sociedades unipessoais por quotas, exercício individual e reorganizações empresariais — reflexões a propósito do regime legal”, in Direito das Sociedades em revista, 2009, n.º 1, pp. 115 e ss.; Jorge Coutinho de Abreu; Curso de Direito Comercial, vol. II — Das sociedades, cit., pp. 176 e ss.; Oliveira Ascensão; Direito Comercial, vol. IV — Sociedades Comerciais. Parte Geral, 1993, pp. 57 e ss; Manuel Cardeiro da Frada; Teoria da confiança e responsabilidade civil, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 120-121 e 169 e ss.; Pedro Cordeiro; “A desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais”, in: AA. VV., Novas perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, Almedina, 1988, pp. 289 e ss. e Ricardo Costa; “As sociedades unipessoais”, in: AA. VV., Problemas do Direito das Sociedades, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 25 e ss.).
Também a jurisprudência tem procurado concretizar, em diversas situações, os contornos do instituto da “desconsideração da personalidade jurídica” societária.
Disso são exemplo as seguintes decisões do STJ:
- 26-06-2007 (Pº 07A1274, rel. AFONSO CORREIA): “Por trás da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva está, sempre, a necessidade de corrigir comportamentos ilícitos, fraudulentos, de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, seja actuando em abuso de direito, em fraude à lei ou, de forma mais geral, com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros. Logo, interessará sempre visualizar na conduta do agente (sócio) uma combinação de actos, ainda que formalmente lícitos, para atingir um fim ilegítimo, visível num resultado danoso: o desfavorecimento dos interesses de autonomia e suficiência económico-patrimonial da sociedade, que se actualiza no momento da insatisfação dos direitos creditícios, resultado da delapidação do património social, em prejuízo de outrem”;
- 03-07-2013 (Pº 943/10.8TTLRA.C1, rel. FELIZARDO PAIVA): “A desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva surgiu na doutrina e, posteriormente, na jurisprudência como meio de cercear formas abusivas de actuação, que ponham em risco a harmonia e a credibilidade do sistema. No fundamental, ela traduz-se numa delimitação negativa da personalidade colectiva por exigência do sistema ou “exprime situações nas quais, mercê dos vectores sistemáticos concretamente mais poderosos, as normas que firmam a personalidade colectiva são substituídas por outras normas. O recurso a esse instituto é possível quando ocorram situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas de protecção, nomeadamente dos credores, ou em situações de abuso de direito e não exista outro fundamento legal que invalide a conduta do sócio ou da sociedade que se pretende atacar, ou seja, a desconsideração tem carácter subsidiário. De entre elas avultam a confusão ou promiscuidade entre as esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios (ainda que não tenha de ser obrigatoriamente assim); a subcapitalização da sociedade, por insuficiência de recursos patrimoniais necessários para concretizar o objecto social e prosseguir a sua actividade; e as relações de domínio grupal. Em todas estas situações verifica-se que a personalidade colectiva é usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, existindo uma utilização contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios. A desconsideração tem de envolver sempre um juízo de reprovação sobre a conduta do agente, ou seja, envolve sempre a formulação de um juízo de censura e deve revelar-se ilícita, havendo que verificar se ocorre uma postura de fraude à lei ou de abuso de direito”;
- 10-05-2016 (Pº 136/14.0TBNZR.C1.S1, rel. FONSECA RAMOS): “A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação. Nos casos de deliberada confusão patrimonial, bem como naqueles em que a sociedade e a sua autonomia jurídica são usadas/abusadas, com o propósito de camuflar actos lesivos dos sócios, o levantamento da personalidade jurídica societária conduz à imputação de tais actos aos sócios por eles responsáveis”;
- 07-11-2017 (Pº 919/15.4T8PNF.P1.S1, rel. ALEXANDRE REIS): “O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros. Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”;
- 19-06-2018 (Pº 446/11.9TYLSB.L1.S1, rel. GRAÇA AMARAL): “A figura da desconsideração da personalidade jurídica societária visa a responsabilização do património daquele que, instrumentalizando a sociedade, retirou proveitos próprios actuando em desconformidade com as finalidades para as quais a sociedade foi criada. No nosso ordenamento jurídico não existe preceito legal que regule e tutele a figura, pelo que a determinação das circunstâncias susceptíveis da sua aplicação é fundamentalmente casuística, embora a sua configuração seja apoiada em princípios gerais positivamente consagrados como sejam o abuso de direito, a má fé e o intuito de prejudicar terceiros.De entre os casos que a doutrina vem identificando como típicos de crise da função da personalidade jurídica colectiva passível de justificar a desconsideração da personalidade colectiva figura a confusão de patrimónios. O recurso ao instituto do levantamento da personalidade colectiva é de carácter subsidiário, só assumindo cabimento caso não exista outro fundamento legal que invalide a conduta desrespeitosa.Para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade colectiva não basta a existência de uma situação de confusão de esferas patrimoniais entre o sócio e a sociedade, como seja a de transferência de montantes da conta desta para a conta pessoal daquele. Mostra-se indispensável para tal efeito a demonstração do prejuízo e, concomitantemente, do nexo de causalidade entre este e a conduta desrespeitosa da autonomia patrimonial, no caso, a prova de que as transferências levadas a cabo por um dos sócios tenham causado falta de liquidez da sociedade e, como tal, a impossibilidade de entrega dos lucros distribuídos à sócia lesada”;
A desconsideração da personalidade jurídica tem sido entendida como um “instituto de enquadramento”, no sentido de que, “apesar de, aparentemente, se concretizar em soluções que poderiam derivar da aplicação isolada de outros institutos, ele permite tomar consciência das novas hipóteses que cabem em cada um destes institutos e exige o apuramento deles, de tal modo que, isolada ou articuladamente, possam funcionar como critérios orientadores da resposta aos seus problemas específicos” (assim, Catarina Serra, “Desdramatizando o afastamento da personalidade jurídica (e da autonomia patrimonial)”, in Julgar, n.º 9, 2009, p. 130).
De outro modo, tem sido sublinhado o caráter subsidiário da sua aplicação:
“A figura da “desconsideração da personalidade jurídica”, também reconhecida entre nós e no estrangeiro por outras designações como “levantamento da personalidade jurídica” ou “levantamento do véu”, tem sido por diversas vezes empregue pela jurisprudência portuguesa na resolução de hipóteses diferenciadas. São já vários os casos, ao longo dos anos, em que este instrumento tem permitido chegar a uma solução onde tal não se mostrava simples. Isto decorre do facto da desconsideração não ter base legal inequívoca.
Não existe na legislação societária portuguesa preceito legal que assuma a função de a prever e concretizar de modo genérico. Os seus princípios basilares podem ser identificados em alguns preceitos presentes quer no Código das Sociedades Comerciais quer noutros diplomas, mas são normas de aplicação restrita, só previstas para hipóteses e situações muito particulares. Na realidade a desconsideração surge como construção doutrinal (acompanhada pelo seu emprego, cada vez menos pontual, em decisões jurisprudenciais), imposta pela reacção do ordenamento jurídico a situações que ferem a consciência jurídica dominante por traduzirem o “exercício inadmissível de posições jurídicas». São situações onde se configura um mau uso de institutos próprios do direito das sociedades, nomeadamente aproveitando ilicitamente a personalidade colectiva (e associada a esta, com particular evidência, a limitação de responsabilidade típica das sociedades de capitais) para cometer fraudes ou abuso do direito. Nessas hipóteses a dogmática jurídica lança mão da desconsideração e inibe os efeitos normais da autonomia da personalidade, porque esta foi empregue ilicitamente (contrariando o fim com que foi inicialmente prevista e atribuída)” (assim, Armando Manuel Triunfante e Luís de Lemos Triunfante; “Desconsideração da personalidade jurídica – sinopse doutrinária e jurisprudencial”, in Julgar n.º 9, 2009, pp. 131-132. Neste sentido, vd., entre outros, o Acórdão do STJ de 03-02-2009, Pº 08A3991, rel. PAULO SÁ).
Conforme sublinham estes Autores (loc. cit., p. 140), “a desconsideração assume, portanto, verdadeira natureza supletiva, surgindo apenas quando nenhum outro instituto ou nenhuma outra norma permitem resolver cabalmente o problema”.
Para além destes caracteres, deve existir sempre uma confusão mais ou menos intensa entre as esferas jurídicas de duas ou mais pessoas, normalmente entre a sociedade e os seus sócios e uma reprovação sobre a conduta do agente, quer na criação da situação, quer no aproveitamento dela, assentando num juízo de ilicitude da conduta: “A doutrina tem sustentado que, independentemente da reunião de todos os outros requisitos, a desconsideração não pode existir sem que se assista a uma utilização contrária a normas ou princípios gerais” (cfr., Armando Manuel Triunfante e Luís de Lemos Triunfante; “Desconsideração da personalidade jurídica – sinopse doutrinária e jurisprudencial”, in Julgar n.º 9, 2009, p. 143).
Por outro lado, tem sido assinalado na doutrina que, a figura da desconsideração da personalidade “só aparece como instituto autónomo nos casos de desconsideração para fins de responsabilidade” (assim, Pedro Cordeiro; A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais; 3. Ed., Universidade Lusíada Editora, 2008, p. 110).
Ora, no caso, não se alcança nenhuma razão que justifique a extensão de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, de índole pontual e subsidiária, ligado à responsabilização substantiva do ente societário, a normas de natureza processual, sabendo-se que, por um lado, tal instituto teve origem relativamente a situações de abusiva separação de patrimónios, relacionada com a tutela de direitos substantivos e, não, origem em abuso uso de normas processuais; mas, por outro lado, o ordenamento jurídico contém já normas (cfr. artigos 8.º, 542.º a 545.º, 618.º e 670.º do CPC) que visam combater o abuso do direito de ação, cuja previsão abrange todas as situações em que as partes de um processo tomam neste um comportamento desconforme ao direito, não se afigurando que seja legítimo o lançar mão do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, na vertente da sua aplicação ao pressuposto da personalidade judiciária, por forma a despersonalizar entes que, para efeitos da lei processual civil, são dotados de personalidade judiciária.
Mas, independentemente disso, certo é que, ao invés do que almeja a embargante, não se divisa no comportamento do atual embargado algum comportamento abusivo, passível de dever ser “desconsiderado”, na utilização da sociedade, apenas sucedendo que, com relação a outro processo, onde a embargante foi parte, ali teve intervenção uma sociedade de que o embargado é representante, sem que isso, por si só, comporte para os presentes autos alguma consequência como aquela que é pretendida pela recorrente.
Conclui-se que não foi violado pela decisão recorrida o instituto do abuso de direito, nem existe motivo para proceder à “desconsideração da personalidade judiciária”, nos moldes visados pela recorrente.

*
G) Se a decisão recorrida, ao não admitir o articulado superveniente apresentado em 11-05-2021, violou o artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC?
Concluiu, ainda, a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da violação do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC decorrente da não admissão do articulado superveniente apresentado em 11.05.2127.
46. Conforme resulta dos autos (v.d. acta da “ACTA DE AUDIÊNCIA DE DISCUSSÃO E JULGAMENTO”), a Embargante apresentou em 11.05.21 em audiência de julgamento articulado superveniente que aqui se dá como integralmente reproduzido (v.d. digitalização do requerimento entregue em papel e inserido no citius com a ref.ª 131026924):
47. A decisão recorrida não admitiu o articulado superveniente apresentado pela Embargante, assentando o indeferimento do mesmo em dois fundamentos/argumentos distintos:
a) o de que o articulado é legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa); e
b) o de que o mesmo é contraditório com a posição anteriormente assumida nos Embargos, onde se invoca a inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre executada e exequente (que assim não poderia ser simultaneamente defeituosa).
48. Salvo o devido respeito, que é muito, discorda a Recorrente dos argumentos adoptados na douta decisão recorrida.
49. Quanto ao primeiro argumento: Sem por em causa a existência do princípio da concentração e ou a sua aplicação aos presentes autos, o que está em causa e deveria ter sido apreciado pelo Tribunal “a quo” era o cumprimento, por parte do articulado superveniente, dos requisitos legalmente previstos para o efeito pelo artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC, expressamente invocado pela Recorrente para que fosse admitido.
50. Analisado o articulado apresentado (e, por facilidade, entregue por escrito) pela Recorrente dele resulta imediatamente que este alega reportar “a factos de que a Embargante apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021, efectuado nos termos do artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC”, conforme é também mencionado na douta Sentença recorrida.
51. Assim sendo, no entendimento do Recorrente, ao contrário do decidido, não poderia o Tribunal “a quo” limitar-se a invocar o princípio da concentração da defesa para fundamentar o imediato indeferimento do articulado superveniente apresentado;
52. Tal princípio é exactamente excepcionado pelo regime que a Embargante invocou para a admissão daquele articulado, em razão da superveniência dos factos, superveniência que, como é sabido, pode ser de natureza objectiva ou subjectiva.
53. Para apreciar a admissibilidade do articulado superveniente em causa em função da norma invocada pela Embargante, teria o Tribunal “a quo” que se pronunciar sobre o momento em que a Embargante tomou efectivo conhecimento dos factos aí alegados, o que não foi apreciado pelo Tribunal “a quo”.
54. Caso perante os documentos oferecidos pela Embargante o Tribunal “a quo” tivesse dúvidas quanto ao momento em que os novos factos foram efectivamente conhecidos pela mesma, deveria ter ordenado a produção da prova testemunhal, desde logo requerida, atinente à superveniência daquele conhecimento, e, só após isso, poderia ter tomado posição sobre a questão da admissibilidade do articulado superveniente deduzido.
55. Quanto ao segundo argumento: Na óptica da Recorrente não tem razão o Tribunal “a quo” quando considera que os factos constantes do articulado superveniente (cumprimento defeituoso) são necessariamente contraditórios com a versão constante dos Embargos (inexistência de qualquer relação comercial).
56. Na verdade, trata-se de uma contradição meramente aparente desde que se entenda a alegação dos novos factos como uma linha de defesa subsidiária, como de facto é (considerando que a Embargante não põe em causa que FM lhe prestou serviços de contabilidade, antes impugnando que os mesmos lhe tivessem sido prestados no âmbito de uma qualquer relação comercial com a Embargada), hipótese que o próprio Tribunal “a quo” não deixou de equacionar quando afirmou, a dado passo da decisão recorrida, referindo-se àquele articulado, que “Ainda que se interprete o requerimento em causa no quadro de uma defesa subsidiária (…)”.
57. Sendo que, a limite e sem conceder, deveria o Tribunal “a quo” ter notificado a Embargante para justificar a compatibilidade de ambas as alegações, ao invés de proferir de imediato decisão de não admissão daquele articulado.
58. Pelo exposto, ao meramente invocar o princípio da concentração da defesa, sem aferir se, no caso “sub judice”, se verificava a excepção legalmente prevista àquele princípio, consentida pelo artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC, e ao invocar ainda (sem a admitir como subsidiária) que a linha de defesa emergente dos factos alegados era contraditória com a dos Embargos, violou a douta decisão recorrida aquele dispositivo, devendo a mesma ser substituída por outra que ordene a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” e determine que o mesmo se deve pronunciar, por via da produção da prova oferecida, e, em concreto, da prova testemunhal desde logo arrolada, sobre a superveniência do conhecimento pela Embargante, alegadamente ocorrido no decurso do mês de Maio de 2021, sobre os novos factos alegados, conforme expressamente invocado pela ora Recorrente (…)”.
Contra-alegou a embargada sobre esta questão, nos seguintes termos:
“E – Da não admissão do articulado superveniente
Na senda de alegação de novos factos, veio a Recorrente/Embargante, escudando-se num articulado superveniente, alegar uma excepção de não cumprimento.
Para quem inicialmente alegou a inexistência de qualquer relação comercial, vir alegar um incumprimento é estar mais uma vez a dar o dito por não dito, confessar que inicialmente deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou a verdade dos factos, impediu a descoberta da verdade, entorpeceu a acção da justiça, tudo o que a lei classifica como litigante de má fé.
Mais uma vez se diga, o princípio da exigência estabilidade da instância (artigo 260º do Código de Processo Civil) e princípio da concentração da defesa não permite a invocação de novos factos na fase de julgamento.
Assim, sem mais delongas, apenas nos resta sublinhar o referido na douta sentença recorrida quando refere que “Os alegados factos supervenientes trazidos aos autos pela executada sustentam, como a própria expressamente admite, defesa por exceção – no caso, exceção do não cumprimentos - , a qual, para além de legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa), se afigura manifestamente contraditória com a posição assumida na petição de embargos, a saber: da inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre a executada e exequente” – sublinhamos.
Além disso, não é credível e muito menos razoável que a embargante venha agora dizer que só em Maio de 2021 tomou conhecimento de factos da sua contabilidade ocorridos há mais de 7 anos (!!!).
Pelo que deve o recurso improceder nesta parte (…).”.
Vejamos:
Dispõe o artigo 588.º do CPC o seguinte:
1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 – As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 – Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”.
            Resulta deste regime que os articulados supervenientes constituem uma modalidade de defesa diferida mediante a qual as partes podem, observadas certas condições, trazer ao processo factos relevantes que ocorram até ao encerramento da discussão.
Conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-10-2016 (Pº 539/14.0TBVIS-A.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO): “O artigo 588.º, nº 1, do nCPC estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. Para esse efeito consideram-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos para a apresentação dos articulados normais da ação, como os factos anteriores de que aparte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo, nesse caso, produzir-se prova da superveniência (n.º 2 do preceito citado). Estando em causa factos supervenientes que sejam constitutivos, modificativos ou extintivos dos direitos das partes, eles podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão da causa. Porém, o preceito estabelece timing para o seu oferecimento, ao estatuir que o novo articulado é oferecido na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respectivo encerramento; nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia; e na audiência final, se os factos ocorrerem, ou a parte dele teve conhecimento em data posterior às anteriormente referidas (cfr. n.º3, alíneas a), b) e c), do artº 588º nCPC)”.
Ou seja, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28-09-2017 (Pº 292/15.0T8VPA.G1, rel. MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES): “A admissibilidade do articulado superveniente decorre directamente do art. 611º nº 1 e 2 do C.P.C. que prevê que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida. São objecto do referido articulado factos constitutivos do direito do autor (ou do réu nas acções de simples apreciação negativa – art. 584º nº 2 do C.P.C.) e factos extintivos ou modificativos integrantes das excepções opostas pelo réu. Constituem factos essenciais que vão actualizar a causa de pedir e as excepções já invocadas por autor e réu nos termos dos art. 552º nº 1 d) e 572º c) do C.P.C.. No que concerne ao objecto do referido articulado refere Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, p. 242: “A admissibilidade dos articulados supervenientes depende, além do mais, da relevância ou irrevelância do facto respectivo quanto à pretensão deduzida”. Com efeito, nos termos do art. 5º do C.P.C., o tribunal pode oficiosamente considerar os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa. O nº 4 do art. 588º do C.P.C. prevê uma intervenção de controlo liminar pelo juiz no sentido de apurar da tempestividade e da utilidade dos factos supervenientes para a justa composição do litígio”.
Assim, os factos que devem integrar um articulado superveniente são sempre factos essenciais, não se dirigindo o mesmo a integrar apenas factos instrumentais.
“Os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida»” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-01-2021, Pº 5362/18.0T8CBR-B.C1, rel. MARIA TERESA ALBUQUERQUE. Em semelhante sentido, vd., entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-12-2020, Pº 1219/19.6T8PRT-A.G1, rel. RAMOS LOPES e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-02-2018, Pº 1951/07.7TBTVD-A.L1-6, rel. ANTÓNIO SANTOS).
            A superveniência dos factos pode ser:
            - Objetiva, quando os factos ocorreram posteriormente à apresentação da petição inicial ou da contestação, consoante a pertinência desses factos ao respetivo articulado (cfr. artigo 588º, nº 2, 1ª parte, do CPC); ou
- Subjetiva, quando os factos ocorreram antes desses momentos mas a respetiva ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento das partes, ou seja, o conhecimento desses factos só se verificou depois de findar o prazo da apresentação dos articulados pertinentes (cf. artigo 588º, nº 2, 2ª parte, do CPC).
            Se a superveniência for subjetiva, deve a parte alegar quando é que teve conhecimento do facto, porquanto, o n.º 2 estatui a necessidade de provar a superveniência e a prova desta pressupõe a alegação (assim, Lebre de Freitas; Código de Processo Civil Anotado, II Vol., p. 341).
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-11-2021 (Pº 470/20.0T8SJM-A.P1, rel. JORGE SEABRA), “o articulado superveniente pode ser rejeitado em duas hipóteses: a) Quando a matéria de facto nele alegada não tenha manifesto interesse para a decisão da causa; b) Quanto o mesmo seja deduzido de forma extemporânea e essa extemporaneidade seja imputável, a título de culpa, à parte que o apresenta – cfr. artigo 588º, n.º 4, do CPC. Numa situação de superveniência subjectiva, incumbe ao apresentante do articulado a apresentação das provas dessa superveniência (artigo 588º, n.º 2, parte final, do CPC). Não existindo essa prova, o articulado é rejeitado liminarmente. Em caso de superveniência subjectiva, o que releva para efeitos de admissibilidade do articulado superveniente, em termos de factor de exclusão de culpa da parte, não é a data em que a parte teve conhecimento efectivo da factualidade em causa, mas, em termos distintos, a data em que a mesma parte poderia ter tido conhecimento de tal factualidade se actuasse com a diligência e o cuidado que são exigíveis a um cidadão medianamente diligente, sagaz e atento nas mesmas circunstâncias”.
Assim, nesta linha e exemplificativamente, “deve ser rejeitado por extemporâneo o articulado superveniente deduzido em audiência de julgamento que, estribando-se no depoimento de uma testemunha, dele retirou um facto inócuo para, de seguida, com base nele vir invocar a excepção da prescrição do título cambiário (livrança) dada à execução quando, na petição dos embargos que deduziu, não o havia feito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-10-2020, Pº 5784/12.0TBMTS-B.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES).
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, retomemos, antes de mais, por um momento, o que foi alegado pela embargante para justificar a apresentação do articulado superveniente. Alegou esta parte, para o efeito e, em suma, o seguinte:
“(…) 1.º O presente articulado superveniente é destinado à alegação e prova de que os serviços de contabilidade efetuados por FM (que a Embargada Pactusmar, Lda. alega terem sido efectivamente prestados por si através do seu sócio Gerente) foram (no período em que o foram), no mínimo, grosseiramente negligentes, como resulta dos seguintes factos (subjectivamente) supervenientes, de que a Espaço Curvo, Lda. apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021, factos que se passam a alegar.
2.º A Embargante aquando da preparação do julgamento designado para o dia 13.05.21 diligenciou junto do escritório da sociedade Guifil, Lda., responsável pela contabilidade da Embargante, a evidenciação documental de que a factura n.º 48 da Pactusmar não tinha – ao contrário do alegado na contestação aos Embargos – sido lançada na contabilidade da Embargante, cuidando ainda de tentar comprovar que os serviços de contabilidade levados a cabo por FM (e não pela sociedade Pactumar, Lda. como alegado nos Embargos) foram grosseiramente negligentes, diligenciando, por exemplo, por documentar os atrasos que se verificaram desde o início de tais serviços até ao seu termo.
Na sequência de tais diligências que a Embargante realizou:
3.º No dia 4 de Maio de 2021 a Embargante foi informada do teor das cartas que o seu actual Contabilista Certificado, Dr. JJ, em representação da sociedade responsável pela contabilidade da Embargante, a “Guifil-Gestão de Empresas, Lda.”, trocou com o seu antecessor Dr. FM, em nome próprio (e não no interesse e ou representação da Embargada), cartas que constituem anexos à declaração daquele Contabilista (Doc. 1).
4.° O conhecimento que teve em 4 de Maio de 2021 do teor daquelas cartas foi, assim, posterior ao termo do prazo previsto no artigo 588.°, n.° 3, al. b), do CPC, tomando assim aplicável ao prazo para o presente articulado superveniente quanto à alegação do teor daquela correspondência o prazo previsto na al. c) daquele preceito, bem como, quanto aos factos que abaixo se articularam.
5.° Tendo ficado a saber, através da leitura da carta de 28 de Agosto de 2014, que o Dr.° FM, que anteriormente havia desempenhado as funções de CC da sociedade Espaço Curvo, SA, além de não utilizar o papel timbrado da Pactusmar, Lda. na correspondência com a sociedade Guifil, Lda. (sociedade actualmente responsável pela contabilidade da Embargante) nunca referiu o nome da sociedade Pactusmar, Lda. ou que a mesma era credora dos serviços que o Senhor Contabilista Certificado referiu ter prestado enquanto Técnico Oficial de Contas a diversas sociedades do “grupo de empresas do Snr. CM”, entre as quais a Espaço Curvo, S.A. e a Melhor Rigor, S.A, o que se deixa alegado.
6.° Mais informou em 4 de Maio de 2021 o gabinete de contabilidade responsável pela contabilidade da Embargante que:
a) nas IES da Espaço Curvo, S.A. entregues pelo Contabilista Certificado com o N1F … (que a Embargada alega ser do Dr. FM v.d. artigo 14 da contestação), relativas a 2010,2011 e 2012, não constam quaisquer notas no quadro 5A do Anexo A, o que, segundo também informou e era desconhecido da Embargante, configura a violação do disposto no artigo 121.°, do CIRC, que impõe que tais notas sejam parte integrante da IES; e
b)na IES de 2012 submetida pelo Contabilista Certificado da Espaço Curvo, S.A. com o NIF …, o mesmo fez constar a existência de revisão oficial das contas da Sociedade Espaço Curvo, S.A., aí indicada como tendo sido levada a cabo pelo NIF …;
c)na sequência de consulta ao programa informático de que dispõe foi verificado que o NIF … corresponde ao contribuinte VF, que se constatou não ter qualquer actividade aberta junto da AT, tudo conforme Doc. 1 que se junta e se dá como integralmente reproduzido.
7.º Face à estranheza causada pela informação que consta na alínea c) causou em 4 de Maio de 2021, o Advogado signatário remeteu em 4 de Maio de 2021 à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas mensagem de correio eletrónico, questionando que o nome e nif em causa tinham exercido actividade de ROC em 2010 a 2013 e, na negativa, se o mesmo teve actividade registada como ROC junto daquela Ordem e em que período, conforme documento que se junta e se junta e se dá como reproduzido (Doc. 2).
8.° No dia 5 de Maio de 2021, a OROC respondeu ao email do Advogado signatário, também por correio eletrónico, informando que VF nunca teve inscrito junto da Ordem dos ROC (Doc. 2).
9.º O que também se confirma pela consulta à lista pública de ROC inscritos na respectiva Ordem Profissional, facilmente consultável através do link https-.//www.oroc.pt/a-ovdevn/Usta- de-rocs-e-srocs-inscritos-na-oroc/, lista que não se junta aos autos por ter mais de setecentas páginas.
10.° Face à perplexidade que tal informação gerou quanto ao IES de 2012, a Embargante diligenciou por apurar quem foi indicado como responsável para revisão das suas contas nos seus IES de 2010 e 2011, que a Embargada Pactusmar invoca ter entregue através do seu Gerente (mas de que apenas juntou aos autos a primeira página), vindo-se no dia 5 de Maio de 2021 a apurar que, para esse efeito, foi indicada como SROC com o NIPC 501267190.
11.° Tendo-se verificado que tal NIPC corresponde à Sociedade Revisora Oficial de Contas denominada “AB - António Bernardo & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.” com a página de internet em: (…).
12.º Após consulta daquela página da internet, o Advogado signatário remeteu em 7.05.21 correio eletrónico à SROC “AB - António Bernardo & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.”, com o teor que se junta e se dá como reproduzido (Doc. 3).
13.º O que fez para correio eletrónico geral@absroc.pt facilmente obtido e confirmável pela respectiva página da internet (Doc. 4).
14.° Ainda no dia 7.05.21, a sociedade SROC “AB - António Bernardo & Associados - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, Lda.” informou o Advogado signatário, também por correio eletrónico, que aquela sociedade nunca prestou qualquer serviço para a Espaço Curvo, que nunca foi sua cliente, tudo conforme documento que se junta e se dá como reproduzido (Doc. 3)
15.º Dos factos acima alegados, de que a Embargante apenas teve conhecimento nas datas acima indicadas, resulta que os serviços que a Embargante Pactusmar, Lda. alega que foram prestados e seriam justificativos do pagamento da elevada aposta na letra, emergentes, designadamente, da tarefa correspondente à apresentação dos IBS dos anos de 2010, 2011 e 2012, foram prestados pelo TOC FM com manifesta negligência, ou, alternativamente, com consciência de que produzia documentos com informação objectivamente falsa.
16.º A matéria de facto acima alegada nos artigos 3,6 a 15, é relevante para a apreciação dos presentes embargos, por constituir excepcão do não cumprimento que obstará sempre à formação da dívida que a Pactusmar alegou ter sobre a Embargante.”.
Na sequência da apresentação do mencionado articulado superveniente pela embargante, e após contraditório da contraparte, o Tribunal recorrido apreciou o mesmo, imediatamente antes da prolação da sentença, fundamentando a decisão do seu indeferimento no seguinte:
“(…) Do articulado superveniente apresentado pela executada/opoente na audiência de discussão e julgamento e resposta da exequente;
A executada/opoente começa por alegar que “o presente articulado superveniente é destinado à alegação e prova de que os serviços de contabilidade efectuados por FM (que a embargada Pactusmar, Lda. alega terem efetivamente prestados por si através do seu sócio Gerente) foram (no período em que o foram), no mínimo, grosseiramente negligentes, como resulta dos seguintes factos (subjetivamente) supervenientes, de que a Espaço Curvo, Lda. apenas teve conhecimento no decurso do mês de Maio de 2021, factos que se passam a alegar.
Conclui, a final, no sentido da relevância de tais factos “para a apreciação dos presentes embargos, por constituir exceção do não cumprimento que obstará sempre à formação da dívida que a Pactusmar alegou ter sobre a Embargante”.
Apreciando.
Como já se deixou dito, a execução de que dependem estes autos foi intentada pela sociedade comercial “Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade, Lda.”, representada por FM, contra a sociedade comercial “Espaço Curvo – Construções, S.A.”, cujo administrador é CM, com base numa letra de câmbio no valor de €44.280,00, na qual figura como sacador a sociedade exequente e como sacado/aceitante a sociedade executada/opoente.
Na presente oposição à execução (mediante embargos de executado), a executada/opoente alega que “entre a executada e a exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento”.
Mais alegou que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo”, sendo que a assinatura que na mesma consta como sendo do punho do, à data, administrador da sociedade executada (JP), não foi, aí, por este, aposta.
Conclui dizendo que “trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS”.
E foi esta a forma como a executada/opoente configurou a sua defesa.
A sociedade exequente veio, por seu lado, em sede de contestação, alegar o seguinte:
“7º O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, o referido FM, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional no âmbito de uma processo relacionado com o BPN.
8º Ficou então acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da Executada, como veio a acontecer.
9º Foi então pedido à Exequente, sempre na pessoa do seu legal representante, como se disse, que executasse serviços de contabilidade da Executada pois haveria a necessidade de proceder, nomeadamente, ao cumprimento e regularização de obrigações fiscais, acompanhamento a repartições de finanças, organização e apresentação de declarações, nomeadamente, de IRC e IES que se encontravam em atraso.
10º A Exequente e a Executada acordaram então que o preço a pagar por esta pelos serviços solicitados para a sociedade Espaço Curvo, SA, ora executada, seria de 750,00 €/mês acrescido do respectivo IVA à taxa legal, ou seja, o montante de 9 000,00 €, acrescido do respectivo IVA, por cada ano.
11º No cumprimento do que se havia comprometido com a Executada, a Exequente através do seu legal representante e/ou colaboradores, procedeu devidamente à execução dos serviços de contabilidade solicitados pela Executada,
12º Tendo, nomeadamente, organizado os documentos contabilísticos da sociedade, deslocou-se aos Serviços de Finanças, apresentando as declarações de IRC e IES, desde logo referentes aos anos de 2010 e 2011, que se encontravam em atraso,
13º E, mais tarde, referentes aos anos de 2012 e 2013.
14º Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º2 a 9 que ora se juntam, foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respectivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,
15º Tendo ainda sido o própria a efectuar a organização dos documentos contabilísticos da Executada referentes ao ano de 2013 que viria já a ser apresentado pelo seu novo Técnico Oficial de Contas numa altura as que as relações entre a Exequente e Executada já se encontravam deterioradas.
16º Isto porque, não obstante o trabalho desenvolvido, a Executada jamais pagou à Exequente o quer que fosse.
17º Nesse seguimento, a Executada solicitou ao legal representante da Exequente a entrega da documentação de suporte para a execução da contabilidade por outro TOC,
18º Ao que este respondeu que entregaria mediante o pagamento das quantias em dívida.
19º Perante isto, a Executada anuiu nesse pagamento, solicitando a emissão da respectiva factura no valor de 44 280,00 € (Documento n.º10).
20º A Executada aceitou e recebeu a respectiva factura tanto que a lançou na respectiva contabilidade (Documento n.º 11).
21º Contudo, a alegando dificuldades momentâneas de tesouraria sugeriu a entrega da letra, agora dada à Execução, como garantia do pagamento da respectiva factura.
22º Não vindo no entanto a honrar o seu compromisso na respectiva data de vencimento pelo que não teve a Exequente alternativa senão avançar com a presente execução.”
E é esta a relação subjacente que vem alegada pela exequente.
Em suma,
- A sociedade exequente deu à execução um título de crédito, fazendo-se valer das caraterísticas da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, estando desonerada da alegação da obrigação causal/subjacente;
- A sociedade executada/opoente invocou, além da falsidade da letra dada à execução, a inexistência da obrigação fundamental.
- A sociedade exequente, em sede de contestação, impugnou motivadamente a oposição alegando a relação subjacente à emissão da letra dada à execução.
E com isto, estabilizou-se a instância objetiva da presente oposição.
Na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição. – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 19.03.2019, relatado por José Rainho (in www.dgsi.pt).
Parafraseando aqui o que se deixou escrito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de abril de 2017 (proferido no processo n.º 1329/15.9T8VCT.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, relatado por José Rainho, com referência ao que se aduz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2016 (processo nº 1129/09.5TBVRL-H.G1.S2, relator Fonseca Ramos) – que, por seu turno, transcreve um escrito de Miguel Teixeira de Sousa – “aceitamos que a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico. Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração: de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado. A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então a parte pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito. Na oposição à execução, o embargante tem o ónus de concentrar na petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição.”
Aliás, a concentração dos meios de defesa e a obrigatoriedade de os alegar, sob pena de perda do direito de invocação, preclusão, estão ligados à estabilidade das decisões, o que tem a ver com o instituto do caso julgado, e com o dever de lealdade e de litigar de boa fé (processual) – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 06.12.2016, relatado por Fonseca Ramos (in www.dgsi.pt).
Os alegados factos supervenientes trazidos aos autos pela executada sustentam, como a própria expressamente admite, defesa por exceção – no caso, exceção do não cumprimento –, a qual, para além de legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa), se afigura manifestamente contraditória com a posição assumida na petição de embargos, a saber: da inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre executada e exequente.
Ora, se, na perspetiva da executada, não existiu relação – prestação de serviços de contabilidade por parte da exequente à executada –, a que incumprimento ou cumprimento defeituoso se refere a executada?
Em face do exposto, por violação do princípio da concentração da defesa, indefiro o articulado superveniente apresentado pela executada.
Custas do incidente a cargo da executada que se fixam em 2UC.”.
Vejamos, pois, se o despacho em questão se pode considerar violador do disposto no artigo 588.º do CPC.
Segundo a embargante, tal violação assenta na circunstância de o Tribunal recorrido invocar “meramente” o princípio da concentração da defesa, sem curar de aferir se se verificava exceção a tal princípio e de ter considerado que tal invocação – do articulado superveniente – era contraditória com a linha de defesa dos embargos.
Ora, resulta inequívoco e indubitável da alegação da embargante que o articulado superveniente apresentado visava introduzir factos relacionados com uma deficiente prestação de serviços de contabilidade (na expressão da embargante “no mínimo, grosseiramente negligentes”), por banda de FM.
A embargante alega que apenas teve conhecimento dos factos que pretende introduzir nos autos em maio de 2021, nos termos que concretizou.
Sucede que, conforme resulta da decisão recorrida, sem alguma mácula, a invocação factual constante do aludido articulado superveniente da embargante, não se destina a invocar factos principais ou essenciais, relacionados com a causa de pedir em que assentou a dedução dos embargos (onde “APENAS” alegou ter inexistido, entre a executada e a exequente, “qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento”, sendo “a letra tal como a factura (…) documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactusmar, a quem tem ligações, deu corpo”, bem como, que a assinatura que, na mesma consta como sendo do punho do, à data, administrador da sociedade executada (JP), não foi, aí, por este, aposta sendo, tratando-se “de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS”), mas sim, visava a invocação de uma outra causa obstativa, impeditiva ou extintiva do direito exequendo, relacionada com a invocação da propalada “exceção de não cumprimento” do contrato que, num primeiro momento, negou ter existência.
Conforme se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-09-2017 (Pº 15786/16.2T8LSB.S1, rel. PINTO HESPANHOL), “o princípio da concentração da defesa exige que esta seja deduzida, totalmente, na contestação, salvo os casos de exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de efetuar a mencionada dedução”.
E, sabe-se que a petição de embargos constitui formalmente uma petição, mas, materialmente, traduz a invocação de defesa ou de contestação aos fundamentos em que assenta a pretensão executiva do exequente (cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-03-2020, Pº 289/19.18SRE-A.C1, rel. JORGE ARCANJO: “A petição dos embargos de executado tem formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação”).
Ora, a violação do princípio da concentração da defesa não resulta da ausência de apuramento pelo Tribunal recorrido sobre a subjetiva superveniência no conhecimento dos factos alegados pela embargante e que baseiam a dedução do seu articulado superveniente, mas sim, da ausência de concentração, nos embargos, dos novos factos pretendidos introduzir no processo e relativamente aos quais a causa de pedir que os fundamentam, face aos deduzidos nos embargos, se mostram incompatíveis.
A questão não se quadra, pois, tanto na demonstração da data em que a embargante teve conhecimento dos factos que vem invocar no articulado superveniente, mas sim, em saber se tal invocação poderia ser efetuada, nos termos em que o foi, em sede de articulado superveniente, com invocação da aludida superveniência subjetiva?
A resposta é claramente negativa, confluindo, como foi decidido pelo Tribunal recorrido, no indeferimento do articulado superveniente apresentado.
É que, conforme se referiu na decisão recorrida, os alegados factos supervenientes trazidos aos autos pela executada sustentam, como a própria expressamente admite, defesa por exceção – no caso, exceção do não cumprimento –, a qual, para além de legalmente inadmissível (por violação do princípio concentração da defesa), se afigura manifestamente contraditória com a posição assumida na petição de embargos, a saber: da inexistência de qualquer relação causal/fundamental e/ou subjacente à emissão da letra dada à execução entre executada e exequente.
De facto, não tem alguma base de sustentação, a invocação – apenas efetuada em sede do presente recurso – de que a contradição entre a pretensão deduzida nos embargos (assentando na inexistência de relação contratual justificativa da emissão do título de crédito dado à execução) e a invocação efetuada em sede de articulado superveniente (baseando uma invocada exceção de não cumprimento do contrato que se referiu ser inexistente) é “meramente aparente desde que se entenda a alegação dos novos factos como uma linha de defesa subsidiária, como de facto é…”.
Ora, em nenhum momento, na petição de embargos foi deduzida qualquer pretensão subsidiária, não sendo admissível que os novos factos constantes do articulado superveniente, visem introduzir nos autos uma tal linha de defesa, em franca contradição com a pretensão deduzida na petição de embargos e com a causa de pedir que a sustentou.
Ou seja: O objeto da causa, considerando o pedido e a causa de pedir formulados pela embargante, mesmo entendido à luz da contestação da embargada, não consente a convolação da pretensão deduzida na petição de embargos (invocando-se na mesma a inexistência de qualquer relação causal que justificasse a emissão da letrada dada à execução), para aquela que é gizada e a que subjaz o articulado superveniente deduzido (visando a introdução de factos assinalando o não cumprimento da obrigação da embargada, em razão do cumprimento do contrato que se negou existir!), por tal implicar a convolação – e, mesmo, como se viu, a contradição - para relação jurídica diversa da primeira e controvertida (cfr. artigo 265.º, n.º 3, do CPC).
De facto, o articulado superveniente, não serve o propósito de introdução em juízo de factos (supervenientes) que integrem uma nova causa de pedir.
Como refere, ainda com atualidade, Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, p. 242): "Verdadeiramente os articulados supervenientes destinam-se a dar efectivação, embora só em certa medida, ao princípio do artº 663º nº1 [correspondente ao atual n.º 1 do artigo 611.º], segundo o qual a decisão da causa deverá corresponder ao estado das coisas existentes no momento do julgamento, e que está assim explicitamente subordinado, quanto à matéria de facto respectiva à regra geral do princípio dispositivo de parte (…). Em relação ao Autor haverá que ter em conta, como se disse, a limitação estabelecida naquele art.º 663º nº1: só são admissíveis os novos factos que não envolvam alteração da causa de pedir que, para este efeito, deverá entender-se não segundo a noção geral de causa de pedir - acontecimento ou facto concreto - mas em sentido abstracto”.
Nesta medida, ao invés do pretendido pela embargante, a indagação sobre a superveniência do conhecimento pela embargante dos factos que invocou, configuraria a prática de um ato inútil e, nessa medida, vedado praticar (cfr. artigo 130.º do CPC), razão pela qual, bem andou o Tribunal ao indeferir, sem outras indagações, o articulado superveniente deduzido.
Invocou ainda a embargante que, previamente à prolação da decisão de não admissão do articulado superveniente, o Tribunal recorrido deveria ter previamente notificado a embargante para justificar a compatibilidade de alegações.
Vejamos:
A gestão do processo é a atuação do julgador destinada a conseguir, em tempo razoável, a justa composição do litígio.
Esta actuação tem o círculo de sub-deveres insertos no artigo 6.º do CPC:
- Direção ativa do processo;
- Providenciar pelo andamento célere dos autos;
- Suprimento da falta de pressupostos sanáveis;
- Promoção oficiosa das diligências necessárias ao normal prosseguimento da causa;
- Adotar, após audição das partes, mecanismos de simplificação e agilização processual.
“O dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”: uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis no caso concreto” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; “Apontamentos sobre o princípio da gestão do processual no novo Código de Processo Civil”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 43, 2013).
O artigo 6.º do CPC, embora integrado no Título do CPC atinente aos princípios fundamentais do processo civil é configurado como um “dever” do juiz, o que inculca uma especial responsabilidade de actuação deste na procura da boa gestão processual.
A gestão processual consiste na direcção ativa e dinâmica do processo, tendo em vista a rápida e justa resolução do litígio e a melhor organização do trabalho do tribunal (assim, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro; Primeiras Notas ao CPC, Vol. I, 2013, p. 30).
Estas duas perspetivas são fundamentais e acompanham qualquer reflexão sobre a gestão processual: A justa composição do litígio do caso concreto (visão micro) e a melhor organização do trabalho do tribunal (visão macro).
Sem prejuízo do «ónus de impulso» processual das partes – dispositivo – o juiz deve:
a) Dirigir ativamente o processo (trata-se de uma expressão inovadora face ao 265.º, n.º 1, do CPC revogado);
b) Providenciar pelo seu andamento célere;
c) Promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação;
d) Recusar o que for impertinente ou meramente dilatório;
e) Adotar, ouvidas as partes, mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam, em prazo razoável, a justa composição do litígio (trata-se de uma expressão inovadora face ao 265.º, n.º 1, do CPC revogado);
f) Providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis, com duas condutas:
- Determinando os atos necessários para a regularização da instância; ou,
- Quando a sanação dependa de ato das partes, convidando estas a praticá-lo.
Assim, por exemplo, “cumpre ao juiz – no âmbito do seu dever de gestão processual – providenciar ex-officio pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a prática dos atos necessários à regularização da instância, ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-los (artº 6º, n.º 2, ex vi da al. a) do n.º 2 do artº 590º); isto (sem que tal acarrete necessariamente a inutilidade de todo o processado anterior), em ordem à remoção de todos os obstáculos ao proferimento de uma decisão de mérito” (assim, Francisco Ferreira de Almeida; Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, 2015, p. 177).
A gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade de tramitação do procedimento.
A adequação pode comportar a substituição da tramitação legal (v.g. tramitação autónoma e prévia de uma questão incidental, para que a decisão dessa questão não torne inúteis todos os demais actos praticados na acção) ou a adaptação ou modificação da tramitação legal (testemunha ouvida antes de outras, julgamento sem aguardar a prova pericial, autorização de cumulação de pedidos).
Nas acções de valor não superior a metade da alçada da relação – cfr. art. 597º do CPC - a adequação traduz-se na escolha de uma ou várias alternativas de entre as opções concedidas ao juiz: Pode haver audiência prévia, despacho a programar a audiência final, designar dia para julgamento mediante prévio acordo de datas com os mandatários.
A adequação formal exige a prévia audição das partes e, se esta não tiver lugar ocorre uma nulidade processual (cfr. art. 195.º, n.º 1, do CPC).
Os limites da adequação determinam o respeito pelos princípios da igualdade e contraditório, o não afastamento de regras imperativas, a garantia de que a tramitação deve continuar a observar um processo equitativo, deve haver um standard mínimo de tramitação respeitado em qualquer processo, a adequação não pode contender com a aquisição processual de factos, nem com a admissibilidade de meios probatórios (cfr. artigo 630.º, n.º 2, do CPC).
Em síntese: “A gestão processual visa diminuir os custos, o tempo e a complexidade do procedimento, e pressupõe um juiz empenhado na resolução célere e justa da causa.
A gestão processual comporta:
- um aspeto substancial, que se expressa no dever de condução do processo que recai sobre o juiz, dever que é justificado pela necessidade de este providenciar pelo andamento célere do processo, devendo, para a obtenção desse fim, promover as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (art. 6.º, n.º 1, do C.P.C.); pode, neste caso, pode falar-se de um poder de “direção do processo” e de um poder de “correção do processo”;
- um aspeto instrumental ou adequação formal, no âmbito do qual o dever de gestão processual procura ajudar a solucionar a “equação processual”, ou seja, uma decisão justa do processo com os menores custos, a maior celeridade e a menor complexidade que forem possíveis do caso concreto (art. 547.º, do C.P.C.)” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-07-2018, Pº 4508/10.1TBOER-B.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE).
Conforme evidencia Miguel Dinis Pestana Serra (“O dever de Gestão Processual no Código de Processo Civil de 2013”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto, Porto, v.5, n.5 (2014), pp. 101-103, disponível no endereço: http://revistas.ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/4980/3294): “Ao Juiz é atribuído o dever/poder de direção, agilização, adequação e gestão processual, sempre respeitando os princípios estruturantes do processo civil, como já se referiu. Partindo destas ideias basilares diremos que o Dever de Gestão é concretizado, por exemplo:
- No que diz respeito à forma do processo, o Juiz tem o dever de corrigir oficiosamente o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte (artigo 193º n.º 3 cpc). Cabe ao autor indicar a forma de processo, na petição inicial (artigo 552º n.º 1 al c) do cpc), mas se este não escolher a forma adequada, o Juiz irá corrigi-la, não se anulando os atos processuais anteriormente praticados que puderem ser aproveitados (artigo 193º n.º 1 do cpc).
- Ainda dentro do âmbito dos poderes de adequação formal (…): O Juiz tem o dever de adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa. O Juiz poderá dispensar a prática de atos processuais que se revelam desnecessários. Pode também substituir atos processuais por outros, que se revelam mais adequados às especificidades da causa ou inclusive adicionar atos não previstos. Por outro lado, o Juiz tem também o dever de adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam acreditar (artigo 547º cpc). A este propósito Lebre de Freitas bem refere que "a adequação formal não tem só lugar quando a tramitação legal não se adeque (em absoluto) ao caso concreto; deve ter também lugar quando, embora adequada, outra haja que melhor se adeque"8.
- O Dever de Gestão é concretizado ainda, em diversos preceitos do Código de Processo Civil. Releva o artigo 590º do cpc (Gestão Inicial do Processo), no âmbito da intervenção do Juiz na fase anterior à audiência prévia, devendo providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias, pelo aperfeiçoamento dos articulados e inclusive determinar a junção de documentos para conhecimento de exceções ou do seu mérito (…).
- O Juiz também pode retificar lapsos de escrita ou de cálculo (artigo 146º n.º 1 do cpc) podendo, embora com limitações, com base num requerimento da parte, admitir o suprimento ou correção de vícios ou omissões formais de atos praticados (artigo 146 º n.º 2 do cpc). Igualmente o Juiz poderá nos termos do artigo 267º do cpc ordenar a apensação de ações.”.
Será que o Tribunal deveria ter proferido prévio (ao indeferimento) despacho notificando a embargante para justificar a compatibilidade de alegações? Que é o mesmo que questionar: Existia o dever de gestão processual de o juiz assim proceder?
Ora, ao invés do pugnado pela recorrente, não se afigura que a situação em apreço determinasse a atuação de qualquer dos subdeveres consignados na lei a respeito do dever de gestão processual que implicassem uma composição do litígio diversa e mais justa.
É que, ao invés do invocado pela recorrente não resulta dos autos que devesse o juiz realizar a diligência pretendida pela recorrente, no sentido de que a mesma se evidenciasse determinante para a tomada de decisão sobre a questão suscitada pela reclamante, tanto mais que, o n.º 4 do artigo 588.º do CPC, prescreve uma alternativa ao julgador: Rejeitar o articulado superveniente; Ordenando a notificação da parte contrária para responder.
A atuação do juiz dirigindo ativamente o processo, providenciando pela sua célere tramitação, promovendo as diligências necessárias ao normal prosseguimento da causa, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual, bem como, determinando o suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis, não determina que o juiz deva atuar de forma a suprir a inércia ou a não atuação das partes, quando esta é exigível, como sucede no caso de lhes ser imposto que deduzam as pretensões de que se arrogam titulares e de requerer os meios de prova atinentes à demonstração das mesmas.
Na realidade, conforme se afirmou com clareza no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-11-2020 (Pº 26/12.1TBAFE-C.G1, rel. JORGE TEIXEIRA): “O princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado. Assim, a amplitude de poderes/deveres decorrentes do principio do inquisitório não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir. Por consequência, neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia, uma vez que o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste”.
Da conjugação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 547.º e 590.º do CPC resulta que “a desejada intervenção do Tribunal, ao nível da própria matéria de facto, não deve esquecer que a natureza dessa intervenção é essencialmente subsidiária, não no sentido de que exista neste plano uma concorrência de atribuições, mas no sentido de que com ela se pretende superar supletivamente as evidentes deficiências em que as partes incorreram visto que, no processo civil, as partes continuam a dispor do soberano poder de instaurar ou de não instaurar o pleito, de alegar os factos essenciais e de fixar a causa de pedir (artigo 5.º/1) (…) e finalmente de pôr termo ao litígio, em regra livremente, por desistência confissão ou transação (…).
A cooperação do Tribunal, exercida no âmbito de um princípio de subsidiariedade que não está expresso na lei processual mas flui da sua intrínseca filosofia e da natureza das coisas, traduz-se num esforço acrescido sobre os serviços judiciais e sobre entidades estranhas ao Tribunal que com ele devem colaborar e que obviamente tem consequências no tempo de duração do processo; o juiz, cada vez mais interveniente e, por conseguinte, mais afastado da função exclusiva de valoração dos factos e aplicação do Direito, assume um risco acrescido visto que não se pode deixar de reconhecer que a intervenção do Tribunal implica sempre uma margem de erro.
A intervenção do Tribunal no âmbito da definição da matéria de facto relevante e subsequente apreciação dos factos obriga ainda o juiz a um acentuado cuidado na preservação da sua imparcialidade; impõe-se-lhe assegurar, a par da sua intervenção no mundo complexo dos factos que lhe permite diligenciar pela obtenção de meios de prova, a conveniente e necessária equidistância entre as partes litigantes.” (assim, Salazar Casanova; “A Janela de Oportunidade do Novo Código de Processo Civil”, in Julgar, n.º 23, 2014, Coimbra Editora, p. 14).
Apreciando as diversas situações passíveis de contenderem com a atuação de poderes do Tribunal e, em particular, quanto à situação em que uma parte requeira ao Tribunal a realização de uma diligência probatória que tempestivamente omitiu, refere Nuno Lemos Jorge (“Os poderes instrutórios do juiz: Alguns problemas”, in Julgar, n.º 3, 2007, Coimbra Editora, p. 70) o seguinte: “(…) A exposição anterior permite, desde já, tomar posição sobre o caso em que uma parte pretende que seja realizada uma diligência instrutória, sem que ela própria tenha providenciado pela satisfação do seu ónus probatório. Imagine-se que, não tendo apresentado rol de testemunhas, o autor, pretende, na audiência, que seja ouvida certa pessoa, alegando que ela conhece factos relevantes para a causa. Por regra, um tal circunstancialismo conduzirá à conclusão de que a parte pretende apenas colmatar a falta de cumprimento de um ónus probatório no momento processualmente adequado, não devendo o juiz atender tal pretensão, sob pena de desvirtuar o sistema legalmente previsto de preclusões processuais. (…) a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz deve resultar do normal desenvolvimento da lide. Se foi a própria parte a negligenciar os seus deveres de proposição da prova, não seria razoável impor ao tribunal o suprimento dessa falta (…).”.
No caso, não nos deparamos com uma situação que determinasse qualquer notificação da embargante no sentido do esclarecimento pretendido: Não se alcança necessidade de suprimento de “irregularidades dos articulados”, nem situação que demandasse o suprimento de alguma exceção dilatória, o aperfeiçoamento de articulado ou a junção de documento essencial ao conhecimento de uma exceção dilatória ou do mérito, nem que ocorressem situações de “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada” (cfr. artigo 590.º, n.ºs. 2 a 4, do CPC), mas sim, de um ónus processual – da parte carrear para o processo os factos essenciais supervenientes fundadores do articulado superveniente, de forma congruente ou compatível com a causa de pedir inicialmente formulada - prévio à apreciação pretendida obter do Tribunal sobre a questão, relativamente ao qual a lei não prevê que, no caso de não ser observado, possa ser ultrapassado de forma ou em fase ulterior.
Não colhem, pois, as conclusões da embargante no sentido da revogação da decisão prolatada, sendo de manter, ainda que nos termos expostos, a decisão de indeferimento do articulado superveniente apresentado.
Em face do exposto, conclui-se que não ocorreu, na decisão recorrida, violação do disposto no artigo 588.º, n.ºs 1, 2 e 3, al. c) e 6, do CPC.
*
H) Se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada, em violação das regras relativas ao valor de prova plena decorrente da confissão – artigos 46.º, 465.º, n.º 2 e 607.º, n.º 5, do CPC - por o Tribunal recorrido ter incluído nos factos não provados, matéria de facto expressamente confessada?
Concluiu, ainda, a recorrente, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Quanto ao erro de julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, por violação das regras relativas ao valor de prova plena decorrente da confissão.
63. Decorre do princípio que se extrai dos artigos 574.º e 587.º, n.º 1 do CPC, como revelado pela parte final da al. c) do artigo 572.º do CPC, a contrario, que se consideram provados os factos em que haja acordo das partes ou que não tenham sido impugnados.
64. Por sua vez, resulta dos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, que se verifica prova por acordo se os factos alegados na contestação pela Embargada forem confessados pela Embargante, desde que não estejam em causa direitos indisponíveis (artigo 268.º, n.º 1, do CPC).
65. A Embargante apresentou requerimento em 10.05.2021, cujo teor aqui se dá como reproduzido, onde declarou que:
a) “aceita a matéria de facto julgada como provada no processo n.º …/…, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de Sintra – J4, intentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. (de que é Gerente o ora Exequente), na qualidade de Autora, contra os aí Réus a Espaço Curvo, SA (aqui Embargante) e Carlos Marques, que consta da certidão judicial junta ao Apenso B;
b) aceita, para não mais retirar (cfr. artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC), a matéria de facto vertida nos artigos 4.º a 8.º da contestação aos Embargos;
c) aceita (face àquele que se veio a ser o resultado do exame pericial à letra e assinatura constantes da letra dada à execução realizado no processo crime n.º …/…, junta ao Apenso B) que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-Administrador JP e ainda (com base naquela perícia e enquanto facto instrumental que resultou da instrução da causa) que a letra que procedeu ao preenchimento integral da letra de câmbio dada à execução pertence ao ora Exequente/Embargado JM;
d) aceita, com referência ao alegado no artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 (de que a Embargada apenas juntou aos autos a primeira folha) e os IRC destes mesmos anos.”
66. Face ao disposto nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, expressamente invocados pela Recorrente, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado como plenamente provada, por confissão/acordo, conforme lhe foi expressamente requerido pela Embargante, a matéria de facto alegada pela Embargada nos artigos 4.º a 8.º da Contestação aos Embargos, e, parcialmente, com base na alegação constante do artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 e os IRC destes mesmos anos.
(…)
69. Importando, por outro lado, erro no julgamento da matéria de facto provada e não provada com referência àqueles artigos da contestação aos Embargos, uma vez que o Tribunal “a quo” veio a incluir a matéria de facto expressamente confessada pela Embargante em sede de matéria de facto não provada, ao invés de a inserir nos factos provados, em obediência ao disposto nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, normas que se acham consequentemente violadas, considerando que a acção em causa não versa sobre factos indisponíveis, mostrando-se ainda violado o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, uma vez que os factos confessados se devem considerar como plenamente provados.
70. Pelo exposto, deve o Tribunal “ad quem” considerar como plenamente provada, através de confissão/acordo, a matéria de facto alegada pela Embargada nos artigos 4.º a 8.º da Contestação aos Embargos e, com base na alegação constante do artigo 14.º da contestação aos Embargos, nessa parte aceite pela Embargante, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 e os IRC destes mesmos anos (…)”.
Vejamos:
Desde logo, importa sublinhar que, ao invés do alegado pela recorrente, conforme resulta do mero confronto do alegado nos artigos 4.º e 5.º da contestação de embargos, com o vertido no facto provado n.º 3, se conclui que aquela alegação ali foi integralmente considerada.
O mesmo se diga, a respeito do facto provado n.º 4, o qual tem por génese, na sua integralidade, o alegado no artigo 7.º da contestação aos embargos.
E o Tribunal recorrido, em sede de motivação de facto da decisão, não deixou de expressar que, “[a] realidade dos factos descritos sob os pontos 3 e 4 resulta da análise da certidão permanente relativa à sociedade exequente, bem como da confissão, por falta de impugnação, quanto aos restantes factos, os quais foram, aliás, descritos pela maioria das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento e reconhecidos pelos respetivos intervenientes/protagonistas”.
Relativamente ao alegado no artigo 6.º da contestação aos embargos, a matéria em questão é conclusiva e, nessa medida, não poderá integrar um acervo factual.
Restam, face à alegação da recorrente, os factos vertidos nos artigos 8.º e 14.º da contestação aos embargos.
De acordo com a embargante o Tribunal deveria ter dado tal matéria por provada, atenta a confissão que mencionou, o que, na sua perspetiva, não sucedeu.
Vejamos o que foi alegado nos aludidos artigos pela contestante dos embargos:
- Artigo 8.º - “Ficou então acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da Executada, como veio a suceder”;
- Artigo 14.º - “Assim, como se pode verificar pelos documentos n.º 2 a 9 que ora se juntam, foi a Exequente, através do seu legal representante (NIF …), quem apresentou as respectivas Declarações de IES e IRC referentes aos anos de 2010, 2011 e 2012,”.
Sobre tais artigos, a embargante tomou posição no requerimento apresentado nos autos em 10-05-2021, no qual, entre outras menções declarou que:
“(…) b) aceita, para não mais retirar (cfr. artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC), a matéria de facto vertida nos artigos 4.º a 8.º da contestação aos Embargos;
(…) d) aceita, com referência ao alegado no artigo 14.º da contestação aos Embargos, que foi FM, NIF …, quem submeteu os IES da Embargante relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012 (de que a Embargada apenas juntou aos autos a primeira folha) e os IRC destes mesmos anos.”
Ora, não obstante esta tomada de posição, a mesma não tem o alcance confessório pretendido pela embargante, uma vez que, ao invés do que pressupõe, não têm aplicação os normativos dos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC.
Com efeito, apenas é confissão “o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária” (cfr. artigo 352.º do CC).
Como explica Rita Barbosa Cruz (em anotação ao artigo 352.º do CC, no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 826-827), “prevê-se neste artigo o conceito de confissão como meio de prova, em que uma das partes reconhece como verdadeiro o facto ou factos alegados pela parte contrária. São os seguintes os elementos constitutivos da confissão como meio de prova: (i) forma – pressupõe uma declaração formal (as atitudes e comportamentos das partes podem fornecer indícios, mas não constituem prova plena contra o confitente), expressa ou tácita/presumida nos casos especialmente previstos na lei (artigo 314.º e artigos 567.º, n.º 1, e 574.º, n.º 1, do CPC), cujo conteúdo se esgota numa afirmação de ciência (aproxima-se de um testemunho, feito pela parte, mas não é uma declaração de vontade) e unilateral (não carece de aceitação, embora esta possa ser útil porque tem o efeito de extinguir o direito de retratação das confissões expressas de factos feitas nos articulados (cfr. artigo 465.º, n.º 2, CPC); (ii) objeto – são os factos materiais e não a qualificação jurídica dos mesmos, subtraídos ao âmbito e eficácia da confissão e que implicam um julgamento de direito pelo tribunal. A confissão pressupõe o reconhecimento da verdade de facto contrário ao interesse do confitente (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária, a quem competiria prová-lo nos termos do artigo 342.º; se a parte alega facto favorável ao seu interesse, não confessa, faz uma afirmação cuja veracidade tem de demonstrar, pela razão de que ninguém pode, por simples ato seu, formar ou fabricar provas a seu favor; (iii) sujeitos – emana da parte e não de terceiro (v.g. testemunha ou perito) e, para fazer prova plena, tem como destinatário a parte contrária, sendo nesse sentido uma declaração recetícia, devendo entender-se como “parte contrária” todo o interessado a quem a confissão favorecer (…)”.
Como refere a mesma Autora (ob. cit., p. 827), “da confissão distingue-se também a mera admissão de um facto. Aquela pressupõe o conhecimento da veracidade do facto. A parte confessa um facto porque sabe ou está convencida de que ele é verdadeiro (o pressuposto pode, entretanto, ser inexacto, sem que a confissão deixe de ter esse valor). Já a admissão de um facto dispensa o conhecimento da veracidade; a parte admite-o, apesar de não saber se será verdadeiro ou não. Limita-se a aceitá-lo como provado, ou porque não lhe interessa (…) ou porque não lhe adianta contradizê-lo (…). Em qualquer caso, o efeito prático é o mesmo: atento o disposto no artigo 574.º do CPC, quer os factos admitidos por acordo (expressamente ou por falta de impugnação) quer os factos confessados deixam de ser considerados controvertidos, para passarem a constar da matéria de facto assente, libertando a parte contrária do ónus de prová-los”.
Também sobre esta distinção se aferiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-11-2010 (Pº 1902/06.6TBVRL.P1.S1, rel. ÁLVARO RODRIGUES) o seguinte:
“A confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o artº 352º do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual.
Por outro lado, não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou presumida ou pela expressão latina «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado.
A confissão feita fora dos articulados também pode adquirir força probatória plena, como modalidade de confissão judicial, designadamente quando feita espontaneamente, mas carece de ser «firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado» ( artº 356º/1 do CC).
Como ensinou o emérito e saudoso Prof. Antunes Varela, «as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração «ad litem», não valem como confissão» ( Código Civil anotado, I, 4ª edição, pg.316).
No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados.
Dito isto, convém precisar o que é a confissão feita nos articulados, ou seja, convém ter em atenção que nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g., se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se.
A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o artº 352º do Código Civil.
Alberto dos Reis, com o gosto pelo toque bom das coisas concretas, que lhe era sobejamente conhecido, dava este exemplo:«A confissão nos articulados consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo Réu, na contestação, ou em o réu reconhecer, na tréplica, factos afirmados pelo autor na réplica» (Código de Processo Civil, anotado, IV, pg. 86).
O que é essencial é que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma « contra se pronunciatio», como diziam os praxistas.
Em boa verdade, quando alguém alega no petitório que é dono de um prédio de que foi esbulhado por outrem, não está a confessar coisa alguma, está, tão somente, a dar a conhecer (alegar) ao destinatário da petição – o Tribunal ao qual se dirige em demanda da tutela – de que aquele prédio é seu e que o seu direito de propriedade foi violado. Por outras palavras, não está alegar nada que lhe seja desfavorável e que favoreça a parte contrária, está apenas a alegar factos necessários à tutela do seu direito de propriedade, independentemente do uso que a parte contrária possa fazer do facto alegado.
Se, pelo contrário, o Autor alegar um facto que seja desfavorável ao Réu e este o admitir expressa ou tacitamente, então, sim, haverá confissão do Réu sobre tal facto, por isso que o reconheceu como verdadeiro”.
No caso, perante a invocação pela embargante, em sede de petição de embargos, da inexistência de relação subjacente à emissão do título dado à execução, a contestante, na contestação aos embargos, apresentou defesa por impugnação motivada, invocando nomeadamente que o principal acionista da executada e de outras empresas do grupo, CM, conheceu o gerente da exequente, FM, aquando da sua passagem pelo estabelecimento prisional e que ficou acordado que o FM assumiria a elaboração da contabilidade de algumas dessas empresas, entre as quais se incluía a da executada, como veio a acontecer.
Foi sobre esses factos – e bem assim, sobre o alegado no artigo 14º da contestação aos embargos – que a embargante veio pronunciar-se aceitando a correspondente alegação.
Sucede que, ao invés do pugnado pela recorrente, a defesa apresentada pela recorrida na contestação não determina alguma confissão, pelo contrário. De facto, não se alcança da alegação da embargada (ao referir o acordo pelo qual FM assumiria a elaboração da contabilidade de empresas, entre as quais a executada e ao mencionar que foi a exequente, através do seu legal representante, que a apresentou [junto da Autoridade Tributária, entenda-se] as declarações de IES e IRS, de 2010, 2011 e 2012, relativas à executada) o reconhecimento de factos desfavoráveis, em termos de deles retirar algum efeito confessório, limitando-se a embargada - onde a embargante alegou inexistência de relação causal para a emissão da letra dada à execução – a invocar a existência de causa para a emissão do título que baseia a execução.
A questão não se enquadra, pois, nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC, mas, quando muito, em sede do disposto no artigo 574.º do CPC, ou seja, em sede de admissão de factos.
Contudo, neste âmbito, a embargada, ao contestar, tomou posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada nos embargos, observando o ónus de contestação, a que se reporta o n.º 1 do artigo 574.º do CPC.
Nesta medida, não tem actuação o normativo do n.º 2 do artigo 574.º do CPC.
É que, nos presentes autos de embargos, em que, como se sabe, não existem outros articulados (regra) para além da petição e da contestação aos embargos (cfr. artigo 732.º, n.º 2, do CPC) e em que não se consideram confessados, por falta de contestação do embargado, os factos que estiverem em oposição com os alegados no requerimento executivo (cfr. artigo 732.º, n.º 3, do CPC), a admissão por acordo não tem o efeito de tornar assentes os factos, assim como, claro está, também não poderá ter a invocação com arrimo nos artigos 46.º e 465.º, n.º 2, do CPC ter um tal efeito, com vista a tornar admitidos factos relativamente aos quais, como se viu, a embargada não produziu confissão alguma.
Não se alcança, pois, em face da decisão recorrida, alguma violação do disposto nos artigos 46.º, 465.º, n.º 2, nem do mencionado artigo 607.º, n.º 5, do CPC.
*
I) Se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto provada e não provada, em violação das regras relativas ao valor da prova pericial e documental, por o Tribunal recorrido ter deixado de considerar/apreciar factos instrumentais, decorrentes da instrução da causa (quanto à prova pericial, “na parte atinente à autoria da letra que preencheu a letra dada à execução, através da prova pericial acima citada de onde resulta que é “muitíssimo provável” que a letra que consta do corpo da letra dada à execução seja do actual Embargado JM (v.d. exame pericial à letra junto ao Apenso da Habilitação de Cessionário(…) através de requerimento da Embargante com a “REF.ª 31551842” datado de 14.02.2019)” e quanto à prova documental, em face das “declarações prestada pelo ora Embargado JM, acima transcritas, bem como, as declarações prestadas pelo mesmo perante JIC no processo de inquérito n.º …/… (Doc.s 4 e 5 juntos pela Recorrente em 10.05.21 (…)”), em violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c), 6.º, n.º 1 e 421.º, n.º 1, do CPC?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da violação das regras sobre o valor da prova pericial quanto a factos instrumentais decorrentes da instrução da causa (artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC).
71. Encontra-se junta ao Incidente de Habilitação de Cessionário exame pericial elaborado em 27.07.2016 (data muito posterior à presente execução e Embargos) pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária à letra e assinatura aposta na letra dada à execução, do qual resulta como “muitíssimo provável” que a assinatura aposta na letra dada à execução pertence a JP, o que veio a determinar que a Embargante aceitasse a veracidade de tal facto (pese embora a declaração com reconhecimento notarial emitida pelo mesmo onde este negara anteriormente ter assinado tal letra), tal como o Tribunal “a quo” deu como provado, e que a letra que preencheu essa mesma letra de câmbio pertence ao actual Embargado JM.
72. Como resulta da jurisprudência não estando o Tribunal “a quo” vinculado ao valor da prova resultante da prova pericial, tem o dever de sobre a mesma se pronunciar, fundamentando a sua decisão se a mesma for no sentido de divergir da resposta dos Peritos, o que não sucedeu.
(…)
76. Consubstanciando, também erro no julgamento da matéria de facto provada e não provada, uma vez que o Tribunal “a quo” não só não se pronunciou sobre a matéria de facto em causa, em violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC, como deixou de julgar como provada aquela matéria de facto, na parte atinente à autoria da letra que preencheu a letra dada à execução, através da prova pericial acima citada de onde resulta que é “muitíssimo provável” que a letra que consta do corpo da letra dada à execução seja do actual Embargado JM (v.d. exame pericial à letra junto ao Apenso da Habilitação de Cessionário28 através de requerimento da Embargante com a “REF.ª 31551842” datado de 14.02.2019);
77. Matéria de facto cuja prova decorre também das declarações de parte do Embargado JM prestadas na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, transcrito nas alegações supra, na parte com início em 01h40m24s e termo no 01h40m40s.
78. Acresce que, o mesmo JM, declarou igualmente em sede de instrução, no processo crime em que é Arguido, que (i) foi ele que preencheu a letra quando estava em branco e sem carimbo e (ii) foi ele, JM, quem disponibilizou a letra ao seu pai e a pedido do mesmo, uma vez que a tinha por hábito usar “muito letras com os meus clientes para desconto de papel comercial” (v.d. gravação de declarações de Arguido JM efectuadas em instrução no âmbito do processo crime n.º …/…, com início da transcrição constante da alegação supra no 25m03s a 25m30s e de 21m00s a 21m52s da gravação áudio respectiva – Doc. 4 e 5 juntos com o requerimento da Embargante de 10.05.2021);
79. Declarando nos presentes autos, de forma totalmente contraditória no que concerne a quem disponibilizou a letra, sumariada na douta Sentença recorrida que “No que respeita à letra dada à execução, esclareceu que a mesma foi disponibilizada pelo CM, tendo sido a testemunha quem preencheu o corpo da letra, tendo-a entregue ao seu pai. Preencheu a letra sem que se mostrasse apostos a assinatura e o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”, os quais terão sido apostos pelo administrador JP (embora não o tenha presenciado).”
80. Pelo exposto, salvo o devido respeito, deverá o Tribunal “ad quem” decidir que:
a) a douta decisão recorrida incorreu em nulidade decorrente da omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, do CPC sobre o requerimento formulado pelo Embargante em 10.05.21 (para que o Tribunal emitisse pronúncia sobre os factos instrumentais que resultam da instrução da causa e são relevantes à boa decisão da mesma, expressamente enunciados nesse requerimento), devendo, para esse efeito, ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal recorrido proceda à respectiva sanação;
b) a douta decisão recorrida, ao deixar de considerar/apreciar tais factos de forma oficiosa, por resultarem da instrução da causa, incorreu na violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC; e, se assim não se entender;
c) a douta decisão recorrida, ao deixar de dar como provado o resultado do exame pericial efectuado à letra constante da letra dada à execução, que demonstra que a mesma pertence ao actual Embargado JM, violou o disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC e ainda o artigo 421.º, n.º 1, do CPC, deixando de efectuar uma correcta valoração dos meios de prova produzidos sobre esse facto e que consubstanciam, além do exame pericial junto aos autos, as declarações prestada pelo ora Embargado JM, acima transcritas, bem como, as declarações prestadas pelo mesmo perante JIC no processo de inquérito n.º 4702/15.9T9SNT (Doc.s 4 e 5 juntos pela Recorrente em 10.05.21 que aqui se dão como reproduzidas).
81. Pelo exposto, deve o Tribunal “ad quem” declarar a nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia ou, se assim não se entender, considerar, nos termos dos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC como provado o seguinte facto instrumental que claramente resultou da instrução da causa:
- A letra constante da letra dada à execução pertence ao actual Embargado JM (…)”.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas – ónus de alegação das partes.
Em termos de poderes cognitivos do Tribunal, estatuem os n.ºs. 2 e 3 do mesmo artigo 5.º, o seguinte:
“2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”.
Assim: “Ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., na sentença podem ter assento factos não alegados que, embora ainda essenciais, não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos alegados, desde que resultem da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, mesmo que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar.
Só está, pois, afastada a intervenção oficiosa do tribunal, neste âmbito, quanto aos factos essenciais nucleares/principais – os que constituem a causa de pedir ou que fundam as exceções deduzidas –, continuando aí a manter-se integralmente o princípio do dispositivo.
Já quanto aos demais – factos instrumentais (os substantivamente indiferentes), factos essenciais complementares (os que têm papel completador dos nucleares) ou concretizadores (com função de pormenorizar ou decompor os nucleares) dos alegados –, podendo, mesmo sem alegação, ser atendidos na sentença, ocorre restrição ao princípio do dispositivo, no escopo da obtenção de soluções de justiça material” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-01-2019, Pº 7839/15.0T8LSB.C1, rel. VÍTOR AMARAL).
No que concerne aos factos instrumentais puramente probatórios, os mesmos “não têm que ser (nem devem ser) objecto de articulação específica pelas partes, sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção quanto fixa os factos provados e não provados (Artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil)” (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-05-2018, Pº 322/15.6T8VPA.G1, rel. JOSÉ FLORES).
E, ainda, de outro modo: “os factos instrumentais, por definição, não carecem de alegação, sendo oficiosamente considerados na decisão de facto, nos termos dos artigos 5º, nº. 2, alín. a) e 574º, nº. 2, 2ª parte, ambos do Cód. de Processo Civil, desde que resultem da instrução da causa. Diversamente dos factos principais, não constituem ou traduzem condicionantes directas da decisão, sendo antes a sua função ou desiderato a de permitir alcançar ou almejar a prova dos factos principais” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03-05-2018, Pº 84/07.0TVLSB.L1-2, rel. ARLINDO CRUA).
De acordo com o despacho saneador proferido nos presentes autos, foram enunciados como temas da prova, o apuramento do seguinte, se:
“- é do punho de JP, antigo administrador da embargante, a assinatura aposta na face anterior da letra dada à execução, no local destinado ao aceite;
- o carimbo da embargante, aposto na face anterior da letra, no local destinado ao aceite, foi utilizado sem a autorização e conhecimento da embargante;
- a letra foi emitida para pagamento da fatura da exequente com o n.º 48, de 25.09.2014;
- subjacente à emissão desta fatura n.º 48 esteve a prestação de serviços de contabilidade prestados pela exequente à embargante.”.
Na sequência do julgamento efetuado, o Tribunal recorrido fixou, como provados, os seguintes factos:
- 1. A exequente é portadora da letra nº …, no valor de €44.280,00, emitida em 25/09/2014 e com data de vencimento a 25/10/2014, na qual figuram as assinaturas da exequente no local próprio para o saque e da executada no local próprio para o aceite;
- 2. O carimbo respeitante à sociedade executada foi aposto na letra por CM, sendo que a assinatura foi sobre o mesmo aposta pelo punho do administrador, à data, da sociedade executada, JP;
- 3. A sociedade comercial “PACTUSMAR – CONTABILIDADE E FISCALIDADE, LDA.” dedica-se à atividade de Prestação de Serviços de Contabilidade e fiscalidade, tendo como sócio maioritário e gerente FM, com o contribuinte fiscal nº …; e
- 4. O principal acionista da executada e de outras empresas do mesmo grupo, CM, conheceu o gerente da Exequente, FM, no estabelecimento prisional, onde ambos se encontravam presos no âmbito de um processo crime.
Na motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, o Tribunal de 1.ª instância expressou-se, a respeito da convicção de facto, relativamente aos pontos 1 e 2, resultante do julgamento efetuado, nomeadamente, nos seguintes termos:
“O Tribunal baseou a sua convicção quanto aos factos dados como provados sob os pontos 1 e 2, na análise da letra dada à execução, na confissão da executada (no que respeita à genuinidade da assinatura aposta no título e cuja autoria vinha imputada ao respetivo administrador, à data, JP). Atendeu, ainda, o Tribunal ao depoimento da testemunha JP, nos termos em que infra se consignarão (…).
A testemunha JP (ex-administrador da sociedade “Espaço Curvo”), afirmou que conheceu CM em 2011 quando um amigo comum lhe pediu para o ajudar porque aquele não podia ter nada em seu nome. Aceitou, então, ser “gerente no papel” pois “ele [referindo-se a CM] é que decidia tudo”. “Era administrador só para assinar”. “Não decidia nada.” Nunca assinou qualquer documento sem prévia e expressa autorização de CM.
Em contrapartida, CM pagava-lhe um ordenado e “arranjava-lhe” carro e casa, onde chegou a viver cerca de 1 ano.
No que respeita à letra dada à execução, a testemunha esclareceu que foi chamado pelo CM, o qual lhe deu a letra para assinar, tendo, aquele, aposto o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”. Foi, depois, entregar a letra ao escritório de FM, onde levantou/lhe foram entregues os documentos relativos à sociedade “Espaço Curvo” (…).
Estes foram, resumidamente, os depoimentos e declarações prestados em sede de audiência de discussão e julgamento.
Da análise conjugada dos mesmos constata-se que exequente e executada apresentam versões manifestamente contrárias no que respeita à questão essencial a conhecer e decidir nestes autos: a de saber se inexistiu relação subjacente (entre as partes) à emissão e preenchimento da letra dada à execução.
Resulta, ainda, dos autos, nomeadamente dos elementos juntos pelas partes, que existe um elevado grau de litigiosidade entre as mesmas, especialmente nas pessoas dos seus representantes, extensível aos respetivos filhos, o que tem dado lugar a outros processos judiciais, quer de natureza civil quer de natureza criminal (nomeadamente contra a testemunha JP).
Esta circunstância afeta, irremediavelmente, a objetividade e credibilidade dos depoimentos/declarações prestados, para mais quando, da parte da executada/opoente foram ouvidos CM (em declarações de parte), CM (filho daquele) e TR (unida de facto com o primeiro) – todos com interesse direto no desfecho da causa. Da parte da exequente foram ouvidos JM (em declarações de parte, por força da cessão de créditos ocorrida na pendência da execução) e FM (que, apesar de ser o legal representante da sociedade originariamente exequente, prestou depoimento como testemunha por força da referida cessão de créditos), os quais também revelaram ter interesse direto no desfecho da causa e que, na prática, depuseram como se ambos fossem parte no processo.
Nesta medida, os depoimentos e declarações referidos não mereceram qualquer credibilidade por parte do tribunal, razão pela qual se deram como não provados os factos que sustentam a versão trazida aos autos pela exequente em sede de impugnação motivada à invocada, pela executada, inexistência de qualquer relação subjacente à emissão da letra dada à execução, porquanto não sustentados em qualquer outro meio de prova, maxime documental, que pudesse complementar tais depoimentos/declarações, com exceção da letra dada à execução e da fatura junta como documento 10 com a contestação, documento, este, que se mostra impugnado.
As únicas testemunhas ouvidas que, em tese, não têm interesse no desfecho da causa, foram JS (indicada por ambas as partes) – que, quanto aos factos controvertidos, pouco ou nada soube esclarecer – e JP (indicada pela exequente), cujo depoimento infra se analisará.
Importa, todavia, ter presente que estamos perante uma oposição a execução fundada em título de crédito, tendo a exequente optado por dar à execução uma letra de câmbio, fazendo-se valer das caraterísticas da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, estando, por isso, desonerada da alegação da obrigação causal/subjacente, pelo que a versão por si apresentada, embora não provada, mais não configura do que impugnação motivada à tese defendida pela executada/opoente (da inexistência de relação subjacente à letra dada à execução), sobre a qual recai o ónus de alegação e prova da invocada inexistência da relação causal.
Porque a obrigação cambiária é uma obrigação literal e abstrata, que decorre do título que a incorpora, o credor que exige o respetivo pagamento não carece de invocar no requerimento executivo a sua causa (a relação subjacente ou fundamental) – que se presume –, podendo limitar-se a apresentar o título que incorpora a obrigação, como fez a aqui exequente, correspondendo esta obrigação cambiária à causa de pedir da ação executiva onde se exige o seu cumprimento – ver, neste sentido, Ac. RE, de 28.06.2017, relatado por Isabel Peixoto Imaginário; Ac. RE, de 25.01.2018, relatado por Elisabete Valente; Ac. RL, de 22.10.2019, relatado por Ana Maria Silva; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E assim sendo, cabe à executada o ónus de alegar e provar que tal relação inexiste, já que foi esta a forma como configurou a sua defesa. Ou seja, é a executada que tem de alegar e provar a inexistência da relação subjacente à relação cambiária (cf. Lebre de Freitas; acs. do TRP de 21/10/1996, CJ.V, pág. 183, e de 13/03/2003, CJ.II., pág. 179, Ac. do TRP de 03/03/2016 – 175/14.1T8LOU-A.P1, que decidiram ser ónus do executado a prova da inexistência da relação fundamental; ver, ainda, no mesmo sentido, o recente Ac. STJ, de 14.09.2021, relatado por Ferreira Lopes, in www.dgsi.pt).
Vejamos, então, como é que a executada configurou a sua defesa.
A executada começa por alegar perentoriamente na petição inicial da presente oposição que “a transação, fornecimento, prestação de serviços ou seja o que for que deu origem a uma alegada factura nº48, de 25/9/2014, emitida pela Exequente (…) é UMA FICÇÃO, ardilosamente criada pelos responsáveis da Pactusmar Lda.”, uma vez que “entre a Executada e a Exequente NUNCA existiu qualquer relação comercial, funcional ou de colaboração, e muito menos algo que pudesse justificar a emissão de uma factura e o aceite de uma letra para pagamento.”
Porém, em articulado superveniente – que, pelos fundamentos supra expostos, não foi admitido – veio alegar um conjunto de factos para sustentar a exceção do não cumprimento.
Ainda que se interprete o requerimento em causa no quadro de uma defesa subsidiária, não podemos deixar de constatar alguma atipicidade da conduta processual da executada. E que não fica por aqui.
A executada alega, ainda, na petição inicial da oposição que “a letra tal como a factura são documentos simulados, inventadas pelo Sr. FM e a que a Pactumar, a quem tem ligações, deu corpo.
Aliás, o próprio JP, que surge com o seu nome inscrito como administrador da Executada, numa tentativa de simulação da existência de um aceite, nega em documento lavrado em cartório notarial essa assinatura, afirmando-a como falsificada e sendo falsa a própria letra (Doc.1).
De facto, o tal de FM, aproveitando-se do facto de, ao tempo ter acesso às instalações da Executada por ser responsável pela contabilidade de algumas empresas do grupo onde a Espaço Curvo SA se insere, forjou a letra e utilizou os carimbos da Executada, tendo preenchido a letra e apondo-lhe uma assinatura falsificada do Administrador ao tempo.
Trata-se pois de uma transação fictícia, de uma factura inventada e de uma letra e de uma assinatura FALSAS.” (sublinhado nosso)
Porém, por requerimento de 10.05.2021, veio admitir expressamente que aceita como verdadeiro o facto de que “a assinatura aposta na letra dada à execução pertence ao seu ex-administrador JP” – fazendo cair a tese de que a assinatura aposta na letra dada à execução e que vinha imputada ao administrador (à data) da sociedade executada havia sido falsificada –, mantendo, apenas, a versão de que o carimbo da sociedade “Espaço Curvo” foi aposto na referida letra sem a autorização e conhecimento da executada ou, mais rigorosamente, de CM (note-se que a sociedade executada era, à data, representada por JP, o qual subscreveu a letra como aceitante, na qualidade de legal representante da executada).
A este propósito cumpre salientar que a ideia de que era CM quem, de facto, mandava na sociedade “Espaço Curvo”, sendo que os respetivos administradores (de que são exemplo as testemunhas JS e JP) não passavam de “testas de ferro”, foi transversal a todos os depoimentos/declarações prestados. E, por essa razão, nenhum ato era praticado por tais administradores sem prévia e expressa autorização de CM.
Nesse contexto, como atrás se deixou dito, a testemunha JP afirmou que foi chamado por CM, o qual lhe deu a letra para assinar, tendo, o mesmo, aposto na letra o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”. Foi, depois, entregar a letra ao escritório de FM, onde levantou/lhe foram entregues os documentos relativos à sociedade “Espaço Curvo”.
Atendendo à relação que existia entre CM e os administradores da sociedade executada, de claro e assumido ascendente, não é verosímil que JP tivesse aposto a sua assinatura na letra dada à execução sem o conhecimento e prévia autorização de CM e consequentemente que este não tivesse aí aposto o carimbo da sociedade ou, pelo menos, permitido a sua aposição.
Ainda que o depoimento da testemunha JP não coincida, em todos os pormenores, com o depoimento prestado noutros processos – na qualidade de arguido (não estando, sequer, sujeito a juramento) e na qualidade de testemunha –, sendo, até, contraditório com a declaração junta como documento 1 com a petição inicial da presente oposição – em que declara que a “assinatura, como aceitante, constante da letra apresentada à execução pela Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade Lda, (…) é igualmente FALSIFICADA bem como é FALSA a própria letra que foi elaborada pelo Exequente dado que a pretensa Executada não tem e nunca teve qualquer relação comercial com a Exequente” – (desconhecendo-se, porém, em que circunstâncias tal declaração foi subscrita), certo é que a própria executada veio reconhecer nestes autos que, afinal, a assinatura inicialmente impugnada, constante da letra dada à execução, foi aí aposta pelo punho da testemunha JP, administrador, à data, da sociedade executada.
Se a aposição de tal assinatura foi do conhecimento de CM e por si autorizada, não é crível que na referida letra tenha sido abusivamente, por terceiro, aposto o carimbo da sociedade.
De todo o modo, não podemos ignorar que era o referido JP, quem, à data, na qualidade de administrador, representava e vinculava a sociedade executada.
Refira-se, por fim, que, independentemente da contradição entre as versões apresentadas pelas partes, dúvidas não se colocam quanto aos ónus da alegação e prova sobre a questão fundamental dos autos, a de saber se inexistiu relação subjacente à emissão da letra dada à execução. E esses ónus cabiam à executada.
Documentalmente, temos uma letra aceite pela executada, assinada por quem, à data, representava legalmente a sociedade executada. Temos uma fatura, impugnada é certo, coincidente, no valor e na data de emissão, com a letra dada à execução (cf. documento 10 junto com a contestação).
Não era a exequente que tinha de provar a existência de qualquer prestação de serviços de contabilidade ou de qualquer outra causa (a obrigação subjacente); era a executada que tinha o ónus de alegação e prova de que, embora tendo subscrito a letra, não tem qualquer dívida para com a exequente.
É certo que se deu como não provada a versão da exequente.
Sucede, todavia, que da não prova de um facto, que pode resultar de circunstâncias várias atinentes às vicissitudes da produção e valoração da prova, não significa que se prova o contrário, como reiteradamente se tem decidido.
Em suma, estando em causa uma execução cambiária não tinha a exequente de provar a relação subjacente, bastando-lhe apresentar o título de crédito assinado pela executada; sobre esta recaía, em sede de oposição à execução, alegar e provar a inexistência da obrigação fundamental, para se isentar da responsabilidade resultante da subscrição da letra – ver, neste sentido, Ac. STJ, de 14.09.2021, relatado por Ferreira Lopes (in www.dgsi.pt) –, prova que não fez.”.
Sobre a análise crítica efetuada pelo Tribunal acerca do depoimento do ora embargado, refere-se na decisão recorrida, nomeadamente, o seguinte:
“JM, ouvido em declarações de parte (por força da qualidade de cessionário), esclareceu que pertenceu aos quadros da sociedade “Pactusmar” desde 2008/2009, sendo que em 2010 “abriu negócio próprio de contabilidade e gestão de condomínios com a sua mulher” (a sociedade “Melhor Rigor – Contabilidade e Gestão de Condomínios”), tendo, a mulher, uma empresa de manutenção de elevadores.
Referiu que nunca prestou serviços à sociedade “Espaço Curvo”.
Mais referiu que o seu pai, FM, conheceu o atual administrador da sociedade “Espaço Curvo” quando ambos estavam presos, tendo-se criado “grande empatia entre os dois”. Nesse contexto, durante o período de prisão domiciliária que se seguiu, acordaram uma avença para prestação de serviços de contabilidade, desconhecendo se a mesma (avença) foi, ou não, reduzida a escrito, sendo que o pai nunca firmou/formalizou contratos de prestação de avenças, por uma questão de liberdade.
Afirmou que durante os anos de 2010 e 2011 o seu pai recuperou a contabilidade da sociedade “Espaço Curvo”, tendo transferido a respetiva sede para o escritório da sociedade “Pactusmar”, a qual foi, inclusive, alvo de buscas no âmbito de processo crime.
O CM terá dito à testemunha que iria pagar o valor de €750,00 por mês pelos serviços de contabilidade e domiciliação, tendo esta relação durado cerca de dois anos e meio.
Referiu que o próprio celebrou 3 contratos de arrendamento, no mesmo dia, com a “Espaço Curvo” (representada, à data, por JS) – de um restaurante em Vilamoura, de um palacete e de uma loja em Belas. Referiu, ainda, que CM chegou a contratar os serviços da “Melhor Rigor” para gerir o condomínio onde aquele residia.
No que respeita à relação entre o CM e o seu pai, FM, desconhece o que foi conversado/acordado – as conversas eram via skipe, não tendo presenciado as mesmas –, sendo certo que o pai sempre prestou os serviços de contabilidade através da sociedade “Pactusmar”. Porém, os documentos eram subscritos/assinados pelo pai, porquanto cabe ao contabilista fazê-lo.
Tem ideia de que os serviços foram prestados a todas as sociedades, mas com enfoque na “Espaço Curvo”, a qual funcionada como empresa mãe, sendo que era o CM quem mandava.
No que respeita à letra dada à execução, esclareceu que a mesma foi disponibilizada pelo CM, tendo sido a testemunha quem preencheu o corpo da letra, tendo-a entregue ao seu pai. Preencheu a letra sem que se mostrasse apostos a assinatura e o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”, os quais terão sido apostos pelo administrador JP (embora não o tenha presenciado).
Referiu que retiveram os documentos relativos à contabilidade da sociedade “Espaço Curvo” como forma de obrigar o CM a pagar os serviços de contabilidade, tendo este sugerido o pagamento através de letra de câmbio.
Foi o administrador JP quem entregou a letra assinada e carimbada e que levantou os documentos relativos à sociedade “Espaço Curvo”, embora agisse como “moço de recados”/”testa de ferro” de CM, sendo este quem, efetivamente, mandava e dava ordens”.
Ora, em face da motivação constante da decisão de facto levada a efeito pelo Tribunal recorrido, verifica-se que nela foram ponderadas e concatenadas todas as provas produzidas, não só declarações e depoimentos testemunhais, mas também, no seu confronto com os documentos e demais elementos dos autos.
Ao contrário do pugnado pela recorrente/embargante, não se alcança que tenha havido erro de julgamento, fundado na não consideração, pelo Tribunal recorrido, dos elementos reportados pela embargante: O referente ao documento constante do apenso B, junto com o requerimento de 14-02-2019 e as declarações prestadas pelo embargado no âmbito de processo de inquérito criminal, constantes de documentos juntos aos autos pela recorrente em 10-05-2021.
De facto, no que concerne às declarações prestadas por JM em audiência de discussão e julgamento, as mesmas não são, no que ao preenchimento da letra dada à execução, desconformes com as declarações prestadas em sede de inquérito criminal (cfr., designadamente, a conclusão 78.ª da alegações de recurso da recorrente), não se justificando, nessa medida, alguma especificação na decisão recorrida, para além da que já resulta da motivação expressa. A divergência assinalada pela recorrente no que concerne à disponibilização da letra não tem qualquer relevo para infirmar uma tal conclusão, acerca do preenchimento da letra de tal título.
Ou seja: Não explicando a embargante em que é que as aludidas declarações prestadas no âmbito da instrução do processo criminal podem contrastar relativamente às declarações prestadas no âmbito dos presentes autos no que ao preenchimento da letra se refere (repare-se na extratação que é feita do depoimento do embargado, na página 84 do requerimento de alegações de recurso, com reporte ao áudio do mesmo, com inicio em 01h40m24s e termo em 01h40m40s), não se afigura que exista alguma violação dos normativos invocados pela recorrente, sendo certo que, a embargante (tal como a contraparte) teve, no âmbito do referido depoimento, prestado nos presentes autos, a possibilidade de solicitar os esclarecimentos e de formular as questões que o referido depoimento lhe suscitasse, no livre exercício do direito de contraditório sobre a prova constituenda que era produzida.
Certo é que, ao invés do supõe, sem sustentação, a recorrente, não resulta dos autos que o Tribunal recorrido não tenha considerado tais elementos, inclusive as mencionadas declarações tomadas no âmbito do processo crime, na aferição factual a que procedeu, não se apurando que, da ausência de menção de uma tal alusão no âmbito da motivação da decisão de facto, derive, sem outra e concludente demonstração, a ocorrência de violação do disposto nos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c), 6.º, n.º 1 e 421.º, n.º 1, do CPC.
Deveria a embargante ter observado o ónus de impugnação, em termos tais, que evidenciasse não ter o Tribunal recorrido ponderado e tomado em linha de conta, na apreciação e valoração probatória efetuada, as declarações constantes de tal documento, o que não se mostra, minimamente, observado.
Mas, também no que se reporta ao documento junto com o requerimento de 14-02-2019, aos autos de habilitação de cessionário (apenso B), não se verifica existir alguma violação dos invocados normativos legais.
Desde logo, ao invés do pugnado pela recorrente, não se afigura que o documento em questão tenha, para efeitos dos presentes autos, a valia de prova pericial.
De facto, estamos em presença de um exame pericial que terá sido levado a efeito no âmbito do processo criminal, onde, nomeadamente, não foi parte a parte embargada.
Por outro lado, ao invés do pretendido pela recorrente, o aludido documento apenas poderá ser considerado, enquanto tal, ou seja, enquanto documento, objeto de livre apreciação pelo Tribunal, não estando sujeito às regras de valoração da prova pericial.
É que, muito embora se trate de uma prova extraprocessualmente produzida (produzida fora do presente processo, no âmbito de um processo criminal), a mesma não tem para os autos o valor de prova pericial.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-04-2021 (Pº 44/18.6T8CRD.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS) “é admissível a junção a um processo cível de uma perícia à letra e assinatura dos autores, realizada pelo Laboratório de Polícia Cientifica, no âmbito de um processo crime no qual as rés não foram intervenientes, apesar do que não terá o valor de prova pericial, mas sim de prova documental”.
É que, conforme se explica neste aresto, “não constituindo documento com força probatória plena, contendendo juridicamente a sua valoração com o valor extraprocessual da prova – isto é, prova a utilizar no âmbito de processo distinto e por isso denominada “prova emprestada” (cfr. artigo 421º do Código de Processo Civil) –, na verdade, atentando à natureza intrínseca e probatória da prova préconstituída e aos mais elementares princípios garantísticos subjacentes a esta (nomeadamente tendo sido assegurado o liminar princípio do contraditório da prova impugnação da mesma – ou seja, quanto à sua admissão e respectiva força probatória - cfr. 415º, n.º 2 do Código de Processo Civil), não poderá, naturalmente, ser atendíveis de modo absoluto, valendo antes, ao abrigo do citado normativo antes e tão-só como «princípio de prova», sujeita à livre apreciação do Julgador (…).
O nº1 do artigo 421º do CPC faz depender a eficácia extraprocessual da perícia realizada em determinado processo da circunstância de a mesma ter sido produzida com audiência contraditória da parte contra a qual pretender ver invocada tal prova, sendo que, caso o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer garantias inferiores à do segundo, a perícia só poderá valer como princípio de prova.
Dúvidas não haverá de que, não tendo qualquer dos Réus sido parte no inquérito crime, no âmbito do qual foi realizada a perícia à assinatura constante do contrato de financeiramente e respetiva livrança, imputadas aos aqui autores, tal Relatório de perícia, que os autores fizeram juntar aos presentes autos, e apenas aqui foi objeto de contraditório por parte dos réus, não pode aqui valer como “prova pericial” (…)”.
De facto, “o princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 421 nº 1, do Código de Processo Civil, permite que a prova produzida num processo possa ser utilizada contra a mesma pessoa num outro processo, para fundamentar uma nova pretensão, mas não permite importar factos provados numa acção para a outra porque a matéria de facto provada numa acção não tem valor caso julgado” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021, Pº 3935/18.0T8LRA.C1.S1, rel. MANUEL CAPELO).
Ora, tal valor extraprocessual, a que se reporta o artigo 421.º, n.º 1, do CPC supõe que a prova seja utilizada contra a mesma pessoa relativamente à qual foi produzida, com audiência contraditória, ou seja, supõe que a prova tenha sido passível de ser contraditada por a parte contra quem é ulteriormente oposta.
De facto, “são quatro os requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 421º, do Código de Processo Civil para a subsistência do valor extraprocessual das provas produzidas num primeiro processo, a saber: a)- que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidas; b)- audiência contraditória da parte contrária; c)- o regime de produção dessas provas no primeiro processo oferecer às partes garantias pelo menos iguais (não inferiores) às do segundo processo; d)- não ter sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar. Se falhar o requisito referido em c)-, os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova. Se falhar algum dos demais requisitos, não podem tais provas ser objecto de qualquer aproveitamento no segundo processo” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-06-2020, Pº 14954/17.4T8PRT-A.P1, rel. JORGE SEABRA; em semelhante sentido, do mesmo Tribunal, o Acórdão de 23-09-2021, Pº 12138/19.6T8PRT-A.P1, rel. FILIPE CAROÇO).
Importa precisar que, “[q]uanto ao primeiro pressuposto, fala-se em invocação “contra a mesma parte”, i.e., exige-se uma identidade de partes não no sentido de da sua qualidade jurídica (cf. art. 498º nº 2), mas entre os sujeitos concretos dos diferentes processos” (assim, Rui Pinto, “Valor extraprocessual da prova penal na demanda cível. Algumas linhas gerais de solução”; comunicação no Curso de Direito da Saúde. Responsabilidade Civil e Penal, CEJ, Abril 2012, p. 19, disponível na Internet no endereço: https://forumprocessual.weebly.com/uploads/2/8/8/7/2887461/valor_extraprocessual_rui_pinto.pdf).
Por outro lado, conforme se evidenciou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-02-2016 (Pº 3459/12.OTJVNF-D.G1, rel. MARIA LUÍSA RAMOS) “é à parte que dela se pretende aproveitar, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo, e, de forma especificada, relativamente, aos Temas de Prova enunciados, ou na falta destes, aos factos fundamentos da acção, com indicação precisa dos depoimentos ou parte dos depoimentos e testemunhas que os produziram, á parte, ainda, incumbindo “formalizar” a apresentação da prova extraprocessual, nomeadamente, por via da junção de cópia certificada ou gravação das declarações em causa – “ No segundo processo ( processo cível) a prova emprestada - gravação ou registo escrito – será apresentada no momento normal em que se faria ou requereria a respectiva produção” - Prof. Dr. Rui Pinto in “Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas- “Valor Extraprocessual da Prova Penal”, pg. 1194/1195, FDUL”.
No caso dos autos, não resulta demonstrado que o mesmo meio de prova tenha sido objeto de audiência contraditória relativamente ao ora embargado (muito embora o mesmo tenha sido dele objeto), no processo onde tal meio de prova foi formado, não tendo, por isso, o valor inerente à prova pericial, nem podendo servir, sequer, para os presentes autos, como princípio de prova.
Por outro lado, antes dos presentes autos de recurso, a embargante em nenhum momento, no decurso da instrução do presente processo, evidenciou pretender aproveitar-se para os presentes autos do aludido meio de prova, sendo certo que, tal documento foi junto ao apenso B – habilitação de cessionário – visando a prova do alegado no artigo 5.º da contestação a tal incidente de habilitação de cessionário, com vista à pretendida recusa de tutela jurídica para tal incidente.
Mas, independentemente disso, certo é que, não resulta demonstrado que o documento junto no apenso B – aliás, apenas parcelar face ao exame pericial que terá sido produzido (resultando, desde logo, evidente que o documento que acompanhou o requerimento de 14-02-2019, se contém de 8 páginas, das quais apenas foram juntas pela embargante 6 delas) – tenha algum valor relevante ou decisivo para a prova do que estava em questão nos presentes autos, nem isso é, de algum modo, concretizado pela embargante.
Tal documento é objeto de livre apreciação probatória, sendo certo que, nesta sede, o mesmo não comporta algum diverso juízo que dele se possa retirar relativamente à prova produzida nos presentes autos.
Repare-se, nomeadamente, que as conclusões que constam do referido documento (designadamente que “admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita do Grupo I, formado em Nota, seja da autoria de JP” e “admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita do Grupo II, descrito em Nota, seja da autoria de JM”), não viabilizam, sem aferição do que consta dos aludidos Grupos – referenciados na página 2 do mesmo documento como “Grupo I – assinatura suspeita referente ao nome JP no local do aceite” e “Grupo II – escrita suspeita do preenchimento” – elementos que não se mostram juntos com o referido documento, algum juízo sobre as ditas menções conclusivas constantes de tal documento.
Ao invés do que vem invocado pela recorrente (cfr. pp. 80-81 do requerimento de alegações de recurso), não consta no referido documento, junto com o requerimento de 14-02-2019, como “muitíssimo provável” que a assinatura aposta na letra dada à execução pertença a JP (elemento esse que já seria relevante para a infirmação da válida subscrição do título cambiário, com vista à demonstração da sua falsidade), apenas tendo-se assumido, no mencionado documento, tal grau de probabilidade quanto à aposição da “escrita” (elemento que, sem a visualização de qual seja o conteúdo do “Grupo” a que se reporta a análise, não permite um juízo minimamente seguro sobre aquilo a que se reporta o resultado obtido e que, nessa medida, por ausência de relevância para a apreciação e decisão dos presentes autos não foi – e bem – levado à selecção factual realizada pelo Tribunal recorrido).
E, nesta medida, não se verifica que alguma conclusão diversa e justificada para a aferição dos presentes autos resultasse da consideração particular de um tal documento.
Não é, pois, possível concluir que tenham sido inobservados pelo Tribunal recorrido, que ajuizou sobre os elementos constantes do presente processo, os preceitos a que se referem os aludidos artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c), 6.º, n.º 1 e 421.º, n.º 1, do CPC.
*
J) Se o facto provado 2) constante da decisão recorrida deve transitar para os factos não provados e se o Tribunal recorrido deveria ter considerado como provado que: “O carimbo da Embargante não foi aposto na letra por CM, tendo sido abusivamente utilizado para esse efeito”?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da incorrecta a apreciação dos meios de prova testemunhal e documental produzidos.
84. Finalmente, na óptica da Recorrente, verifica-se ainda erro na apreciação da prova produzida, uma vez que, se duvidava, como afirmou ser o caso, da credibilidade de todos quanto prestaram declarações/depoimento de parte e se encontravam envolvidos em processos diversos, e se nada valem as suas declarações, não poderia, sem se contradizer, dar como provada a matéria de facto que consta do ponto segundo [“2. O carimbo respeitante à sociedade executada foi aposto na letra por CM, sendo que a assinatura foi sobre o mesmo aposta pelo punho do administrador, à data, da sociedade executada, JP. que o carimbo foi aposto na letra por CM;”]
85. Na realidade, para dar essa matéria de facto como provada teve o Tribunal “a quo” de valorar positivamente as declarações prestadas pela Testemunha JP (Arguido em dois processos crimes conexos com a factualidade dos autos e condenado num deles), quando a mesma não merece qualquer credibilidade, não havendo quaisquer razões que justifiquem que o Tribunal “a quo” afirme na douta Sentença recorrida que “Se a aposição de tal assinatura foi do conhecimento de CM e por si autorizada, não é crível que na referida letra tenha sido abusivamente, por terceiro, aposto o carimbo da sociedade.”, o que manifestamente não se provou.
86. Na verdade, como resulta da douta Sentença recorrida CM negou peremptoriamente ter tido conhecimento, ou autorizado, a emissão da letra, explicando que a contrapartida acordada para a realização da contabilidade era a disponibilidade da loja que acordou com FM, versão dos factos que veio a ser reiterada pelas Testemunhas JM e TR e que é amplamente corroborada pela decisão do processo n.º …/….
87. Ao contrário do que resulta da douta Sentença recorrida, o facto de a Embargante ter aceite posteriormente (com base no exame pericial à letra do mesmo feito no processo crime) que a assinatura pertence a JP não autoriza a que se presuma que o mesmo foi autorizado para esse efeito por CM, não autorizando ainda que, por via disso, se conclua que terá sido CM a apor na letra o carimbo, já que JP negou tê-lo feito, afirmando que foi CM que o fez.
88. Sobre a credibilidade da Testemunha JP que, como se refere na Sentença recorrida, declarou que foi CM quem lhe deu ordem para assinar a letra e nela colocou o carimbo, foi já decidido na douta Sentença de 1.ª Instância Local de Sinta – Secção Cível – J4, proferida no processo n.º …/…, transitada em julgado, que: “O declarado por JP, num quadro de ressabiamento manifesto com os Réus por motivo de falta de pagamento de vencimentos de administrador, não mereceu credibilidade, bem como os documentos por si subscritos, ou queixas crimes por si mencionadas como interpostas e depois retiradas, tanto mais que nem sequer documentos completos sobre as referidas queixas foram apresentadas, razão pela qual não se acreditou nem no seu teor nem na sua veracidade, motivo pela qual foram considerados como não provados os factos descritos em 31) e 34) e 37).”
89. A Testemunha em causa foi já condenada, através de douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 21.03.2019, pela prática de crime de injúrias na forma agravada ao I. Advogado, Dr. JBM, praticado no decurso do julgamento do processo n.º …/… (onde o mesmo representou a Embargante e veio a ser declarada a nulidade do contrato de arrendamento relativo à loja de Belas), por aí ter declarado em sessão de julgamento realizada no dia 23.11.2015 que: “ESSE SENHOR ADVOGADO CHAMOU-ME AO ESCRITÒRIO DELE E FUI AMEAÇADO QUE ESTIVE NA GUERRA E QUE NUMA ESQUINA PODIA LEVAR COM UM FRASCO DE ÁCIDO NOS OLHOS”, conforme documento que se junto autos em 23.09.2021 que se dá como reproduzido (Doc. 2 que acompanhou o requerimento com a “REFª: 39921605”);
90. Pelo que se verifica que a Testemunha JP:
a) assinou a declaração reconhecida notarialmente em 29.12.2014 declarando que a assinatura constante da letra “FOI FALSIFICADA e NÃO FOI FEITA POR MIM” (Doc. 1 junto com os Embargos);
b) declarou depois em 23.11.2015 (no julgamento do processo n.º …/…) que foi ameaçado pelo Ilustre Advogado Dr. JBM para declarar que não foi ele o autor da assinatura (Doc. 2 que acompanhou o requerimento com a “REFª: 39921605”);
c) declarou depois (no dia seguinte) em 24.11.2015 no processo crime onde foi Arguido, quanto à letra, que “a mesma foi assinada por si, embora não a tenha preenchido, nem entregue” e que “era normal assinar letras da empresa que ficavam por preencher” e, quanto ao documento por si assinado em Cartório (Doc. 1 junto com os Embargos), que lhe foi “lido um documento completamente diferente, dizendo que era necessário para comparar as assinaturas em tribunal e ele pensou que era esse documento que estava a assinar.” (Doc. 1 junto em 10.05.2021); e
d) veio em sessão de 22.09.2021, nos presentes autos, a declarar que (i) CM na presença e com a colaboração do Advogado Dr. JBM, que já antes injuriara, trocou os papéis no Cartório aquando do reconhecimento e que (ii) a letra que foi por si assinada, não estava afinal em branco, mas totalmente preenchida, e que a veio a entregar a FM a pedido de CM, que a teria carimbado.
91. Pelo exposto, deixou o Tribunal “a quo” de ter em conta a total ausência de credibilidade da Testemunha JP, que claramente decorre dos elementos de prova acima identificados, afigurando-se à Recorrente que o ponto 2 da matéria de facto provada jamais poderia (como foi) ter sido julgado como provado com base no depoimento da mesma.
92. Assim, não se tendo produzido prova minimamente credível de que o carimbo foi aposto na letra dada à execução por CM, deveria o Tribunal “a quo” ter, desde logo, julgado a mesma como não provada.
Acresce que:
93. Com base nas declarações de parte prestadas por CM, que se relevaram consistentes entre si e com o teor da douta decisão transitada em julgado proferida no processo n.º …/…, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado como provado que: O carimbo da Embargante não foi aposto na letra por CM, tendo sido abusivamente utilizado para esse efeito.
94. A este respeito declarou CM que não conhecia sequer a Pactusmar, que foi surpreendido com a factura e com a letra dada à execução, e, quanto à pretensa relação subjacente, que na altura da sua detenção e nos tempos seguintes vivia uma situação complicada e “o Sr. FM ofereceu-se para ir fazer as contabilidades da empresa, à troca disso eu cedi-lhe uma espaço que é nosso, espaço esse que era para ele… estava todo equipado (…) estava impedido de falar com o Sr. JS por determinação do Tribunal e o filho do Sr. FM, o JM vai a minha casa e diz que pronto que era preciso fazer um contrato por causa da água e da luz, a gente faz um contrato de comodato, e ele leva o contrato ao Sr. JS, que já não é o mesmo contrato, era um contrato de arrendamento, o que é que acontece, a partir daí acontece, eu nem me passava pela cabeça”, pelo que não faria sequer sentido qualquer fatura, declarando ainda que FM fazia a contabilidade no escritório de uma das suas sociedades, onde estavam os carimbos, ao qual tinha livre acesso pois tinha a chave (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922110057_3550527_2871302, com início no 14h10m e termo no 16m e 00s, transcrito nas alegações supra)
95. Quanto a esta versão anota-se que a Sentença recorrida reconhece que a Testemunha JM declarou que “o exercício das funções de administrador das testemunhas JS e JP (que sucedeu ao primeiro) era meramente formal, uma vez que era o seu pai quem continuava a dar as ordens, sendo que este (seu pai) “não autorizou a letra nem a utilização do carimbo” que na mesma foi aposto como sendo da sociedade “Espaço Curvo”.”
96. Mais reconhecendo que “A testemunha TR, unida de facto com CM, corroborou, no essencial, a versão trazida aos autos por CM e JM (…)”.
97. Sendo que a circunstância de existirem processos de natureza civil e criminal e grande litigiosidade não pode, no caso concreto, levar a que se conclua, como se concluiu, pela ausência de credibilidade e ou objectividade do declarante CM ou das Testemunhas da JM e TC, uma vez que estes foram aqueles que, no confronto com as declarações de JM, FM e JP, apresentaram uma versão dos factos verossímil à luz dos normais conhecimentos da experiência e compatível com aquela que no processo n.º …/…, onde todos foram ouvidos, se provou.
98. Acresce a isto que, a Testemunha JS declarou, na sessão de Julgamento realizada no dia 22.09.2021, pelas 9h45m, de forma relevante e imparcial, mas não valorada e ou referida na douta Sentença recorrida, que tanto FM como JM tinham acesso ao local se encontravam os carimbos da Espaço Curvo, que era o local onde faziam a contabilidade da mesma (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922101652_3550527_2871302, com início no 14h10m e termo no 16m e 00s) (…)”.
Vejamos:
No aludido facto provado n.º 2 consta vertido o seguinte: “2. O carimbo respeitante à sociedade executada foi aposto na letra por CM, sendo que a assinatura foi sobre o mesmo aposta pelo punho do administrador, à data, da sociedade executada, JP.”.
De acordo com a motivação expressa pelo Tribunal recorrido, a respetiva convicção sobre a prova de tal factualidade assentou, “na análise da letra dada à execução, na confissão (no que respeita à genuinidade da assinatura aposta no título e cuja autoria vinha imputada ao respetivo administrador, à data, JP). Atendeu, ainda, o Tribunal ao depoimento da testemunha JP, nos termos em que infra se consignarão”.
Ora, sendo função e finalidade da decisão judicial, a de resolução de um “conflito de interesses” (cfr. n.º 1 do artigo 3.º do CPC), a paz social só será efetivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 348).
Neste sentido, é a fundamentação da decisão que assegurará aos visados o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do acerto ou desacerto do decidido.
“A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2014, Pº 772/11.7TBBVNO-A.C1, rel. HENRIQUE ANTUNES).
Logo, conforme se sublinha no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018 (Pº 4981/15.1T8VNF-A.G1, rel. MARIA JOÃO MATOS) “e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza).
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4 do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento”.
E, de facto, apreciar livremente a prova (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC) não equivale a uma apreciação da prova arbitrária, liberta de qualquer regra ou desregrada.
O Juiz tem, ao invés, o dever de objectivar e exteriorizar o modo como formou a sua convicção, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador”, e ainda “a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (assim, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
Como evidencia Paulo Pimenta (Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325): “É assim que o juiz explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)”.
“Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância” (assim, Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, p. 591).
A fundamentação exerce, pois, uma dupla função: “(…) facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e (…) reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional” (cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 281).
Relativamente ao modo de evidenciação ou de exteriorização na decisão de facto, pelo julgador, do iter que levou à formação da convicção sobre a matéria de facto, não estabelece a lei uma modulação inflexível, podendo a motivação ser concretizada por formas diversas.
Isso mesmo foi referenciado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-2019 (Pº 963/13.6TJLSB.L1-7, rel. JOSÉ CAPACETE) onde se concluiu que:
“1. O relatório é a parte inicial ou cabeçalho da sentença, de matriz expositiva, em que, de forma sintética, são identificadas as partes e o objeto da causa e se fixam ou enunciam as questões que cumpre ao tribunal apreciar e decidir, não podendo, por isso, limitar-se a identificar as partes e a transcrever os pedidos formulados.
2. O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, que devem, quando muito, constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
3. Apesar de decorrer da 1ª parte do nº 5 do art. 607º do CPC, que a regra é a da motivação facto a facto, nada impede, no entanto, antes pelo contrário, que a motivação possa incidir sobre um conjunto ou bloco de factos sempre que tal o justifique ou aconselhe, o que ocorrerá, por exemplo, quando um bloco de factos respeite a um determinado tema de prova e o seu encadeamento ou sequência lógica seja tal que se justifique a sua motivação conjunta e simultânea, em vez de fragmentada”.
Nos termos do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC a “Relação deve (…), mesmo oficiosamente (…), anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que (…) permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)”.
Assim, quando se verifique que a decisão sobre a matéria de facto omitiu a “pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, tem uma “natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa”, ou patenteia “incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”, deve o Tribunal da Relação, oficiosamente, anulá-la, quando não lhe seja possível suprir tais vícios (assim, António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 239 e 240).
Todavia, não poderá esquecer-se que, “o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de (…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2015, Pº 416/13.2TBCBR.C1, rel. ISABEL SILVA).
De facto, a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-11-2017, Processo 1426/15.0T8BGC-A.G1, relator ANTÓNIO JOSÉ SAÚDE BARROCA PENHA).
Neste sentido, “não estando em causa formalidades especiais de prova legalmente exigidas para a demonstração de quaisquer factos e assentando a decisão da matéria de facto na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação das provas testemunhal e documental e pericial que lhe foram apresentadas, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância na apreciação dessas provas. O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este. Em caso de dúvida sobre o sentido da decisão, face às provas que lhe são apresentadas, a 2ª instância deve fazer prevalecer a decisão da 1ª instância, em homenagem à livre convicção e liberdade de julgamento. A garantia do duplo grau de jurisdição em caso algum pode subverter o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com a prudente convicção do juiz acerca de cada facto e, por isso, o objecto do recurso não pode ser nem a liberdade de apreciação das provas, nem a convicção que presidiu à matéria de facto, mas esta própria decisão” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05-05-2011, Processo 334/07.3TBASL.E1, relatora MARIA ALEXANDRA A. MOURA SANTOS).
É que, na verdade, como escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 234): “… existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiamo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão factores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos”.
Em suma: Para se considerarem provados ou não provados determinados factos, não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre os factos num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.
O julgamento dos factos, na sua valoração, mormente quando se reporta a meios de prova produzidos oralmente, não se reconduz a uma operação aritmética de número ou de adição de depoimentos, antes tem de atender a uma multiplicidade de factores, não se bastando com a palavra pronunciada, mas nele confluindo aspetos tão variados como, as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (como por exemplo os olhares) e até interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber quem estará a falar com verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a verdade estar a ser distorcida.
“Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2017, Processo: 1156/15.3T8CTB.C2, relator ARLINDO OLIVEIRA).
Assim, como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, relatora MARIA JOÃO MATOS): “O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)”.
Em suma, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2021 (Pº 2479/18.5T8VLG.P1, rel. PEDRO DAMIÃO E CUNHA): “Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância”.
O ordenamento processual probatório português combina o sistema livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, dado que, “a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06-10-2016, Pº 1306/12.1TBSSB.E1, rel. JOSÉ TOMÉ DE CARVALHO).
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação, partindo da análise e ponderação da prova disponibilizada (cfr. Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pp. 435-436).
Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.
A prova não visa “(...) a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (...)”, mas tão só, “(...) de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (assim, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 419 e 420).
A apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador “(...) segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da actividade intelectual, e portanto segundo as máximas de experiência e as regras da lógica (...)” (assim, Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pág. 245).
Nessa actividade de livre apreciação da prova deve o tribunal especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 653º, nº 2 do CPC), permitindo, dessa forma, que se “possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Teixeira de Sousa; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348) e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão.
A “prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência, de 21-06-2016, Pº 2683/12.0TJLSB.L1.S1, rel. HÉLDER ROQUE).
Neste enquadramento, a credibilidade firmada em torno de um específico meio de prova tem subjacente a aplicação de máximas da experiência comum, que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade.
Todas estas circunstâncias deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Revertendo estas considerações para o caso dos autos, vemos que a recorrente considera que ocorreu erro na apreciação da prova produzida, por entender que o Tribunal não poderia ter-se louvado no depoimento de JP, declarações que valorou positivamente, quanto ao facto provado n.º 2.
Ora, sucede que, nenhuma das suas invocações é de molde a colocar, objetiva e fundadamente, em questão a apreciação probatória realizada pelo Tribunal recorrido: A circunstância de o mencionado JP ser arguido em processos criminais, de ter sido condenado por um crime de injúrias (que nenhuma relação tem com o objeto em discussão nos presentes autos) não tem o significado de “entorpecer”, “diminuir” ou “interditar” o apuramento das suas declarações para os presentes autos, sendo que, o mesmo, tendo sido admitido a depôr como testemunha, viu o seu testemunho (referindo, em particular, “[n]o que respeita à letra dada à execução, …que foi chamado pelo CM, o qual lhe deu a letra para assinar, tendo, aquele, aposto o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”. Foi, depois, entregar a letra ao escritório de FM, onde levantou/lhe foram entregues os documentos relativos à sociedade “Espaço Curvo””) sujeito à livre apreciação pelo Tribunal (cfr. artigo 396.º do CC) e, na medida em que o Tribunal o considerou, objeto da valoração que lhe foi conferida, circunstância que não merece, no contexto da prova produzida, algum reparo.
De todo o modo, no confronto com os demais elementos probatórios referenciados pela embargante, não se verifica que assista procedência à impugnação de facto visada pela recorrente, pois, os elementos de prova produzidos não inculcam em factualidade diversa daquela que foi considerada como provada no facto provado n.º 2, não se tendo demonstrado aquilo que a recorrente pretende incluir no rol dos factos provados.
Importa sublinhar que, o Tribunal recorrido não deixou de apreciar criticamente os depoimentos de CM, JM e TC (onde a recorrente se louva para concluir do modo como concluiu):
“(…) O atual administrador da sociedade “Espaço Curvo”, CM, ouvido em declarações de parte, confirmou as circunstâncias em que conheceu FM, com quem diz ter acordado verbalmente a prestação de serviços de contabilidade em troca da cedência de um espaço (loja), através de um contrato de comodato.
Afirmou não ter ideia da existência de outros contratos.
A testemunha JM, filho de CM, afirmou que a “Espaço Curvo” é uma empresa do pai, com a qual tem contacto desde 2008/2009, pois trabalhava com o pai.
O pai tem 5 empresas, entre as quais a “Sport e Prestige” e outras de que não se recorda.
Confirmou que o pai conheceu FM no estabelecimento prisional, em outubro de 2010, onde iniciaram uma relação de amizade, tendo, o FM, mais tarde, vindo a prestar serviços de contabilidade para as empresas do pai, uma vez que o anterior contabilista teve que renunciar ao cargo na sequência da prisão preventiva de CM.
Afirmou que a contrapartida dos serviços de contabilidade era a cedência de uma loja ao FM que, por seu lado, cedeu a exploração da loja.
Mais afirmou que o exercício das funções de administrador das testemunhas JS e JP (que sucedeu ao primeiro) era meramente formal, uma vez que era o seu pai quem continuava a dar as ordens, sendo que este (seu pai) “não autorizou a letra nem a utilização do carimbo” que na mesma foi aposto como sendo da sociedade “Espaço Curvo”.
A testemunha afirmou que era o FM quem fazia a contabilidade para as 5 empresas do pai, sendo que a domiciliação da sociedade “Espaço Curvo” na morada do escritório de FM foi ideia deste. E que a contrapartida por tais serviços foi a cedência de uma loja.
A testemunha TR, unida de facto com CM, corroborou, no essencial, a versão trazida aos autos por CM e JM, afirmando perentoriamente que quem “mandava” na “Espaço Curvo” era o seu companheiro CM, apesar de não ser, à data, o administrador (…).”.
Tendo ainda o juiz a quo, concluído sobre os mesmos depoimentos – aliás no confronto com os da contraparte - , nos termos já acima apontados que:
“(…) existe um elevado grau de litigiosidade entre as mesmas, especialmente nas pessoas dos seus representantes, extensível aos respetivos filhos, o que tem dado lugar a outros processos judiciais, quer de natureza civil quer de natureza criminal (nomeadamente contra a testemunha JP).
Esta circunstância afeta, irremediavelmente, a objetividade e credibilidade dos depoimentos/declarações prestados, para mais quando, da parte da executada/opoente foram ouvidos CM (em declarações de parte), JM (filho daquele) e TR (unida de facto com o primeiro) – todos com interesse direto no desfecho da causa (…).
Nesta medida, os depoimentos e declarações referidos não mereceram qualquer credibilidade por parte do tribunal, razão pela qual se deram como não provados os factos que sustentam a versão trazida aos autos pela exequente em sede de impugnação motivada à invocada, pela executada, inexistência de qualquer relação subjacente à emissão da letra dada à execução, porquanto não sustentados em qualquer outro meio de prova, maxime documental, que pudesse complementar tais depoimentos/declarações, com exceção da letra dada à execução e da fatura junta como documento 10 com a contestação, documento, este, que se mostra impugnado.”.
E concretizando ainda o Tribunal recorrido, o seguinte:
“(…) A este propósito cumpre salientar que a ideia de que era CM quem, de facto, mandava na sociedade “Espaço Curvo”, sendo que os respetivos administradores (de que são exemplo as testemunhas JS e JP) não passavam de “testas de ferro”, foi transversal a todos os depoimentos/declarações prestados. E, por essa razão, nenhum ato era praticado por tais administradores sem prévia e expressa autorização de CM.
Nesse contexto, como atrás se deixou dito, a testemunha JP afirmou que foi chamado por CM, o qual lhe deu a letra para assinar, tendo, o mesmo, aposto na letra o carimbo da sociedade “Espaço Curvo”. Foi, depois, entregar a letra ao escritório de FM, onde levantou/lhe foram entregues os documentos relativos à sociedade “Espaço Curvo”.
Atendendo à relação que existia entre CM e os administradores da sociedade executada, de claro e assumido ascendente, não é verosímil que JP tivesse aposto a sua assinatura na letra dada à execução sem o conhecimento e prévia autorização de CM e consequentemente que este não tivesse aí aposto o carimbo da sociedade ou, pelo menos, permitido a sua aposição.
Ainda que o depoimento da testemunha JP não coincida, em todos os pormenores, com o depoimento prestado noutros processos – na qualidade de arguido (não estando, sequer, sujeito a juramento) e na qualidade de testemunha –, sendo, até, contraditório com a declaração junta como documento 1 com a petição inicial da presente oposição – em que declara que a “assinatura, como aceitante, constante da letra apresentada à execução pela Pactusmar – Contabilidade e Fiscalidade Lda, (…) é igualmente FALSIFICADA bem como é FALSA a própria letra que foi elaborada pelo Exequente dado que a pretensa Executada não tem e nunca teve qualquer relação comercial com a Exequente” – (desconhecendo-se, porém, em que circunstâncias tal declaração foi subscrita), certo é que a própria executada veio reconhecer nestes autos que, afinal, a assinatura inicialmente impugnada, constante da letra dada à execução, foi aí aposta pelo punho da testemunha JP, administrador, à data, da sociedade executada.
Se a aposição de tal assinatura foi do conhecimento de CM e por si autorizada, não é crível que na referida letra tenha sido abusivamente, por terceiro, aposto o carimbo da sociedade.
De todo o modo, não podemos ignorar que era o referido JP, quem, à data, na qualidade de administrador, representava e vinculava a sociedade executada.”
Ponderados estes elementos e reapreciados os mesmos por este Tribunal de recurso, após audição dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento, na concatenação de todos eles, designadamente, com os termos da letra de câmbio junta, bem como os elementos documentais aportados para o presente processo, verifica-se que, a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido, no culminar do juízo probatório a que procedeu relativamente à matéria de facto invocada pela recorrente, não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se.
Ou seja: Ao invés do que vem alegado pela embargante, os elementos de prova carreados para o processo e, as ilações que, nos termos supra expendidos, deles retirou, com toda a clareza e congruência, o Tribunal recorrido, inculcam no sentido de que, não ocorreu abusividade no preenchimento da letra e, designadamente, que o carimbo aposto na letra dada à execução o foi por CM e, bem assim, que tal aposição ocorreu previamente à aposição da assinatura do então administrador da executada, o referido JP.
Nenhuma das demais invocações da recorrente – designadamente, as expendidas nas conclusões 94.ª a 97.ª das alegações de recurso – permite diversa conclusão da alcançada, não permitindo colocar em crise, os elementos probatórios confluentes na demonstração da matéria de facto vertida no mencionado ponto 2 dos factos provados (isso assim sucede com os diversos relatos, indemonstrados, sobre o invocado desconhecimento da Pactusmar, declarado por CM, com a sua declarada “surpresa” com a factura e letra dada à execução; com o acesso que referenciou por parte de FM quanto ao local onde estavam os carimbos; com as declarações de JM, negando que o seu pai tenha autorizado a utilização do carimbo; bem como, com as declarações de TR, tudo elementos de prova sobre os quais, o Tribunal recorrido não assumiu positiva valoração, pelos motivos que, circunstanciadamente, explicitou).
Finalmente, também no que respeita ao invocado na conclusão 98.ª e ouvido o depoimento de JS, não permite o mesmo alcançar diversa conclusão, pois, o por si referido, não foi demonstrativo de qualquer realidade de apossamento ou de utilização do carimbo em moldes diversos daqueles que o Tribunal considerou terem sido provados.
Assim, a matéria de facto constante do ponto 2 dos factos provados, devendo manter-se provada, não deverá transitar para o rol dos factos não provados.
Concomitantemente, por identidade de razões, não deverá ser incluída nos factos provados a matéria de facto ali pretendida incluir pela recorrente.
*
K) Se deve ser aditada à matéria de facto provada, a constante das conclusões 20.ª (- O FM negociou a utilização do locado [fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à loja do Rés-do-Chão Esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º …, Loja Esquerda, sita na freguesia de Belas, Concelho de Queluz] com o CM, principal accionista da Espaço Curvo, SA como contrapartida da realização das contabilidades feitas ao grupo onde a Espaço Curvo, SA se inseria e que incluía a Linha Recta, SA, a Beyond Home, SA e a Sport e Prestige, SA.; - A Autora no processo n.º …/…, a Melhor Rigor, Lda., cujo sócio-gerente JM, é filho de FM, surgiu como beneficiária do acordo supra descrito; - Desde Setembro de 2013, que a Melhor Rigor, Lda. e o FM, deixaram de prestar serviços de contabilidade à Espaço Curvo, SA, mas não restituíram a loja que constitui o locado; - A Melhor Rigor no dia 1.06.2014, através de contrato de cessão de exploração, cedeu tal loja a terceiro, pelo prazo de doze meses, pela renda mensal nos seis primeiros meses de euros: 530,00 e de euros: 610,00 nos meses seguintes; - A Melhor Rigor manteve a posse da loja até ao dia 3.07.2014) e 21.ª (- JM, enquanto Gerente da Melhor Rigor, prestou declarações de parte no processo n.º …/… e aí não contraditou a factualidade relativa ao contexto em que CM conheceu FM, o âmbito temporal da prestação de serviços de contabilidade por este e que estes cessaram em meados de 2013; - A Pactusmar e a Espaço Curvo não acordaram que o preço a pagar pelos serviços de contabilidade prestados à Espaço Curvo por FM, seria de 750,00 /mês acrescido do respectivo IVA a taxa legal, ou seja, o montante de 9.000,00, acrescido do respectivo IVA, por cada ano (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar no artigo 10.º da Contestação aos Embargos); - A Espaço Curvo não deve à Pactusmar a factura com valor de euros: 44.280,00, que consubstancia o Doc. 10 junto à Contestação aos Embargos que se dá como reproduzida, a cujo pretenso pagamento se destinava a letra dada à execução com o mesmo valor (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar nos artigos 10.º, 18.º e 19.º da Contestação aos Embargos e do alegado no artigo 2.º dos Embargos”) da alegação da recorrente?
Concluiu a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Quanto ao erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, decorrente da violação da autoridade do caso julgado e do poder dever de apreciação de factos instrumentais decorrentes da instrução da causa (artigos 5.º, n.ºs 2, als. b) e c) e 6.º, n.º 1, do CPC).
82. Como decorre das conclusões 1 a 37, verifica-se erro no julgamento da matéria de facto julgada como provada e não provada, considerando que o Tribunal “a quo” entendeu, erradamente, que no caso “sub judice” não se verifica a autoridade do caso julgado, tendo, consequentemente, deixado de dar como provada a seguinte matéria de facto que dele necessariamente decorre constante da conclusão 20 e 21.
83. Tais factos, por estarem provados (“in casu” através de certidão judicial que atesta o teor da decisão e o seu trânsito) e a respectiva prova decorrer da instrução da causa, deveriam ter sido apreciados e julgados como provados pelo Tribunal “a quo” por constituírem “factos instrumentais que resultem da instrução da causa” (artigo 5.º, n.º 2, al. a), do CPC) e por, quanto a eles, ter tido o Embargado expresso contraditório (artigo 5.º, n.º 1, al. b), do CPC), verificando-se, finalmente, que os mesmos se afiguraram úteis à “justa composição do litígio” (artigo 6.º, n.º 1, do CPC), requerendo-se que sejam aditados à matéria de facto julgada como provada.
99. Conforme resulta da douta Sentença recorrida, nos presentes autos confrontam-se duas versões totalmente incompatíveis, sendo evidente que uma das partes falta à verdade.
100. Na versão do Embargado JM e seu pai FM (igualmente sustentada pela sociedade Melhor Rigor, Lda. no processo n.º …/…, intentado contra a Recorrente e CM, onde prestou declarações de parte JM em representação da Melhor Rigor):
a) A Recorrente Espaço Curvo, S.A. e a Melhor Rigor, Lda. teriam validamente celebrado o contrato de arrendamento da loja a que se reportam aqueles autos (sita na Rua …, n.º …, Loja Esq., 2605-658 Belas), por uma renda mensal de 100,00 euros, renda que a Melhor Rigor, Lda. teria pago à Recorrente (tese já afastada por decisão transitada em julgado que declarou a invalidade daquele contrato de arrendamento, por se ter provado que o mesmo foi celebrado com erro dolosamente provocado pelo Embargado no Administrador da ora Recorrente Espaço Curvo);
b) A (novamente invocada) validade desse contrato de arrendamento e do pretenso pagamento da alegada renda nele prevista, constitui pressuposto lógico da alegação de que a prestação de serviços de contabilidade por FM a favor da Recorrente, seriam devidos pela Espaço Curvo, S.A à sociedade Pactusmar, Lda., versão que a douta decisão recorrida deveria, salvo o devido respeito, ter de imediato refutado.
101. Na versão da Espaço Curvo, S.A. (sustentada no teor da Sentença proferida no processo n.º …/…):
a) O Arguido FM, contra aquilo que foi acordado com CM na qualidade de accionista e Administrador de facto da Recorrente, levou ardilosamente o, à data, Administrador da Recorrente (JS) a assinar um (já declarado inválido) contrato de arrendamento a favor da sociedade Melhor Rigor, relativo à loja a que reportam aos autos, por uma renda de 100,00 euros;
b) Constituindo a disponibilidade daquela loja a contrapartida acordada para a prestação dos serviços de contabilidade por FM às sociedades do grupo da Recorrente.
102. Mesmo que se entenda que o caso julgado formado no processo n.º …/… não tem autoridade de caso julgado formalmente oponível ao actual Embargado JM, recorde-se, Gerente que prestou declarações de parte em representação da ali Autora, a Melhor Rigor, Lda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, a verdade é que o Tribunal “a quo” deixou de valorar o teor da douta Sentença proferida no processo n.º …/… enquanto documento que comprova o “modus operandi” implementado pelo dito JM na relação com a ora Recorrente e que demonstra a necessária falsidade da versão da contestação aos Embargos.
103. Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância, secundado depois pelo TRL, fez constar naquela Sentença proferida no processo n.º …/… que “No caso vertente, atento a matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que para os réus CM e Espaço Curvo, SA, era essencial que a cedência da loja fosse efectuada no regime de comodato, não só para poder remunerar os serviços de contabilidade, como para poder ter a loja em regime de cedência precária, na medida em que caso tivesse optado por um arrendamento, teria sem dúvida estipulado uma renda superior, em conformidade com o mercado imobiliário da zona e não teria deixado o contrato sem duração determinada. A opção pelo comodato afigura-se deste modo, seja no plano pessoal, seja no plano de estratégia económica da empresa, como determinante do modelo de contrato a assinar. Ora, tal circunstância era conhecida quer de FM, quer do legal representante da autora, JM, que exibiu ao réu CM um modelo de contrato de comodato, pelo que o mesmo sabia e não podia ignorar, que caso o administrador da ré soubesse da real vontade do réu CM, não teria assinado o contrato. A declaração negocial do legal representante da ré Espaço Curvo, SA, a vontade social da ré, que deu origem ao contrato de arrendamento encontra-se assim inequivocamente viciada por erro na declaração, nos termos do art. 247.º do Cód. Civil. (…) Por conseguinte, não pode o contrato de arrendamento ser considerado como válido, como peticionado pela autora, porque o mesmo se encontra viciado por erro na declaração quanto à declaração negocial do legal representante da ré à data, devendo nessa conformidade o referido contrato ser declarado anulado, em consequência do que fica exposto fica prejudicada a apreciação de todos os restantes pedidos da autora (…)”.
104. Além de que, resulta da matéria de facto julgada como provada naquele processo que “16.º - Em consequência do que o JM elaborou um contrato de arrendamento em nome da autora, em divergência com o contrato de comodato apresentado.”, “17.º - E, aproveitando-se do impedimento de contacto entre o réu CM e o JS, apresentou o contrato de arrendamento a este último que o assinou.”.
105. Mais se pode ler naquela Sentença que “Atenta a matéria de facto dada como provada, verifica-se que pese embora as partes tenham acordado a subscrição de um documento consubstanciando a cedência da loja em comodato como contrapartida pela realização dos serviços de contabilidade das empresa do Réu, a Autora por intermédio do seu representante legal [o aqui Embargado JM], deu a assinar ao representante do Réu, um contrato de arrendamento por um valor de € 100,00 euros, bastante inferior ao preço praticado na zona, e não de comodato, aproveitando-se da proibição de contactos vigentes entre o Réu e o seu administrador, pelo que o representante legal da Ré incorreu em erro aquando da assinatura do contrato que constitui a causa de pedir dos presentes autos.”
106. Face a um tal “modus operandi”, já definitivamente demonstrado num outro processo onde se discutiram os mesmos factos (como a contratação de FM por CM para prestar serviços de contabilidade à Embargante e às sociedades pertencentes ao seu Grupo) e ou factos contemporâneos dos autos (como a falsificação de um contrato de arrendamento por parte do ora Embargado), tendo a este propósito JM, mais uma vez, negado estar combinado com CM a celebração de um comodado da loja destinado ao pagamento dos serviços de contabilidade de FM (como já declarado por Sentença) e insistido na celebração de um contrato de arrendamento por 100,00, deveria desde logo o Tribunal “a quo” ter concluído pela total ausência de credibilidade da versão do mesmo, e, assim, com a versão da contestação aos Embargos;
107. Em declarações de parte o actual Embargado JM, na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, declarou que “(…) a loja, a loja de Belas foi arrendada colocada a funcionar para se vender.”, conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, com início no 19m05s e termo no 19m18s, reiterando mais à frente que a renda acordada foi de 100,00 (registo áudio com início no 20m23s e termo no 20:30).
108. O que, não correspondendo à verdade (como já foi definitivamente julgado) permitiu ao Embargado defender a existência de uma alegada avença mensal para a prestação dos serviços de contabilidade, pretensamente justificativa da factura emitida pela Pactusmar.
109. Declarou ainda a Testemunha FM, na mesma sessão de julgamento, igualmente sem qualquer credibilidade, quando confrontado com o resumo das suas declarações no processo n.º …/… constantes da decisão transitada em julgado ali proferida, “Isso é falso, eu nunca disse uma coisa dessas!” e “Não disse isso, em momento algum poderia dizer uma barbaridade dessas!” (conforme registo áudio denominado “20210923144216_3550527_2871302” respectivo entre o 58m 20s e 59m e 16s).
110. Verifica-se ainda que a Testemunha FM reconheceu ter escrito ao TOC que lhe sucedeu, através de carta anexa ao Doc. 1 junto pela Embargante em 11.05.21, que consta de papel timbrado seu enquanto TOC (e não em papel timbrado da Embargada Pactusmar), ao contrário do que sucedeu com o posterior TOC da Embargada que, por trabalhar para uma sociedade de contabilidade, lhe escreveu em representação da mesma (conforme carta também anexa ao Doc. 1 e registo áudio respectivo com o número “20210923144216_3550527_2871302” entre o 59m 17s e 59m e 1h01m33s, transcrito nas alegações supra).
111. Analisada a carta elaborada e assinada pela Testemunha FM, datada de 28 de Agosto de 2014, junta aos autos pela Embargada em 11.05.21 (como anexo e parte integrante do Doc. 1) nela afirma aquela Testemunha que “As referidas empresas nunca procederam ao pagamento de qualquer valor devido pela execução dos meus serviços, enquanto Técnico Oficial de Contas”, o que, contradiz frontalmente (através de escrito do Gerente da primitiva Embargada) a alegação de que o contrato de prestação de serviços seria com a Pactusmar.
112. Donde, face à existência de contradição entre depoimentos das Testemunhas ouvidas e declarações de parte, deveria o Tribunal “a quo” ter valorado tal documento (que não é sequer referido na douta decisão recorrida) no sentido de, por se tratar de um documento emitido antes da factura e da letra alegadamente em dívida à Pactusmar, desacreditar a alegação da Pactusmar de que teria sido esta sociedade a ser contratada para elaborar os serviços de contabilidade de diversas sociedades do Grupo da Embargante, credibilizando a versão da Embargante de que não teve nunca qualquer relação comercial com a Embargada.
113. Acresce ao exposto que, a requerimento da Embargante veio o ora Embargado JM, conforme lhe foi doutamente ordenado, juntar aos autos (através de requerimento de 14.10.2021 com a “REFª: 40140515”) uma factura emitida pela sociedade de que é Gerente, a Melhor Rigor, Lda., em nome da Embargada e uma nota de crédito da mesma data e com o mesmo valor.
114. Analisada a factura em causa verifica-se que a mesma tem data de 19.09.2014 e o valor de euros: 38.250,00 (trinta e oito mil euros duzentos e cinquenta euros), mais IVA, no total de euros: 47.047,50 (quarenta e sete mil e quarenta e sete euros e cinquenta centavos), nela referindo a Melhor Rigor, Lda. facturar à Embargante Espaço Curvo, Lda. a “avença anual” de 2010, 2011, 2012, 2013 e o primeiro trimestre de 2014;
115. Os valores facturados coincidem com aqueles que a Pactusmar, Lda. veio (seis dias depois, data da letra) a facturar em 25.09.2014 pelo valor anual de euros: 9.000,00 (nove mil euros), mais IVA, quanto aos anos de 2010 a 2013;
116. Verificando-se, contudo, que a Melhor Rigor, Lda. facturou inexplicavelmente à Embargada não só os mesmos serviços de contabilidade, mas mais um trimestre do que a Pactusmar veio (seis dias depois) a facturar à mesma Embargante...
117. Quanto a esta incompreensível realidade veio o Embargado JM informar que “a Fatura nº 2014/207 foi emitida e anulada no mesmo dia por erro dos serviços”;
118. Não logrando, porém, explicar como é que o erro “dos serviços” da Melhor Rigor, Lda. – confessadamente gerida por JM e num momento em que a Pactusmar alega que “as relações entre a Exequente e a Executada já se encontravam deterioradas” (art.º 15 da contestação aos Embargos) - levou a que esta sociedade, a Melhor Rigor, Lda., emitisse factura dos mesmos serviços que a Pactusmar veio também a facturar (seis dias depois) e pretende receber através da letra dada à execução.
119. Pelo que, na óptica da Recorrente, os documentos juntos aos autos pelo Embargado JM apenas demonstram que seis dias antes da emissão da letra data à execução (e da factura, da mesma data, que pretensamente a suportaria), o actual Embargado JM e seu pai, beneficiando de circunstâncias a que deram azo (e, desde logo, de não existir qualquer contrato de prestação de serviços de contabilidade escrito, em violação das obrigações a que FM estava estatutariamente obrigado), ainda andavam a “escolher” o veículo através do qual viriam a facturar e qual a exacta quantia (desde que “choruda”) que, sem fundamento algum (pois que receberam, por via da Melhor Rigor, a disponibilidade da loja da Embargante, cuja exploração foi cedida a terceiro, como se provou documentalmente, por 750,00 e 850,00 mensais, valores com IVA, ao longo de diversos anos), iriam tentar exigir à Embargada, por via da interposição da acção executiva, onde se veio sintomaticamente a indicar como morada da sede da Embargante a morada da Testemunha JP (que veio a renunciar à Administração seis dias após tal interposição, tendo a letra vencido nove dias antes de tal renúncia).
120. Sendo, pelo exposto, de concluir que também esses dois documentos emitidos pela Melhor Rigor, de que o Embargado é sócio-gerente, demonstram que (como sempre foi alegado) a alegada relação contratual entre a Embargante e a Pactusmar é, apenas é só, uma “ficção”, que se soma ao contrato de arrendamento falso, dado a assinar pelo Embargado ao Administrador da Embargante.
121. Finalmente, deixou ainda o Tribunal “a quo” de considerar o depoimento prestado por JS, na parte em que declarou de forma credível ter sido ex-funcionário das finanças e não ser usual proceder à faturação, numa única factura, de quatro anos de serviços em casos de, como é alegado, estar em causa uma avença mensal, e que, no mínimo e à luz da normalidade da prática comercial, caso tal avença não fosse faturada de forma mensal, deveria ser objecto de facturação anual, declarações prestadas na sessão de Julgamento realizada no dia 22.09.2021, pelas 9h45m (conforme registo áudio respectivo, com o número 202110922101652_3550527_2871302, com início no 16m e 50s e termo no 19m e 58s, transcritas nas alegações supra).
122. Pelo que, avaliando a credibilidade das versões apresentadas por Embargante e Embargada, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado que a versão dos factos alegada pela Embargante era aquela que estava de acordo com a normalidade da vida, aferida à luz dos normais conhecimentos da experiência, afastando a alegação (manifestamente arredada pela prática comercial comum) de que só ao fim de quatro anos de execução de uma avença que alega ser mensal, a Embargada tenha decidido proceder à emissão de uma factura a cobrar à Embargante, tanto mais que se verifica que dias antes de o fazer uma outra sociedade de que é sócio-gerente o actual Embargado, a Melhor Rigor, tinha procedido à emissão de outra factura pelos mesmos serviços, mas faturando mais seis meses, que veio a anular;
123. Tudo isto se passando num momento (o da emissão da letra e factura 25.09.2014) em que, como também resulta da douta Sentença proferida no processo n.º …/… (pontos 6 e 7 da matéria de facto), pelo menos desde 3.07.2014 a sociedade de que é sóciogerente o JM, se viu desapossada da loja por CM, loja de que vinha dispondo enquanto beneficiária do acordo relativo à possibilidade de utilização da mesma como contrapartida dos serviços de contabilidade, bem sabendo que o seu pai FM tinha, desde Setembro de 2013, deixado de prestar quaisquer serviços de contabilidade à Espaço Curvo e ou a sociedades do seu Grupo (v.d. pontos 12 e 18 da matéria de facto).
124. Consequentemente, ao invés do decidido, deveria o Tribunal “a quo” ter dado como provado, não apenas a matéria de facto constante das conclusões 20 e 21, mas igualmente que:
- A Pactusmar e a Espaço Curvo não acordaram que o preço a pagar pelos serviços de contabilidade prestados à Espaço Curvo por FM, seria de 750,00 /mês acrescido do respectivo IVA a taxa legal, ou seja, o montante de 9.000,00, acrescido do respectivo IVA, por cada ano (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar no artigo 10.º da Contestação aos Embargos);
- A Espaço Curvo não deve à Pactusmar a factura com valor de euros: 44.280,00, que consubstancia o Doc. 10 junto à Contestação aos Embargos que se dá como reproduzida, a cujo pretenso pagamento se destinava a letra dada à execução com o mesmo valor (matéria provada em resultado da contraprova da alegação da primitiva Embargada Pactusmar nos artigos 10.º, 18.º e 19.º da Contestação aos Embargos e do alegado no artigo 2.º dos Embargos), requerendo-se que o Tribunal “ad quem”, reapreciados os meios de prova acima indicados, considere tal matéria de facto como provada (…)”.
Conforme decorre da decisão tomada sobre a questão E), acima apreciada, concluiu-se que não foi violada, pela decisão recorrida, a autoridade do caso julgado do processo n.º …/…, sendo certo que inexistia motivo para a transposição factual para a presente decisão de factos apurados naquele processo.
Tendo improcedido as conclusões deduzidas em contrário pela embargante, igualmente, não poderá proceder a invocação ora efetuada pela recorrente.
Mas, sempre se diga que, ao invés do que pretende a recorrente, não resulta minimamente demonstrado que o Tribunal recorrido tenha deixado de considerar ou valorar o documento que se corporiza na sentença proferida no mencionado processo n.º …/….
Sucede é que, ao invés do pugnado pela recorrente, o Tribunal recorrido não encontrou naquele meio de prova bastante, nem nos demais produzidos, elementos que lhe permitissem, com a necessária e suficiente segurança, concluir no sentido de que as coisas se passaram de acordo com a versão apresentada pela embargante.
Conforme anteriormente se assinalou, o Tribunal recorrido não deixou de afirmar a existência de “versões” contraditórias sobre a factualidade aportada aos autos pelas partes, as quais, de acordo com o julgamento efetuado, levaram a que o Tribunal recorrido, culminando no juízo probatório evidenciado, não se louvou em qualquer delas.
E, considerada a manifesta contraditoriedade dos elementos de prova produzidos, espelhada desenvolvidamente na motivação da decisão de facto recorrida, verifica-se que, no âmbito da livre apreciação probatória que empreendeu, o juízo levado a efeito não merece algum reparo, sendo certo que, não logrou o Tribunal recorrido apurar, de algum modo, ter sido desenvolvido o “modus operandi” a que alude a recorrente.
Na linha do confronto das posições das partes e, considerando os factos selecionados pelo Tribunal recorrido, não se alcança, aliás, alguma pertinência na inclusão no rol dos factos selecionados dos elementos probatórios ora pretendidos incluir pela recorrente, relativamente aos quais, as razões invocadas pela recorrente, não são de molde a prevalecer ou a infirmar sobre uma tal seleção (designadamente, para fazer inculcar que inexistiu alguma relação causal ou subjacente à emissão da letra dada à execução).
Não se alcança, em face do exposto, que tenham sido violados, pela decisão recorrida, os normativos indicados pela recorrente.
*
L) Se deverá aditar-se à matéria de facto provada que: “O contrato de prestação de serviços invocado pela Embargada não foi celebrado por escrito”?
Concluiu ainda a recorrente no recurso, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Da violação da forma escrita do contrato que a Embargada alega constituir a relação subjacente à letra / Da inversão do ónus da prova daí decorrente quanto à inexistência da relação subjacente operada nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil / Da violação dos artigos 70.º, n.º 5 do EOCC e 9.º, n.º 1, do CDCC, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, artigos 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro e dos artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC.
125. A relação subjacente invocada na Contestação aos Embargos (de onde pretensamente emerge o alegado crédito que fundamenta a letra) radica na execução pela Embargada de um pretenso contrato de prestação de serviços de contabilidade celebrado com a Embargante (conforme alegado nos artigos 7 a 20 daquele articulado);
126. Conforme se decidiu no douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 7 de Maio de 2019, “O contrato de prestação de serviços celebrado por contabilista certificado com vista ao exercício da sua profissão deve revestir a forma escrita, conforme resulta do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados (EOCC ) – art. 70º, nº5 – e do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados (CDCC) – art. 9º –, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro e republicados em anexo à mesma lei e da qual fazem parte integrante, conforme dispõe o art. 3º – anexo I e II, respetivamente. (…) Entre outras cláusulas, o contrato deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento. Nos termos do art. 17º (“[i]nfração deontológica”) “[q]ualquer conduta dos contabilistas certificados contrária às regras deontológicas constitui infração disciplinar, nos termos e para os efeitos do disposto no Estatuto dos Contabilistas Certificados”, sendo que tais normativos são aplicáveis às sociedades nos termos do art. 18º [ [8] ] do Código [ [9] ].” (“Negrito” e sublinhado nosso).
127. Quanto a isto, declarou enquanto Testemunha FM (TOC através do qual a Embargada alega ter prestado serviços à Embargante), na sessão de julgamento realizada dia 23.09.2021, com início pelas 14h15m, que não foi celebrado qualquer contrato escrito entre a Pactusmar e a Espaço Curvo, tendo confirmado a instâncias do Tribunal que “Nunca houve nenhum documento, ou troca de correspondência, ou qualquer outro documento”, mais declarando, quando questionado pelo Mm.º Juiz “a quo” se se tratava de “uma relação fantasma!? Que não tem expressão em qualquer documento que não seja uma fatura emitida unilateralmente pela Pactusmar ao fim de quatro anos de relação comercial, é isso!?”: “Sim! Foi exactamente isso!” (conforme registo áudio respectivo, com o número 20210923144216_3550527_2871302, com início no 12m e 57s e termo no 16m e 48s, o que manteve depois na parte gravada com início no 17m e 30s e termo no 17m e 55s, ambos acima transcritos).
128. De igual forma, em sede de declarações de parte prestadas pelo actual Embargado JM, na sessão de julgamento realizada dia 22.09.2021, com início pelas 9h45m, documentada através da acta respectiva com a “Referência:132804927”, declarou o mesmo que “(…) meu pai o meu pai nunca, nunca, firmou um contrato de prestação de avenças (…)” (conforme consta do registo áudio respectivo, com o número 202110922143105_3550527_2871302, com início no 7m59s e termo no 9m00s).
129. Assim, face à alegação de que o pretenso crédito da Autora se acha fundado em relação subjacente que radica na alegada execução de contrato de prestação de serviços de contabilidade com início em 2010, abarcando os anos de 2011, 2012 e 2013, sendo a única factura emitida em 25.09.2014, torna-se relevante considerar como provado, como facto instrumental que decorre da produção da prova que:- O contrato de prestação de serviços invocado pela Embargada não foi celebrado por escrito.
Ora, neste ponto, não obstante a laboriosa e criativa alegação da recorrente, não alcança a mesma, também, o desiderato almejado.
Com efeito, o aditamento pretendido pela recorrente à matéria de facto assente não poderá proceder.
Na realidade, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 663.º, n.º 2, do CPC, com o previsto no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo Código, no presente recurso, este Tribunal conhece de todas as questões suscitadas, excetuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. E, por outro lado, atenta a sua função no âmbito do conhecimento dos recursos e sob pena de conhecer, em primeira linha, de questões antes não suscitadas no Tribunal de 1.ª instância, ao Tribunal de recurso apenas cumpre conhecer das questões suscitadas e daquelas que, não o tendo sido, sejam de conhecimento oficioso.
O Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Os recursos (ordinários) constituem meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas (cfr., entre outros, o acórdão do STJ de 14-05-93, in CJSTJ, 93, II, p. 62 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-11-95, in CJ, 95, V, p. 98).
Assim, ressalvada a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso (cfr. Ac. STJ de 23-03-96, in CJ, 96, II, p. 86), encontra-se excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso.
“A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa, pelo que o tribunal ad quem não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2012, Processo 169487/08.3YIPRT-A.C1, relator HENRIQUE ANTUNES).
Dito de outro modo, conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-11-2017 (Processo 1724/15.3T8VRL.G1, relator JOSÉ AMARAL): “O recurso não é meio próprio para requerer novas provas que deviam ter sido apresentadas ou produzidas no momento processualmente oportuno (muito menos para repetir as que, em 1ª instância, tenham sido indeferidas), ainda que, ao motivar a decisão da matéria de facto, o tribunal recorrido assinale a sua falta”.
É que, de facto, “os recursos são meios de modificar decisões e não de criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre, visando, assim, um reestudo das questões já vistas e resolvidas pelo tribunal recorrido e não a pronúncia sobre questões novas” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-04-2019, Processo 10776/15.5T8PRT.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES).
De acordo com o n.º 1 do artigo 5.º do CPC, as partes têm o ónus de alegar os factos essenciais, que constituem a causa de pedir e os que baseiam as exceções invocadas.
Assim, factos essenciais são “os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção, sendo absolutamente indispensáveis identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes” (cfr., Lopes do Rego; Comentário ao Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2004, Almedina, pp. 252-253).
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-02-2018 (Pº 1118/15.0T8VLG.P1, rel. CARLOS QUERIDO), “os factos sobre os quais deve incidir a prova são, assim, os factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado. Consequentemente, só os referidos factos essenciais devem ser incluídos na referida descriminação, levando-se em conta as regras de repartição do ónus da prova, dela ficando de fora toda matéria de direito, os factos conclusivos, os factos instrumentais e a mera impugnação dos factos essenciais, mesmo que motivada”.
No caso dos autos, o facto pretendido aditar pela recorrente aos factos provados, não foi objeto de alegação pelas partes, em momento anterior ao do presente recurso, não fundamentando a causa de pedir invocada na petição de embargos, nem foi objeto das questões a decidir.
De facto, a questão inerente à execução de um contrato de serviços de contabilidade não formalizado por escrito não foi suscitada precedentemente nos autos pela embargante, configurando-se a invocação da mesma (a forma/falta de forma e a consequente nulidade, por violação dos artigos 70.º, n.º 5 do EOCC e 9.º, n.º 1, do CDCC, ambos com a redação dada pela Lei n.º 139/2015 de 7 de setembro, artigos 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro), no momento em que ocorreu, como a dedução de uma “questão nova”.
De facto, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-11-2018 (Processo 212/16.5T8PTL.G1, rel. AFONSO CABRAL DE ANDRADE), “quando um recorrente vem colocar perante o Tribunal superior uma questão que não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, então estamos perante o que se costuma designar de questão nova. Por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido, pois só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido”.
Assim, não tendo constituído objeto da decisão recorrida, a decisão sobre tal questão teria que ter sido, tempestivamente, objeto de oportuna alegação, o que não sucedeu.
Por outro lado, a mesma questão não é passível de ser conhecida oficiosamente por este Tribunal de recurso, sendo certo que, a eventual nulidade decorrente da celebração de um contrato de prestação de serviços de contabilidade não celebrado pela forma escrita será mera consequência da determinação da falta de formalização por escrito de um tal contrato.
De acordo com o exposto, conclui-se por uma resposta negativa à questão formulada.
*
M) Se a decisão recorrida, ao considerar que o ónus da prova da demonstração da inexistência do contrato de prestação de serviços celebrado entre embargante e a Pactusmar, pertencia à embargante, violou os artigos 70.º, n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Contabilistas Certificados, 9.º, n.º 1, do Código Deontológico dos Contabilistas Certificados, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro e dos artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC?
Mas, em termos derradeiros e – diga-se, ainda com mais criatividade – a embargante concluiu no recurso, na decorrência da precedente alegação o seguinte:
“(…) 130. Daí decorrendo (i) senão a nulidade daquele contrato, nos termos do artigo 220.º do Código Civil (hipótese refutada pelo Ac. TRP, datado de 26.06.2008), (ii) em alternativa à mesma, (caso se considere, como se considerou, que a Embargada, por ser possuidora de uma letra de câmbio, está dispensada do ónus da prova dos factos constitutivos do direito de crédito que invoca), a aplicação ao caso “sub judice” do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC: “2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”;
131. Assim, provando-se que a primitiva Embargada, a Pactusmar, omitiu culposamente a formalização por escrito do contrato de prestação de serviços que alega ter celebrado com a Embargada, dever-se-á entender que a mesma (i) tornou culposamente impossível à Embargante, através da forma legalmente/estatutariamente prescrita, produzir prova de que o mesmo tal contrato não existe e ou do seu alegado conteúdo e que (ii) tal omissão dificulta extremamente a prova sobre a sua (in)existência e ou sobre o seu putativo conteúdo, que deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento.
132. Nas situações em que ocorra um comportamento culposo da parte não onerada que torne impossível ou extremamente dificultosa a prova pela parte onerada, a inversão do ónus de prova sobre a parte faltosa poderá ser determinada a coberto do disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC (Ac. do STJ, datado de 24-05-2018).
133. Com efeito, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem equiparado a impossibilidade à grave dificuldade da prova, entendendo que, neste último caso, há também lugar à inversão do ónus da prova se o onerado não puder produzi-la por culpa da contraparte (vide Ac. TRC, de 19/12/2012, Proc.º n.º 31156/10.3YIPRT.C1, in www.dgsi.pt onde vêm citados outros três acórdãos no mesmo sentido, a saber, Ac. TRP, de 18/5/78, in CJ, 78, IIÍ, pág. 847 e de 9/10/79, in CJ, 79, IV, pág. 1276 e Ac. STJ, de 18/3/83, in BMJ n° 324, pág. 584);
134. De igual forma, também a doutrina tem defendido que, quando a prova não for possível ou se tornar extremamente difícil, àquele que, segundo as regras do art.º 342.º do CC, teria de o fazer, o ónus da prova deixa de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte (cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 106, 314, Ano 103, 509 e Estudo sobre Provas, no BMJ 110 a 112, n.º 17);
135. Sendo esta a solução legalmente aplicável ao caso, sob pena de se verificar por parte da primitiva Embargante um autêntico abuso de direito (artigo 334.º, do CC), na modalidade de “venire contra factum proprium”, na medida em que à Pactusmar seria permitido violar a forma legalmente/estatutariamente exigida para o contrato que invoca ter celebrado com a Embargante, e, em simultâneo, beneficiar da circunstância (a que culposamente deu azo e que constitui infracção disciplinar) de a mesma não poder cumprir o ónus da prova que lhe competiria com recurso a um contrato escrito.
136. Consequentemente, mesmo que se entenda (como se entendeu na douta decisão recorrida) que o ónus da prova quanto à inexistência de uma efectiva relação subjacente à letra era da Embargante, dever-se-á considerar invertido o ónus da prova, considerando que, no caso concreto, tratando-se alegadamente de dívida emergente de um pretenso contrato de prestação de serviços de contabilidade, não tendo a Embargada junto qualquer contrato escrito, antes alegando que a prestação de serviços de contabilidade foi acordada (verbalmente) entre FM e CM, e tendo o Gerente da primitiva Embargada declarado como Testemunha que nunca, ao longo de vários anos, foi feito qualquer contrato por escrito e que não existia qualquer documento que pudesse confirmar a relação contratual alegada na Contestação aos Embargos, fosse qual fosse (além da fatura apenas emitida em 25.09.2014), conforme consta da gravação áudio transcrita nas alegações supra.
137. Daí resultando que – ao invés do decidido – deveria o Tribunal “a quo”, no caso “sub judice”, ter considerado que cabia a parte Embargada a prova (por via de prova testemunhal ou outra prova documental) que o contrato de prestações de serviços foi celebrado entre a Espaço Curvo e a Pactusmar e qual o respectivo conteúdo, prova que, convenhamos, lhe deveria ser fácil ao fim de vários anos de alegada execução de serviços, caso efectivamente os tivesse prestado.
138. Ora, não tendo a Embargada produzido tal prova e tendo FM declarado que não existia um único documento que a provasse, deveria o Tribunal “a quo” ter julgado como procedentes os Embargos.
139. Ao julgar, como julgou, no sentido de considerar que, no caso “sub judice”, face à indiscutível e assumida inexistência de qualquer contrato escrito que comprove (ou infirme) que os serviços de contabilidade foram contratados à Embargada Pactusmar pela Embargante mediante o pagamento da avença alegada, o ónus da prova da demonstração da inexistência de tal contrato pertencia à Embargante, violou os artigos 70.º, n.º 5 do EOCC e 9.º, n.º 1, do CDCC, ambos com a redação dada pela Lei 139/2015 de 7 de setembro, os artigos 7.º, n.º 2 e 52.º, n.º 5, do ECTOC, na redacção inicial do DL n.º 452/99, de 05 de Novembro, bem como, os artigos 334.º e 344.º, n.º 2, do CC (…)”.
Vejamos:
Deduzida execução, o executado pode opor-se à mesma por embargos, a deduzir no prazo de 20 dias, a contar da citação (cfr. artigo 728.º, n.º 1, do CPC).
Os fundamentos de embargos variam consoante o título dado à execução, sendo, naturalmente, mais restritos, quando a execução se baseia em sentença (cfr. artigo 729.º do CPC), sendo que, no caso de a execução ser baseada em qualquer outro título, de harmonia com o previsto no artigo 731.º do CPC, “além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.
Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo declarativo (cfr. artigo 732.º, n.º 2, do CPC).
A instrução da causa tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (cfr. artigo 410º do CPC).
Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (cfr. artigo 411.º do CPC), devendo o tribunal tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado (cfr. artigo 413º do CPC).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve -se contra a parte a quem o facto aproveita (cfr. artigo 414.º do CPC).
O julgamento da matéria de facto faz-se de acordo com o estatuído nos artigos 413.º e 607.º, n.ºs. 4 e 5, do CPC: O juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência; o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes).
O Tribunal não pode, todavia, abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio (cfr. artigo 8.º, n.º 1, do CC).
Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (os que respeitam à existência do direito ou pretensão no momento em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se) – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC.
Por seu turno, a prova dos factos impeditivos (as ocorrências imputadas no momento em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se e que obstam à formação do direito ou pretensão), modificativos (os que alteram objetiva ou subjetivamente o direito validamente constituído) ou extintivos (os que, em momento posterior àquele em que a relação jurídica se forma ou acaba de formar-se, operam a cessação dos efeitos da relação constituída) do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita – cfr. artigo 342.º, n.º 2, do CC.
Assim, o que verdadeiramente releva, em sede do chamado “ónus (objetivo) da prova”, é saber a que parte interessa que certos factos essenciais alegados acabem demonstrados no processo, para efeitos da decisão jurisdicional.
Assim, se o juiz, no final da fase da instrução, ficar em situação de dúvida irresolúvel sobre determinada factualidade, julgará a mesma em sentido contrário aos interesses da parte que seria beneficiada pela demonstração dessa factualidade; por outras palavras, julgará como não provados os factos essenciais em que se baseia a pretensão do autor ou do réu.
Em consequência disso, a repartição legal do ónus da prova deve ser vista, sobretudo, como um verdadeiro critério de decisão do juiz da matéria de facto, em caso de dúvida sobre a realidade de um facto. Reporta-se ao risco que cada uma das partes corre quanto à demonstração ou não demonstração de certo facto essencial à sua pretensão; tal risco decorre de, na dúvida irresolúvel sobre a realidade de certo facto, o juiz dos factos ter o dever legal de decidir contra a parte a quem interessava a demonstração da mesma.
A regra do ónus da prova traduz-se num critério decisório do juiz e, mediatamente, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo-se na desvantajosa consequência de se ter tal facto como inexistente.
Pode, pois, dizer-se que as regras de repartição do ónus (objetivo) da prova, a que se referem os artigos 342º e 343º do CC e 414º do CPC, constituemum regime jurídico dirigido imediatamente ao julgador e não apenas às partes (cf. artigos 413.º do CPC e 8.º, n.º 1, do CC).
Não corresponde, portanto, a um verdadeiro ónus (no sentido de necessidade, imposta pela ordem jurídica a uma pessoa, de proceder de certo modo para conseguir ou manter uma vantagem), nem a uma tarefa a cargo das partes, embora naturalmente as impulsione a certa atividade processual no respetivo interesse.
As partes fornecerão as provas em atenção aos seus interesses (assim H. D. ECHANDIA, Teoria General de La Prueba Judicial, 5ª Ed, Buenos Aires, Ed. Victor P. de Zavalía, 1981, p. 424).
Assim, o ónus da prova encontra-se diretamente associado a um risco processual: o risco de, sendo insuficiente a prova produzida, a parte ver desatendida a sua pretensão (assim, José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª. Ed., Coimbra Editora, 1985, p. 272).
Ou seja, como afirma Rita Lynce de Faria (A Inversão do ónus da prova no direito civil português, Universidade Católica Editora, 2018, pp. 10-11): O ónus da prova “apenas adquire relevância se, no final do processo, não tiver sido carreada por qualquer dos sujeitos processuais a prova necessária para a demonstração dos factos relevantes para a procedência da respetiva pretensão”.
Ora, conforme se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2018 (Pº 4353/15.8T8LOU-A.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA), “nos embargos de executado não é o embargado que tem o ónus da prova do seu crédito mas sim o embargante que tem o ónus da prova dos fundamentos pelos quais sustenta que o crédito não existe ou é inexequível”.
Ou seja: “Nos embargos de executado, as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram, cabendo ao executado que deduz embargos a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no art. 342º do Código Civil” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-11-2020, Pº 4081/12.6TVNF-B.G1, rel. ALCIDES RODRIGUES).
De semelhante modo, considerou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17-01-2017 (Pº 3161/12.2TBLRA-A.C1, rel. VÍTOR AMARAL) o seguinte: “Compete ao executado/embargante, que invoca a exceção do preenchimento abusivo da letra de câmbio emitida em branco ou outros meios de defesa relativos à relação extracartular, o ónus da alegação e prova da factualidade constitutiva da exceção/meios de defesa (art.º 342.º, n.º 2, do CCiv.). Perante o vigente regime cartular, cabe, pois, a tal embargante demonstrar a inexistência ou inexigibilidade da dívida exequenda, não se impondo ao exequente, portador legítimo do título de crédito, assinado/subscrito pelo demandado, a prova – como teria de fazer em ação declarativa, se destituído de título executivo – da realidade/exigibilidade da dívida”.
Ou seja: “Os embargos de executado constituindo-se como uma oposição à execução que visa pôr em causa o reconhecimento do direito que resulta do título, apresentam-se como uma verdadeira acção declarativa que corre por apenso à execução. Nesta medida, não é o exequente que tem de fazer prova de que o crédito existe e do seu montante, mas antes o executado/embargante que tem de alegar e provar os factos que servem de fundamento à oposição que apresenta, designadamente, em se tratando de título de crédito, que este não foi preenchido de acordo com o pacto de preenchimento ou que uma parte do crédito reclamado já se encontra pago” (cfr., Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2019, Pº 2450/16.1T8PRT-A.P1, rel. INÊS MOURA).
Ora, o único fundamento apresentado em sede de petição inicial de embargos pela embargante assentou na inexistência da relação subjacente à letra dada à execução, justificando, na contestação aos embargos, que a embargada viesse contrapor, de acordo com a alegação que produziu, que a relação existiu, nos termos em que a configurou.
Sucede que, produzida prova e efetuado o julgamento da causa, não logrou a embargante demonstrar a inexistência de relação causal ou subjacente à emissão da letra dada à execução, o que conduziu à improcedência dos embargos.
Pelos motivos expressos na decisão recorrida, a versão apresentada pela exequente, sobre o acordo que mencionou ter sido celebrado, também não se logrou provar.
E, nessa medida, acionando as mencionadas regras do ónus probatório, o Tribunal julgou a causa em conformidade.
Todavia, pretende a recorrente que deva ter aplicação ao caso o disposto no artigo 344.º, n.º 2, do CC.
Vejamos:
Estatui o artigo 344.º do CC – com a epígrafe “Inversão do ónus da prova” – o seguinte:
“1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.
2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações”.
Não se vislumbrando caso de aplicação da inversão do ónus da prova, por força do previsto no n.º 1 do artigo 344.º do CC, ainda assim, a recorrente formulou a conclusão 131.ª do recurso onde explanou o seguinte:
“131. Assim, provando-se que a primitiva Embargada, a Pactusmar, omitiu culposamente a formalização por escrito do contrato de prestação de serviços que alega ter celebrado com a Embargada, dever-se-á entender que a mesma (i) tornou culposamente impossível à Embargante, através da forma legalmente/estatutariamente prescrita, produzir prova de que o mesmo tal contrato não existe e ou do seu alegado conteúdo e que (ii) tal omissão dificulta extremamente a prova sobre a sua (in)existência e ou sobre o seu putativo conteúdo, que deve referir explicitamente a sua duração, a data de entrada em vigor, a forma de prestação de serviços a desempenhar, o modo, o local e o prazo de entrega da documentação, os honorários a cobrar e a sua forma de pagamento”.
Sucede que, não obstante tal laboriosa alegação, a mesma encontra-se carecida de substrato factual que a sustente, não se verificando os pressupostos para a sua aplicação, pois, seria necessário concluir-se que a parte embargada “tornou culposamente impossível a prova ao onerado”…
Na realidade, para que se verifique a situação a que se reporta o n.º 2 do artigo 344.º do CC, “é necessário, para que se produza uma inversão do ónus da prova, que cumulativamente exista, primeiro, uma impossibilidade de produção de prova por parte do onerado e, segundo, que essa impossibilidade tenha resultado de comportamento culposo da parte contrária” (assim, Rita Lynce de Faria; A inversão do ónus da prova no direito civil português; Universidade Católica Editora, 2018, p. 58).
Conforme refere, noutro local, Rita Lynce de Faria (anotação ao artigo 344.º do Código Civil, no Comentário ao Código Civil – Parte Geral; Universidade Católica Editora, 2014, p. 818), “[n]aturalmente que por detrás desta inversão se encontra, para além de uma intencionalidade sancionatória para aquele que culposamente impossibilitou a prova, a regra empírica de que aquele que destrói culposamente um meio de prova receará o seu resultado”.
E, conforme acrescenta a referida Autora (loc. e p. citados), “há que demonstrar, em juízo, a efetiva impossibilidade da prova, bem como a atitude culposa da parte contrária como causa desse facto. Só nessa circunstância ocorre a inversão”.
Ora, desde logo, é evidente que o n.º 2 do artigo 342.º do CC não prevê uma inversão do ónus da prova quando esteja em causa a prova de factos negativos (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2021, Pº 1924/17.1T8PNF.P1, rel. NELSON FERNANDES) pelo que, em primeira linha, era à embargante que caberia o ónus de demonstração e prova da inexistência de causa ou relação subjacente à emissão do título dado à execução, mas, também, não é menos certo que, não resulta de qualquer modo comprovado que tenha ocorrido relativamente à embargante alguma impossibilidade probatória do onerado com a prova - antes se tendo viabilizado uma larga instrução para que as partes pudessem, nos termos legais, produzir prova sobre o litígio em apreço e sobre os fundamentos em que assentaram as respetivas posições – nem, igualmente, que tenha havido algum comportamento culposo da parte da embargada no sentido de impedir ou dificultar a prova com que a embargante se encontrava onerada.
O mesmo se diga, relativamente a nova invocação de violação da norma que proíbe o abuso de direito, a qual, para ser sancionada, suporia a comprovação de algum comportamento abusivo da embargada, o qual, todavia, não logrou a embargante demonstrar, nem o mesmo resulta, de qualquer modo, dos autos.
Improcedem, pois, as conclusões em contrário da embargante, não se vislumbrando, na decisão recorrida, a violação dos normativos por esta referenciados.
*
A apelação improcederá, devendo manter-se, nos seus precisos termos, a decisão recorrida.
*
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Vencidos” são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou parcial dos seus interesses.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
Em conformidade com o exposto, mantendo-se a decisão recorrida, a responsabilidade tributária inerente incidirá, in totum, sobre a embargante/apelante, que decaiu integralmente na presente instância recursória – cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC.
*
5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter, na íntegra, a sentença recorrida, datada de 13-12-2021.
Custas pela embargante/apelante.
Notifique e registe.

Lisboa, 24 de março de 2022.
Carlos Castelo Branco
Orlando dos Santos Nascimento
Maria José Mouro Marques da Silva