Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
34503/15.8T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DO PEDIDO
SANÇÃO PECUNIÁRIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: · O objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando o pedido e a causa de pedir, esta não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença
· A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo.
· Logo, a relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico outra coisa não quer dizer que não seja que a causa petendi é a causa da procedência do pedido, ou seja, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.
· Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, sendo necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar.
· Deve anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via da acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões.
· Mas pode bem suceder que a causa de pedir invocada expressamente pelo autor não exclua uma outra que, por integração da petição, possa considerar-se compreendida naquela, caso em que a indicação da causa de pedir feita pelo autor tem de ser entendida de modo a corresponder ao sentido que ele quis atribuir a essa indicação, desde que tal sentido possa valer nos termos gerais da interpretação das declarações de vontade.
· A sanção pecuniária compulsória é uma sanção que constitui, na sua essência, uma ameaça equivalente, ressalvadas as devidas proporções, à previsão penal quanto a determinado comportamento, devendo o visado ficar bem ciente das consequências do seu comportamento incumpridor.
· Em regra, a cominação da sanção pecuniária constará da mesma decisão que fixa a obrigação, a qual só após o trânsito em julgado produzirá os respetivos efeitos, o que significa que como meio judicial de constrangimento, aquela sanção só tem sentido no caso de se destinar a operar para o futuro, pois não pode constranger-se a alguém a cumprir num tempo que já passou.
Por conseguinte, o juiz deverá fixar um termo a quo que respeite e até potencie a natureza e as finalidades da sanção, não podendo fixar uma data anterior à própria decisão que a ordena, pois tal equivaleria a fazer retroagir a sanção compulsória, o que estaria em total oposição ao carácter coercitivo e preventivo de medida destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito da condenação judicial.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
A. e mulher, A'., intentaram a presente ação declarativa contra B., alegando, em suma, que tanto eles como a ré são condóminos do prédio urbano sito ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
A ré tem utilizado a arrecadação do prédio para guardar o seu automóvel; ou seja, a ré está a utilizar para fins próprios uma arrecadação que é parte comum do prédio, impedindo assim os restantes condóminos de a utilizar.
Conclui pedindo que a ré seja condenada:
a) a deixar a arrecadação livre e desocupada;
b) numa sanção pecuniária compulsória de € 300,00, por cada mês até que cesse a utilização da dita arrecadação, desde a citação e até à sua desocupação.
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A ré contestou, alegando, também em síntese, que é dona da fração autónoma designada pela “B” daquele prédio, da qual faz parte integrante a arrecadação referida pelos autores na petição inicial, facto de que estes tinham conhecimento.
Conclui pugnando para que:
a) a ação seja julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido;
b) os autores sejam considerados litigantes de má-fé, devendo, a esse título, indemnizá-la em montante não inferior a € 2.000,00, acrescido do reembolso de todas as despesas efetuadas com este processo, incluindo honorários da sua mandatária.
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Os autores responderem através da peça processual entrada em juízo a 11 de fevereiro de 2016, com a Refª 21808347 (fls. 65-68), alegando que não litigam de má-fé, uma vez que a sua pretensão é fundamentada.
Não afirmam desconhecer o conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal, a qual, aliás, juntaram com a petição inicial.
O que ocorreu foi um mero lapso de escrita, pois naquele articulado onde se lê “arrecadação”, deve ler-se “acesso à arrecadação”.
A arrecadação em causa pertence à ré, o que os autores não contestam e, como tal, aceitam os documentos juntos pela contestação.
O que ocorre é que, dada a utilização como garagem, por parte da ré, da arrecadação em causa, ocorre o bloqueio de um espaço que é comum, ou seja, o acesso à arrecadação, que não constitui parte comum.
Era ao acesso à arrecadação que os autores se pretendiam referir na petição inicial.
Por isso, requerem a correcção da petição inicial, em sede de despacho pré-saneador, nos termos do artigo 590.°, n.° 2, al. b), do C.P.C..
Por outro lado, a ré está a utilizar a arrecadação para uso diverso do fim para que está destinada, em violação do artigo 1422.°, n.° 2, al. c) do C.C., ou seja, como garagem, o que, para além de ser ilícito, prejudica o acesso a partir do exterior, dado que o espaço de acesso à arrecadação, feito pela porta do n° 5A, ao lado da porta do n° 5, correspondente à entrada no imóvel, não foi concebida para a existência de uma garagem.
Ora:
- sendo esta utilização da arrecadação prejudicial para os autores;
- prejudicando o acesso ao exterior;
- presumindo-se parte comum, de acordo com o artigo 1421.°, n.º 2, al. e), as coisas que não sejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos;
- reconhecendo a ré ter conhecimento da situação em causa nos autos,
não poderia esta deixar de conhecer que os autores pretendiam referir-se ao acesso à arrecadação, pelo que é claro que a pretensão destes não é infundada.
Inexiste, assim, litigância de má-fé por parte dos autores, mas, antes, um mero lapso de escrita.
Conclui pugnando:
- pela sua não condenação por litigância de má-fé;
- para que a petição inicial seja considerada corrigida, ao abrigo do disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), do C.P.C..
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A ré pronunciou-se sobre o assim requerido, pugnando:
- pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide; ou, no caso de assim se não entender,
- pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido;
- pela condenação dos autores como litigantes de má-fé.
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O tribunal a quo considerou que através da peça processual de fls. 65-68, os autores pretenderam alterar a causa de pedir, situação que teve por inadmissível, em consequência que indefeiu «o requerido pelos Autores quanto à correcção da petição inicial» e não admitiu «a alteração da causa de pedir resultante da alegação efectuada pelos Autores na referida peça processual (...)».
Os autores interpuseram recurso dessa decisão, o qual, no entanto, foi julgado improcedente por acórdão desta Relação, datado  de 10 de novembro de 2016.
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Na subsequente tramitação dos autos, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto considero a ação improcedente e parcialmehnte procedente o incidente de litigância de má-fé e em consequência:
· Absolvo a Ré dospedidos formulados pelos Autores;
· Condeno os Autores como litigantes de má-fé na multa de quatro unidades de conta;
· (...).
Com vista a eventual atribuição, em complemento de sentença, de indemnização dos Autores à Ré por litigância de má-fé, concedo à Ré o prazo de 10 dias, contado da respectiva notificação da presente sentença, para concretizar ou apresentar elementos quanto às despesas nos termos supra referidos; concedendo igual prazo aos Autores para exercerem a respectiva defesa, caso a Ré use da tal faculdade, e contado da respectiva notificação pela parte contrária.»
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Os autores interpuseram recurso de apelação dessa sentença, concluindo assim as respetivas alegações:
· O douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não fez um julgamento correcto da causa.
· Não obstante os Autores terem visto recusada a correcção da Petição Inicial, o certo é que na causa de pedir na presente acção inclui-se o facto alegado no artigo 4.° da Petição Iniciai ("a Ré tem utilizado a arrecadação do imóvel para guardar o seu automóvel"), facto este que a Ré confessou.
· Temos, pois, como facto assente, por confissão, que a Ré tem utilizado a arrecadação do prédio para guardar o seu automóvel.
· O pedido dos Autores, no caso em apreço, reporta-se à condenação da Ré a retirar o automóvel da referida arrecadação.
· Improcedendo o pedido de rectificação da Petição Inicial de "arrecadação", para "acesso à arrecadação", entendeu o douto Tribunal a quo que improcederia também o pedido dos Autores, à luz do artigo 1421.°, n.° 2, al. e), do Código Civil.
· Contudo, ainda que a arrecadação seja de uso exclusivo da Ré, continua a existir alteração do fim da mesma, não sendo permitido à Ré utilizá-la para recolha do seu automóvel.
· Como refere o art. 1422,°, n° 2, alínea c), do Código Civil, não é possível utilizar a fracção autónoma (ou um espaço afecto a determinada fracção autónoma) para um fim diverso do que consta no título constitutivo da propriedade horizontal, só podendo ser alterado o título constitutivo com o acordo dos restantes condóminos (artigo 1422°-A do mesmo diploma).
· Nos termos do artigo 5°, no 3, do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
· A improcedência do pedido de rectificação da Petição Inicial não obstava a que a Ré fosse condenada, não nos termos do artigo 1421°, no 2, al. e) do Código Civil, mas nos termos do artigo 1422°, n° 2, alínea c), do mesmo diploma.
· Foi confessado pela Ré que a arrecadação em causa nos autos era utilizada para guardar o seu automóvel, ou seja, como garagem e tal utilização consubstancia alteração de fim.
· Pelo que o douto Tribunal a quo, à luz do artigo 5°, n° 3 do Código de Processo Civil e tendo em conta o princípio da economia processual, deveria ter aplicado ao caso concreto o disposto no artigo 1422°, n° 2, alínea c) do Código Civil, condenando a Ré a retirar o automóvel da arrecadação, por utilização do espaço com fim diverso ao que consta do titulo constitutivo da propriedade horizontal.
· O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o artigo 7° do Código de Processo Civil, e vem consignado no artigo 8° do mesmo diploma.
· Em face das diversas alíneas do art.º 542° do Código de Processo Civil, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
· Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação onde não possam surgir dúvidas sobre a existência de dolo ou negligência grave, na actuação da parte.
· Ora, o que ocorreu neste caso foi um mero lapso na elaboração da Petição Inicial, pois onde se escreveu que a arrecadação é parte comum, deveria constar "acesso à arrecadação", pretendendo os Autores reportar-se ao acesso à arrecadação, onde a Ré coloca repetidas vezes o carro, bloqueando, com este acto, o acesso ao prédio por parte dos restantes condóminos.
· A existência de um lapso na Petição não constitui negligência grave dos Autores nem permite, ao abrigo do art. 542°, uma condenação por litigância de má-fé.
· No momento em que descobriram esse lapso, imediatamente os Autores elucidaram o Tribunal da sua existência, cumprindo o seu dever de colaboração, pelo que os Autores nunca poderiam ter sido condenados como litigantes de má-fé.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, sendo esta substituída por decisão que condene a Ré no pedido, devendo os Autores ser absolvidos da condenação como litigantes de má-fé, com o que se fará Justiça.
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A ré contra-alegou, concluindo no sentido da improcedência da apelação, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
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Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este tribunal da Relação, tendo, pelo ora relator, sido proferido o despacho de fls. 215-219, com a Refª 12526817, nos termos do qual foi determinada a sua devolução à 1.ª instância, para que o tribunal a quo:
· decidisse se havia lugar à condenação dos autores no pagamento de uma indemnização à ré por litigância de má-fé; e em caso afirmativo,
· fixasse o respestivo montante indemnizatório.
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No cumprimento desse despacho, o tribunal a quo proferiu a decisão de fls. 324-325, datada de 19 de março de 2018, com Refª 373692642, condenando os autores a pagarem à ré, «a título de indemnização por litigância de má-fé, a quantia de € 459,00.»
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Inconformados com tal decisão, dela vieram os autores interpor recurso, nos termos constantes de fls. 226-230, concluindo assim a respetiva alegação:
· O presente recurso é admissível.
· O douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não fez um julgamento correcto, ao condenar os Autores como litigantes de má-fé e em indemnização à contra-parte.
· Conforme já referido em sede de recurso de sentença, ocorreu apenas um mero lapso de escrita na Petição Inicial, sendo que, quando tal foi apontado pela Ré, imediatamente os Autores elucidaram o Tribunal de que se tratava apenas de lapso, em pleno cumprimento do princípio da cooperação e tendo litigado de boa-fé.
· Não se pode, portanto, entender que os Autores actuaram, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
· No caso em apreço, nunca se poderia entender que estamos perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a existência de dolo ou negligência grave, na actuação da parte, pelo que os Autores nunca poderiam ter sido condenados como litigantes de má-fé à luz do disposto no artigo 542º do Código de Processo Civil.
· Ainda que assim não se entenda, o certo em que não apresentou a Ré qualquer suporte probatório relativamente ao pagamento de qualquer indemnização, tendo tal sido reconhecido pelo douto Tribunal a quo, que condenou os Autores a pagarem à Ré € 459,00, a título de reembolso do pagamento da taxa de justiça.
· Ora, verifica-se, portanto, que nenhum dano teve a Ré com a acção intentada pelos Autores, sendo que o pagamento das custas lhe seria sempre devido, caso fosse parte vencedora no processo, a título de custas de parte, nos termos do artigo 25º e 26º do Regulamento de Custas Processuais.
· Como se pode verificar, nem se pode considerar que os Autores tenham litigado de má-fé, dado a sua actuação ter sido sempre conforme o princípio da cooperação e tendo apenas procurado corrigir um lapso de escrita na Petição Inicial, como não teve a Ré qualquer prejuízo comprovado com a acção intentada, para além do pagamento de custas judiciais, cujo valor poderia sempre recuperar, em sede de custas de parte, caso fosse parte vencedora.
Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão em complemento à sentença recorrida, sendo esta substituída por decisão que absolva os Autores da condenação como litigantes de má-fé e em indemnização à Ré no valor de € 459,00, como que se fará Justiça.
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A ré contra-alegou, concluindo, também neste caso, pela improcedência da apelação e consequente manutenção do decidido.
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II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C. de 2013) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C. de 2013), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º, do C.P.C.). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do C.P.C. de 2013) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608º, nº 2, do C.P.C. de 2013, ex vi do art. 663º, nº 2, do mesmo diploma).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela recorrente, que o objeto da presente apelação está circunscrito às seguintes questões:
· saber se, à luz do objeto da ação, tal com configurado pelos autores na petição inicial, a ré deve ser condenada a retirar o seu automóvel da fração “B” de que é proprietária no prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito ... em Lisboa;
· saber se há lugar à condenação dos autores, em multa e no pagamento de uma indemnização à ré, por litigância de má-fé.
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
3.1 – Fundamentos de facto:
Na primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
· Os Autores são donos e legítimos proprietários da fracção E, correspondente ao 3.º Andar, do imóvel sito ... em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º x, da freguesia do Coração de Jesus, e inscrito sob o artigo y da matriz predial urbana da freguesia de Arroios.
· Conforme respectiva escritura constitutiva da propriedade horizontal, as fracções do imóvel têm as permilagens seguintes: Fracção A: 80/1000, Fracção B: 120/1000, Fracção C: 160/1000, Fracção D: 200/1000, Fracção E: 260/1000, Fracção F: 180/1000.
· A Ré é dona e legítima proprietária, e aí reside, da fracção B, correspondente ao rés-do-chão e arrecadação que tem entrada pelo n.º 5-A, do imóvel sito ... em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º x, da freguesia do Coração de Jesus, e inscrito sob o artigo y da matriz predial urbana da freguesia de Arroios.
· Na escritura constitutiva de propriedade horizontal referida em 2 consta “ (…) FRACÇÃO “B” – rés-do-chão com entrada pelo número cinco, composto de três divisões assoalhadas e ainda pela arrecadação que tem entrada pelo número cinco-A, com o rendimento colectável de onze mil e oitenta e quatro escudos, a que corresponde o valor matricial de duzentos e vinte e um mil seiscentos e oitenta escudos, a que atribuem o valor de cento e vinte mil escudos, ou se seja doze por cento do valor total do prédio; (…) “.
· A Ré tem utilizado a indicada arrecadação para guardar o seu automóvel.
· A ré pagou € 459,00, a título de taxa de justiça.
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A primeira instância considerou não provados os seguintes factos:
· Os honorários da mandatária da ré foram no montante de € 2.000,00;
· A mandatária da ré teve despesas de expediente, cópias, certidões e telefonemas, e que as mesmas foram no montante de € 75.00;
· A ré pagou à sua mandatária a quantia de € 2.075,00, a título de honorários e de despesas.
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3.2 – Apreciação do mérito do recurso:
Como é sabido, o objeto do processo é constituído por dois elementos: o pedido e a causa de pedir.
A título meramente exemplificativo:
· Manuel de Andrade identifica o objeto da ação através do pedido e da causa petendi, concluindo que «o objecto da acção - e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde - se identifica através do pedido e da causa de pedir».
· Sousa e Brito refere que «o objeto só pode ser a pretensão como efeito jurídico afirmado, que é centro de referência do movimento do processo, mesmo que a ação seja improcedente e não exista nenhuma pretensão de direito substantivo. É um conceito processual.».
· Remédio Marques afirma que «a causa de pedir (factos que servem de fundamento à acção: artigo 467º/1, alínea d), do C.P.C.[95/96]) e o pedido, a concreta pretensão (artigo 467º/1, alínea e), do C.P.C.[95/96]), enquanto efeito jurídico pretendido pelo autor, formam o objeto do processo civil.».
· França Gouveia considera que «a causa de pedir é, a par do pedido, um elemento constitutivo do objecto do processo.».
· Para Rita Lobo Xavier et al., «o objeto do processo resulta da conjugação de dois elementos: o pedido (petitum) e a causa de pedir (causa petendi).».
· Teixeira de Sousa assinala que «o objecto [do processo] é constituído por dois elementos, sobre os quais as partes possuem completa disponibilidade: o pedido e a causa de pedir.».
· Noutro trabalho, já Teixeira de Sousa afirmava que «a constituição bilateral do objecto processual por um elemento de conteúdo - a pretensão processual individualizada - e por um elemento de função - a tutela jurisdicional pretendida - reflecte a dualidade do objecto do processo, o que permite definir o pedido adjectivo como a função processual requerida para uma individualizada pretensão processual e o objecto adjectivo como a afirmação de uma individualizada situação jurídica para a qual é requerida uma forma de tutela jurisdicional. Por isso, o objecto do processo é necessariamente dual, pois sem causa de pedir não há individualização da pretensão processual e sem pedido não existe requisição de tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada. O que significa, em resumo, que no objecto processual existe um aspecto de individualização, a causa de pedir e a pretensão processual individualizada, e um aspecto de função, a forma de tutela judiciária requerida.».
Assim, o objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando a causa de pedir, não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença.
São, de acordo com Teixeira de Sousa, duas as razões fundamentais para a integração da causa de pedir no objeto do processo: «por um lado, a necessidade de delimitar a pretensão processual, que na ação aparece integrada no pedido, em face de outras pretensões alicerçadas em diferentes razões de facto; por outro, a imperiosidade de permitir que o caso julgado incida não apenas sobre a pretensão mas também sobre os diretos fundamentos da sentença.».
Trata-se, como igualmente refere França Gouveia, de uma integração conceptual (do pedido e da causa no objeto do processo), que decorre indiretamente da lei e é aceite pela doutrina.
A palavra objeto é referida nalguns artigos do C.P.C./2013, sendo interpretada no sentido de integrar aqueles dois elementos: pedido e causa de pedir. O argumento mais importante está relacionado com o art. 581º, onde se encontram definidos os elementos que permitem a identificação da ação, deduzindo a sua identidade.
Vejamos, então, qual é, in casu, o objeto do processo, tal como os autores o configuram na petição inicial com que introduziram em juízo a presente ação.
Os autores pedem que a ré seja «condenada a deixar a arredação livre e desocupada.»
O pedido formulado numa ação declarativa tem de ser fundamentado, o que significa que tem de assentar numa causa de pedir constituída pelos factos necessários à individualização da pretensão material deduzida pelo autor, sendo o seu critério delimitador necessariamente jurídico, o que quer dizer que é a previsão de uma norma jurídica substantiva que fornece os elementos para a construção de uma causa petendi enquanto conceito processual edificado a partir do direito substantivo, e que fixa, nos processos respeitantes a direitos disponíveis, os limites do conhecimento do juiz, de acordo com os arts. 5º, nº 1 e 615º, nº 1, al. d), do C.P.C..
A causa de pedir não é, por isso, um quid jurídico abstrato, não é o próprio direito subjetivo em crise, nem é um mero facto sem nenhuma ligação normativa, nem ambos, ou seja, o facto jurídico abstrato ou a relação jurídica tal como configurada por lei.
É isso, de acordo com Rui Pinto, o que resulta do conceito legal enunciado no art. 581º, nº 4, do C.P.C., o qual tem por base o facto jurídico concreto, o que quer dizer que a causa petendi é constituída por factos dotados de eficácia jurídica, isto é, por factos jurídicos em cuja eficácia se encontra o efeito tutelar que o autor pede ao tribunal.
Por conseguinte, ao autor não basta formular um pedido, impondo-lhe a lei que o fundamente de facto e de direito (art. 552º, nº 1, al. d) do C.P.C.), o mesmo é dizer, e uma vez que a teoria da substanciação permanece, inequivocamente, consagrada no sistema processual civil português, que indique na petição inicial os factos constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer ou negar em juízo, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma, factos esses que, alegados como fundamento do pedido, constituem a causa de pedir (art. 581º, nº 4, do C.P.C.).
A causa de pedir consiste, assim, no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo, pelo que a relação de causa e efeito entre pedido processual e facto jurídico, outra coisa não quer dizer que não seja que a causa petendi é a causa da procedência do pedido. De outra forma dizendo, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.
Ora, a causa de pedir através da qual os autores fundamentam o pedido formulado nesta ação consiste no invocado facto de a ré, condómina, tal como eles, do prédio urbano sito na Calçada de Santo António, n.º 5, em Lisboa, utilizar uma arrecadação que, segundo alegam, constitui parte comum do prédio, impedindo os demais condóminos de igualmente a utilizarem.
Nisto, e só nisto, consiste a causa de pedir que serve de pedido que formulam na petição inicial, no sentido de a ré ser «condenada a deixar a arrecadação livre e devoluta.»
Temos, assim, definido o objeto desta ação!
Competia, evidentemente, aos autores o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu alegado direito a verem a ré condenada a deixar a arrecadação livre e desocupada.
Ou seja, à luz do disposto no art. 1405.º, n.º 1, ex vi do art. 1422.º, ambos do C.C., competia-lhes alegar e provar, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do mesmo código:
· a sua qualidade de condóminos;
· que a arrecadação é parte comum do prédio;
· que a ré a vem utilizando para fins próprios;
· que essa utilização impede os demais condóminos de igualmente a utilizarem.
Ora, os autores lograram provar:
· a sua qualidade de condóminos, pois está demonstrado que são donos da fracção “E”, correspondente ao 3.º andar, daquele prédio;
· a qualidade de condómina da ré, pois está demonstrado que é dona da fração “B, correspondente ao rés-do-chão e arrecadação que tem entrada pelo n.º 5-A, daquele prédio;
· que a ré tem utilizado a arrecadação para guardar o seu automóvel.
Não lograram, no entanto, fazer prova de que a arrecadação seja parte comum do prédio.
Aliás, aquilo que se provou é que na escritura constitutiva de propriedade horizontal daquele prédio consta «(…) FRACÇÃO “B” – rés-do-chão com entrada pelo número cinco, composto de três divisões assoalhadas e ainda pela arrecadação que tem entrada pelo número cinco-A, (…).»
Ou seja, está provado que a arrecadação é parte integrante da fração de que a ré é proprietária, e não parte comum do prédio.
Perante isto, à luz do objeto da ação, ou seja, do pedido formulado pelos autores na petição inicial e da causa de pedir que lhe subjaz:
· a ação não poderia deixar ser julgada improcedente, como foi, com a consequente absolvição da ré dos pedidos consistentes na sua condenação:
· a «deixar a arrecadação livre e desocupada»;
· no pagamento de uma quantia mensal, a título de sanção pecuniária compulsória à razão de € 300,00 mensais até cessação da utilização da arrecadação.
· o presente recurso não poderá deixar de ser julgado improcedente, com a consequente confirmação da sentença recorrida, naquele seu segmento absolutório,
sendo totalmente carecido de fundamento o pretendido pelos apelantes em sede de recurso, em cujas alegações e conclusões, incompreensivelmente, persistem na invocação, não apenas de uma causa de pedir diferente da invocada na petição inicial, mas também de uma diferente causa de julgar.
Independentemente de, ao contrário do afirmado pelos apelantes no ponto 4. das conclusões da motivação do recurso, o pedido dos autores não se reportar à condenação da ré a retirar o automóvel da arrecadação (que, contrariamente ao por eles alegado na petição inicial, não constitui parte comum do prédio, sendo, antes, parte integrante da fração da ré), mas, antes, à condenação da ré a deixá-la livre e desocupada, temos que:
- na petição inicial, invocam, como já se disse, o facto de a ré utilizar uma arrecadação, parte comum do prédio, impedindo os demais condóminos de igualmente a utilizarem;
- agora, em sede de recurso, admitindo que a arrecadação é de uso exclusivo da ré, afirmando que «continua a existir alteração do fim da mesma, não sendo permitido à Ré utilizá-la para recolha do seu automóvel», e fazendo tábua rasa do decidido no mencionado acórdão desta Relação proferido nestes autos, com data de 10 de novembro de 2016, acima referido, persistem, com surpresa, na invocação de uma causa de pedir diversa da alegada na petição inicial, consistente, afinal, em seu entender, na utilização da arrecadação pela ré para fim diferente daquele a que a mesma se destina.
E após indevida invocação, em sede de recurso, de uma causa de pedir diferente da alegada na petição inicial, argumentado que, de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 3, do C.P.C., o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação de direito, pugnam para seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que, além do mais, condene a Ré no pedido.
Independentemente da óbvia impossibilidade legal de invocação, em sede de recurso, de uma nova causa de pedir, não se compreende como poderia a ré ser condenada a deixar «livre e desocupada» uma arrecadação (é este o pedido formulado pela autora) que lhe pertence, pois faz parte integrante da fração autónoma de que é proprietária, no prédio sito na Calçada de Santo António, n.º 5, em Lisboa.
Como ensina Alberto dos Reis, «a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia; é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio ventilado entre o autor e o réu.».
Questiona o Ilustre Processualista: «Basta que o juiz olhe para as conclusões (ou pedidos) da petição inicial e para as conclusões da contestação? Com tais elementos ficará habilitado a determinar quais as questões postas pelas partes?»
E logo responde: «É evidente que não.
(…) para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados: é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras, além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir) (…), também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido (causa de pedir).
Por isso é que Rocco, no desenvolvimento do princípio da coincidência entre a acção e a sentença, afirma que só há identidade entre a questão posta pelas partes e a questão resolvida pelo juiz quando uma e outra reunirem três elementos comuns: sujeitos, objecto (as pretensões jurídicas a que as partes aspiram) e o facto jurídico ou causa jurídica de que fazem derivar essas pretensões (…).
O juiz tem de atender às conclusões ou pedidos que as partes formulam nos articulados e às razões ou causas de pedir que elas invocam.
(…)
Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, (…) que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar (causa judicandi). Já Mattirolo advertia: Deve anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via da acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões.».
A propósito da questão ora em apreço, afirma Vaz Serra: «(…) o tribunal não tem liberdade absoluta na qualificação jurídica da causa de pedir, a qual não lhe é reconhecida por lei: o que ela (Cód. Proc. Civil, art. 664º) lhe impõe é a qualificação jurídica da causa de pedir independentemente da feita pelo autor, sem que, por isso, seja lícito ao tribunal convolar oficiosamente para outra causa de pedir.
(…) não pode, porém, o tribunal substituir à causa de pedir invocada pelo autor uma outra.
Assim, não é permitido ao tribunal alterar ou substituir a causa de pedir, isto é, o facto jurídico que o autor invocara como base da sua pretensão, de modo a decidir a questão submetida ao veredicto judicial com fundamento numa causa que o autor não pôs à sua consideração e decisão.».
Assim, o juiz terá que respeitar na sentença, não só o pedido mas também a causa de pedir.
Ou seja, na sentença, e de modo a respeitar o comando contido no art. 609.º, n.º, do C.P.C., «tem que haver identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, ou seja, sem embargo de o tribunal ser livre na qualificação jurídica dos factos, tem de manter-se, ao julgar, dentro da causa de pedir invocada pelo A.».
Por outras palavras, e tal como decidido no Ac. da R. E. de 10.03.1988, B.M.J. 375º, 468, «o tribunal não pode decidir fora dos limites do pedido e da causa de pedir.».
Dito ainda de outro modo: «Os limites objectivos da sentença estão condicionados pelo objecto da acção, integrado não só pelo pedido formulado mas, ainda, pela causa de pedir.».
A sentença tem, assim, que se conter:
· nos limites quantitativos e qualitativos do pedido formulado; e ainda,
· nos limites do objecto da causa aferidos, não só pelo pedido, mas também pela causa de pedir, que o juiz tem que respeitar, sob pena de:
· violação do citado nº 1 do art. 609.º do C.P.C.;
· incorrer, por excesso de pronúncia, na nulidade a que se reporta a al. e) do do nº 1 do art. 615.º do C.P.C..
Estabelecem, por seu turno, os arts. 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1 al. d) do C.P.C., que o juiz deve resolver todas as questões (todas as questões, e não todos os argumentos utilizados para as fundamentar) que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de, não o fazendo, a sentença ser nula.
Ou seja, as questões que o juiz tem que resolver na sentença e cuja omissão acarreta a nulidade cominada na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., são aquelas que fundamentam o pedido e a causa de pedir.
Assim, pois, e em resumo, as questões sobre as quais o juiz está obrigado a pronunciar-se na sentença, são apenas aquelas que integram o pedido e a sua fundamentação ou seja, a causa de pedir, sendo que tanto aquele como esta são apenas e necessariamente vertidos nos articulados e suas alterações processualmente previstas.
No entanto, há que atentar nas judiciosas palavras de Vaz Serra: «Mas pode bem suceder que a causa de pedir invocada expressamente pelo autor não exclua uma outra que, por integração da petição, possa considerar-se compreendida naquela. Em causa deste género, a indicação feita pelo autor, da causa de pedir tem de ser entendida de modo a corresponder ao sentido que ele quis atribuir a essa indicação, desde que tal sentido possa valer nos termos gerais da interpretação das declarações de vontade.».
«Este requisito, afirma o mesmo Autor, resulta da necessidade de ao demandado ser dada a possibilidade de conhecer a causa de pedir, a fim de poder defender-se nessa base.».
Isto para esclarecer, e retornando ao caso concreto, que pedindo os autores na petição inicial a condenação da ré a deixar livre e desocupada uma arrecadação que dizem ser parte com do prédio sito na Calçada de Santo António, n.º 5, em Lisboa, por tal utilização impedir os restantes condóminos de também a utilizarem, nunca poderiam os autores obter tal condenação com base no facto de, provando-se não ser a arrecadação parte comum do prédio, mas parte integrante da fração da ré, esta a utilizar para fim diferente daquele a mesma se destina.
Uma palavra quanto do termo inicial da sanção pecuniária compulsória.
Os autores pedem a condenação da ré «ao abrigo do art. 829.º-A do Código Civil Anotado, numa sanção pecuniária compulsória de € 300 mensais, até que cesse a utilização da mesma arrecadação, desde a citação e até à desocupação da mesma.»
Não há, pelo exposto, lugar à aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória!
Há no entanto, um aspeto que não pode deixar de ser referido!
Dispõe o art. 829.º-A, do C.C.:
1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
A norma foi aditada pelo Dec. Lei n.º 262/83, de 16.06, de cujo preâmbulo consta, além do mais, o seguinte:
«(...)
5. Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das “astreintes”, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um caráter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.
A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis (...).»

O n.º 1 do art. 829.º, do C.C., consagra uma forma de coerção privada, uma manifestação punitiva no direito civil, tendo por fim coagir o obrigado judicialmente à prestação de um facto infungível, positivo ou negativo.
Trata-se de uma sanção umbilicalmente ligada a uma sentença de condenação de um facto daquela natureza, transitada em julgado.
Conforme decorre daquele normativo, na parte em que refere que «(...) o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia (...)», tal sanção não opera automaticamente, contrariamente ao que ocorre relativamente à previsão contida no n.º 4 do artigo.
É uma sanção que, conforme vem sendo pacificamente entendido, constitui, na sua essência, uma ameaça equivalente, ressalvadas as devidas proporções, à previsão penal quanto a determinado comportamento, devendo o visado ficar bem ciente das consequências do seu comportamento incumpridor.
Ora, como não há pena sem lei, não pode haver sanção pecuniária compulsória sem despacho a cominá-la, o que quer dizer que a penalidade só produz pleno efeito, podendo, então, justificar o efetivo sancionamento por incumprimento, a partir do momento em que a comunicação ao obrigado se mostre consolidada na ordem jurídica, o que apenas sucede através do respetivo trânsito em julgado, sem prejuízo é claro do trânsito da própria decisão que fixa a obrigação.
Isto, claro está, sem prejuízo de o juiz fixar um termo inicial diverso, mas sempre posterior a tais datas.
Em regra, a cominação da sanção pecuniária constará da mesma decisão, a qual só após o trânsito em julgado produzirá os respetivos efeitos.
Ou seja, como meio judicial de constrangimento a sanção pecuniária compulsória só tem sentido no caso de se destinar a operar para o futuro, pois não pode constranger-se a alguém a cumprir num tempo que já passou.
Conforme refere Calvão da Silva, «nem só as modalidades e os critérios de fixação da sanção pecuniária compulsória são confiadas ao poder do juiz. Também o termo a quo – o momento a partir do qual a sanção pecuniária compulsória decretada começa a produzir efeitos – é entregue à soberania do tribunal. Noutros termos: o juiz é livre de fixar o ponto de partida partida da sanção pecuniária compulsória, decidindo que ela é ordenada para começar a correr e a produzir efeitos a partir do termo inicial que determina
Logicamente, o juiz deverá fixar um termo a quo que respeite e até potencie a natureza e as finalidades da sanção. Assim, nesta óptica, não poderá o tribunal fixar uma data anterior à própria decisão que a ordena. Tal equivaleria a fazer retroagir a sanção compulsória, o que estaria em total oposição ao carácter coercitivo e preventivo de medida destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito da condenação judicial. Solução inaceitável, portanto, já que, sendo medida coercitiva, a sua exigibilidade não pode ter lugar antes de ser ordenada, sendo ilógico o efeito retroactivo a uma data anterior à decisão que a decreta.
Não nos parece sequer que o termo inicial possa ser fixado pelo tribunal no próprio dia da sentença de condenação ou mesmo no dia da notificação desta ao devedor adstringido. Também estas datas não se nos apresentam como conformes à natureza do mecanismo.».
Isto para dizer que, no caso concreto, mesmo que a ela houvesse lugar, e não há, nunca o termo inicial da sanção pecuniária compulsória poderia ser reportado à data da citação da ré.
E quanto à questão da litigância de má-fé dos autores?
Os autores foram condenados por litigância de má-fé:
· na sentença recorrida, em multa, cujo quantitativo foi fixado em 4 UC’s;
· na decisão de fls. 324-325, igualmente recorrida, a título de indemnização à ré, na quantia de € 459,00.
Na sentença recorrida o tribunal a quo fundamenta assim, a decisão referida a) supra:
«Segundo o disposto no artigo 542.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, a parte que tiver litigado de má-fé será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir, e diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/07/2012 (disponível em texto integral em www.dgsi.pt, processo n.º 5367/09.2TBGMR-A.G1), “A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.”.
Desde a reforma operada em 1995 no Código de Processo Civil, é assim também considerada como consubstanciadora de má-fé a lide temerária.
Vejamos.
Perante o supra citado expresso teor do título constitutivo da propriedade horizontal, designadamente no que concerne à fracção da Ré e que os próprios Autores juntaram ab initio à petição inicial, é de concluir que os mesmos, com negligência grave, deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar – artigo 542.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, tendo ligado assim de má-fé.».
Na decisão de fls. 324-325, igualmente recorrida, o tribunal a quo fundamenta assim, a decisão referida em b) supra:
«Face aos termos da sentença proferida nos presentes autos, designadamente quanto ao segmento decisório relativo a litigância de má-fé por parte dos Autores, cumpre então, em complemento da mesma sentença, atribuir, face à factualidade que resultou supra, indemnização simples e respectivo montante nos termos previstos no artigo 543.º, n.ºs 1, al. a) e n.º 3, do Código de Processo Civil.
Tem a Ré, desde logo, direito ao reembolso da quantia de € 459,00 que suportou nos autos a título de taxa de justiça.»
Dispõe o n.º 1 do art. 542.º do C.P.C., que «tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir».
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, além do mais, tiver deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (art. 542.º, n.º 2, al. a), do C.P.C.).
Aquilo que configura uma situação de litigância de má-fé nos termos do art. 542.º do C.P.C., é a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente.
O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação (arts. 7.º, n.º 1 e 8.º do C.P.C.), sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão manifestamente infundadas (cit. art. 542º, n.º 2, al. a), do C.P.C.).
Conforme refere Paula Costa e Silva, «na evolução deste tipo, o conhecimento efetivo quanto à falta de fundamentação foi substituído pela exigibilidade desse conhecimento. É compreensível a razão da alteração. Pressupor, para a condenação da parte, que fosse dado como provado o facto de que esta sabia efetivamente que a pretensão ou defesa apresentadas careciam de fundamento equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra. Seriam seguramente escassas as situações em que, através de índices disponíveis, se pudesse inferir o conhecimento da parte quanto à falta de fundamento da pretensão ou da defesa. Ora, bastando-se a lei com a exigibilidade de conhecimento - e, com esta referência, fazendo apelo implícito a uma boa fé subjetiva porque dependente de um estado de conhecimento efetivo ou exigível do agente -, a prova do facto pode ser feita a partir de índices externos, construídos sobre a parte média. Mesmo que a parte alegue a sua boa fé, entendida esta em sentido subjetivo, litigará de má-fé se, não obstante não conhecer a falta de fundamento da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse.».
Note-se que na redação anterior à revisão do C.P.C. operada em 1995/1996, a lei considerava designadamente litigante de má-fé «o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava».
Ora, com aquela revisão substituiu-se a necessária consciencialização da falta de fundamento traduzida na expressão «não ignorava» pela mencionada exigibilidade de consciencialização, evidenciada pela expressão «não devia ignorar», o que constitui corolário da consagração pela lei da responsabilização como litigante de má-fé não apenas daquele que agiu com dolo, mas também daquele que incorreu em negligência grave (cfr. art. 456.º, n.º 2, do C.P.C./61, a que corresponde o artigo 542.º do C.P.C./2013.
Na vigência do C.P.C./39, no qual era considerado litigante de má-fé aquele que «tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer», expressão que inculcava a ideia de que a litigância de má-fé se bastaria com a negligência grave, já Alberto dos Reis defendia que a boa fé no litígio é perfeitamente compatível com a lide simplesmente imprudente e também com a lide temerária.
Na verdade, referia o citado processualista que «mesmo no caso de culpa grave ou de erro grosseiro, o litigante está convencido de que tem razão; o que sucede é que não empregou a diligência, que devia empregar, para desfazer o seu erro.
É em harmonia com esta doutrina que deve interpretar-se a frase “cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer”. Esse passo é mera explanação do estado de alma a que cabe a designação de má-fé e deve, por isso, entender-se de acordo com o traço característico essencial: consciência de não ter razão. Não basta, pois, o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada.».
Este entendimento foi reiterado com a revisão de 1961 que visou dissipar quaisquer dúvidas que pudessem subsistir com base na aludida expressão que foi substituída pelas palavras «cuja falta de fundamento não ignorava».
A este propósito refere Eurico Lopes Cardoso, que o alcance desta disposição «passou, por conseguinte, a ser diferente», texto que se manteve até à revisão de 1995/1996 com a qual, declarada e vincadamente, se passou a afirmar a responsabilização do litigante de má-fé que age com negligência grave.
Na revisão do C.P.C. de 1961, a propósito do artigo 465.º do C.P.C./39 correspondente ao artigo 456.º do C.P.C/61, observou-se que se «retocou o n.º2, para deixar bem clara a ideia de que mesmo na 1.ª das variantes abrangidas pela noção legal de má-fé se exige um verdadeiro dolo, não bastando a simples culpa, por mais grave que seja.».
Assim, à luz da classificação das lides exposta por Alberto dos Reis em lides cautelosas, lides simplesmente imprudentes, lides temerárias e lides dolosas dizer-se que hoje a condenação como litigante de má-fé deve ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária sendo esta última aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar», ou seja, não é agora necessário, para ser sancionado, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão, pois é suficiente a demonstração de lhe ser exigível essa consciencialização.
A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um.».
No entanto, não deve confundir-se litigância de má-fé com:
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer.
No tocante à al. a) do n.º 2 do art. 542.º, do C.P.C., e na parte que ora nos interessa, esclarece Paula Costa e Silva que «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.».
Ou seja, é bastante que à parte seja exigível um tal conhecimento, cabendo-lhe indagar se, no caso concreto, a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito.
Como observa a Autora a que nos vimos reportando, «a parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável.».
A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste, como afirma a mesma Autora, «equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra.».
Ainda de acordo com Paula Costa e Silva, a aferição do dever de diligência da parte pode resumir-se: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.».
Retornando ao caso sub judice, à luz dos considerandos que vêm de ser tecidos, não se nos suscitam dúvidas sérias de que os autores litigam de má-fé, pois, com negligência grave, deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar.
Conforme se tem enfatizado, os autores alegam a utilização, pela ré, em proveito próprio, de uma arrecadação que afirmam ser parte comum do prédio sito na Calçada de Santo António, n.º 5, em Lisboa, impedindo que os demais condóminos do prédio também a utilizem e, por isso, pedem a sua condenação a deixar tal arrecadação livre e desocupada.
É evidente que sendo os autores, tal como a ré, condóminos daquele prédio, lhes era elementarmente exigível que antes da instauração da ação, se inteirassem acerca da efetiva situação da arrecadação, ou seja, indagassem se a mesma era, efetivamente, parte comum do prédio, ou ser era parte integrante de outra fração, no caso da fração de que a ré é proprietária.
Para tal, bastaria, desde logo, uma simples leitura do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio, título esse que qualquer condómino tem, por razões óbvias, obrigação de conhecer.
Por outras palavras, é manifesto que os autores, antes de instaurarem a ação, não empregaram a mais pequena diligência, que, repete-se, passava pela simples leitura do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio de que são condóminos, e que podiam e deviam ter realizado, para se inteirarem da razoabilidade, do fundamento da pretensão que vieram deduzir contra a ré.
Em suma, pois, os autores:
· não podiam razoavelmente desconhecer a falta de fundamento da pretensão que deduziram contra a autora;
· foram grosseiramente imprudentes ao instaurarem a ação nos termos em que o fizeram;
· atuaram sem o mínimo de diligência que lhes era exigível, e que lhes teria facilmente dado conta da total ausência de razão quanto à pretensão que deduzem contra a ré.
Qualquer pessoa medianamente diligente, colocada na concreta situação dos autores, teria tido o elementar cuidado de (re)ler o título constitutivo da propriedade horizontal e, consequentemente, ter-se-ia abstido de instaurar esta ação, pois logo concluiria que a sua pretensão era destituída de fundamento.
Tal como afirmado por Paula Costa e Silva, só sujeitos extremamente desleixados teriam agido como os autores agiram.
Em resposta à contestação, os autores alegam que cometeram um lapso de escrita na petição inicial, pelo que onde ali de lê «arrecadação» deveria ler-se «acesso à arrecadação», pois era a este que pretendiam referir-se.
Pugnaram, nesse articulado, para que o tribunal permitisse a correção da petição inicial em sede de despacho pré-saneador, nos termos do art. 590.º, n.º 2, al. b), do C.P.C., partindo, a partir daí, para a alegação de novos factos que mais não significaram do que uma tentativa de alteração da causa de pedir.
Sucede que no citado acórdão desta Relação proferido nestes autos, com data de 10 de novembro de 2016, decidiu-se o seguinte:
«Ora, quando os AA. dizem que a arrecadação se presume parte comum do prédio, que a Ré está a utilizá-la como garagem e que assim impede a utilização da arrecadação por outros condóminos, e pedem a condenação da Ré a deixar livre e desocupada a arrecadação, não há nisto nenhuma imprecisão ou deficiência articular. Se a arrecadação é parte comum, a Ré não a pode utilizar de modo que exclua o uso pelos demais condóminos, logo tem de a desocupar.
A petição inicial estava pois muito bem articulada e suficiente, não sendo caso do juiz determinar o seu aperfeiçoamento.
Voltando ao lapso manifesto, renovamos o parágrafo anterior: os AA. dizem que a arrecadação é parte comum, que a Ré a utiliza de modo a excluir a utilização por outros condóminos, logo condene-se a Ré a entregá-la. Nesta linearidade perfeita, não se revela em lado algum que o que os AA. tinham querido dizer era que o acesso à arrecadação era parte comum do prédio, que a Ré usava o acesso à arrecadação de modo exclusivo, e que por isso devia desocupar o acesso à arrecadação. Também não resulta sequer que afinal o acesso à arrecadação fosse comum ao acesso ao prédio, que o acesso tanto à arrecadação como ao prédio se fizessem pelo passeio existente na frente e no exterior do prédio e que portanto este acesso à arrecadação fosse parte comum do prédio. Quer dizer, na economia de redacção da petição inicial, no contexto desta, não se gera nenhuma suspeita que os AA. tivessem querido dizer "acesso à arrecadação" em vez de "arrecadação". Não era assim possível deferir a rectificação da PI.
De resto, tendo sido apenas pedida a rectificação da petição inicial sem menção expressa de que o pedido seria rectificado também, chegaríamos à contradição de se alegar a utilização indevida do acesso à arrecadação e de se pedir a condenação a deixar a arrecadação - e não o seu acesso - livre e desocupada.
Não é pois possível a alteração da causa de pedir.
(...).».
É, assim, evidente, que os autores, ao alegarem o que alegaram na petição inicial, e ao formularem, naquele articulado, a pretensão que formularam, não o fizerem por lapso, tendo, antes, plena consciência daquilo que estavam a alegar, e da pretensão que estavam a formular, e de cuja falta de fundamento tinham mais do que obrigação de estar cientes.
Postura que, aliás, como se viu, não deixaram de manter até ao último momento, conforme decorre do teor das alegações que produziram e das conclusões que formularam no âmbito do presente recurso, onde, reitera-se olvidando que os recursos são meio impugnatórios de decisões judiciais, visando tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo, persistem na invocação de uma causa de pedir diferente da alegada na petição inicial, a qual, diga-se, nunca poderia sustentar o pedido de condenação da ré «a deixar a arrecadação [de que é proprietária] livre e desocupada».
Nenhuma censura merece, pois, a condenação dos autores como litigantes de má-fé.
A esse título, o tribunal a quo condenou os autores:
· em multa, cujo quantitativo fixou em 4 UC’s; a merecer qualquer tipo de censura este segmento decisório seria por, eventualmente, aquele montante pecar por escasso;
· a pagarem à ré, a título de indemnização, a quantia de € 459,00, correspondente ao valor global da taxa de justiça por eles paga neste processo.
Nos termos do art. 543.º, n.º 1, als. a) e b), a indemnização pode consistir:
- No reembolso das despesas a que a má-fé do litigante tenha obrigado a parte contrária (...);
- No reembolso dessas despesas (...).
Os autos documental que a ré pagou, efetivamente, a título de taxa de justiça, a quantia de € 459,00.
Foi este, efetivamente, o valor da taxa de justiça que os autores pagaram no âmbito dos presentes autos conforme decorre de fls. 59 (€ 306,00) e 126 (€ 153,00).
Logo, nenhuma censura merece, também nesta parte, a decisão recorrida.
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IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedentes as apelações, mantendo, em consequência, as decisões recorridas.
Custas pela recorrente – art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 9 de Outubro de 2018

José Capacete

Carlos Oliveira

Diogo Ravara
Decisão Texto Integral: