Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
| Processo: | 
  | ||
| Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
| Descritores: |  CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE OFENDIDO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): - Mostra-se indiciada, nos presentes autos, a prática de crimes de abuso de confiança agravado, burla qualificada e branqueamento agravado, p. e p. pelos artigos 204º nºs 1 e 4, al. b), 217º nº 1 e 218º nºs 1 e 2, al. a), e 368º-A, nºs 1, 2, 3 e 6 do Código Penal (na presente data, nos termos do disposto no art. 368º-A, nºs 1, 2, 3, 4 e 6), todos do Código Penal, por factos ocorridos no período compreendido entre 2007 e Julho de 2014. - E é com fundamento na imputação dos crimes de burla qualificada e de abuso de confiança agravado que o recorrente pretende ser admitido a intervir como assistente. - O ofendido só terá legitimidade para se constituir assistente, no processo penal, se for o titular do interesse directo, imediata e predominantemente protegido pela incriminação, sendo este conceito restritivo o que melhor se adequa, quer ao teor literal do art. 68º nº 1 al. a) do CPP, especialmente, à expressão «interesse que a lei especialmente quis proteger», quer ao princípio geral consagrado no art. 9º do CC de que nenhum resultado da interpretação normativa pode ser validado, se não tiver correspondência no texto da lei e à presunção de que o legislador consagrou as soluções jurídicas mais justas e adequadas a cada caso. - Este conceito restrito é o que entronca directamente na tradição legislativa iniciada com o art. 11º do CPP de 1929 e, depois com as alterações àquele preceito introduzidas pelo Decreto-Lei nº 35007 de 13 de Outubro, em cujo texto se perfilhou o conceito restrito de ofendido, porque era imperioso afirmar expressa e claramente a natureza pública do processo penal (cfr. os arts. 1º, 4º e 5º do citado Decreto Lei 35007), para o que se revelou necessário substituir as anteriores «partes acusadoras» pelo actual assistente e sublinhar a competência tendencialmente exclusiva ou principal do Estado, por via de representação pelo Ministério Público, para o exercício do jus puniendi, permitindo a intervenção do assistente, sim, mas apenas como auxiliar ou colaborador da entidade promotora do processo criminal e relativamente à qual subordinou a respetiva actividade. - O que acontece é que todos os factos alegados na acusação e a que a pronúncia aderiu assentam na versão de que todo o dinheiro indevidamente apropriado proveio de fundos que não pertenciam ao recorrente, antes resultaram de financiamento providenciado pela instituição bancária de que o recorrente é tão-só uma filial, logo, não lhe pode ser reconhecida essa qualidade de pessoa titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por decisão proferida em ... de ... de 2024, no processo comum colectivo nº 244/11.0TELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 11, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi indeferido o pedido de constituição como assistente que havia sido formulado por ... (antigo ...) O requerente interpôs recurso deste despacho, tendo sintetizado os motivos da sua discordância, nas seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto do Despacho de ........2024, que indeferiu o pedido de constituição de assistente do ora Recorrente. B. A decisão do Tribunal a quo ignorou a existência de prejuízos diretos sofridos pelo Recorrente, que viu o seu património em decorrência da atuação dos Arguidos, que culminou no desvio de fundos destinados ao desenvolvimento da sua atividade. C. Contrariamente ao que se acredita que terá servido de base ao despacho recorrido, atenta a sua escassa fundamentação, o crime de burla protege o património de forma global e abrangente, incluindo as expectativas legítimas de vantagens jurídico-económicas. D. A instrumentalização do ... pelos arguidos, conforme extensivamente descrito na acusação pública, demonstra que os prejuízos sofridos pelo Recorrente decorrem diretamente da atuação dolosa dos arguidos, verificando-se, por isso, todos os pressupostos de nexo causal. E. O Tribunal a quo adotou uma conceção monolítica e excessivamente restritiva do bem jurídico tutelado pelo crime em questão, desconsiderando que a proteção do património não se restringe a perdas patrimoniais materiais, mas abrange também a proteção de interesses imateriais e expectativas legítimas. F. O indeferimento agora em crise desvirtua a teleologia do artigo 68.º, n.º 1, alínea a), do CPP, que visa assegurar aquele estatuto aos titulares de interesses juridicamente protegidos, nomeadamente em crimes pluriofensivos, como é o caso. G. A jurisprudência citada no despacho recorrido pode ser equiparada aos presente autos, uma vez que, naquele caso, os factos imputados não demonstravam qualquer prejuízo direto aos Recorrentes, contrariamente ao que ocorre no presente processo. H. Aliás, naqueles autos, e pelos mesmos factos que servem de objeto aos presentes – ainda que de forma mais sintetizada - viu o aqui Recorrente ser-lhe deferido o seu pedido de constituição de assistente, por força da alínea a), do n.º 1, do artigo 68.º, do CPP. I. É inegável que a atuação criminosa dos arguidos, descrita na acusação pública, causou prejuízos patrimoniais concretos ao Recorrente, incluindo a subtração de recursos financeiros destinados à operacionalidade da sua atividade. J. O bem jurídico protegido pelo crime de burla abrange, de forma inequívoca, os interesses patrimoniais do ..., sendo manifesto o direito deste à constituição como assistente. K. O despacho recorrido limita injustificadamente a capacidade do Recorrente de colaborar ativamente na descoberta da verdade material. ** Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procede e, em consequência, ser o despacho que indeferiu o pedido de constituição de assistente pelo Recorrente substituído por outro que admita o Recorrente a intervir, nos presentes autos, na qualidade de assistente. Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu que: 1. Nestes autos, veio o ..., requerer a constituição como assistente, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 68.º, n.º1, al. a) e n.º 3, do C.P.Penal – referência 235703 – datada de ; 2. Por despacho, com a referência ..., datado de .../.../2024 veio o douto Tribunal a indeferir a constituição do requerente ...; 3. O Ministério Público, salvo o devido respeito, discorda da posição assumida, no despacho proferido pelo douto Tribunal, ao concluir que o objeto da acusação e da pronúncia, não se extrai qualquer crime imputado aos arguidos, por prejuízos patrimoniais causados ao ..., e que os factos aludidos são meramente instrumentais em relação aos ilícitos; 4. O ..., enquanto sucessor do ... (...), viu-se diretamente afetado pela atuação dos administradores do .... Tal prejuízo está diretamente relacionado com a gestão ruinosa e da conduta ilícita daqueles e tal decorre diretamente dos factos da acusação e da pronúncia; 5. O pedido de constituição do ... como assistente fundamenta-se na necessidade de assegurar a responsabilização criminal dos antigos administradores; 6. No âmbito do Processo 324/14.0... – Processo ..., foi já admitida a constituição do ... como assistente – despacho datado de ........2024 – referência ..., na pessoa do seu administrador e testemunha nos presentes autos AA, reconhecendo-se assim a importância da atribuição de tal estatuto ao .... Tal precedente reforça a legitimidade do ... para intervir na qualidade de assistente, nos presentes autos; 7. A burla imputada, na acusação e pronúncia, aos antigos administradores do ..., poderá ter lesado o ..., enquanto sucedâneo, sendo que a aquisição do estatuto de assistente, poderá contribuir de forma ativa para a descoberta da verdade, e a responsabilização dos arguidos; 8. Na senda da posição já assumida pelo Ministério Público, aderimos, expressamente aos argumentos do recorrente ..., no sentido de pugnar pela admissão da sua constituição como assistente, nos presentes autos, uma vez que se mostram preenchidom os requisitos do art.º 68.º do C.P.Penal, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se pela admissão do recorrente, nessa qualidade; 9. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do recorrente ... não merece provimento, devendo revogar-se o douto despacho recorrido, nesta parte. O arguido BB também apresentou resposta a este recurso, concluindo que: 1.ª O ... não assume a qualidade de ofendido nos presentes autos porque as imputações criminais, tal como configuradas na Acusação e na Pronúncia, decorrem de prejuízos causados ao ..., e não ao ..., razão pela qual a decisão recorrida não merece qualquer reparo. 2.ª O pedido de constituição como assistente do ... foi formulado após a Acusação do Ministério Público e mesmo após a decisão instrutória, pelo que o objeto do processo se encontra definitivamente fixado, não sendo legítimo ao Tribunal enquadrar o Recorrente como ofendido num quadro em que não foi imputado qualquer crime praticado contra o .... 3.ª Se na Acusação o crime tivesse sido configurado como tendo sido praticado contra o ..., muito provavelmente (para não dizer com certeza) a jurisdição portuguesa não seria competente. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. suprirão, deve ser julgado totalmente improcedente o Recurso sob resposta, com as legais consequências. Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, o Exmo. Sr. Procurador Geral da República Adjunto emitiu parecer, nos seguintes termos: «II. Constitui objecto do recurso interposto por ..., o despacho proferido em ........2024, que indeferiu o pedido de constituição de assistente formulado pelo Recorrente. «O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, âmbito em que correctamente identificou e analisou o seu objecto, especificando as razões que fundam o entendimento no sentido de que o recurso merece provimento. «Nesta instância, em sintonia com o teor das pertinentes considerações expendidas no âmbito da resposta apresentada pela Exma. Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, expostas com correção jurídica e clareza de fundamentação, o Ministério Público acompanha tal resposta nos precisos termos em que se mostra formulada, e para a qual por uma questão de economia processual aqui se remete. «Em decorrência, emite-se parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente.» Cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do CPP, não houve respostas. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência prevista nos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do CPP. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma, quando as decisões impugnadas sejam sentenças e/ou acórdãos; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se o recorrente tem legitimidade para intervir como assistente, neste processo. 2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevo para o desfecho do presente recurso, importa ter em atenção a seguinte factualidade: No inquérito que correu termos nos presentes autos, em ... de ... de 2022, o Ministério Público proferiu despacho de acusação para julgamento sob a forma de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, pelos factos no mesmo articulado consignados, contra os arguidos A. CC, imputando-lhe a prática: a) Em autoria material, 13 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal; b) Em autoria material, 5 crimes de branqueamento agravado, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.º 1, 2, 3 e 6, do Código Penal (na presente data, nos termos do disposto no artigo 368.º-A, n.º 1,2, 3, 4 e 6); c) Em co-autoria com DD, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); d) Em co-autoria com DD e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.°, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); e) Em co-autoria com DD e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...). B. DD, imputando-lhe a prática: a) Em co-autoria com CC, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); b) Em co-autoria com CC e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); c) Em co-autoria com CC e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b) do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...); d) Em co-autoria com EE e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). C. EE, imputando-lhe a prática: a) Em co-autoria com CC, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); b) Em co-autoria com CC e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); c) Em co-autoria com CC e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...); d) Em co-autoria com EE e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). D. BB, imputando-lhe a prática: a) Em co-autoria com CC e DD, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); b) Em co-autoria com DD e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). E. FF, imputando-lhe a prática: a) Em co-autoria com DD e EE, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). Na sequência da instrução requerida pelos arguidos CC, DD, EE, BB e pela assistente ..., - Em liquidação, veio a ser proferida decisão instrutória, nos termos da qual foram julgados totalmente improcedentes os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos CC, DD, EE e BB, e foi julgado totalmente procedente o requerimento de abertura de instrução deduzido pelo assistente ..., - Em liquidação e, consequentemente: 1. Rejeitou-se a apensação dos presentes autos ao processo n.º 324/14.0..., ao abrigo do artigo 24.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. 2. Julgou-se a lei portuguesa aplicável, tendo os Tribunais portugueses jurisdição para julgar os factos pelos quais o Ministério Público pretende submeter os arguidos a julgamento, ex vi artigos 4.º, alínea a), 7.º, n.º 1, do Código Penal. 3. Julgou-se não aplicável ao caso dos autos a amnistia operada pela Lei ... n.º 11/16, de .... 4. Declarou-se que os prazos de prescrição dos crimes de abuso de confiança agravados e dos crimes de branqueamento de que CC está acusado pelo Ministério Público são, respectivamente, de 10 anos e de 15 anos. 5. Julgou-se não verificada a prescrição do procedimento criminal invocada pelo arguido CC, ao abrigo do previsto nos artigos 118.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, a contrario. 6. Julgou-se não verificada a nulidade da acusação ao abrigo do artigo 283.º, n.º 3, alínea g), do Código de Processo Penal, invocada pelo arguido CC. 7. Julgou-se não verificada a nulidade da acusação invocada pelos arguidos DD e EE no seu requerimento de abertura de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal. 8. Julgou-se não verificada qualquer violação do princípio ne bis in idem nos termos invocados por CC. 9. Julgou-se não verificada qualquer violação do princípio ne bis in idem nos termos invocados por DD. 10. Julgou-se não verificada qualquer violação do princípio ne bis in idem nos termos invocados por EE. 11. Julgou-se não verificada qualquer violação do princípio ne bis in idem nos termos invocados por BB 12. Julgou-se não verificada a nulidade invocada pelo arguido DD, ao abrigo dos artigos e 61.º, n.º 1, alínea b), c), g), 144.º, 118.º, n.º 1, 120.º, n.º 1 e n.º 2, alínea d), e 122.º do Código de Processo Penal e declarando-se que, pelos mesmos motivos, não se tendo violaram os artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.º 1, e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, pois é a interpretação sobredita consentânea com a Lei Fundamental. 13. Julgou-se não verificada qualquer nulidade da prova por violação do sigilo profissional, invocada pelo arguido EE. 14. Julgou-se não verificada qualquer violação do princípio da especialidade na cooperação judiciária internacional, ao abrigo do previsto no artigo 148.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, invocada pelo arguido DD. 15. Foram pronunciados para julgamento sob a forma de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, nos exactos termos da acusação (fls. 10494, volume 27, a fls. 11316, volume 29, com a rectificação da tabela de prova de fls. 11523 a 11527, volume 30, a rectificação de fls. 11992, volume 31, a protestada juntar entretanto junta pelo Ministério Público), e com a mesma qualificação jurídica, os arguidos: a. CC, pela prática: i. Em autoria material, 13 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal; ii. Em autoria material, 5 crimes de branqueamento agravado, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.º 1, 2, 3 e 6, do Código Penal (na presente data, nos termos do disposto no artigo 368.º-A, n.º 1,2, 3, 4 e 6); iii. Em co-autoria com DD, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); iv. Em co-autoria com DD e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.°, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); v. Em co-autoria com DD e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...). b. DD, pela prática: i. Em co-autoria com CC, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); ii. Em co-autoria com CC e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); iii. Em co-autoria com CC e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b) do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...); iv. Em co-autoria com EE e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). c. EE, pela prática: i. Em co-autoria com CC, 3 crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para contas da ... e ...); ii. Em co-autoria com CC e EE, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); iii. Em co-autoria com CC e BB, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ... e ...); iv. Em co-autoria com EE e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). d. BB, pela prática: i. Em co-autoria com CC e DD, 1 crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal (para as transferências ordenadas para a ...); ii. Em co-autoria com DD e FF, 1 crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal (pontos 13 a 15). 16. Decidiu pronunciar para julgamento sob a forma de processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, nos exactos termos da acusação implícita do requerimento de abertura de instrução do assistente ..., Em liquidação (apenso LVIV-D, e com a mesma qualificação jurídica, ao abrigo do artigo 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, os arguidos DD, EE, CC e FF, pela prática, em co-autoria, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), do Código Penal (despacho de pronúncia de ... de ... de 2024, com a referência Citius 8955025). O ..., antigo ... veio requerer a sua constituição como assistente, tendo invocado, os seguintes factos que, em seu entender justificam que lhe seja atribuído esse estatuto processual: « (…) o nexo de causalidade adequada e direta, entre as condutas delituosas sobre que versam os factos ali descritos e os prejuízos sofridos pelo Recorrente, na sequência da conduta perpetrada dos Arguidos. SENÃO, VEJAMOS, Mostra-se indiciada, nos presentes autos, a prática de crimes de abuso de confiança agravado, burla qualificada e branqueamento agravado, p. e p. pelos artigos 204.°, n.os 1 e 4, al. b), 217.°, n.° 1 e 218.°, n.os 1 e 2, al. a), e368.°-A, n.os 1,2, 3 e 6 do Código Penal (na presente data, nos termos do disposto no art.° 368.°-A, n.os 1, 2, 3, 4 e 6), todos do Código Penal, por factos ocorridos no período compreendido entre 2007 e julho de 2014. 9. O acervo factual constante da acusação aponta para o desvio de fundos cuja proveniência está relacionada com a concessão de financiamento, pelo ... ao ..., em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário, em benefício patrimonial de alguns dos arguidos, de estruturas societárias sob domínio dos mesmos e de terceiros e entidades terceiras. 10. Foram apuradas vantagens decorrentes da prática dos referidos ilícitos criminais, nos montantes globais de 265.178.856,09€ e 210.263.978,84USD. 11. Em resposta necessária à crise financeira que o ... enfrentava fruto das referidas condutas, o ... viu-se obrigado a intervir, de forma a evitar um colapso total do sistema financeiro. 12. No dia ... de ... de 2014, após ter sido decretada pelo ..., na véspera, a medida de resolução do ..., e perante a degradação da qualidade dos ativos do ..., o ... deliberou a adoção de medidas extraordinárias de saneamento ao Banco, tendo para o efeito procedido à nomeação de administradores provisórios. 13. Resulta, por isso, evidente, os prejuízos diretos sofridos pelo ..., decorrente da atuação dos Arguidos, que impactaram profundamente a sua solvência e viabilidade, com consequências financeiras e reputacionais graves. 14. Mais, a ampla cobertura sobre os factos objeto dos presentes autos expuseram o ... - e, por via disso, o aqui Requerente - a uma imagem de gestão fraudulenta, minando a confiança, não só do público, mas também do mercado financeiro em geral.», acrescentando ter um interesse directo na punição dos agentes dos crimes de abuso de confiança agravada e dos crimes de burla qualificada (Requerimento de ........2024, com a referência Citius 235703); O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição integral): Apresentou-se ... a requerer a sua constituição como assistente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 68º, nº 1, alínea a), e nº 3, do Código de Processo Penal. Alegou, para tanto e em suma, que na sua qualidade de instituição financeira privada angolana (antigo ...) sofreu prejuízos, quer financeiros, quer reputacionais, decorrentes da atuação dos arguidos que consta descrita na acusação pública deduzida nos autos, nisso aduzindo um interesse direto na punição dos arguidos pelos crimes de abuso de confiança agravada e burla qualificada. Operado o contraditório, ao abrigo do disposto no nº 4, da disposição legal acima aludida, os arguidos CC e BB, por requerimentos respetivamente sob as referências 41270618 e 41299243, manifestaram oposição à admissão do requerente a intervir nos autos como assistente, sendo que o MINISTÉRIO PÚBLICO declarou nada ter a opor, conforme requerimento sob a referência 41282891, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos. Os demais arguidos não tomaram posição. Apreciando. Segundo dispõe o artigo 68º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: “os ofendidos, maiores de 16 anos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. O regime jurídico atinente à figura do assistente assenta na constatação de que o reconhecimento ao ofendido do direito de intervir no processo, nos termos da lei, deve ser uma das garantias do processo criminal (artigo 32º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa), de harmonia, aliás, com os princípios constitucionais mais genéricos do acesso de todos os cidadãos ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, embora não equiparáveis às garantias de defesa reconhecidas ao arguido, pois que o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa visa exclusivamente o arguido e não também o assistente (cfr., entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional nº 281/2020, in www.tribunalconstitucional.pt e, na doutrina, GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, págs. 516 e 523). O conceito de ofendido, para efeitos de legitimidade para a constituição como assistente, coincide com o conceito adotado no artigo 113º, nº 1, do Código Penal. O direito a se constituir assistente no processo criminal entronca, pois, na legitimidade para apresentar queixa. Como se refere no “Código de Processo Penal Anotado”, de ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, SANTOS CABRAL, MAIA COSTA, OLIVEIRA MENDES PEREIRA MADEIRA E HENRIQUES DA GRAÇA, 2014, pág. 239, em anotação ao artigo 68º: “a primeira – e verdadeiramente típica – categoria das pessoas que podem constituir-se assistentes no processo penal são os ofendidos, que a lei define como os titulares do interesse que a lei especificamente quis proteger com a incriminação, isto é, de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado; para este efeito, só será ofendido quem for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei, concretizado e inserido de modo funcionalmente relevante na relação teleológica-funcional entre o bem jurídico e o sujeito afectado”. Tradicionalmente a jurisprudência considerava que o referido artigo 68°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal, consagrava um conceito restrito de ofendido, segundo o qual ofendido é o titular do interesse “direta”, “imediata” ou “predominantemente” protegido pela incriminação, sendo que o acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 1/2003 (publicado no “Diário da República”, nº 49/2003, Série I-A, de 27 de fevereiro de 2003) rompeu com esse entendimento tradicional e alargou o conceito da legitimidade para a constituição de assistente à pessoa cujo prejuízo seja visado para além do interesse que a norma visa proteger especialmente, ao considerar que o vocábulo “especialmente” usado na lei significa particular e não exclusivo, de sorte que “quando os interesses, imediatamente protegidos pela incriminação, sejam, simultaneamente, do Estado e de particulares... a pessoa que tenha sofrido danos em consequência da sua prática tem legitimidade para se constituir assistente”. Neste sentido, revertendo ao caso concreto e dentro daqueles que são os fundamentos aventados pelo requerente do requerimento de constituição como assistente sob apreciação, urge considerar que “o interesse protegido no caso dos crimes de burla e de abuso de confiança não é apenas o interesse público do Estado de garantia das relações jurídico-patrimoniais, abrangendo igualmente o património concreto do lesado particular” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11.05.2022, proc. 8910/17.0T9PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt). Acontece que o ora requerente apresentou o presente requerimento de constituição como assistente em ........2024, já depois de encerrado o inquérito (em ........2022) e proferida a decisão instrutória (em ........2024), sendo o objeto do processo definido pela pronúncia, com remessa para os fundamentos de facto e de direito constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público e do requerimento de abertura de instrução do assistente ..., Em .... Por conseguinte, em relação ao objeto da acusação tal como foi definido pelo Ministério Público, não se extrai qualquer crime imputado aos arguidos por prejuízos patrimoniais causados ao ... Com efeito, segundo configurado pela mesma, os prejuízos aludidos respeitam antes ao ..., sendo que, para esse efeito, por referência àquilo que terá estado na origem desses prejuízos, a factualidade que aí vem aludida em relação ao ... é instrumental dos crimes imputados aos arguidos e sem que do dito objeto decorram prejuízos causados ao próprio ... Do mesmo modo, também tal não sucede do objeto da pronúncia na parte atinente à acusação implícita do requerimento de abertura de instrução do assistente ..., em ..., de onde não resultam, decorrente da imputação criminal aí dirigida aos arguidos, quaisquer prejuízos ao ..., mas antes ao ... Nesse preciso sentido, em situação similar, teve ocasião de se pronunciar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.12.2021, processo nº 324/14.0...-FJ.L1-5, disponível em www.dgsi.pt. Termos em que, tudo visto e ponderado, sem necessidade de ulteriores considerações, conclui-se que não pode o requerente ser admitido a intervir nestes autos como assistente, assim se indeferido o respetivo pedido. Notifique (despacho de ........2024, com a referência Citius ...). 2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO O Código de Processo Penal (CPP) não define directa e expressamente um conceito de assistente, limitando-se a indicar quem se pode constituir como tal e a estruturar a correspondente posição processual e suas atribuições. Assim, segundo o disposto no art. 68º, podem constituir-se assistentes: as pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito (corpo do nº 1 do artigo 68º); os ofendidos, maiores de 16 anos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (alínea a) do nº 1 do artigo 68º); as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento (alínea b) do nº 1 do artigo 68º); os representantes do ofendido falecido, não renunciante, incapaz ou menor de 16 anos (alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 68º) e qualquer pessoa em determinados crimes expressamente indicados, como é o caso dos crimes contra a paz e a humanidade, de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (alínea e) do n.º 1 do artigo 68º). O CPP prevê, ainda, uma panóplia de direitos de intervenção no processo, entre os quais se destacam os poderes de deduzir acusação; de requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por decisão do Mº. Pº.); de apresentar provas, durante o inquérito, a instrução e o julgamento, de ser ouvido, de interpor recurso da decisão final absolutória, inerentes a esse estatuto, para além de outros, expressamente reconhecidos ao assistente, nos arts. 68º; 69º; 284º; 285º; 287º nº 1 al. b); 341º al. b); 346º; 401º nº 1 al. b). E, no art. 69º nº 1, assume de forma clara que o assistente é um colaborador do Mº. Pº., devendo, por regra, subordinar a sua intervenção no processo à actividade do Mº. Pº. A previsão do assistente como um sujeito processual, é uma especificidade do CPP português sem paralelo no Direito Comparado, fruto da pretensão do legislador português, no sentido de assegurar o equilíbrio entre a natureza pública do exercício da acção penal, atribuído a um órgão do Estado, o Mº. Pº. (art. 219º da CRP), em sintonia com o interesse eminentemente público do «jus puniendi» como direito exclusivo do Estado e com as exigências de observância do princípio da legalidade e de defesa da legalidade democrática e as finalidades de protecção da vítima, para cuja prossecução «mais decisivo ainda que o auxílio “social” em sentido amplo que lhe possa ser prestado é o conferir-lhe voz autónoma, logo ao nível do processo penal, permitindo-lhe uma acção conformadora do sentido da decisão final» (Figueiredo Dias, «Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal», in Jornadas de Processo Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 10). O regime jurídico atinente à figura do assistente alicerça-se, pois, na constatação de que o reconhecimento ao ofendido do direito de intervir no processo, nos termos da lei, deve ser uma das garantias do processo criminal (art. 32º nº 7 da CRP), de harmonia, aliás, com os princípios constitucionais mais genéricos do acesso de todos os cidadãos ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no art. 20º nºs 1 e 4 da CRP, embora não equiparáveis às garantias de defesa reconhecidas ao arguido, pois que o art. 32º nº 1 da CRP visa exclusivamente o arguido e não também o assistente (cfr., entre outros, os Acórdãos do TC nºs 194/2000, 259/2002, 464/2003, 326/2012, 118/2017 e 281/2020, in http://www.tribunalconstituicional.pt e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, pp. 516 e 523). A consideração de que o crime ofende principalmente interesses da comunidade não anula a constatação de «que em grande número de crimes quem primeiro sofre o mal do crime são os particulares e, por isso, a sua participação activa no processo permite dar-lhes satisfação pela ofensa sofrida, convencendo-os da efectivação da justiça no caso, e trazer ao processo a sua colaboração» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, p. 240). Assim «o assistente está legitimado a agir no processo penal, enquanto detentor de um específico interesse na questão de direito sujeita a apreciação judicial. Sendo que esse interesse, embora particular, é um elemento de ponderação na concreta decisão do caso, pelo que a intervenção do assistente é também uma exigência de ordem pública (pois que a decisão justa é aquela que tem por suporte a consideração de todos os pontos juridicamente relevantes - incluindo o do assistente)» (Damião da Cunha, «A participação dos particulares no exercício da acção penal», RPCC, 8, p. 593). Porém, se «(…) a experiência nos patenteia do quanto é eficaz e benéfica a ampla colaboração dos particulares na acusação, (…) eles possam, muitas vezes, levar para o processo uma natural paixão que desvirtua a função da acusação, essa paixão pode e deve ser eficazmente contrabalançada pela imparcialidade tanto do Ministério Público como do juiz» (Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português, I, pp. 192 e segs. No mesmo sentido, art. 2º nº 1, 7 e 11 da Lei de autorização legislativa do actual Código de Processo Penal (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro). Para o que releva no caso vertente, a legitimidade para a constituição como assistente só pode ser apreciada, de acordo com a previsão legal contida no art. 68º nº 1 al. a) do CPP, quanto aos crimes em investigação, nestes autos, que não integram o catálogo da al. e) do art. 68º nº 1, nem são crimes de natureza semi-pública ou particular, como é o caso dos crimes de burla e falsificação, imputados aos arguidos, já que foi exclusivamente com fundamento no disposto no art. 68º nº 1 al. a) do CPP que o recorrente requereu a sua intervenção como assistente. Nos termos da daquela disposição legal, o ofendido com legitimidade para se constituir assistente, tem um sentido mais restrito do que o conceito geral de ofendido e, portanto, não basta que tenha sofrido prejuízos com o crime, é essencial que este crime o haja atingido directa e particularmente. É o ofendido com o significado estrito de pessoa titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação, a título pessoal directo, ou por representação, na acepção contida no art. 113º nº 1 do CP. Efectivamente, o conceito de ofendido é mais amplo do que deve ser o de assistente, pois que, se é certo que o ponto de partida na construção do critério de atribuição da legitimidade para a constituição como assistente, se localiza na condição de ofendido, tal como resulta do próprio texto da alínea a) do nº 1 do artigo 68º do CPP, a verdade é que a lei penal não exige que o ofendido seja titular do direito protegido pela incriminação. É que o nº 1 do artigo 113º do Código Penal, ao mencionar expressamente o «titular dos interesses», para se referir ao ofendido, significa que o reconhecimento da legitimidade para o exercício de direitos processuais do ofendido, só depende da existência de um interesse, o qual pode nem envolver a titularidade do bem jurídico visado pela norma que tipifica o crime (por outro lado, também pode nem coincidir com o conceito de lesado, pois este é apenas referido a pessoas que sofreram as consequências civis da prática do crime – ou seja, prejuízos ligados por um nexo de causalidade à conduta delituosa e cujo ressarcimento esteja legalmente previsto). Assim, o ofendido só terá legitimidade para se constituir assistente, no processo penal, se for o titular do interesse directo, imediata e predominantemente protegido pela incriminação, sendo este conceito restritivo o que melhor se adequa, quer ao teor literal do art. 68º nº 1 al. a) do CPP, especialmente, à expressão «interesse que a lei especialmente quis proteger», quer ao princípio geral consagrado no art. 9º do CC de que nenhum resultado da interpretação normativa pode ser validado, se não tiver correspondência no texto da lei e à presunção de que o legislador consagrou as soluções jurídicas mais justas e adequadas a cada caso. Este conceito restrito é o que entronca directamente na tradição legislativa iniciada com o art. 11º do CPP de 1929 e, depois com as alterações àquele preceito introduzidas pelo Decreto-Lei nº 35007 de 13 de Outubro, em cujo texto se perfilhou o conceito restrito de ofendido, porque era imperioso afirmar expressa e claramente a natureza pública do processo penal (cfr. os arts. 1º, 4º e 5º do citado Decreto Lei 35007), para o que se revelou necessário substituir as anteriores «partes acusadoras» pelo actual assistente e sublinhar a competência tendencialmente exclusiva ou principal do Estado, por via de representação pelo Ministério Público, para o exercício do jus puniendi, permitindo a intervenção do assistente, sim, mas apenas como auxiliar ou colaborador da entidade promotora do processo criminal e relativamente à qual subordinou a respetiva actividade. Em sintonia, o art. 113º do CP define os titulares do direito de queixa, no seu nº 1, ao prever que, «quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.” De resto, a alusão restritiva a interesse que a lei quis especialmente proteger com a incriminação é ainda a que melhor se adequa à natureza pública do processo penal e à regra, dela resultante, de que a titularidade da acção penal compete, em regra, ao Ministério Público, tal como anunciado no art. 219º nº 1 da CRP. Não podem, pois, ser incluídos no universo de pessoas com legitimidade para se constituírem assistentes, os titulares de interesses mediata ou só reflexamente protegidos, de uma ofensa indirecta ou de interesses morais. A ofensa de tais valores, pela prática do crime, poderá, quanto muito, atribuir-lhes a condição de lesados e, nessa qualidade, a de sujeitos processuais como partes civis, mas não a possibilidade de intervir no processo penal, como assistentes. Essa é, aliás, também a concepção subjacente à previsão contida no art. 74º nº1 do CPP, que perfilha a distinção entre lesado e ofendido, definindo lesado como «a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente». Em contrapartida, a própria Constituição relegou para o legislador ordinário a densificação do direito de intervir no processo, reconhecendo-lhe autonomia na função modeladora e normativo-constitutiva de determinação da universalidade de processos em que o ofendido pode intervir, na qualidade de assistente. Por isso que, afinal, o artigo 68º nº 1 al. a) do CPP consagra um conceito de ofendido que não é assim tão restrito, «(…) ainda que não reconheça um conceito de tal forma amplo que possa englobar a totalidade das pessoas prejudicadas pelo facto criminoso. Assim, consagra a noção operatória e concetual de ofendido através duma especificidade multifacetada ou poligonal do bem jurídico que serve de base ao tipo violado e à própria situação em apreço. Assim, cria uma dependência em torno do conceito de bem jurídico. (…) o conceito legal de ofendido é pois restrito, conclusão inexorável imposta por lei, sendo que se aceitarmos um conceito amplo de ofendido poderíamos obter como resultado consequências desastrosas para o processo (…) a problemática, assenta não no conceito de ofendido, mas na identificação do bem jurídico protegido pelo crime que estiver em causa» (Maria Luísa Henriques Tembo, “A Constituição de Assistente”, Dissertação de Mestrado, na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Forenses apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Orientada pela Senhora Dra. Cláudia Santos, Coimbra, 2015, p. 35, in https://eg.uc.pt/bitstream/10316/34890/1/A%20Constituicao%20de%20Assistente.pdf). Assim, o interesse que a lei quis especialmente proteger tem de ser entendido na acepção de titularidade do interesse jurídico-penal lesado ou posto em perigo de violação pela conduta criminosa, para efeitos de aferição da legitimidade para se ser assistente. O conceito de ofendido, para efeitos da sua intervenção como assistente, nos termos do art. 68º do CPP, passa a «ser adaptado à realidade sociológica da vítima e à realidade normativa da titularidade do bem jurídico da norma incriminadora em análise, pelo que comporta vantagens de política criminal, abrindo portas também para uma aproximação entre o sistema penal e o processo penal, pois, não é abandonada a natureza pública do processo penal e não é descaracterizada a figura do assistente amplificando ou remodelando a figura que existe atualmente às novas exigências da moderna sociedade.» (Frederico de Lacerda da Costa Pinto, «O estatuto do Lesado no Processo Penal», in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. 1, Coimbra Editora, 2001). É em sintonia com este concomitante estreitamento do conceito de ofendido e ampliação do espectro da definição de bem jurídico que os AUJ do STJ nºs 1/2003 de 16 de Janeiro, 8/2006 de 28 de Novembro e 10/2010 e 17 de Novembro fixaram jurisprudência em matéria de critérios determinantes da legitimidade para a constituição como assistente, em relação aos crimes de falsificação, de denúncia caluniosa e de desobediência qualificada por violação de providência cautelar, respectivamente, à pessoa cujo prejuízo haja sido visado pelo autor do crime, ao caluniado e ao requerente da providência cautelar (cfr. DR, Série I-A de 27.02.2003, DR Série I-A de 28 de Novembro de 2006 e DR Série I -A de 16.12.2010). São, pois, apenas os ofendidos que sejam os titulares dos interesses que a lei penal tem especialmente por fim proteger, quando previu e puniu a infracção e que esta ofendeu ou pôs em perigo, que têm legitimidade substantiva para se constituírem como assistentes. «Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a perpetração da infracção; ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato da infracção (…) Nem todos os crimes têm, por isso, ‘ofendido’ particular. Só o têm aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular» (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Lisboa, 1955, vol. I, págs. 129-130). «Não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime: ofendido é somente o titular do interesse que constitui objecto da tutela imediata pela incriminação do comportamento que o afecta. O interesse jurídico mediato é sempre o interesse público, o imediato é que pode ter por titular um particular. Nem todos os crimes têm ofendido particular. Só o têm aqueles em que o objecto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é titular um particular» (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 4ª ed., Lisboa S/Paulo, 2000, pág. 264, cfr. também, pág. 335). Ora, a determinação de qual é o bem jurídico ou bens jurídicos (no caso dos crimes pluriofensivos ou complexos em que a tutela abrange vários direitos/interesses) que constituem o objecto imediato da incriminação, envolve a análise dos elementos constitutivos do tipo legal de crime e a sua inserção sistemática, na parte especial do Código Penal, a fim de descortinar qual o universo desses titulares de interesses legalmente protegidos (José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, II, pp. 156 e segs.; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, I, p. 240; Damião da Cunha, «Algumas reflexões sobre o estatuto do assistente e seu representante no direito processual penal português» RPCC, 5.º, 1995, p. 153, e «A participação dos particulares no exercício da acção penal», mesma RPCC, 8.º, pp. 593 e segs.; Teresa Beleza, Apontamentos de Direito Processual Penal, III, p. 206). No crime de burla, o bem jurídico protegido é o património, globalmente considerado na sua perspectiva económico-jurídica, como o acervo de direitos subjectivos (reais ou obrigacionais), a que se somam os lucros cessantes e as expectativas de vantagens jurídico-económicas, todos bens e direitos materiais e imateriais, desde que susceptíveis de quantificação pecuniária e, por isso mesmo, dotados de valor económico e conquanto sejam protegidos pela ordem jurídica, ou pelo menos, a sua fruição não seja por esta desaprovada, uma vez que esta concepção económico-jurídica do património é a única consentânea com a natureza do crime de burla como um crime contra o património e como um crime de dano (nesse sentido, Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 275/276; José António Barreiros, Crimes contra o património, Lisboa: Edição da Universidade Lusíada, 1996, pág. 148 e 152; A. Lopes de Almeida/, Lopes do Rego/ Guilherme da Fonseca/Marques Borges/ Varga Gomes, Crimes contra o património em geral (Nota ao código penal), Lisboa: Editora Reis dos Livros, 1983, pág. 19 e 25 e, Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código Penal Português (anotado e comentado), 14.ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 2001, pág. 690 e por todos, Acs. do STJ de 27.06.2001; de 24.05.2006, de 4.12.2008; de 16.06.2010 e Acs. da Relação de Coimbra de 02.06.2009; de 08.02.2012, proc. 522/01.6TACBR.C2 e de 07.04.2016, proc. 798/15.1T9GRD-A.C1; Ac. da Relação de Lisboa de 20.04.2012, proc. 1174/06.2TAFIG.L1-5; Ac. da Relação do Porto de 11.01.2017, proc. 1830/12.6JAPRT.P1, in http://www.dgsi.pt). No art. 205º do CP, protege-se o bem jurídico propriedade alheia, no contexto de uma relação de fidúcia entre o agente do crime e o proprietário. Enquanto que no furto protege-se a propriedade, mas protege-se também e simultaneamente a integridade da posse ou detenção de uma coisa móvel, no abuso de confiança só a propriedade como tal é objecto de tutela (Carlos Alegre, «Crimes contra o Património», Cadernos da RMP 3 1988, p. 77 ss.; J. A. Barreiros, Crimes contra o Património 1996, p. 82 e Comentário Conimbricense do CP, II, Art. 205.°, 2.a Ed, Gestlegal, p. 111). Tal como o recorrente alega, segundo o que também consta alegado pelo Mº. Pº., na acusação, está em causa a apropriação ilegítima, porque obtida através da prática de crimes de burla qualificada e de abuso de confiança agravado, dos montantes globais de € 265.178.856,09 e de USD 210.263.978,84. O que acontece, é que também segundo a versão dos factos vertida na acusação, para a qual remete a pronúncia, todo este dinheiro proveio de capitais próprios do ... que através de diversas operações financeiras e bancárias foi financiando o ... actual ... para que este desenvolvesse uma aparente actividade de concessão de linhas de crédito e outras operações - em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário - em benefício patrimonial de alguns dos arguidos, de estruturas societárias sob domínio dos mesmos e de terceiros e entidades terceiras, sem qualquer fundamento legal ou jurídico que justificasse a aquisição daquelas quantias pecuniárias. Tal como resulta descrito nos factos 1 a 20 descritos na acusação, a actividade financeira do ... foi desenvolvida sob o universo da ..., através de sociedades e bancos domiciliados em várias jurisdições (artigo 14), A ... enquadrou atividade financeira, bancária e seguradora, por via da sua participação em entidades com e sem licença bancária (artigo 15), A ... desenvolveu negócio através da participação no capital social de um conjunto de entidades encabeçadas pelo ... (ou ...) (artigo 16), sendo que o ... desenvolveu atividade financeira, bancária e na área de seguros, por via da detenção de participações sociais em diversas subsidiárias e filiais (artigo 17), entre as quais se contava o .... Com efeito, segundo a descrição contida nos artigos 18 e 20 da mesma acusação, o ... era composto pelo próprio ..., à cabeça, e por um conjunto de empresas nas quais o Banco detinha participação, direta ou indireta, superior a 20%, ou sobre as quais exercia controlo ou influência significativos na sua gestão, e que por esse facto estavam incluídas no seu perímetro de consolidação e, nos exercícios compreendidos entre 2002 e 2014, o Grupo …A incluiu no seu perímetro de consolidação, um vasto conjunto de entidades, como o ... (...), o ... (...), o ..., o ..., o ..., o ..., o ..., o ..., entre outras. Tal como refere o artigo 33, por força da participação qualificada que o ... deteve no ..., cabia à holding de topo da área financeira (ou seja, ao ...), na qual se integrava o ..., assegurar a implementação pela subsidiária angolana de sistemas de controlo interno coerentes com os implementados nas demais estruturas do grupo, de acordo com as normas de supervisão impostas no enquadramento do Aviso 5/..., que consagra disposições em matéria de supervisão em base consolidada e subconsolidada e de reporte prudencial Ainda de acordo com a versão dos factos apresentada na acusação, o ..., criado por decisão tomada pelo ..., em ... numa lógica de expansão do ... em ..., tal como alegado no artigo 64 da acusação, é referenciado pelo Mº. Pº. como uma instituição de crédito do ... e deste subsidiária ou um banco filial do ..., no qual este mantinha «influência significativa» como expressamente afirmado, entre outros, nos artigos 54, 55, 63 a 79, da acusação, dos quais resulta ainda que o ... era titular, primeiro, desde a data da sua constituição em ..., de 8.856.548 ações, representativas de 51,94% do capital social e, a partir de ... de ... de 2013, de 55,710% do capital social, posição esta, que se manteve inalterada até ao dia ........2014 e, ainda, que o ... sempre teve a maior participação no capital social do ..., sendo que o ... era financiado pelo ..., como alegado pelo Mº. Pº, entre outros, de forma mais expressiva, nos artigos 64, 66, 72 a 79, 82, 83, 84, 94, sujeita aos mecanismos de controlo e supervisão institucional impostos pelo ..., como descrito, entre outros, nos artigos 92, 93, 102, 153, 207 a 230, 242, 290, 291, 292, 294, 295, 312, 337, 344 a 351, 958, 959, 964 a 967, 986, 987, 1007. 1009, 1017 a 1021, 1024 a 10129, 1040, 1044, 1045, 1049. Mais, vem alegado que o ... era financiado, na quase totalidade dos seus fundos disponíveis pelo ... e isso mesmo vem concretizado nos artigos 64, 66, 72 a 79, 207 a 230, 308, 309, 318 a 329, 339, 340, 343 a 352, 355, 359 a 377, 383 a 386, 421 a 435, 446, 447, 532, 533, 543, 544, 1177 a 1213, 2710 a 2720, 3166, 3167, 3172 a 3176 da acusação, entre muitos outros. O Mº. Pº. referiu, ainda, que desde pelo menos ... e até 2014, o ... manteve com o ... linhas de MMI, à semelhança de outras que mantinha com outras subsidiárias do ... e do ... e que entre pelo menos ... e 2014, foram contratadas operações de crédito entre o ... e o ..., no enquadramento designado por estas contrapartes como sendo linhas de MMI. O artigo 340 da acusação diz: «Todas as operações de cedência de fundos pelo ... ao ... levadas ao ..., foram aprovadas operação a operação, sem uma análise específica da pertinência, afetação e riscos do crédito que era solicitado e, até ao início de ..., sem uma visão da exposição global que permitisse um controlo de limites globais ou por produto de crédito. Por seu turno, o artigo 348 da acusação remete para os pontos 3305 e seguintes da acusação, a concretização em datas e montantes das sucessivas operações de cedência de fundos pelo ... ao ... em operações de MMI, no período compreendido entre ........2008 e ........2014. Outros factos ilustrativos de que os capitais utilizados pelo ... como se fossem próprios eram, afinal, do ..., são os seguintes: «421. No período compreendido entre ........2008 e ........2014 foram processadas nas contas ... domiciliadas no ..., operações de Tomada de Fundos pelo ..., em MMI, que totalizaram o montante de 28.937.416,82€, valores reembolsados ao ..., acrescidos de juros, totalizando o montante de 29.047.203.626,21 €. «432. Também as dívidas do ... ao ..., na forma de descobertos bancários, foram sendo absorvidas por sucessivos financiamentos concedidos pelo ..., em MMI, cujo reembolso não se verificou. 433. No período compreendido entre ... de ... de 2008 e ... de ... de 2014, as contas do ... n.° 0995-1456-0001 e 0995-1457-0007, domiciliadas no ..., refletem a entrada de empréstimos concedidos pelo ... no contexto das linhas de MMI, num total de 36.170.180.314,62€, que absorveram os descobertos bancários e juros devedores. 435. Os financiamentos concedidos pelo ... ao ..., em MMI, pendentes de reembolso na data mencionada (de ... de ... de 2014 referida no ponto 434), totalizavam 3.295.171.327,70€. 446. Desde pelo menos ..., altura em que o ... financiou o ... em cerca de 1,5 biliões de USD destinados à subscrição de dívida pública do ..., que a subsidiária angolana passou a depender fundamentalmente do financiamento do ..., em sede de linhas MMI, para poder desenvolver a sua atividade e lograr efetuar pagamentos e transferências no exterior de .... 447. A existência e o funcionamento do ..., enquanto instituição financeira, no período compreendido pelo menos entre 2007 e 2014, só foi viável por força do financiamento obtido junto da casa-mãe e da manutenção de uma situação em que o incumprimento do pagamento do capital e juros devidos em sede de MMI foi sendo absorvido por novas linhas, o que resultou num aumento permanente da exposição do ... ao .... Paradigmáticos da total instrumentalização do ... pelo ... e pelo ... são também os factos descritos em 694 a 704, com o seguinte teor: 694. O ..., enquanto subsidiária do ... materialmente relevante, por força da participação qualificada que este detinha no seu capital social, e do impacto dos seus resultados ao nível da consolidação dos resultados do ..., é exemplo paradigmático não apenas do domínio exercido por DD, como do posicionamento estratégico daquela unidade, para o prosseguimento dos interesses do .... 695. Enquanto unidade financeira de direito angolano, o ... encontrava-se sujeito a requisitos regulamentares e prudenciais distintos dos nacionais e, bem assim, ao regime do sigilo bancário angolano, frequentemente invocado como impedimento para a partilha de informação sobre detalhes concretos do negócio do banco, com os responsáveis pelo controlo interno ao nível do ... e da ..., designadamente, os que envolvessem a carteira de crédito do banco. 696. O secretismo de que estas matérias beneficiaram, em nome do sigilo bancário Angolano, tornaram o ... como uma das unidades eleitas por DD para a concretização de algumas operações intra-grupo, no ..., indiretamente financiadas pelo ..., ficando, desse modo, fora do balanço do banco e da esfera de controlo da supervisão Portuguesa. 697. DD, ao comando dos destinos do ..., acionista qualificado do ..., manteve um controlo indireto sobre a gestão da filial angolana, que exerceu através de CC, Presidente da Comissão Executiva por si escolhido para estar à frente dos destinos do banco. 698. À data em que foi designado para presidir aos destinos do ..., por DD, CC, funcionário do ... desde ..., exercia funções na ..., onde era atuário. 699. DD assumiu a escolha de CC para as funções pelo facto de ser alguém com quem os membros da ... já conviviam havia mais de 10 anos, "...um atuário (...) tinha um lápis muito afiado", "...quando apareceu a hipótese de autorização de um banco em ..., CC, sendo angolano, era teoricamente, a melhor solução para dirigir o banco em ...". 700. Ao longo de anos, os assuntos relevantes para a gestão da unidade ..., assim como as necessidades de financiamento da sua atividade, foram discutidos entre DD e CC, em reuniões restritas, regularmente mantidas no ..., em Lisboa, onde GG se deslocava com frequência, telefonicamente, e por via de informações trocadas, por intermédio de HH, secretária do gabinete do Presidente Executivo do .... 701. CC exerceu o cargo de Presidente da Comissão Executiva do ..., mas a tomada de decisão em todas as questões nevrálgicas para a gestão da filial angolana carecia de aprovação por DD, que mantinha o poder da tomada de decisão final. Questões como os relatórios de atividade do ..., a constituição de uma sociedade gestora de fundos, detida pelo ..., a manutenção da ... em funções como auditora externa do ..., a entrada da ... no capital social do banco, a atribuição de prémios aos administradores não executivos do banco, entre tantas outras, foram levadas por CC ao conhecimento e aprovação prévios de DD, pelo menos até .... 703. Previamente ao envio de relatórios contendo informação destinada a integrar os dados consolidados do ... e os relatórios da ..., CC enviava a DD os documentos respetivos, que eram objeto de análise. 704. Em determinadas ocasiões, DD determinou CC que alterasse valores nos documentos enviados para esse efeito, de modo a que os mesmos revelassem valores mais aproximados dos objetivos financeiros por si definidos para o Grupo e para a própria .... Do mesmo modo que, nos factos descritos nos pontos 724 a 834, assim como nos pontos 3172 a 3305 da acusação, entre outros, está descrita com detalhe a forma como o ... foi convertido numa espécie de entreposto de capitais e sob a falsa aparência de fundos próprios, de linhas de concessão de crédito e de operações financeiras e bancárias lícitas, a aparente liquidez do ..., veio a ser desviada dos fundos próprios do ... para contas bancárias, estruturas societárias em territórios offshore pertencentes aos arguidos e seus familiares, sem qualquer enquadramento legal ou estatutário e sem que tivesse sido celebrado fosse que negócio ou acto jurídico fosse que legitimasse as aparentes transferências bancárias e/ou pagamentos, antes reverteram para aquisições de património imobiliário, financiamentos em proveito próprio dos arguidos ou de familiares seus, à custa do dinheiro e valores pertencentes ao ... e/ou ao ... O mesmo se diga, quanto à proveniência, ou origem da aquisição das quantias monetárias usadas, sucessivamente transferências determinadas pelo arguido CC, que beneficiaram contas bancárias, ou visaram a aquisição de património imobiliário e o financiamento de entidades de familiares seus, como sejam a sua mulher, II, os seus filhos JJ e KK, o seu irmão LL e os seus pais, MM e NN, no que se refere aos factos susceptíveis de integrarem a prática de crimes de abuso de confiança qualificado, como se pode concluir da simples leitura dos pontos da acusação acima já identificados e ainda dos seguintes, que se indicam apenas a título meramente exemplificativo, os artigos 3172 a 3326 da acusação. O recorrente veio também invocar que estes factos e a sua cobertura mediática lhe causam prejuízos reputacionais por associarem a uma imagem de gestão fraudulenta, minando a confiança, não só do público, mas também do mercado financeiro em geral. Ora, a credibilidade, o prestígio de uma instituição bancária ou de outra pessoa colectiva não está no núcleo de protecção do valores e interesses tutelados pelas normas incriminadoras que descrevem os crimes de burla e de abuso de confiança. A tutela da integridade da credibilidade de um organismo, serviço ou pessoa colectiva está assegurada é no art. 187º do Código Penal que, por assim dizer, é o equivalente, nas pessoas colectivas, àquilo que para as pessoas singulares constituem a honra, reputação e bom nome e que justificam a tipificação da injúria e da difamação, pelos arts. 181º e 180º do CP. Por isso, esta linha de argumentação não tem a virtualidade de sustentar o pedido de constituição como assistente, embora, possa integrar um prejuízo susceptível de compensação monetária, em sede de responsabilidade civil extracontratual. Estando em causa, para aferir da existência do especial interesse tutelado pela incriminação, na esfera jurídica do requerente, a análise dos factos concretos que integram os crimes indiciados ou acusados e os respectivos bens jurídicos, a vontade de alguém se constituir assistente tem de reportar-se de forma expressa, clara e inequívoca, a um concreto crime e a um concreto acervo factual que o traduza, pois só assim será possível concluir pela admissibilidade ou inadmissibilidade do pedido de constituição como assistente, o que acontece é que todos os factos alegados na acusação e a que a pronúncia aderiu assentam na versão de que todo o dinheiro indevidamente apropriado proveio de fundos que haviam sido disponibilizados pelo ... ao .... O recorrente poderá, quanto muito, ser considerado lesado, por ter sofrido danos patrimoniais (e não patrimoniais) ainda causalmente resultantes dos comportamentos delituosos que integram o objecto deste processo, só que esse, sendo o único interesse a ponderar para aferir da sua legitimidade para ser assistente, é um interesse reflexo ou indirecto, não especificamente visado por qualquer das incriminações (e provavelmente, nem sequer abrangido pelo princípio da adesão previsto no art. 71º do CPP, por se referir a pressupostos de responsabilidade civil contratual e não extracontratual, como imposto pelo art. 129º do CP), porque, mesmo segundo a versão do próprio recorrente, os crimes de burla e de abuso de confiança descritos na acusação só serão, por conseguinte, uma causa remota, secundária, dos prejuízos que disse ter sofrido. Ou seja, o recorrente não está incluído no universo de pessoas especialmente protegidas pelas normas que tipificam aqueles crimes, porque não tem, na sua esfera jurídica, nenhum interesse directo abrangido por qualquer das incriminações feitas na acusação, já que a nenhum dos arguidos foi imputado algum crime de burla ou de abuso de confiança com referência a dinheiro, valores ou outros bens patrimoniais pertencentes ao requerente ..., do mesmo modo que não necessita da responsabilização penal das pessoas acusadas e pronunciadas, neste processo, para se ressarcir dos prejuízos patrimoniais e reputacionais que alegou. Estes poderão alicerçar um pedido de indemnização civil, com base no qual lhe poderá, no limite, ser conferido o estatuto processual de parte civil, como lesado, mas não também o de assistente, porque não pode ser considerado vítima de qualquer destes crimes, logo, não é pessoa com legitimidade para se constituir assistente, ao abrigo do disposto no art. 68º nº 1 al. a) do CPP. O despacho recorrido merece, pois, concordância, por ter feito uma interpretação correcta do art. 68º nº 1 al. a) do CPP e uma adequada aplicação desta norma aos factos, sendo certo que é a única cuja aplicabilidade seria de ponderar, no caso vertente. E, sendo assim, o recurso não merece provimento. III – DECISÃO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, que se fixam em 3 UCs – art. 524º do CPP. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Juízes Adjuntos. * Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de Outubro de 2025 Cristina Almeida e Sousa Rosa Vasconcelos Alfredo Costa  |