Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | CARLOS MIGUEL SANTOS MARQUES | ||
| Descritores: |  LEGITIMIDADE PASSIVA SINGULAR REQUERIMENTO EXECUTIVO INDEFERIMENTO LIMINAR CONTRADITÓRIO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: |  Sumário (elaborado pelo relator): I. A ilegitimidade processual singular, configurando uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao prosseguimento dos autos (cfr. artigos 551º/1, 576º/1 e 2, 577º/e), 578º do Código de Processo Civil) e pode determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. artigo 726º/1 e 2-b) do Código de Processo Civil), é insuprível. II. O despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo, precisamente porque é um despacho liminar (proferido nos casos legalmente previstos), não deve ser antecedido de contraditório - sem que tal traduza uma decisão surpresa e determine a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º/3 do Código de Processo Civil. III. Não obstante, instaurada uma execução para pagamento de quantia certa, por quem não figura como credor no título executivo, e tendo sido alegada pela exequente, nos termos do artigo 54º/1 do Código de Processo Civil, a sucessão no direito, sem que dos documentos juntos resulte demonstrada a inclusão do crédito exequendo na lista de créditos transmitidos, não pode o tribunal proferir despacho de indeferimento liminar sem previamente convidar a exequente a fazer prova de tal qualidade, juntando os documentos em falta.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA I - Relatório. 1. Scalabis - STC, S.A., instaurou a presente execução comum, para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, contra AA, dando à execução, como título executivo, uma livrança subscrita pelo executado em nome de Novo Banco, S.A.. Invocou, e documentou, a cessão de créditos em massa, bem como de todas as suas garantias e acessórios a ele inerentes, com inclusão do direito de crédito titulado pela livrança dada à execução, do Novo Banco, S.A., para a sociedade LX INVESTMENT PARTNERS III, S.A.R.L., e desta, por sua vez, para a ora exequente. 2. Após distribuição, conclusos os autos, o tribunal recorrido indeferiu liminarmente o requerimento executivo, nos seguintes termos: «Scalabis – Stc, S.A. veio propor contra AA, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa, apresentando como título executivo por uma livrança em que consta como beneficiário o Banco Espírito Santo. * Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, conferindo o art. 703º, al. c), do N.C.P.C. “títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”. Por outro lado, reportando-nos à acção executiva, a base legal do conceito de legitimidade reside no art. 53º, n.º 1 do N.C.P.C., segundo o qual «a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor». Ou seja, a aferição da legitimidade é inequivocamente feita em função da posição que as partes ocupam no título dado à execução. Logo, a legitimidade do exequente só está assegurada se no título constar o seu nome, na qualidade de credor. Mas existem desvios à norma contida no citado art. 53º, n.º 1, que constam do art. 54º, n.º 1, do N.C.P.C., nos termos do qual, «tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda». Ora, compulsados os documentos juntos aos autos verifica-se que o Novo Banco e a sociedade LX INVESTMENT PARTNERS III celebraram em 22/12/2021 um contrato de cessão de créditos e esta última e a Exequente celebraram em 30/05/2022 um contrato de cessão de créditos. Contudo, os referidos documentos não identificam quais os créditos titulados pelas cedentes que são objecto de cessão, ou seja, não resulta dos documentos juntos que o crédito que se encontra reclamado e titulado pela livrança apresentada à execução foi objecto dos ditos contratos, e, como tal, cedido à Exequente. Isto porque os anexos daqueles contratos, respectivamente, mostram-se em branco, inexistindo possibilidade de confirmar que os ditos contratos incluem o crédito constante da livrança dada à execução. Conclui-se, assim, que os documentos juntos aos autos não permitem concluir que o crédito exequendo foi objecto dos contratos de cessão invocados. Logo, é manifesta a ilegitimidade da Exequente para demandar na presente acção executiva, na posição de credora. * Lê-se no art. 726º, nº 2, al. b) do N.C.P.C. que «o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando ocorram excepções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso». Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, sendo manifesta a ilegitimidade da exequente, indefiro liminarmente o requerimento executivo.» 3. A exequente, não conformada com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando as respetivas alegações, onde formulou as seguintes conclusões: 1. A. A Apelante pretende ver revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo – Juiz 9, do Juízo de Execução de Lisboa, que indeferiu liminarmente o requerimento executivo por esta apresentada; 2. B. Entendeu o Tribunal a quo que é manifesta a ilegitimidade da Exequente para demandar na presente ação executiva, na posição de credora (…) sendo manifesta a ilegitimidade da exequente, indefiro liminarmente o requerimento executivo; 3. C. Considerou, ainda, o Tribunal a quo que dos documentos juntos aos autos não permitem concluir que o crédito exequendo foi objeto dos contratos de cessão invocados; 4. D. A Apelante considera que o Tribunal a quo cometeu uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório; 5. E. Tal violação do princípio do contraditório ocorreu, uma vez que, a Apelante não foi ouvida antes de ser proferido o despacho liminar de citação; 6. F. Entende-se que, o princípio do contraditório implicaria que a Apelante fosse notificada/ouvida para, querendo, suprir a alegada ilegitimidade; 7. G. A decisão de indeferimento liminar constitui para a Apelante uma decisão-surpresa; 8. H. Não são admitidas decisões-surpresa no nosso ordenamento jurídico, mesmo quando se colocam à apreciação do Tribunal a quo questões referentes a exceções de conhecimento oficioso; 9. I. É mandatário para o Juiz o cumprimento do princípio do contraditório; 10. J. A dispensa de audição das partes, em caso de indeferimento liminar, ocorre quando o vicio é de tal modo grave que não pode ser, por qualquer forma, suprido; 11. K. No caso em apreço e, tratando-se do pressuposto da legitimidade, é consabido que o vicio é suprível; 12. L. Nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência e pela Doutrina que o Juiz tem o dever de convidar a parte a suprir a irregularidade, ouvindo-a no âmbito do processo e convidando-a a juntar os elementos complementares de prova; 13. M. In casu, o Tribunal a quo proferiu decisão de indeferimento liminar do requerimento executivo, com base na ilegitimidade, sem ter, me momento algum, notificado a Apelante para vir suprir o alegado vicio processual; 14. N. Considera a Apelante que o Tribunal a quo se limitou a reproduzir uma decisão já proferida noutro âmbito não tendo respeitado o mais elementar princípio em que sedimenta o processo civil – princípio do contraditório; 15. O. A decisão de que se recorre padece de nulidade processual; 16. P. Atendendo aos motivos expostos, é forçoso concluir-se que a decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada, por contrária à lei e ao Direito. Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida pelo do Tribunal “a quo”, determinando-se o prosseguimento dos autos executivos. 4. Notificado o executado para os termos do recurso e da causa, não foram apresentadas contra-alegações. * II - Fundamentação. Delimitação do objeto do recurso e questões a decidir. O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas1. Por outro lado, devemos ter em consideração que os recursos estão legalmente configurados como um meio processual que visa a reapreciação de uma decisão judicial, não podendo ter por objeto “questões novas” não suscitadas e não conhecidas pelo tribunal recorrido - a não ser, também, que se tratem de questões de conhecimento oficioso. Neste sentido, o tribunal superior não efetua um reexame ou novo julgamento da causa, limitando-se a controlar a correção da decisão recorrida, em função das conclusões apresentadas, reapreciando-a perante os elementos probatórios averiguados até ao momento da prolação da decisão recorrida2. Assim, analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede e estando em causa uma questão de direito, cumpre apreciar e decidir: a) Se o tribunal recorrido cometeu uma nulidade processual, ao indeferir liminarmente o requerimento executivo, sem ouvir previamente a exequente; b) Se o tribunal recorrido devia ter convidado a exequente a documentar a sua legitimidade processual. * B. Factos provados. A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação interposta pela recorrente é a que se mostra indicada no relatório do presente acórdão, para o qual se remete, devendo ter-se, ainda, em consideração, com relevo para a decisão a proferir, em função da prova documental junta com o requerimento executivo (cfr. artigos 662º/1 e 663º/2 e 6 do Código de Processo Civil), que a exequente, tendo juntado cópias dos invocados contratos de cessão de créditos, não documentou a inclusão do crédito exequendo no âmbito das referidas cessões de crédito. * C. Do direito. Toda a execução, nos termos previstos no artigo 10º/5 do Código de Processo Civil, tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva, figurando, entre os diversos títulos executivos previstos na lei, nos termos do artigo 703º/1-c), os títulos de crédito. No caso em apreço a exequente deu à execução, como título executivo, uma livrança (que titula um direito de crédito – no valor de 11.264,07€) subscrita pelo executado e em nome de Novo Banco, S.A.. Centrado o recurso na questão da (i)legitimidade processual da exequente, dispõe o artigo 53º/1 do Código de Processo Civil, a propósito da «legitimidade do exequente e do executado», que «a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor». No entanto, a lei, prevendo a possibilidade de a pessoa que figura no título como credora não ser a exequente e de a pessoa que figura no título como devedor não ser o executado, justificando-se em ambos os casos que se considerem partes legítimas, consagrou no artigo 54º do Código de Processo Civil «desvios à regra geral da determinação da legitimidade». Assim, nos termos previstos no n.º 1 do mencionado artigo (que consagra um dos desvios à regra da legitimidade3), «tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão». Uma vez que no título de crédito figura como credora a sociedade Novo Banco, S.A., que é pessoa jurídica diversa da exequente, a legitimidade da ora exequente só se encontraria assegurada se a mesma alegasse e provasse (documentasse) ter sucedido no direito de crédito daquela sociedade (deduzindo os factos constitutivos da sucessão) - de modo a que a execução possa correr entre a sucessora da pessoa que no título figura como credora da obrigação exequenda e a pessoa que no título tem a posição de devedor. Tal como resulta dos autos, a exequente alegou e documentou ter havido uma cessão de créditos em massa da sociedade Novo Banco, S.A., para a sociedade LX INVESTMENT PARTNERS III, S.A.R.L., e, mais tarde, desta sociedade para a sociedade exequente SCALABIS – STC, S.A.. A questão que é colocada e fundamenta a decisão recorrida tem a ver com o facto de os contratos de cessão de créditos juntos com o requerimento não permitirem concluir que direitos de crédito foram cedidos e, mais concretamente, se o direito de crédito titulado pela livrança em causa nos autos figura entre os direitos de crédito objeto da cessão. Colocada a questão nestes termos, temos para nós como certo que o tribunal recorrido não podia indeferir liminarmente o requerimento executivo sem previamente ter dado a oportunidade à exequente de documentar a inclusão do crédito exequendo nas referidas cessões de créditos, até porque, mais do que uma questão de legitimidade processual, o que está em causa, neste momento, é ainda a prova/documentação da titularidade do direito de crédito, em consequência da invocada transmissão do direito. A ilegitimidade processual singular, configurando uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao prosseguimento dos autos (cfr. artigos 551º/1, 576º/1 e 2, 577º/e), 578º do Código de Processo Civil) e pode determinar o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. artigo 726º/1 e 2-b) do Código de Processo Civil), é, no seguimento da doutrina e jurisprudência dominantes, insuprível4 – cfr. Remédio Marques (in Curso de processo executivo comum, 2000, pg. 120); António dos Santos Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, 2ª ed, Vol. I, , pg. 258; e in Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª ed, Vol. II, , pgs. 59 e 64 e 65); AcSTJ de 28-01-2025 (rel. Cons. Maria do Rosário Gonçalves); AcRL de 10-10-2024 (rel. Des. Amélia Puna Loupo); AcRP de 09-09-2024 (rel. Des. Eugénia Cunha); AcRG de 10-09-2020 (rel. Des. Rosália Cunha)5. Configurando uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, e estando em causa no presente recurso um despacho de indeferimento liminar com tal fundamento, contrariamente ao sustentado pela recorrente, precisamente porque se trata de uma decisão liminar (sem outro despacho ou contraditório), o mesmo podia ter ser proferido sem a prévia audiência da parte, sem que exista violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3º/3 do Código de Processo Civil – cfr. AcRL de 22-05-2025 (rel. Des. Cláudia Barata), AcRL de 10-10-2024 (rel. Des. Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia), AcRL de 04-02-2020 (rel. Des. José Capacete), AcRE de 11-04-2019 (rel. Des. Rui Machado e Moura), AcSTJ de 24-02-2015 (rel. Cons. Ana Paula Boularot)6, AcRC de 27-02-2018 (rel. Des. Jorge Arcanjo). No entanto, como acima referimos, podendo estar em causa uma situação de ilegitimidade singular, a mesma não era ainda manifesta, já que a exequente e ora recorrente invocou ter adquirido o direito de crédito em discussão nos autos, tendo omitido apenas a documentação de tal facto e, mais concretamente, que o crédito exequendo figura entre os créditos objetos da cessão de créditos, pelo que o tribunal não podia proferir despacho de rejeição liminar da execução sem previamente convidar a exequente a provar/documentar tal facto. Na verdade, podendo a questão colocar-se em termos de (i)legitimidade singular (ativa), tal questão apenas poderia ser decidida em face da análise dos documentos que sustentam a legitimidade da exequente ou, em face a sua incompletude, após convite à junção dos documentos em falta, que provem a qualidade de cessionária do crédito titulado no título de crédito (e na falta de junção de tais documentos ou perante a não prova de tal qualidade em face dos documentos juntos). Ao invés da ilegitimidade processual, estava em causa ainda a prova de tal qualidade. No campo da legitimidade singular a exequente e ora recorrente é sempre parte legítima, desde que alegue e prove a transmissão/sucessão no direito de crédito, nos termos previstos no artigo 54º/1 do Código de Processo Civil. Alegada a transmissão, o tribunal não podia indeferir liminarmente o requerimento executivo sem conceder à exequente a possibilidade de provar a factualidade alegada relativa à transmissão do direito de crédito. Neste sentido, Lebre de Freitas (in A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 8ª ed., 2024, pg. 149) ensina que é dispensado o incidente da habilitação no caso de a sucessão ter ocorrido antes da propositura da ação executiva, mas que a lei não dispensa o exequente de, liminarmente, provar, como nele faria, os factos constitutivos do seu direito de crédito, nos termos alegados. E, assim, enquanto não estiverem estabelecidos os factos constitutivos da sucessão, o juiz não pode, quando haja lugar a despacho liminar, proferir despacho de citação, devendo mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir a petição, por ilegitimidade da parte, não só quando não forem alegados os factos em que a sucessão se funda, mas também quando não for oferecida a respetiva prova. No mesmo sentido, decidiu o AcRL de 04-04-2019 (rel. Des. António Valente) que: «– Em acção executiva, não sendo o exequente a pessoa que figura no título executivo como sujeito do direito e não tendo sido alegada a transmissão de tal direito, deve o juiz convidar o exequente a aperfeiçoar o requerimento executivo, alegando os factos constitutivos da transmissão, nos termos do art. 726º nº 1 do CPC. – Não tendo o juiz feito tal convite ao exequente, e invocada pelo executado em sede de embargos, a falta de legitimidade do exequente, nada impede que este alegue na contestação os factos constitutivos da transmissão, já que se trata de uma falta de pressuposto passível de sanação. – De resto, e nos termos do art. 734º nº 1 do CPC, o próprio juiz estava em tempo para convidar o exequente a sanar a aludida falta de pressuposto»7. Nestes termos, apesar de não ter sido violado o princípio do contraditório ou proferida uma decisão surpresa, porque o tribunal recorrido proferiu despacho de indeferimento liminar sem previamente ter convidado a exequente a provar/documentar a sua legitimidade (e em particular a aquisição do concreto crédito exequendo), procede a apelação - devendo a recorrente, atento o proveito obtido com a decisão, ser condenada nas custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do regime de custas de parte. * III – Decisão. Em face do supra exposto, acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação totalmente procedente e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que convide a exequente a juntar aos autos os documentos em falta, tendo em vista a prova da sucessão no direito de crédito, seguindo-se os demais trâmites legais. Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 23 de outubro de 2025. Carlos Miguel Santos Marques Gabriela de Fátima Marques Cláudia Barata _______________________________________________________ 1. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado. De onde resulta, também, que as questões de mérito decididas pela 1ª instância e que não foram levadas às conclusões do recurso se devem considerar decididas, com esgotamento do poder jurisdicional quanto a elas, estando vedado o seu conhecimento ao tribunal de recurso. 2. Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 8ª ed. Atualizada (2024), pgs. 163 a 166; Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, Volume I, 2025, pgs. 348 a 366; e Luís Filipe Espírito Santo, in Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, 2020, pgs. 7 a 13. 3. Que Lebre de Freitas qualifica como uma exceção ao regime regra da legitimidade (in A ação executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 8ª ed., 2024, pg. 148). 4. Vg. A demanda B, quando o sujeito da relação material controvertida, do lado ativo ou passivo, é outra pessoa. 5. Admitindo a possibilidade de suprimento da ilegitimidade singular vide o AcRP de 04-05-2023 (rel. Des. Isoleta de Almeida Costa). 6. Decidiu este aresto que: «I A decisão surpresa faz supor que a parte possa ser apanhada em falta por uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido por si configurada. II A imposição de um despacho liminar prévio a um despacho liminar constitui uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar (cfr artigos 173 e 174º do EMJ), não faz qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso. III Nestas circunstâncias não há qualquer decisão surpresa na prolação de um despacho liminar de rejeição por extemporaneidade na interposição de um recurso, posto que é a própria Lei a prevenir expressamente esse fundamento específico para tal rejeição (…)». 7. No mesmo sentido decidiu, ainda, o já citado AcRL de 04-02-2020 (rel. Des. José Capacete) [«(…) 6. Num incidente de habilitação de cessionário em que a cessão de créditos, necessariamente objeto de documentação, ocorreu fora do processo, deve o título de cessão, documento essencial à prova de um pressuposto da situação jurídica que se pretende fazer valer, ser junto com o requerimento inicial. 7. Tal incidente não deve prosseguir termos no caso de o juiz considerar que a cessão não se encontra devidamente documentada, situação que, no entanto, não lhe pode dar azo, sem mais, à drástica decisão de indeferimento liminar do requerimento inicial e consequente rejeição do incidente por manifesta improcedência do pedido, antes lhe sendo imposta prolação de despacho pré-saneador a convidar o requerente a juntar tal documento, em prazo que tiver como razoável para o efeito. 8. É que um despacho de indeferimento liminar da petição ou do requerimento inicial, por manifesta improcedência do pedido, só pode ser proferido se não houver interpretação possível ou desenvolvimento possível da factualidade articulada que viabilize ou possa viabilizar o pedido, ou seja, se a evidência da improcedência tiver um caráter absoluto e objetivo, para poder sê-lo, se nenhuma outra construção jurídica for possível, além da expressa no despacho de indeferimento liminar»] e o AcRP de 23-05-2022 (rel. Des. Miguel Baldaia de Morais [«I - Nos casos em que, por virtude da sucessão operada na titularidade do crédito ou da obrigação exequenda, o mero exame visual do título executivo não seja suficiente para se poder aferir da legitimidade do exequente ou do executado, faz-se mister que o exequente faça a prova complementar, mediante documentos bastantes, dos factos concretos por si invocados no requerimento executivo para fundamentar a sucessão no crédito exequendo ou na obrigação exequenda. II - Por isso, enquanto não estiverem estabelecidos (por prova documental bastante) os factos constitutivos da sucessão invocados no requerimento executivo, o juiz deve mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir o requerimento executivo, por ilegitimidade da parte quando não for oferecida a respetiva prova documental. III - Na cessão de créditos o contrato que titula essa operação negocial deve permitir identificar os créditos nele englobados de molde a possibilitar saber qual o seu objeto, mormente através de lista anexa ao respetivo contrato. IV - O despacho de convite ao aperfeiçoamento, na sua economia (cfr. artigo 590º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil), está limitado à correção/complementação dos factos que a parte haja invocado em suporte da sua pretensão, e não possibilitar a alegação de novos factos essenciais (stricto sensu) que não tenham sido inicialmente alegados na peça processual que baliza o objeto do processo»].  |