Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARLENE FORTUNA | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE DIMINUIÇÃO DA ILICITUDE REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS MEDIDA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário: | (da responsabilidade da Relatora) I. O agente do crime de tráfico de menor gravidade deverá estar nestas circunstâncias, tendencialmente cumulativas: a actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome e sem recurso a intermediários e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem; as quantidades que esse vendedor transmite a cada um dos consumidores são adequadas ao consumo individual destes, sendo a quantidade que ele detém compatível com a sua pequena venda num período de tempo curto; as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; a actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; e, ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. II. Tendo o vendedor continuado a sua actividade, já depois de uma primeira detenção e advertência, e tendo passado a vender novos tipos de substâncias estupefacientes, obtendo proventos ainda mais avultados, esta sua nova conduta integra o tipo fundamental previsto no art. 21.º do diploma citado. III. O regime especial para jovens delinquentes não é automático e só se justifica a sua aplicação se, no caso concreto, existirem reais e sérias vantagens que contribuam de forma significativa para a reinserção social do jovem. Assim, se a conduta revelar que não se trata de factos meramente isolados, por já ter sido confrontado com a justiça e nada ter feito para alterar o seu comportamento, tal regime deve ser afastado. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório No processo comum colectivo n.º 529/24.5SXLSB.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 24, em que são arguidos AA e BB, com os demais sinais nos autos, consta da parte decisória do acórdão, datado de ........2025, o seguinte (na parte que interessa): «Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação procedente, por provada e, em consequência, decidem: a) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em coautoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, por factos ocorridos a 19.07.2023, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão; b) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em coautoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas, por factos ocorridos a 30.08.2024, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; c) Condenar o arguido AA pela prática, em concurso real e efectivo, dos 2 (dois) crimes acima mencionados, na pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão efectiva; d)… e)Condenar o arguido BB, em coautoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art.º 21.º, n.º 1, da Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, por factos ocorridos no dia 19.07.2023, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva». * Não se conformando com o acórdão, dela interpôs recurso o arguido AA, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. O arguido foi acusado, julgado e condenado (com a seguinte indicação de penas), pela prática, em autoria matéria, e em concurso real e efetivo de: um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art.° 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A e I-B anexas, por factos ocorridos a 19.07.2023, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo Art.° 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência às Tabelas I-A, I-B e I-C anexas, por factos ocorridos a 30.08.2024, na pena de 5 (cinco) anos de prisão Em cúmulo jurídico foi o arguido ora recorrente condenado na pena única de 6 anos e 7 meses de prisão. 2. Tem em conta a matéria de facto vertida nos pontos 3 a 6 e 12 a 14 (supra transcrita) ressalta à saciedade que a atividade de tráfico de estupefacientes imputa ao arguido só pode e assim deverá ser considerada uma atividade com um grau de preparação e organização num patamar caracterizado pela singeleza e primitividade de estruturação. 3. Na verdade, da matéria de facto supra transcrita, é notório que a atividade de tráfico imputada ao arguido, é a vulga atividade de tráfico de rua, sem qualquer preparação ou grau de estrutura elevado. 4. Ora, e da prova produzida não se alcança e apura determinados fatores essenciais por forma a que possamos qualificar a atividade detetada ao arguido como sendo a prevista no artigo 21º do D.L. 15/93 de 22.01. 5. O douto Acórdão, alcança a conclusão e oferece-nos as seguintes respostas: O arguido dedicou-se à atividade detetada pelo período aproximadamente de 30 dias, num primeiro momento como “simples” guarda de produto estupefaciente e dinheiro e depois, numa venda direta, na rua, a consumidores que propositadamente ali se deslocam. 6. Ora, não sabemos, atento o vertido na douta decisão que agora se pretende colocar em crise, se o arguido, de facto, e com a frequência ( para além das duas vezes assinaladas) se encontra naquele local e a praticar alguma tarefa relacionada com a venda de produto estupefaciente. 7. Não sabemos, também, qual o grau de adesão do arguido a uma eventual (mas que temos por certa) organização que possa estar por detrás da atividade de tráfico desenvolvida. 8. Também não sabemos, e não foi encontrada resposta no douto Acórdão, qual a verdadeira receita financeira que o arguido retirava daquela atividade de tráfico, assim como, e de igual forma, se o arguido alargava tal atividade a outros locais e sob outra forma de atuação, 9. Antes pelo contrário, o arguido foi detetado e abordado precisamente no mesmo e exato local, donde somos levados a concluir, que a sua atuação geográfica que resumirá àquele mesmo local, e ainda, que a sua forma de atuação, nunca será superior ou mais elaborada do que aquela que vem doutamente descrita na douta acusação. 10. O cidadão, o arguido ora recorrente, deve, assim, ser punido pela prática de um crime, p. no artigo 21º do D.L. já supra citado? 11. Entendemos que não, e cremos que a jurisprudência e doutrina aconselha solução jurídica distinta. 12. A previsão legal do artigo 21.º, do DL n.º 15/93 contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial. 13. Trata-se de um tipo plural, com atividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extração ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os atos têm entre si um denominador comum, que é exatamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação. 14. Por seu turno, o artigo 25.º, do DL n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. 15. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. 16. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. 17. A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. 18. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º. 19. Assim, o artigo 25.º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21.º. 20. A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da ação, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito. 21. E, sendo os índices, exemplos padrão, enumerados no preceito, a par de outros, atinentes, uns, à própria ação típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da ação), outros, ao objeto da ação típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), pertencem todos ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em ação qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, ao juízo sobre a culpa. 22. Constitui, assim, o artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22.01, uma "válvula de segurança do sistema'', destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. 23. Ora, afigura-se não só pela matéria de facto dada como provada como pela atividade que, de facto, se consegue descortinar como sendo a que o arguido, ora recorrente, efetivamente pratica, que o ilícito criminal que praticou deve ser, inevitavelmente, enquadrado no artigo 25º do D.L. 15/93 de 22.01. 24. Se atentarmos nas respetivas especificidades, vemos que, no tocante ao indicador de ilicitude “meios utilizados” pelo arguido, na sua atividade de traficante (já que o produto apreendido era na sua grande maioria para venda), o que se pode retirar a partir da factualidade provada é um “modus operandi” se tem que simples e com recurso a meios sem qualquer sofisticação. Isto porque no silêncio a tal respeito dos factos provados, a dúvida reverterá sempre a favor do arguido. 25. Inexiste qualquer prova de que o recorrente atuasse enquadrado numa estrutura organizativa. Deve beneficiar, pois, da presunção de que atuava apenas, ainda que sem domínio proprietário sobre o produto estupefaciente e por isso obedecendo a determinação de terceiro em homenagem ao princípio in dubio pro reo. 26. Acresce ainda, que o Tribunal deu como assente, no que ao relatório social diz respeito que: “na data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido apresentava consumo de substâncias psicotrópicas, haxixe, situação que decorre desde os quinze anos de idade, iniciado em contexto de grupo de pares da escola e que o arguido desvaloriza, tendo os progenitores conhecimento da referida situação, sobre a qual possuem preocupação e censura adequada...” 27. Também este é, um dos fatores que muito implica uma reponderação do tipo legal pelo qual se deverá punir o arguido, uma vez que, como bem sabe o Tribunal pois, assim, deu como provado - “na data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido vivia na dependência económica dos progenitores, ambos integrados laboralmente, sendo o progenitor motorista de táxis e a progenitora auxiliar de educação, sendo a situação económica de ambos caracterizada por equilibrada e suficiente para fazer face às despesas dos respectivos agregados familiares, nomeadamente, ao nível dos arrendamentos residenciais. Assim, a progenitora contava com o salário mensal de cerca de € 1.000,00 (mil euros) da actividade profissional que desempenhava e por conta dos abonos de família o valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros) mensais e o progenitor auferia cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais, permitindo um equilíbrio financeiro que se mantém na actualidade. Deste modo, o arguido não possuía rendimentos próprios e o progenitor contribuía economicamente para o colmatar das suas despesas quotidianas;” 28. E mais uma vez, levando em linha de conta a matéria de facto dada como provada, somos assim de concluir, que qualquer provento financeiro que o arguido pudesse retirar da atividade de tráfico que desenvolvia era, pois, para custear os seus consumos, nenhum outro destino existindo para as verbas que eventualmente (e em montante que se desconhece) que pudesse auferir da atividade delituosa que lhe foi imputada. 29. Ora, tal conclusão, que se nos afigura pacífica face à matéria dada como provada muito revela acerca da motivação do arguido para se predispor a desenvolver a sobredita atividade. 30. Não sendo, por si só, uma causa atenuante, certo é que não se descortina que da conduta do arguido mais não seja pretendido do que suportar as despesas com o seu próprio consumo, não sendo, pois, atribuído outro fim (nomeadamente investimento em aquisição de estupefaciente para posterior venda; aquisição de bens, entre outras) 31. Somos, pois, a concluir, reforçando o já acima referido, que o arguido deverá ser punido nos termos do artigo 25º do já citado diploma legal. 32. Outra questão que supra (Motivação) se expos foi a possibilidade, negada no douto Acórdão, do arguido ver ser-lhe aplicado o regime especial para jovens delinquentes. 33. O arguido, à data dos factos, e em bom rigor ainda na data da apresentação da presente e humilde peça de recurso, era e é menor de 21 anos. 34. Na verdade, o arguido, nascido a ........2005, tem a ainda 20 anos de idade. 35. Como bem salienta a Douto Decisão sob recurso, o arguido não só se dispôs a prestar declaração, como conclui o douto Acórdão que o fez apresentando uma confissão parcial. 36. Desde logo podemos concluir, sem embargo se terem sido apresentadas algumas reservas, e de ter sido oferecida uma exposição distinta da descrita na douta acusação, que o arguido não só assumiu alguma factualidade e, por conseguinte, fez um “mea culpa” que, salvo melhor entendimento, deverá ser merecedor de ponderação distinta da alcançada quanto a esta temática. 37. Não se questiona o facto de o arguido estar com medida de coação vigente aplicada na sequência dos factos praticados em 19.07.2023 e ter voltado a praticar novos factos volvidos pouco mais de 30 dias após aquela douta decisão. 38. E na verdade, é uma proximidade temporal que pode evidenciar um desrespeito pelas normas ou, também, uma imaturidade significativa que lhe acarreta, próprio da idade, uma ausência de consciência que não estando a salvo da censura, deverá, também, importar uma leitura e compreensão distinta. 39. Não pugnaremos por uma redução drástica, ainda que se considere exagerada a pena de prisão no quantum definido contudo, e sem embargo dos considerandos tecidos no douto acórdão, somos de modesto entender que, ainda assim, o arguido pode ver ser-lhe aplicado o supra identificado regime, numa última e derradeira oportunidade, por forma que mesmo continuando privado da liberdade possa com maior celeridade regressar à sociedade, sem que após longo período de tempo seja totalmente desinserido (efeitos inevitáveis de uma reclusão – ainda que se pense o contrário – e ainda de forma mais acentuada com a idade do arguido. 40. Como se refere no preâmbulo do referido diploma, o interesse e a importância da legislação especial aplicável aos jovens delinquentes, regulada no mesmo, "não resulta tão só da ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado, mas vai também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como, finalmente entroncam num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade". 41. Tem-se em vista instituir um direito mais reeducador do que sancionador sem esquecer que "a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção" (vide n° 4 do preâmbulo do Decreto - Lei n° 401/82, de 23 de Setembro). 42. Dispõe o artigo 40º daquele diploma legal que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado". 43. Com a alteração do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, os artigos 73.º e 74.º, correspondem atualmente aos artigos 72º e 73º, devendo considerar-se feita para os atuais artigos 72º e 73º do Código Penal, a remissão constante no artigo 4º do Decreto-Lei n° 401/82. 44. Está assente na jurisprudência que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL n.º 401/82, de 23.09, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. 45. Deste modo, o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, no caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes. A idade não determinará, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente, porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, na qual terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do CP. 46. No caso em apreço, ainda que concorram alguns fatores que desencorajem, como desencorajaram, a aplicação do referido regime especial para jovens temos por certo que: - O arguido apresentou uma confissão parcial; - Tem uma condição humilde; - Tem estrutura familiar e social, decerto agora mais vigilante do que em momento anterior; - E era, especialmente jovem aquando da prática dos factos contando apenas com 18 anos de idade; 47. Ora, as finalidades da prevenção especial positiva justificam, ainda, a aplicação de uma pena que não que frustre as da prevenção geral de integração. 48. Atenta a natureza, a gravidade do ilícito e as circunstâncias em que o arguido cometeu o crime, deve concluir-se que ainda existem razões sérias para acreditar que decorrem da atenuação especial vantagens para a reinserção social do arguido, verificando-se que a tais vantagens não se opõem as exigências de prevenção geral. 49. Por fim, apenas no que toca às medidas parcelares das penas aplicadas, deve o arguido, ainda, dizer o seguinte. 50. Mesmo que não se entenda, o que se admite por cautela de patrocínio, que a decisão não merece reparo, nomeadamente quanto ao tipo legal de crime que deve qualificar as condutas do arguido, o que se não concede, sempre deverá ser entendido que as penas parcelares aplicadas ao arguido pecam por excesso. 51. E mesmo que se considere, dever ser de manter afastado de aplicação quanto ao arguido o regime especial para jovens, a que supra se aludiu, a mesma conclusão deverá ser alcançada, ou seja, que as penas aplicadas foram de facto, exageradas na sua medida. 52. Ora, mesmo comparando com os demais arguidos, foi o arguido, “apenas” com um antecedente criminal punido de forma mais severa em qualquer um dos ilícitos imputado do que os seus coarguidos com um registo criminal bem mais extenso, como o caso do arguido CC, com nove averbamentos no seu CRC, e dois averbamentos para o arguido BB. 53. O primeiro (CC) condenado (pelo artigo 25º do D.L. 15/93 de 22.01) na pena de 3 anos de prisão (Factos praticados na vigência de duas penas suspensas) e o segundo (BB) 4 anos e 6 meses de prisão, tendo o arguido ora recorrente sido condenado numa pena de 4 anos e 9 meses de prisão. 54. Ora, no que respeita aos factos praticados no dia 19.07.2023, o arguido não pode ou deve ser punido de forma mais severa que os demais arguido sendo que os factos que praticou e que vêm autonomizados no ponto 6 da matéria de facto dada como provado, não revestem nem gravidade nem ilicitude superior, nem tampouco são graduados em patamar superior para execução do plano descrito no douto Acórdão sob recurso. 55. A pena a aplicar-se, não procedendo as anteriores alegações da requalificação jurídica, deverá situar-se num quantum que não exceda os 4 anos e 2 meses de prisão. 56. Por sua vez, no que aos factos que se reportam ao dia 30.08.2023, não ignorando o que já pendia sob o arguido, mas levando em linha de conta a confissão parcial por si realizada – assim considerada pelo Tribunal - , ainda que com enquadramento distinto num segmento da dinâmica descrita deverá quando muito ser punido num quantum que não exceda os 4 anos e 6 meses de prisão. 57. E demonstraremos porquê, 58. Na determinação da medida concreta da pena, não foi tal questão apreciada, sendo certo que o arguido dedicou-se a esta atividade (e em mau momento o decidiu e o fez) para custear as despesas em que incorria com os seus consumos e sem qualquer outro fito económico – não lhe são conhecidos bens, vida faustosa ou gastos exacerbados – ficando qualquer pouco lucro gasto nos seus consumos de produto estupefaciente. 59. Apesar do Douto Tribunal ora recorrido mencionar no Aresto a necessidade de aplicação do dispositivo legal inserto no art.º 71º do CP para a determinação da medida concreta da pena, considerando o grau de ilicitude do agente, as necessidades de prevenção geral e especial no caso concreto e as circunstâncias que militaram em favor do arguido aquando da aplicação da punição, não se compreende, a aplicação de pena tão elevada e tão dura. Tanto mais que, atento o exposto, a manter-se a condenação do arguido, atenta a exiguidade da prova produzida, ainda que o entendimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores seja a da imutabilidade da Decisão, o que não se admite, ter-se-á que considerar circunstâncias que militam a favor do arguido que não terão sido, com o devido respeito, todas valoradas aquando da aplicação da medida concreta da pena: • A total ausência de lucros provenientes da atividade ilícita, não se tendo provado qualquer benefício económico decorrente da atividade descrita. • O curto período de tempo em que a atividade delituosa teve lugar; • O facto do arguido ser um “peão” numa estrutura que a existir é por si desconhecida; • O facto de desempenhar tarefas que não ocorrem por sua determinação, antes sim definidas por terceiro, • Possuir estruturação familiar e social, agora mais acentuada e protetora do que em momento anterior à prática dos factos. 60. Os critérios pelos quais o julgador deve orientar-se na determinação da medida concreta da pena resumem-se do seguinte modo: culpa do agente, que impõe uma retribuição justa; exigências decorrentes do fim preventivo especial ligadas à reinserção social do delinquente; exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade. 61. Ora, atento o referido, é inegável que a pena aplicada é exagerada e não deverá, pois, exceder os 4 anos e 6 meses de prisão. 62. Após esta operação de novo cálculo das medidas das penas parcelares aplicadas ao arguido, e num novo cálculo de pena única deverá encontrar-se uma pena que não exceda os 5 anos de prisão, máximo 5 anos e 6 meses de prisão. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas, Venerandos Desembargadores, superior e doutamente determinarão, deve o presente recurso merecer provimento e em consequência: a) Ser o arguido condenado por dois crimes de tráfico de estupefacientes de menor, p.p. pelo artigo 25º do DL 15/93 de 22. 01 b) E mesmo que assim não se entenda, ver ser-lhe aplicado o regime previsto no diploma consagrado no Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 /09 E mesmo que assim não se entenda, c) Considerarem-se exageradas as penas parcelares aplicadas aos dois crimes pelos quais foi condenado reduzindo-se as mesmas para o quantum supra indicado na motivação e conclusões Assim decidindo, V. Exas. como sempre, farão a Costumada Justiça». * Não se conformando com o acórdão, dela interpôs recurso o arguido BB, formulando as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente considera que atento o enquadramento jurídico-penal decorrente da conduta do arguido que resultou provada, a decisão do douto tribunal recorrente deveria ter sido diversa. 2. Encontrava-se o arguido acusado da prática em autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, com referência às Tabelas I- B e 1-C anexa a este. 3. Dos factos que resultaram provados inexistem dúvidas que o arguido recorrente deteve produto estupefaciente, e que a sua conduta se tratou de um acto isolado 4. Ficou assim, de facto assente a intenção concretizada do arguido. 5. Assim, em termos de vertente objectiva do tipo, não existe qualquer dúvida de que o arguido realizou condutas subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo certo que o crime de tráfico de estupefacientes, enquanto crime de perigo, prevê, em qualquer uma das suas modalidades, a protecção do bem jurídico recuada a momentos iniciais da acção, independentemente da produção de qualquer resultado (como já se enunciou). 6. Importa agora saber se a conduta do arguido, ao invés de integrar o tipo legal geral supra citado - art. 21.0, n.0 1 é susceptível de integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.0 do mesmo diploma legal. 7. Dispõe o artigo. 25.º, a]. a), do Dec. Lei no 15/93, de 22.01 que "se, nos casos dos artigos 21.º e 22-º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de (...) prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas I a III, Ve VI" 8. Este tipo de ilícito, constituindo um crime privilegiado relativamente ao tipo base do citado artigo 21.º, é tido como uma válvula de segurança do sistema, de modo a evitar que efectivas situações de menor gravidade sejam cominadas com penas desajustadas, por desproporcionadas. 9. A conclusão sobre o elemento típico da considerável diminuição da ilicitude do facto terá de resultar de uma valoração global deste, tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa, mas ainda outras que apontem para aquela considerável diminuição. Deve atender-se que os meios utilizados «se reportam à organização e à logística de que o arguido se socorre; na modalidade ou circunstâncias da acção relevará particularmente a perigosidade em termos de difusão das substâncias; tendo a qualidade da droga a ver com a sua perigosidade (...)» (Acórdão do STJ de 07/12/1999, BMJ 492, p. 149). 10. A avaliação da ilicitude de um facto criminoso como consideravelmente diminuída não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo, tanto no domínio do direito penal da droga como em qualquer outro. Como em qualquer outro campo do direito penal, não bastará seguramente, a presença de uma circunstância fortemente atenuativa para considerar preenchido o conceito quando, as restantes circunstâncias sejam de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuativas não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância grave. A imagem global do facto, no que se refere à sua ilicitude (parece pacífico, com efeito, que, para efeitos de preenchimento do crime do arto 25.º, não intervêm considerações sobre a culpa) é que é decisiva, como nos parece evidente (neste sentido AC. do S.T.J. de 06.02.2004, disponível in www.dgsi.pt). 11. Presente o sumariamente exposto e em face do acervo fáctico apurado, verifica-se que a sua actuação demonstrada pelo arguido no período temporal e modo, quantidades, local e momento em que deteve o produto estupefaciente, bem como a inexistência de conhecimento sobre o modo e/ou quantidades cedidas a terceiros e, bem assim, o desconhecimento de qualquer estrutura organizada por parte do arguido ou sequer, resulta inequívoca a prática por tal arguido de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 12. Nos termos dos factos suprarreferidos, é de concluir que a ilicitude dos factos reportada na actuação do arguido se mostra consideravelmente diminuída, pelo que se mostram, preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do ilícito criminal p. e p. pelo artigo 25 0 alínea a) do DL 15/93. 13. No caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra perfeitamente inserido social e familiarmente. 14. Não tem antecedentes criminais do crime em que foi condenado 15. O produto estupefaciente foi apreendido na sua totalidade, pelo que a danosidade da conduta do arguido foi reduzida. 16. O grau de pureza do produto estupefaciente é reduzido. 17. Assim, a ser considerada a matéria de facto apurada na sua globalidade, esta aponta para a presença de um cidadão com uma positiva inserção social e um percurso de vida com hábitos de trabalho e manifesto suporte familiar, sendo que a ilicitude da autoria do recorrente verificada nos eventualmente, poderá indicar para uma situação de alguma moderada diminuição da ilicitude. 18. O recorrente deveria ter sido condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. pelo art. 25º do DL15/93, em pena de prisão suspensa na sua execução, e sujeita a apertado regime de prova. 19. No entanto, e no caso vertente resulta provado que o recorrente se encontra inserido social e familiarmente, padece de doença grave do foro mental, e que a pena aplicada terá um efeito inverso ao desejado pelas penas sancionatórias, uma vez que irá prejudicar a inserção social do recorrente e o seu tratamento. 20. É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa. Normas Violadas: • Artigo 21º, nº.1 do DL 15/93, uma vez que o recorrente ao contrário do que foi decidido, não é o autor do crime em causa. • Artigo 127º do CPP. • Artigo 40º, 50º, 51º, 70º, 71º todos do CP, visto a pena pecar por exagerada e desproporcional. Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso: - O arguido dever ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21º, nº1, e sim punido pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p.p. pelo artigo 25º ambos do DL 15/93, em pena de prisão suspensa na sua execução e sujeita a forte regime de prova (…) Assim se fazendo Justiça.» ** Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de ........2025, ambos com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. * O Ministério Público respondeu aos recursos, formulando as seguintes conclusões (transcrição): A. Recurso do recorrente AA: «1. O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, datado de ... de ... de 2025, no âmbito do qual, foi o mesmo condenado pela prática, em coautoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de: 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma, pelos factos praticados em 19-07-2023, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao mesmo diploma, pelos factos praticados em 30-08-2024, na pena de 5 (cinco) anos de prisão. 2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, foi o arguido AA condenado na pena única de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva. 3. Segundo o mesmo, o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” deverá ser revogado e substituído por outro que dê lugar à sua absolvição ou, caso assim não seja, à sua condenação numa pena única não superior a 5 anos e 6 meses de prisão. 4. Em primeiro lugar, entende o Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo merece censura, uma vez que, segundo o mesmo, os factos dados como provados pelo mesmo, são suscetíveis de configurar a prática de 2 (dois) crimes de tráfico de menor gravidade, previstos e punidos pelo artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, ao invés de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 5. Refere o Recorrente que através da factualidade dada como provada é notório que o mesmo se dedica ao denominado “tráfico de rua”, sem qualquer preparação ou grau de estrutura elevado, desconhecendo-se qual a verdadeira receita financeira que o mesmo retirava daquela atividade de tráfico, assim como, e de igual forma, se o arguido alargava tal atividade a outros locais e sob outra forma de atuação. 6. Acrescenta ainda que o arguido foi detetado e abordado precisamente no mesmo local, de onde se pode concluir, na sua ótica, que a sua atuação geográfica se resumirá àquele mesmo local, e ainda, que a sua forma de atuação, nunca será superior ou mais elaborada do que aquela que vem doutamente descrita na douta acusação. 7. É ainda realçado que o mesmo consome substâncias psicotrópicas, nomeadamente haxixe, desde os seus 15 (quinze) anos de idade, e que, as condutas por si praticadas têm como escopo o suporte das despesas com o seu próprio consumo. 8. Adiantamos, desde já, que não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente. 9. Ora, tendo presente, desde logo, que o arguido AA foi detido, no âmbito dos presentes autos, em duas ocasiões distintas, designadamente em 19-07-2023 e 30-08-2024, pela prática de factos suscetíveis de configurar a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, e que já possuía um antecedente criminal pela prática de um crime da mesma natureza, aliada à quantidade e à variedade de produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, nomeadamente cocaína, heroína e canábis, que é elevada, ao facto de o mesmo ter sido visto a vender produto estupefaciente a terceiros e terem sido encontradas quantias monetárias decorrentes dessa venda (superior a 1.700 €, na sua totalidade), entendemos que o inexistem dúvidas de que o arguido AA se dedica, com regularidade, e como modo de sustento de vida, à prática de factos suscetíveis de configurar a prática do crime de tráfico de estupefacientes. 10. É ainda de realçar que, quanto aos factos praticados em 19-07-2023, o arguido AA agiu em comunhão de esforços e intentos com os arguidos BB e CC, sendo que, cada um deles tinha uma tarefa, de acordo com o plano delineado entre si, tendo em vista o objetivo final comum, que era o de vender produtos estupefacientes a terceiros. 11. Ora, quanto a esses factos, inexistem dúvidas de que o arguido AA não agiu em solitário, mas de acordo com um esquema organizado de proceder à venda de produtos estupefacientes, no âmbito do qual, cada arguido tinha uma tarefa para cumprir, pelo que, salvo melhor opinião, a conduta praticada pelo mesmo não se poderá reconduzir à de um mero “vendedor de rua”. 12. Por outro lado, como já dissemos, apesar de o arguido AA ter sido detido no dia 19-07-2023 pela prática de factos suscetíveis de configurar a prática do crime de tráfico de estupefacientes, o mesmo arguido foi detido, onze meses depois, nomeadamente em 30-08-2024, pela prática de factos de idêntica natureza, o que é bem elucidativo de que o arguido se dedica a esta atividade com regularidade e como modo de vida. 13. Nessa medida, entendemos que não estão reunidos os pressupostos de facto e de direito para o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 14. Nesse sentido, não merece qualquer reparo o enquadramento jurídico-penal, efetuado pelo Tribunal a quo, pois, os factos praticados pelo Recorrente, são suscetíveis de configurar a prática de 2 (dois) crimes de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 15. Razão pela qual, deverá o Recurso ser julgado como improcedente quanto a esta parte. 16. Por outro lado, sustenta o Recorrente que, perante a confissão parcial dos factos , a sua condição humilde, a sua estrutura familiar e social, e o facto de ter praticado os factos com apenas 18 (dezoito) anos de idade, deveria o Tribunal a quo deveria ter aplicado uma pena especialmente atenuada, atento o disposto no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro e nos artigos 73.º e 74.º, do Código Penal. 17. Adiantamos, desde já, que não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente e que a pena aplicada pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 18. Em primeiro lugar, uma vez que o arguido, aquando da prática dos factos, ainda não tinha completado 21 (vinte e um) anos de idade, no que concerne à eventual aplicação de uma atenuação especial da pena, à luz do plasmado no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de novembro, entendemos que a mesma não deverá ocorrer. 19. Ora, tendo em conta a forma como o arguido AA atuou aquando da prática dos factos, nomeadamente através de dolo direto, bem como as elevadíssimas exigências de prevenção especial que se fazem sentir, em virtude do antecedente criminal que o mesmo já possui, pela prática de um crime de idêntica natureza, entendemos que não estão reunidos os pressupostos de facto e de direito para a aplicação de uma atenuação especial da pena, à luz do previsto no artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro. 20. Pelo que, como diz – e bem – o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, mostra-se inviabilizada a aplicação desse aludido regime jurídico. 21. Razão pela qual, o Recurso deverá, igualmente, improceder quanto a esta parte. 22. Por último, defende o Recorrente que a pena aplicada é desproporcional e exagerada, em face da confissão parcial relativamente aos factos praticados em 30-08-2023 e em face das penas aplicadas aos coarguidos em relação aos factos praticados em 19-07-2023. 23. Por essa razão, segundo o mesmo, a pena única aplicada não deveria ultrapassar os 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 24. Cremos que não assiste razão ao Recorrente, quanto aos fundamentos invocados, para impugnar a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” sopesou, criteriosamente, todos os fundamentos do recurso e respeitou os critérios da determinação da pena a aplicar, previstos nos 70.º e 71.º, todos do Código Penal. 25. Ora, tendo presente toda a factualidade provada, adiantamos, desde já, que entendemos não assistir qualquer razão ao Recorrente quanto às críticas tecidas no que tange à dosimetria da pena única em que veio a ser condenado. 26. Sempre se dirá que na fixação do quantum da pena, se teve na devida atenção todo o circunstancialismo concreto em que o crime foi praticado, sendo que entendemos que, na verdade, o Tribunal “a quo” ponderou devidamente as circunstâncias baseadas nos factos apurados. 27. Acresce que foram devidamente ponderados, na medida concreta da pena, o considerável grau de ilicitude, o dolo, a culpa e as condições pessoais (não exerce qualquer atividade laboral com caráter regular). 28. Na graduação da pena aplicada ao Recorrente, o Tribunal “a quo” teve em consideração os critérios previstos no artigo 71.º, do Código Penal, designadamente que: a) O dolo é direto; b) O grau de ilicitude dos factos é elevado, tendo em conta os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora e o perigo inerente à proliferação de substâncias estupefacientes, bem como a quantidade, diversidade e natureza dos produtos estupefacientes; c) As motivações que determinaram o arguido à sua conduta, naturalmente relacionadas com a obtenção de lucro fácil e indiferente aos riscos da sua atividade criminosa; e, d) As exigências de prevenção especial são elevadas, atendendo à ausência de autocrítica que apresenta e ao facto de ter sido sujeito a primeiro interrogatório de arguido detido em 20-07-2023 (detido em 19-07-2023), em que foi indiciado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, tendo sido sujeito à medida de coação de apresentações periódicas e de proibição de contactar com os arguidos, e apesar dessa detenção e sujeição a primeiro interrogatório judicial, volvidos onze meses (30-08-2024), o arguido voltou a praticar factos da mesma natureza, o que a agrava a situação destes autos, para além de serem já praticados após o trânsito em julgado da condenação sofrida e registada no seu certificado de registo criminal, por crime de idêntica natureza. 29. Tudo ponderado, afigura-se de todo inquestionável que, no quadro dos fins das penas, e atendendo ao binómio culpa-ilicitude dos factos, a pena concretamente fixada se apresenta ajustada, adequada, legalmente correta e ponderada, não ultrapassando de modo nenhum os limites da culpa, e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e uma prevenção especial ressocializadora. 30. O Tribunal a “quo”, na determinação concreta da pena, não violou as disposições plasmadas nos artigos 70.º e 71.º, todos do Código Penal 31. E, nesta medida, nada teve de desproporcional, desadequado ou excessivo a condenação do arguido na pena de 6 (seis) anos e 7 (sete) meses de prisão efetiva, tendo em conta a moldura penal abstrata. 32. Em face de tudo o que foi dito, entendemos que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, desta forma, mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido! Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão V.as Ex.as JUSTIÇA.» B. Recurso do recorrente BB: «1. O Recorrente interpõe o presente recurso, por não se conformar com o Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, datado de ... de ... de 2025, no âmbito do qual, foi o mesmo condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma, pelos factos praticados em 19-07-2023, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva. 2. Segundo o mesmo, o Acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que pugne pela alteração da qualificação jurídica dos factos em apreço e pela alteração da medida da pena aplicada ao mesmo, nomeadamente, pela sua condenação numa pena suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova. 3. Em primeiro lugar, entende o Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo merece censura, uma vez que, segundo o mesmo, os factos dados como provados pelo mesmo, são suscetíveis de configurar a prática de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, previstos e punidos pelo artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, ao invés de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 4. Refere o Recorrente que através da factualidade dada como provada é notório que se tratou de um ato isolado, em face da atuação demonstrada pelo arguido no período temporal, modo, quantidades, local e momento em que deteve o produto estupefaciente, bem como a inexistência de conhecimento sobre o modo e/ou quantidades cedidas a terceiros e, bem assim, o desconhecimento de qualquer estrutura organizada por parte do arguido ou sequer, resulta inequívoca a prática por tal arguido de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 5. Realça ainda que o produto estupefaciente foi totalmente apreendido e que o grau de pureza do mesmo é reduzido. 6. Ora, mais uma vez, consideramos que não assiste razão ao Recorrente, porquanto, o Tribunal a quo enquadrou e qualificou os factos de forma correta, porquanto os mesmos são suscetíveis de configurar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previstos e punidos pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 7. Tendo presente, desde logo, a quantidade e a variedade de produto estupefaciente apreendido nos presentes autos, no dia 19-07-2023, nomeadamente cocaína e heroína, que é elevada, terem sido encontradas quantias monetárias decorrentes dessa venda (cerca de 433 €, na sua totalidade), e modo como foram praticados os factos por parte do arguido BB, designadamente em coautoria com os arguidos AA e CC, entendemos que tais factos são suscetíveis de configurar a prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 8. É de realçar que, quanto aos factos praticados em 19-07-2023, o arguido BB agiu em comunhão de esforços e intentos com os arguidos AA e CC, sendo que, cada um deles tinha uma tarefa, de acordo com o plano delineado entre si, tendo em vista o objetivo final comum, que era o de vender produtos estupefacientes a terceiros. 9. Pelo que, inexistem dúvidas de que o arguido BB não agiu em solitário, mas de acordo com um esquema organizado de proceder à venda de produtos estupefacientes, no âmbito do qual, cada arguido tinha uma tarefa para cumprir, pelo que, salvo melhor opinião, a conduta praticada pelo mesmo não se poderá reconduzir à de um mero “tráfico de rua”. 10. Nessa medida, entendemos que não estão reunidos os pressupostos de facto e de direito para o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 11. Nesse sentido, não merece qualquer reparo o enquadramento jurídicopenal, efetuado pelo Tribunal a quo, pois, os factos praticados pelo Recorrente, são suscetíveis de configurar a prática de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. 12. Razão pela qual, deverá o Recurso ser julgado como improcedente quanto a esta parte. 13. Por outro lado, sustenta o Recorrente que o cumprimento efetivo da pena de prisão se mostra excessivo e desproporcional, ante a facto de se encontrar inserido na sociedade, quer a nível social e familiar, bem como o facto de padecer de uma grave doença de foro mental, em violação do plasmado nos artigos 40.º, 50.º, 51.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal. 14. Adiantamos, desde já, que não partilhamos do mesmo entendimento do Recorrente e que a pena aplicada pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo. 15. Antes de mais, o Ministério Público defende que, se deve ter por assente, a matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido, bem como o enquadramento jurídico efetuado e, atenta a factualidade apurada, ponderadas as circunstâncias que presidem à determinação da medida da pena - artigo 71.º, do Código Penal -, afigura-se como razoável e equilibrada a pena fixada no acórdão recorrido, pelo que merece a nossa concordância. 16. Ora, in casu, o arguido BB foi acusado como coautor material, e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma. 17. Após produção de prova, ante a factualidade dada como provada, o Tribunal a quo condenou o Recorrente como coautor material, pela prática do aludido crime, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva. 18. Pretende o Recorrente que a pena de prisão efetiva que lhe foi aplicada seja suspensa na sua execução. 19. Ora, embora as circunstâncias a que o Recorrente apela sejam atendíveis, o critério legal que preside à substituição é a possibilidade, no caso concreto, de se fazer um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido. Só reunidas as condições para fazer esse juízo, se ponderam as eventuais medidas de acompanhamento, tendo em conta as circunstâncias de vida do condenado e aquilo que melhor se adequa às suas necessidades com vista à sua ressocialização. Aliás, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, conforme consta do artigo 44.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 janeiro, a suspensão da execução da pena nos termos ali previstos terá ainda e sempre de obedecer aos critérios da lei geral, isto é, ao disposto no artigo 50.º, do Código Penal. 20. No caso em apreço, face aos factos provados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, nada legitima que o Tribunal “a quo” faça um juízo de prognose social favorável ao arguido, não tendo razões para prever que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de fora adequada e suficiente as finalidades da punição, não podendo nunca a punição ser de tal modo suavizada, como pretende o recorrente, que venha a adquirir caráter meramente simbólico, nem podendo o arguido pretender pura e simplesmente apagar da sua vida os crimes e a efetiva punição, pois tal situação abriria a porta a que voltasse a cometer crimes. 21. No caso concreto, parece evidente, ressalvado o devido respeito por entendimento em contrário, que a suspensão da execução da pena jamais realizaria as exigências de prevenção geral, satisfazendo as expectativas da comunidade sobre a reafirmação da validade das normas violadas e evitando a prática de novos crimes, nem seria adequada à promoção da ressocialização do agente, fundamento da prevenção especial. 22. A pena substitutiva pugnada pelo recorrente transmitiria à sociedade a errada ideia de um excesso de benevolência e de que o crime compensa, em face da natureza dos factos, que são muito graves, que com tal pena seriam tratados como se os mesmos tivessem natureza bagatelar. 23. Atendendo à intensidade do dolo com que o arguido atuou – dolo direto – e ao elevado grau de ilicitude manifestado, desde logo, pela forma como são executados os factos, à gravidade destes, aos valores sociais tutelados pela norma, o Tribunal “a quo”, e bem, decidiu não haver lugar à suspensão da execução da pena de prisão no caso dos presentes autos, uma vez que, em nosso entendimento, não se verificam os pressupostos de que a lei penal faz depender a sua aplicação, designadamente, por se mostrar impossível efetuar, com os elementos constantes dos autos, um juízo de prognose favorável, atendendo à personalidade do arguido e às exigências de prevenção geral. 24. Em síntese, não existe qualquer motivo atendível para alterar, como pretende o Recorrente, a pena aplicada, uma vez que, o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do recorrente e à medida da sua culpa. 25. Assim, o Ministério Público defende que, a pena aplicada dá resposta cabal aos fins da punição e respeita os princípios da prevenção geral e especial ressocializador, pelo que, o acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura e, em consequência deve o recurso improceder. 26. Deste modo, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta o artigo 50.º, do Código Penal, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. 27. Em face de tudo o que foi dito, entendemos que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, desta forma, mantido, na íntegra, o douto acórdão recorrido! Pelo exposto, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos, por ser totalmente conforme à lei, no que farão V.as Ex.as JUSTIÇA.» * Nesta instância, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência dos recursos. * Foi cumprido o estabelecido no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. * Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre apreciar e decidir. ** II. OBJECTO DOS RECURSOS Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, cumpre apreciar: A. Do recurso do recorrente AA: - saber se o enquadramento jurídico está incorrecto; - saber se lhe deve ser aplicado o Regime especial para jovens delinquentes; - saber se a medida da pena das penas parcelares e da pena única são excessivas e desproporcionais. B. Do recurso do recorrente BB: - saber se o enquadramento jurídico está incorrecto; - saber se a medida da pena da pena é excessiva e desproporcional; - saber, ainda, se é possível formular um juízo de prognose favorável e, em consequência, suspender a execução da pena de prisão. * III. FUNDAMENTAÇÃO O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos (transcrição): «A) Na sequência do julgamento resultaram, com pertinência e relevância para a boa decisão da causa, os seguintes: Factos Provados: 1. Pelo menos no dia 19.07.2023, os arguidos AA, CC e BB decidiram dedicar-se em comunhão de esforços e de intentos, à aquisição e venda de cocaína e de heroína, na ..., em Lisboa.; 2. Assim, no âmbito desse plano, no dia 19 de Julho de 2023, pelas 16 horas e 50 minutos, os arguidos encontravam-se na ..., a proceder à venda de cocaína e de heroína a terceiros, em troca de contrapartidas monetárias; 3. Para tanto, o arguido BB entregava as embalagens dos referidos produtos a consumidores dos mesmos, no vão de escadas do referido n.º 4; 4. Enquanto que o arguido CC se encontrava junto da entrada do lote 4 a vigiar e controlar a presença de elementos policiais no local de modo a poder alertar os outros arguidos e encaminhava os consumidores até junto destes; 5. Neste dia, de cada vez que visualizava uma viatura policial a passar no local, o arguido CC gritava a expressão: ”UGA!!”, como forma de alertar os arguidos BB e AA da presença das autoridades policiais; 6. Por seu lado, o arguido AA encontrava-se no interior do 1.º esquerdo do lote 4, a proceder à guarda/ocultação das embalagens de cocaína e de heroína neste local, até se proceder à respectiva venda, bem como das quantias monetárias recebidas; 7. Neste dia, pelas 16 horas e 50 minutos, o arguido BB preparava-se para entregar embalagens de cocaína e de heroína a consumidores que ali se encontravam a aguardar, quando ouviu o arguido CC a gritar a palavra: ”UGA!”, para o alertar da presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local; 8. Nesse momento, o arguido BB arremessou para o solo: - 6 (seis) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 1,467 gramas; - 1 (uma) embalagem de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 0,221 gramas; - 3 (três) embalagens de heroína, com o peso líquido de 0,565 gramas; e encetou fuga para o interior do lote 4, para a fracção do 1.º esquerdo onde se encontrava o arguido AA; 9. No interior desta fracção os arguidos tinham: - a quantia monetária de € 433,00 (quatrocentos e trinta e três euros), subdividida em várias notas e moedas do Banco Central Europeu; - um saco da marca “...”, com diversas embalagens de plástico de estupefaciente já abertas; 10. Por estes factos, foram os arguidos detidos e sujeitos a primeiro interrogatório judicial, no âmbito do qual lhes foram aplicadas as medidas de coacção, tendo o arguido AA ficado sujeito às medidas de coacção de proibição de contactar, por qualquer meio, com os restantes arguidos e de obrigação de apresentação semanal no órgão de polícia criminal da sua área de residência; 11. Contudo, apesar de ter sido detido e sujeito a medidas de coacção, o arguido AA renovou o propósito, que concretizou, de se dedicar à venda de cocaína e de heroína a terceiros, passando, também, a proceder à venda de canábis; 12. Assim, no dia 30 de Agosto de 2024, pelas 15 horas e 40 minutos, o arguido AA encontrava-se junto da porta de acesso ao lote 5 do ..., no ..., em Lisboa, a proceder à venda de cocaína, de canábis e de heroína terceiros, consumidores destes produtos, em troca de quantias monetárias; 13. Nessas circunstâncias, o arguido entregou uma embalagem a um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que lhe entregou uma nota de € 5,00 (cinco euros); 14. Nessa altura, o arguido e o indivíduo aperceberam-se da presença de agentes da Polícia de Segurança Pública no local e encetaram fuga, o arguido para o interior do lote e o indivíduo não identificado para lugar incerto; 15. Ao chegar ao 3.º piso, o arguido foi interceptado pelos agentes da Polícia de Segurança Pública e revistado, tendo sido encontrado na sua posse e apreendido: - 10 (dez) embalagens de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 3,528 gramas; - 10 (dez) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 0,581 gramas; - 5 (cinco) embalagens de heroína, com o peso líquido de 0,729 gramas; - 1 (uma) embalagem de canábis (resina), com o peso de 1,868 gramas; - a quantia monetária de € 1.328,55 (mil trezentos e vinte e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos); 16. Os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes dos produtos que detinham, destinando-os à cedência a terceiros, bem sabendo que tal conduta os fazia incorrer em responsabilidade criminal; 17. Os arguidos sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei; 18. A canábis, a heroína e cocaína apreendidas aos arguidos eram o remanescente de outras quantidades não apuradas destas substâncias que tiveram e que cederam a terceiros, em troca de quantias monetárias; 19. Os arguidos agiram em conjugação de esforços e vontades, em execução de plano comum para a obtenção e comercialização de produtos estupefacientes; 20. A quantia monetária apreendida aos arguidos foi obtida com os proventos das vendas de canábis, cocaína e de heroína realizadas; 21. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; (…) 26. Mais se provou que: 27. O arguido AA reconheceu, parcialmente, os factos reportados ao dia 30.08.2024, de forma fragmentada, parcial e com reservas, denotando falta de sentido crítico e incapacidade de autocensura e de descentração, adoptando um discurso de autovitimização e de autocomplacência; 28. Do certificado de registo criminal do arguido AA consta a seguinte condenação; - pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo Art.º 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por factos praticados em 11.03.2022, foi o arguido condenado, por sentença proferida a 16.11.2023, transitada em julgado a 05.06.2024, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa, J1, no âmbito do processo n.º 41/22.7..., na pena de 13 (treze) meses de prisão substituída por 395 (trezentas e noventa e cinco) horas de trabalho a favor da comunidade; 29. Do relatório social do arguido AA, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido: “- o arguido AA, na data dos factos subjacentes aos presentes autos, a partir de Julho de 2024, alternava de residência dos progenitores, que se encontram separados, ainda que maioritariamente o arguido permanecesse a residir com o progenitor, num imóvel arrendado de tipologia T2 na ..., por razões de maior facilidade de deslocação para o estabelecimento de ensino que frequentava. No entanto, mantinha contactos e períodos de permanência com o agregado familiar da progenitora, constituído pela mãe do arguido, irmã, menor de idade e uma prima materna de seis anos de idade, residentes num imóvel de habitação social de tipologia T4, no bairro social ..., atribuído à avó materna, actualmente num Lar. A ruptura entre os progenitores ocorreu sem conflitos que afectassem a relação entre ambos ou com os descendentes, tendo o arguido mantido bom relacionamento com ambos os progenitores, sendo as dinâmicas familiares descritas sem problemas relevantes, não apresentando o arguido comportamentos desadequados, nem desafiadores das normas familiares dos agregados em que se inseria, quer materno, quer paterno; - aquando da sua reclusão, o arguido permanecia a residir com o progenitor, num fogo arrendado na zona de ..., de tipologia T2, com condições de habitabilidade, mantendo os contactos regulares e assíduos com o agregado familiar materno. O arguido encontrava-se inactivo laboralmente, mas a frequentar um curso de Educação e Formação (CEF) tipo II de “Empregado de Restauração e Bar” no Centro de Formação Profissional ...(...), que lhe permitiria concluir o 9.º ano de escolaridade. Contudo, o arguido apresentou problemas de adaptação ao contexto escolar, contando com diversas participações disciplinares e suspensões, tendo vindo a abandonar a frequência escolar sem concluir o referido curso, apresentando-se com o 7.º ano de escolaridade à data da reclusão. A nível profissional, e dado que abandonou a frequência escolar, o arguido não apresenta uma experiência profissional de relevo, tendo realizado alguns trabalhos esporádicos no ramo da construção civil durante três meses de Verão de 2023 e antes, entre Fevereiro e Junho de 2023 trabalhou num café de um elemento familiar. Deste modo, o arguido não possuía qualquer actividade estruturada, quer laboral, quer escolar, permanecendo maioritariamente desocupado em casa, onde se dedicava a jogar playstation/computador ou ainda, na rua com os amigos, alguns com o mesmo estilo de vida ocioso, e a namorar, tendo uma relação afectiva desde 2021, sendo de grande importância, positiva e gratificante e de suporte emocional para o arguido. - na data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido vivia na dependência económica dos progenitores, ambos integrados laboralmente, sendo o progenitor motorista de táxis e a progenitora auxiliar de educação, sendo a situação económica de ambos caracterizada por equilibrada e suficiente para fazer face às despesas dos respectivos agregados familiares, nomeadamente, ao nível dos arrendamentos residenciais. Assim, a progenitora contava com o salário mensal de cerca de € 1.000,00 (mil euros) da actividade profissional que desempenhava e por conta dos abonos de família o valor de € 230,00 (duzentos e trinta euros) mensais e o progenitor auferia cerca de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) mensais, permitindo um equilíbrio financeiro que se mantém na actualidade. Deste modo, o arguido não possuía rendimentos próprios e o progenitor contribuía economicamente para o colmatar das suas despesas quotidianas; - na data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido apresentava consumo de substâncias psicotrópicas, haxixe, situação que decorre desde os quinze anos de idade, iniciado em contexto de grupo de pares da escola e que o arguido desvaloriza, tendo os progenitores conhecimento da referida situação, sobre a qual possuem preocupação e censura adequada. Actualmente, no contexto prisional, encontra-se abstinente de consumos, continuando a desvalorizar os mesmos. O arguido padece de doença respiratória, asma, mas, não é uma problemática de saúde com necessidade de acompanhamento médico regular; - o processo de socialização do arguido decorreu no bairro social ..., tendo aí constituído relacionamentos significativos com pares, ainda que saliente os relacionamentos estabelecidos em contextos escolar como mais significativos, embora tenham ocorrido problemas de bullying, que cessaram aquando o processo de desenvolvimento físico do arguido, designadamente compleição física, lhe permitiu defender-se. Manteve um percurso escolar bem-sucedido até aos treze/catorze anos de idade, altura em que começou a ter problemas disciplinares, espoletando os problemas de agressividade em contexto escolar, associado ao momento em que o arguido sofreu duas perdas significativas, falecimento da irmã recém-nascida e do avô materno. Neste período, foram identificadas no contexto familiar mudanças no comportamento, tornando-se mais fechado, tendo essas perdas um impacto em toda a dinâmica familiar na data, designadamente no que concerne à supervisão e controlo dos filhos e que deu origem aos primeiros contactos com o sistema de justiça juvenil. Assim, o arguido foi colocado no programa ´Escola de Segunda Oportunidade´ no Instituto de Apoio à Criança (...), para conclusão do 9.º ano de escolaridade, onde também foi malsucedido, tendo, então, transitado para o ´...´; - em termos pessoais, actualmente o arguido denota maior maturidade, ainda que, continue a revelar défices ao nível do sentido crítico sobre os comportamentos e estilo de vida que mantinha e que contribuíram para os contactos com o sistema de justiça. A actual situação de medida de coacção em prisão preventiva, sendo o primeiro contacto com o contexto prisional, denota estar a ter um forte impacto, nomeadamente, no que concerne às consequências para si, denotando motivação para alcançar os objectivos propostos por si, em meio livre; - ao nível de perspectivas futuras, e após a resolução da situação jurídico-penal, pretende integrar-se no agregado familiar da progenitora, pois a supervisão, controle e regras impostas por parte da progenitora são benéficas para a adequação da sua vida no exterior, nomeadamente ao nível do afastamento de contexto social e grupo de pares problemáticos, pretendendo inserir-se no mercado de trabalho, tendo como projectos a integração numa churrascaria de uma tia materna/madrinha e a obtenção da licença de condução de veículos, para começar a trabalhar como motorista de táxis, à semelhança da actividade profissional que o progenitor desempenha; - desde 31.08.2024 que o arguido se encontra em prisão preventiva, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional ......, sendo transferido para o Estabelecimento Prisional ..., onde permanece à ordem do presente processo. No contexto prisional, tem mantido um comportamento de acordo com as regras institucionais, não existindo registo de sanções disciplinares, encontrando-se inactivo laboralmente. No Estabelecimento Prisional ..., o arguido apresenta dispor de apoios familiares, recebendo visitas por parte dos seus elementos familiares, progenitores, namorada e dois primos, recebendo apoio pecuniário quinzenal com assiduidade e regularidade; - o arguido denota falta de sentido crítico e imaturidade, sendo que, numa perspectiva de avaliação de risco e de necessidades de intervenção, surgem como principais factores de risco, o grupo de pares associado a problemáticas criminais e ao consumo de substâncias psicoactivas, a baixa qualificação escolar e percurso laboral inconsistente e como factores positivos, o reconhecimento da necessidade do afastamento destes pares, a motivação e interesse na inserção laboral, no exterior; - o arguido, actualmente, com dezanove anos de idade, realizou o seu processo de socialização enquadrado pelo seu agregado familiar de origem, o qual foi constituído por ambos os progenitores até aos seus catorze anos de idade. Não obstante, a ruptura entre os pais, o arguido continuou a manter bom relacionamento com ambos, tendo ficado integrado no agregado familiar paterno, mantendo relacionamento regular e investido com a progenitora. Vivenciou, na entrada da adolescência duas perdas significativas, falecimento da irmã recém-nascida e avô materno, os quais contribuíram para a mudança de comportamentos. Iniciou-se no consumo de estupefacientes aos quinze anos de idade, o qual mantinha até dar entrada no contexto prisional, continuando a desvalorizar os mesmos. Não possui a escolaridade obrigatória, encontrando-se certificado com o 7.º ano de escolaridade, registando uma trajectória laboral parca e insipiente, encontrando-se inactivo laboralmente e com um estilo de vida de ócio e com relação a pares com comportamentos delitivos. No contexto prisional, tem vindo a apresentar um percurso normativo, isento de sanções disciplinares, apresentando dispor de apoio familiar. Apresenta como principais vulnerabilidades, a imaturidade, défices de competências pessoais, nomeadamente, ao nível do sentido crítico relativamente aos contactos com o Sistema de Justiça, baixa escolaridade, consumo de estupefacientes (haxixe) e relação com pares com comportamentos pró-criminais, surgindo como factores positivos o apoio familiar e o interesse e motivação para o ingresso no mercado de trabalho”; (…) 32. Do certificado de registo criminal do arguido BB constam as seguintes condenações: - pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo Art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, por factos praticados em 22.10.2019, foi o arguido condenado, por Acórdão proferido a 28.01.2022, transitado em julgado a 28.02.2022, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, ..., no âmbito do processo n.º 20116/21.9..., na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita regime de prova, declarada extinta, nos termos do Art.º 57.º, do Código Penal, por despacho de 12.09.2023; - pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos Arts.º 210.º, n.º 2 e 204.º, n.º 2, alínea f), ambos do Código Penal, por factos praticados em 22.05.2021, foi o arguido condenado, por Acórdão proferido a 19.04.2022, transitado em julgado a 20.05.2022, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Central Criminal de Sintra, J3, no âmbito do processo n.º 287/21.5..., na pena de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita regime de prova; 33. Do relatório social do arguido BB, além do mais, consta a seguinte factualidade, cujo teor se dá integralmente por reproduzido: “- O arguido BB é filho único, não tendo o pai mantido qualquer relacionamento com o mesmo desde criança. Integra o agregado familiar formado pela mãe, DD, com trinta e sete anos de idade, empresária de ..., pelo padrasto, EE, com trinta e sete anos de idade, colaborador para a mesma entidade por meio de tarefas administrativas e pelos irmãos uterinos FF, de treze anos de idade, GG, com sete anos de idade e HH, com um ano de idade. Coabitam na morada dos autos, tratando-se de um apartamento próprio, pertença da mãe e padrasto, o qual reúne boas condições de habitabilidade. O ambiente familiar apresenta-se isento de conflitualidade relevante, sendo que o arguido, em contexto familiar, também denota um comportamento adaptado às regras e normas familiares, mantendo uma relação estável e funcional com os restantes elementos. Relativamente à data dos factos subjacentes aos presentes autos, além do nascimento da irmã HH, não existem alterações às suas condições habitacionais e familiares; - o arguido obteve o 8.º ano de escolaridade do ensino básico, registando posterior tentativa de conclusão do 9.º ano de escolaridade, no âmbito da frequência de curso de formação profissional de geriatria, do qual veio a desistir. Encontra-se, essencialmente, desempregado, embora execute trabalhos ocasionais na área das mudanças, em regime informal, recebendo entre os € 20,00 (vinte euros) e os € 30,00 (trinta euros) diários. Em termos ocupacionais, dedica-se à composição de músicas “...”, a tempo parcial, com perspectivas de consolidar esse processo e daí poder auferir rendimentos próprios. Deste modo, em termos laborais, o arguido tem revelado dificuldades em estabelecer-se no desempenho de actividades continuadas, situação que, em parte, está relacionada, com a sua doença. Em termos de saúde, consta de relatório médico que “o arguido iniciou acompanhamento no serviço de psiquiatria do hospital Prof. Doutor II, desde Maio de 2023. Previamente havia sido acompanhado em consultas de pedopsiquiatria deste mesmo hospital, desde 2019. Está afecto de perturbação psicótica crónica (esquizofrenia), bem como por perturbação por uso de substâncias (cannabis). Em razão das afecções supra, o examinando está fortemente condicionado na sua funcionalidade, designadamente na capacidade para obter e manter trabalho remunerado. O mais recente regime terapêutico inclui antipsicótico injectável de duração mensal. As patologias de que padece limitam na actualidade, de forma grave, a capacidade de o doente procurar e obter sustento”; - relativamente à data dos factos subjacentes aos presentes autos, o arguido não regista alterações significativas a este quadro laboral e ocupacional, considerando que na altura também se encontrava essencialmente desempregado, executando trabalhos esporádicos e de curta duração, revelando-se incapaz de desempenhar um trabalho, por períodos superiores a um ou dois meses, tanto na construção civil, indústria hoteleira e outros trabalhos indiferenciados. Regista também uma experiência laboral anterior de curta duração na construção civil, durante o tempo em que esteve em ... com a mãe e padrasto, embora tenha terminado ao fim de um mês. Não obstante, o arguido tem beneficiado de apoio económico por parte da família para o suporte das suas despesas pessoais. A inserção comunitária do arguido apresenta-se condicionada pelo consumo regular de cannabis, com periodicidade diária, desde os quinze anos de idade, designadamente em contexto de convívio com amigos/conhecidos. Neste âmbito, uma das consequências do seu comportamento aditivo relaciona-se com o agravamento de alguns surtos alucinatórios, com recurso a acompanhamento médico, por meio de consultas de psiquiatria no ..., entretanto, cessadas por melhorias no seu quadro clínico. Contudo, o arguido continua a tomar medicação injectável mensal no .... Este quadro pessoal e social mantinha-se na data dos factos subjacentes aos presentes autos, ocorrendo períodos de maior instabilidade psicossocial, com referência a uma ressonância social menos adequada à criação de vínculos normativos; - o arguido regista antecedentes criminais, embora não sejam perceptíveis repercussões significativas da presente situação jurídica nas condições de vida do próprio. Trata-se de um jovem adulto que dispõe de escassas competências básicas no âmbito académico e laboral, registando o abandono precoce da escola e algumas experiências laborais pouco significativas. Regista uma trajectória de vida assinalada pelo convívio com grupo de pares em contexto marginal e delituoso, associado ao consumo de estupefacientes desde os quinze anos de idade, situação que potencia doença do foro psiquiátrico, psicose alucinogénia, com recurso a acompanhamento médico específico desde ...; - desde a data dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido tem integrado o agregado familiar da mãe, padrasto e irmãos, em ambiente caracterizado por estabilidade relacional entre os elementos, e do qual tem continuado a beneficiar de apoio afectivo e material. Ainda como factor positivo, destaca-se a verbalização sobre a tomada de consciência do significado dos seus actos e repercussões dos mesmos em termos sociais. A relação com o grupo de pares mantém-se nos contornos anteriormente assumidos, designadamente, com referência ao consumo regular de estupefacientes, o que se constituí como uma situação desfavorável para a prossecução dos objectivos de reinserção social”.» ** IV. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. arts. 402.º, 403.º, e 412.º, n.º 1, todos do CPP. Uma vez que os recorrentes questionam a qualificação jurídica e a medida da pena, a apreciação destas duas questões será efectuado no mesmo item para ambos os recorrentes. A. Da alegada errada qualificação jurídica dos factos: Alegam os recorrentes que as suas condutas se enquadram no tipo privilegiado do art. 25.º, al. a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01 e não do tipo fundamental do art. 21.º do mesmo diploma legal. Vejamos se lhes assiste razão. Nos termos do art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, pratica o crime de tráfico de substancias estupefacientes, nomeadamente, “quem (...) oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver” substância compreendida nas tabelas I a III, tabelas estas onde se incluem a heroína, a cocaína e a cannabis (tabelas I-A, I-B, I-C). O crime de tráfico enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos. Na verdade, o normativo incriminador do tráfico de substâncias estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública -, pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo. Assim, o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime exaurido ou crime excutido visto que fica perfeito com a comissão de um só acto gerador do resultado típico, admitindo uma aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza praticados pelo agente, em virtude de tal previsão respeitar a um conceito genérico e abstracto. Relativamente a estes crimes, os diversos actos constitutivos de infracções independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratadas como se constituíssem um só crime, para que aqueles actos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal. Cada actuação do agente traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações do mesmo agente reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que no crime de tráfico de substância estupefacientes deve ter-se em atenção a quantidade global traficada no período considerado como o dessa actividade (cfr., de entre outros, o Ac. do STJ de 23.01.91, BMJ, n.º 403, pág. 161 e o Ac. do STJ de 13.02.91, BMJ, n.º 404, pág. 188.). E também tem entendido que, no crime de tráfico de substâncias estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a «imagem» do arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados. Assim, o tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no art. 21.º. É a partir desse tipo fundamental que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no art. 24.º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial». Relativamente ao art. 25.º, prevê-se, como se disse, uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com susceptibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada. Esse art. 25.º tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal do art. 21.º n.º 1, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional» (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 12.07.2000, BMJ, n.º 499, pág. 117 e segs.). Este normativo constitui, como se disse, uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se assemelhem casos de tráfico menor aos de tráfico significativo. Não se trata, portanto, de uma disposição que fixe taxativamente as circunstâncias a que o julgador deverá atender para considerar sensivelmente diminuída a ilicitude do facto. Trata-se antes de um tipo aberto que, em consonância com o disposto no art. 72.º, n.º 2, do Código Penal (doravante CP), permite atender a quaisquer circunstâncias que, no caso concreto, permitam considerar a ilicitude dos factos consideravelmente diminuída. Trata-se, em suma, de um tipo legal que, supondo um juízo centrado sob a imagem global do facto, surge marcado por um desvalor menos intenso do que aquele que é suposto pelo tipo matricial, permitindo encontrar a medida da punição justa em casos que, apesar de apresentarem uma certa gravidade, ficam, em termos de ilicitude, aquém da gravidade do ilícito tipificado no artigo 21.º. Quando perspectivado a partir da sua estrutura, o tipo legal em presença apresenta-se como o resultado da combinação de um critério ou cláusula geral – a diminuição considerável da ilicitude - com uma enumeração, não taxativa, das circunstâncias a partir das quais é possível concluir por aquela diminuição. Porque, tal como se disse já, o esforço da análise que se exige deverá concentrar-se na imagem global do facto, impõe-se realizar uma valoração conjunta dos diversos factores que se apuram na situação global dada como provada pelo tribunal, atendendo não só às circunstâncias exemplificativamente elencadas no tipo, mas a todas as outras que possam revelar uma ilicitude da acção de relevo menor do que a tipificada no artigo 21.º, n.º 1. Diríamos, em suma, que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas (Ac. do STJ de 23.11.2011, que pode ser encontrado na página www.dgsi.pt): - a actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); - há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; - o período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; - as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; - os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; - os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; - a actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; - ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93. Tecidas estas considerações, vejamos o que dimana dos autos. Ora, salvo o devido respeito por entendimento diverso, parece-nos que, neste ponto, assiste inteira razão aos recorrentes, na situação relativa ao dia 19.07.2023 (e já não como veremos quanto à situação ulterior respeitante apenas ao recorrente AA). Ou seja, atendendo àquilo que acabámos de dizer, entendemos que as suas condutas, naquele dia, integram, antes, a previsão do crime de tráfico de menor gravidade. Na verdade, resulta da factualidade provada que só houve lugar a venda/detenção no dia 19.07.2023, pese embora a actuação consertada entre os três arguidos. É que, como se viu supra, o nosso mais Alto Tribunal tem entendido que a verificação daquelas circunstâncias é “tendencialmente cumulativa”. Ora, no caso, resulta apena provada a actividade consertada num único dia, com apreensão de quantidades reduzidas de substâncias estupefacientes (ainda que sejam de cocaína e heroína) e de uma importância monetária de pouca monta, ainda que não diminuta. Há que frisar que não se compreende como é que a investigação não foi mais além, procurando, por exemplo, deter consumidores, e/ou proceder a mais vigilâncias, sendo que tal manancial probatório poderia ter dado maior sustentabilidade a outra tipologia de crime. Finalmente há que salientar que não vemos qualquer diferença de conduta destes dois arguidos, ora recorrentes, com aquela que o arguido JJ (não recorrente) levou a cabo. Já o mesmo, contudo, não se pode dizer quanto à conduta do recorrente AA relativa ao dia 30.08.2024, ainda que se trate de uma única conduta apurada. É que, pese embora a advertência que lhe foi feita aquando da sua 1.ª detenção e 1.º interrogatório de arguido detido, a verdade é que fez “ouvidos moucos” à advertência que lhe foi efectuada e decidiu retomar (em data que não se logrou apurar) a sua actividade, enveredando, inclusivamente, para a venda de mais uma substância estupefaciente, a cannabis. E quanto à apreensão que lhe foi efectuada, já não podemos afirmar que todas eram de pouca monta. Na verdade, quer os produtos (cuja quantidade não se coaduna, de todo, com meros consumos), a importância monetária que já demonstra a existência de uma clientela grande e diária, como se intuiu facilmente a manutenção de tal actividade há algum tempo. Ora, face a esta factualidade, é de concluir que os factos que praticou, nesta última ocasião, integra o tipo legal de crime em questão, pois que comprou, transportou, deteve e vendeu ilicitamente (já que não estamos perante qualquer das situações previstas no capítulo II do diploma legal em apreço, de habilitação legal para o efeito) as substâncias estupefacientes identificadas. Na verdade, no que ao mesmo diz respeito estamos perante aspectos que, segundo pensamos, não constituem factores justificativos da moldura penal relativa ao padrão de ilicitude correspondente ao tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes, não se apresentando, de todo, ao mesmo nível das mais comuns situações dos pequenos traficantes. Donde se conclui que a conduta do recorrente, nesta ocasião, analisada globalmente, na interligação das várias circunstâncias relevantes e no seu significado unitário em termos de ilicitude, se enquadra na razão de ser da tipo matriz prevista nesse art. 21º, podendo afirmar-se que na mesma se salientam factos susceptíveis de, pela sua extensão e/ou gravidade, levarem a considerar que integra, adequadamente, a tipicidade desse crime e não sendo, assim, coadunável com a figura do pequeno distribuidor final, do pequeno traficante, abarcada pela previsão do citado art. 25.º. Em conclusão, proceder-se-á à alteração da qualificação jurídica relativa ao dia 19.07.2023 nos termos que acabámos de explicitar. Pelo que nesta parte, procede o recurso do recorrente BB e procede, apenas parcialmente, o recurso do condenado AA. B. Da aplicação do regime jurídico para jovens delinquentes: Sustenta o arguido AA que, em face da sua idade, o tribunal de 1.ª instância deveria ter aplicado o regime jurídico para jovens delinquentes. Recordemos o que disse o acórdão em crise, nesta matéria: «Considerando que os arguidos AA e BB, aquando da data da prática dos factos - nascidos a ........2005 e ........2002 – não tinham completado os 21 (vinte e um) anos de idade, exige-se, desde logo, o equacionar da aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, pois estes dois arguidos eram maiores de dezasseis anos e menores de vinte e um anos de idade, pelo que se enquadra tal situação no Art.º 1.º, de tal diploma legal. Impondo-se assim a ponderação, em concreto, do estatuído nos Arts.º 4.º, ou 6.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, o que as finalidades da punição, nas suas vertentes especial, quer positiva, quer negativa, exigem, por um lado, e por outro lado, atendendo à personalidade do jovem arguido, bem como as circunstâncias concretas dos factos resultantes como provados, e tudo ponderado, afigura-se que, é de afastar a aplicação ao caso concreto do regime penal especial para jovens, e em relação a ambos os arguidos, não se bastando as finalidades visadas com a punição com a aplicação de medidas de correcção, especialmente, tendo em conta gravidade dos comportamentos preconizados pelos arguidos, actuando em conjugação de esforços e de intentos, com organização e divisão de tarefas, com diferentes tipos de substâncias estupefacientes, em quantidades significativas, o que revela energia criminógena intensa, para além quanto ao arguido AA, que prestou declarações, ser evidente a ausência de qualquer comportamento exterior concludente compatível com sentido crítico e de interiorização do desvalor da conduta, aliás, o arguido desvaloriza totalmente as suas condutas, o que é denotativo de uma personalidade desconforme à Lei e ao Direito e propensa ao cometimento de crimes, circunstâncias que revelam que, a manterem-se, são potenciadoras de uma recidiva, e assim, há necessidades prementes de prevenção especial positiva e negativa que urge acautelar de forma eficaz e dissuasora. Para além de ter uma condenação anterior por factos da mesma natureza e o arguido BB embora as duas condenações anteriores sejam por factos de distinta natureza, a verdade é que comete estes factos no decurso da suspensão de uma pena de cinco anos de prisão. E em relação a ambos os arguidos, revela-se a conduta particularmente gravosa, a venda directa a consumidores de produto estupefacientes, e manifestamente censurável, pois, requer, pela própria natureza da actividade deste tipo de crime, maior energia criminosa, pelo tempo que acarreta, pelo empenho que exige e pelo contacto directo com toxicodependentes, denotativo de indiferença social relativamente às repercussões que este tipo de crime comporta para a comunidade envolvente. Na verdade, afigura-se que da aplicação do instituto da especial atenuação da pena (cfr. Art.º 4, do Regime Penal Especial para Jovens) não existem reais e sérias vantagens que contribuam de forma significativa para a reinserção social destes dois jovens arguidos, sem olvidar que, se denota a necessidade de aplicação de pena adequada, tendo em vista o forçar estes arguidos a adoptarem comportamentos consentâneos com os valores penais e ético-legais vigentes e evitar, de forma eficaz, por um lado, que voltem a delinquir e, por outro lado, promover de forma eficaz a sua reintegração na comunidade jurídica e no tecido social envolventes. Efectivamente atento o crime, e a sua natureza, as suas vicissitudes e implicações, bem como alguma destruturação social, pessoal e laboral, que se mantém, e tais circunstâncias denotam uma postura de desafio e de contestação às normas instituídas, cuja salvaguarda se impõe assegurar e dissuadir de forma eficaz. Assim, considerando a personalidade dos arguidos e as circunstâncias dos factos, afigura-se não ser consentâneo com os fins das penas a aplicação das medidas de correcção estatuídas no Art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 /09, nem qualquer outro instituto previsto neste diploma legal, visto que, os contornos subjacentes ao caso concreto e a gravidade inerente ao comportamento dos arguidos não se compaginam com o aplicar de medidas tutelares educativas, nem análogas, sendo também, assim, de afastar o regime especial para jovens e relativamente aos dois arguidos.» Aderimos ao entendimento sufragado pela 1.ª instância, porquanto não se trata de factos meramente isolados dos recorrentes, os quais já haviam sido confrontados com a justiça e nada fizeram para alterar as suas condutas. Pelo exposto e porque nenhuma outra consideração se mostra necessária, improcede o recurso do ora recorrente AA. C. Da medida concreta da pena (penas parcelares e pena única quanto ao recorrente AA): Face à alteração da qualificação jurídica efectuada, importa, agora, determinar a medida concreta da pena parcelar de cada um dos recorrentes na situação relativa a 16.07.2023. O arguido BB pretende que lhe seja aplicada a atenuação especial da pena, pois que nenhum dos pressupostos legais referidos no art. 72.º do CP se mostra verificado, não por que não poderá ser aplicado. Assim, sopesando todos os factores enunciados na acórdão recorrido, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa dos arguidos, aplicar-lhes a pena de 2 anos e 6 meses de prisão para o recorrente BB e 2 anos e 10 meses de prisão para o recorrente AA, ambos pelo crime de trafico de menor gravidade referente à situação de 19.07.2023. No que respeita à pena aplicada pelo segundo crime (30.08.2024), entendemos que a pena concreta se mostra adequada e proporcional, razão por que será integralmente mantida. * Em face do disposto no art. 77.º do CP e uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes há que reformular o cúmulo jurídico do recorrente AA. Face ao disposto no art. 77.º, n.º 2 do CP e aos considerandos tecidos no acórdão em crise, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a moldura abstracta do concurso será de: prisão 5 anos a 7 anos e 10 meses. Assim, considerando, em conjunto, os factos, a personalidade do arguido e as suas condições pessoais, bem como o contexto em que os factos ocorreram, a reiteração criminosa com a violação de vários bens jurídicos diferentes, ponderação essa que, diga-se, já foi feita na determinação concreta das penas parcelares, reiterando-se, por isso, aqui, as considerações supra expostas, e atendendo, ainda, que o S.T.J. tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto, lendo-se nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012 (referentes aos processos n.ºs 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt) que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”, entende-se ser adequada a pena única de 5 anos e 11 meses de prisão (ou seja, fixando-se no terço da soma da restante). D. Da suspensão da pena aplicada ao recorrente BB: Defende o recorrente BB que a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução. Relembremos o que se diz na decisão em crise (transcrição): «Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto que pode ser aplicado se for entendido que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal). Ora, o que se pretende com a aplicação de uma pena, dado ser essa a lógica que norteia o nosso sistema penal, é a reintegração do arguido, para além da protecção dos bens jurídicos violados, é certo que a reclusão efectiva protege, durante o período da mesma, os bens jurídicos violados, mas resta ponderar se, efectivamente, será através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva que melhor se irão salvaguardar as finalidades inerentes à punição. Pois, ponderando os fins das penas, mormente as finalidades de prevenção especial positiva, de reintegração dos arguidos na sociedade, afigura-se que o caso concreto exige o cumprimento de prisão efectiva, e em relação a ambos os arguidos. Efectivamente, dando-se primazia à prevenção especial na sua vertente positiva e negativa, entende-se ser de aplicar pena de prisão efectiva, visto que se afigura que sem a privação de liberdade não se irá contribuir para os fins de prevenção especial negativa, ou seja, obstar a que os arguidos reincidam, por se entender que a ameaça de cumprimento de prisão efectiva (e o cumprimento da mesma em caso de revogação, nos termos legais, da suspensão) não poderá cumprir os fins das penas, sobretudo forçar os arguidos a adoptar comportamentos conformes com a legalidade penal vigente, reintegrando-se na sociedade e dissuadi-los da prática de novos crimes. Afigura-se assim, que só a pena prisão efectiva poderá eficazmente dissuadir o cometimento de crimes e inculcar nestes dois arguidos a interiorização da necessidade de coadunarem os seus comportamentos com os valores jurídico-axiológicos vigentes. Com efeito, não existem bases factuais das quais se possa aferir um juízo de prognose favorável e legítimo, no sentido que a ameaça de privação de liberdade será suficientemente dissuasora e que esta será adequada a incutir nos arguidos a consciência da censurabilidade e da gravidade ínsitas às suas condutas, a fim de se absterem de praticar outro tipo de crimes, o que se afigura, atendendo às circunstâncias concretas em que o crime foi praticado, só pode ser alcançado pela efectiva privação da liberdade. Na realidade, a suspensão da execução da pena de prisão é um instituto de índole pedagógica e ressocializante, podendo inclusivamente ser aplicada a arguido com antecedentes criminais, mas só quando se entender que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará adequada e suficientemente as finalidades da punição, considerando os factos concretos e a personalidade do agente (cfr. Art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal), o que não se afigura ser o caso. A suspensão da execução da pena de prisão assenta num juízo de prognose favorável, feito à data da decisão, relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da sua execução seja adequada às finalidades da punição. Ora, no caso dos autos e tendo por base as finalidades das penas (cfr. Art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal), de protecção de bens jurídicos, não permitem, quanto a ambos os arguidos, a formulação desse juízo de prognose favorável, não sendo a ameaça da execução da pena suficiente, nem adequada para que os arguidos se abstenham da prática de novos crimes. Pois, há que averiguar se se verificam os pressupostos da suspensão da execução da pena, cujos requisitos constam do Art.º 50.º do Código Penal, no entanto, tudo ponderado afigura-se que a suspensão da execução da pena de prisão não cumprirá de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Sendo certo que, nenhum dos demais institutos jurídicos que obstam à aplicação de uma pena de prisão efectiva se revelam suficientes e adequados às finalidades da punição, pelo que, se afasta a sua substituição por multa, por trabalho a favor da comunidade, bem como se revela inadequada a aplicação do regime de permanência na habitação, visto que, apenas a pena de prisão efectiva se revela adequada e eficaz a cumprir com os fins das penas. Dispõe o Art.º 50.º, do Código Penal que “(...) o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (...). Assim, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º vol., Rei dos Livros, pp. 637 e ss., (...) na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, uma esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. (...) Devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial (...). Pelo que, apenas a pena de prisão efectiva se revela adequada e eficaz a alcançar as finalidades da punição e a salvaguardar eficientemente os bens jurídicos que foram violados pelos arguidos, afigurando-se que somente através do cumprimento de uma pena de prisão efectiva os arguidos irão reflectir no desvalor das suas condutas e nas consequências que as mesmas comportam para terceiros e interiorizarem a necessidade de corrigirem os seus comportamentos. Vejamos. O arguido KK quando comete estes factos, a 19.07.2023, tinha oito condenações registadas no seu certificado de registo criminal, para além de uma nona condenação entretanto sofrida, por factos de 28.07.2023 e pela prática de crime da mesma natureza (tráfico de menor gravidade), sendo certo que, para além das condenações por crimes de furto e roubo (factos de 2012, 2014, 2015 e 2020), estes factos são praticados no período de suspensão de duas penas de prisão, e uma delas pela prática de crime da mesma natureza (tráfico de estupefacientes), com trânsito em julgado a 09.05.2022 e a outra condenação transitada em julgado a 27.02.2023, e passados cinco meses, o arguido comete estes factos, o que revela desprezo pelas condenações anteriormente sofridas, agrava acutilante e severamente as necessidades de prevenção especial e afasta contundente e flagrantemente qualquer juízo de prognose favorável, dado que, o arguido tinha duas ameaças de cumprimento de prisão efectiva (de ano e seis meses de prisão e de um ano e cinco meses de prisão), o que lhe foi absolutamente indiferente, e não obstou a que cometesse estes factos a 19.07.2023. Sem olvidar que, estes factos são ainda cometidos no período da liberdade condicional concedida com efeitos a 17.05.2022 até 24.03.2024, entretanto, por outros motivos, revogada, mas que, e naturalmente, agrava as necessidades de prevenção especial que inequivocamente se fazem sentir, igualmente acentuadas pela ausência de inserção laboral e social, bem como a problemática aditiva de que padece, que potencia o contacto com substâncias estupefacientes, para além do incipiente apoio familiar. E o mesmo se aplica quanto ao arguido BB, pois, apesar de revelar alguma inserção social, embora pouco consistente e estruturada, e amparo familiar (e que já denotava aquando do cometimento destes factos, não cumprindo assim tal integração a função contentora em termos da prática de crimes), a verdade é que, o mesmo praticou estes factos criminosos, o que permite a ilação fundada que esse apoio familiar não cumpriu o efeito dissuasor adequado para que o arguido se abstivesse de cometer crimes e de o forçar a adoptar comportamentos conforme a Lei e o Direito. Sem descurar que, aquando do cometimento destes factos, a 19.07.2023, o arguido BB registava já duas condenações anteriores, embora por factos de distinta natureza (crimes de roubo), por factos de 22.10.2019, com trânsito em julgado a 28.02.2022, já extinta sem revogação da suspensão da execução da pena, por despacho de 12.09.2023, e por factos de 22.05.2021, com trânsito em julgado a 20.05.2022, tendo sido condenado numa pena de prisão de cinco anos, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, ou seja, o arguido BB tinha a ameaça de cumprimento de cinco anos de prisão efectiva e não se coibiu de praticar estes factos em pleno decurso da suspensão da execução da pena de prisão. Pelo que, claramente não se pode concluir que a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão será suficientemente dissuasora do cometimento futuro de crimes, nem será adequada para fomentar a adopção de comportamentos respeitadores dos valores penais vigentes. Destarte, não se mostra objectivamente sustentável a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido que a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão efectiva será suficiente para obrigar ambos os arguidos a adoptar comportamentos conforme a Lei e o Direito e absterem-se de cometer crimes. Pelo exposto, decide-se não suspender a execução da pena de prisão aplicada nestes autos aos arguidos KK e BB, nem substituí-la por qualquer das formas de cumprimento em liberdade, por se entender que os fins das penas somente serão alcançados através da condenação em pena de prisão efectiva, e em contexto prisional. Desta feita, entende o Tribunal que só a pena de prisão efectiva, em contexto prisional, acautela de um modo idóneo as finalidades da punição, pois só desta forma se promove a interiorização do desvalor da conduta dos arguidos, somente por esta via se inculca a dissuasão da prática de futuros crimes, bem como, apenas mediante o cumprimento efectivo da pena de prisão se assegura a premência dos arguidos efectuarem uma reflexão profunda sobre o impacto da sua conduta nas vidas de terceiros e no tecido comunitário envolvente e a necessidade de adoptar comportamentos consentâneos com os valores ético-jurídicos vigentes, o que só será alcançado mediante o cumprimento efectivo, em contexto prisional, da pena de prisão aplicada.» Assim, porque o acórdão em crise está devidamente fundamentado, nada mais haverá a acrescentar, pois que se trataria de mera repetição fastidiosa do que foi brilhantemente explanado, sendo a prisão por nós fixada (de 2 anos e 6 meses) efectiva. * Face à decisão agora proferida, não haverá lugar à recolha de ADN relativamente ao arguido BB. ** V. DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente os recursos dos recorrentes AA e BB e, em consequência: A. Altera-se a qualificação jurídica referente à conduta do dia 19.07.2023 e, assim: i. absolve-se os arguidos AA e BB da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de substância estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma; - condena-se o arguido BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva; - revoga-se a recolha de ADN relativamente ao arguido BB, face à pena aplicada; - condena-se o arguido AA pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, al. a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses; - em cúmulo jurídico, condena-se, o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão efectiva. B. Julgar improcedente os recursos nos demais segmentos decisórios. Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP. Notifique. ** Comunique, de imediato, à 1.ª instância. *** Lisboa, 26 de Setembro de 2025 Marlene Fortuna Maria do Carmo Lourenço Maria de Fátima R. Marques Bessa |