Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLOS M. G. DE MELO MARINHO | ||
Descritores: | ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL COIMA PAGAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/01/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I.–A interpretação e aplicação dos n.ºs 4 e 5 do artigo 88.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO) no sentido de que é possível o diferimento ou o pagamento faseado de uma coima, em qualquer momento, em caso de recurso e não apenas de condenação por decisão definitiva ou transitada em julgado, conduziria a grave incongruência do sistema não sendo, a rejeição da sua aplicação nesses termos, materialmente inconstitucional; II.–A abstracção do disposto no n.º 5 do art. 84.º do Novo Regime Jurídico da Concorrência (NJRC), aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 08.05, e a aplicação daquela norma do RGCO conforme pretendido pela Recorrente gerariam a grave incongruência e ilegalidade de se admitir, mediante uma leitura processual artificiosa e violadora do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, que se obtivesse, afinal, efeito suspensivo de recurso, não pedido no tempo e forma próprios e com cumprimento imediato do estabelecido no Direito constituído; III.–O regime do NRJC acima enunciado constitui o apropriado mecanismo de salvaguarda de direitos dos visados relativamente a sanções impostas por decisões não transitadas; IV.–Resulta da leitura articulada dos regimes do RGCO e do NRJC que os visados têm ao seu dispor dois mecanismos paralelos e não um que anule o outro: às decisões não transitadas aplicam-se as normas indicadas do novo NRJC e às transitadas ou definitivas as do art. 88.º do RJCO. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: * I.– RELATÓRIO A EDP–GESTÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, S.A., Recorrente nos autos de recurso judicial de decisão proferida pela AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA que lhe aplicou a coima de 48 milhões de euros apresentou recurso dos despachos proferidos pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão sob as referências n.ºs 321335 e 322448 sustentando, em tal sede: Nestes termos e outros mais de direito que v. Exas. doutamente suprirão, a ora recorrente respeitosamente Requer que sejam revogadas as decisões do tribunal a quo de 13.10.2021 e 19.10.2021: A)–na parte em que decidiu proceder à emissão de certidão Executiva para pagamento antecipado da coima, uma vez que, Àquela data, a edp produção não estava em situação de Incumprimento, em consequência da postergação do anterior Prazo de pagamento que foi determinada em despacho de 11.10.2021; B)–na parte em que o tribunal a quo nega a possibilidade legal de modelação do pagamento da coima, por ilegal aplicação do regime inscrito no artigo 88.º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, aplicável ex vi artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da lei da concorrência , determinando-se a prolação de novo despacho que aprecie o impacto que o pagamento imediato da Coima implicaria à luz da situação financeira atual da EDP Produção e, consequentemente, conceda a possibilidade de diferimento do pagamento da coima ou o seu pagamento faseado. Apresentou, nesse âmbito, as seguintes conclusões: I.–Vem o presente Recurso interposto contra dois despachos proferidos pelo Tribunal a quo: o despacho datado de 13.10.2021, sob referência n.º 321335, que veio decidir promover a emissão de certidão executiva para execução antecipada e provisória da coima, antes de decorrido o prazo para pagamento da coima sem que a mesma tivesse sido liquidada; e o despacho datado de 19.10.2021, sob referência n.º 322448, que, abstendo-se de analisar a situação financeira da Visada e de aplicar juízos de prognose sobre o impacto do pagamento integral e imediato da coima, não só indeferiu a concessão do diferimento ou pagamento faseado da coima, como também negou a emissão de novas guias para pagamento, estando as anteriores já expiradas nessa data. II.–Conforme oportunamente demonstrado, por despacho datado de 13.10.2021, o Tribunal recorrido decidiu extrair e remeter ao Ministério Público certidão executiva do pagamento antecipado e provisório da coima, sem que existisse um qualquer fundamento legal para o efeito. III.–E assim é porque, naquela data, não estava verificada a condição indispensável para o desencadeamento da execução patrimonial, prevista nos artigos 89.º, n.º 1, do RGCO, e 491.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 89.º, n.º 2, do RGCO: ainda não tinha decorrido o prazo de pagamento da coima sem que a mesma tivesse sido liquidada, nem nada fazia indiciar que a EDP Produção não iria proceder a esse pagamento (bem pelo contrário). IV.–E não se diga, como pretende o Tribunal a quo no seu despacho de 19.10.2021, que: “[c]om efeito, após a prolação do despacho sob referência 321335 e respetiva notificação (lida pelo Ilustre Mandatário a 14.10.2021), assim sobrevindo decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso, devia a Arguida ter procedido ao pagamento da coima, o que poderia realizar através de depósito autónomo, ou, in limine, manifestando o propósito de o realizar.”. V.–Desde logo porque, no dia 11.10.2021, em plena sessão da audiência de julgamento e conforme exarado em ata, o Tribunal recorrido determinou que: “[n]o que respeita ao Recurso apresentado pela Recorrente, fica a mesma advertida que não terá que proceder à liquidação da coima, até sobrevir a decisão sobre o efeito a atribuir ao mesmo”. VI.–Esta decisão do Tribunal a quo foi, assim, espoletada pela EDP Produção que, ciente que naquela data terminava o prazo de pagamento de 20 (vinte) dias fixado no despacho de 21.09.2021, e estando já preparada para proceder a essa liquidação naquele dia 11.10.2021, manifestou, de forma clara e inequívoca, a sua preocupação e intenção de proceder ao pagamento da coima – questionando o Tribunal se deveria ou não avançar com essa liquidação em face da ausência de pronúncia desse mesmo Tribunal sobre o Recurso que havia sido interposto contra a determinação do pagamento antecipado da coima. VII.–Com efeito, se o aludido despacho, a dar sem efeito o prazo da ordem de pagamento, vertido na ata da audiência de julgamento, não tivesse sido proferido pelo Tribunal a quo, naquela data, a EDP Produção teria procedido ao pagamento da coima. VIII.–Através de despacho datado de 13.10.2021, o Tribunal recorrido veio a definir o efeito do recurso apresentado pela EDP Produção como meramente devolutivo. IX.–Ou seja, só em 13.10.2021 o Tribunal recorrido tomou a decisão cuja pendência o levou a dar sem efeito o prazo de pagamento da coima pela EDP Produção. X.–Nesse mesmo despacho, o Tribunal a quo, desconsiderando, em absoluto, o despacho por si proferido em 11.10.2021, determinou, antes de notificar a Visada e sem lhe dar a oportunidade de utilizar o prazo de pagamento que lhe havia sido conferido, a emissão de certidão para efeitos da instauração de ação executiva. XI.–Saliente-se que o Tribunal a quo ordenou a emissão de certidão executiva no mesmo despacho em que tomou a decisão que, nas suas próprias palavras, definiria se o pagamento seria devido no imediato ou só depois da decisão do Recurso interposto pela EDP Produção. XII.–Aquilo que o Tribunal recorrido deveria ter feito, neste contexto, era conceder, nesse despacho, um novo prazo para pagamento da coima, acompanhado das respetivas guias, pois que só nessa data de 13.10.2021 tomou a sua decisão sobre o momento do pagamento da coima. XIII.–Aliás, mesmo que, de alguma forma que não se concede, se viesse a entender que o prazo para pagamento fixado em 21.09.2021, dado sem efeito em 11.10.2021, retomou a sua contagem com o despacho de 13.10.2021, ainda assim, nunca poderia o Tribunal ter ordenado a extração de certidão. XIV.–E isto porque, mesmo nesse (inadmissível e nunca comunicado) entendimento, importa clarificar que o despacho de 13.10.2021 foi notificado à Visada no dia 14.10.2021, pelo que, atendendo a que as notificações eletrónicas se presumem feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, sendo que tal presunção não pode ser usada contra quem dela beneficia, o prazo terminaria no dia 18.10.2021. XV.–Pelo que, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal recorrido, quando, no dia 14.10.2021, a ora Visada apresentou um requerimento, através do qual solicitou o diferimento do pagamento da coima pelo prazo de 1 (um) ano ou o seu pagamento a prestações, não se tinha ainda verificado o esgotamento do prazo para liquidação da coima. XVI.–Ainda no dia 14.10.2021, a EDP Produção requereu que, caso não fosse dado provimento ao pedido de diferimento e ao pedido de pagamento faseado da coima, fosse emitida a guia para pagamento da coima num prazo de 20 (vinte) dias, tendo reforçado que “a EDP Produção não deixará de pagar a coima no prazo que lhe for concedido”. XVII.–Assim, é falso aquilo que, no próprio dia 14.10.2021, a secretaria do Tribunal (por ordem do Tribunal ilegalmente constante do despacho de 13.10.2021) fez constar em certidão, i.e., que a EDP Produção, enquanto “responsável pelo pagamento da multa foi devidamente notificado em 16/09/2021, não tendo sido efectuado o pagamento devido, no prazo legal”. XVIII.–O que é quanto basta para que se conclua que terá sido instaurada ação executiva pelo Ministério Público – que tem conhecimento de todos os factos ora relatados – com base numa certidão que sabia não corresponder à realidade. XIX.–Por conseguinte, não se poderá, igualmente, aceitar o entendimento veiculado pelo Tribunal recorrido no seu despacho de 19.10.2021, na parte em que se conclui que “o Tribunal limitou-se a deferir a pretensão, legalmente admissível, do Ministério Público”, XX.–Tanto mais que, quando o Ministério Público promoveu a extração de certidão pelo Tribunal recorrido, em 07.10.2021, ainda o Tribunal não tinha proferido o seu despacho de 11.10.2021 em que deu sem efeito a data para pagamento da coima. XXI.–Confrontada com uma situação a todos os títulos inadmissível, e não obstante o inegável impacto resultante desta decisão, no dia 20.10.2021, a Visada procedeu ao pagamento da coima de € 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de euros), através de depósito autónomo. XXII.–Por despacho datado de 19.10.2021, o Tribunal recorrido, fugindo às exigências de ponderação da situação económico-financeira atual da Visada, decidiu excluir a aplicação do regime legal previsto no artigo 88.º, n.os 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, com fundamento na sua alegada extemporaneidade e inadmissibilidade legal. XXIII.–Em primeiro lugar, não se vislumbra como se poderá concluir que o requerimento apresentado pela Visada no dia 14.10.2021 – através do qual esta, atento o inegável impacto que o pagamento integral e imediato da coima lhe causaria, solicitou a concessão do diferimento ou pagamento faseado da mesma – foi extemporâneo. XXIV.–Desde logo porque (ainda que isso influenciasse a possibilidade de diferimento ou faseamento do pagamento da coima, o que nem sequer se verifica), na data de apresentação do mencionado requerimento em que a EDP Produção solicitou o diferimento ou pagamento faseado da coima, ainda nem sequer se tinha iniciado, muito menos terminado, um novo prazo para pagamento da coima (dado que o prazo inicial havia sido dado sem efeito pelo Tribunal recorrido). XXV.–Sendo certo que, ainda que esse prazo já se tivesse esgotado, a modelação da forma de pagamento da coima é admitida mesmo na fase de execução. XXVI.–Em segundo lugar, improcede, igualmente, a conclusão de que a pretensão da Visada não é legalmente admissível. XXVII.–Para sustentar a inadmissibilidade legal da pretensão apresentada pela Visada, no despacho datado de 19.10.2021, entende o Tribunal a quo que não se antevê “qualquer cabimento legal para tal pretensão, tendo em conta que o artigo 88.º, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas está gizado, com o próprio preceito e capítulo sistemático indicam, para o momento do trânsito em julgado da decisão.”. XVIII.–Como se crê elementar, tal raciocínio está, em toda a sua extensão, errado, assente que é em premissas ilógicas e sem qualquer sustentação legal. XXIX.–A insustentabilidade do entendimento subscrito a quo é facilmente percetível, e dispensa considerações adicionais, porquanto o mesmo representaria a aceitação de um grau de tutela mais frágil do presumido inocente face ao condenado definitivo, XXX.–O que levaria a uma restrição desproporcional e inadequada dos direitos fundamentais de que é titular qualquer visado em processo contraordenacional. XXXI.–Mas há um argumento adicional decisivo: a possibilidade de diferimento ou pagamento faseado é, igualmente, admitida em sede de execução, seja execução de coima cujo pagamento é exigido a título de efeito meramente devolutivo de recurso de impugnação de autoridade administrativa (como sucede in casu), seja execução de coima decorrente de decisão judicial transitada em julgado. XXXII.–Atento o exposto, é inelutável concluir-se que a pretensão apresentada pela Visada é legalmente admissível, o que obrigaria o Tribunal recorrido a ter analisado os argumentos económicos expostos pela Visada e, a partir dessa análise, ter ponderado a concessão de uma das formas de modelação do pagamento da coima previstas no artigo 88.º, n.os 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC. XXXIII.–No diz respeito à situação financeira da Visada, e conforme oportunamente demonstrado perante o Tribunal a quo, a Visada registou resultados líquidos negativos em 2017 e 2018 no valor, respetivamente, de € 103.310.000 (cento e três milhões, trezentos e dez mil euros) e de € 34.884.000 (trinta e quatro milhões, oitocentos e oitenta e quatro mil euros). XXXIV.–Acresce que, conforme já igualmente demonstrado perante o Tribunal recorrido, no ano de 2019, a EDP Produção registou resultados líquidos novamente negativos, na ordem dos € 20.796.000 (vinte milhões setecentos e noventa seis mil euros) e enfrentou agravamentos fiscais e regulatórios em matéria de ISP às centrais a gás e da alteração das condições da tarifa social (com impacto estimado de mais de € 13.000.000 (treze milhões de euros). XXXV.–Também durante este período, a EDP Produção deliberou o montante disponível para investimentos em bens e serviços para 2019, no valor de € 50.000.000 (cinquenta milhões de euros), dos quais € 34.000.000 (trinta e quatro milhões de euros) correspondem ao cumprimento de obrigações legais, à reposição do funcionamento de estruturas e de procedimentos de segurança da exploração de centrais de produção de energia, bem como à implementação de medidas e estruturas de tutela ambiental. XXXVI.–Verificou-se, ainda, um conjunto de circunstâncias absolutamente excecionais conexas com os efeitos económicos mundiais da pandemia da Covid-19, com influência no planeamento financeiro e contabilístico de qualquer entidade, incluindo da EDP Produção, e que impuseram limitações adicionais na gestão das posições de liquidez e na previsão dos efeitos de um prejuízo da magnitude da coima agora em causa. XXXVII.–Foi precisamente este quadro factual que levou o TCRS a considerar indiciada uma situação de “prejuízo considerável” no pagamento imediato da coima, como resulta do despacho proferido em 13.07.2020, entretanto revogado, ainda que não por discordância com esse juízo indiciário sobre o “prejuízo considerável”. XXXVIII.–Conforme já escalpelizado em requerimento datado de 14.10.2021, no ano de 2020, e pelo quarto ano consecutivo, a EDP Produção registou resultados líquidos negativos, no valor de € 132.000.000 (cento e trinta e dois milhões de euros). XXXIX.–Significa isto que, desde 2017, a EDP Produção registou resultados líquidos negativos globais de mais de € 270.000.000 (duzentos e setenta milhões de euros). XL.–Por conseguinte, é incontornável que o pagamento, de uma só vez, da coima de € 48.000.000 (quarenta e oito milhões de euros) implica para a EDP Produção graves e incontornáveis constrangimentos económicos e dificuldades de tesouraria e de gestão orçamental. XLI.–Se o TCRS tivesse procedido ao exame de prognose exigido pela Lei, teria percebido que uma empresa com estes resultados líquidos negativos, à luz das regras de experiência e juízos de senso comum, não teria como suportar um pagamento de € 48.000.000 (quarenta e oito milhões de euros) sem sofrer um impacto relevante na sua situação financeira, XLII.–Como efetivamente vem sofrendo, desde já na sua situação de tesouraria, em face do pagamento que se viu obrigada a antecipar nos presentes autos. XLIII.–O Tribunal a quo, ao prescindir de examinar a concreta situação financeira da EDP Produção e de ponderar a possibilidade de concessão do diferimento ou pagamento faseado da coima com o fundamento de que a mesma apenas seria aplicável a um condenado por decisão já transitada em julgado incorreu numa aplicação ilegal do disposto no artigo 88.º, n.os 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC. XLIV.–Devendo, por essa razão, este Venerando Tribunal da Relação revogar a posição do Tribunal recorrido vertida nos despachos de 13.10.2021 e 19.10.2021 e determinar que se reconheça o relevante impacto do pagamento da coima dos presentes autos e que se conceda o seu diferimento ou o seu pagamento em prestações. XLV.–Atento o exposto, deixa-se invocado desde já, para os devidos efeitos, que as normas constantes do artigo 88.º, n.os 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, se interpretadas e aplicadas no sentido de que a possibilidade de concessão de diferimento ou de pagamento faseado de coima é apenas aplicável a quem já foi condenado por decisão transitada em julgado são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, do direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, por violação das garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, e, ainda, por violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os despachos impugnados têm os seguintes conteúdos: Despacho com a referência n.º 321335, de 13.10.2021: §1- Requerimento de 16.09.2021 (referência 53476): O despacho em apreço e visado pelo presente requerimento não oferece qualquer dúvida pertinente, porquanto os termos da decisão são claros e compreensíveis, não se vislumbrando qualquer necessidade de aclaração ou o padecimento de qualquer invalidade. Ademais, a própria Arguida acabou por apresentar recurso dessa mesma decisão, pelo que aí deverá condensar a matéria decisória sobre a qual incide o vertente requerimento, em conformidade com o disposto nos artigos 379.º e 380.º, ambos do Código de Processo Penal, aplicável por remissão sucessiva do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas e artigo 83.º, do Regime Jurídico da Concorrência. Por uma ou outra via, indefere-se o requerido, cm custas pelo procedimento anómalo e injustificado, que se fixa em 1 UC – conferir artigo 7.º, n.º 4 e 8, do Regulamento das Custas Processuais. Notifique e diligências necessárias. §2- Requerimento de 24.09.2021 (referência 53685): Como referido exemplarmente na douta promoção que antecede, em termos que ora se reproduzem e a cujas razões aderimos: “Quanto ao assessor técnico dos srs. Mandatários da recorrente, se por um lado se extrai da pronúncia da recorrente que o mesmo terá estado presente em reuniões com a REN, não sobressai dos autos que o mesmo tenha qualquer estatuto processual que brigue com aquela função, pelo que se renova nada se opor à sua manutenção no cargo”. Deste modo, o Tribunal determina a manutenção de funções do assessor técnico já nomeado. §3- Requerimento de 30.09.2021 (referência 53870): A Arguida tem legitimidade processual, o requerimento em apreço é tempestivo e a decisão judicial ora posta em crise admite recurso, nos termos do disposto no artigo 89.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Concorrência e nos artigos 399.º e 401.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas e artigo 83.º, do Regime Jurídico da Concorrência. Nestes termos, considerado que o efeito imediato e implícito do despacho ora recorrido se afere pelo pagamento da coima nos termos aí consignados, o Tribunal admite o recurso interposto do despacho judicial sob referência 315517, o qual é para a Relação, subindo de imediato e em separado, com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, alínea d), 408.º, n.º 2, alínea a), a contrario sensu e 427.º, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas e artigo 83.º, do Regime Jurídico da Concorrência. Notifique – artigo 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal. Notifique a Arguida das respetivas respostas. Instrua apenso, devidamente instruído nos termos constantes do requerimento de recurso, juntando o presente despacho, notificações do despacho recorrido e respostas ao recurso. §4-Proceda nos moldes doutamente promovidos (“pretendendo que com urgência lhe seja remetida a competente certidão executiva para execução antecipada e provisória da coima imposta pela Autoridade da Concorrência”). Despacho n.º 322448, de 19.10.2022: Requerimento de 14.10.2021 (referência 55243): EDP — GESTÃO DA PRODUÇÃO DE ENERGIA, S.A., face ao determinando no despacho sob referência 315517 e posterior efeito (meramente devolutivo) do recurso fixado no despacho sob referência 321335, requer que seja diferido por um período de 1 (um) ano, a execução do pagamento da coima, ou, caso assim não se entenda, seja determinado o pagamento faseado da coima, ao longo de um período de 24 (vinte e quatro) meses, u, em última instância, seja dada sem efeito a decisão de extração e envio de certidão executiva para execução antecipada e provisória da coima, por desnecessidade legal da mesma, e que seja emitida guia para pagamento da coima pela EDP Produção, no prazo de 20 (vinte) dias. Vejamos. No que concerne à emissão de certidão, o Tribunal limitou-se a deferir a pretensão, legalmente atendível, do Ministério Público. No que tange com o diferimento do pagamento ou consecução de um plano de prestações, importa referir que, não só o mesmo se afigura extemporâneo, em face do esgotamento do prazo de liquidação da guia de pagamento, ainda que contada a sustação determinada em ata de julgamento, onde se exarou: “No que respeita ao Recurso apresentado pela Recorrente, fica a mesma advertida que não terá que proceder à liquidação da coima, até sobrevir a decisão sobre o efeito a atribuir ao mesmo”, como tal pretensão não é legalmente admissível. Com efeito, após a prolação do despacho sob referência 321335 e respetiva notificação (lida pelo Ilustre Mandatário a 14.10.2021), assim sobrevindo decisão sobre o efeito a atribuir ao recurso, devia a Arguida ter procedido ao pagamento da coima, o que poderia realizar através de depósito autónomo, ou, in limine, manifestando o propósito de o realizar. Na realidade, o que não pode é esgotado o prazo de liquidação ainda que acrescido da sustação determinada em ata, solicitar o diferimento do pagamento ou a sua consecução em prestações, e ainda menos a emissão de novas guias. Ademais, sem que se anteveja qualquer cabimento legal para tal pretensão, tendo em conta que o artigo 88.º, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas está gizado, como o próprio preceito e capítulo sistemático indicam, para o momento do trânsito em julgado da decisão. Por outro lado, e pelas razões já adiantadas, não se descortina qualquer fundamento legal para a emissão de novas guias, tanto mais que o Ministério Público terá já intentado a competente ação executiva (conferir apenso C). Em suma, vai indeferido o requerido. Notifique. O Ministério Público junto do Tribunal que proferiu a decisão impugnada respondeu às alegações de recurso sintetizando a sua perspectiva e pedindo, a final, nos seguintes termos: - O douto despacho recorrido com a referência 321335 de 13/10/2021 é irrecorrível uma vez que se limita a autorizar a emissão de traslado executivo a entregar ao MP para execução provisória e antecipada da coima, dando estrito cumprimento ao douto despacho de 20/5/2020, transitado em julgado, que fixou efeito meramente devolutivo ao recurso de impugnação. - No caso, o título executivo é um título complexo composto pela decisão da AdC (em recurso) que impôs a coima e o despacho judicial transitado em julgado, que fixou efeito meramente devolutivo ao recurso de impugnação judicial. - A Recorrente sabe da execução da coima desde pelo menos 29/10/2021, quando foi notificada do ato de sustação da execução. - A execução foi sustada porque a Recorrente efetuou a 20/10/2021 o pagamento voluntário da coima nos autos principais através de depósito autónomo, assim dando causa à inutilidade superveniente da execução. - Porque nada opôs na execução na sequência dessa notificação, não pode agora de forma indireta deduzir oposição à execução, invocando que o título é inexequivel ou o traslado falso, o que não sendo verdade, traduz um meio processual impróprio e se mostra inútil perante o pagamento voluntário que já levou à sustação da execução. - A coima enquanto sanção de natureza pública não vence juros moratórios nem compensatórios, o que resulta da norma de ordem pública do artigo 88.º/1 do RGCO, pelo que o pagamento voluntário retira interesse em agir à Recorrente no presente recurso. - O cumprimento antecipado e provisório da coima era devido desde o trânsito em julgado do despacho de 20/5/2020, que não foi objeto de recurso, e, assim o MP desde a data do trânsito, vinha, por critérios de legalidade e objetividade estrita, em respeito pelo caso julgado que o mesmo formara, solicitando traslado executivo dado a Recorrente não se dispor a pagar antecipadamente a coima. - A norma do artigo 88.º do RGCO limita expressamente o seu campo de aplicação às coimas definitivas. - A atribuição de efeito meramente devolutivo por despacho transitado em julgado nos termos do disposto no artigo 84.º do NRJC, preclude a possibilidade de repetir a discussão sobre a situação económica da Recorrente, - Impondo-se como resultado de tal despacho que fixa o efeito do recurso o pagamento integral e de uma só vez da coima imposta pela AdC. - O pagamento diferido ou a prestações da coima não definitiva levaria, em fraude à lei, a um resultado equivalente à atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação, revelando-se incompatíveis os regimes do artigo 84.º do NRJC e o do artigo 88.º/4/5 do RGCO, ambos de ordem pública. - A pretensão da Recorrente de ver devolvida pelo Estado a quantia que voluntariamente pagou e ser-lhe permitido depois o seu pagamento diferido a um ano ou em prestações a dois anos (a partir de que data?) é manifestamente ilegal, e redunda num expediente processual para defraudar o efeito meramente devolutivo atribuído ao seu recurso de impugnação judicial. - As conclusões XXXIII a XLIV contêm impugnação de matéria de facto proibida nos termos do disposto no artigo 75.º do RGCO. - Os doutos despachos recorridos não contém vícios, nulidade, ou erro de direito. Deste modo, e com todo o respeito, contendo o recurso da Recorrente pretensões claramente ilegais, desprovidas de apoio na realidade processual, conformando meios processuais impróprios, pretensões essas, às quais, a própria Recorrente retirou antecipadamente utilidade, deverá o mesmo recurso ser julgado manifestamente improcedente, mantendo-se na íntegra os doutos despachos recorridos. Foi colhido o visto do Ministério Público junto deste Tribunal que, com explanação das respectivas razões, declarou secundar a posição do Ministério Público junto da instância recorrida. A Recorrente respondeu a tal parecer manifestando a sua discordância e porfiando pela procedência do recurso que interpôs. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. São as seguintes as questões a avaliar: 1.– Quando o Tribunal, por despacho datado de 13.10.2021, decidiu extrair e remeter ao Ministério Público certidão executiva do pagamento antecipado e provisório da coima, ainda não tinha decorrido o prazo de pagamento da coima sem que a mesma tivesse sido liquidada, nem nada fazia indiciar que a EDP Produção não iria proceder a esse pagamento? 2.–Quando, no dia 14.10.2021, a ora Visada apresentou um requerimento, através do qual solicitou o diferimento do pagamento da coima pelo prazo de 1 (um) ano ou o seu pagamento a prestações, não se tinha ainda verificado o esgotamento do prazo para liquidação da coima, sendo esse requerimento legalmente admissível e tempestivo, sendo certo que, ainda que esse prazo já se tivesse esgotado, a modelação da forma de pagamento da coima é admitida mesmo na fase de execução? 3.– O Tribunal a quo, ao prescindir de examinar a concreta situação financeira da EDP Produção e de ponderar a possibilidade de concessão do diferimento ou pagamento faseado da coima com o fundamento de que a mesma apenas seria aplicável a um condenado por decisão já transitada em julgado incorreu numa aplicação ilegal do disposto no artigo 88.º, n.os 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, devendo, por essa razão, o Tribunal da Relação revogar a posição do Tribunal recorrido vertida nos despachos de 13.10.2021 e 19.10.2021 e determinar que se reconheça o relevante impacto do pagamento da coima dos presentes autos e que se conceda o seu diferimento ou o seu pagamento em prestações? 4.– As normas constantes do artigo 88.º, n.ºs 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, se interpretadas e aplicadas no sentido de que a possibilidade de concessão de diferimento ou de pagamento faseado de coima é apenas aplicável a quem já foi condenado por decisão transitada em julgado são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, do direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, por violação das garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, e, ainda, por violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos? II.–FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Relevam, nesta sede lógica, os factos processuais constantes do relatório supra-lançado. Fundamentação de Direito 1.– Quando o Tribunal, por despacho datado de 13.10.2021, decidiu extrair e remeter ao Ministério Público certidão executiva do pagamento antecipado e provisório da coima, ainda não tinha decorrido o prazo de pagamento da coima sem que a mesma tivesse sido liquidada, nem nada fazia indiciar que a EDP Produção não iria proceder a esse pagamento? A questão proposta assume grande simplicidade, face ao que resulta dos autos, dispensando mais considerações do que as que se passa a alinhar: 1.–Por despacho datado de 20.05.2020, o Tribunal «a quo» fixou ao recurso jurisdicional efeito devolutivo; 2.–Tal despacho não foi objecto de recurso; 3.–Após trânsito da decisão, passou a ser devida a quantia fixada a título de coima; 4.–Foi revogado por acórdão, no apenso «B», decisão que questionou esse efeito, pelo que tal decisão não assume qualquer existência e relevo nos presentes autos; 5.–Quando, em 13.10.2021, no despacho recorrido n.º 321335, se aceitou promoção do Ministério Público no sentido da emissão de certidão «para execução antecipada e provisória da coima (…)», estava há muito ultrapassado o prazo de pagamento do montante correspondente à dita sanção; 6.–O Tribunal «a quo», nesse despacho, nada regulou quanto a direitos das partes nem sequer regeu os termos do processo, apenas tendo provido ao normal e eficaz andamento do encadeado de actos processuais, em nada interferindo no conflito de interesses existente entre as partes; 7.–Qualquer reacção relativa ao que de substancial resultava da certidão (e nunca do mero acto de expediente de ordenar a sua emissão), sempre teria que ser concretizada em sede da acção executiva assente em tal título; 8.–As tentativas da Recorrente de, mediante diversas abordagens processuais, obstar ao depósito integral da caução por si devida, que se vê dos autos e seus apensos, não inculcam a pretendida noção de que, à data do despacho que ordenou a extracção de certidão, existiria intenção firme da Recorrente de proceder ao depósito integral da caução por si devida; 9.–A al. a) do n.º 1 do art. 400.º do Código de Processo Penal veda o recurso de decisões de mero expediente, entre as quais se insere, insofismavelmente, a que se quis impugnar. 10.–Ainda que assim não fosse, sempre se imporia resposta negativa à questão proposta porquanto nenhum vício retiraria sustentação à emissão da certidão sob referência, conforme flui do dito. Face ao exposto, não se admite o recurso em análise, na vertente que gerou a questão avaliada. 2.– Quando, no dia 14.10.2021, a ora Visada apresentou um requerimento, através do qual solicitou o diferimento do pagamento da coima pelo prazo de 1 (um) ano ou o seu pagamento a prestações, não se tinha ainda verificado o esgotamento do prazo para liquidação da coima, sendo esse requerimento legalmente admissível e tempestivo, sendo certo que, ainda que esse prazo já se tivesse esgotado, a modelação da forma de pagamento da coima é admitida mesmo na fase de execução? Face ao referido em resposta à questão anterior, é mandatório concluir que, na data indicada na pergunta, estava já esgotado o prazo de pagamento voluntário da coima devida. Quanto à parte final da questão, assume pleno relevo, com sinal contrário, o referido pelo Ministério Público na primeira instância, em resposta às alegações de recurso, ao apontar que «(…) a Recorrente podia conhecer desde 18/10/2021 a instauração da execução, teve intervenção nesta a 29/10/2021, e, nada aí opôs» (...)». Mais, a Recorrente não só nada opôs como procedeu à liquidação integral do montante da coima em 20.10.2021 (pagamento que havia já ocorrido, pois, à data da interposição do recurso que se aprecia), pedindo apenas a extinção da acção executiva e que se desse «sem efeito a certidão» (com sentido que não tornou compreensível). Não merece, pois, a segunda decisão objecto de recurso, censura pela via proposta nesta pergunta. 3.– O Tribunal a quo, ao prescindir de examinar a concreta situação financeira da EDP Produção e de ponderar a possibilidade de concessão do diferimento ou pagamento faseado da coima com o fundamento de que a mesma apenas seria aplicável a um condenado por decisão já transitada em julgado incorreu numa aplicação ilegal do disposto no artigo 88.º, n.ºs 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, devendo, por essa razão, o Tribunal da Relação revogar a posição do Tribunal recorrido vertida nos despachos de 13.10.2021 e 19.10.2021 e determinar que se reconheça o relevante impacto do pagamento da coima dos presentes autos e que se conceda o seu diferimento ou o seu pagamento em prestações? A presente questão está condenada ao naufrágio em função dos seus próprios termos. Com efeito, pretende-se que este Tribunal «reconheça o relevante impacto do pagamento da coima dos presentes autos e que se conceda o seu diferimento ou o seu pagamento em prestações». Ora este Tribunal de Recurso não conhece de facto – cf. o disposto no n.º 1 do art. 75.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro que institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo (RGCO) – pelo que não lhe cabe proceder à colheita de quaisquer factos relativos à eventual confirmação do alegado. Não vem demonstrada e definitivamente fixada qualquer factualidade relativa à matéria visada na pergunta ora ajuizada, pelo que sempre faltaria o pretendido substracto avaliativo. Acresce, que, mostrando-se paga a coima em apreço, fica patenteada a possibilidade de pagamento integral, inutilizando-se a discussão sobre o seu pagamento em prestações. Está, também, cristalizada a aceitação da extinção da execução em virtude do pagamento sendo até violador da boa fé e da imprescindível estabilidade processual emergente do encerramento de compartimentos lógicos sempre associado ao concatenar de actos de processo e encerramento de compartimentos lógicos e preclusões, que se restaurasse execução extinta por pagamento e se pretendesse a devolução deste. Acresce que deve ter-se em consideração o disposto no n.º 5 do art. 84.º do Novo Regime Jurídico da Concorrência, aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 08.05, que exige, para que não seja executada de imediato coima, após interposição de recurso, deve «o visado (…) requerer, ao interpor o recurso, que o mesmo tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução em substituição, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação de caução no prazo fixado pelo tribunal». Neste contexto regulador, nenhum sentido teria que, muitos meses depois da fixação ao recurso de efeito meramente devolutivo e em estado avançado deste, ainda se permitisse a um Arguido que discutisse o pagamento fraccionado da coima e se admitisse que o mesmo porfiasse nesse sentido e, pior ainda, que o fizesse depois de ter procedido ao pagamento integral da mesma após ter sustentado, de forma totalmente sinuosa e incongruente, pretender depositar a coima, não ter que proceder a esse depósito e desejar fraccionar a sanção em prestações. É necessariamente negativa a resposta que se impõe dar à questão analisada. 4.–As normas constantes do artigo 88.º, n.ºs 4 e 5, do RGCO, aplicável subsidiariamente nos termos dos artigos 13.º, n.º 1, e 83.º da LdC, se interpretadas e aplicadas no sentido de que a possibilidade de concessão de diferimento ou de pagamento faseado de coima é apenas aplicável a quem já foi condenado por decisão transitada em julgado são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, do direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, do princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, por violação das garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.º, n.os 1 e 10, da Constituição, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, e, ainda, por violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos? Não constituem os preceitos postos em crise no que tange à sua eventual adequação à Lei Constitucional, desgarrados, os elementos normativos de sustentação da rejeição da pretensão serôdia de diferimento ou pagamento faseado da coima. Ainda que não se tivesse inutilizado o debate com o depósito integral da sanção, sempre se deveria aplicar norma axilar conducente à decisão de rejeição do peticionado, ou seja, o disposto no apontado preceito do NRJC (o n.º 5 do art. 84.º). O não recurso a esta norma geraria a grave incongruência e ilegalidade de se admitir, mediante uma leitura processual artificiosa e violadora do disposto no n.º 3 do art. 9.º do Código Civil, que se obtivesse, afinal, o efeito suspensivo não pedido no tempo e forma próprios e sem cumprimento imediato do estabelecido no Direito constituído, através da criação, adrede, de um desenho processual violentador da harmonia do sistema e orientado para atingir resultado situado à margem da vontade de criação normativa (ou seja, o efeito suspensivo parcial do recurso quando não se requereu esse mesmo efeito nos termos legais e no momento apropriado). A perspectivação do apontado quadro de incongruência e materialização de contexto processual diametralmente oposto ao visado e gerador da frustração do regime vigente conduz à confirmação da adequação da leitura do n.º 1 do art. 88.º do RGCO, que quer incidir apenas sobre as decisões que se encontrem no estado aí referido. A existência do regime do NRJC acima enunciado constitui, ele próprio, verdadeiro mecanismo de salvaguarda de direitos dos visados relativamente a sanções impostas por decisões não transitadas. Com efeito, resulta da leitura ora enunciada que os ditos visados têm ao seu dispor dois mecanismos paralelos e não um que anule o outro: às decisões não transitadas aplica-se o regime do NRJC e às transitadas ou definitivas o do art. 88.º do RJCO. Esta perspectiva analítica que espelha a vontade do legislador e concatena os diversos elementos da expressão dessa vontade, dando-lhes sentido conjunto, deixa incólumes o princípio constitucional, de Direito da União Europeia e Internacional pactício, da proibição da indefesa (já que se faculta, sem variação ou compressão, a busca de uma resposta para uma necessidade processual e económica de reacção, o que não é atingido pela atenção ao carácter provisório ou definitivo da decisão, já que as diversas possibilidades são contempladas através de soluções adequadas a cada estádio), não viola qualquer critério de igualdade de aferição constitucional (já que existe um regime para as decisões definitivas e transitadas e um outro para as ainda provisórias em termos que não deixam qualquer sujeito desprotegido), não se toca no Direito a um processo justo e equitativo (porque é adequada a uma noção rigorosa de Justiça e a solução atingida envolve equanimidade do sistema de administração desse valor), em nada se belisca a presunção de inocência (à margem da qual surge a questão da existência de recursos que permitam pagar as coimas, mais se centrando o problema na questão da igualdade económica dos sujeitos, filão que, certamente, não interessará à EDP explorar e nada tem a ver com o que se aprecia), não se violam garantias de defesa (pois se há enquadramento normativo para todas as posições, ainda que em função dos diferentes referentes processuais, que justificam distinta regulação, como poderia ser diferente?), menos fenecendo o direito ao juiz e a um processo justo e equitativo quando se permitem mecanismos de petição jurisdicional em função dos distintos quadros atinentes ao estado das decisões geradoras dos pedidos. Claro está, também, que a tutela de constitucionalidade não serve para suprir esquecimentos ou opções geradoras de tentativas ulteriores de correcção da mão, assumidas pelas as partes e seus mandatários que tenham tido, no momento próprio, à luz do Direito constituído, à sua disposição – conforme ocorreu no caso presente – a possibilidade de obterem o efeito suspensivo pelo qual mais só mais tarde e fora de tempo decidiram porfiar de forma encarniçada (não se inibindo de apelar a mecanismo associado a decisões distintas, id est, definitivas ou transitadas em julgado, conforme expressamente verbalizado pelo legislador no n.º 1 do art. 88.º do RGCO). Não existe qualquer inconstitucionalidade. Improcede esta vertente da impugnação judicial. III.–DECISÃO Pelo exposto, rejeitamos o primeiro recurso e negamos provimento ao segundo e, em consequência, confirmamos a decisão validamente impugnada. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCS. * Lisboa, 01.06.2022 Carlos M. G. de Melo Marinho Paula Dória de Cardoso Pott Ana Isabel de Matos Mascarenhas Pessoa |