Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CRISTINA LOURENÇO | ||
Descritores: | AERONAVE COMPRA E VENDA PAGAMENTO PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE ILISÃO DA PROPRIEDADE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - A prova do pagamento duma aeronave, por pessoa distinta daquela que figura como compradora no contrato de compra e venda e a favor de quem se mostra registado o bem, é insuscetível, de per si, de ilidir a presunção de propriedade derivada do registo (art.ºs 1º, nº 2, e 2º, do Código de Registo de Bens Móveis). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório A….., viúva, residente em (…), Suíça, cabeça de casal da herança aberta por óbito de T… intentou nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 362.º e ss. e 379.º do Código do Processo Civil, procedimento cautelar comum, contra R….., solteiro, residente na Rua ….., Lisboa, e contra “S…. Flights”, com sede em (….) Cardiff, UK CF3 5PX, alegando, em síntese, que o presente procedimento cautelar é requerido como preliminar de uma ação de reconhecimento da propriedade e consequente condenação na entrega de um avião particular que constitui bem da herança de T…, não obstante estar formalmente registado como sendo da 2.ª Requerida, a qual por sua vez tem como beneficiário efetivo último o 1.º Requerido, e tem por objetivo garantir a conservação do património da herança e a abstenção de atos de dissipação da mesma. * Realizada audiência sem audição prévia dos requeridos, foi proferida decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto, tudo visto e ponderado, o Tribunal julga totalmente procedente a presente providência cautelar e, consequentemente, decide: - determinar a entrega imediata pelos requeridos R…. e Stream…. à requerente A….., da aeronave Gulfstream G450, com o número de registo ….; - determinar a manutenção da posse do avião na pessoa da requerente até à decisão final; e - ordenar que os requeridos se abstenham da prática de quaisquer atos de disposição, oneração ou quaisquer outros sobre o referido avião. Custas pela requerente (art.º 539.º, n.º 1, do C.P.C.). Registe e notifique, sendo os requeridos com vista ao imediato e integral cumprimento do ordenado.” * Os Requeridos foram notificados da decisão que decretou a providência e deduziram oposição nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 372º, al. b), do Código de Processo Civil. Alegaram, em síntese, que a 2ª Requerida é a única dona e legítima proprietária da aeronave; que o 1ª Requerido apresentou, apenas, ao seu pai um projeto pessoal para a compra daquela e criação do seu próprio negócio; em consequência do qual aquele fez um empréstimo à sociedade Requerida para a aquisição da aeronave, tendo esta celebrado, em contrapartida, com o falecido T…, um acordo de reconhecimento de dívida em 5 de fevereiro de 2019, tudo com o conhecimento da ora Requerente. Deste modo, a 2ª Requerida tem uma dívida para com a herança de T…, a pagar até 5 de fevereiro de 2031. Com a entrega da aeronave à requerente a 2ª Requerida tem assumido o pagamento de diversas despesas, designadamente, com o pagamento da tripulação e pilotos do avião, e teve de recusar pedidos de voo por não ter a aeronave na sua posse, apresentando um prejuízo na ordem dos €3.250.000,00. Termina, pedindo seja julgada procedente por provada a oposição e em consequência seja declarada a revogação do procedimento cautelar de entrega do avião à Requerente, por não se encontrarem reunidos os pressupostos de que depende o seu decretamento, ordenando-se o seu imediato levantamento, com a restituição imediata da aeronave à 2ª Requerida; e condenando.se, ainda, a Requerente como litigante de má-fé e abuso de direito, em indemnização a apurar em execução de sentença. * Produzidas as provas oferecidas pelos requeridos, foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, nos termos do art.º 372º nº 3 do C.P.C., julga-se a oposição improcedente e em consequência decide-se manter a providência decretada, não julgando a Requerente incursa em litigância de má fé. * As custas da oposição serão suportadas pelos Requeridos. Registe e notifique.” * Os Requeridos não se conformaram com esta decisão, e dela vieram recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões: “A) O presente recurso tem por objecto a Sentença proferida nos autos de procedimento cautelar comum à margem identificado que, declarando improcedente a Oposição apresentada pelos ora Recorrentes, manteve as medidas cautelares decretadas sem contraditório prévio dos Requeridos, aqui Recorrentes. B) Os Recorrentes vem fundamentar o seu recurso, não só com base nos factos que foram considerados provados na sentença, assim como, com base em factos que, embora não tenham sido considerados como provados, deveriam tê-lo sido. C) Entendem os Recorrentes que a par do erro de julgamento, que o Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na apreciação da prova, nomeadamente nos aspectos expressamente referidos infra, cuja alteração se requer pelo presente recurso, após reapreciação da prova. D) Neste âmbito, os factos alegados pelos Recorrentes nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º e 29º da Oposição deveriam ter sido considerados provados pelo Tribunal a quo e não o foram. E) Devendo serem dados como provados e consequentemente aditados, os seguintes factos: - o negócio não se destinava à compra do avião por T…. (art.º 9º da Oposição); - a aquisição da aeronave passava por um empréstimo à sociedade Stream (art.º 17º da Oposição); - o falecido T… aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Requerida (art.º 19º da Oposição); - A Requerente tomou conhecimento do empréstimo (art.º 22º da Oposição, ainda que parcialmente); - T….. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de Fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5. (art.º 19º da Oposição); - T…. acordou conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de Fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida (art.º 29º da Oposição): Isto porque, F) Os factos alegados nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º (parcialmente quanto à Requerente) e 29º da Oposição foram confirmados pelas declarações do 1º Recorrente, mas também expressamente corroborados por depoimento da testemunha J.F., gestor e autor do plano de negócios para compra do avião, o qual afirmou exactamente no mesmo sentido que o 1º Recorrente. G) A testemunha J.F. corroborou expressamente que o negócio não se destinava à compra do avião por T… e que a aquisição da aeronave passava por um empréstimo à sociedade Stream, aqui 2ª Recorrente mais concretamente na passagem [00:02:00 a 00:02:15]. H) A testemunha J.F. elucidou que o negócio da compra do avião passava por arranjarem um investidor, tendo contactado com vários bancos nacionais e internacionais e depois surgiu o pai do 1º Recorrente que se propôs como financiador, tendo a testemunha ido pessoalmente apresentar o plano de negócios a casa do Dr. T…., na presença da sua mulher aqui Recorrida, no final de 2018 – e cfr. factos provados 1., 2., 3. e 4.. I) Estando a testemunha J.F. convicta que o avião não era para o Dr. T…. e, que não era este que ia comprar o avião, tendo ficado claro nessa reunião que era um negócio do 1º Recorrente R…., e que o Dr. T… era um mero investidor, como referido nas passagens [00:13:34 a 00:13:54]. [00:14:30 a 00:14:38]. J) No depoimento de J.F., na passagem [00:14:10 a 00:14:14], é referido a propósito da taxa de juro de 6%, constante do plano de negócios e, que se propunham pagar ao financiador no âmbito do empréstimo para aquisição da aeronave, que o Dr. T…. disse “...isto com o meu gestor até consigo melhores taxas”. L) Esta testemunha corrobora que a Requerente esteve presente nesta reunião, durante a apresentação do plano de negócios e discussão do mesmo, nomeadamente na passagem [00:09:40 a 00:11:50] (vide factos indiciariamente provados 4.). M) Questionada esta testemunha J.F., sobre quem é que iria ser o dono do avião, respondeu: “o dono era a Stream…” [00:28:50 a 00:29:00]. N) Também, a testemunha J.R.F., explicou que foi ver o avião a Tires e em brincadeira questionou o Dr. T…., que lá se encontrava com o filho R…., se tinha comprado um avião, ao que Dr. T… respondeu “são coisas do R….”, não tendo dúvidas que o Dr. T…. não disse que o avião era dele, sempre disse que era do 1º Recorrente, durante as passagens [00:02:14 a 00:02:45] e [00:03:58 a 00:04:05]. O) Referindo ainda esta testemunha que as pessoas referiam-se “ao avião do R…” [00:03:10 a 00:03:50]. P) A testemunha J.A…, primo direito da Requerente, nas passagens [00:02:34 a 00:03:41], quando questionado, referiu que num jantar em casa do Dr. T… e da Recorrida, o primo lhe disse “ ... que o R… queria comprar um avião “ e, que o primo não apresentava nessa altura nenhuma debilidade mental [00:4:00 a 00:04:43]. Q) Ainda com relevância, a testemunha T…R. responsável pela gestão comercial do avião, afirmou que fazia a venda dos voos para o Dr. R…, desde meados de Abril de 2019 até Setembro/Outubro de 2020, altura em que o avião saiu da alçada do 1º Recorrente [00:02:22 a 00:04:19] e que nunca conheceu o pai ou a mãe do 1º Recorrente [00:04:45 a 00:04:19]. R) Referindo a testemunha T…R. que a empresa (Stream”) era rentável e que vendia as horas de voo a €8.300,00/hora. [00:13:35 a 00:14:30]. S) Elucidou, esta testemunha, mais concretamente na passagem [00:14:33 a 00:14:50] que esteve sempre a fazer a pesquisa dos voos que o avião tem realizado desde que foi entregue à Recorrida, tendo o avião desde 20.10.2020 a 07.09.2022 efectuado 1197 horas de voo. T) De modo, a não julgar provados os factos constantes nos art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º e 29º da Oposição o Tribunal a quo não valorizou os depoimentos destas testemunhas e não relevou parcialmente as declarações de parte do 1º Recorrente, “na parte respeitante ao facto de o pai (T…) ser um mero financiador da aquisição e não o próprio adquirente da aeronave.”, considerando o depoimento das testemunhas inócuo, subjectivo e que, nada de concreto sabiam ou presenciaram sobre os termos do negócio subjacente à compra do avião. U) Ora, pelo facto, das testemunhas terem conhecimento de alguns factos, mas não terem conhecimento de outros, não é suscetível de, por si só, infirmar o seu depoimento ou retirar-lhe credibilidade, até porque os factos em causa – a saber, a compra do avião pela 2ª Recorrente e o financiamento do falecido T… para a sua aquisição – não são próprios, nem as testemunhas, têm um interesse próprio que pudesse justificar uma expectativa por parte do Tribunal a quo de que as testemunhas tivessem tomado maior atenção do que a que demonstraram à realização de um negócio no qual não são partes e que tem por objecto uma sociedade que não lhes pertence. V) As testemunhas (…) formaram a sua convicção de que o avião era do 1ª Recorrente de acordo com as conversas pessoais que tiveram com o Dr. T…, e a testemunha T…. R., enquanto gestor operacional da venda de voos do avião porque tem conhecimento directo de que o avião é da 2ª Recorrente. W) Salientando que a testemunha J.F. foi o autor do plano de negócios e que o apresentou pessoalmente ao Dr. T…, tendo afirmado em julgamento que procuravam um investidor que financiasse a compra do avião e, que o Dr. T… se propôs financiar a compra do avião, até porque conseguia uma taxa mais baixa de juro, beneficiando-se da diferença da taxa de 6% proposta pagar ao investidor, pelo não se pode aceitar, a fundamentação do douto Tribunal a quo de que não foi feita prova suficiente quanto ao empréstimo do Dr. T…. à 2ª Recorrente, porquanto entendeu o Tribunal que a “convicção desta testemunha de que o Dr. T…. era um mero financiador da aquisição da aeronave resultou do que lhe foi transmitido pelo 1º Requerido”. X) Pelo contrário, a testemunha J.F. tem conhecimento pessoal dos factos porque foi o autor do plano de negócios e porque o apresentou e explicou pessoalmente ao Dr. T…., afirmando no seu depoimento que o Dr. T… era um mero financiador na aquisição do avião. Y) Entendem os Recorrentes que resulta incompreensível à luz das regras de experiência comum, no que respeita ao desvalor parcial manifestado pelo Tribunal a quo às declarações de parte do 1º Recorrente relativamente à matéria de que a compra do avião era um negócio seu e que o pai era um mero financiador, tendo feito um empréstimo à 2ª Recorrente, sociedade constituída pelo 1º Recorrente para esta adquirir o avião e proceder à sua exploração comercial, quando foram corroboradas pelas testemunhas e pela prova documental junta à oposição. Z) Tal como resulta incompreensível à luz das regras de experiência comum a exigência manifestada na Douta Sentença recorrida, enquanto requisito de credibilidade parcial das declarações de parte do 1º Recorrente, que as testemunhas visadas, pudessem corroborar de forma cristalina e detalhada um negócio que não é próprio e no qual não tiveram envolvimento pessoal e que apenas ouviram ao falecido T…, que o avião era do seu filho R…. AA) Quando as regras de experiência comum impunham concluir que, nestas circunstâncias, o conhecimento vago e superficial dos factos, haveria isso sim, que conferir, credibilidade ao seu depoimento, por não ser expectável que tivessem conhecimento distinto de negócios nos quais não se encontravam diretamente envolvidos, e do qual tiveram conhecimento no âmbito de conversas informais com o Dr. T… BB) Em face dos depoimentos destas testemunhas, e das declarações de parte do 1º Recorrente, suportadas pelos documentos juntos à oposição, o Tribunal a quo, deveria ter dado como provado que o negócio não se destinava à compra do avião pelo Dr. T…, matéria alegada no art.º 9º da Oposição, CC) Bem como, deveria o Tribunal a quo, ter dado como provado que a aquisição da aeronave passava por um empréstimo do Dr. T…. à sociedade Stream - aqui 2ª Recorrente, matéria alegada no art.º 14º da Oposição. DD) Resultando ainda evidente que o falecido T… aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Recorrente, facto alegado no art.º 17º da Oposição que o douto tribunal a quo deveria ter dado como provado. EE) Ficando demonstrado, que, tendo presente a taxa de retorno de 6% proposta no plano de negócios ao financiador, o Dr. T…. considerou que conseguia com o seu gestor um taxa de juro mais baixa, o que levou a que tivesse contratado um empréstimo ao banco ao invés de emprestar o seu próprio dinheiro, mantendo o seu capital próprio a render e beneficiando da diferença entre a taxa de juro que pagava ao banco e a que iria receber por emprestar a quantia aos Recorrentes e corporizado no art.º 29 da Oposição. FF) Ademais, ofende o senso comum, a 2ª Recorrente confessar perante o tribunal ser devedora à herança de T…, da quantia de €10.964.000,00, se não fosse a legítima proprietária do avião. GG) Olvidou o douto Tribunal a quo, por outro lado, que o plano de negócios expressamente refere a palavra “financiamento”, o que foi cristalinamente explicado e corroborado pela testemunha J. F. e pelo 1º Recorrente (vide factos indiciariamente provados 1., 2., 3., 4.). HH) Em consequência, o alegado no art.º 19º da Oposição deveria ter sido dado como provado: que T…. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de Fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5). II) E, em consequência deveria também ter sido dado como provado o alegado no art.º 29º da Oposição: que T…. acordou conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de Fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida. JJ) Decorrendo ainda do facto indiciariamente provado 4. que a Requerente esteve presente na reunião realizada em sua casa, na apresentação e explicação do plano de negócios, pelo que, sabe que o seu marido, ao propor-se financiar o negócio do filho R…., era um mero financiador no negócio da compra do avião, devendo o facto alegado no art.º 22º da Oposição ser parcialmente dado como provado: A Requerente tomou conhecimento do empréstimo. LL) A conclusão retirada pelo Tribunal a quo de que, “causa a maior estranheza que um empréstimo desta envergadura não fosse rodeado dos formalismos legalmente exigidos, mesmo tendo em conta que se tratava de um empréstimo de um pai para uma sociedade controlada pelo filho, como era o caso da Stream”, ... E sobretudo, é incompreensível que o mutuante de quantia tão elevada (quase 11 milhões de euros) não beneficiasse de qualquer garantia real, seja hipoteca ou reserva de propriedade relativamente à aeronave, num quadro de enorme incerteza sobre o desempenho da sociedade Stream acabada de criar”, resulta manifestamente errónea face à prova produzida, não sendo legítimo que possa motivar a não prova dos factos, sobretudo, quando, no confronto com o teor dos documentos apresentados, com o depoimento das testemunhas e as declarações de parte do 1º Recorrente, resulta, o seu contrário, ou seja, que o avião foi comprado pela 2ª Recorrida e que se encontra registado desde a sua aquisição em seu nome. MM) Atendendo aos meios probatórios produzidos, resultou provado que, pelo empréstimo concedido pelo falecido Dr. T… à 2ª Recorrida e expressamente declarado e reflectido na sua contabilidade, a aeronave Gulfstream G450 foi comprada pela 2ª Recorrente, constando como sua proprietária nos registos internacionais do avião. NN) Bem como, ficou provado que o Dr. T…. e/ou a Recorrida nunca foram sócios da sociedade de direito inglês Stream…., 2ª Recorrente. OO) Apesar desta factualidade provada, entendeu o douto Tribunal a quo que: “existindo um registo de propriedade a favor da sociedade Stream, o mesmo terá tido por base um contrato de compra e venda em seu nome, coisa diversa é saber se T… ficou ciente deste contrato de compra e venda ou mesmo do facto de o registo da aeronave ter ficado em nome da sociedade Stream”, contrariando a evidência de que T…. era um investidor e não comprador. PP) Independentemente das eventuais dúvidas sobre a natureza e conteúdo do empréstimo concedido para a 2ª Recorrente comprar o avião, o Tribunal a quo não podia desconsiderar os factos indiciariamente provados, ao dar como provado que a proprietária do avião é a 2ª Recorrente, impunha-se decidir pela revogação da decisão de 22.09.2020 e ordenar a restituição do avião aos seus legítimos proprietários, aqui Recorrentes. QQ) Até porque resultou provado que a Recorrida ou o Dr. T…. e até ao óbito deste em 02.11.2019, nunca praticaram qualquer acto que demonstrasse que eram proprietários do avião, ou sequer alegaram e provaram o avião esteve na sua posse. RR) Todos os factos provados 5., 6., 8., 9., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19. demonstram que no contrato de compra e venda do avião e na contratação com as operadoras comerciais, quem subscreveu todos os contratos e condições foi a 2ª Recorrente Stream, tendo inclusive o 1º Recorrente pago uma caução de 200 mil euros e constituido-se garante da Stream perante a operadora Luxaviation no âmbito de uma linha de crédito de dois milhões de euros. SS) Na motivação da decisão, o douto Tribunal a quo não respondeu à questão lógica, se a 2ª Recorrente não é a legítima proprietária do avião, qual é a razão da assumpção pessoal e milionária pelo 1º Recorrente, desta divida perante a operadora Luxaviation. TT) Tendo resultado provado, factos provados 5., 6., 8. e 9, que a propriedade do avião se encontra desde a data da sua compra, registada em nome da 2ª Recorrente e que o avião desde essa data se encontrava, indiscutivelmente, na posse da 2ª Recorrente, tal afigura-se suficiente para, ainda que a título cautelar, infirmar a alegação da Requerente, de que a herança é titular do avião. UU) Neste âmbito, sendo a aquisição do avião sujeita a registo, bem como os ónus que sobre ele impedem, estamos perante uma presunção legal de existência e titularidade do direito e propriedade do avião pela 2ª Recorrente, conforme decorre dos factos provados 5., 6., 8. e 9., impunha-se que o Tribunal a quo proferisse decisão diferente, reconhecendo a propriedade do avião, ainda que indiciariamente, à 2ª Recorrente. VV) Entendendo, os Recorrentes que tal presunção é, e tem de ser, o quanto basta para, em sede de procedimento cautelar, fazer soçobrar as dúvidas do Tribunal a quo, que no entanto, acabou por concluir que proprietário é quem paga o preço e, consequentemente que a herança de T… é titular do direito de propriedade do avião. WW) Ora, em face da alteração dos factos supra referidos, assim como dos demais factos considerados provados pelo Tribunal, a decisão do Tribunal não pode ser aceite. XX) Alterada a matéria de facto nos termos requeridos, resulta manifesto o não preenchimento dos pressupostos de decretamento do presente procedimento cautelar, desde logo o fumus bonus iuris, ou a aparência da titularidade do direito que se pretende acautelar, atendendo às evidências constantes dos autos de que a titularidade do direito invocado se encontra na esfera jurídica da 2ª Recorrente. YY) Na decisão de que agora se recorre o tribunal a quo, entendeu que: “os Requeridos não lograram provar que a quantia que serviu para pagar a aquisição do avião tenha afinal sido mutuada à 2ª Requerida. O que temos é que o pagamento do avião foi feito pelo falecido e pela sua mulher que para o efeito contrataram um financiamento com o Banco.”, os Recorrentes não podem aceitar este raciocínio, que aliás, encerra manifestas contradições. ZZ) Se as dúvidas colocadas pelo Tribunal a quo, tivessem cabimento, o que não se aceita, como justifica o douto Tribunal a quo a inércia do Dr. T…. ou da Recorrida, perante o facto de estarem alegadamente a comprar um avião e não assinarem nenhuma documentação. Nem sequer o contrato de compra, ou os documentos necessários para constituir uma sociedade. AAA) A demonstração dos factos, considerando a prova produzida colide e infirma, manifestamente, os fundamentos que alicerçaram a decisão de decretamento do procedimento, originariamente tomada, porquanto, deitam por terra a possibilidade de existência, na esfera jurídica da Requerente ou da herança de T…., do direito de propriedade do avião. BBB) Impunha-se ao Tribunal a quo, face à prova produzida, ter concluído pela não verificação in casu do pressuposto de probabilidade séria da existência do direito, anulando, em consequência a decisão inicialmente proferida e revogando as medidas cautelares decretadas. CCC) Ao não o fazer, mantendo a decisão de decretamento, o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 368.º n.º 1 do CPC, e ao mesmo resultado se chegará, necessariamente, ainda que os pontos da matéria de facto não provada impugnados, não resultem alterados, decorrendo, inequivocamente dos factos provados 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., que a 2ª Recorrente é a legítima proprietária do avião. DDD) Tendo ficado provado, que o Dr. T…. e a Recorrida não são e não foram sócios da 2ª Recorrente ou sequer da sociedade Gateway, que todos os contratos relativos à compra do avião e de operações de voos foram celebrados pela 2ª Recorrente, tendo o 1º Recorrente constituido-se garante da linha de crédito de €2.000.000,00 junto da operadora Luxaviation, bem como, é a sociedade Gateway que desde a compra do avião, contrata a tripulação, e assume o pagamento dos seus ordenados, sendo esta sociedade de efectuou também a formação, taxas e despesas de revisão e manutenção do próprio avião até 13/10/2020 data em que o avião foi entregue à Recorrida. EEE) Ora, o douto Tribunal a quo não questionou a estranheza da Recorrida e do seu filho M…, não só desconhecerem todo o negócio, como também, não terem desde a compra do avião questionado sobre o negócio ou praticado actos sobre o mesmo que evidenciassem ser a Recorrida sua proprietária, pelo contrário, o Tribunal a quo, ao arrepio de todos os factos indiciariamente provados, na decisão de manter as medidas cautelares decretadas, entendeu “que continua a ser mais forte a tese de que o adquirente e proprietário da aeronave, não obstante o registo a favor da 2ª Requerida, é aquele que a pagou, ou seja, T… (e sua mulher), sem atender que, a propriedade não se presume. FFF) Face à evidência da propriedade do avião, ponderada a matéria de facto provada, cumpria ao Tribunal a quo, ter concluído, e desde logo, pela inexistência do direito que é alegado pela Requerente. GGG) E, ainda tendo ficado provado, que a propriedade do avião se encontra registada internacionalmente em nome da 2ª Recorrente e desde a data da sua aquisição, que a 2ª Recorrente Stream e o 1º Recorrente por serem os seus verdadeiros donos têm exercido os poderes correspondentes ao direito de propriedade, assumindo e contratando todas as operações e encargos relativamente ao avião, encontrando-se a aeronave indiscutivelmente na sua posse desde a sua compra, afigura-se o suficiente para, ainda que a título cautelar, infirmar a alegação da Requerente de que a herança de T… é titular do direito de propriedade do avião. HHH) Neste âmbito, a decisão recorrida, viola, mais uma vez, também o que respeita a esta matéria, o disposto nos art.ºs 46.º n.º 3, 1252.º, n.º 2, 1251.º e 1259.º do CC, porquanto faz tábua rasa da propriedade do avião e da presunção legal de propriedade que recai sobre o possuidor do avião, violando ainda, em consequência, o disposto no art.º 350.º do CC. III) O efeito prático do decretamento das providências ordenadas nos presentes autos e do reconhecimento à herança de T…., ainda que a título cautelar, de propriedade da aeronave, resultou na supressão à esfera jurídica da 2ª Recorrente, legítima proprietária e possuidora do avião, da totalidade dos seus direitos de proprietária. JJJ) A 2ª Recorrente, desde a data da entrega judicial do avião à Recorrida ocorrida em 13/10/2020 encontra-se, irradicada de toda a gestão do avião, supervisão do seu estado, revisões de motores e equipamentos e facturação, inibida até de aceder à informação da facturação do avião por ordem da Recorrida à operadora Luxaviation, em virtude do mero efeito das providências decretadas e da consequente gestão do avião pela Recorrida. LLL) Tendo presente o valor comercial das horas de voo realizadas pelo avião desde 20 de Outubro de 2020 até 7 de Setembro de 2022, num total de 1197 horas conforme registado nos sistemas internacionais da aviação civil, ao preço hora de € 8.300,00, determina para a 2ª Recorrente um prejuízo patrimonial de cerca de € 9.935.100,00. MMM) Por outro lado, as condições em que a Recorrida está a gerir o avião e a tipologia de voos de curta duração que estão a ser efectuados com a aeronave que é própria para viagens de longo curso, não só é ruinoso em termos de gestão como desgastam profundamente materias e equipamentos e, obrigando a revisões de motores. NNN) A que acresce, o facto de a 2ª Recorrente ter contratado uma linha de crédito com a operadora da aeronave Luxaviation no valor de €2.000.000,00, da qual o 1º Recorrente é garante a título pessoal, encontrando-se impedidos de cumprir o montante que se encontrava em dívida aquando da entrega do avião à Recorrente, sendo que o valor desta dívida, em mais de 2 anos, na gestão da Recorrida tem estado a aumentar, apesar de a 2ª Recorrente não fazer a gestão do avião e de desconhecer os contratos celebrados entre a Recorrida e a operadora Luxaviation. OOO) Encontrando-se ainda a 2ª Recorrente, desde 13 de Outubro de 2020, impedida de cumprir pelo pagamento a dívida para com a sua sócia Gateway, que assumiu despesas de manutenção e revisão do avião, taxas, pagamentos à tripulação e a sua formação, no valor de €3.104.626,00. PPP) Ao que se alia, em consequência da entrega do avião à Recorrida, o impedimento da 2ª Recorrente de comercialização de voos, sendo obrigada a recusar desde 13 de Outubro de 2020 todos os pedidos de voos que lhe são dirigidos, por não ter o avião na sua posse, sofrendo prejuízos avultados (vide facto indiciariamente provado 20.) QQQ) A douta decisão, não atentou ainda, que aliada à perda da facturação, o pagamento das dívidas dos Recorrentes bem como, a sustentação da 2ª Recorrente para o futuro, e a manutenção dos seus postos de trabalho só é possível com os proventos auferidos com a exploração do referido avião. RRR) Ponderados todos os prejuízos demonstrados para os Recorrentes, em consequência das medidas cautelares decretadas em 22 de Setembro de 2020, e se atender aos lucros cessantes relativos aos anos que demorará a acção principal a ser julgada e transitada em julgado, impõe-se concluir, que o prejuízo para os Recorrentes das medidas decretadas, é incalculável e, sem sequer fazer referência à evidente desvalorização do avião pela sua idade e mau uso, derivado da gestão da Recorrida que nada percebe de aeronaves comerciais e de gestão das mesmas. SSS) Deste modo, as medidas cautelares decretadas nos presentes autos resultam manifestamente desproporcionais, o que se traduz para a 2ª Recorrente, mas também para o 1º Recorrente, em danos muito graves e de difícil reparação, considerando os valores em causa, na ordem das dezenas de milhões de euros, não tendo ponderado o Tribunal a quo, o valor desse ressarcimento e da conveniente inércia da Recorrida, que durante dois anos, não diligenciou sequer propor a acção principal de que esta é dependente, como não atendeu à perda de facturação da 2ª Recorrente de horas de voos vendidas, no valor de cerca de € 10.000.000,00, valor este que teria só por si permitido à 2ª Recorrente liquidar o empréstimo concedido para a aquisição da aeronave à herança de T….. TTT) A Recorrida ao fazer sua a facturação da aeronave durante mais de 2 anos, tem neste momento arrecadada uma quantia suficiente para fazer face ao valor do empréstimo concedido por T…. para aquisição do avião, garantindo uma hipotética decisão final, que não se concede, de reconhecimento do direito de propriedade sobre o avião, à herança. UUU) Pelo que esta fundamentação do douto Tribunal a quo não pode ser aceite, pois desconsiderou manifestamente que os prejuízos decorrentes do decretamento da providência para os Recorrentes são manifestamente superiores a qualquer dano que a Recorrida pretenda evitar com a manutenção do avião na esfera jurídica da 2ª Recorrente Stream, até ao desfecho da ação principal. VVV) Ao decidir, como decidiu, pela proporcionalidade das medidas decretadas, violou o Tribunal a quo o disposto no art.º 368.º, n.º 2. WWW) Donde forçoso, é também de concluir pela não verificação do pressuposto do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável ao direito invocado pela Requerente, face ao valor de cerca de €10.000.000,00 de facturação em horas de voo desde 13 de Outubro de 2020 que a Requerente já arrecadou com a gestão do avião XXX) Pelo que também por este motivo não pode a Douta Sentença recorrida deixar de ser revogada e substituída por Douto Acórdão que, conhecendo da impugnação da matéria de facto e concluindo pela não verificação dos pressupostos de que depende o decretamento das providências ordenadas, julgue o mesmo improcedente por não provado. Nestes termos, e nos demais de Direito, delimitado o objecto do recurso e atentos os fundamentos do mesmo, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a sentença recorrida substituída por outra que a revogue e, consequentemente, revogue a providência cautelar decretada nos presentes autos. Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!”. * A Requerente apresentou resposta e culminou as suas alegações recursivas com a formulação das seguintes conclusões: “A. Os Recorrentes interpuseram recurso da decisão do tribunal a quo de 12.10.2022, na qual este tribunal manteve a decisão de manter o avião particular de modelo GULFSTREAM G450, e com o número de registo … na posse da Recorrida, dado que considerou que ficou demonstrado que o proprietário do avião é a herança de T….. B. Para tanto, os Recorrentes impugnam parte da matéria que foi considerada não provada, dizendo que deveriam ter ficar provados os factos constantes nos artigos 9.º, 14.º, 17.º, 19.º, 22.º e 29.º da Oposição. C. Diz-se, desde já, que, por um lado, tal impugnação não pode ser considerada admissível, sendo que, mesmo que se admita tal impugnação, o que não se concede, a mesma não pode ser procedente, por não constarem dos autos quaisquer meios de prova que fundamentem tal alteração. D. Os Recorrentes também vêm impugnar a matéria de direito, dado que, por um lado, dizem que não ficou demonstrado o direito da herança de T…. sobre o avião, o que não se admite, pois não só constam dos autos vários meios de prova que sustentam tal decisão do tribunal a quo, como também existem vários meios de prova que sustentam a decisão do tribunal a quo em não considerar provado que a 2.ª Recorrente é a legítima proprietária do avião. E. Por outro lado, os Recorrentes dizem que as medidas decretadas são desproporcionais, o que impediria, segundo o regime legal vigente, o decretamento das mesmas, mas tal não é assim, pois, conforme se verá, quem foi considerado como proprietário do avião foi a herança de T… e o entendimento avançado pelos Recorrentes para tentar demonstrar a alegada desproporcionalidade parte do errado pressuposto de que é a 2.ª Recorrida a proprietária do avião. Vejamos, então, em pormenor, Quanto à impugnação da matéria de facto F. A impugnação da matéria de facto deve ser considerada inadmissível, dado que os Recorrentes dizem expressamente nas suas alegações de recurso – nos artigos 83.º e 84.º de tal peça processual - que mesmo que a impugnação não seja aceite pelo tribunal a quo, a decisão do tribunal ad quem deverá ser sempre a de revogar a decisão do tribunal a quo, o que implica, necessariamente, que o entendimento dos Recorrentes é de que a sua impugnação da matéria de facto feita é inútil, sendo a prática de atos inúteis proibida por lei (cfr. art.º 130.º do CPC), para além de que os tribunais superiores têm entendido que a impugnação da matéria de facto apenas pode ser analisada se a mesma se afigura relevante e útil para o resultado final da mesma. Assim, não pode ser considerada admissível a impugnação da matéria de facto feita pelos Recorrentes. G. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, os Recorrentes impugnam a matéria de facto em bloco, sendo que tais factos impugnados em conjunto não têm a necessária relação entre si, consubstanciando-se, nessa medida, uma impugnação genérica da matéria de facto que não pode ser admitida. H. Com efeito, “viola o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC o recorrente que impugna em bloco pontos da matéria de facto que não se acham interligados entre si.” (cfr. acórdão do STJ melhor citado no texto das alegações). Prosseguindo, I. Aquando da impugnação da matéria de facto, o recorrente tem de indicar com exatidão as passagens da gravação dos depoimentos das testemunhas ou declarações de parte, caso faça referência a estas na sua impugnação da matéria de facto (art.º 640.º n.º 2, al. a) do CPC). J. Os Recorrentes referem, ao longo das suas alegações de recurso, as declarações de parte do 1.º Recorrente, sem, contudo, indicarem as passagens da gravação em que este, alegadamente, corrobora, os factos que os Recorrentes querem ver considerados provados, não sendo por isso de admitir que estas declarações de parte possam sustentar a alteração da matéria de facto peticionada pelos Recorrentes. K. Ainda que se considere que a impugnação da matéria de facto é admissível, o que não se concede, deve ainda assim, tal impugnação ser considerada improcedente, por falta de fundamento. Vejamos, Quanto ao facto constante do artigo 9.º da Oposição L. No artigo 9.º da Oposição está em causa saber se o negócio apresentado pelo 1.º Recorrente não se destinava à compra de um avião por parte de T…., sendo que nenhum dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos Recorrentes pode sustentar a alteração deste facto, pois nenhuma das testemunhas teve contacto direto com as negociações tendentes à aquisição de um avião. M. Exceção feita à testemunha J.F. que esteve presente, somente numa das reuniões, mas que, ainda assim, o seu depoimento não pode ser valorado neste âmbito, pois como o próprio tribunal a quo referiu, a“[s]ua convicção [da testemunha J.F.] de que este [T…] era um mero financiador da aquisição da aeronave resultou do que lhe foi transmitido pelo 1.º Requerido” N. Para além de não existir qualquer testemunha que possa afigurar-se de credível neste âmbito, visto que nenhuma esteve presente nas negociações, também não foi junta qualquer documentação que permita verificar este facto, sendo que as declarações de parte são, como se sabe, insuscetíveis, só por si, de servir de base para a demonstração de um facto, não existindo, deste modo, qualquer meio de prova idóneo a justificar a alteração do facto constante no artigo 9.º da Oposição. Quanto ao facto constante do artigo 14.º da Oposição O. No artigo 14.º da Oposição está em causa saber se a aquisição do avião passaria pela concessão de um empréstimo por parte de T… à 2.ª Recorrente. P. À imagem do facto constante no artigo 9.º da Oposição, também aqui os depoimentos das testemunhas não apresentam qualquer relevância, pois nenhuma das testemunhas esteve presente nas negociações, exceto a testemunha J.F., embora, como se disse, todo o seu conhecimento adveio do que o 1.º Recorrente lhe transmitiu, não podendo, por isso qualquer depoimento apresentado pelos Recorrentes servir de base para considerar provado este facto. Q. Importa contudo fazer uma observação que se reputa de fundamental, quanto à falta de credibilidade da testemunha J.F.: este diz que elaborou um plano de negócios que foi, posteriormente, apresentado a T…. e, devido a esta situação, crê esta testemunha ter reunidas as condições para depor com conhecimento de causa sobre a matéria dos presentes autos. R. Porém, o seu próprio plano de negócios foi, até na narrativa apresentada pelos Recorrentes, completamente desconsiderado, dado que, num tema tão essencial como são as garantias, o seu plano de negócios previa que existiria uma cláusula de reserva de propriedade a favor do mutuante, e o que é certo é que nos alegado contratos de mútuo que são apresentados pelos Recorrentes não se encontra prevista qualquer cláusula de reserva de propriedade a favor de T…, o que demonstra que mesmo sendo ele o autor do suposto plano de negócios, o próprio conhecimento que o mesmo tem sobre as alegadas negociações é bastante limitado. S. Não existindo qualquer meio de prova constante no presente processo capaz de comprovar o alegado no artigo 14.º da Oposição, não pode o facto aí contido ser considerado provado. Quanto ao facto constante do artigo 17.º da Oposição T. No artigo 17.º da Oposição está em causa saber se T… aceitou financiar o negócio proposto pelo 1.º Recorrente através da celebração de um empréstimo de cerca de 11 milhões à 2.ª Recorrida. U. Quanto a este ponto, uma vez mais, nenhum dos depoimentos indicados pelos Recorrentes reúne credibilidade para sustentar a prova deste facto, pois nenhuma dessas testemunhas acompanhou de perto estas negociações, sendo que também aqui se volta a dizer que as declarações de parte do 1.º Recorrente não podem sustentar a prova deste facto, dado o manifesto interesse que este tem na presente causa. V. Importa ainda, neste âmbito, tecer três comentários quantos aos meios de prova apresentados pelos Recorrentes. W. Em primeiro lugar, não se consegue compreender sequer o argumento utilizado pelos Recorrentes para justificar a credibilidade das testemunhas que indicaram nas suas alegações de recurso: os Recorrentes reconhecem que estas testemunhas não tiveram qualquer envolvimento no processo negocial, mas, e é aqui que não se percebe o salto lógico dado pelos Recorrentes, é exatamente por as testemunhas não terem estado presentes nas negociações que o conhecimento de tais testemunhas é vago e superficial e, em face dessa situação, devem os seus depoimentos ser relevados e valorados nesta sede (cfr. artigo 36 das alegações de recurso). X. Repare-se que os Recorrentes querem demonstrar a existência de um mútuo de 11 milhões de euros, recorrendo a depoimentos que os próprios reconhecem que são vagos e superficiais, porque as partes não estiveram presentes em tais negociações. Y. Com o devido respeito, é exatamente por os depoimentos serem vagos e superficiais que não podem ser relevados nesta sede, pois, caso assim não fosse, então meras conversas informais, como os próprios Recorrentes as adjetivam (artigo 36.º das alegações de recurso), serviriam para sustentar a celebração de contratos de vários milhões de euros. Z. Em segundo lugar, os Recorrentes juntaram aos autos dois documentos (doc. 4 e 5 da Oposição) que, supostamente, corporizam o referido contrato de mútuo celebrado entre T…. e a 2.ª Recorrente, contudo a genuinidade desses dois documentos foi posta em causa pela Recorrida, tendo, por essa razão, sido elaborada uma perícia aos mesmos, sendo o resultado da mesma inconclusivo. AA. Em face disto, mas também devido a razões de natureza formal e substancial, o tribunal a quo decidiu pela não genuinidade desses dois documentos. Ora, BB. Quanto à genuinidade destes dois documentos, os Recorrentes nem uma palavra apresentaram nas suas alegações de recurso, sendo que se a genuinidade dos próprios documentos que corporizam os contratos de mútuo e o seu aditamento não estão sequer comprovados, é manifesto que não pode o facto constante no artigo 19.º da oposição ser considerado provado, sob pena de uma manifesta contradição. CC. Em terceiro lugar, os Recorrentes também apelam ao documento 17 da sua Oposição – que são as contas da 2.ª Recorrente - para tentar demonstrar a existência do contrato de mútuo de 11 milhões, contudo é manifesto que a apresentação das contas de uma empresa não pode servir para comprovar a existência de contratos, pois, caso assim fosse, bastaria que se registasse nas contas de uma qualquer empresa a existência de um contrato com condições manifestamente favoráveis à mesma, que os tribunais, segundo a tese dos Recorrentes, teriam de considerar provado a existência desse mesmo contrato. DD. Assim, não só não existindo qualquer meio de prova idóneo a provar que T… aceitou financiar a 2.ª Recorrente através de um empréstimo de 11 milhões, existindo, ao invés, uma série de meios de prova juntos aos autos que vão no sentido contrário, não pode o facto constante no artigo 17.º da Oposição ser considerado provado. Quanto ao facto constante do artigo 19.º da Oposição EE. No artigo 19.º da Oposição está em causa a celebração do contrato de empréstimo, assim como o aditamento que foi feito ao mesmo no dia 5 de fevereiro de 2019. FF. Como já se disse, não existe qualquer testemunha que tenha estado envolvida neste processo negocial, não sendo possível aceitar o depoimento das mesmas para comprovar este mesmo facto, sendo que quanto aos documentos juntos pelos Recorrentes, não foi sequer demonstrada a genuinidade dos documentos 4 e 5 da Oposição que, segundo os Recorrentes, corporizam este mesmo contrato de mútuo e o aditamento ao mesmo, por isso, em face disto, não pode o facto constante no artigo 19.º da Oposição ser considerado provado, sob pena de manifesta contradição. GG. Aliás, note-se que o tribunal a quo apresenta vários argumentos, tanto de ordem formal, como de ordem substancial, para colocar em crise a genuinidade dos documentos, dado que este tribunal não alicerçou esta sua decisão de considerar como não genuínos os documentos apresentados pelos Recorrentes apenas no resultado da perícia. HH. Porém, os Recorrentes não fazem qualquer referência a estes mesmos argumentos apresentados pelo tribunal, e muito menos tentam rebatê-los, sendo que os Recorrentes simplesmente desconsideram a decisão do tribunal a quo quanto à genuinidade dos mesmos e prosseguem nas suas alegações de recurso como se tais documentos tivessem sido considerados genuínos. II. Deste modo, não existindo qualquer meio de prova, junto aos autos, capaz de provar este facto constante no artigo 19.º da Oposição, não pode o mesmo ser considerado provado. Quanto ao facto constante do artigo 22.º da Oposição JJ. No artigo 22.º da Oposição está em causa saber se a Recorrida e se o seu filho M… sabiam da existência do suposto contrato de mútuo celebrado entre T… e a 2.ª Recorrente. KK. Ora, se os Recorrentes não conseguem sequer demonstrar a genuinidade dos documentos que corporizam esse mesmo empréstimo, fica impossibilitada a demonstração subsequente de que a Recorrida e M…. tinham conhecimento sobre os mesmos. LL. O que se acaba de dizer bastaria para não se considerar provado o facto constante no artigo 22.º da Oposição, contudo importa ainda tecer algumas considerações neste âmbito. MM. Os Recorrentes apelam ao depoimento da testemunha J.F. para tentar provar (também) este facto, só que a única intervenção de J.F. foi numa reunião que teve com T… em que, alegadamente, a Recorrida também lá estava. NN. Ora, uma coisa é dizer que a Recorrida esteve numa reunião com T…. e com J.F., com base no depoimento deste, outra coisa bem diferente, é dizer que com base neste mesmo depoimento a Recorrida teve conhecimento da celebração de um contrato que foi, supostamente, celebrado posteriormente a essa reunião. OO. Também por aqui se percebe porque não é admissível a impugnação em bloco de factos que não têm a necessária ligação entre si: uma coisa é a demonstração da celebração de um contrato, outra, bem diferente, é a demonstração de que terceiros tiveram conhecimento desse mesmo negócio. PP. Como segunda nota, cabe referir que não deixa de ser curioso que a assinatura da Recorrida esteja presente em inúmeros documentos que foram trocados com o banco suíço, no âmbito deste negócio, mas que a assinatura da Recorrida já não esteja no contrato de empréstimo que foi junto pelos Recorrentes, nem no posterior aditamento também junto pelos Recorrentes. QQ. E note-se que a curiosidade sobre esta temática não reside no facto de a assinatura da Recorrida aparecer nos documentos com o banco suíço, dado que esta estava casada no regime de comunhão de adquiridos com T…, por isso qualquer destes negócios teria sempre, forçosamente, de ser assinado também pela Recorrida; a curiosidade reside no facto de nos documentos apresentados pelos Recorrentes não constar a assinatura da Recorrida, mas mesmo assim estes insistirem na narrativa de que esta tinha conhecimento da suposta celebração do contrato de empréstimo e do posterior aditamento. RR. Assim, também o facto constante no artigo 22.º da Oposição não pode ser considerado provado, visto que não existe qualquer meio de prova junto aos autos que permita inferir tal realidade. Quanto ao facto constante do artigo 29.º da Oposição SS. Por fim, no artigo 29.º da Oposição está em causa saber se T… celebrou o acordo de reconhecimento de dívida com a 2.ª Recorrente, nos termos constantes no documento n.º 5 junto pelos Recorrentes. TT. Por tudo o que já se disse – a ausência de depoimentos de testemunhas com conhecimento de causa, aliado ao facto de não existir qualquer documento que comprove a celebração deste aditamento/acordo de reconhecimento de dívida e de não se ter considerado genuíno o documento n.º 5 da Oposição – não existe qualquer meio de prova credível, que tenha sido junto aos autos, que possibilite que seja julgado provado o facto constante no artigo 29.º da Oposição. Quanto à impugnação da matéria de direito UU. Os Recorrentes dizem que o direito de propriedade da herança sobre o avião não ficou indiciariamente provado, e, por isso, o tribunal a quo não podia ter decretado as medidas cautelares que decretou. Contudo, tal entendimento não pode ser aceite. VV. Os Recorrentes, para este efeito, vão formulando ao longo das suas alegações de recurso várias questões, cujas respostas aparentemente colocariam em causa o entendimento do tribunal a quo sobre o reconhecimento do direito de propriedade da herança sobre o avião, mas, na verdade, as respostas a tais perguntas apenas comprovam a decisão do tribunal a quo. Vejamos, WW. Quanto à pergunta formulada pelos Recorrentes sobre saber o que é que T…. ganharia adquirindo um avião, tal resposta afigura-se evidente: não só ganharia a propriedade do avião, como também ganharia com os proveitos gerados pelo mesmo. XX. Quanto à pergunta formulada pelos Recorrentes de porque é que T… teria de intervir na 2.ª Recorrente dado que era apenas um investidor, tal pergunta encerra, em si própria, um vício que a inquina: T… nunca celebrou qualquer contrato de empréstimo para uma empresa terceira adquirir um avião. YY. Quanto à suposta inércia da Recorrida e de T…. perante estarem a comprar um avião mas não terem assinado nenhum documento, em primeiro lugar, cumpre recordar que quem tratou deste processo foi R…., pessoa em quem a Recorrida e o seu falecido marido confiavam e, cumpre também dizer, em segundo lugar, que não é verdade que a Recorrida não tenha assinado nenhum documento no âmbito desta operação, dado que foram juntos aos autos vários documentos trocados com o banco suíço, no qual constam as assinaturas da Recorrida e de T….. ZZ. Os Recorrentes prosseguem nas suas alegações invocando, para tanto, os depoimentos de várias testemunhas, mas, conforme já se teve oportunidade de dizer, nenhum desses depoimentos tem a virtualidade de provar qualquer facto impugnado pelos Recorrentes, e, muito menos, de provar que a propriedade do avião pertence à 2.ª Recorrente e não à herança de T…. Prosseguindo, AAA. Os Recorrentes dizem, por fim, que ainda que se analisassem somente os factos indiciariamente provados, deveria concluir-se que a herança não é proprietária do avião, mas sim a 2.ª Recorrente, e, consequentemente, não podia ser decretada a providência requerida, contudo, não se pode aceitar este entendimento. BBB. A Recorrida sempre disse que quem figura, formalmente, como proprietária do avião é a 2.ª Recorrente, por isso não é surpresa nenhuma que analisando tais documentos pareça resultar que a 2.ª Recorrente é a proprietária do avião, porém, conforme teve oportunidade de se expor ao longo da presente ação, T…. nunca celebrou qualquer contrato de empréstimo com a 2.º Recorrente para que esta adquirisse o avião, tendo sido, aliás, aquele que pagou o valor do avião. CCC. É exatamente devido a este cenário que o tribunal a quo concluiu corretamente ao indicar que ficou demonstrado que quem deve ser considerado materialmente proprietário do avião deve ser a herança de T…, sendo que esta ação tem a finalidade de assegurar que a Recorrida pode vir pedir o reconhecimento do direito de propriedade da herança de T…. sobre o avião, sem que a 2.ª Recorrida possa frustrar tal cenário, vendendo o avião a terceiros. DDD. Assim, da prova junta ao processo ficou demonstrado o direito de propriedade da herança sobre o avião, estando por isso, também este pressuposto para o decretamento da providência cautelar demonstrado. EEE. Por fim, os Recorrentes vêm dizer que as medidas decretadas são desproporcionais, visto que provocam um manifesto dano na esfera jurídica dos Recorrentes e, por isso, as medidas não poderiam ter sido decretadas. FFF. Este entendimento não pode ser aceite. A larga maioria dos danos que os Recorrentes vêm alegar são decorrência do errado pressuposto de que a 2.ª Recorrente é a proprietária do avião. GGG. Assim, não faz qualquer sentido vir dizer que com a medida decretada os Recorrentes deixaram de poder comercializar as horas de voo do avião, e tal situação provocou prejuízos aos Recorrentes, pois isso parte do pressuposto de que aqueles sempre teriam direito a poder comercializar tais horas de voo, o que se afigura manifestamente errado. HHH. Mas mais: o próprio tribunal a quo explica que os danos que os Recorrentes vêm indicar podem ser sempre ressarcidos na ação principal, caso se reconheça – o que não se aceita – que o avião é propriedade da 2.ª Recorrente, logo, também deste ponto de vista, não se consegue perceber em que medida é que as providências decretadas são desproporcionais. III. A verdadeira desproporcionalidade ocorreria, isso sim, se não tivesse sido decretada esta providência cautelar, pois a 2.ª Recorrente poderia, em tal cenário, vender o avião a terceiros e dado que não existe nenhuma garantia real a garantir a dívida da 2.ª Recorrida sobre a herança de T…, esta dificilmente conseguiria ver recuperado esse valor (isto, claro está, se se partir do princípio de que a 2.ª Recorrente tem um crédito perante a herança, o que não se aceita, pois T… nunca celebrou qualquer contrato com aquela). JJJ. Assim, não podem as considerações quanto à matéria de Direito ser procedentes, por falta de fundamento das mesmas, devendo, para tanto a decisão do tribunal a quo ser mantida.” * Admitido o recurso e cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir. II. Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código). No caso, as questões a decidir são as seguintes: A) Impugnação da decisão de facto; B) Dos pressupostos do procedimento cautelar comum. * Da impugnação da decisão de facto De acordo com o disposto no art.º 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”, explicando António Abrantes Geraldes[1] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”. No que em particular diz respeito à impugnação da decisão de facto, dispõe o referido art.º 640º: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)”. – sublinhado nosso. Relativamente ao recurso que envolva impugnação da decisão da matéria de facto, salienta, ainda, aquele mesmo autor, o seguinte: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos. c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”.[2] – sublinhados nossos. “A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.ºs 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º, nº 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação. (…) As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.”[3] – sublinhado nosso. In casu, os recorrentes impugnam a decisão sobre a matéria de facto quanto à factualidade alegada sob os art.ºs 9º, 14º, 17º, 19º, 22º e 29 da Oposição, e que, produzida a prova, foi julgada como não provada. Os recorrentes impugnam a decisão, e indicam, relativamente a cada um daqueles artigos do dito articulado, a matéria factual que no seu entender tem de ser dada como provada. E, para tanto, invocam as declarações de parte, prestadas em audiência pelo Requerido R…, e os depoimentos das testemunhas J.F., J.R.F., J…M. e T…R, não cumprindo, porém, e cabalmente o ónus imposto pela alínea b), do nº 1, do art.º 640º, do Código de Processo Civil, na medida em que não indicam com rigor, e relativamente a cada um dos factos objeto de impugnação, as concretas passagens das declarações das testemunhas que entendem conduzir a entendimento distinto daquele que foi alcançado em 1ª instância. Não obstante, quer a impugnação generalizada (ou em bloco, como é classificada pela recorrida), quer o resultado que visam alcançar é percetível para este tribunal, tal como o foi para a recorrida, considerando a resposta que apresentou ao recurso, termos em que existem condições para conhecer da dita impugnação, relativamente à qual se terão em consideração as passagens da gravação dos depoimentos de cada uma das testemunhas supra identificadas e que foram concretamente assinaladas pelos recorrentes, em obediência ao disposto no art.º 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil, sendo, precisamente, com base neste regime legal, designadamente, na última das alíneas referenciadas, que temos de rejeitar o recurso na parte em que a impugnação da decisão sobre os ditos factos se funda, também, nas declarações de parte do 1º Requerido, porquanto, quanto a este, os recorrentes não cumpriram o dito ónus, pois não assinalaram a passagem ou passagens da gravação das suas declarações em que fundavam a sua discordância quanto à decisão recorrida. Consequentemente, este tribunal de recurso não poderá tomar em consideração, para efeitos de decisão sobre a matéria de facto, aquele concreto meio de prova. * O tribunal de 1ª instância, deu como não provados, além do mais, os seguintes factos: “A matéria alegada pelos Requeridos nos art.ºs 9º (na parte em que o negócio não se destinasse à compra do avião por T…), 14º (na parte em que a aquisição da aeronave passasse por um empréstimo à sociedade Stream), 17º (que o falecido T… aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Requerida), 19º (que T…. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de Fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5), 22º (no sentido em que a Requerente e filho M.. tomaram conhecimento do empréstimo) (…), 29º (que T…. tenha acordado conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de Fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida”. Na alínea E) das conclusões das suas alegações recursivas, dizem os recorrentes que devem julgar-se provados, e consequentemente aditados, os seguintes factos (relativamente aos quais se procedeu à correção da correspondência com a factualidade alegada em sede de oposição – quanto aos art.ºs 14º e 17º -, dado o manifesto lapso contido na referida alínea das conclusões): - O negócio não se destinava à compra do avião por T.. (art.º 9º da Oposição); - A aquisição da aeronave passava por um empréstimo à sociedade Stream (art.º 14º da Oposição); - O falecido T… aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Requerida (art.º 17º da Oposição); - A Requerente tomou conhecimento do empréstimo (art.º 22º da Oposição, ainda que parcialmente); - T…. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5. (art.º 19º da Oposição); - T…. acordou conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida (art.º 29º da Oposição). A Mª juíza do tribunal de 1ª instância fundou a sua convicção quanto aos sobreditos factos que julgou como não provados, nos termos que se passam a transcrever: “A matéria de facto não provada resulta essencialmente da falta de prova suficientemente convincente nesse sentido, pelas razões que passamos a expor. Assim, relativamente ao invocado mútuo que na tese dos Requeridos foi concedido à 2ª Requerida por T…., em audiência só o 1º Requerido, naturalmente interessado nesta tese, o confirmou, pois nenhuma outra testemunha assistiu a negociações nesse sentido, nomeadamente a quaisquer conversas entre T…. e o filho R.. (1º Requerido) que pudessem consubstanciar tal pretensão por parte de T… e muito menos corporizar o clausulado que consta dos docs. nºs 4 e 5 da oposição. Mesmo a testemunha J.F. que apresentou o plano, apenas esteve numa reunião com T… e sua convicção de que este era um mero financiador da aquisição da aeronave resultou do que lhe foi transmitido pelo 1º Requerido, sendo certo que o seu plano previa uma reserva de propriedade a favor do investidor (fls. 37). Por outro lado, causa a maior estranheza que um empréstimo desta envergadura não fosse rodeado dos formalismos legalmente exigidos, mesmo tendo em conta que se tratava de um empréstimo de um pai para uma sociedade controlada pelo filho, como era o caso da Stream, mas até justamente porque sendo T…. uma pessoa experimentada no mundo empresarial não podia ignorar que a estrutura societária de uma empresa pode mudar, isto é, a sociedade podia mudar de donos o que sempre escaparia ao seu controlo. E sobretudo, é incompreensível que o mutuante de quantia tão elevada (quase 11 milhões de euros) não beneficiasse de qualquer garantia real, seja hipoteca ou reserva de propriedade relativamente à aeronave, num quadro de enorme incerteza sobre o desempenho da sociedade Stream acabada de criar. Seria uma actuação totalmente descabida para um empresário experiente como era T… e não há indícios que quisesse beneficiar o filho R… de forma tão extraordinária. Veja-se também que o putativo contrato de mútuo junto pelos Requeridos refere que o mesmo tem a duração de 120 meses (10 anos) sem qualquer previsão de um período de carência, e dias depois, no doc. nº 5 da oposição (reconhecimento de dívida) prevê-se um período de carência de 5 anos e uma duração do mútuo de 12 anos contados a partir de 05 de Fevereiro de 2019, não tendo sido devidamente explicada esta alteração. Já para não dizer que no termo deste prazo (2031), se fosse vivo, T… estaria perto dos 90 anos de idade. E mais uma vez, um tal benefício não se mostra acompanhado de qualquer garantia real, o que é completamente inusitado. De notar que o doc. nº 4 junto à oposição (com tradução a fls. 846 a 847) que alegadamente corporiza o “Contrato de Mútuo” contém gralhas na numeração (não há a cláusula 5, e nem as cláusulas 9 e 10), tendo o Requerido referido nas declarações de parte que se tratou de um documento feito apressadamente no computador com base num modelo retirado da internet e apenas elaborado a pedido do Banco “para libertar o dinheiro” (sem dizer se chegou a ser entregue ao Banco e como, ou se o Banco o arquivou ou ficou com cópia certificada). Quando instado sobre a razão pela qual a sua mãe não o tinha assinado, respondeu com ligeireza “a mãe não assinou o mútuo porque nunca assinou nada”. Ora, este aspecto é desmentido pelas ordens dadas ao Banco juntas ao req. inicial como doc. 6, a fls. 51 verso e 52 e que se mostram assinadas pela Requerente. Fica assim por explicar a razão da não intervenção da sua mãe, também ela proprietária da quantia em causa, quando interveio noutras fases do processo de aquisição da aeronave. Acresce que, conforme doc. 1 junto pela Requerente em 04/10/2022 (com tradução junta mediante req. que antecede a presente decisão), o Banco UBS em resposta a um pedido da Requerente informou não ter qualquer responsabilidade no documento (o “Contrato de Mútuo” – doc. 4 da oposição) e não ter conhecimento da sua presença nos livros. Por outro lado, nunca foi junto o original deste documento vindo os Requeridos posteriormente afirmar que o original “ficou na posse de T…” (cfr. req. de 22/10/2021) o que acabou por inviabilizar a perícia à letra e assinatura de T…., mas todavia em audiência o 1º Requerido afirmou que se tratou de um documento meramente digital, feito no computador, portanto sem original. Ora, a prova da genuinidade da assinatura de T…. cabia ao apresentante do documento e não foi feita, sendo para este efeito manifestamente insuficientes as declarações de parte do 1º Requerido. Aliás, coloca-se a questão, por que razão os Requeridos não solicitaram ao Banco que lhes facultasse uma cópia do dito contrato (se exigiu, tê-lo-ia em arquivo), ou no mínimo, uma declaração no sentido de ter feito esta exigência? Como se não bastasse, a assinatura aposta no doc. nº 5 junto à oposição (reconhecimento de dívida) imputada a T… foi igualmente impugnada e a perícia feita à letra e assinatura de T…. resultou inconclusiva. Esta perícia a nosso ver não fica contrariada pelo relatório junto pelos Requeridos (fls. 1059 e segs.), o qual também é colocado em causa no relatório subsequente junto pela Requerente (nenhum destes documentos tem valor pericial). Mais uma vez os Requeridos não lograram demonstrar a genuinidade da assinatura de T…. neste documento o que era fulcral face à ausência de outras provas.” * Consigna-se que se procedeu à audição integral dos depoimentos prestados por cada uma das sobreditas testemunhas. Cumpre dizer, em primeiro lugar, e desde já, que a fundamentação da Mmª juíza do tribunal a quo denota a preocupação em fundamentar com detalhe a sua convicção quanto à matéria factual em apreço, o que se colhe pelo exame analítico, valorativo e crítico que fez dos meios de prova que indicou e que apreciou conjugadamente e à luz das regras da experiência. Indicou linearmente as razões da formação da sua convicção e fê-lo de forma objetiva, coerente e sólida, com apelo à razão, expondo de forma detalhada e explicativa os motivos do seu convencimento, que temos de sufragar, na medida em que os meios probatórios concretamente indicados pelos recorrentes não nos conduzem a uma apreensão da realidade factual diversa da que foi alcançada em 1ª instância, como passamos a demonstrar. Vejamos. Na passagem das declarações assinaladas pelos recorrentes, a testemunha J.F., amigo do 1º Requerido, afirmou que este, dirigindo-se-lhe, disse “Vamos comprar um avião”. O uso do verbo “ir”, na primeira pessoa do plural, não foi desde logo explicada pela testemunha, que nunca referiu quem seria o comprador do avião. No decurso do seu depoimento, acabou por dizer que com aquela expressão o 1º Requerido quis dizer, na realidade, e apenas, “vamos desenvolver este projeto”, o que nada acrescenta nem esclarece sobre a identidade da(s) pessoa(s) que se proporia(m) comprar a aeronave. Aliás, do depoimento global de J.F. resultou evidente, que no momento temporal a que se reportaram aquelas suas declarações não tinha conhecimento sobre tal assunto, porquanto, só na fase final do seu testemunho disse espontaneamente que só mais tarde o 1º requerido lhe disse que a 2ª Requerida era a proprietária do avião, mas quanto a esta questão/informação, que lhe foi transmitida pelo seu amigo, a testemunha revelou não ter qualquer outro conhecimento, designadamente, sobre o negócio da compra e venda da aeronave, e/ou sobre o financiamento/empréstimo subjacentes à compra, tendo acrescentado, apenas, ter visto documentação donde constava como proprietária do avião a 2ª Requerida. J.F. confirmou ter elaborado o plano de negócios (“business plan”), e que inclusivamente, conjuntamente com o Requerido R… estabeleceram contatos com a banca (nacional e internacional – um banco com sede na Suíça), com o propósito de obterem financiamento, sem que tenha mencionado o resultado dessa exploração comercial, designadamente, se encontraram abertura na banca para a obtenção do financiamento necessário e, acima de tudo, a quem seria destinado. Disse, também, que foi o amigo R… que lhe disse que o pai estava disposto a financiar o negócio e que por essa razão foi a casa daquele, para uma reunião. Confirmou que a ora Requerente estava presente (facto que está provado sob o nº 4); que apresentou o plano de negócio que tinha elaborado ao pai do 1º Requerido; que este lhe fez perguntas sobre o avião e sobre os juros previstos no dito plano; e que comentou “isto parece-me um bom negócio”, que “o seu gestor conseguiria melhores juros”, e “vou falar com o meu gestor” A dita testemunha, no decurso do seu depoimento, não afirmou que o pai do 1º Requerido se tenha comprometido naquele momento a financiar o negócio; nunca mencionou como se propunha fazê-lo; nem em que condições o faria. Disse que nunca o ouviu dizer que o avião seria para ele, o que de per si é inócuo, nomeadamente, para fundamentar a pretensão dos recorrentes quanto ao facto que pretendem ter como demonstrado face ao alegado no art.º 9º do articulado da Oposição. Acrescentou, espontaneamente, “…porque não era..”, mas, na realidade, a testemunha não expôs as razões desta sua convicção pessoal, pois não relatou factos que a permitissem evidenciar. E depois daquela reunião, J.F., como esclareceu em audiência, não teve qualquer contato, ou conhecimento direto sobre as negociações concernentes à compra do avião. Confirmou, inclusivamente, que do plano que diz ter elaborado e que levou ao conhecimento do pai do 1º Requerido, e que aquele considerou um bom plano, constava uma cláusula de reserva de propriedade do avião a favor do primeiro, tendo revelado desconhecer se tal cláusula se manteve em documentação posteriormente elaborada, ou para o caso de não se ter mantido, a razão de não ter sido efetivamente considerada (da documentação junta aos autos não consta qualquer cláusula nesse sentido, donde é legítimo concluir que o negócio concretizado não foi totalmente decalcado do plano por ele elaborado e que foi considerado “bom” por T…). Por último, e concluindo, a testemunha revelou desconhecer se o pai do 1º Requerido recorreu a empréstimo bancário ou se financiou a compra com fundos próprios, e, em concreto, revelou não ter qualquer conhecimento sobre o invocado contrato de mútuo alegadamente celebrado com a sociedade Requerida. O Testemunho de J.R.F. – mesmo no seu todo - revelou-se, por seu turno, totalmente inócuo para a discussão do conjunto dos factos em questão. J.R.F., também amigo do 1º Requerido, declarou que em março de 2019 deslocou-se a Tires, onde aquele se encontrava na companhia do pai, junto a uma aeronave e que questionou este último se tinha comprado um avião, ao que o mesmo respondeu “São coisas do R…”. Não relatou quaisquer factos que permitissem concretizar o sentido desta frase, de per si vaga e inconclusiva, suscetível de múltiplos significados, não se logrando descortinar desde logo a razão pela qual perante um avião, o pai do 1º Requerido tenha recorrido ao uso do verbo “ser” no plural e a uma expressão indefinida: “coisas” (quereria dizer negócios, caprichos…?). J.R.F., disse, ainda, que “tinha a ideia” de que o avião era do R…, porque um amigo, que fazia “charters”, falou no “avião do R…”. A singeleza destas declarações, sem conteúdo minimamente relevante para o apuramento dos factos em discussão mostram-se incapazes de sustentar a veracidade de qualquer dos factos que os recorrentes pretendem ver demonstrados, ainda que conjugadas com o testemunho de J.F., já que não é possível estabelecer qualquer ligação relevante ou essencial entre os factos por ambos relatados. Por seu turno, T.S.R., depôs essencialmente sobre a atividade comercial do avião, que sabe estar registado a favor da 2ª Requerida, por força do exercício da atividade comercial que exerce e que descreveu, tendo revelado desconhecer quaisquer factos pertinentes para a discussão dos factos supra referenciados. Finalmente, a testemunha J.S.M., primo da Requerente e que revelou equidistância face aos litígios que aquela mantém com o 1º Requerido, revelou não ter qualquer conhecimento sobre as circunstâncias e os contornos do negócio da aquisição do avião, tendo declarado, apenas, ter ouvido o marido da sua prima dizer, um ano ou dois, antes da sua morte, que o “R… queria comprar um avião”, o que de per si, ou ainda que conjugado com a restante prova já analisada, não nos permite ter como indiciariamente demonstrados quaisquer dos factos em questão. Assim, e concluindo, a fundamentação produzida em 1ª instância revela-se correta em face da prova produzida e em concreto analisada, mostrando-se cabalmente motivadora do juízo final quanto à apreensão da realidade fatual em causa, e que não logramos como sindicar à luz da prova ora referenciada ou segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, restando concluir pela inexistência dos erros de julgamento apontados pelos recorrentes. III. Fundamentação de Facto E improcedendo a impugnação sobre a decisão de facto, para além dos factos constantes do relatório, os factos a considerar são os fixados em 1ª instância, que se passam a descrever. * Na audiência inicial, sem prévia audição dos requeridos, foram julgados como provados os seguintes factos: 1. A requerente casou em 16.12.1973 com T…. 2. T… faleceu em 02.11.2019. 3. A requerente, na qualidade de viúva do de cujus, é cabeça de casal da herança aberto por óbito de T….. 4. O autor da sucessão faleceu sem deixar testamento. 5. O falecido T… deixou como únicos herdeiros a mulher, aqui requerente e os dois filhos, o 1.º requerido e M….. 6. A 2.ª Requerida tem como sócio a sociedade denominada Gateway….., com sede em …., UK IM81DW, que tem, por sua vez, com sócio designado o 1.º requerido. 7. Conhecedor do sonho de T…, o 1.º requerido apresentou ao pai um estudo que perspetivava a aquisição e o aluguer de um avião particular de modelo GULFSTREAM G450, e com o número de registo …, pelo período normal e o pagamento das prestações do leasing com o produto dos alugueres. 8. A requerente e o falecido T…. contrataram um leasing com vista a financiar a compra do avião, no valor de USD 11.750.000,00, tendo procedido ao seu pagamento à sociedade AIC….. 9. Foram realizadas algumas viagens familiares no avião, nomeadamente uma viagem entre Lisboa e San Petersburgo, em outubro de 2019. 10. O avião encontra-se presentemente em Tires. 11. A 2.ª requerida detém presentemente o avião identificado em 7), procedendo à sua utilização contra a vontade da herança. 12. Os requeridos recusam-se a entregar o avião à requerente, invocando que o mesmo se encontra formalmente registado em nome da 2.ª requerida. 13. Com a morte de T…., o litígio entre a requerente e o 1.º requerido adensou-se e o 1.º requerido passou a gerir as empresas detidas pela herança, contra vontade da cabeça-de-casal. 14. A requerente, em nome próprio e na qualidade de cabeça de casal, teve que intentar uma providência cautelar para obter a restituição das participações sociais das empresas tituladas pela herança. 15. No passado dia 21.06.2020 foi proferida sentença em providência cautelar comum, a correr termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 3, Processo n.º 11269/20.4T8LSB, a qual decidiu, em suma, o seguinte: “Nestes termos e com estes fundamentos, julga-se o presente procedimento cautelar parcialmente procedente e em consequência determina-se que: a) o R…. entregue à Requerente os títulos representativos do capital social da Requerida “G…., S.A.” das 2.329 acções que pertencem à Requerente, bem como, os títulos das 6.670 pertencentes à Herança aberta por óbito de T….; b) os Requeridos R…., “G…., S.A.” e J….Q. reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às suas participações sociais na Requerida “G….S.A.”, independentemente da situação formal dos respectivos títulos; c) os Requeridos R…, “G…., S.A.” e J…Q. reconheçam à Requerente o direito de exercer todos os direitos sociais e económicos referentes às participações sociais da herança de T…. na Requerida “G…., S.A.”, independentemente da situação formal dos respectivos títulos; d) as acções referidas em a) se mantenham na posse da Requerente até à prolação de decisão na acção principal ou até à revogação da presente providência; e) a Requerida “G…, S.A.” se abstenha de praticar quaisquer actos de disposição das acções representativas do capital das Requeridas “G..L…, S.A.”, “I…, S.A.” até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida “G…, S.A.”; f) as Requeridas “G…L.., S.A.” e “C…., S.A.” se abstenham de praticar quaisquer actos de disposição bens imóveis que detêm até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida “G…., S.A.”; g) o Requerido R… se abstenha de realizar quaisquer actos de disposição e de venda de bens imóveis que se encontrem registados em nome das participadas da Requerida “G…,S.A.” até à eleição do Conselho de Administração ou do Administrador Único da Requerida “G…., S.A.”; h) No demais absolvem-se os Requeridos do pedido. 16. O requerido, após o falecimento de T…., agindo na qualidade de administrador, contraiu, em nome da G…L…, em abril de 2020, um empréstimo no valor de €800.000,00 17. O requerido, após o falecimento de T…, agindo na qualidade de administrador, contraiu, em nome da C…., um empréstimo no valor de €500.000,00, em junho de 2020. 18. O requerido, aproveitando-se da sua posição de administrador das sociedades participadas, desviou dinheiro para empresas detidas diretamente por si ou em benefício direto. 19. O requerido, na qualidade de administrador, ordenou os seguintes transferências/pagamentos: conta nº 120202048728, da titularidade da G… L…., para as seguintes contas: Data Sociedade que recebeu Valor 30.04 Gateway 50.000,00€ 30.04 C… 15.000,00€ 04.05 Stream 300.000,00€ 05.05 Gateway 17.450,00€ 11.05 Gateway 110.000,00€ 25.05 Empréstimo Art 20.000,00€ 01.06 Gateway 30.000,00€ 12.06 Gateway 25.000,00€ 17.06 Gateway 38.000,00€ 29.06 Gateway 33.000,00€ 30/06 C… 16.000,00€ 02.07 Gateway 8.000,00€; conta n.º 580319136, da titularidade da C…, para as seguintes contas: Data Sociedade que recebeu Valor 08.06 R… 1.005,91€ 09.06 Gateway 8.671,00€ 12.06 Gateway 35.000,00€ 12.06 Stream 100.000,00€ 12.06 I…. 100.000,00€ 15.06 Stream 100.000,00€ 15.06 G…L. 40.000,00€ 29.06 G…L. 16.000,00€; conta n.º 45336353440, da titularidade da I…, para as seguintes contas: Data Sociedade que recebeu Valor 12.06 C… 100.000,00€ 12.06 Stream… 50.000,00€ 15.06 Stream.., 50.000,00 € 20. O requerido utilizou o dinheiro das empresas para fazer face às suas próprias despesas, para pagamento das contas de água/luz numa galeria de que é proprietário, para pagamento das contas de alarme/água/luz/TV/net/IMI na sua casa pessoal, para pagamento de aluguer de estacionamento, para pagamento da contabilidade da sua empresa Gateway, mencionada infra. 21. Com vista a salvaguardar os direitos de crédito que a herança detenha sobre o 1.º requerido emergente da má gestão levada a cabo, a requerente intentou contra o 1.º requerido uma providência cautelar de arresto. ** Factos julgados como não provados: a) O 1.º requerido constituiu, em 11 de janeiro de 2019, uma empresa apenas com o propósito único de registar a aeronave numa empresa por si controlada (a 2.ª Requerida) que tem a propriedade e o usufruto do avião. b) O avião foi comprado em 22 de fevereiro de 2019. c) O avião encontra-se registado em nome da 2.ª requerida. d) Os voos são operados pela AVCONT JET. e) O avião encontra-se a operar em regime de aluguer com a contratação da tripulação externa a cargo da AVCON JET. f) O requerido contratou viagens para a tripulação trazer o avião de regresso ao Aeródromo de Tires, viagens essas pagas pelas empresas da família. * Na sequência da audição da prova apresentada em sede de oposição, foram julgados provados os seguintes factos: 1. No final de 2018, o 1º Requerido apresentou ao seu pai um projeto para a compra da aeronave, para o 1º Requerido criar um negócio com vista à sua exploração (art.ºs 8º e 9º da oposição em parte). 2. Para a aquisição do avião era necessário um investidor, e somente demonstrando com um plano de negócios a rentabilidade do avião, o seu pai admitiria investir na aquisição (art.ºs 14º e 15º da oposição em parte). 3. Esse plano corresponde ao doc. 5 junto pela Requerente ao req. inicial elaborado no final de 2018 (art.º 16º da oposição). 4. A Requerente esteve presente quando o plano de negócios foi apresentado a T…. (art.º 23º da oposição). 5. A 2ª Requerida Stream… é uma sociedade de responsabilidade limitada constituída em 11 de janeiro de 2019, registada em Inglaterra e País de Gales (art.º 2º da oposição). 6. Conforme conta do respetivo Certificado de Constituição da Sociedade com o Nº OC425563, a 2ª Requerida Stream tem como sócios: a) o 1º Requerido com ações e direitos de votos superiores a 25%, mas inferiores a 50; e b) a sociedade Gateway,…., constituída ao abrigo do Direito Chinês, da qual o 1º Requerido foi sócio e administrador desde 2014 até 11 de dezembro de 2020, data em que foi registada a transmissão da sua quota a E…C…., sua cunhada (art.ºs 3º e 4º da oposição e doc. junto pela Requerente em 03/09/2022 – resposta explicativa). 7. O falecido T…. entendeu, face ao baixo valor dos juros no final de 2018 e início de 2019, recorrer a um empréstimo pessoal ao invés de retirar das suas contas bancárias a quantia destinada ao pagamento do avião (art.º 32º da oposição em parte). 8. A 2ª Requerida figura como adquirente no contrato de compra e venda da aeronave datado de 18 de janeiro de 2019 junto à oposição como doc. nº 1 e que se dá por reproduzido, e a aeronave foi posteriormente registada em seu nome (art.º 5º da oposição – resposta explicativa). 9. Conforme certificado de entrega da aeronave, datado de 05 de fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. 2 e que se dá por reproduzido, a mesma foi entregue à 2ª Requerida, como compradora (art.º 5º da oposição – resposta restritiva/explicativa). 10. T…., no âmbito do acordo com a Requerida Stream…, beneficiava de um desconto no preço das horas de voo nas suas viagens pessoais (art.º 35º da oposição). 11. T…. efetuou viagens que não foram contratadas à operadora da Stream, como as viagens de 10 de abril de 2019 de Nice pela Air Amburgo, e o voo de 15/07/2019 que foi contratado à Luxaviation (art.ºs 36º e 37º da oposição). 12. A aeronave tem de ter um operador registado para poder voar, e nesse contexto, em junho de 2019, a 2ª Requerida celebrou um contrato de operações com a GmbH para operar o avião (art.ºs 39º e 40º da oposição). 13. Em 17 de março de 2020, a 2ª Requerida e a Luxaviation, assinaram um Acordo e Garantia do Contrato de Gestão de Aeronaves (“Carta de garantia”), pela qual a Stream reconheceu que tinha uma conta vencida e pendente em relação à Luxaviation no valor de €733.633,76 (art.º 41º da oposição). 14. O 1º Requerido, como sócio da 2ª Requerida Stream assinou a garantia como fiador (art.º 42º da oposição). 15. Em 17 de junho de 2020, a 2ª Requerida e a Luxaviation celebraram uma alteração ao contrato de operação (1ª Alteração) e foi efetuado no Registo Internacional da Cidade do Cabo um interesse financeiro, através do qual a Luxaviation garante uma linha de crédito de €2.000.000,00 por 6 meses para liquidar a dívida constituída ou qualquer outro montante (art.º 43º da oposição). 16. Em 31 de agosto de 2020, foi celebrada uma 2ª Alteração com novos preços dos voos (art.º 44º da oposição). 17. A sócia da 2ª Requerida, Gateway, tem assumido pagamentos aos pilotos e demais tripulação desde a aquisição da aeronave (art.º 49º da oposição). 18. Assumindo também pagamentos de formação, taxas e despesas de revisão e manutenção do próprio avião até 13/10/2020, data da entrega judicial do avião à Requerente (art.º 50º da oposição). 19. A dívida da 2ª Requerida à sociedade Gateway, a 30 de novembro de 2020 ascendia a €3.104.626,00 (art.º 51º da oposição). 20. Em consequência da entrega à Requerente do avião em 13/10/2020, a 2ª Requerida recusou vários pedidos de voos, por não ter o avião na sua posse e gestão, sofrendo um prejuízo de valor não concretamente apurado (art.ºs 55º e 56º da oposição). 21. De acordo com os registos de voos do avião, desde 13/10/2020 até março de 2021 o total de horas voadas é de 230 horas (art.º 58º da oposição). 22. O valor hora de voo é de €5.500,00, a que acrescem os custos com handling, tripulação, catering e outros (art.º 59º da oposição). 23. O avião está a realizar voos de cerca de 2 horas e não de mais de 5 horas (art.º 61º da oposição). 24. Este avião é próprio para viagens de longo curso, a sua rentabilidade foi calculada para este tipo de voos (art.º 62º da oposição). 25. Ao permitir a realização de voos de 2 horas, o avião sofre um maior desgaste e obriga a mais manutenção e reparações (art.º 63º da oposição). * Foi julgada como não provada a seguinte factualidade: “A matéria alegada pelos Requeridos nos art.ºs 9º (na parte em que o negócio não se destinasse à compra do avião por T…), 14º (na parte em que a aquisição da aeronave passasse por um empréstimo à sociedade Stream), 17º (que o falecido T…. aceitou financiar este negócio mediante a concessão de um empréstimo à 2ª Requerida), 19º (que T…. acordou no empréstimo de €10.964.000,00 à 2ª Requerida para esta adquirir a aeronave, e para o efeito subscreveram o acordo de reconhecimento de dívida de 5 de Fevereiro de 2019, junto à oposição como doc. nº 5), 22º (no sentido em que a Requerente e filho M….tomaram conhecimento do empréstimo), 25º (na parte em que o falecido T… propôs ao filho M… facultar-lhe também capital para um negócio que este quisesse iniciar, o que este declinou), 29º (que T… tenha acordado conceder à 2ª Requerida um prazo carência de 5 anos, isto é, até 5 de Fevereiro de 2024 para pagamento de juros ao ano de 6%, sem prejuízo destes poderem ser capitalizados e dispõe de prazo até 5 de Fevereiro de 2031 para pagar a dívida), 38º (que o falecido somente contratou à 2ª Requerida a viagem a St. Petersburgo/Cascais em Outubro de 2019), 53º (que desde a entrega do avião à Requerente, as despesas assumidas pela 2ª Requerida e não totalmente contabilizadas são no total de €685.950,88; despesas várias - €35.413,53; vencimentos €48.000,00; Advogados €430.579,11; CAE formação - €147.372,88; Voos despesas - €15.930,61; contabilidade - €8.654,62), 56º (na parte em que o prejuízo seja aproximadamente de €3.250.000,00), da oposição. IV. Fundamentação de Direito Os procedimentos cautelares podem ser definidos como medidas provisórias que correspondem à necessidade atual de remover o receio de um dano jurídico, sendo emitidas com vista a uma decisão definitiva, cujo resultado visam garantir provisoriamente. Através do procedimento cautelar, procura-se a composição de um conflito de forma provisória e rápida, de modo a evitar que a demora da ação ponha em perigo a tutela do direito (sem prejuízo de ocorrer dispensa de propositura da ação principal, nos termos previstos no art.º 369º, nº 1, do Código de Processo Civil). “Os procedimentos cautelares têm por fim indagar se existe o direito que o requerente se arroga, averiguar se há periculum in mora, isto é, se ocorre risco iminente de lesão que justifique uma providência imediata destinada a afastar o perigo da demora na decisão final, pois o que justifica a providência cautelar é a necessidade de conjurar o perigo de dano proveniente da demora da providência jurisdicional definitiva e evitar que o prejuízo causado pela inobservância do direito possa vir a não ser reparado pelo retardamento da acção principal onde se apura a existência da lesão e o direito que o lesado tem à reparação”[4]. As providências cautelares podem ser antecipatórias ou conservatórias. As primeiras “visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa”[5] As segundas, são as que visam “manter inalterada a situação que preexiste à acção, tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais”.[6] Dispõe o art.º 362º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”, estatuindo, por seu turno, o nº 1, do art.º 368º, do mesmo Código, que “ A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. Deste modo, o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) Probabilidade de existência do direito alegadamente ameaçado – que constitua o objeto da ação declarativa – ou que venha a emergir duma decisão a proferir numa ação constitutiva, já proposta ou a propor (excetuadas as situações em que seja decretada a inversão do contencioso, nos termos previstos no art.º 369º, nº 1, do Código de Processo Civil); b) A existência dum receio fundado de que outrem, antes que seja proferida decisão definitiva, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito; c) A inaplicabilidade ao caso concreto de qualquer das providências cautelares tipificadas na lei (art.ºs 377º a 409º do Código de Processo Civil); d) A suscetibilidade de a providência decretada assegurar em concreto a efetividade do direito ameaçado; E) E que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar (vide art.º 368º, nº 2, do Código de Processo Civil). Antes de mais, cumpre salientar que não foi, in casu, questionada a possibilidade de recurso ao presente procedimento cautelar como forma de a Requerente assegurar a efetividade do direito ameaçado, sendo que na decisão inicial (proferida sem a audiência prévia dos Requeridos), considerou-se, acertadamente, justificar-se o recurso ao procedimento cautelar comum, nos termos que se passam a transcrever: “No caso, a requerente, invocando a qualidade de cabeça de casal, pretende que lhe seja restituída a aeronave que se encontra na posse da 2.º requerida, recusando-se o 1.º requerido enquanto beneficiário direto da 2.ª requerida a entregar a mesma à herança de T…., a que pertence. Para a restituição provisória da posse existe um procedimento cautelar especificado nos art.º 377.º e ss do Código de Processo Civil, para os casos em que exista esbulho violento da posse, devendo o possuidor alegar factos que constituam a posse, o esbulho e a violência (cf. n.º 1 do art.º 377.º). No entanto, nos casos em que o possuidor seja perturbado no exercício do seu direito sem que exista esbulho ou existindo esbulho sem que exista violência pode recorrer ao procedimento cautelar comum, conforme prevê o art.º 379º do Código de Processo Civil. Nestes casos, “a restituição provisória de posse, (…), depende da verificação de uma situação possessória, de esbulho ou turbação dessa posse e dos requisitos gerais próprios das providências cautelares comuns” - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16/01/2003, no processo 00035620, in www.dgsi.pt.. Para que esta providência possa ser decretada, existindo a restituição da posse da aeronave à requerente, é necessário que a mesma tenha sido perturbada na sua posse por parte dos requeridos.” A mesma decisão, proferida sem o exercício prévio do contraditório, decretou as medidas cautelares supra descriminadas. Dispõe o art.º 372º, do Código de Processo Civil: “1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º. (…) 3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.” Visando prevenir os riscos de injustiça decorrentes da prolação de uma decisão cautelar não precedida de contraditório, a lei concede ao recorrido duas possibilidades de agir contra uma decisão que lhe seja desfavorável: ou recorre (al. a), do nº 2, do sobredito preceito legal), ou deduz oposição (al. b), do mesmo nº 2), devendo recorrer a este meio quanto pretenda alegar factos novos, nomeadamente, factos principais, que não foram inicialmente levados ao conhecimento do julgador (factos excecionais que visem obstar à pretensão do requerente), ou factos meramente instrumentais, que visem abalar a convicção do julgador quanto à verificação dos factos que sustentaram o decretamento da providência, cabendo ao requerido/opoente, a prova duns e doutros[7]. Ainda nos termos daquela mesma disposição legal, o requerido pode limitar-se a requerer a produção de novos meios probatórios em ordem a abalar a convicção anteriormente firmada pelo juiz. O objetivo da oposição é, como se disse, demonstrar que não se verificam os fundamentos da medida cautelar, ou determinar a sua redução. “No âmbito da oposição, o juiz deve expressar na decisão que venha a proferir a nova convicção que puder formar a partir de uma discussão mais alargada proporcionada pelo exercício do contraditório, com resultados na revogação da medida ou na sua redução aos justos limites, de acordo com o que, ainda que em termos também provisórios, resultar apurado nesta fase do procedimento”.[8] No caso dos autos, notificada da providência decretada, a requerida optou por deduzir oposição, e fê-lo, propugnando pela revogação da decisão inicialmente proferida, com o imediato levantamento das medidas decretadas e a consequente restituição da aeronave à 2ª Requerida. Julgada improcedente a oposição, os recorridos insurgem-se contra a decisão, por entenderem que lograram infirmar a convicção firmada anteriormente, no sentido de que a aeronave integra a herança deixada por óbito de T…, por terem demonstrado que tal aeronave é propriedade da sociedade Requerida, que figura como adquirente da mesma, a favor de quem se mostra registada, e que manteve sempre a sua posse. Produzida a prova da oposição, evidenciam agora os autos que o 1º Requerido apresentou ao pai um projeto para a compra da aeronave, com a finalidade de criar um negócio com vista à sua exploração, tendo, para tanto, e com vista a conseguir convencê-lo sobre o investimento, apresentando um plano de negócios, o qual mencionava a rentabilidade da exploração do avião. Provou-se, ainda, que em 11 de janeiro de 2019 foi constituída a sociedade “Stream …., de responsabilidade limitada, registada em Inglaterra e País de Gales, e que tinha como sócios: o 1º Requerido com ações e direitos de votos superiores a 25%, mas inferiores a 50%, e a sociedade “Gateway…. Unipessoal Limitada”, constituída ao abrigo do Direito Chinês, da qual o 1º Requerido foi sócio e administrador desde 2014 até 11 de dezembro de 2020, data em que foi registada a transmissão da sua quota a E.C., sua cunhada. T…entendeu, face ao baixo valor dos juros no final de 2018 e início de 2019, recorrer a um empréstimo pessoal ao invés de retirar das suas contas bancárias a quantia destinada ao pagamento da aeronave. E foi assim que, conjuntamente com a ora Requerente, contrataram um leasing, mediante o qual obtiveram o empréstimo da quantia de USD 11.750.000,00, com a qual pagaram a aeronave. Não obstante terem procedido ao pagamento, foi a sociedade Requerida (constituída uma semana antes da compra e cujos sócios acima se deixaram identificados) que figurou como adquirente no respetivo contrato de compra e venda. E posteriormente, a aeronave foi registada a favor daquela mesma sociedade e entrou na sua posse em 5 de fevereiro de 2019, quando lhe foi entregue. As aeronaves estão sujeitas a registo (art.º 1º, nº 2, do Código de Registo de Bens Móveis – Decreto-Lei 277/95, de 25/10). O artigo 2º do mesmo Código dispõe que “o registo dos factos referentes ao bem móvel constitui presunção da existência da situação jurídica nos precisos termos nele definida”, regime que se encontra em consonância com o que se encontra previsto para os bens imóveis, por força do artigo 7º do Código do Registo Predial. Trata-se duma presunção decorrente da lei, mas que pode sucumbir perante a prova de factos suscetíveis de revelar que a situação jurídica é distinta daquela que é revelada pelo registo (cf. art.º 350º, nº 2, do Código Civil. A globalidade dos factos apurados não é suficientemente clara sobre os contornos do negócio, e, em particular, sobre o contrato de compra e venda, nomeadamente, sobre a razão da sociedade Requerida figurar como compradora da aeronave, quando foi a Requerente e o falecido marido que procederam ao pagamento da aeronave; quando foram também eles que contraíram empréstimo pessoal para a comprarem; quando não se provou, como vieram alegar os Requeridos, ter sido celebrado contrato de mútuo entre T…. e a sociedade Requerida, podendo, ainda, causar estranheza (face ao valor da aeronave e o pagamento por aqueles efetuado), a circunstância do negócio concretizado não ter previsto uma cláusula de reserva de propriedade do avião a favor de T…, ou deste não figurar também como sócio da sociedade Requerida, na qual assumiu posição preponderante o 1º Requerido. Mas perante este quadro global de incertezas, a mera evidência do pagamento feito pela Requerente e o falecido marido, em consequência de empréstimo por eles contraído, não tem, de per si, força necessária para ilidir a presunção de propriedade derivada do registo, particularmente porque nada foi concretamente alegado, e consequentemente, nada se apurou, ainda que indiciariamente, sobre a vontade real daqueles no momento da concretização do negócio, acrescendo que a aeronave entrou na posse da Requerida logo após a compra, na esfera de quem se manteve até o momento do decretamento da providência. Deste modo, dada a presunção de propriedade derivada do registo – não ilidida – e consequentemente, a licitude da posse da sociedade Requerida, resulta infirmada a conclusão alcançada aquando da decisão inicial quanto ao preenchimento dos primeiros dos pressupostos acima apontados: a probabilidade de existência do direito alegadamente ameaçado, o que basta para julgar procedente por provada a oposição, com o consequente levantamento das medidas decretadas. Em face do exposto, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos recorrentes. V. Decisão Na sequência do que se deixou expendido e no âmbito do enquadramento jurídico que aqui se deixou traçado, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente por provada a apelação, e, em consequência, e revogando a decisão proferida em 1ª instância, revogar as medidas cautelares anteriormente decretadas, determinando-se que a Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de T…. proceda à entrega imediata da aeronave à sociedade Requerida. Custas pela apelada (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil). Notifique. Lisboa, 12 de janeiro de 2023 Cristina Lourenço Carla Maria da Silva Sousa Oliveira Ana Paula Nunes Duarte Olivença _______________________________________________________ [1] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181. [2] Obra citada, págs. 196-197. [3] António Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 199-200. [4]“Dos Procedimentos Cautelares”, Manuel Baptista Lopes, pág. 14. [5]Lopes do Rego, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, pág. 275. [6] Lopes do Rego, ob. citada, pág. 275 [7] José Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 2001, pág. 43. [8] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta; Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição, pág. 372. |