Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
60/22.3PVLSB.L1-9
Relator: IVO NELSON CAIRES B. ROSA
Descritores: PROVA INDICIÁRIA
EXAME CRÍTICO DA PROVA
RELATÓRIO SOCIAL
FACTOS
JUÍZO DE VALOR
CONCLUSÕES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ANULAÇÃO
Sumário: Sumário (da responsabilidade do Relator):
I-O recurso à prova indireta ou indiciária está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável nomeadamente em sede do exame crítico da prova.
II - Quanto às condições pessoais dos arguidos, a sentença apenas deve conter factos relativos à situação pessoal, familiar e económica destes e não os juízos de valor, conclusões ou sugestões dos técnicos de reinserção social que procederam à elaboração do relatório social.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
Por sentença proferida ... de ... de 2025, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.º e 25.º, al. a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa àquele diploma legal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, absolvendo-o apenas quanto à reincidência.
***
Não se conformando com essa decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
I - Não foi apurado que o Recorrente destinasse o produto apreendido a ser entregue a terceiros.
II- Aliás, o mesmo assumiu como reconheceu o Tribunal a quo que: “Já o arguido AA assumiu que pediu à BB o produto estupefaciente dizendo-lhe que era para pagar uma dívida, mas, contrariamente ao que referiu a BB, referiu que lhe mentiu porque não existia qualquer dívida e o produto era para seu consumo.”
III Não existe, nem existiu, qualquer prova que contrariasse a versão apresentada pelo Arguido sobre o destino a dar ao produto estupefaciente apreendido, o qual como o mesmo assumiu se destinava única e exclusivamente ao seu consumo.
IV Pelo que, com todo o respeito, não existindo quaisquer provas concretas de que o Recorrente destina-se esse produto a terceiros, tendo o mesmo assumido que o mesmo era para o seu consumo, por um lado, e considerando que sempre estamos perante uma diminuta quantidade de produto estupefaciente, canábis resina, nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que o Recorrente destina esse produto a terceiros.
V- Salvo o devido respeito por opinião diversa, a interpretação efetuada pelo Tribunal a quo é violadora da Lei n.º 55/2023, de 8 de setembro.
VI - Resulta da matéria de facto dada como provada que o Recorrente é consumidor de estupefacientes:
11. Do relatório social junto aos autos e elaborado pela DGRSP no que se refere ao arguido AA consta o seguinte: «À data da instauração do presente processo, AA, encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional em cumprimento de pena. No entanto, à data da sua prisão, o arguido encontrava-se a pernoitar numa carrinha, descrevendo uma fase de instabilidade pessoal e social.
No que respeita à sua situação económica, o arguido realizava trabalhos pontuais na área da construção civil, sem vínculo contratual, auferindo cerca de 40,00€/ por dia, privilegiando o convívio com pares desviantes conjugando com o consumo regular de estupefacientes.
Foi ainda no contexto do grupo de pares, que iniciou o consumo de produtos estupefacientes, acabando por abandonar a escola por volta dos 13 anos, para ir trabalhar com o progenitor (proprietário de uma empresa na área da serralharia), como ajudante de serralharia.
Assim, a adição a estupefacientes comprometia a sua capacidade de ajustamento laboral, familiar e social motivando o contacto com o sistema de justiça penal. AA, iniciou os consumos de estupefacientes, em contexto de pares, designadamente, haxixe, situação que se manteve até à data da atual reclusão. Em meio livre, já foi sujeito a acompanhamento à sua problemática aditiva, na ..., extensão da ..., que não surgiu qualquer sucesso.
(…)
Apesar do processo de crescimento e desenvolvimento de AA ter obtido normas e regras socialmente ajustadas, o convívio com o grupo de pares e os consumos de produtos estupefacientes, condição que manteve até à atual reclusão, contribuíram para um quotidiano desregrado acarretando alguma dificuldade em gerir a sua realidade num registo de responsabilidade pessoal, situação que o terá levado a posicionar-se em situações desviantes.
VII -A relação do Recorrente com produto estupefacientes é enquadrado sempre ao nível do consumo e nunca do tráfico.
VIII - Assim, entende o Recorrente que, em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e que acima se fez referência o Tribunal a quo julgou erroneamente os seguintes factos:
1-Em data que não se logrou apurar, anterior a ... de ... de 2022, os arguidos, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis, introduzi-la no ..., onde o arguido AA se encontrava recluso, e aí distribuí-la pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias, que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas por ambos.
2- O referido ponto é contraditório com as considerações que inclusive o Tribunal a quo tece a propósito da arguida BB.
4. Este produto destinava-se à entrega ao arguido AA para posterior cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias, conforme já referido.
5. Os arguidos, que atuaram em colaboração mútua, conheciam as características e a natureza estupefaciente daquele produto, bem sabendo que a sua detenção, introdução em estabelecimentos prisionais e a entrega a terceiros era proibida e criminalmente punida.
6. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, querendo deter tal substância com o propósito de a ceder a terceiros no interior do Estabelecimento Prisional.
Não resultou qualquer prova de que o referido produto não fosse única e exclusivamente para o consumo do Arguido.
IX -Assim, aquilo que o Tribunal a quo poderia e deveria ter dado como provado era que o referido produto se destinava ao consumo do Recorrente.
X -A conduta do Arguido deveria ter sido enquadrada, não no artigo 25º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, mas sim no artigo 40º do referido preceito legal.
XI -Deveria o Recorrente ter sido absolvido da prática do crime pelo qual foi acusado, ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, 25º e 40º do Decreto- Lei nn.º15/93, de 22 de janeiro.
XII -Sendo certo que, sempre serão inconstitucionais os artigos os artigos 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, 25º e 40º do Decreto- Lei n.º15/93, de 22 de janeiro, quando interpretados com o sentido de que o tribunal pode condenar o Arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por lhe tentarem entregar 9,322 gramas de canábis, que o mesmo assume como sendo para seu consumo, sem que exista qualquer prova concreta de que o mesmo destinasse esse produto a terceiros.
Ou no sentido que: Tendo o arguido assumido perante o Tribunal que destinava 9,322 gramas de canábis que lhe ia ser entregue para seu consumo, pode o Tribunal, em sentido contrário, considerando o que co CC contou ao Tribunal (a mesma referiu ao Tribunal que o produto lhe foi pedido para ser cedido a terceiros dentro do Estabelecimento, só que, para a convencer a participar no plano, o arguido disse-lhe que estava em perigo porque tinha uma dívida dentro da cadeia) e atenta a quantidade de produto apreendido, tudo apreciado segundo as mais elementares regras da experiência, o Tribunal ficar convencido de que o produto estupefaciente tinha o referido destino, não merecendo credibilidade as declarações do arguido.
Tais interpretações violam os artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa. Inconstitucionalidade que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
Contudo, mesmo que assim não se entenda, o que não se concede e por mero dever de patrocínio se admite, à cautela ainda diremos o seguinte:
XIII -O Tribunal a quo aplicou ao Recorrente uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por pretender deter 9,322 gramas de haxixe.
XIV - O relatório social do Arguido permite descrever qual é verdadeiramente a sua relação com produtos estupefacientes. E, dessa descrição, resulta, de forma evidente, que o mesmo não é um traficante é sim um doente, um consumidor.
XV - Atente-se que o próprio registo criminal indicia uma prática de crimes associada ao consumo de estupefacientes e não ao tráfico de estupefacientes.
XVI -De todo exemplar, pela sua abrangência e respigo jurisprudencial ali feito nesta matéria é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2003, Processo n.º 03P167, in www.dgsi.pt, o qual refere o seguinte: “A estratégia repressiva atinge basicamente os consumidores, traficantes/ consumidores, pequenos traficantes. São esses que inundam os tribunais de processos e enchem a abarrotar as cadeias, numa progressão contínua que, a manter-se esta política, nada fará parar. Todo o nosso sistema penal está “colonizado” pelo consumo e pequeno tráfico de estupefacientes.”
XVII E continua mais à frente: “É hoje ingrato, incómodo e sobretudo ineficaz aplicar penas de prisão a grande parte dos arguidos que circulam nos Tribunais no âmbito da criminalidade relacionada com o consumo e o tráfico de estupefacientes.
Ingrato, porque, normalmente, as razões de tutela de uma situação de perigo que estão na origem da punição do tráfico não se verificam.
Incómodo, porque grande parte dos arguidos julgados são pessoas doentes que, mais do que uma pena, que afinal é aquilo que “levam” do Tribunal, precisam de apoio pessoal, familiar e clínico.
Ineficaz, porque não se resolvem nos Tribunais e nas prisões grande parte das situações pessoais que levaram alguém a consumir e a traficar pequenas quantidades de estupefacientes.”
XVIII Assim, caso o Tribunal a quo considerasse que o Recorrente cometeu o crime pelo qual foi condenado, considerando o disposto no artigos 71º do C.P. a sua pena não deveria ter sido superior a 1 ano de prisão.
***
O Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela improcedência do mesmo.
***
A Sra. PGA junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se pela improcedência do recurso aderindo à resposta apresentada pelo MP em primeira instância.
***
Cumprido o artº 417º, n.º 2 do C.P. nada foi dito.
II - Questões a decidir:
Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. Art.º 119º, nº 1; 123º, nº 2; 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/6/1998, in BMJ 478, pp. 242, e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, há que analisar e decidir:
Erro de julgamento.
Da inconstitucionalidade dos os artigos 2º da Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro e 25º e 40º do Decreto- Lei n.º15/93, de 22 de janeiro, quando interpretados com o sentido de que o tribunal pode condenar o Arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por lhe tentarem entregar 9,322 gramas de canábis, que o mesmo assume como sendo para seu consumo, sem que exista qualquer prova concreta de que o mesmo destinasse esse produto a terceiros.
A conduta do Arguido deveria ter sido enquadrada, não no artigo 25º do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, mas sim no artigo 40º do referido preceito legal.
Medida concreta da pena.
III – FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
Factos Provados
1. Em data que não se logrou apurar, anterior a ... de ... de 2022, os arguidos, de comum acordo e em concertação de esforços, elaboraram um plano, que consistia em adquirir canábis, introduzi-la no ..., onde o arguido AA se encontrava recluso, e aí distribuí-la pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias, que se traduziriam em lucro e que seriam repartidas por ambos
2. Assim, de acordo com o referido plano, no dia ... de ... de 2022, pouco antes das 11h35, a arguida BB dirigiu-se ao ..., sito na ..., a fim de visitar o arguido, trazendo na sua posse, canábis.
3. Após terminar a visita, pelas 11h35, quando se encontrava, ainda, no parlatório, em frente ao arguido, separados por uma divisória em acrílico, a arguida levantou-se da cadeira onde estava sentada e arremessou por cima da divisória em acrílico ali existente, na direção ao arguido: - uma (1) embalagem de canábis (resina), com o peso líquido de 9,322 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 28,1%, sendo o equivalente a 52 doses de consumo, que se encontrava envolta em película plástica transparente (cfr. exame toxicológico de fls.80, cujo teor aqui se considera reproduzido).
4. Este produto destinava-se à entrega ao arguido AA para posterior cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias, conforme já referido.
5. Os arguidos, que atuaram em colaboração mútua, conheciam as características e a natureza estupefaciente daquele produto, bem sabendo que a sua detenção, introdução em estabelecimentos prisionais e a entrega a terceiros era proibida e criminalmente punida.
6. Os arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, querendo deter tal substância com o propósito de a ceder a terceiros no interior do Estabelecimento Prisional.
7. Sucede que, o arguido AA anteriormente, já sofreu condenações, transitadas em julgado, tendo sido condenado, além do mais:
- Na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, n.º1, do C.P., por douto Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 789/18.0..., transitado em julgado em ........2021, relativa a factos ocorridos em ........2018
- Na pena de dez meses de prisão, pela prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts.º153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, al. a), do C.P., por douta Sentença proferida no âmbito do processo n.º 117/19.8..., transitada em julgado em ........2021, relativa a factos ocorridos em ........2019.
8. Assim sendo, anteriormente à prática dos factos em causa nos presentes autos, o arguido já havia sido julgado e condenado em pena de prisão efetiva pela prática de factos integrantes de ilícitos penais dolosos.
9. No entanto tais condenações, as solenes advertências aí feitas e o cumprimento de pena de prisão efetiva não foram suficientes para obstar a que o arguido cometesse novos ilícitos penais dolosos.
10. Verifica-se que, entre os factos que determinaram a última condenação do arguido e aqueles pelos quais vai agora acusado não mediaram cinco anos.
Da situação pessoal, económica e profissional dos arguidos e dos seus antecedentes criminais
11. Do relatório social junto aos autos e elaborado pela DGRSP no que se refere ao arguido AA consta o seguinte:
«À data da instauração do presente processo, AA, encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional em cumprimento de pena. No entanto, à data da sua prisão, o arguido encontrava-se a pernoitar numa carrinha, descrevendo uma fase de instabilidade pessoal e social. No que respeita à sua situação económica, o arguido realizava trabalhos pontuais na área da construção civil, sem vínculo contratual, auferindo cerca de 40,00€/ por dia, privilegiando o convívio com pares desviantes conjugando com o consumo regular de estupefacientes. Por não se conseguir autonomizar o arguido dependia do contributo económico dos progenitores.
Quanto ao seu percurso escolar, ingressou em idade própria, tendo concluído o 7.º ano de escolaridade, registando várias reprovações. Foi ainda no contexto do grupo de pares, que iniciou o consumo de produtos estupefacientes, acabando por abandonar a escola por volta dos 13 anos, para ir trabalhar com o progenitor (proprietário de uma empresa na área da serralharia), como ajudante de serralharia.
Porém, passado alguns anos, o arguido abandonou o posto de trabalho relacionado com alegados incumprimentos laborais criando problemas no local de trabalho.
Seguidamente, regista hábitos de trabalho no setor da restauração e como operário fabril. Desde então, tem vivenciado instabilidade pessoal e mobilidade laboral, efetuando trabalhos de carater temporário, no setor da mecânica, na recolha e venda de ferro velho e na construção civil, auferindo rendimentos irregulares. Esta instabilidade parece ter contribuído para o seu contacto com o sistema de Administração da Justiça Penal, tendo sofrido condenações em penas de multa e penas de prisão suspensas na sua execução, com regime de prova, e pena de prisão efetiva, por tipologia criminal diversa.
Aos 18 anos iniciou uma relação afetiva posterior coabitação, entre o ano de ..., da qual nasceu uma filha, atualmente com cerca de 7 anos, tendo o arguido sido condenado pela prática do crime de violência doméstica.
Assim, a adição a estupefacientes comprometia a sua capacidade de ajustamento laboral, familiar e social motivando o contacto com o sistema de justiça penal. AA, iniciou os consumos de estupefacientes, em contexto de pares, designadamente, haxixe, situação que se manteve até à data da atual reclusão. Em meio livre, já foi sujeito a acompanhamento à sua problemática aditiva, na ..., extensão da ..., que não surgiu qualquer sucesso. (…)
Segundo a sua ficha biográfica, o arguido encontra-se presentemente à ordem do processo nº 51/20.9... condenado numa pena de 1 ano de prisão, pela prática de ameaça, dano e violação de imposições Encontra-se ainda condenado: pena de 3 anos, revogação de uma pena suspensa na sua execução, no âmbito do processo nº 536/17.4..., pela prática de violência doméstica; · pena de 1 ano e 4 meses, no âmbito do processo nº 1413/20.7..., pela prática do crime de ameaça; · pena de 3 anos e 4 meses, no âmbito do processo nº 275/18.9..., pela prática do crime de furto qualificado e detenção de arma proibida; · pena de 10 meses, no âmbito do processo nº 117/19.6... pela prática de ameaça e violação de imposições; · pena de 4 anos, no âmbito do processo nº 789/18.0..., pela prática do crime de roubo; · pena de 7 anos, no âmbito do processo nº 3/20.9..., pela prática do crime de roubo, detenção de arma proibida e rapto;
Em contexto prisional, manteve-se integrado nas atividades laborais desenvolvidas, designadamente, na serralharia, no período compreendido entre ...-...-2021 a ..., todavia, foi suspenso devido a uma infração disciplinar por posse de telemóvel, tendo cumprido doze dias em permanência obrigatória no alojamento.
Segundo a sua ficha biográfica, consta ainda uma outra infração a ........23.
O impacto da presente situação prisional no arguido surge circunscrita ao receio que manifesta pela eventualidade de lhe poder vir ser agravada a sua situação jurídico penal.
Relativamente ao processo em causa, em abstrato, o arguido apresenta ausência de consciência crítica bem como dificuldades ao nível de capacidade de descentração. Durante os meses de reclusão, o arguido tem mantido a ligação e o apoio dos progenitores, recebendo visitas e apoio material. (…)
Apesar do processo de crescimento e desenvolvimento de AA ter obtido normas e regras socialmente ajustadas, o convívio com o grupo de pares e os consumos de produtos estupefacientes, condição que manteve até à atual reclusão, contribuíram para um quotidiano desregrado acarretando alguma dificuldade em gerir a sua realidade num registo de responsabilidade pessoal, situação que o terá levado a posicionar-se em situações desviantes.
A nível profissional, apresenta um percurso marcado pela irregularidade, não detendo no período anterior à reclusão qualquer ocupação laboral estruturada, dependendo do contributo económico dos progenitores.
No plano efetivo, a separação da companheira de quem teve uma filha e com a qual residiu durante um período prolongado, parece ter constituído um elemento desorganizar de relevo. Neste sentido, o extenso percurso criminal, a falta de impacto positivo das várias medidas judiciais às quais foi sujeito, a ausência de uma ocupação profissional estruturada e a adesão aos consumos de substâncias estupefacientes, bem como as consequências daí decorrentes, revelam-se como fatores de vulnerabilidade quanto à sua reinserção.
Como fator de estabilidade pessoal, salienta-se o enquadramento familiar através do apoio dos progenitores que se manifestam disponíveis para o receber e apoiar. Face ao exposto, em caso de condenação nos presente autos, considera-se fundamental a necessidade de acompanhamento estruturado e continuado que lhe permita ultrapassar a conduta aditiva e as fragilidades internas que apresenta, designadamente, a ausência de competências pessoais e profissionais e ainda a necessidade de desenvolver o pensamento consequencial e alternativo, capacidade descentração, bem como, a consciência crítica sobre condutas delinquenciais.»
12. O arguido AA foi anteriormente condenado: a) no processo n.º 29/12.6..., por sentença transitada em julgado em ...1.../06, pela prática em ...1.../01 de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 40 dias de multa b) no processo n.º 359/13.0..., por sentença transitada em julgado em ...1.../01, pela prática em ...1.../12 de um crime de condução de veículo sob influência de estupefacientes, na pena de 70 dias de multa. c) no processo n.º 24/13.8..., por acórdão transitado em julgado em ...1.../02, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, de dois crimes de extorsão, de um crime de furto qualificado e de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, suspensa na execução, pena já extinta. d) no processo n.º 1091/13.0..., por sentença transitada em julgado em ...1.../03, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução com regime de prova, depois substituída por efetiva. e) no processo n.º 536/17.4..., por sentença transitada em julgado em ...1.../10, pela prática de 1 crime de violência doméstica, na pena de 3 anos de prisão suspensa na execução, que depois foi revogada com o cumprimento da prisão efetiva. f) no processo n.º 789/18.0..., por sentença transitada em julgado em ...2.../06, pela prática de um crime de roubo, na pena de 4 anos de prisão efetiva. g) no processo n.º 117/19.8..., por sentença transitada em julgado em ...2.../08, pela prática de um crime de ameaça agravada e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 10 meses de prisão efetiva. h) no processo n.º 275/18.9..., por acórdão transitado em julgado em ...2.../11, pela prática de um crime de furto qualificado, um crime de furto simples, e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 3 anos e 4 meses de prisão efetiva. i) no processo n.º 3/20.9..., por acórdão transitado em julgado em ...2.../05, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de homicídio qualificado na forma tentada, na pena única de 7 anos de prisão efetiva. j) no processo n.º 51/20.9..., por acórdão transitado em julgado em ...2.../05, pela prática de um crime de dano simples, um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, e um crime de ameaça agravada, na pena única de 1 ano de prisão efetiva. k) no processo n.º 1413/20.7..., por sentença transitada em julgado em ...2.../07, pela prática de um crime de ameaça agravada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão efetiva.
13. A arguida BB trabalha há 5 anos num ..., encontrando-se a frequentar formação para gerente de loja. Aufere mensalmente o salário líquido de cerca de €1500,00. O salário encontra-se penhorado pelas ... e apenas recebe mensalmente o equivalente ao salário mínimo nacional. Reside sozinha, em casa de familiares. É detentora de um automóvel BNW 320, de .... Tem o 12.º ano de escolaridade.
14. A arguida BB é primária.
Factos não provados Com interesse para a decisão, não ficou provado, da acusação, que também resulta dos factos descritos que o arguido revela uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir pouco tempo depois de ter sido condenado, estando claramente desenquadrado das regras de vivência em sociedade.
Quanto à motivação da decisão de facto.
A convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, nomeadamente quanto aos factos imputados ao arguido, resultou da conjugação dialética dos dados objetivos fornecidos pelos documentos juntos aos autos com os esclarecimentos prestados no julgamento, designadamente pelos arguidos e pelas testemunhas guardas prisionais que presenciaram os factos e depuseram de modo circunstanciado, objetivo e imparcial.
Importa começar por referir que a arguida BB assumiu a prática dos factos, referindo que sabia que estava a introduzir produto estupefaciente (uma “bolota” – vulgo, cannabis) no Estabelecimento Prisional, a pedido do coarguido AA, que este lhe contou que estava a ser ameaçado por outros reclusos e precisava do produto para pagar uma dívida dentro da cadeia. Contou ainda como procedeu, onde foi buscar o produto e como o lançou para junto do arguido AA no fim da visita.
Já o arguido AA assumiu que pediu à BB o produto estupefaciente dizendo-lhe que era para pagar uma dívida, mas, contrariamente ao que referiu a BB, referiu que lhe mentiu porque não existia qualquer dívida e o produto era para seu consumo.
Além disso, em contradição com o que a BB contou ao Tribunal, relatou que não viu a BB a atirar o produto estupefaciente depois da visita, por já não se encontrar no local, e que lhe pediu para levar o produto de volta para o exterior para não haver problemas, sendo que, depois destas declarações, de modo confuso, a arguida BB relatou ao Tribunal ser verdade que o arguido não estava presente quando atirou o produto e que este lhe pediu para o levar, de novo, para fora do Estabelecimento Prisional, percebendo-se perfeitamente do seu discurso, da sua postura e da sua reação, que pensou que assim, com esta afirmação, estaria a ajudar, mais uma vez, o arguido AA, agora, talvez, ilibando-o.
Sucede que no que se refere a esta parte – e o que foi relevante para o Tribunal para aferir da credibilidade das versões apresentadas e para que o Tribunal percebesse o ascendente do arguido AA para com a BB – foi relevante o depoimento da guarda prisional DD, que presenciou os factos, e que contou que os arguidos estavam frente a frente durante a visita, com um acrílico a separá-los e que, quando a campainha tocou, a arguida BB atirou o produto por cima do acrílico e na direção do arguido AA, estando eles ainda frente a frente, ou seja, o arguido AA ainda estava presente, o que também foi confirmado pelo guarda prisional EE, que também presenciou os factos.
Veja-se que, após estes depoimentos, e quando confrontada com esta incongruência pelo Tribunal, em novas declarações, a arguida BB, de imediato admitiu que que, afinal, e como havia contado nas suas primeiras declarações, era verdade que o arguido estava presente na sala de visitas quando lhe atirou o produto estupefaciente.
Percebeu o Tribunal que a arguida BB é uma pessoa facilmente manipulável (como disseram as suas testemunhas de Defesa, é uma amiga que faz tudo pelos amigos, sem olhar às consequências, ainda que se prejudique), e que, no caso concreto, o arguido se aproveitou dessa característica da arguida BB para a convencer a que ela introduzisse no Estabelecimento Prisional o produto estupefaciente, sendo claramente esse produto para cedência a terceiros no Estabelecimento Prisional.
De facto, considerando o que a arguida BB contou ao Tribunal (a mesma referiu ao Tribunal que o produto lhe foi pedido pelo AA para ser cedido a terceiros dentro do Estabelecimento, só que, para a convencer a participar no plano, o arguido disse-lhe que estava em perigo porque tinha uma dívida dentro da cadeia) e atenta a quantidade de produto apreendido, tudo apreciado segundo as mais elementares regras da experiência, o Tribunal ficou convencido de que o produto estupefaciente tinha o referido destino, não merecendo credibilidade as declarações do arguido.
Em conclusão, o Tribunal ficou absolutamente convicto da prática dos factos tal como vinha narrada na acusação pública, que foi confirmada pelas testemunhas que presenciaram os factos.
Quanto às características e quantidade do produto estupefaciente em causa (canábis – com o peso líquido de 9,322 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 28,1%, sendo o equivalente a 52 doses de consumo), o Tribunal valorou o exame pericial junto aos autos.
A prova dos factos do elemento subjetivo resultou da apreciação, ao abrigo das regras de experiência comum, dos depoimentos das testemunhas inquiridas e demais prova, permitindo inferir os elementos referentes ao conhecimento e vontade de praticar o ilícito e ilicitude e consciência destas inerentes às condutas de cada um dos arguidos.
O Tribunal deu como provados os factos respeitantes à situação familiar, social e económica dos arguidos, tendo em conta o relatório social junto aos autos no que se refere ao arguido AA e tendo em conta as declarações da arguida BB e das suas testemunhas de Defesa, no que se refere à sua pessoa.
Quanto à existência de antecedentes criminais do arguido AA, foi relevante o Certificado de Registo Criminal e as certidões judiciais juntos aos autos, e no que se refere à inexistência de antecedentes criminais da arguida BB, o Tribunal teve em conta o seu Certificado de Registo Criminal.
***
Cumpre conhecer os fundamentos do recurso
Da questão prévia da nulidade da sentença por falta de fundamentação na vertente de apreciação crítica da prova.
Apesar de não invocada pelo recorrente, as nulidades da sentença, enumeradas no artigo 379º nº 1 do CPP, são oficiosamente cognoscíveis em sede de recurso, dado que as nulidades em causa têm um regime próprio e distinto do regime legal das nulidades dos restantes atos processuais, estabelecendo-se no nº 2 do mesmo precito que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso.
Assim, desde que constatadas, as nulidades da sentença, por constituírem omissões essenciais e estruturais da sentença, não podem deixar de ser conhecidas, mesmo que esses vícios não tenham sido invocados pelos sujeitos processuais.
Importa referir que a alteração legislativa decorrente da L 20/2013, que levou à introdução do n.º 3 implicou a caducidade da interpretação efetuado pelo Assento n.º 9/92, 6.5.1992 (LUCENA e VALE) ao dizer que "não é insanável a nulidade da alínea a) do artigo 379.° do Código de Processo Penal de 198, consistente na falta de indicação, na sentença penal, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo artigo 374.°, n.º 2, parte final, do mesmo Código, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119.° daquele diploma legal", tendo em conta que à data da prolação daquele assento, inexistia tal norma» cfr. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, 2ª Edição, Tomo IV, p. 813/814.
Exige a lei – no artigo 374.º do Código de Processo Penal – que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo.
A fundamentação, que se segue ao relatório, há de conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal – n.º 2 do artigo 374.º referido.
Esta norma corporiza exigência consagrada no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.
Com efeito, o princípio basilar do dever de fundamentação das decisões decorre, a nível da Lei Fundamental, da 1.ª Revisão Constitucional, tendo-se concretizado através da introdução de um novo n.º 1 do artigo 205.º, que passou a dispor que «as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei». Com a revisão constitucional de 1997 veio a precisar-se no texto da Constituição que «as decisões (…) que não sejam de mero expediente são fundamentadas (…).
O dever de fundamentação é uma garantia integrante do conceito de Estado de Direito Democrático, previsto no artigo 205 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 97º nº 5 do Código de Processo Penal, que pressupõe a densificação do substrato probatório destinado a sustentar os factos e imputações apresentados em juízo.
Conforme ensinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, a exigência constitucional da fundamentação "cumpre uma dupla função: de "carácter subjetivo" - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários - e de "carácter objetivo" - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões" - in Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, Pág. 70.
A necessidade de fundamentação das decisões (de facto e de direito) é, assim, uma exigência constitucional num verdadeiro Estado de Direito, permitindo o controlo da sua legalidade pelos seus destinatários e, sobretudo, a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se, desse modo, qualquer livre arbítrio do julgador/decisor.
Neste sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, como se pode ver, por exemplo, no Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, que “esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis)»
«A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Ac. do STJ de 30/1/2002, proc. nº 3063/01-3ª; MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 13ª ed., 2002, pp. 739-740).
Regressando ao caso concreto e analisada a sentença recorrida na parte da motivação, conforme acima transcrita, constata-se que da mesma, relativamente aos factos provados 1, 4, 5 não consta o exigido exame crítico da prova.
Com efeito, o tribunal a quo limitou-se por uma súmula das declarações dos arguidos prestados em audiência de julgamento e ao elenco da prova documental, quando, verdadeiramente, o que importa e se impunha é que tivesse procedido à explicitação do iter lógico e racional que presidiu à triagem da facticidade em assente e não assente, o que não ocorreu. Na verdade, não se consegue alcançar em que meios de prova se baseou para dar como provado o acordo entre os dois arguidos com vista à introdução de produto estupefaciente no ..., onde o arguido AA se encontrava recluso e aí distribuí-la pelos outros reclusos, para desta forma auferirem quantias monetárias a repartir entre ambos. Como não se consegue, também, compreender como é que o tribunal a quo concluiu que o produto apreendido destinava-se à entrega ao arguido AA para posterior cedência a outros reclusos, no interior do Estabelecimento Prisional, em troca de quantias monetárias.
Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/2/2022, processo n.º 203/20.1GAFAL.E1, « O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, permitindo o exame crítico das provas (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410º, nº 2 do CPP; o n° 2 do artigo 374° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal recorrido, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório».
No caso concreto, da análise feita à sentença, em particular à motivação de facto, não consta que tenha sido produzida prova direta quanto a esses factos, dado que o arguido negou os factos, tendo apenas admitido que destinava o produto o seu consumo pessoal e a arguida nada referiu quanto ao alegado acordo. Assim, tudo parece, embora sem qualquer exteriorização, que o tribunal recorrido terá formado a sua convicção quanto aos factos provados em causa com base na denominada prova indireta ou indiciária.
Na verdade, para além da prova direta do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indireta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções, ou seja, a partir de um facto conhecido, provado por prova direta, é possível concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica.
Em todo o caso, o recurso à prova indireta ou indiciária está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável nomeadamente em sede do exame crítico da prova.
Todavia, na situação em apreciação, o Tribunal a quo, no que respeita aos factos em causa, limitou-se à singela alusão às regras da normalidade e da experiência, sem proceder à objetivação dos putativos indícios e muito menos a qualquer explicitação do raciocínio de verificação, precisão e avaliação dos mesmos.
Com efeito, perante a ausência de prova direta quanto aos factos, ficaram inteiramente por explicar os motivos pelos quais se depreendeu que havia um acordo entre os arguidos com vista à introdução de produto estupefaciente no interior do EP onde o arguido cumpre pena de prisão, como ficaram por explicar as razões que levaram a concluir que aquela quantidade de produto estupefaciente estava a destinada a ser cedida no interior do EP em troca de compensação monetária a repartir por ambos os arguidos.
Ora, sendo estes factos centrais para a qualificação jurídica dos factos impunha-se ao tribunal recorrido um maior rigor na justificação para a conclusão a que chegou.
Em suma, a sentença recorrida é, no que aos factos em causa diz respeito, completamente omissa quanto ao exame crítico da prova, o que, ademais, impossibilita a sindicância que se reclama a este Tribunal, padecendo, por isso, do vício de nulidade previsto no artigo 379º nº 1 al a) e 374º nº 2 do CPP.
Para além disso, quanto às condições pessoais do arguido, constata-se que a sentença recorrida diz o seguinte no facto 11: “Do relatório social junto aos autos e elaborado pela DGRSP no que se refere ao arguido AA consta o seguinte” reproduzindo, na integra, o conteúdo do relatório social.
Aos factos, provados e não provados, apenas devem ser levados factos e não meios de prova. Os meios de prova servem para fundamentar os factos e, por isso, não podem fazer parte da decisão de facto.
Para além disso, como se verifica no caso concreto, o relatório social contém várias considerações e conclusões extraídas por quem elaborou o respetivo relatório as quais, por não se traduzirem em factos, jamais podem ser consideradas como factos assentes.
Deste modo, quanto às condições pessoais dos arguidos, a sentença apenas deve conter factos relativos à situação pessoal, familiar e económica destes e não os juízos de valor, conclusões ou sugestões dos técnicos de reinserção social que procederam à elaboração do relatório social.
Em face do exposto, da sentença recorrida terá de ser removido o conteúdo do que consta do ponto 11 dos factos assentes e apenas fazer constar factos relativos à situação pessoal, familiar e económica do arguido.
Termos em que se conclui que a sentença padece de falta da fundamentação de facto e exame crítico da prova, o que, configurando um desrespeito ao art. 374º, n.º 2 do C.P.P., constitui a nulidade insanável a que alude o art. 379º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal.
Mostra-se, por conseguinte, prejudicado o conhecimento das questões colocadas nas conclusões da motivação do recurso interposto, isto é, do invocado erro de julgamento e da qualificação jurídica dos factos.
IV - DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em declarar nula a sentença recorrida e determinar que seja proferida nova sentença, suprindo-se o identificado vício da falta de fundamentação de facto e exame crítico da prova, bem como a concretização dos factos relativos às condições pessoais do arguido.
Sem custas
Notifique

Lisboa, 23-10-2025
(Elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Paula Cristina Borges Gonçalves
Eduardo de Sousa Paiva