Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRL00005312 | ||
Relator: | LEONARDO DIAS | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO AO LESADO | ||
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Nº do Documento: | RL199211040278463 | ||
Data do Acordão: | 11/04/1992 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T J SEIXAL 2J | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 726/91-2 | ||
Data: | 03/13/1992 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | FIGUEIREDO DIAS DIREITO PROCESSUAL PENAL VOL I 1974 PAG549. MAIA GONÇALVES CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ANOTADO 1987 PAG321. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ART128. CPP87 ART71 ART72 ART74 ART75 N3 ART76 ART77 N1 N2 ART81 ART82 N1 ART142 ART364 N1 N2 ART403 N1 N2 C ART428 N2. CPP29 ART34 PAR2 ART450 N5. DL 423/91 DE 1991/10/30. | ||
Jurisprudência Nacional: | AC RL DE 1987/10/28 IN CJ XII T4 PAG179. | ||
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Sumário: | No CPP de 1987 está vedado ao Juiz arbitrar indemnização ao lesado oficiosamente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Relação de Lisboa: No processo comum n. 726/91-2 secção-2 Juízo da Comarca do Seixal, em que é arguido (A), o assistente, (B), recorre da sentença condenatória, concluindo a sua motivação como segue (transcrição): "1- Ao condenar o arguido e não fixar indemnização ou relegar o seu conhecimento para execução da sentença, o Mmo. Juíz violou o disposto no art. 82 CPP. 2- E tornou a sentença nula nos termos do disposto no art. 668, n. 1, al. d) CPC, ex vi art. 4 CPP. Pede-se assim ao tribunal ad quem, que: a) Completando a decisão recorrida fixe indemnização a pagar pelo arguido ao assistente, no âmbito da condenação, ou se relegue a fixação da mesma para execução de sentença nos termos do n. 2 do art. 82 CPP. b) Se assim não se entender, se declare nula a sentença e se ordene a repetição do julgamento." Responderam o arguido e o Digno Magistrado do Ministério Público, pugnando, ambos, pela manutenção do recorrido. Nesta Relação, a Exma. Procuradora da República emite parecer no sentido do não provimento do recurso. Corridos os vistos, cumpre decidir. O julgamento teve lugar perante tribunal singular. As declarações prestadas oralmente em audiência não foram documentadas na acta, sendo certo que nem o Ministério Público, nem a Defensora, nem a Advogada do assistente declararam não prescindir dessa documentação. A falta de tal declaração vale como renúncia ao recurso em matéria de facto (art. 428, n. 2 e 364 ns. 1 e 2). Esta Relação conhecerá, pois, apenas de direito (cit. art. 428). (Os dispositivos legais já citados ou que venham a citar-se sem indicação do respectivo diploma legal pertencem ao Código de Processo Penal). Dos autos, apura-se que: - Foi cumprido o disposto no art. 75 mediante carta registada ao ora recorrente (fls. 23 e 23v); - Não foi deduzido nenhum pedido de indemnização civil; - O arguido foi condenado, pela autoria de um crime de ofensas corporais voluntárias p. p. pelo art. 142 do Código Penal na pessoa do assistente, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 800 escudos, no total de 72000 escudos, e, em alternativa, 60 dias de prisão, e, ainda, em taxa de justiça e nas custas do processo. Metade da multa e a prisão alternativa foram declaradas perdoadas (art. 14 da Lei n. 23/91). Em nada mais o arguido foi condenado. A questão posta pelo recurso é, estritamente, de direito e limitada à questão da não condenação do arguido em indemnização civil a favor do assistente. Esta limitação é perfeitamente legal (art. 403, números 1 e 2, a)). O que, mais concretamente, se nos pergunta, é se, no âmbito do actual CPP, o juiz deve fixar sempre indemnização ao lesado pela prática de um crime, independentemente de ter sido ou não deduzido o respectivo pedido. Vejamos: No domínio do direito anterior ao Código Penal de 1982, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal. Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal (art. 34 e 45, número 5, do CPP/29), se definiam critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil (§ 2 do mesmo art. 34) e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido, aquela reparação constituía, em rigor, um efeito penal da condenação - como aliás claramente o inculca o art. 75, 3 do CP - hoc sensu "uma parte da pena pública", que não se identifica, nos seus fins e nos seus fundamentos, com a indemnização civil, nem com ela tem de coincidir no seu montante (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1 vol, 1974, pag. 549). Contra essa descaracterização, quer da acção civil enxertada no processo penal quer da própria natureza e finalidades da indemnização aí arbitrada, que não contra o sistema da adesão em si mesmo, veio a última grande reforma do direito penal. Assim, passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios, substantivos, da lei civil, por força do disposto no art. 128 do Código Penal (que revogou tacitamente o § 2 do art. 34 do CPP/29), a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena à qual é, estruturalmente, extrínseca. (O art. 128 do CP corresponde, com ligeiras alterações formais, ao art. 106 do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, que o seu Autor justificou pela "ideia de que, pelo menos no ponto de vista substantivo, a indemnização civil do dano produzido pelo crime é coisa diferente, de todo o ponto, da responsabilidade penal..." - Acta da 32 sessão - sendo nosso o sublinhado -, in "Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, II vol., MJ, 1966, pags. 211/212 -). E, no plano do direito adjectivo, o Código de Processo Penal, mantendo o sistema da adesão (embora alargando, no art. 72, o número de casos em que, concedendo ao princípio da alternatividade ou opcão, é permitido intentar a acção cível em separado, e levando essa maior maleabilidade ao ponto de autorizar o tribunal não só a condenar no que se liquidar em execução da sentença, sempre que não disponha de elementos bastantes para fixar a indemnização - art. 82, n. 1, - mas também a remeter as partes para os tribunais civis, nos casos previstos no n. 2 do último dispositivo citado), veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil. Com efeito, acolheram-se, inequivocamente, os princípios da disponibilidade (art. 81) e da necessidade do pedido (- "nemo iudex sine actore, ne procedat iudex ex officio, ne eat iudex ultra vel extra petita partium" - cfr., designadamente, os artigos 75 (a autoridade judiciária informará a pessoa que se saiba ter legitimidade para deduzir pedido de indemnização civil da possibilidade de o fazer valer no processo penal e das formalidades a observar), 71 (o pedido... é deduzido), 74 (o pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado cuja intervenção processual se restringe à sustentação e à prova do pedido...) 76 (Compete ao Ministério Público formular o pedido... relativamente a lesado que lho requeira) 77 ("Quando apresentado pelo MP ou pelo assistente o pedido é deduzido..." (n. 1) e, nos restantes casos, "o pedido é deduzido em requerimento articulado..." (n. 2)). Finalmente, como corolário da natureza puramente civil quer da indemnização, quer da acção enxertada no processo penal, a decisão penal, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, passou a constituir caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis (art. 84). O que tudo traduz, manifestamente, a consagração da doutrina de Figueiredo Dias (cfr. ob. cit. pags. 559 e segs. e "Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal", CEJ, 1989, pags. 14/15) que, nomeadamente, sobre a questão que mais directamente nos interessa, nunca deixou margem para dúvidas: "cremos que nada do que dissemos até aqui impede que continue a sufragar-se, como princípio geral, o da dependência da acção civil relativamente ao processo penal, com a consequente obrigatoriedade imposta ao lesado de deduzir o seu pedido civil no processo penal. (...) tribunal penal nunca poderá arbitrar qualquer indemnização que lhe não tenha sido pedida". (Direito Processual..., pags. 565 e 570, sendo nosso o sublinhado). Aliás, a necessidade do pedido, com a consequente impossibilidade de ser oficiosamente arbitrada a indemnização, nunca foi questionada, que se saiba, após a entrada em vigor do CPP (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 3 ed., 1990, pags. 138, 148/149 e 152; José da Costa Pimenta, Código de Processo Penal Anotado, 1987, pag. 321, Isabel Alexandre, "O Ónus da Prova na Acção Civil Enxertada em Processo Penal", 1991, pag. 41, e Germano Marques da Silva, "Lições de Processo Penal (Código de 1987)" - Apontamentos das lições ao 5 ano de 1987/88 - UCP, pag. 100), revelando-se injustificadas as dúvidas expressas no Acórdão desta Relação de 28/10/87, CJ, XII, T4, 179 a que, aliás, o disposto no art. 129 do Código Penal não dava o apoio ali suposto. (Na verdade, da circunstância de a Lei, através de um seguro social, assegurar a indemnização do lesado que não possa ser satisfeita pelo delinquente, não decorre, necessariamente, que a indemnização haja sempre de ser arbitrada, mesmo quando não tenha sido pedida. Tanto assim é, que, o Decreto-Lei n. 423/91, de 30/10, primeiro passo no sentido da concretização do objectivo definido pelo artigo 129 do CP, consagra também o princípio da necessidade do pedido - cfr. artigos 1, números 1 e 3, 4, número 1, 5, número 1, e 6, número 2). Em suma: hoje, está vedado ao tribunal arbitrar oficiosamente indemnização civil em processo penal. (A argumentação do recorrente, em contrário, baseia-se, exclusivamente, na letra do artigo 82; todavia, só a mais absoluta inconsideração pelo elemento sistemático o impediu de enxergar o que se afigura evidente: que as decisões ali autorizadas têm como indispensável pressuposto um pedido de indemnização já formulado). Ora, não tendo sido deduzido nestes autos qualquer pedido de indemnização civil com fundamento na prática do crime por que o arguido veio a ser condenado, o Mmo. Juiz "a quo" nem tinha que atribuir nenhuma reparação ao assistente, nem tinha que fundamentar essa não atribuição. O recurso improcede, pois, inteiramente. Termos em que, negando provimento ao recurso, se confirma a decisão recorrida, na parte em que não condenou o arguido em indemnização civil a favor do assistente. Taxa de Justiça pelo recorrente: 3 (três) UCs. Processado e revisto pelo relator, que rubrica as restantes folhas. Lisboa, 4 de Novembro de 1992. |