Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | ELSA MELO | ||
| Descritores: |  CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL NÃO RENOVÁVEL PRAZO CADUCIDADE  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: |  Sumário: I-O contrato de arrendamento habitacional pode ser celebrado pelo período de um ano não renovável, desde que expressamente prevista no clausulado do contrato, porquanto se encontra no âmbito de matéria na disponibilidade das partes e a convenção assume a forma escrita exigida legalmente; II- O contrato de arrendamento habitacional não renovável, finda na data expressamente estipulada contratualmente pelas partes;  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: * I – Relatório: PMRC Gestão de Patrimónios Lda., intentou procedimento especial de despejo contra AA, BB e CC, todos melhor identificados nos autos, peticionando a desocupação do locado Rua 1. Os réus apresentaram oposição, na qual reconheceram a celebração do contrato de arrendamento, argumentando que o mesmo não cessou porque não existiu uma oposição formal da autora à sua renovação e porque a mesma só seria eficaz depois de decorridos três anos após a celebração do contrato. * O processo foi remetido ao Tribunal de 1ª Instância, que proferiu em 15.07.2025 a seguinte decisão: «(…) De acordo com o artigo 15.º n.º 1 do NRAU, «o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes». No caso de cessação do contrato fundada na caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, conforme sucede in casu, prescreve o artigo 15.º n.º 2, al. b) do NRAU que servirá de base àquele requerimento «(…) o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo», apenas se podendo socorrer de tal procedimento especial o senhorio que tenha liquidado o imposto de selo devido pela celebração do contrato de arrendamento ou, em alternativa, cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC, cf. n.º 5 do mesmo preceito. No caso em apreço, a autora alega que o contrato celebrado com os réus cessou por caducidade, pugnando estes pela sua manutenção. Ora, compulsado o contrato em causa, constata-se que foi convencionado que este teria a duração de 1 ano, “não renovável”, com início a 1 de setembro de 2023 e término a 31 de agosto de 2024. A estipulação de não renovação automática do contrato de arrendamento para fins habitacionais é legítima e válida, porquanto se encontra no âmbito de matéria na disponibilidade das partes e a convenção assume a forma escrita exigida legalmente. Assim, contrariamente ao alegado pelos réus, o contrato de arrendamento não se renovou no final do prazo convencionado, nem tem aplicação o disposto no art. 1097.º do Código Civil, porquanto este apenas regula a oposição à renovação deduzida pelo senhorio. Ora, não se renovando o presente contrato automaticamente no final do prazo inicial convencionado, não dependia a sua cessação por caducidade de qualquer comunicação por parte da autora/senhoria. O contrato em causa cessou no dia 31 de agosto de 2024, por caducidade, uma vez que nessa data findou o prazo estipulado pelas partes. Não tendo os réus procedido à desocupação do locado, resta concluir que estes terão de ser condenados na entrega do locado no prazo de 30 dias, sem prejuízo de acordo em sentido diverso entre as partes, valendo esta decisão como autorização de entrada imediata no domicílio, ao abrigo do disposto no artigo 15.º-I, n.ºs 11 e 12 do NRAU. (…)Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a oposição apresentada, condenando-se os réus a entregar à autora a fração autónoma correspondente ao 4º andar direito do prédio sito na Rua 1, no prazo de 30 (trinta) dias, sem prejuízo de acordo diverso entre as partes, valendo a presente decisão como autorização de entrada imediata no domicílio..» * Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «I. Salvo o devido respeito, entende-se que a apreciação feita na sentença ora recorrida não é a mais acertada quanto à data de caducidade do contrato de arrendamento aqui em questão. II. Em síntese, o Tribunal a quo considera que a caducidade do contrato de arrendamento ocorreu no passado dia 31 de Agosto de 2024, porquanto foi celebrado um contrato de arrendamento para habitação não renovável pelo prazo de 1 ano, termo esse que alegadamente ocorreu no passado dia 31 de Agosto de 2024. III. Os ora Recorrentes não se conformam com esta decisão porquanto para o imóvel objecto dos presentes autos foi celebrado um contrato com a duração de um ano, com início a 1 de Setembro de 2023 e com termo a 31 de Agosto de 2024, de acordo com a cláusula 1ª do contrato de arrendamento celebrado entre Requerente e Requeridos e cujo contrato já foi junto com o requerimento inicial. IV. Nos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, como acontece no caso dos autos, determina o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo. V. Com efeito, ainda que tivesse acontecido a oposição expressa, formal e atempada à renovação do contrato de arrendamento, o que não se concede, seria sempre a primeira oposição ao contrato e, portanto, apenas produziria efeitos essa oposição à renovação três anos após a celebração do mesmo, ainda que do contrato conste que não é renovável. VI. No caso dos presentes autos os ditos três anos apenas acontecem em 31 de Agosto de 2026, dado que o início de produção de efeitos ocorreu em 1 de Setembro de 2023, pelo que à data ainda não ocorreu caducidade do contrato de arrendamento em questão, pelo que deve a decisão ora recorrida ser revogada por outra que considere que a caducidade do arrendamento aqui em questão ocorre em 31 de Agosto de 2026. VII. Além disso, no presente caso não ocorreu qualquer oposição à renovação formal nem atempada, dado que não existe qualquer comunicação de expressa de oposição à renovação do contrato de arrendamento, a mesma não observou as formalidades para o efeito prevista no artigo 9.º do NRAU e não foi respeitado o prazo de antecedência mínima para efeito previsto no artigo 1098.º do Código Civil, pelo também por essa via também não ocorreu a caducidade do contrato de arrendamento aqui em questão e deve, reitera-se, a sentença ora revogada por outra que considere que a caducidade do arrendamento aqui em questão ocorre em 31 de Agosto de 2026. VIII. Pelo que deve ser revogado a sentença ora recorrida por outra que declare que o arrendamento em questão caduca apenas no dia 31 de Agosto de 2026.» * Não foram apresentadas contra-alegações. * O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância. Cumpre decidir. * II- Quaestio Iudicio: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). Cumpre apreciar: - da caducidade do contrato de arrendamento para habitação * III - Fundamentação Os elementos relevantes para a decisão são os supra elencados e, bem assim, que resultou provado que 1. «No dia 17 de agosto de 2023, as partes celebraram um acordo escrito e assinado que intitularam de “CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO PARA HABITAÇÃO”, com o seguinte teor: (…)é ajustado e reduzido a escrito o presente contrato de arrendamento do 4.º andar direito , do prédio urbano sito na Rua 1, concelho de Almada , inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...., com a licença de utilização n.º … emitida em 7 de Agosto de 1974 pela Câmara Municipal de Almada nos termos e condições seguintes : 1.º O presente contrato de arrendamento habitacional tem o prazo certo de 1 ano,, não renovável, e inicia-se a 01 de setembro de 2023 e termina em 31 de agosto de 2024.(…)» 2. No dia 12 de novembro de 2024 do ano passado, a autora enviou à ré AA um email com o seguinte teor: «Estimada AA, Como já é do seu conhecimento o arrendamento do imóvel que ocupa já terminou no passado dia 31.08.2024, agradeço que me diga quando pretende entregar as chaves do imóvel e deixar o mesmo livre de pessoas e bens.» 3. No mesmo dia, a ré AA respondeu, pela mesma via, nos seguintes termos: »Bom dia! Meu contrato esta em vigor e continuo em casa.» * Factos não provados Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.» * * * IV- Do Direito: Nos presentes autos invocam os Recorrentes que a sentença proferida não aplicou correctamente os normativos legais porquanto, relativamente ao imóvel objecto dos presentes autos foi celebrado um contrato com a duração de um ano, com início a 1 de Setembro de 2023 e com termo a 31 de Agosto de 2024, de acordo com a cláusula 1ª do contrato de arrendamento celebrado entre Requerente e Requeridos e cujo contrato já foi junto com o requerimento inicial, acrescentando que para contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, como acontece no caso dos autos, determina o n.º 3 do artigo 1097.º do Código Civil que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo. Mais invocam os Recorrentes que, ainda que tivesse acontecido a oposição expressa, formal e atempada à renovação do contrato de arrendamento, o que não sucedeu, seria sempre a primeira oposição ao contrato e, portanto, essa oposição à renovação, apenas produziria efeitos três anos após a celebração do mesmo, ainda que do contrato conste que não é renovável. In casu, os referidos três anos apenas acontecem em 31 de Agosto de 2026, dado que o início de produção de efeitos ocorreu em 1 de Setembro de 2023, pelo que à data ainda não ocorreu caducidade do contrato de arrendamento em questão, devendo a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que considere que a caducidade do arrendamento aqui em questão ocorre em 31 de Agosto de 2026. Ora, in casu atenta a redação da clausula primeira do contrato de arrendamento estamos na presença de um contrato de arrendamento habitacional não renovável, conforme previsto no clausulado do contrato, e com a duração de um ano. Um contrato de arrendamento não renovável é celebrado por um período determinado, findo o qual cessa automaticamente, sem possibilidade de renovação automática. Esta modalidade é particularmente útil quando ambas as partes desejam estabelecer, desde o início, um prazo fixo para a ocupação do imóvel, sem intenções de prolongamento. Dúvidas não há, nestes autos, de que entre as partes foi celebrado um contrato de arrendamento urbano, mais precisamente um contrato de arrendamento com fim habitacional (cfr. artigos 1022.º, 1023.º, 1064.º, 1067.º n.º 1 e 1092.º e seguintes do Código Civil). Conforme apreciado em sede do Acórdão proferido pelo STJ a 20.09.2023 (in Jurisprudência Supremo Tribunal de Justiça-juris.stj.pt ) «O regime jurídico do arrendamento urbano tem-se pautado por permanente instabilidade, traduzida em sucessivas reformas e, dentro destas, reiteradas alterações e modificações. Tal é reflexo da relevância dos interesses em presença, em particular dos inquilinos, que no locado exercem a sua atividade económica ou satisfazem a necessidade, essencial, da habitação. Após um longo período em que o regime se caracterizou pelo chamado vinculismo, forçando os senhorios à sucessiva renovação dos contratos e à manutenção do valor das rendas inicialmente contratadas, com a publicação, em 1990, do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10) consolidou-se um movimento de pendor contrário, mais sensível aos interesses dos proprietários e aberto ao livre funcionamento do mercado. Desde logo, admitiu-se a celebração de contratos de arrendamento urbano, para habitação, de duração limitada, por prazo não inferior a cinco anos, que seriam renováveis, pelo prazo mínimo de três anos, se outro não fosse convencionado, podendo qualquer das partes impedir a renovação, mediante declaração nesse sentido (apelidada pelo legislador de “denúncia” – art.º 100.º do RAU) emitida com uma determinada antecedência (um ano antes do termo do prazo ou da renovação, quanto ao senhorio – art.º 100.º n.º 2 do RAU). O NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02), que aprofundou esse pendor mais liberal das alterações ao regime do arrendamento urbano, manteve a possibilidade da celebração de contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, com a duração mínima de cinco anos (art.º 1095.º n.º 2 do CC), automaticamente renovável por períodos mínimos sucessivos de três anos, se outros não estivessem contratualmente previstos (art.º 1096.º n.º 1), mediante declaração de oposição à renovação que, no caso do senhorio, deveria ter a antecedência mínima de um ano antes do termo do contrato ou da renovação (art.º 1097.º) – tudo à luz da versão inicial do NRAU. De notar que quer a redação do art.º 100.º n.º 1 do RAU, quer a redação introduzida no art.º 1096.º n.º 1 do CC pelo NRAU davam azo a dúvidas, no que concerne à supletividade dos prazos de renovação dos contratos de arrendamento para habitação com duração limitada. (…) Também o STJ, no acórdão proferido em 17.01.2023, processo 7135/20.1T8LSB.L1.S1, propendeu para esta tese: “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos”.». Na sequência da alteração introduzida ao n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil pela Lei n.º 13/2019, de 12.02, os contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis, estão sujeitos à renovação pelo prazo mínimo de três anos. Do actual regime do arrendamento para habitação com prazo certo, decorre, em suma, que: - há um prazo mínimo de um ano e um prazo máximo de 30 anos, que são imperativos (art.º 1095.º n.º 1 e 2 CC); - o arrendamento não pode ter duração inferior a um ano, mas pode durar apenas esse ano, caso se preveja a sua não renovação automática (art.º 1095.º n.º 2 e 1096.º n.º 1 CC); - estando prevista a sua não renovação automática, o arrendamento durará menos de três anos se for celebrado pelo prazo de um ou pelo prazo de dois anos. Destafeita, o que pode concluir-se em termos de lógica do sistema e de boa interpretação da redação do texto legal, é que o legislador pretendeu que nos casos em que as partes não quiseram regular expressamente essa matéria as renovações automáticas não fossem por períodos inferiores a 3 anos, mas caso tenham previsto expressamente no contrato que o mesmo era por um ano não renovável, então tal vontade expressamente assumida pelas partes impõe-se, daí que a lei indique sempre «salvo estipulação em contrário», pois está na liberdade das partes prever a não renovação (conforme sucedeu in casu), caso não o façam a renovação será automática e no prazo mínimo de três anos (cfr. Ac. STJ datado de 20.09.2023 in www.dgsi.pt) salvaguardadas as excepções previstas legalmente, nomeadamente o estatuído no art.º 1095.º n.º 3 e 1096 n.º 2 CC. Ora, não podem os recorrentes pretender aplicar a previsão legal de renovação automática (arts. 1095.º, 1096.º 1097.º CC), quando estamos perante contrato de arrendamento não renovável, conforme decorre da clausula 1º do contrato de arrendamento celebrado entre as partes. Destafeita, atendendo a que o contrato de arrendamento habitacional em apreço nos autos consiste num contrato a termo certo não renovável, o que expressamente ficou estabelecido pelas partes aquando da celebração do contrato de arrendamento, não há lugar a oposição à renovação por parte do senhorio, conforme pretendem os Recorrentes, nem aplicação do prazo de renovação de três anos, dado que as partes desde logo estabeleceram que o contrato era celebrado por um ano, não renovável, pelo que o contrato findou decorrido um ano, incumbindo aos RR. a entrega do imóvel ao senhorio, concluindo-se, pois, pela manutenção da decisão recorrida. * V- Decisão: Por tudo o exposto, acordam os Juízes deste Coletivo da 6ª Secção em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo dos recorrentes, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. Notifique Lisboa, 30.10.2025 Elsa Melo Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia Adeodato Brotas  |