Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
| Processo: | 
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| Relator: | HERMENGARDA DO VALLE-FRIAS | ||
| Descritores: |  VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PROVA INDIRECTA  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): - Conquanto a ofendida, vítima de violência doméstica, nunca tenha sido ouvida perante autoridade judiciária e não tenha sido possível ouvi-la ainda em julgamento por estar em paradeiro incerto, sendo ela, a par do arguido, os únicos «depoentes» directos sobre os factos, e tendo em atenção a posição processual do arguido que, nesse contexto, nega os factos constantes da acusação, o Tribunal de julgamento pode, cumpridos os requisitos legais impostos, atender à chamada «prova indirecta», tanto quanto a «depoimentos indirectos» para fundamentar a sua convicção, desde que desse contexto decorram outras circunstâncias que, sendo do conhecimento directo dos depoentes, venham credibilizar as suas declarações quanto ao que ouviram dizer à vítima. - Assim, as declarações dos militares da GNR, tal como de bombeiros e enfermeiros, que aportem nos seus depoimentos elementos de percepção directa que possam ajudar o Tribunal a formar uma convicção sólida sobre os factos a que não assistiram em concreto, ainda que imponham ao Tribunal acrescidos cuidados de avaliação e ponderação, não devem ser desvalorizados apenas por aquele motivo. - Pelo contrário, se dessa solidez, e respeitando o processo de compreensão as regras da lógica e normalidade nessa avaliação, resultar uma convicção positiva sobre os factos criminalmente relevantes imputados, não contrariada por outros elementos probatórios a que se repute igual credibilidade, o Tribunal de julgamento não pode mesmo deixar de os ter em consideração, seja para a prova, seja para a não prova daqueles.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam os juízes da 3ª Sec. Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa. Relatório Pelo Juízo Local Criminal de Cascais – J3 – foi proferida Sentença que decidiu do seguinte modo: (…) Assim, e pelo exposto, o Tribunal julga a acusação, o pedido de arbitramento de indemnização e o pedido indemnização cível procedentes e, em consequência, decide: a) Condenar o arguido como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) e 4 a 6 do Código Penal na pena de três anos de prisão, b) Condeno o arguido na pena acessória de proibição de contacto, por qualquer meio, com a vítima AA pelo período de três anos, c) Condena o arguido, nos termos do art. 21º da lei 112/2009, de 16.09, no pagamento à ofendida AA da quantia de € 1000 (mil euros), a título de reparação pelos danos sofridos; d) Condena o demandado a pagar ao demandante XX, S.A. a quantia de 107,91 € (cento e sete euros e noventa e um cêntimos) a que acrescem juros de mora, à taxa legal desde ........2025 até integral pagamento. (…) Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: (…) A. A condenação resulta de prova indirecta porque a alegada vítima, AA, mãe do Recorrente, nunca prestou declarações no processo perante autoridade judiciária. B. Por outro lado, não existiram outras testemunhas oculares dos factos. C. A restante prova existente não é categórica no sentido da condenação. D. E o Recorrente nega a prática dos factos, apresentando versão diferente. E. O importante testemunho da irmã do Recorrente foi seguro e crível, mas de forma surpreendente, mal foi referido na motivação da decisão de facto da sentença. F. Com efeito a testemunha afirmou ser visita muito frequente da casa da sua mãe e ter muito contacto com ela e com o seu irmão. G. Além de que a mãe nunca se queixou do irmão e quanto às lesões apenas disse que se tinha aleijado. H. Ocorre assim a nulidade da sentença neste segmento, por falta de pronúncia sobre o depoimento desta testemunha BB e por não ter fundamentado a desconsideração deste depoimento. I. Quanto aos alegados factos praticados no dia .../.../2023, (bem como os factos do dia .../.../2024) foi decisivo o depoimento de CC, militar da GNR, apesar de não ter levantado as maiores dúvidas ao Tribunal e de não ter sido desvalorizado. J. Com efeito, esta testemunha teve de corrigir, na audiência de julgamento de .../.../2025, ao contrário do que elaborou no auto de notícia por violência doméstica de .../.../2023, que o militar da GNR que o acompanhou na diligência não foi o Guarda DD mas sim o Guarda EE. K. De outro modo, no auto de .../.../2023, na página 3, refere que : A Sra AA informa que o seu filho é usuário de estupefaciente e que utiliza esse cartão para adquirir o mesmo. L. O que é extraordinário, porque na sentença recorrida foi dado como matéria não provada : Que à data dos factos o arguido era consumidor habitual de produtos estupefacientes e de bebidas alcoólicas em excesso. M. De outro modo, na página 4 do referido auto, menciona estranhamente que : De referir ainda que o Sr. FF não tem emprego, dependendo economicamente da sua mãe. N. Foi dado como provado em li, 1, 3. da sentença recorrida que : O arguido é barbeiro de profissão e, à data dos factos e para poder cuidar da mãe, realizava apenas ocasionalmente alguns trabalhos de corte de cabelo, não tendo outros rendimentos. O. Refira-se que esses trabalhos eram pagos, como facilmente se depreende e como consta do relatório social e das declarações do arguido ao JIC e em sede de julgamento, em valor mensal aproximado de € 400,00 a € 500,00 (quatrocentos a quinhentos quinhentos euros). P. É o Recorrente o cuidador e que providencia o sustento básico de vida da mãe. Q. A acrescer ao muito falível testemunho do CC - ou às inexplicáveis declarações da mãe do Recorrente - refira-se que também foi ele quem elaborou o aditamento ao auto de notícia de .../.../2024, pela alegada prática de factos em .../.../2024. R. Embora errare humanum est, refira-se a falta de cuidado na elaboração do anexo 1 - lesões visíveis ou relatadas, do aditamento, em que o croquis está errado, porque as lesões estão marcadas na perna e na mão direitas da vítima. S. Ou seja, não se comprova nenhuma razão válida para justificar o comportamento do Recorrente, que foi sempre um bom cuidador da sua Mãe e de quem ela dependia também economicamente, como consta dos autos. T. E que não assume a prática dos factos. U. E as alegadas lesões são quase insignificantes, porque segundo a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, a testemunha CC : Referiu, ainda, que a ofendida apresentava vermelhidão na cara e que a mesma foi conduzida ao hospital. V. São estas as razões mais do que suficientes para não se poder valorar o testemunho muito frágil do CC, o que, nesta parte, à falta de melhor prova, tem de conduzir à absolvição do Recorrente. W. Já quanto aos factos alegadamente praticados em .../.../2024, a sentença recorrida é nula no segmento em que considera o estado de embriaguez do Recorrente, porque não fundamenta a razão para o estado de ébrio. X. E é contraditória com a referida matéria de facto dada como não provada de : Que à data dos factos o arguido era consumidor habitual de produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas em excesso. Y. Temos, uma vez mais, infelizmente, de nos reportarmos ao testemunho do CC, porque foi ele, no seu depoimento, que tinha referido tal situação, deveras estranha. Z. Quanto ao ponto II, 1. 8, da matéria de facto provada, é contra a experiência da vida e a lógica que a sentença recorrida assim tenha decidido. AA. Com efeito a alegada vítima, com 65 anos de idade, sofreu em ... um AVC isquémico parietal direito, com hemiplegia esquerda que a condiciona a nível motor, conforme II, 1. 2.e 3. da sentença recorrida. BB. Segundo a Wikipédia, a hemiplegia (Hemi-metade, - plegiaparalisia) é a paralisia de metade sagital (esquerda ou direita) do corpo. É mais grave que hemiparesia que se refere apenas a dificuldade de movimentar metade do corpo (...). CC. O Recorrente é um homem nascido em .../.../1990, de 35 anos de idade, de constituição média, forte e saudável. DD. É incompreensível que, se o Recorrente quisesse agredir a sua mãe e tivesse dolo de o fazer, com a força que tem, não tivesse causado ofensas corporais muito mais graves do que aquelas que ocorreram. EE. Embora não tenha sido apreendida a ferramenta de ferro, semelhante a uma chave habitualmente utilizada para trocar pneus, quer seja um modelo antigo ou moderno trata-se de um instrumento pesado e que pode ser perigoso. FF. Por outro lado, não se consegue compreender que a vítima, completamente dependente do filho, nas condições muito débeis de saúde descritas, tenha conseguido defender-se tão bem de modo a que os ferimentos não tenham sido bem maiores. GG. Quanto a II, 1. 9. da sentença recorrida, não podia ter sido dado com provado ta! matéria de facto. HH. Com efeito, só existiu a versão da vítima de que Recorrente terá urinado para cima dela. JJ. Para não variar, estranhamente, a referência à urina foi feita no aditamento ao auto de notícia de .../.../2025 elaborado pelo CC. II) De outra forma, na matéria de facto dada como provada em 12. da sentença recorrida, é extremamente vago e inconclusivo dizer-se “ se gostava de estar assim no hospital “ e “ (...) continuaria a fazer o mesmo. KK. Também é fora do norma! que o Recorrente tenha afirmado isso na presença de uma enfermeira de côr, que podia saber falar crioulo, de tal forma que ela tivesse podido ouvir e o pudesse vir a denunciar. Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se: Que o Recorrente seja absolvido da prática do crime de violência doméstica por que foi condenado, Sem conceder, em caso de condenação, que o seja numa pena menor e suspensa na sua execução. (…) O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo: (…) 1. Vem o arguido FF recorrer da sentença que o condenou como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) e 4 a 6 do Código Penal, na pena de três anos de prisão efetiva, e na pena acessória de proibição de contacto, por qualquer meio, com a vítima AA (mãe do arguido). 2. Alega que o Tribunal a quo teve unicamente em consideração o depoimento prestado pela testemunha, CC, militar da GNR, o qual, no seu entender não se apresenta como credível, e não considerou o depoimento da irmã do arguido, pessoa que frequentava a casa na qual habitavam arguido e ofendida e que nunca presenciou quaisquer agressões perpetradas pelo irmão na mãe, nem a vítima lhe confidenciou tais factos. 3. Porém, da análise da sentença resulta que a convicção do Tribunal, relativamente aos factos, fundou-se na análise crítica e conjugada da prova, tendo sido determinante o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK, os quais prestaram depoimentos tranquilos, isentos e coerentes, conjugados estes depoimentos com os documentos juntos aos autos, bem como a documentação clínica de fls. 51 -52, 80, 101, 123 a 125, cópia do acórdão proferido no processo 780/22.2... junto a fls. 140 a 192 e perícia de fls. 337 e 338, 4. Assim, não só o Tribunal a quo não se baseou apenas no depoimento do militar da GNR, CC, teve em conta o depoimento das outras testemunhas mencionadas (enfermeira e assistente social que estiveram com a vítima e bombeiros que a socorreram), como o depoimento deste foi ainda corroborado pelas narrativas das demais testemunhas, e considerou ainda a documentação junta aos autos. 5. O arguido pugna pela absolvição ou, caso assim não seja, entende que deve ser aplicada uma pena de prisão menor, suspensa na sua execução, embora sem concretizar os motivos pelos quais entende que os factos, a considerarem-se como provados, justificam a aplicação de uma pena inferior à determinada e a sua suspensão. 6. Ao invés, o Tribunal a quo efetuou uma análise criteriosa dos factos ocorridos e o enquadramento dos mesmos, fundamentando as razões pelas quais entendeu ser de aplicar 3 anos de pena de prisão efetiva, e porque não é viável a suspensão da mesma. 7. O Tribunal a quo teve em conta as exigências de prevenção geral e as exigências relativas ao caso concreto, a saber: o nível de violência física exercido pelo arguido, traduzido no número de agressões e nas consequências da sua conduta traduzidos nos dias de doença e incapacidade sofridos pela ofendida; O nível de violência psíquica, traduzida na ameaça velada que lhe dirigiu, estando a vítima debilitada numa cama de hospital, na humilhação que a fez passar, urinado para cima da ofendida o que revela um desprezo total pela mesma; O espaço de tempo que o arguido manteve a conduta; A intensidade do dolo que é intenso – dolo directo -; O facto de a ofendida ser sua mãe, exigindo-se do arguido um dever acrescido de respeito para com esta; O facto de ter praticado os factos após ter sido condenado pela prática deste mesmo tipo de crime e durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta e decorridos cerca de seis meses após a condenação; O facto de não serem conhecidas infrações disciplinares no E.P. 8. E, foram precisamente as circunstâncias assinaladas que justificaram a não suspensão da execução da pena de prisão, frisando-se que o arguido praticou os factos que lhe foram imputados nestes autos, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão determinada pela prática do mesmo tipo de ilícito e decorridos cerca de seis meses após a condenação. 9. Deverá, pois, ser mantida a sentença recorrida. (…) *** O recurso foi admitido, com forma, modo e efeito devidos. Uma vez remetido a este Tribunal, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, para cujos fundamentos integralmente se remete. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, veio o processo à Conferência. *** Objecto do recurso Resulta do disposto conjugadamente nos arts. 402º, 403º e 412º nº 1 do Cód. Proc. Penal que o poder de cognição do Tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o Tribunal está ainda obrigado a decidir todas as questões que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem a decisão, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 daquele diploma, e dos vícios previstos no artº 410º nº 2 do mesmo Cód. Proc. Penal, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito, tal como se assentou no Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995 [DR, Iª Série - A de 28.12.1995] e no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência nº 10/2005, de 20.10.2005 [DR, Iª Série - A de 07.12.2005]. Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º, por remissão do artº 424º, nº 2, ambos do mesmo Cód. Proc. Penal, resulta ainda que o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem preferencial: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão (artº 379º do citado diploma legal); Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela chamada impugnação alargada, se deduzida [artº 412º], a que se segue o conhecimento dos vícios enumerados no artº 410º nº 2 sempre do mesmo diploma legal. Finalmente, as questões relativas à matéria de direito. Tendo em vista este princípio, averigue-se o caso. O arguido, nas conclusões do recurso, fixa o objecto de apreciação requerida nas seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto com omissão de pronúncia sobre um dos depoimentos; - Insuficiência da prova para a matéria de facto, contradição da matéria de facto; - Pena e forma de cumprimento. Muito embora se não siga uma metodologia correcta na exposição dos argumentos e se misturem vícios decisórios com apreciação de facto, e muito embora a impugnação da matéria de facto cumpra apenas pelo mínimo dos mínimos os pressupostos legais, ainda que parcialmente, como veremos, aceita-se a argumentação expendida no Parecer como ponto de partida e analise. Também conclui o recorrente com um pedido sobre que nada alega, qual seja, na improcedência da absolvição pelos vícios indicados d decisão, a condenação em «pena menos grave e suspensa». Muito embora se afigure como pedido subsidiário, o facto é que, conquanto sem pressupostos de alegação, sempre podia dizer-se ser uma (entre outras) eventual decorrência da apreciação do recurso a apreciação da questão, caso venha a suscitar-se essa necessidade. *** Fundamentação O Tribunal recorrido fixou a matéria de facto do seguinte modo: (…) 1. O arguido é filho de LL e da ofendida AA. 2. O arguido reside com a progenitora AA, nascida em ...-...-1959 e atualmente com 65 anos de idade, na residência desta sita na ... Dto., ..., Alcabideche. 3. AA sofreu em ..., um AVC isquémico parietal direito, com hemiplegia esquerda, que a condiciona a nível motor e determina a necessidade de ajuda nos cuidados de higiene e alimentação, e à data dos factos, sendo o arguido o seu cuidador. 4. O arguido é barbeiro de profissão e, à data dos factos e para poder cuidar da mãe, realizava apenas ocasionalmente alguns trabalhos de corte de cabelo, não tendo outros rendimentos. 5. No dia ...-...-2023, pelas 10:00h, no interior da residência comum, o arguido exigiu à ofendida que lhe entregasse o cartão de débito, tendo aquela dito que o cartão se encontrava na posse da irmã MM. 6. O arguido disse “não tens que dar o cartão à irmã!” e sem que nada o fizesse prever, o arguido desferiu de imediato um número não concretamente apurado de chapadas na face da ofendida, um soco na zona da nuca e ainda um pontapé na perna esquerda. 7. No dia ...-...-2024, pelas 22:00h, no interior da residência comum, encontrando-se ébrio, o arguido deu inicio a uma discussão com a progenitora por querer que esta se fosse deitar, o que esta recusou. 8. De seguida, o arguido muniu-se de uma ferramenta de ferro, semelhante a uma chave habitualmente utilizada para trocar os pneus dos veículos e, utilizando-a, desferiu um golpe no pé da progenitora, causando-lhe dores e desferiu um outro golpe, dirigido à cabeça da progenitora, mas que a atingiu na mão direita que esta utilizou para se defender, causando-lhe uma ferida no dedo, deixando-o a sangrar. 9. De seguida, o arguido despiu a progenitora e após urinou na sua direção, deixando-a a escorrer urina ao longo das costas, uma vez que estava sem roupa. 10. AA foi conduzida ao ..., onde se permaneceu internada pelo menos até ...-...-2024. 11. No dia ...-...-2024, pelas 19:00h, o arguido foi visitar a progenitora ao Hospital. 12. Quando se aproximou da progenitora, na presença da enfermeira de serviço, o arguido perguntou a AA, em dialeto crioulo, “se gostava de estar assim, no Hospital” mais acrescentando que se esta continuasse com aquele comportamento, ele continuaria a fazer o mesmo. 13. Como consequência direta do comportamento do arguido, a ofendida sofreu dores e incómodos nas zonas atingidas, bem como: a. Deformidade do 2.º dedo da mão direita; b. Fratura da base da falange proximal do 2.º dedo; c. Traumatismo da perna esquerda. 14. As referidas lesões determinaram-lhe um período de doença fixável em 35 dias, com afetação da capacidade de trabalho geral pelo mesmo período. 15. A ofendida é pessoa idosa e com grandes dificuldades motoras na sequência do AVC que sofreu, dependendo de terceiros para garantir a sua higiene e alimentação. 16. A ofendida ficou muito medo do arguido. 17. Ao atuar do modo descrito, o arguido sabia e quis exercer violência psicológica e física contra a sua mãe com quem reside, pessoa particularmente indefesa em razão da idade, de doença e de inferioridade física em relação si, ofendendo a sua integridade física, honra, consideração e património, urinando sobre ela e dirigindo-lhe expressões ameaçadoras, o que faz sempre no interior da residência comum, sujeitando-a a um tratamento atentatório da sua dignidade pessoal. 18. Da mesma forma, ao proferir as expressões que dirigiu à sua progenitora, o arguido agiu com o propósito concretizado de criar na ofendida AA um fundado receio que pudesse vir a concretizar tais intentos, bem sabendo que as mesmas eram adequadas a produzir receio, medo e inquietação à ofendida, o que quis e conseguiu. 19. Mais sabia e quis praticar tais atos no interior da residência comum e também no hospital, aquando da sua visita, bem sabendo que tais circunstâncias eram suscetíveis de agravar os efeitos da violência psicológica praticada sobre a vítima, deixando-a completamente aterrorizada. 20. O arguido foi condenado, por douto acórdão de ... de ... de 2023, proferido no âmbito do processo CC 780/22.2..., e transitado em julgado ........2023, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por quatro anos, com regime de prova, pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da sua então namorada NN, e, ainda, na pena acessória, entre o mais, de proibição de contacto com a vítima durante o prazo de cinco anos, a fiscalizar por meios técnicos de controlo à distância, que se encontra em pleno vigor; 21. Em todo o descrito circunstancialismo, o arguido, que agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecia toda a factualidade exposta, tendo atuado da forma como quis atuar, bem sabendo que a sua conduta era, e é, proibida e punível por lei. 22. Em consequência da conduta do arguido do dia ........2024, a ofendida necessitou de cuidados médicos/hospitalares que lhe foram prestados no dia ........2024, no .... 23. Os cuidados médicos/hospitalares prestados à ofendida ascenderam a 107,91€, quantia que o demandante ainda não recebeu. 24. Para além da condenação supra referida o arguido foi ainda condenado por sentença transitada em julgado em ........2018 proferida no âmbito do processo sumaríssimo 37/17.0..., foi o arguido condenado na pena de 80 dias de multa pela prática, em ........2017, de um crime de condução sem habilitação legal. 25. “O processo de socialização de FF decorreu num ambiente familiar que se deparava com algumas dificuldades económicas, marcado pela ausência do progenitor, onde, no entanto, prevalecia um bom ambiente familiar.” À data dos factos “…O agregado era constituído pelo arguido e a sua progenitora. (…) Após sair da prisão, (…), o arguido integrou o agregado da progenitora, onde se encontrava também a sua irmã MM, o filho desta com 25 anos de idade e uma empregada que ajudava a cuidar da mãe, sendo que a irmã, o sobrinho e a empregada saíram da casa da mãe do arguido, deixando este a tomar conta da mãe. Após sair da prisão e durante dois meses, o arguido trabalhou como servente na área da construção civil, na restauração de uma igreja, auferindo 50,00 euros diários, referindo ter amealhado 2.000,00 euros. Percebendo que não poderia continuar a trabalhar no exterior para não abandonar a mãe em casa durante o dia, passou a trabalhar em casa como .... Em termos afetivos, mantinha uma relação de namoro, tendo a mesma terminado em ...(…) Em termos aditivos, o arguido refere que iniciou o consumo de haxixe cerca dos 15 anos de idade, deixando de consumir há cerca de quatro anos, tendo deixado de consumir bebidas alcoólicas. (…) Em termos pessoais, FF, denota lacunas ao nível do raciocínio crítico, pensamento consequencial e resolução de problemas, bem como dificuldade em reconhecer o impacto das suas ações nos outros. (…) No seio institucional onde se encontra recluído, o arguido não averba qualquer registo disciplinar, interagindo com os pares normativamente. O arguido teve visitas da ex-namorada que terminaram em ..., aquando do termo do relacionamento, não tendo qualquer outra visita.” 26. Possui como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade. 2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA Com relevo para a discussão da causa não se logrou provar a seguinte matéria de facto; 1. Que à data dos factos o arguido era consumidor habitual de produtos estupefacientes e de bebidas alcoólicas em excesso. 2. Com o fito de prover à sua dependência de consumo de produtos estupefacientes, o arguido exige frequentemente à ofendida que lhe entregue o cartão de débito. 3. Que no dia ........2023, o arguido disse para a mãe “onde é que está o dinheiro?” 4. Que no dia ........2024, a ofendida ainda tinha medicação a tomar. 5. O arguido desagradado aproximou-se da progenitora e apodou-a de “bruxa”. 6. Que após urinar para cima da mãe, o arguido muniu-se de um frasco de álcool para limpar a ferida do dedo de AA, contudo verteu o liquido na direção dos olhos da ofendida, fazendo-a lacrimejar. 7. Que no hospital o arguido disse em crioulo à ofendida “se tinha apresentado queixa à policia, “pois se assim era estava a estragar-lhe a vida”. que “merecia estar naquele estado”, com o dedo partido, pois era ela que o provocava e que se o retirasse de casa ou fizesse com que fosse preso, a mataria. (…) O Tribunal recorrido fundamentou a decisão de facto do seguinte modo: (…) A convicção do Tribunal relativamente aos factos fundou-se na análise crítica e conjugada da prova, tendo sido determinante o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK, os quais prestaram depoimentos tranquilos, isentos e coerentes. O arguido negou a prática dos factos. Admitiu os factos assentes sob os n.º 1 a 3 e disse que à data só trabalhava esporadicamente como barbeiro e em casa para poder cuidar da ofendida. Referiu que a mãe entalou o dedo na porta e magou-se no pé quando estava a jantar, explicando que ela deixou cair o prato, que caiu ao chão e magoou-se no pé que ficou a sangrar, que desinfetou a ferida do pé e da mão com álcool. Confirmou que nesse dia discutiu com a mãe porque queria que esta fosse dormir para ele poder ir descansar. Não achou necessário levar a mãe ao Hospital, mas alguém chamou a ambulância. Admitiu ter despido a mãe, o que fez à frente dos agentes, o que fez porque ela sujou a roupa com sangue e queria que a mãe fosse limpa para o hospital. Admitiu ter ido visitar a mãe ao Hospital, mas negou ter falado com ela em crioulo. Reconheceu que teve um problema com o álcool e com o consumo de produtos estupefacientes, mas à data dos factos já não bebia em excesso nem consumia. As declarações do arguido no que concerne ao modo como a mãe entalou a mão na porta é inverosímil e quanto ao não ter falado crioulo com a mãe foi frontalmente contrariada pela testemunha GG, enfermeira que fala crioulo e que presenciou os factos ocorridos no Hospital. Pese embora as diligências efetuadas não foi possível ouvir a ofendida em audiência, tendo a testemunha BB, irmã do arguido, afirmado que a mãe estava a viver na ... com o irmão mais velho. Assim, no que concerne aos factos ocorridos no Hospital teve-se em atenção o depoimento da testemunha GG, enfermeira que fala crioulo e que presenciou os factos ocorridos no Hospital, a qual afirmou que o arguido proferiu as expressões dadas como assentes, que se tratavam de ameaças, que o arguido adotou uma postura passiva agressiva, estava a usar um tom de voz calmo mas a mensagem era agressiva, que se apercebeu da reação da ofendida que ficou com medo, que disse ao arguido para abandonar o Hospital porque tinha percebido o que ele tinha acabado de dizer e este respondeu-lhe que era o cuidador da mãe e mais tarde a ofendida confirmou que se tratava do filho. Quanto aos demais factos dados como assentes e relativos aos episódios ocorridos nos dias ........2023 e ........2024, teve-se em atenção o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK. Assim, GG, enfermeira afirmou que a ofendida relatou-lhe que no dia ........2024, o arguido discutiu com ela, que pegou numa chave metálica e agrediu-a com a chave, que ela tentou proteger a cabeça e a cara com as mãos e foi atingida no dedo, que se fraturou, que o arguido despiu-a e urinou em cima dela. Mais, disse que a ofendida esteve sempre orientada e consciente e a testemunha confirmou o teor de fls. 107, informação clínica que elaborou. HH, assistente social, afirmou que conhece a ofendida desde ..., aquando da primeira agressão, referiu que a senhora dependia de cuidados de terceiros e o filho era o cuidador, que a ofendida disse-lhe que o filho a tinha agredido e em ..., a ofendida disse-lhe que tinha sido agredida pelo filho com uma chave de fendas, na mão e na perna e que depois o filho urinou para cima dela. Referiu que a ofendida é uma pessoa lucida e orientada, que o problema de saúde é físico. Foi confrontada com o teor de fls. 80, confirmando que foi ela que elaborou e confirmando o seu teor, que a equipa de bombeiros confirmou que quando chegaram a ofendida estava despida no chão e coberta com urina. II, militar da GNR, afirmou que no episódio de ..., a ofendida estava no hospital e disse-lhe que o filho a tinha agredido e que tinha urinado para cima dela. Foi confrontado com a informação de fls. 123, tendo confirmado a autoria e o seu teor. CC, militar da GNR, que se deslocou a casa da ofendida no dia ........2023, referiu que no local contactou com a ofendida que lhe disse que o filho pediu-lhe o cartão de débito, que ela recusou, que o arguido disse ela não devia dar o cartão à irmã e que depois o arguido agrediu-a com várias chapadas na face, um soco na nuca e um pontapé na perna esquerda. Referiu, ainda, que a ofendida apresentava vermelhidão na cara e que a mesma foi conduzida ao Hospital. Relativamente ao episódio de ........2024, (que inicialmente disse ter ocorrido dia 5), a testemunha afirmou que pediu ao arguido para fazer menos barulho e que o arguido urinou para cima, que o arguido a tinha agredido com um ferro na perna e na mão esquerda; que quando chegou a ofendida estava coberta com um pano, que estava nervosa e o arguido estava visivelmente embriagado, tendo até ingerido vinho na presença dos militares da GNR. Acrescentou que a vítima tinha sangue na mão, que o chão do quarto estava molhado, e que viu um balde e esfregona no quarto. Confirmou o auto de fls. 3 e o aditamento de fls. 7 e explicou que, por lapso, desenhou as lesões do lado direito, quando a vítima apresentava lesões do lado esquerdo. JJ e KK, bombeiros que assistiram a vítima no episódio de ........2024, tendo chegado ao local já na madrugada de ........2024, conforme relatório de ocorrência junto através de email de ........2025, elaborado pela testemunha KK que o confirmou, tendo a primeira testemunha afirmado apenas se recordar de ter transportado uma senhora em cadeira de rodas que estava a chorar mas se no email de fls. 80, e com o qual foi confrontado, refere que os bombeiros informaram que à sua chegada a utente estava despedida no chão e coberta em urina é porque tal é verdade. A esmagadora maioria da prova recolhida resulta do que a ofendida relatou às testemunhas. Nos termos do disposto no art. 129º do C.P.P. o depoimento do que se ouviu dizer a determinadas pessoas, só é admissível se o juiz chamar essas pessoas a depor, salvo se a inquirição dessas pessoas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. Ora, no caso dos autos apesar das diligências realizadas não foi possível ouvir a ofendida por se desconhecer o seu paradeiro, havendo notícia de que a mesma se encontrará algures na .... Assim, os depoimentos prestados pelas testemunhas na parte em que ouviram dizer à ofendida, são admissíveis. Mais, o que a ofendida afirmou é até compatível com o depoimento do militar da GNR, que viu o chão molhado e um balde e esfregona no quarto, o que indicia que se esteve a limpar, sendo certo que as lesões que a ofendida apresentava são compatíveis com a sua versão dos factos. Assim, conjugados estes depoimentos com os documentos juntos aos autos supra referidos bem como a documentação clínica de fls. 51 -52, 80, 101, 123 a 125, cópia do acórdão proferido no processo 780/22.2... junto a fls. 140 a 192 e perícia de fls. 337 e 338, o tribunal deu como assentes os factos. Do comportamento objetivo do arguido, apurado nos termos supra, conjugado com as regras de experiência comum, inferiram-se os elementos subjetivos dados como assentes. Quanto à matéria cível teve-se em atenção a fatura do hospital junta com o pedido de indemnização cível. Mais, atendeu-se ao relatório social junto aos autos, às declarações que o arguido prestou quando ouvido sobre as suas condições de vida e o CRC junto aos autos. * No que concerne à matéria não provada, na ausência total de prova. O arguido negou os factos as testemunhas supra referidas não os confirmaram e a testemunha BB, irmão do arguido afirmou nunca ter presenciado nada e referiu que a mãe nunca lhe fez queixas do irmão. (…) Vejamos, então, na perspectiva desta Relação se merece acolhimento a pretensão do recorrente. Comecemos por atender aos elementos relevantes resultantes do processo. Estamos perante um caso de alegada violência doméstica numa relação filial, como tal sendo o arguido filho da indicada vítima. Os factos reportam-se a ... e ..., parcialmente imputados ao interior da habitação de ambos. • Impugnação da matéria de facto O recorrente pretende impugnar a matéria de facto, o que realiza, como se disse antes, cumprindo apenas os mínimos relativamente a requisitos legais, no entanto compreendendo-se que pretende discutir os factos dados por provados. No entanto, nada de forma substancial concretiza quanto à possibilidade concreta de o Tribunal a quo dar como provada outra factualidade, seja qual seja, porque também não o diz, nem em concreto com base em que provas. Dizer que as declarações do arguido valem mais do que as da ofendida, para além do carácter quase lúdico da afirmação, nada de facto significa. Em primeiro lugar porque não é verdade que as declarações de arguido valham mais do que as de ninguém. Em segundo lugar, porque o valor não se pesa pela posição no processo do declarante. Em terceiro lugar, porque sendo-lhe imputado um crime, diz a normalidade da vida que o arguido tudo fará para se defender, ainda que esse «tudo» possa ser com arredo do que corresponda à verdade das circunstâncias efectivamente ocorridas. Em quarto lugar, porque o valor das declarações, para além da credibilidade que o declarante mereça ao Tribunal de julgamento que trabalha com a imediação e na avaliação do conjunto dos instrumentos probatórios, se prende com a consistência delas em face da normalidade da vida e de todo o quadro probatório existente, e não com a vontade de absolver ou condenar um indivíduo. Como tal, quando o arguido recorrente diz que a vítima nunca prestou declarações no processo perante autoridade judiciária, não existindo outra prova senão as declarações do arguido que nega os factos, compete ao Tribunal de recurso analisar estes segmentos para perceber em que termos se fez a avaliação em primeira instância. Ora, o Tribunal a quo diz que: (…) A convicção do Tribunal relativamente aos factos fundou-se na análise crítica e conjugada da prova, tendo sido determinante o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK, os quais prestaram depoimentos tranquilos, isentos e coerentes. (…) Pese embora as diligências efetuadas não foi possível ouvir a ofendida em audiência, tendo a testemunha BB, irmã do arguido, afirmado que a mãe estava a viver na ... com o irmão mais velho. Assim, no que concerne aos factos ocorridos no Hospital teve-se em atenção o depoimento da testemunha GG, enfermeira que fala crioulo e que presenciou os factos ocorridos no Hospital, a qual afirmou que o arguido proferiu as expressões dadas como assentes, que se tratavam de ameaças, que o arguido adotou uma postura passiva agressiva, estava a usar um tom de voz calmo mas a mensagem era agressiva, que se apercebeu da reação da ofendida que ficou com medo, que disse ao arguido para abandonar o Hospital porque tinha percebido o que ele tinha acabado de dizer e este respondeu-lhe que era o cuidador da mãe e mais tarde a ofendida confirmou que se tratava do filho. Quanto aos demais factos dados como assentes e relativos aos episódios ocorridos nos dias ........2023 e ........2024, teve-se em atenção o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK. (…) O que foi reafirmando sempre a propósito de cada facto ou conjunto que analisava. Como tal, não estamos perante uma falta de fundamentação generalizada que importe vício da decisão quanto a esse mesmo aspecto. E também não estamos perante uma evidente falta de prova, uma vez que o Tribunal a quo se foi socorrendo dela nas suas ponderações. O facto de a ofendida não ter sido ouvida também não impede que o Tribunal sustente a sua decisão noutros suportes probatórios. Não tem, de facto, que acreditar no que lhe diz o arguido porque, apenas estando ambos presentes em alguma das circunstâncias, não consegue ouvir a outra pessoa. Esse entendimento, que nem sequer tem base de sustentação real evidente, foi ultrapassado ainda por alturas do Império Romano, quando se começou a pensar o Direito como uma realidade verdadeiramente importante. Pelo que dizer que, como a ofendida não foi ouvida e o arguido nega os factos, eles não podiam dar-se por provados é só uma manifestação de estado d’alma e nada mais. Até porque nem é verdadeiramente isso que está em causa. Conquanto o Tribunal não tenha, como podia, usado da faculdade prevista no artº 356º, nº 4 e 5 do Cód. Proc. Penal, o que está aqui em causa vai além da simplicidade daquela alegação. Vejamos, então, os pontos que o arguido concretiza. Os factos em causa serão: (…) 5. No dia ...-...-2023, pelas 10:00h, no interior da residência comum, o arguido exigiu à ofendida que lhe entregasse o cartão de débito, tendo aquela dito que o cartão se encontrava na posse da irmã MM. 6. O arguido disse “não tens que dar o cartão à irmã!” e sem que nada o fizesse prever, o arguido desferiu de imediato um número não concretamente apurado de chapadas na face da ofendida, um soco na zona da nuca e ainda um pontapé na perna esquerda. 7. No dia ...-...-2024, pelas 22:00h, no interior da residência comum, encontrando-se ébrio, o arguido deu inicio a uma discussão com a progenitora por querer que esta se fosse deitar, o que esta recusou. 8. De seguida, o arguido muniu-se de uma ferramenta de ferro, semelhante a uma chave habitualmente utilizada para trocar os pneus dos veículos e, utilizando-a, desferiu um golpe no pé da progenitora, causando-lhe dores e desferiu um outro golpe, dirigido à cabeça da progenitora, mas que a atingiu na mão direita que esta utilizou para se defender, causando-lhe uma ferida no dedo, deixando-o a sangrar. 9. De seguida, o arguido despiu a progenitora e após urinou na sua direção, deixando-a a escorrer urina ao longo das costas, uma vez que estava sem roupa. 10. AA foi conduzida ao ..., onde se permaneceu internada pelo menos até ...-...-2024. 11. No dia ...-...-2024, pelas 19:00h, o arguido foi visitar a progenitora ao Hospital. 12. Quando se aproximou da progenitora, na presença da enfermeira de serviço, o arguido perguntou a AA, em dialeto crioulo, “se gostava de estar assim, no Hospital” mais acrescentando que se esta continuasse com aquele comportamento, ele continuaria a fazer o mesmo. 13. Como consequência direta do comportamento do arguido, a ofendida sofreu dores e incómodos nas zonas atingidas, bem como: a. Deformidade do 2.º dedo da mão direita; b. Fratura da base da falange proximal do 2.º dedo; c. Traumatismo da perna esquerda. (…) E o Tribunal a quo diz: (…) Quanto aos demais factos dados como assentes e relativos aos episódios ocorridos nos dias ........2023 e ........2024, teve-se em atenção o depoimento das testemunhas GG, HH, II, CC, JJ e KK. Assim, GG, enfermeira afirmou que a ofendida relatou-lhe que no dia ........2024, o arguido discutiu com ela, que pegou numa chave metálica e agrediu-a com a chave, que ela tentou proteger a cabeça e a cara com as mãos e foi atingida no dedo, que se fraturou, que o arguido despiu-a e urinou em cima dela. Mais, disse que a ofendida esteve sempre orientada e consciente e a testemunha confirmou o teor de fls. 107, informação clínica que elaborou. HH, assistente social, afirmou que conhece a ofendida desde ..., aquando da primeira agressão, referiu que a senhora dependia de cuidados de terceiros e o filho era o cuidador, que a ofendida disse-lhe que o filho a tinha agredido e em ..., a ofendida disse-lhe que tinha sido agredida pelo filho com uma chave de fendas, na mão e na perna e que depois o filho urinou para cima dela. Referiu que a ofendida é uma pessoa lucida e orientada, que o problema de saúde é físico. Foi confrontada com o teor de fls. 80, confirmando que foi ela que elaborou e confirmando o seu teor, que a equipa de bombeiros confirmou que quando chegaram a ofendida estava despida no chão e coberta com urina. II, militar da GNR, afirmou que no episódio de ..., a ofendida estava no hospital e disse-lhe que o filho a tinha agredido e que tinha urinado para cima dela. Foi confrontado com a informação de fls. 123, tendo confirmado a autoria e o seu teor. CC, militar da GNR, que se deslocou a casa da ofendida no dia ........2023, referiu que no local contactou com a ofendida que lhe disse que o filho pediu-lhe o cartão de débito, que ela recusou, que o arguido disse ela não devia dar o cartão à irmã e que depois o arguido agrediu-a com várias chapadas na face, um soco na nuca e um pontapé na perna esquerda. Referiu, ainda, que a ofendida apresentava vermelhidão na cara e que a mesma foi conduzida ao Hospital. Relativamente ao episódio de ........2024, (que inicialmente disse ter ocorrido dia 5), a testemunha afirmou que pediu ao arguido para fazer menos barulho e que o arguido urinou para cima, que o arguido a tinha agredido com um ferro na perna e na mão esquerda; que quando chegou a ofendida estava coberta com um pano, que estava nervosa e o arguido estava visivelmente embriagado, tendo até ingerido vinho na presença dos militares da GNR. Acrescentou que a vítima tinha sangue na mão, que o chão do quarto estava molhado, e que viu um balde e esfregona no quarto. Confirmou o auto de fls. 3 e o aditamento de fls. 7 e explicou que, por lapso, desenhou as lesões do lado direito, quando a vítima apresentava lesões do lado esquerdo. JJ e KK, bombeiros que assistiram a vítima no episódio de ........2024, tendo chegado ao local já na madrugada de ........2024, conforme relatório de ocorrência junto através de email de ........2025, elaborado pela testemunha KK que o confirmou, tendo a primeira testemunha afirmado apenas se recordar de ter transportado uma senhora em cadeira de rodas que estava a chorar mas se no email de fls. 80, e com o qual foi confrontado, refere que os bombeiros informaram que à sua chegada a utente estava despida no chão e coberta em urina é porque tal é verdade. (…) Ou seja, o Tribunal a quo, na impossibilidade de ouvir a vítima, deu credibilidade às declarações de quem com ela interagiu aquando das invocadas circunstâncias. E as pessoas que interagiram com a ofendida vieram contar o que constataram quando a viram e o que percepcionaram do que viram, desde logo com base na justificação apresentada verbalmente por ela para que ali tenham comparecido. Não se trata, como tal, do habitual «ouvir dizer», mas de conversas tidas entre a testemunha que agora os conta e a própria ofendida quando provocou a deslocação daquela à sua casa, explicando-lhe o sucedido, o que a testemunha terá feito constar do respectivo auto, pelo que o depoimento é directo quanto às queixas, ainda que não presencial quanto às circunstâncias. Mas o Tribunal a quo também explica isso, muito embora na perspectiva simples do depoimento que se considera indirecto: (...) A esmagadora maioria da prova recolhida resulta do que a ofendida relatou às testemunhas. Nos termos do disposto no art. 129º do C.P.P. o depoimento do que se ouviu dizer a determinadas pessoas, só é admissível se o juiz chamar essas pessoas a depor, salvo se a inquirição dessas pessoas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. Ora, no caso dos autos apesar das diligências realizadas não foi possível ouvir a ofendida por se desconhecer o seu paradeiro, havendo notícia de que a mesma se encontrará algures na .... Assim, os depoimentos prestados pelas testemunhas na parte em que ouviram dizer à ofendida, são admissíveis. (…) E explica depois que documentos concorrem também para essa convicção. A ofendida não foi ouvida, como se diz, por ser desconhecido o paradeiro. Como tal, estamos perante uma impossibilidade que o artº 129º prevê como excepção para que sejam considerados os referidos depoimentos indirectos. O depoimento que assim seja considerado indirecto constitui, como tal, uma excepção à regra do conhecimento directo imposta para a prova testemunhal, consagrada no nº 1 do artº 128º do Cód. Proc. Penal. Há aqui uma quase subtileza a considerar e que muitas vezes se presta a confusão. Se o depoimento é sobre factos de conhecimento directo do declarante, neste caso o conhecimento directo da testemunha dirige-se ao que lhe foi dito e não propriamente à realidade que subjaz a esses factos descritos. Ou seja, a testemunha tem conhecimento directo das circunstâncias que envolveram o momento em que a conversa foi mantida, mas desconhece as circunstâncias reais porque as não viveu. E a subtileza é mesmo esta. Pois que a regra, fazendo todo o sentido uma vez que é alguém que vivencia os factos que os conta ao Tribunal, como é evidente, comporta as excepções referidas na indicada norma e que o Tribunal de julgamento deve encarar com essa mesma natureza. Assim, não estando vedado ao Tribunal de julgamento essa ponderação, o esforço de fundamentação deve ser acrescido, pois que justificará a harmonização da excepção ainda com os princípios que ditaram a regra. E foi o que fez o Tribunal recorrido, que justificou a ponderação nesses exactos termos. Além disso, podemos ver ainda por partes. Os acontecimentos de ........2023 ocorreram na casa da ofendida, na presença dela e do arguido. O arguido negou esses factos. Ora, a testemunha CC, que subscreve o auto de fls. 3 e o expediente junto ao mesmo, esteve, como disse e dali decorre, no local, onde ouviu a ofendida que lhe relatou os factos. Factos esses que verteu para o auto e sobre que veio dizer a julgamento ter tomado conta da ocorrência por isso mesmo, tendo encontrado a vítima com sinais exteriores compatíveis com o que lhe contara (vermelhidão no rosto) e que determinou a sua assistência hospitalar. Ora, o arguido, no interrogatório que lhe foi feito e no qual foi advertido de que as declarações poderiam ser ponderadas adiante, diz que estes factos não ocorreram porque sabia que o cartão bancário estava com a irmã porque ela é que o usava. No entanto, a testemunha diz que, tendo a GNR comparecido no local, a ofendida lhes relatou que o filho a tinha agredido com umas chapadas na cara, um soco na nuca e pontapés na perna esquerda por causa de lhe não ter dado o referido cartão. A GNR foi chamada ao local por via dessas agressões, como consta do respectivo auto. E o militar relatou o que lhe foi relatado pela vítima, de que tomou nota formal no expediente, assinalando os sinais de agressão (fls. 28) que, além do mais, se lhe mostraram compatíveis com o que lhe era relatado. Neste contexto, em que as declarações consistem em dizer o que foi relatado num contexto de assistência que foi prestada à vítima no local, o que podemos ter é, como tal, uma situação em que os factos ocorreram, ou não. Estamos em crer que as declarações da testemunha bastam para a prova da referida factualidade. Em concreto, ouvido o depoimento, ele é muito claro e pormenorizado. O militar em questão, autuante, recorda pormenores que nem estão mencionados no auto, pelo que se compreende de imediato a espontaneidade do depoimento. Depois de explicar o motivo por que foram chamados e de que estiveram com a vítima no local que lhes relatou ter sido agredida pelo arguido com chapadas na zona da face, soco na nuca e pontapé na perna, que logo identificou, refere que eram visíveis os sinais no rosto [respondendo afirmativamente à pergunta do Exmo. Procurador sobre se tinha verificado lesões na ofendida], acabando por ser também accionda a intervenção hospitalar. Além disto, refere a testemunha, sem pergunta directa a esse objectivo, que a agressão fora porque o arguido queria que a vítima lhe desse um cartão bancário e ela negou, sendo que o arguido ali tinha afirmado que tal cartão seria para comprar comida e a vítima, na mesma circunstância, dissera que o cartão era por ele usado para comprar estupefaciente. Neste concreto contexto, em que inclusivamente se percebe que o próprio arguido interagiu com a GNR naquela circunstância, sendo que a explicação que ali dá sobre a finalidade do uso do referido cartão apenas é compatível com a versão que a ofendida apresentou [caso contrário, se fosse como diz agora o arguido que nada se passou porque sabia que o cartão estava sempre com a irmão, não fazia sentido que, naquela data, tivesse dito à GNR que o usava ele para comprar comida]. Assim, quer pela isenção do depoimento quer pela consistência do mesmo, este depoimento desta testemunha, verificado o circunstancialismo de excepção acima enquadrado, é suficiente e adequado a dar como assente a descrita factualidade. Pelo contrário, tendo em conta o que o arguido afirmou no dia dos factos à GNR no local, o que não faz qualquer sentido é a sua versão de julgamento. Quanto a este episódio, como tal, nada mais há a dizer, improcedendo a impugnação. E quanto aos acontecimentos de ........2024, até por maioria de razão, a conclusão será a mesma. De facto, atento o auto a fls. 87, percebe-se que interagiram com a situação, para além do arguido e ofendida, ainda o OPC já referenciado (auto a fls. 87 e seguintes), bombeiros e hospital. O depoimento do militar é novamente rigoroso e pormenorizado, transmitindo as percepções próprias ao Tribunal, convence pela clareza e objectividade, até relativamente às correcções que faz quanto aos expedientes que subscreveu [no que tange ao lado do corpo atingido e quanto ao militar que acompanhava a diligência]. Ouvido o depoimento, ficamos sem dúvidas quanto às percepções da testemunha: o arguido estava também no local, embriagado, a limpar o chão da cozinha com a esfregona, a vítima estava na cama, desnuda e com um pano a cobrir as zonas de intimidade, com sinais visíveis de agressão na mão esquerda, que estava ensanguentada, e ferida também na perna, tendo-se queixado de que o arguido a agredira com um ferro nesses locais e urinara para cima de si. O arguido, que não tem dúvidas em afirmar que estava embriagado, ingeriu mesmo um copo de vinho da garrafa que o militar viu, à frente e na presença da GNR. Ora, estas declarações, mais uma vez, são compatíveis com o relatado pela ofendida à GNR quando ali chegaram e não são compatíveis com a versão do arguido. O facto de a ofendida estar despida e o arguido a limpar o chão da cozinha é compatível com o facto de, como ela contou à GNR, ter ido pedir ao arguido e companheira que fizessem menos barulho na cozinha, tal como é compatível com o facto de o arguido ter urinado sobre a mãe, na mesma cozinha, e por isso estava a limpar esse chão e não o do quarto, e sendo tudo isso compatível com o facto de a vítima ter tirado a roupa molhada e encontrar-se sem roupa na cama. As agressões eram visíveis, a mão tinha sangue inclusivamente, sendo ambas compatíveis com o modo de efectivação também descrito pela vítima. Portanto, juntos estes elementos aos autos, que, aliás, a testemunha confirmou no julgamento, corrigindo-os até parcialmente, com os restantes elementos de prova a que bem aludiu o Tribunal na fundamentação, a conclusão de prova a retirar só pode ser a que o Tribunal a quo concluiu e não outra. Ao contrário do que pretende o arguido, o facto de a testemunha corrigir em julgamento elementos do processo, designadamente do expediente, ao invés de fragilizar as suas declarações, só as vem reforçar. É que esta testemunha, que nenhum interesse tem no processo, e que esteve em ambas as circunstâncias, tendo sempre assegurado o expediente que, naquilo que possa agora valer, relativamente aos elementos de tempo, modo e lugar, se apresenta isento de reparo, vem em audiência, que é o lugar próprio para o fazer, dizer que indicou mal o lado do corpo da ofendida cujas lesões lhe foram evidentes na primeira circunstância e rectifica essa declaração, conformando-a com os restantes elementos recolhidos então, portanto cumprindo o dever como testemunha e sendo o único capaz de garantir que o Tribunal percepcionasse assim a verdade dos factos. O mesmo acontecendo quando rectificou o nome do colega que o acompanhou na subsequente diligência. Desta forma, tendo assumido que duas desconformidades eram rectificáveis em benefício da verdade da prova, valorizou o seu depoimento, cuja credibilidade ficou reforçada. Como tal, também nesta parte improcede a impugnação. • A invocada impugnação dos factos e os vícios decisórios Muito embora o arguido venha, misturando e baralhando, invocar coisas diversas sobre os mesmos aspectos, não será complicado ir adiante, entendendo que os invocados vícios serão conhecidos apenas quanto ao concretamente alegado, cingindo-se assim esta apreciação ao objecto do recurso, sem prejuízo do que seja de conhecer oficiosamente. Assim, O arguido vem dizer que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia por não ter referido o depoimento da testemunha BB sem explicar a razão. Mas não tem razão em duplo sentido. Em primeiro lugar, porque a omissão de pronúncia não é um vício que se aponte à falta de tomada de posição quanto a um depoimento ou meio de prova, mas relativamente a uma questão que haja sido suscitada e, acrescentamos, faça parte do objecto do processo, do chamado thema decidendum. Fora deste espectro, nada se prefigura com aquela dimensão. Ora, como se percebe, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todo o objecto do processo, tomando posição sobre o mesmo. A discordância do arguido quanto ao sentido dessa posição é apenas a sua posição, conquanto que a possa invocar, como fez, em sede de recurso. Mas não apenas isso. Não tem razão ainda porque o Tribunal a quo se pronunciou de facto sobre tal depoimento, ainda que para o afastar de cogitação pois que, como diz, a referida testemunha informou o Tribunal de que a nada tinha assistido. Ora, que nada viu e, como tal, nada pode saber do que não viu, não tem razão para ver ponderado o que diz não ter visto. E, de facto, no fim da fundamentação, diz o Tribunal recorrido que: (…) O arguido negou os factos as testemunhas supra referidas não os confirmaram e a testemunha BB, irmão do arguido afirmou nunca ter presenciado nada e referiu que a mãe nunca lhe fez queixas do irmão. (…) Veja-se. Este depoimento, bastando ouvir a gravação para o perceber, nada adianta ou atrasa em termos de prova. Pelo contrário, a testemunha, com o rigor que é esperado, vem dizer que a nada assistiu. Assim, e ao contrário da testemunha autuante, que esteve no local após os factos, os ouviu relatados da boca da vítima que acionou o socorro e presenciou as suas decorrências, esta testemunha a nada assistiu. Como parece de meridiana evidência, que nada vê nada pode testemunhar ter visto. Portanto, quanto a factos relativos a agressões, estamos assentes. E quanto ao mais também, pois que a circunstância de a ofendida nunca se ter queixado de ser vítima de violência por parte do filho é aqui perfeitamente inócua para o direito, ainda que possa ser relevante para o mundo da psicologia. É que a mãe não precisa de se queixar aos filhos pois que se queixou à polícia. Aliás, foi à polícia que pediu socorro e foi a polícia que a ajudou. Aos filhos, que sabiam da condição do irmão, até porque, tendo contacto com o mesmo não a podiam desconhecer, dava jeito não se preocuparem com o assunto, pois que «aquele não era um problema deles». E deixaram a mãe com o referido «problema», para que o resolvesse ela. Aliás, se os irmãos tivessem qualquer proximidade à mãe saberiam que foi ferida mais do que uma vez, que chamou a polícia mais do que uma vez, que até assistência hospitalar teve. E o descurar da razão de tudo isso demonstra que, efectivamente, ela não sentia que podiam ser uma ajuda para si, tal como não foram. Um filho que tem proximidade íntima com a mãe procura informar-se do seu estado diariamente, procura ver a mesma com regularidade e até procura saber se as nodoas negras que eventualmente exiba não têm origem em alguma circunstância que esteja a contribuir para uma vida menos feliz. Esta é a normalidade da vida quando as relações são próximas, pois que, mesmo quando a mãe possa ter medo e reservar-se ao silêncio, o filho atento percebe que não está bem. Nas relações que não têm esta proximidade emocional esta atenção está naturalmente diluída, independentemente das razões por que o esteja. E, nessa circunstância, é também natural que a vítima de violência ou destrate procure em terceiros, desde logo na polícia, a ajuda que lhe pareça essencial. Tudo isto é normal e a vida demonstra a cada passo. Neste quadro, nenhuma das avaliações a que chegou o Tribunal a quo se mostra desajustada ou omissa. Improcede, como tal, também a referida questão. O arguido vem, ainda, por vezes fazendo equivaler o auto aos depoimentos, invocar desconformidades da decisão com a referida prova que parece considerar aqui relevante. Já dissemos acima que o valor dos autos em fase de julgamento, destes autos, é reduzida às circunstâncias que concretamente podem documentar: tempo, modo e lugar. Não são tomados em conta quanto ao teor das declarações que contenham ou referências que façam e sejam objecto de prova concreta em julgamento. Daí que, como se percebe, não tenha o Tribunal ponderado as declarações ali constantes imputadas à ofendida mas tão só o que o autuante presenciou e lhe foi referido como causa da sua deslocação ao local. De facto, o militar autuante confirmou em julgamento que relativamente ao cartão bancário que esteve na base da primeira circunstância, lhe foi ali referido que a mãe recusara a entrega ao filho (origem do problema) porque ele o usava para comprar droga. Ao contrário, o arguido, nas declarações da mesma testemunha, referiu no mesmo local e para escamotear aquela origem, que servia para comprar comida. Ora, o relatório social afirma um consumo de drogas e álcool por parte do arguido, dizendo que o mesmo o refere como já ultrapassado, sendo que o arguido também referiu esse consumo já anteriormente. Já quanto ao consumo de bebidas alcoólicas, também referenciado no relatório da DGRSP, foi confirmado até na presença de militares da GNR que o arguido, pelo menos numa das circunstâncias, estava alcoolizado e bebeu mesmo na presença dos militares. Portanto, as evidências de prova, sendo certo que ao Tribunal importa avaliar as que ocorriam à data dos factos, levam exactamente no sentido que o Tribunal de julgamento deixou provado. O mesmo se diga quanto ao facto de o arguido ser barbeiro ou outra qualquer coisa, uma vez que essa informação foi dada pelo próprio ao Tribunal no primeiro interrogatório, sendo certo que no julgamento o confirmou, dizendo que trabalha em casa e por vezes vai a casa, sendo que o que o Tribunal a quo apurou foi o que o arguido lhe afirmou directamente nas declarações que prestou. Não se vê, como tal, qualquer desconformidade da decisão recorrida com a prova a que atendeu o tribunal, improcedendo estas questões também. Quanto à invocada nulidade da sentença por não comprovar o estado ébrio do arguido na segunda das circunstâncias, confessamos que nem sequer percebemos a alegação. De facto, como se explicou supra, o arguido estava embriagado e bebeu também na presença da GNR. Se o arguido nega este facto, certamente terá como provar que aquele juízo feito pela testemunha estava errado. Não tendo, como parece que não tem pois que não juntou essa prova em tempo oportuno ao processo, a avaliação que o Tribunal recorrido fez das percepções da testemunha, para aquele concreto efeito, é bastante para convencer o Tribunal. Nada mais a acrescentar, não havendo qualquer nulidade subjacente. Quanto à invocada falta, ao que parece, de lógica do ponto II.1.8, nada se invoca à excepção dessa mesma conclusão, pelo que nada há a analisar. Conclui-se que o arguido, por ter 35 anos, se quisesse fazer mal à mãe tê-lo-ia conseguido, e não apenas como se provou. Não deixa de ser uma alegação curiosa, uma vez que a mãe apresentava ferimentos, sendo que a mesma não se auto infligiu o mesmo e o relatou mais do que uma vez, ao OPC e no Hospital, sendo ainda essa lesão compatível com as queixas que verbalizou, pelo que dizer-se que o arguido podia ter feito pior se quisesse, é só mais uma conclusão do arguido sem qualquer suporte fáctico concreto. Ao contrário, a lesão é real e concreta, foi vista, foi explicada e foi atribuída, no próprio local em que compareceu a ajuda, a um autor concreto. Não se vê qualquer insuficiência ou incongruência de prova aqui também. E o mesmo se diz quanto ao ponto II.1.9 a que alude o recurso. Na impossibilidade física de alguém urinar para cima de si mesmo, sobretudo sendo mulher, e tal como antes se explicou sendo a explicação para essa circunstância plausível e até confirmada por determinados pormenores do depoimento do agente da GNR, não se vislumbra anomalia da decisão também quanto a esse aspecto. Aliás, elementos estes que a ofendida repetiu também à assistente social (testemunha HH) que os confirmou ainda em julgamento, com referência ainda ao documento de fls. 80 que atesta o que os bombeiros viram no local, tendo sido estes que auxiliaram, como se percebe, a ofendida que estava no chão com a urina do arguido sobre si própria. Nada tendo também de vago o ponto 12 dos factos provados, também confirmado em julgamento pela própria testemunha que os presenciou: (…) Assim, no que concerne aos factos ocorridos no Hospital teve-se em atenção o depoimento da testemunha GG, enfermeira que fala crioulo e que presenciou os factos ocorridos no Hospital, a qual afirmou que o arguido proferiu as expressões dadas como assentes, que se tratavam de ameaças, que o arguido adotou uma postura passiva agressiva, estava a usar um tom de voz calmo mas a mensagem era agressiva, que se apercebeu da reação da ofendida que ficou com medo, que disse ao arguido para abandonar o Hospital porque tinha percebido o que ele tinha acabado de dizer e este respondeu-lhe que era o cuidador da mãe e mais tarde a ofendida confirmou que se tratava do filho. (…) Nada de vago tem esta explicação que o Tribunal recorrido fez constar da decisão, pelo que improcede também esta alegação. Nenhuma insuficiência ou nulidade afecta também nesta parte a decisão. • Relativamente ao pedido subsidiário – «pena menor e suspensa» Este pedido não tem fundamento em termos de conclusões de recurso, pelo que no rigor dos princípios nem sequer devia ser considerado. No entanto, porque se percebe que podia ser uma decorrência da eventual procedência das questões anteriores a reponderação da pena, deixa-se aqui a nota final sobre a pena fixada, conhecendo-se no limite ainda como decorrência de vício decisório, não verificado, alegado pelo arguido. Conforme ensina Figueiredo Dias, a fixação da pena deverá obedecer ao critério geral consignado no artigo 71º do Cód. Penal, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique 1, relevando, na avaliação da personalidade do agente. Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes ao crime em causa, atento ao que concretamente ponderou o Tribunal recorrido para o efeito, conclui-se que a pena fixada na primeira instância é até benévola para o arguido. O arguido tem antecedentes criminais, aliás, por crime de natureza idêntica, condenação transitada em ..., condenação essa em pena suspensa e que ainda estava vigente à data destes factos. Ora, sendo a moldura penal variante entre 2 e 5 anos de prisão, atento tudo o que se disse, fixar a pena em um ano acima do mínimo legal naquelas circunstâncias é fixá-la em termos muito favoráveis ao arguido, pois que esta fixação está feita no terço inferior da moldura. Conquanto isto, não tendo sido interposto recurso quanto à mesma, aceita-se o critério do «justo castigo» a que ali se alude em citação do Professor Beleza dos Santos2. Sendo a pena concreta aplicada fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, importa apreciar e fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão da execução da pena de prisão (artº 50º, nº 1 CP). É sabido que não são considerações de culpa que interferem nesta decisão, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto em análise, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas. A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não de qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanoia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como esclarece Zift, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência 3. Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização - a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Já determinámos que estão em causa "não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise 4. Por outro lado, importa esclarecer que o que está em causa no instituto da suspensão da execução da pena não é qualquer juízo de “certeza”, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser conseguida. O tribunal deve correr risco "prudencial" (fundado e calculado) sobre a manutenção do agente em liberdade. Existindo, porém, razões sérias para pôr em causa a capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada 5. A Jurisprudência tem vindo a acentuar que a suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o Tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado, que deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a proteção dos bens jurídicos violados, refletindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infração. Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reação penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vetores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva). Contudo, importa considerar ainda a proteção dos bens jurídicos violados, a proteção da própria sociedade em relação ao agente do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente este último, se possa esperar que o mesmo não venha a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa). Na proteção dos bens jurídicos, será ainda de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, inequivocamente, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral). Da ponderação destes elementos, decorre que, por vezes, sobrepondo-se à função ressocializadora, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais do Estado de Direito Democrático. Concretizando, o crime praticado pelo arguido é objetivamente grave, suscita grande censura e repúdio, sendo elevadas as exigências de prevenção geral e especial. Diremos também que a sociedade não aceita, e não pode aceitar nunca, este tipo de criminalidade, pois que ela revela o pior do cidadão, a falta de princípios estruturantes, a falta de boa formação, a falta de humanidade e empatia ao nível mais básico que é o da família próxima. O facto de o arguido, num contexto em que está minimamente integrado, porque até trabalhava qualquer coisa, que não se apurou ter dificuldades de integração cultural, social até, ainda que ao nível do seu próximo meio, nessas condições, em que tem uma mãe enferma, fisicamente debilitada e incapaz, bem mais velha do que ele, tomar a decisão de atentar contra a saúde da mesma nas circunstâncias descritas, este simples facto dá-nos a indicação de que o arguido ainda tem caminho a fazer em termos de integração social [pois que não está socialmente integrado quem pratica um crime tão anti social como este], caminho esse que passa pela verdadeira interiorização do desvalor da conduta [que se percebe não ter sido conseguido pela simples leitura deste recurso e da postura que assumiu em julgamento], ao que acresce a circunstância de, neste contexto de notada gravidade, não perceber a sociedade a benevolência de qualquer pena que fosse suspensa na respectiva execução. Ora, inversamente ao que decorre da motivação do seu recurso, é precisamente porque o Tribunal aplica a lei que concretiza as políticas de prevenção e combate à violência, desde logo em contexto familiar, que o Tribunal decide sobre a danosidade social das condutas que julga nesse como nos restantes âmbitos. O Tribunal a quo fez essa ponderação de forma correcta, nada havendo, como tal, a apontar ou a alterar à decisão recorrida. Assim, por não se mostrarem reunidos os pressupostos materiais exigidos pelo artº 50º do Cód. Penal para a aplicação de uma pena suspensa na execução, conclui-se também quanto a essa pretensão do arguido que a mesma é de improceder. Importa concluir a apreciação deste recurso, decidindo-se este Tribunal da Relação pela falta de provimento do mesmo. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente não provido o recurso interposto pelo arguido FF, mantendo-se intocada a decisão do Tribunal a quo. Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s, a que acrescem os demais encargos legais. Notifique. Lisboa, 22 de Outubro de 2025 Hermengarda do Valle-Frias Rui Miguel Teixeira Cristina Isabel Henriques Texto processado e revisto. Redacção sem adesão ao AO ______________________________________________________ 1. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Coimbra - 1993, p. 290ss. 2. Apud – dec. recorrida - Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 78, p. 26. 3. Figueiredo Dias, idem, p. 343 e 344. 4. ibidem, p. 344 5. ibidem, p. 344 e 345  |