Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA RIBEIRO COELHO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA TERMO ESSENCIAL TERMO MORA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/08/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Há negócio com termo essencial absoluto quando as partes visaram o estabelecimento de um limite improrrogável, cujo decurso sem a realização da prestação levará à “caducidade” ou à “resolução imediata” do negócio. II – Há negócio com termo essencial relativo quando as partes fixaram um limite para o cumprimento da obrigação, mas ficando o credor com o direito à resolução do contrato, sem embargo de, querendo, poder ainda pedir o cumprimento da obrigação. III – Há negócio com termo não essencial quando do seu decurso sem realização da prestação apenas emerge a mora do devedor. IV – A aferição sobre a essencialidade, ou não, de determinado prazo ou sobre se um prazo de natureza essencial é “absoluto” (segundo outra designação, “absolutamente fixo”) ou é antes “relativo” (na expressão de outros, “relativamente fixo”), tem de ser feita por via interpretativa da vontade das partes, com recurso a elementos que contribuam para a evidenciar, como sejam os próprios termos do contrato, a natureza da promessa, o comportamento que os contraentes venham ulteriormente a revelar pela verificação ou não de prorrogações e outras circunstâncias envolventes. V – Havendo dúvidas sobre a essencialidade ou não do prazo, deve concluir-se pela negativa. VI – Sendo essa essencialidade um dado adquirido e estando em causa a sua qualificação como absoluta ou relativa, deve concluir-se, em caso de dúvida, por esta última, que é a regra geral. VII – A previsão, pelas partes, de prorrogação do prazo em benefício dos promitentes compradores e verificados determinados pressupostos, e a circunstância de o promitente vendedor ter proposto ao promitente comprador um aditamento ao contrato-promessa no sentido da dilatação do prazo, são elementos que, vistos à luz da experiência comum, apontam para a não essencialidade do prazo fixado. VIII – Entende-se correntemente que a declaração antecipada de não cumprir ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir é de configurar como incumprimento definitivo, pressuposto da resolução do contrato e do pagamento pelo promitente vendedor remisso do dobro do sinal, nos termos do art. 442º, nº 2. IX – Não bastam, para este efeito, a desconformidade que o imóvel apresente relativamente ao que foi prometido vender, apesar de o promitente comprador, após vistoria ao prédio, ter denunciado, por carta, as obras em falta e pedido ao promitente vendedor a sua realização, nem o facto de este ter accionado aquele para obter a declaração de perda do sinal em seu favor. (RRC) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA 7ª SECÇÃO CÍVEL I – B…, Lda., intentou contra F… e M… a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que se julgue definitivamente incumprido, por culpa exclusiva dos Réus, o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 19.07.2002 e relativo à fracção C do prédio urbano sito na Rua…., freguesia e concelho de…., descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob a ficha n° 0 e inscrito na respectiva matriz predial da mesma freguesia sob o art. °, e que seja reconhecido à Autora o direito de fazer suas as quantias entregues pelos Réus a título de sinal, no valor de € 159.616. Alegou, em síntese, que o dito contrato celebrado pelos réus, como promitentes compradores, e A… e E…, cuja posição contratual veio a assumir, foi incumprido pelos réus que não compareceram na data marcada para a outorga da escritura do contrato definitivo. Os Réus contestaram atribuindo à autora o incumprimento do contrato e a responsabilidade pela não celebração do contrato prometido; e, em sede de reconvenção, pediram a condenação dela a pagar-lhes o dobro do sinal por eles prestado - € 319.232,00 – ou, no caso de improcedência desta sua pretensão, a sua condenação a pagar-lhes € 100.000,00, quantia correspondente ao prejuízo que dizem ter sofrido por se terem visto impossibilitados, mercê da actuação da autora, de revender a fracção autónoma objecto do contrato-promessa em discussão. Houve réplica da autora. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo as partes em conformidade. Apelou a autora, tendo apresentado alegações onde pede a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue procedente a acção e formula as seguintes conclusões: A) As partes, ao estipularem no contrato-promessa o prazo máximo de 30 dias após a emissão da licença de utilização para outorga da escritura pública de compra e venda, quiseram, naturalmente, atribuir-lhe natureza absoluta. Se pretendessem o contrário então não teriam estipulado qualquer prazo para esse efeito. B) Não existe qualquer elemento de prova nos autos que permita interpretar a clausula quarta do contrato-promessa no sentido de se considerar que o referido prazo tinha natureza relativa. C) Os R.R. ora apelados, ao não comparecerem na escritura pública oportunamente agendada, incorreram em incumprimento definitivo, e não em mora. D) E, ao contrário do afirmado na douta sentença impugnada, os R. R. não tinham qualquer motivo atendível para se recusar a outorgar a escritura definitiva de compra e venda. E) As deficiências verificadas na construção foram todas atempadamente corrigidas pela A., excepção feita à omissão de realização das obras que se mostravam desconformes ao projecto aprovado pela Câmara, as quais, necessariamente, não eram passíveis de serem construídas e por essa mesma razão nunca poderiam ser exigidas à A.. F) Tais omissões, que se prendiam, essencialmente, com a falta da construção do acesso interior à cobertura da fracção e sua utilização, são sempre passíveis de serem executadas pela A. ao abrigo do disposto no art. 916º n°3 do C.C. na eventualidade futura de vir a ser aprovado pela edilidade um projecto de alterações que permita a edificação das alterações pretendidas pelos RR. G) Caso contrário, e sendo quaisquer outras obras impossíveis, então a A. exonerou-se mediante o cumprimento do que lhe foi possível, tendo os R. R. no máximo o direito a uma redução no preço inicialmente acordado. – ex vi art° 790 n°1 e 793 n°1. H) Não há lugar a incumprimento da A., nem tampouco direito à resolução do contrato por parte dos R.R. porquanto estes nunca alegaram ou lograram provar que a existência da dita escada interior de acesso à cobertura era um elemento essencial do negócio. I) Conforme lhe competia, a A. limitou-se a executar, escrupulosamente, o projecto licenciado pela Câmara Municipal de…. J) O ónus que incidia sobre o prédio não era responsabilidade da A., nem tampouco impedia a outorga da escritura pública de compra e venda. L) Ainda que fosse julgada procedente a acção registada, e não veio a ser, a sua consequência seria apenas que o prédio no qual se integrava a fracção prometida vender aos R.R. retornaria à propriedade dos sócios-gerentes da A., que, em qualquer caso, foram as pessoas com quem os R. R. assinaram o contrato promessa sub júdice, estando por isso obrigadas ao seu cumprimento. M) Julgando como julgou, a douta sentença recorrida violou os artigos 442° n° 2, 790 n°1 e 793º, nº 1 do C. C.. Os apelados sustentaram, em contra-alegações apresentadas, a improcedência do recurso. Por seu turno, os réus apelaram subordinadamente, tendo apresentado alegações onde pedem a revogação da sentença na parte em que julgou improcedente o seu pedido reconvencional, para tanto formulando as seguintes conclusões: A) Os RR. solicitaram, repetidamente à Autora, a conclusão da construção nos termos contratados, nomeadamente com as arrecadações na garagem e um terraço na parte superior da fracção, utilizável e com piscina/jacuzi, tal como estava contratado. B) A Autora nunca procedeu a essa construção. C) Não construiu o terraço utilizável. D) Nem a piscina/jacuzi no terraço. E) Nem as arrecadações na garagem. F) Nem sequer a escada de acesso ao terraço. G) Sendo afirmado pela testemunha director da obra e filho dos donos da Autora, que a estrutura da placa não aguentava a construção e utilização de um terraço. H) E também por isso a construção efectuada pela Autora não contemplava sequer qualquer acesso ao terraço. l) O projecto que a Autora fez aprovar na Câmara Municipal não contemplava nenhum desses componentes. J) O que demonstra que, desde a primeira hora, através do projecto inicial, a Autora já tinha intenção de não proceder a essa construção. L) O contrato-promessa previa a construção de todos esses componentes que até complementava com os respectivos desenhos e plantas. L) Mas, como se disse, o projecto entregue na Câmara pela Autora não contemplava nada disso. M) A Autora marcou a escritura de compra e venda sem ter efectuado a construção das partes omissas. N) E, face à não comparência dos RR., em virtude do incumprimento do contrato pela Autora, esta intentou acção de resolução do contrato-promessa de compra e venda para, em consequência, fazer seu o sinal passado pelos RR. O) Estes factos consubstanciam uma recusa definitiva de cumprimento do contrato por parte da Autora. P) Apesar de os RR. não terem estabelecido expressamente um prazo para o cumprimento do contrato pela Autora i.e. a construção dos elementos em falta. Q) Foi a própria Autora que, com a interposição da acção de resolução do contrato, pôs fim à mora em que se encontrava. R) Pelo que deve considerar-se que a mora se transformou em incumprimento definitivo do contrato, se não antes, pelo menos na data da interposição da acção de resolução. S) A interposição dessa acção constitui um acto próprio e voluntário da Autora que põe fim à mora. T) Deve assim considerar-se que o contrato foi culposa e definitivamente incumprido pela Autora. U) E não um simples incumprimento temporário (mora) como se julgou no Tribuna a quo. V) Violando dessa forma os artigos 798º e parte final do nº 1 do art. 808º ambos do Código Civil. A autora pugnou pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões sujeitas à nossa apreciação as enunciadas pelas partes nas conclusões que extraíram, ou seja: No âmbito da apelação da autora: - determinar a natureza do prazo convencionado para a celebração do contrato definitivo; - saber se houve incumprimento definitivo do contrato por parte dos réus, não se tendo verificado qualquer circunstância, imputável à autora, susceptível de justificar a sua recusa de celebração do contrato definitivo. No âmbito do recurso dos réus: - determinar se foi a autora quem incumpriu definitivamente o contrato, devendo com base nisso declarar-se a resolução do contrato e condenar-se a mesma a pagar aos réus o dobro do sinal prestado. II – Na sentença impugnada descrevem-se como provados os seguintes factos: 1. A… e E… prometeram vender a fracção C do prédio urbano sito na Rua …, no sítio do …, freguesia e concelho de…, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob a ficha n° 0 e inscrito na respectiva matriz predial da mesma freguesia sob o art.°, pelo preço global de € 399.039,00 aos R.R., mediante acordo escrito denominado contrato promessa, outorgado em 19.07.2002, cuja cópia foi junta como doc. 1 da petição inicial e se dá por reproduzido. (alínea A) dos factos assentes) 2. Os promitentes vendedores estavam a preparar a venda do prédio para a A., tendo acordado com os RR. que a escritura poderia ser outorgada pela A.. (alínea B) dos factos assentes) 3. Após a emissão da licença de habitação pela Câmara Municipal de…, junta como doc. 2 da petição inicial, a A. enviou aos R.R. uma carta registada com aviso de recepção enviada em 10 de Maio de 2004, comunicando que a escritura pública seria outorgada no dia 27 de Maio de 2004, às 14 horas, no Cartório Notarial do…, nos termos que constam do doc. 3 junto com a petição inicial que se dá por reproduzido. (alínea C) dos factos assentes) 4. Nessa carta a A. solicitou aos R.R. que entregassem os respectivos documentos, bem como o comprovativo da liquidação do imposto devido pela transacção (antiga SISA), no Cartório ou no escritório do Solicitador encarregue da obtenção da documentação necessária à formalização do negócio. (alínea D) dos factos assentes) 5. Os R.R. não entregaram qualquer dos documentos solicitados, nem no Cartório nem no escritório do solicitador. (alínea E) dos factos assentes) 6. No dia 18 de Maio, os RR. enviaram à A. o fax (posteriormente enviado por correio), cuja cópia foi junta como doc. 4 da petição inicial e se dá por reproduzido. (alínea F) dos factos assentes) 7. Os RR receberam, em 24 de Maio, o fax cuja cópia foi junta como doc. 6 da petição inicial que se dá por reproduzido. (alínea G) dos factos assentes) 8. Em 26 de Maio, os R.R. informam a A. de que não comparecerão na escritura em virtude de terem tido conhecimento de duas acções que foram propostas por um terceiro promitente comprador de uma outra fracção e que impediriam a outorga da escritura de compra e venda, nos termos que constam do doc. 7 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido. (alínea H) dos factos assentes) 9. Os RR. entregaram a A… o montante de € 159.616,00, nos termos referenciados nas alíneas a), b), c), d) e e) da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda. (alínea I) dos factos assentes) 10. Nenhum dos RR. compareceu no Cartório Notarial do …no dia 27 de Maio de 2004. (alínea J) dos factos assentes) 11. Ao fax enviado pelos RR cuja cópia foi junta como doc. 4 da petição inicial, a A. respondeu telefonicamente, não concedendo prorrogação da data para outorga da escritura e acordando na realização de uma vistoria ao local. (alínea K) dos factos assentes) 12. Esta conversa telefónica foi confirmada, nesse mesmo dia, mediante o fax cuja cópia foi junta como doc. 5 da petição inicial que se dá por reproduzido. (alínea L) dos factos assentes) 13. Na sequência daquele telefonema e de outros, a A. respondeu ao fax, cuja cópia foi junta como doc. 4 da petição inicial, mediante um outro fax em 24 de Maio, cuja cópia foi junta como doc. 6 da petição inicial que se dá por reproduzido. (alínea M) dos factos assentes) 14. Os Réus prometeram comprar a fracção identificada em A) quando a sua construção ainda se iniciava. (ponto 9) da base instrutória) 15. A fracção destinava-se à revenda. (ponto 10) da base instrutória) 16. O que foi comunicado pelos RR a A… desde a primeira hora. (ponto 11) da base instrutória) 17. Os Réus admitiam ceder a sua posição contratual no contrato com A… ou receber dos cessionários os montantes e nas datas previstas no contrato promessa (cláusula terceira) e indicar os cessionários, nos termos da cláusula segunda, para a outorga da escritura. (ponto 12) da base instrutória) 18. Os RR, em 18 de Novembro de 2003, solicitaram ao A… autorização para colocar na moradia um letreiro anunciando a venda. (ponto 13) da base instrutória) 19. A…. nunca deu autorização aos RR para a colocação do letreiro. (ponto 15) da base instrutória) 20. Em 23 de Dezembro os RR. receberam de A… a carta cuja cópia foi junta como doc. 2 da contestação que se dá por reproduzido. (ponto 16) da base instrutória) 21. Em resposta os RR. dirigiram a A…, em 6 de Janeiro, a carta cuja cópia foi junta como doc. 3 que se dá por reproduzido. (ponto 17) da base instrutória) 22. A…. acordou com os RR em proceder à vistoria do apartamento para verificarem as faltas e deficiências da construção. (ponto 18) da base instrutória) 23. Depois os RR vistoriaram a construção da moradia em 23 de Fevereiro de 2004 enviando a A…, através de fax, em 26 de Fevereiro de 2004, a lista de faltas e deficiências, nos termos que constam do doc. 4 junto com a contestação que se dá por reproduzido. (ponto 19) da base instrutória) 24. Por fax do dia seguinte, 27 de Fevereiro, os RR. reclamaram duas outras deficiências verificadas naquela vistoria, nos termos que constam do doc. 5 junto com a contestação que se dá por reproduzido. (ponto 20) da base instrutória) 25. Os RR. diligenciaram no sentido da revenda da moradia. (ponto 22) da base instrutória) 26. Os RR. conseguiram concretizar (em termos negociais) a revenda da moradia pelo preço de 100.000 contos, nos termos que constam do doc. 6 da contestação que se dá por reproduzido. (ponto 27) da base instrutória) 27. Os RR. apresentaram ao interessado (oferente dos 100.000 contos) a moradia que consta dos Anexos II e III do contrato referido em A). (ponto 28) da base instrutória) 28. Para a revenda se efectivar teriam de estar corrigidas as deficiências e as omissões da construção verificadas na vistoria. (ponto 29) da base instrutória) 29. A omissão da instalação da mini-piscina na cobertura estava prevenida no Anexo III do contrato promessa (ponto 14 Instalações Técnicas) mediante uma comparticipação de A… em € 3990 euros para a instalação de um jacuzzi. (ponto 32) da base instrutória) 30. A… propôs aos RR. um aditamento ao contrato promessa em que, para além de a escritura se outorgar até 1 de Setembro de 2004, os RR abdicavam dos equipamentos e acabamentos constantes do anexo III que não existissem no dia 24 de Maio de 2004, nos termos que constam do doc. 7 junto com a contestação que se dá por reproduzido. (ponto 34) da base instrutória) 31. Nesse mesmo dia os RR. tomaram conhecimento de que tinham sido intentadas duas acções judiciais contra o A….. (ponto 35) da base instrutória) 32. No dia 25 de Maio os RR. contactaram o A… dando-lhe conta do ónus que impendia sobre todo o imóvel (futuras fracções) correspondente às duas acções judiciais registadas. (ponto 36) da base instrutória) 33. A carta cuja cópia foi junta como doc. 7 da petição inicial não teve qualquer resposta por parte de A….. (ponto 37) da base instrutória) 34. Os RR. dirigiram a A… e B…., em 6 de Julho de 2004, a carta cuja cópia foi junta como doc. 9 que se dá por reproduzido. (ponto 38) da base instrutória) 35. A… pretendeu a revogação dos contratos promessa de compra e venda celebrados com C… e P…., promitentes-compradores de duas fracções que compõem o edifício. (ponto 40) da base instrutória) 36. A A. cumpriu o projecto licenciado pela Câmara. (ponto 42) da base instrutória) III – Passemos, então, a abordar as questões suscitadas por cada uma das partes. Apelação da autora A sentença impugnada, ao julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora contra os réus, fundou-se em argumentação cujas linhas essenciais são, em síntese nossa, as seguintes: - Tanto a mora como o incumprimento definitivo podem ter origem no decurso do prazo contratualmente fixado para a prestação sem que esta se mostre cumprida; - Vem sendo entendido que o prazo fixado em contrato-promessa para a celebração do contrato prometido, tanto pode ser absoluto como relativo; sendo absoluto[1], o seu decurso sem que as partes outorguem o contrato definitivo leva à caducidade do contrato em cujo âmbito foi estabelecido. Sendo relativo, haverá, nessa mesma circunstância, simples mora do devedor, com base na qual o credor poderá pedir o cumprimento, a resolução do contrato (verificados os demais pressupostos) ou a indemnização legal moratória.[2] - A natureza do prazo é determinada em função da natureza do negócio e da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se o prazo como absoluto, por ser de presumir que as partes se quiseram vincular de harmonia com os termos do contrato.[3] - No caso dos autos, a natureza relativa do prazo fixado para a realização da escritura do contrato de compra e venda prometido é indiciada, desde logo, pelo facto de não ter sido estabelecida uma qualquer data concreta para o efeito, mas antes um prazo, a iniciar-se após a emissão – a verificar-se em data que as partes previram, mas que delas era desconhecida - da licença de utilização pela edilidade; por outro lado, previu-se a possibilidade de o contrato não ser celebrado dentro de aludido prazo, o qual poderia, em determinadas circunstâncias, concretizadas pelos outorgantes, ser prorrogado por três meses. - Não foram alegados nem provados quaisquer factos dos quais se possa extrair a essencialidade daquele prazo para a autora, antes se tendo apurado que A.., seu legal representante, propôs aos réus um aditamento do contrato-promessa, segundo o qual se alterava, até 1 de Setembro de 2004, a data da realização da escritura, o que revela, com clareza, a natureza relativa do dito prazo. - Não se pode, pois, concluir que o contrato, por não ter sido celebrado dentro dos trinta dias subsequentes à emissão da licença de utilização, tenha deixado de ter interesse para as partes, o que levaria a concluir que os réus, ao deixarem de comparecer na data marcada para a celebração da escritura, depois de terem avisado, no dia anterior, que não compareceriam, teriam incorrido, não em incumprimento definitivo, mas em simples mora. - Mas nem mora existe, já que esta sua actuação se mostra absolutamente justificada, quer pela falta de conformidade do imóvel prometido vender com aquele que a autora se propunha vender, designadamente no tocante à utilização do espaço da cobertura e à sua ligação com o interior da fracção objecto do contrato-promessa, quer pela existência de um ónus que impendia sobre o prédio em que se integrava a fracção, correspondente a acção judicial onde se pedia a declaração de nulidade do contrato de compra e venda do mesmo prédio celebrado entre a autora e A… e E…, cujo desfecho era, de todo, imprevisível para os réus e impedia a realização da venda da fracção em causa, livre de ónus, hipotecas ou quaisquer encargos, como lhes fora prometido. A isto contrapõe a apelante, ao longo das alíneas A) a C) das suas conclusões, que nada consente a interpretação no sentido da relatividade do prazo convencionado para a celebração da escritura do contrato definitivo e que as partes, ao estipulá-lo, tenham querido atribuir-lhe natureza absoluta, já que, se assim não fosse, então teriam omitido a fixação de qualquer prazo para o efeito. Ao pronunciar-se nestes termos, a apelante parece defender a ideia – como fazem notar os apelados nas suas contra-alegações – de que todo e qualquer termo é essencial e absoluto, natureza que resultaria necessariamente da mera fixação, pelas partes, do espaço temporal dentro do qual a obrigação há-se ser cumprida ou da data concreta em que esse mesmo cumprimento deve ter lugar. Este seu modo de ver as coisas, posterga, deixando sem campo de aplicação, a distinção doutrinária entre, por um lado, os denominados “negócio fixo absoluto”, “prazo absolutamente fixo” ou “prestação temporalizada” e, por outro, o “negócio relativo ou simples” ou “negócios fixos usuais, relativos ou simples”.[4] Mas a verdade é que não é unívoco o alcance a atribuir à fixação, pelas partes, de um prazo para o cumprimento da obrigação contratual. O estabelecimento do prazo, tanto pode significar que, transcorrido o tempo previsto, a “finalidade da obrigação” não pode já “ser obtida com a prestação ulterior, caducando, portanto o contrato com o termo do prazo fixado”, como significar apenas “uma determinação de termo que não impeça a possibilidade de uma prestação ulterior, que satisfará ainda a impeça finalidade da obrigação”, não determinando o decurso do prazo a caducidade do contrato, “somente ficando o credor com o direito de o resolver o contrato” ou de exigir ainda o cumprimento tardio da obrigação.[5] Também Brandão Proença, sobre este ponto escreve o seguinte [6]: “O fulcro da questão reside na essencialidade (subjectiva) ou não do termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado. Efectivamente, se estivermos perante o que Sacco chama de «prazo fatal», a sua não observância, haja ou não uma qualquer imputação ou responsabilidade nesse desinteresse recíproco, gerará uma impossibilidade (rectius inutilidade) definitiva de incumprimento, conducente a uma «resolução automática» ou a uma caducidade contratual (…) ou então, havendo uma imputação individual do incumprimento, ao exercício dos direitos consagrados no art. 801º. Pelo contrário, a inclusão, no conteúdo da promessa, de um termo «relativamente fixo», poderá fazer surgir, para o legitimado, um direito de resolução, ou ainda, a exigência de um cumprimento tardio (como não estamos numa fattispecie de mora, é evidente que a iniciativa deste cumprimento não pode provir da contraparte ou mesmo que provenha, há toda a legitimidade para uma recusa na sua aceitação).” Na mesma linha também Calvão da Silva[7] entende que, em caso de termo essencial subjectivo[8], a vontade das partes pode ser no sentido de o prazo limite por elas convencionado para o cumprimento ser improrrogável - termo subjectivo absoluto -, de modo que a não realização da prestação dentro dele determina o “incumprimento definitivo, fundamento imediato da resolução” ou, diversamente, ser no sentido de o decurso do termo gerar tão só o direito de o credor proceder à sua resolução, sem embargo de poder ainda pedir o cumprimento da obrigação ou indemnização moratória – termo subjectivo relativo. De tudo isto se vê que o termo fixado pelas partes, que deva ser considerado como essencial, pode assumir natureza diversa consoante se conclua por uma de duas hipóteses: terem as partes visado o estabelecimento de um limite improrrogável, cujo decurso sem a realização da prestação levará à “caducidade” ou à “resolução imediata” do negócio, por a prestação não ter já qualquer interesse para o credor; ou terem as partes pretendido, diversamente, fixar apenas um limite para o cumprimento da prestação, mas sem que o seu decurso retire interesse à prestação que tardiamente venha a ser efectuada, mas gerando, não obstante, desde logo o direito do credor à resolução do contrato, sem embargo de o mesmo, querendo, poder ainda pedir o cumprimento da obrigação. A doutrina exposta respeita ao prazo que deve ser considerado como essencial (isto por contraposição ao não essencial) e é no seu âmbito que se estabelece a dicotomia termo absoluto e termo relativo, sendo que o decurso deste último sem cumprimento da obrigação não dá lugar a simples mora, antes gera, no dizer de todos os citados autores, o direito do credor à resolução do contrato. A par dele existe o termo não essencial, de cujo decurso sem realização da prestação apenas emerge a mora do devedor, sendo que a aferição sobre a essencialidade, ou não, de determinado prazo ou a determinação sobre se um prazo de natureza essencial é “absoluto” (segundo outra designação, “absolutamente fixo”) ou é antes “relativo” (na expressão de outros, “relativamente fixo”), tem de ser feita por via interpretativa da vontade das partes, com recurso a elementos que contribuam para a evidenciar, como sejam os próprios termos do contrato, a natureza da promessa, o comportamento que os contraentes venham ulteriormente a revelar pela verificação ou não de prorrogações e outras circunstâncias envolventes.[9] E havendo dúvidas sobre a essencialidade ou não do prazo, deve concluir-se pela negativa, do mesmo modo que, sendo essa essencialidade um dado adquirido e estando em causa a sua qualificação como absoluta ou relativa, deve concluir-se, em caso de dúvida, por esta última, que é a regra geral, como opina Brandão Proença.[10] Bem se entende que assim seja, já que a essencialidade do prazo há-de ser demonstrada pela parte a quem aproveita, pelo que a dúvida sobre a sua existência tem de ser resolvida contra a parte onerada com aquela prova, tudo de acordo com o disposto nos arts. 342º, nº 1 e 346º do C. Civil (diploma a que respeitam as normas de ora em diante invocadas sem menção de diferente proveniência). Ora, no caso dos autos, nada permite concluir sequer pela essencialidade para a autora do prazo fixado. Diversamente, os termos em que as partes o fixaram – a escritura seria realizada no prazo de 30 dias após a emissão da licença de habitação pela Câmara Municipal, facto que ocorreria em data incerta (Cláusula 4ª, al. a) do contrato) -, a circunstância de as partes haverem previsto, em benefício dos promitentes compradores e verificados determinados pressupostos, a sua prorrogação (al. b) da mesma cláusula), e o facto, demonstrado, de A…, legal representante da autora, ter proposto aos réus um aditamento ao contrato-promessa, alterando para 1 de Setembro de 2004 a data até à qual a escritura poderia ser realizada – cfr. nº 28 do elenco factual apurado -, são elementos próprios do contratos e posteriores a ele que, vistos à luz da experiência comum, apontam para a não essencialidade do prazo fixado. Daí que a falta dos réus na data, hora e local indicados para a realização da escritura do negócio definitivo, ainda que fosse culposa – e não o foi como de seguida veremos –, envolveria apenas uma situação de mora por parte destes e não o incumprimento definitivo do contrato que pudesse gerar o direito da autora a resolver o contrato. E sem incumprimento definitivo por parte dos réus, a pretensão da autora improcede necessariamente, pelo que, em bom rigor, carece de interesse saber se os réus incorreram em mora. Ainda assim, e porque, ao longo das demais conclusões, a apelante critica a sentença na parte em que discorre e conclui pela inexistência dessa mora por estar justificada, nos termos supra resumidos, a não comparência daqueles no Cartório Notarial na data e hora marcadas para a celebração da escritura definitiva, algumas considerações se farão sobre a matéria. Como bem se diz na sentença, para cujos fundamentos remetemos nesta parte, quanto à parte do imóvel cuja construção se mostrava desconforme ao que fora prometido vender – utilização do espaço da cobertura e sua ligação com o interior da fracção –, não pode falar-se em extinção da correspondente obrigação, já que essa extinção pressuporia a hipótese, aqui não verificada, de a prestação se ter tornado absolutamente impossível por causa não imputável ao devedor – arts. 790º, nº 1 e 793º, nº 1 –, não sendo suficiente para este efeito que a prestação se haja tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil para o devedor. Ora, no caso dos autos, tendo-se a autora obrigado a vender a fracção com a faculdade, por parte do dono, de utilização da cobertura do prédio, apenas se sabe que as obras adequadas a essa utilização se não mostram feitas e que a autora cumpriu o projecto aprovado pela Câmara, desconhecendo-se em absoluto se, com vista à satisfação do acordado – venda do imóvel com determinadas características e utilidades –, a autora chegou sequer a apresentar àquela entidade um projecto que contemplasse a construção em falta. Daí que, naturalmente, não faça o menor sentido dizer-se que a mesma não foi licenciada pela Câmara e que, por isso, a parte da prestação em falta é de realização impossível e é inexigível à autora. E, como se salienta na sentença, mesmo que se tivesse como verificada uma impossibilidade parcial, nunca seria exigível aos réus que outorgassem o contrato definitivo pagando a integralidade do preço convencionado, visto que sempre teriam direito a ver a sua prestação proporcionalmente reduzida ou, se fosse caso disso, a resolver o contrato, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 793º. A não comparência dos réus para realização da escritura na data marcada, não os constituiu sequer em mora. Não colhendo as razões invocadas pela apelante, o recurso por ela interposto tem de improceder. Apelação dos réus: As linhas mestras da argumentação e raciocínio usados na sentença para fundar a emitida absolvição do pedido reconvencional deduzido a título principal são as seguintes: - As causas consideradas justificativas da não celebração do contrato definitivo pelos réus configuram, por outro lado, situações de não cumprimento do contrato por parte da autora, mas tal incumprimento não é ainda definitivo. - A desconformidade parcial da fracção construída com a fracção prometida vender permite, mesmo a manter-se, a realização do contrato, ainda que com redução do preço; - O ónus jurídico que pendia sobre o imóvel parece, pelos arestos juntos aos autos, ter perdido entretanto a sua razão de ser; - A correspondência trocada pelas partes antes da propositura da acção revela nunca terem os réus perdido o interesse na realização do contrato, nem se apuraram factos que pudessem justificar objectivamente essa perda de interesse; - E nunca procederam eles à interpelação admonitória da autora que, deste modo, persiste em mora, não havendo, pois, o indispensável incumprimento definitivo. Em contrário disto, sustentam os réus que não há simples mora da autora, mas antes incumprimento definitivo, visto a sua actuação consubstanciar uma clara recusa de cumprir o contrato outorgado, o que radicam nas seguintes circunstâncias: a) nunca ter aquela concluído a construção nos termos contratados, apesar das solicitações repetidas dos réus nesse sentido, não contemplando o projecto apresentado pela autora na Câmara Municipal nenhum dos componentes em falta, o que revela a intenção da autora, desde o início, de não proceder a essa construção; b) ter sido afirmado pelo director da obra, enquanto depôs como testemunha, que a estrutura da placa não aguentava a construção e a utilização de um terraço, e que, também por isso, a autora não construíra sequer qualquer acesso ao terraço; c) haver instaurado esta acção, após a não comparência dos réus para celebração da escritura do contrato definitivo. Mas também aos réus não assiste razão. É corrente o entendimento segundo o qual “a declaração antecipada de não cumprir ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir”[11] é de configurar como incumprimento definitivo, pressuposto da resolução do contrato e do pagamento pelo promitente vendedor remisso do dobro do sinal, nos termos do art. 442º, nº 2. É um comportamento deste tipo, evidenciador da vontade de não cumprir ou da impossibilidade de o fazer, que os réus, invocando o acima descrito, atribuem à autora. Quanto ao facto – que teria sido afirmado por uma testemunha - de a placa do prédio não aguentar o terraço nem a sua utilização, é elemento que, por não fazer parte da matéria adquirida para os autos, não pode, de modo algum, aqui era considerado para qualquer efeito. Igualmente por não ser facto que faça parte da matéria julgada como provada não pode também aqui ter-se como certo, nem valorar-se, designadamente para caracterizar o comportamento da autora, a omissão que se verificaria no projecto apresentado pela autora na Câmara Municipal quanto aos componentes do prédio que acabou por não construir. Finalmente, os factos descritos em 22. e 23. – os únicos apurados a esse propósito – são manifestamente insuficientes para se poder concluir, como fazem os réus, que tenham “repetidamente” solicitado à autora a conclusão do imóvel de acordo com o combinado no contrato-promessa. Restam, pois, a desconformidade que o imóvel apresenta relativamente ao que foi prometido vender, apesar de os réus, após vistoria ao prédio, terem denunciado, através da carta aludida em 22., as obras em falta e pedido à autora a sua realização e o facto de a autora, nas circunstâncias demonstradas, ter proposto esta acção. São circunstâncias que, salvo o devido respeito, de modo algum são bastantes para consubstanciar comportamento inequívoco da autora no sentido da sua vontade de não cumprir. Assim, não pode concluir-se que tenha entrado em incumprimento definitivo, pelo que também quanto ao pedido reconvencional não merece censura a sentença que o julgou improcedente. Também este recurso está votado ao insucesso. IV – Pelo exposto, julgam-se improcedentes ambas as apelações, mantendo-se a sentença impugnada. Cada uma das partes suportará as custas relativas à apelação que deduziu. Lxa. 8.04.08 (Rosa Maria M. C. Ribeiro Coelho) (Maria Amélia Ribeiro) (Arnaldo Silva) _______________________________________________________ [1] – o que sucede quando o seu decurso sem que a prestação seja efectuada determina a perda de interesse do credor no negócio [2] Citam-se, quanto a este entendimento, Antunes Varela “Das Obrigações em Geral, vol. II, pág. 45 e Vaz Serra RLJ, ano 110º, pág. 327. [3] Citam-se, neste ponto, os acórdãos do STJ de 11.04.2000, CJSTJ, tomo II, pá. 32 e e de 19.09.2002 acessível em www.dgsi.pt [4] Antunes Varela, na obra e local acima referidos, e Vaz Serra RLJ, ano 104º, pág. 302 [5] Vaz Serra obra e local acima citados. [6] Do incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, Coimbra 1987, pág. 110 [7] Em Sinal e Contrato-Promessa, 8ª edição, pág. 130 [8] O que é convencionado como tal pelas partes, podendo também a essencialidade do termo emergir da natureza ou finalidade da prestação, de tal sorte que se mostra absolutamente inútil para o credor a sua realização depois de decurso do termo final fixado. [9] Brandão Proença, obra citada, pág. 110 [10] Obra citada, pág. 112 [11] Calvão da Silva, obra citada, pág.129. |