Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5700/2006-1
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: FALÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: SUMÁRIO:

I. Não são anómalos nem inúteis os requerimentos apresentados pelos trabalhadores em reclamação de créditos e endereçados ao Juiz do processo de falência, com vista à alteração dos valores oportunamente reclamados, por motivos de terem sido feitos os cálculos das indemnizações à luz de legislação que já não era a aplicável.
II. Tais requerimentos consubstanciam uma verdadeira impugnação da lista dos credores reconhecidos, com base em incorrecção do montante inscrito e reconhecido, nos termos definidos no artº 130º do C.I.R.E.
III. O regime estabelecido no artº 249º do CC para o erro de cálculo ou de escrita dos negócios jurídicos é aplicável a actos jurídicos, nomeadamente a declarações não judiciais produzidas no decurso de um processo judicial, atento o disposto no artº 295º do CC.
IV. O error calculi apresentado como erro-vício, quanto ao objecto lógico-jurídico, pode ser rectificável.
(MJS)
Decisão Texto Integral: 10

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
Nos autos de falência da empresa A, SA e na qualidade de trabalhadores desta empresa, L, H, A e V, em 24/02/05, apresentaram junto do Administrador da Insolvência da falida, reclamação de créditos, nos termos do artº 128º do CIRE, na qual reclamaram os créditos de € 19.338,10, €, € 8.908,50 e € 7.950,34, respectivamente.
Em 06/06/05, os identificados trabalhadores apresentaram junto do mesmo administrador, alteração às reclamações apresentadas, dado que estas enfermavam de erro material no cálculo do valor de indemnização, alterando os créditos para € 40.045,30, € 17.881,61 e € 17.170,67, respectivamente. Porém, as alterações dos valores dos créditos não foram contempladas no relatório do Administrador, do qual veio a constar os créditos inicialmente reclamados e não os créditos após a alteração efectuada. Em face disso, os trabalhadores acima mencionados vieram por requerimentos de fls. 125 e ss, 139 e ss e 156 e ss, datados de 13/10/05, solicitar ao Tribunal a aceitação da alteração dos valores dos créditos reclamados, com vista à posterior verificação em graduação dos mesmos, pelos valores correctos. E por requerimentos de fls. 190 e ss, 193 e ss, 196 e ss, vieram os mesmos trabalhadores requerer ao Tribunal a correcção dos valores dos créditos por antiguidade para os valores de € 40.045,30, € 17.881,61 e € 17.170,67, respectivamente, por, em seu entender, não existir qualquer razão para o indeferimento dos requerimentos de alteração de valores, já que os mesmos montantes reclamados pelos outros trabalhadores não foram objecto de qualquer indeferimento por parte do Administrador da insolvência.
Sobre tais requerimentos vieram a recair os despachos constantes de fls. 200, nos quais, por um lado, se decidiu não ser possível atender às pretendidas alterações dos valores dos créditos reclamados, por se entender que os lapsos invocados nos requerimentos de fls. 125 e ss, 139 e ss e 156 e ss não revestem as características a que alude o artº 249º do CC e que seriam passíveis de correcção e, por outro entendeu-se que os requerimentos de fls. 190 e ss, 193 e ss e 196 e ss. não se inserem na normal tramitação do incidente suscitado no processo, considerando-os inúteis e anómalos, ordenando-se, em consequência, o seu desentranhamento e respectiva restituição aos apresentantes/trabalhadores.

Não se conformando com a decisão, os trabalhadores vieram interpor recurso, cada um de per si, tendo apresentado as respectivas alegações que finalizaram com as mesmas e seguintes conclusões:
A) O despacho em recurso, tal como notificado ao ora agravante em 29/12/2005, versa sobre duas matérias, uma relativa ao desentranhamento ordenado e consequente restituição ao apresentante do requerimento pelo agravante apresentado, com o fundamento de que o mesmo não se insere na normal tramitação do incidente suscitado no processo, considerando-o inútil e anómalo e outra relativa ao facto de ter julgado não atender a alteração do valor do crédito reclamado apresentada pelo agravante, decisão com a qual este não se conforma, por injusta e contrária à Lei.
B) Quanto à primeira questão, o Despacho recorrido fundamenta-se na normal tramitação do processo, alegando que o mesmo é anómalo e inútil.
C) Ora, tendo sido declarada a insolvência da empresa onde laborava o ora agravante, veio este, na qualidade de trabalhador da referida empresa, reclamar tempestivamente o seu crédito, o que o fez em 24/02/2005.
D) Em data posterior (em 06/06/2005) mas anterior à elaboração pelo Exmº Administrador da Insolvência do relatório com a relação dos créditos reconhecidos e não reclamados (entrada em Juízo em 08/06/2005), veio o ora agravante, na qualidade de credor reclamante, apresentar requerimento de alteração de valores reclamados.
E) Como a alteração não foi levada em conta no relatório supra mencionado, o agravante, após várias tentativas de contacto com o Administrador de insolvência, apresentou nos autos requerimento, datado de 13/10/2005, solicitando a alteração dos valores oportunamente reclamados, pelos motivos constantes de fls. 139 dos autos, requerimento do qual deu conhecimento ao Administrador da Insolvência.
F) Só em 28/11/2005, o ora agravante foi notificado, na pessoa da sua mandatária judicial, do parecer apresentado pelo Administrador da Insolvência, rejeitando a alteração solicitada, parecer que foi igualmente junto aos autos.
G) Por tal motivo em 09/12/2005, por requerimento dirigido ao processo, do qual foi dado conhecimento ao Administrador da Insolvência, veio o agravante responder ao parecer, reiterando o pedido de alteração dos valores reclamados a título de créditos laborais.
H) Ora, nos termos do disposto nos artºs 129º e 130º do CIRE, o agravante, nos 10 dias posteriores ao recebimento da carta registada enviada pelo administrador da Insolvência na qual não reconhece o crédito reclamado, pode dirigir requerimento ao juiz com fundamento, nomeadamente, na incorrecção do montante do crédito.
I) No caso vertente, não pode deixar de entender-se que o requerimento apresentado pelo agravante em 09/1272005, constitui impugnação com fundamento na incorrecção do montante do crédito reconhecido, apresentada por quem tem legitimidade para isso, nos termos e para os efeitos do disposto no supra citado dispositivo legal.
J) Deste modo e, ao contrário do referido no despacho recorrido, o requerimento insere-se na normal tramitação do incidente suscitado no processo, não sendo inútil nem anómalo à sua apreciação, devendo assim o mesmo ser aceite.
K) Não existe qualquer disposição legal que iniba o credor, que tenha reclamado tempestivamente o seu crédito, de proceder a uma correcção desse montante até àquele momento.
L) No presente caso a correcção visa unicamente estabelecer o mesmo critério de cálculo, de indemnização por antiguidade, que foi utilizado pelos demais credores/trabalhadores da insolvida, os quais foram aceites e reconhecidos.
M) Daí que o requerimento apresentado não é anómalo nem inútil, devendo como tal ser aceite em toda a sua amplitude.
N) O despacho recorrido, na parte em que decidiu pela não alteração do valor do crédito reclamado nos termos requeridos pelo ora agravante, entendendo que o mesmo não constituía lapso de cálculo ou de escrita enquadráveis no disposto no artº 249º do CC, sendo que só estes seriam passíveis de correcção, constitui em nosso ver uma mera interpretação restritiva da norma legal.
O) Na verdade, a alteração dos montantes constantes da reclamação de créditos apresentada inicialmente visava corrigir um lapso manifesto quanto ao valor da indemnização por antiguidade devida ao agravante na qualidade de trabalhador da falida.
P) A alteração apresentada pelo agravante veio no sentido de aplicar o mesmo critério de cálculo utilizado para os demais credores/trabalhadores da falida e baseado nos termos conjugados do disposto no artº 308º nº 3 a) da lei 35/2004 de 29/07 e artºs 441º nº 2 a), 442º e 443º do actual Código de Trabalho, legislação vigente à data da declaração de falência, enquanto que a reclamação inicial se baseou nos critérios previstos na legislação laboral anterior ao actual Código do Trabalho, nomeadamente na regra estabelecida no artº 13º do DL nº 64-A/89.
Q) Assim, tendo os demais credores/trabalhadores visto reconhecida a sua reclamação indemnizatória por antiguidade fixada em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, o ora agravante não pretendeu mais com a sua reclamação do que obter os mesmos direitos.
R) Ora, a alteração dos montantes vem restabelecer o princípio da igualdade do ora agravante com os demais credores/trabalhadores da insolvida, bem como aplicar o princípio da aplicação da Lei mais favorável ao trabalhador, não devendo este ser prejudicado por o seu cálculo ter sido efectuado ao abrigo de uma lei que à data já não se encontrava em vigor.
S) Sendo que o uso de critérios de cálculo diferentes, prejudica inequivocamente o ora agravante e põe em causa os princípios acima referidos.
T) Os quais deverão permanecer acima de qualquer formalismo.
U) No mesmo sentido vai a Doutrina e Jurisprudência conforme supra referido.

Nestes termos, concluíram, pedindo seja dado provimento aos recursos apresentados e, em consequência serem revogados os despacho recorridos.

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio1.
Assim, em face das conclusões apresentadas, duas questões se impõem a este Tribunal resolver:
1ª questão – se os requerimentos apresentados pelos trabalhadores em 09/12/2005 são anómalos e inúteis.
2ª questão - se é ou não de atender à pretendida alteração do valor dos créditos reclamados pelos trabalhadores.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os despachos sob censura são do seguinte teor:

“Fls. 190 e ss., 193 e ss. e 196 e ss.:
Os requerimentos apresentados não se inserem na normal tramitação do incidente suscitado no processo, sendo inúteis e anómalos à sua apreciação.
Assim, desentranhe e restitua aos respectivos apresentantes.
Custas do incidente, no mínimo por cada um dos interessados (cf. Artº 16º CCJ).
Notifique.”
*
“Fls. 125 e ss, 139 e ss e 156 e ss.:
Os lapsos de escrita ou de cálculo só são passíveis de correcção nos termos do disposto no artº 249º CC, quando resultem do teor da própria declaração ou das circunstâncias em que a mesma é feita.
Os lapsos invocados nos requerimentos que acima se identificam não revestem tais características.
Assim não é possível atender à pretendida alteração de valor do crédito reclamado.
Notifique.”

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

1ª questão - Se os requerimentos apresentados pelos trabalhadores em 09/12/2005 são anómalos e inúteis.

Tais requerimentos endereçados ao Mmº Juiz do processo, tinham em vista a alteração dos valores oportunamente reclamados, pelos motivos de terem sido feitos os cálculos das indemnizações à luz de legislação que já não era a aplicável.
De acordo com o artº 128º nº 2 do C.I.R.E. as reclamações de créditos são endereçadas ao administrador da insolvência, o que os ora agravantes fizeram por requerimentos datados de 24/02/2005, nos quais solicitaram os montantes de créditos nos valores de € 19.338,10, € 8.908,50 e € 7.950,34, respectivamente quanto aos trabalhadores L, H e V.
Sucede, porém, que verificaram que os montantes peticionados enfermavam de erro por ter sido aplicada legislação que já não era a aplicável.
Assim, em 06/06/2005, através de novo requerimento dirigido ao administrador da falida, requereram a alteração dos montantes inicialmente apresentados, para os valores de € 40.045,30, € 17.881,61 e € 17.170,67, respectivamente quanto aos acima mencionados trabalhadores.
Todavia, o administrador, em 08/06/2005, ao abrigo do disposto no artº 129º do C.I.R.E. elaborou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, na qual constava apenas como reconhecidos os valores apresentados inicialmente através dos requerimentos datados de 24/02/2005.
Por isso, os ora agravantes vieram em 13/10/2005, requerer ao Tribunal que se reconhecesse a alteração dos montantes de créditos, por nenhum parecer (favorável ou desfavorável) ter sido emitido pelo administrador.
Mas, em 28/11/2005, foram remetidos aos agravantes, pareceres desfavoráveis emitidos pelo administrador.
Em face de tal parecer, os agravantes fizeram uso do que preceitua o artº 130º do C.I.R.E., ou seja, que “pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos ou na incorrecção do montante ou da qualificação do crédito, por requerimento dirigido ao juiz, no prazo de 10 dias seguintes ao termo do prazo a que alude o nº 1 do artº anterior” (sublinhado nosso) e, por isso, dirigiram ao Juiz do processo, os requerimentos entregues em 09/12/2005, em que pretendiam o reconhecimento pelo Tribunal dos seus créditos pelos montantes correctos.
Assim, atentas as datas da notificação do parecer desfavorável e a data de entrada do requerimento dirigido ao Mmº Juiz do processo, não podemos deixar de entender de que se trata de uma verdadeira impugnação da lista dos credores reconhecidos com base em incorrecção do montante inscrito e reconhecido.
Conclui-se, deste modo, que os agravantes fizeram uso da normal tramitação que tinham ao seu alcance, para por essa via conseguirem a pretendida alteração dos montantes reconhecidos, que em seu entender se mostram definidos em valores muito abaixo dos devidos, face a aplicação de legislação que já não era a aplicável ao caso, não sendo, por isso, anómalos e inúteis, antes consubstanciando o uso de meios processuais adequados e legais, atento o fim a que se destinam.
Deve, por isso, ser ordenada a incorporação nos autos dos requerimentos mandados desentranhar e determinado que, em consequência, fique sem efeito a condenação, a cada um dos requerentes, em custas do incidente.


2ª questão - se é ou não de atender à pretendida alteração do valor dos créditos reclamados pelos trabalhadores.

O despacho recorrido entendeu não ser de atender à alteração do valor do crédito reclamado nos termos requeridos pelos três trabalhadores, ora agravantes por entender que constituíam lapsos de cálculo ou de escrita enquadráveis no disposto no artº 249º do CC, sendo que só estes seriam passíveis de correcção.
Ora, os requerimentos peticionando a alteração dos montantes constantes das reclamações de créditos apresentados pelos trabalhadores não visavam outra coisa senão corrigir os valores da indemnização por antiguidade, devida a cada um dos agravantes, na qualidade de trabalhadores da falida Avimetal, SA
Na verdade, o montante da reclamação de créditos inicialmente apresentada por cada um dos agravantes, baseou-se nos critérios previstos na legislação laboral anterior ao actual Código do Trabalho, nomeadamente na regra estabelecida no artº 13º do DL nº 64-A/89 enquanto que a pretendida alteração se baseia no critério alegadamente utilizado por todos os outros trabalhadores da falida e que estarão de acordo com os termos conjugados do artº 308º nº 3 al. a) da Lei nº 35/2004 de 29 de Julho e artºs 441º nº 2 al. a), 442º e 443º do actual Código do Trabalho.
Argumentam os agravantes que a não se considerar assim, ficarão seriamente prejudicados pela aplicação de outra fórmula que não a utilizada pelos demais trabalhadores que já viram o seu crédito reconhecido.
Ora, dispõe o artº 249º do CC que “O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através de circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”.
Como já vimos o Tribunal a quo entendeu que não se trata de um erro na declaração ou nas circunstâncias em que a mesma foi efectuada.
É verdade.
Mas, vejamos se mesmo assim, não poderão ser admitidas as requeridas alterações.
Em Direito, chama-se erro à ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial. Sendo que a declaração é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor se representa o possível negócio e o seu circunstancialismo. Ora, nesta representação, podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondam à realidade. Quer isto dizer que, em direito, o erro abrange a ignorância 2.
O erro enquanto vício na formação da vontade só existe quando falta um elemento, ou a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.
O certo é que nem todo e qualquer erro tem repercussão no negócio jurídico. Requisito da relevância do erro em geral é aquilo a que Castro Mendes chama causalidade, ou seja é preciso que o erro seja error causam dans, causa do negócio jurídico nos seus precisos termos.
A causalidade implica a inserção de um factor anómalo – justamente o erro, abrangendo a ignorância – no processo volitivo. Processo volitivo esse que, sem a intromissão do erro teria sido outro e diferente.
Na verdade, nos casos em apreço, se os trabalhadores não estivessem em erro aquando da inicial reclamação de créditos, outras teriam sido as suas declarações de vontade, tratando-se da chamada vontade conjectural, ou seja, aquela que teria sido expressa pelos declarantes no momento da reclamação de créditos feita inicialmente, caso não estivessem em erro.
Ainda de acordo com João de Castro Mendes, o error calculi pode apresentar-se como erro-vício ou como erro-obstáculo. Para conseguir saber quando ocorre um ou outro, a lei lançou mão do seguinte critério:
- se o erro de cálculo se revelar no próprio contexto da declaração ou das circunstâncias em que a declaração é feita, é tomado como erro-obstáculo de natureza especial, que só dá direito à rectificação nos termos do artº 249º - erro ostensivo, o que não é, como vimos, o caso dos autos.
- se o erro de cálculo se não revelar no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, é então de tomar como erro-vício 3.
No caso dos autos, o erro não era apreensível pelos próprios termos e/ou circunstancialismos da declaração inicialmente efectuada pelos trabalhadores. Trata-se, pois, de um erro-vício, quanto ao objecto lógico-jurídico, uma vez que os cálculos efectuados basearam-se na aplicação de critérios à luz de legislação que já não era a aplicável.
Com efeito, não obstante, os trabalhadores terem requerido ao administrador da falência antes da elaboração da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos por parte do administrador, a alteração dos montantes peticionados a título de créditos, o certo é que tal alteração não foi atendida por este nem posteriormente pelo Tribunal a quo, devendo sê-lo, tendo presentes os princípios da igualdade entre todos os credores/trabalhadores da falida e da aplicação da Lei mais favorável ao trabalhador.
Na verdade, também não nos parece correcto fazer impender sobre os trabalhadores (credores) todo o ónus de um erro do seu Il. Mandatário, já que, foi este que, fazendo aplicação de uma legislação que já não era a aplicável, indicou como créditos daqueles, determinados montantes que se veio a apurar serem substancialmente mais baixos do que os devidos ao abrigo da legislação vigente à data da declaração de falência da Avimetal, SA.
A não se poder proceder à requerida alteração, ficariam os três agravantes seriamente prejudicados em relação aos demais trabalhadores.
De resto, tratando-se como se trata de um erro incidental, nenhum óbice, cremos, se verifica, à sua rectificação4.
Aliás, o regime estabelecido no artº 249º do CC para o erro de cálculo ou de escrita dos negócios jurídicos é aplicável a actos jurídicos, nomeadamente a declarações de vontade não negociais produzidas no decurso de um processo judicial, atento o disposto no artº 295º do CC5.
Refira-se ainda que a correcção do lapso foi requerida antes da elaboração da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos por parte do administrador da insolvência, não causando, por isso, como bem se refere nas alegações de recurso, qualquer alteração à normal tramitação do processo, sendo que lei especial permite tal alteração, por incorrecção do montante, como é o caso dos autos (cfr. citado artº 130º nº 1 do C.I.R.E.).
Como vimos, o error calculi no caso dos autos apresenta-se como erro-vício ou erro lógico-jurídico, podendo ser rectificável, o que se determina, ao abrigo das mencionadas disposições legais.
Procedem, assim, na íntegra, as conclusões apresentadas pelos agravantes.

V – DECISÃO
Face do exposto, com base na argumentação referida, acordam em conceder provimento aos agravos, revogando-se os despachos recorridos e, em consequência:
a) ordena-se a incorporação nos autos dos requerimentos mandados desentranhar e determina-se que, em consequência, fique sem efeito a condenação, a cada um dos requerentes, em custas do incidente.
b) determina-se a alteração dos valores dos créditos reclamados nos termos requeridos pelos agravantes, devendo tal ser comunicado ao administrador da insolvente, para que proceda à respectiva rectificação na relação dos créditos laborais reconhecidos àqueles.
Sem custas (al. g) do nº 1 do artº 2º do CCJ)

Lisboa, 19/09/2006
(Maria José Simões)
(Azadinho Loureiro)
(Ferreira Pascoal)

_________________________________

Cfr. artº 684º nº 3 e 690º do CPC, bem como os Acs do STJ de 21/10/93 (CJ-STJ de 3/93, 81) e 23/05/96 (CJ-STJ, 2/96, 86).
2 Cfr. João de Castro Mendes, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. II, pags. 78 e segs.
3 Cfr. ob. citada, pag. 140 e Ac. STJ de 16/04/2002 in CJ STJ, Ano X, Tomo II, 2002, pag. 27 e segs.. Como refere ainda Castro Mendes, o cálculo a que se faz referência no artº 249º do CC abrange não só o matemático, mas também o lógico e o lógico-jurídico.
4 Cfr. neste sentido, Vaz Serra, RLJ, 112-7 em anotação 8 ao artº 249º do CC anotado de Abílio Neto, 14ª ed. actualizada, 2004, pag. 177.
5 Cfr. Ac. RL de 24/05/94 in CJ 1994, tomo III, pag. 99.