Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
150/19.0TNLSB.L1-7
Relator: EDGAR TABORDA LOPES
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RAMO MARÍTIMO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente exigindo, com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
 - a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a);
 - a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c).
II – Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
III – O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se - após audição da prova gravada compulsada com a restante prova produzida - concluir, com a necessária segurança, no sentido de que esta aponta em direcção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância.
IV - As cláusulas de um contrato de seguro, constituindo cláusulas contratuais gerais, criam para a seguradora um dever de comunicação e um dever de informação, que decorrem dos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro.
V – Recai sobre o segurado/beneficiário o ónus de invocar a violação ou preterição desses deveres por parte da seguradora.
VI – Recai sobre a seguradora o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva e do cumprimento do dever de informação sobre os aspectos em que ele especialmente se verifique.
VII – Os deveres de comunicação e informação têm como fundamento a protecção da parte contratualmente mais fraca, procurando assegurar a boa formação da vontade do aderente ao contrato, de forma a que tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular e das suas implicações.
VIII - As exigências de efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, têm como contrapartida – na decorrência do princípio da boa-fé – um dever de diligência média por parte do aderente enquanto destinatário da informação.
IX – A intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo, mas isso não dispensa o proponente dos seus próprios deveres, sendo certo que não é a iniciativa do cliente que se sindica, mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento.
X - Cumpre o dever de informação e de comunicação quando são entregues ao aderente (uma empresa habituada a lidar com este tipo e contratos de seguro), proposta, Condições Gerais e Condições Particulares, sem que tenha sido especialmente explicada uma cláusula de exclusão (constante das Condições Gerais) já conhecida do tomador de anteriores contratos e de fácil compreensibilidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
S…, Lda. intentou a presente acção de condenação, com processo comum, contra L…, SA. pedindo:
 I - a declaração da exclusão e não aplicabilidade da cláusula 9.º, n.º 1, al. e), das condições gerais da apólice do seguro celebrado entre as partes;
 II - a condenação da Ré a entregar à Autora a quantia de €37.743,04, acrescida dos juros legais contados a partir da citação.
Em síntese, alega a Autora que:
 - celebrou com a Ré um contrato de seguro, do ramo marítimo – cascos/pesca, o qual teve por objecto a embarcação de pesca da qual é proprietária, denominada N--, com o conjunto de identificação L-----, e que abrangia as coberturas de casco e máquinas, embarcações auxiliares e diversos equipamentos;
 - a N-- sofreu um rombo no casco cuja causa e subsequente entrada de água a bordo não foi possível estabelecer, sendo que aquele se encontrava íntegro e a embarcação em bom estado geral;
 - o custo da reparação da embarcação totalizou a quantia de €37.743,04 e que a Ré, interpelada para suportar tal montante ao abrigo do contrato de seguro, nada entregou à Autora, por entender que o sinistro se deveu a vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento e, nessa medida, estar excluído da cobertura da apólice;
 - a cláusula do contrato de seguro que contempla a mencionada exclusão jamais foi lida e explicada à Autora, pelo que deve ser tida como inexistente nos termos dos artigos 5.º, 6.º e 8.º do DL n.º 446/85, de 25-10.
Citada a Ré veio apresentar Contestação, na qual:
- impugnou que o sinistro sofrido pela embarcação da Autora se encontrasse garantido pelo seguro ajustado com a Ré, porquanto o mesmo ficou a dever-se ao desprendimento das tábuas do casco junto ao aro de painel de popa, nas obras vivas, do lado de estibordo, em resultado do estado de degradação da madeira e da corrosão dos pregos que fixavam as referidas tábuas (demonstrando que tal circunstancialismo preenche as cláusulas de exclusão de cobertura do seguro previstas no art.º 9.º, n.ºs 1, al. e), e 2, al. c), das Condições Gerais, as quais estabelecem, respectivamente, que «[f]icam expressamente excluídas das garantias prestadas por esta apólice as perdas, danos ou indemnizações directa ou indirectamente resultantes de vício próprio, efeitos de envelhecimento (…)» e «(…) o Segurador não responde (…) pelas perdas ou danos directa ou indirectamente resultantes de defeito de construção, montagem, vício próprio, desgaste, uso ou depreciação, desarranjos de qualquer natureza, defeitos latentes ou ocultos e/ou manutenção do navio ou embarcação segura (…)»);
 - asseverou que as partes têm um relacionamento contratual muito anterior à subscrição da apólice ajuizada e que a Autora conhece perfeitamente a exclusão decorrente de vício próprio, pois a Ré, no âmbito de um anterior seguro do ramo marítimo-cascos relativo à mesma embarcação, rejeitou a cobertura numa situação idêntica de desgaste ou fadiga de material;
- contrapôs ainda que as despesas de reparação da N-- foram inicialmente cifradas pela Autora em €29.754,28, ficando por esclarecer a que concretos gastos respeita o montante ora peticionado;
- terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
Teve lugar Audiência Prévia onde se procedeu ao saneamento do processo, fixando-se o valor da acção, bem como o objecto do litígio e os temas da prova.
Realizada a Audiência de Julgamento foi prolatada Sentença, que concluiu com a seguinte Decisão:
“Nestes termos, e com tais fundamentos, decido julgar improcedente, por não provada, a presente acção e, consequentemente, absolver a Ré L…, S.A. do pedido formulado pela Autora S…, Lda..
Fixo a remuneração do Assessor Técnico do Tribunal, Exmo. Senhor Eng. A…, em seis (6) senhas de presença [consulta do processo (1), participação na audiência final (3) e prestação de esclarecimentos técnicos de facto ao julgador (2)].
Custas a cargo da Autora S…. Lda. (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC).
Registe e Notifique.
Após trânsito, devolva o processo apenso de averiguações (“Relatório de Mar”) ao Comando Local de P… da Polícia Marítima”.
É desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, a qual apresentou as suas Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
1ª- O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida no que diz respeito às alíneas j) e l) dos factos provados e ao Facto nº 5 dos factos não provados.
2ª- Também na aplicação da fundamentação de direito ao caso concreto, salvo o devido respeito, andou mal o tribunal a quo, porquanto, invocando correctamente os regimes tutelares norteadores da contratação de seguros e dos procedimentos prévios de informação (RJCS e RJCCG), bem assim doutrina atinente, concluiu de forma diametralmente oposta, que:
 a)- Mesmo tendo a seguradora assumido que não prestou a informação nos moldes requeridos pela Lei, a isso não estava obrigada porque,
 b)- O tomador já tinha tido seguros do mesmo tipo para o mesmo bem, inclusive com a seguradora aqui representada, e conhecia muito bem o clausulado e as exclusões,
 c)- Dominava muito bem o jogo das Cláusulas Contratuais Gerais,
 d)- O ónus de pedir esclarecimentos para quaisquer dúvidas era do tomador, e posto que nenhuns foram pedidos, presume-se que tudo era do seu conhecimento,
 e)- E, finalmente, sendo o contrato de seguro uma condição imposta pel------ (do grupo da seguradora L---, a Ré) para a concessão do mútuo solicitado pela Autora, é seguro o tribunal afirmar que esta teria sempre ajustado o seguro nos termos em que acabou por fazê-lo.
3ª - Com efeito, dos depoimentos das testemunhas AS, MS e do legal representante da Autora, cujos extractos foram transcritos e devidamente identificados nestas alegações e que aqui se dão por reproduzidos, não se pode retirar que haja sido comunicado o conteúdo do contrato e das subtilezas do clausulado, nomeadamente da cláusula de exclusão de responsabilidade em apreço – a Cláusula 9ª, nº 1- e) das Condições Gerais relativa ao “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
4ª - O depoimento da testemunha AS- ouvida na sessão de 9 de Dezembro de 2021, entre as 15h 45m e as 16h e 13m - gravado e identificado no Ficheiro nº 20211209154517, é cristalino, não merece quaisquer dúvidas no sentido de não ter informado o legal representante da Autora sobre o teor das cláusulas, nomeadamente da Cláusula 9.ª principalmente a al. e) do seu n.º 1 das Condições Gerais.
5ª- Esta testemunha, funcionária da Ré Companhia de Seguros, referiu, repetidamente, por três vezes, no seu depoimento (0.22.00, 0.22.45, 0.26.41): “Não informei” e “não dei” (explicação) sobre a cláusula de exclusão de responsabilidade - Cláusula 9ª, nº 1, al. e) sobre a temática de “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
6ª- Também o depoimento da testemunha MS (ouvida na sessão de 9 de Dezembro de 2021, entre as 16h 41m e as 16h e 58m, cujo depoimento ficou gravado e identificado no Ficheiro nº 20211209164045), funcionária bancária do Banco ---, foi claro, ao afirmar, por três vezes (aos 0.12.30, 0.14.10 e aos 0.15.25, respectivamente): “Não estou recordada que tenha havido” explicação sobre o conteúdo da cláusula 9ª, nº 1 - e).
7ª- As Declarações de parte do legal representante da Autora, AP, prestadas na sessão de 17 de Janeiro de 2022, entre as 10h 45m e as 11h e 44m, cujo depoimento ficou gravado e identificado no Ficheiro nº 20220117104225, confirmaram o que anteriormente tinha sido afirmado pelas duas testemunhas indicadas pela Ré, no sentido de não lhe terem comunicado e explicado o conteúdo das cláusulas contratuais gerais, em especial da cláusula 9ª supra referida.
8ª- Os factos das alíneas “j” e “l” dos Factos Provados deveriam ser dados como não provados.
9ª- Por seu turno, o facto nº 5 dos Factos não Provados, deveria ter sido dado como provado.
10ª- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas cabe ao predisponente das cláusulas;
11ª- No caso concreto, cabia à Ré Companhia de Seguros, ora Recorrida, ter feito a prova da comunicação adequada ao legal representante da Autora da Cláusula 9ª, nº 1-e) das Condições Gerais sobre a exclusão da apólice radicada em “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento”.
12ª- Não tendo a Ré provado que explicou/comunicou ao legal representante da Autora o teor das cláusulas contratuais gerais, designadamente a atinente à definição de “vício próprio e/ou efeitos de envelhecimento” perante a dúvida sobre a comunicação/explicação do teor das cláusulas contratuais gerais – cujo ónus incumbia sobre a ré – há que, nos termos do Artigo 414º do Código de Processo Civil, considerar que não ocorreu tal comunicação/explicação das cláusulas contratuais gerais.
13ª - A cláusula em apreço, invocada pela Ré, ora recorrida, deverá ser declarada excluída do contrato e, como tal, inexistente– ex vi Artº 8º do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10.
14ª- Por essa via, deve a Ré Companhia de Seguros, ora Recorrida, ser condenada no pagamento à Recorrente da quantia de 29.754,28€ apurada com os custos da reparação da embarcação, constante da alínea fff) dos Factos Provados.
15ª- A douta sentença recorrida violou, por erro de apreciação da prova, entre outros preceitos, o disposto nos Art.ºs 414, 607, nºs 4 e 5 do CPC, Art.º 227 do CC, Art.º 18 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como o previsto nos Arts 5º, 6º e 8º do Dec. Lei nº446/85, de 25/10, devendo ser revogada.
A apresentou Contra-Alegações, nas quais concluiu que:
I – A A. Recorrente defende que o Tribunal a quo efectuou uma determinação correcta do direito aplicável, mas que não levou em consideração o mesmo no apuramento dos factos e na prolação da decisão concreta,
II – Alegando que o Tribunal teria introduzido “uma nova metodologia na contratação específica de seguros, em que o segurador se consideraria desobrigado de informar e explicar o clausulado a qualquer tomador de seguro que já tivesse contratado anteriormente uma cobertura”,
III – E, procede à impugnação da matéria de facto constante das alíneas j) e l) dos factos provados constantes da fundamentação de facto da Sentença (pretendendo que as mesmas sejam consideradas não provadas), e da matéria de facto relativa ao facto 5 dos factos não provados da fundamentação de facto da Sentença (pretendendo que o mesmo seja considerado provado),
IV – De forma a procurar sustentar que não houve o cumprimento, por parte da R. Recorrida, dos deveres de comunicação e informação das condições do contrato de seguro e, em particular, da Cláusula 9ª nº 1, alínea e), e nº 2, alínea c), das Condições Gerais da Apólice,
V - O Tribunal não aplicou uma qualquer nova metodologia em que defende que o segurador estaria desobrigado de informar e explicar o clausulado ao tomador de seguro que com ele já tivesse contratado anteriormente,
VI – O que o Tribunal a quo fez, e de forma correcta, foi apurar o cumprimento dos deveres de comunicação e informação das condições contratuais por parte da R. Recorrida (em face da documentação junta aos autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas AS e MS e declarações do representante legal da A. Recorrente, conforme enunciado em pormenor na Motivação da decisão de facto),
VII – E atender às circunstâncias concretas do caso, tomando em consideração, nomeadamente, a existência de um relacionamento contratual anterior entre as partes que teve idênticas condições contratuais e, em face do qual tinha havido, precisamente, a recusa de um sinistro baseada, essencialmente, nos mesmos fundamentos de exclusão que sustentaram a não cobertura da ocorrência em causa nos autos (cfr. factos provados m) e n) não impugnados),
VIII – Razão pela qual veio a concluir que a A. Recorrente não podia invocar desconhecimento das condições contratuais e, em particular, da concreta cláusula de exclusão em consideração.
IX – Para sustentar a pretendida alteração da matéria de facto, a A. Recorrente invoca exertos parcelares dos depoimentos das testemunhas AS, MS e as declarações de parte do legal representante da A. Recorrente AP,
X – Porém, analisando, de forma completa, os referidos dois depoimentos e as declarações de parte, resulta manifesto o cumprimento dos deveres de comunicação e informação das condições contratuais do seguro celebrado entre as partes,
XI – Resulta, assim, do depoimento da testemunha AS que esta remeteu a cotação do seguro em 1 de Fevereiro de 2016 e que juntou à mesma as Condições Gerais e Especiais da Apólice para comunicação e informação à A. Recorrente através do mediador Banco --- (em concreto, através da funcionária MS), o que foi feito,
XII – Tendo depois recebido de volta a proposta de seguro devidamente subscrita e assinada pela A., à qual vinha junto a cotação, a relação de equipamentos da embarcação e as referidas condições do seguro,
XIII – A referida testemunha atestou a existência de um relacionamento contratual anterior entre as partes no período 2010-2013, tendo também asseverado que não foi solicitado pela A. Recorrente nenhum esclarecimento adicional sobre as condições do seguro até porque esta já conhecia as condições de seguro do aludido relacionamento anterior (condições estas que se mantiveram idênticas), concluindo que houve comunicação e informação ao tomador de todas as condições do seguro e que se não foi dada uma explicação adicional sobre a exclusão constante da cláusula 9ª, nº 1, alínea e) das Condições Gerais foi porque a mesma não foi pedida.
XIV – Resulta do depoimento da testemunha MS, funcionária do Banco ---(mediador do seguro), que pediu uma cotação de seguro à L---, que lhe foi enviada a cotação, bem como as condições gerais e especiais, que comunicou estas condições à A. Recorrente,
XV – E que a informou a A. de forma geral sobre as exclusões, garantias e coberturas do seguro, pediu-lhe que lesse as condições e que se tivesse alguma dúvida em relação a alguma cláusula em particular que seria prestado esclarecimento adicional (ou directamente ou através da seguradora L---), confirmando que não houve qualquer pedido de esclarecimento por parte da A. Recorrente,
XVI – E, disse que a A. Recorrente declarou já conhecer as condições do contrato em face da existência de um relacionamento contratual anterior e que aquando da subscrição e assinatura da proposta a mesma declarou que teve conhecimento das condições do seguro, o que corresponde à realidade do sucedido.
XVII – Das Declarações de parte do legal representante da A. Recorrente, AP, resulta por um lado, que lhe foi imposto pelo Banco ---a celebração do contrato de seguro como condição de atribuição do empréstimo e, por outro lado, que se lhe tivesse sido explicada a cláusula 9ª nº 1, alínea e) das Condições Gerais (relativa à exclusão de cobertura de vício próprio e efeitos do envelhecimento) não faria o seguro,
XVIII – A propósito desta parte das declarações do representante de parte apenas se pode concordar com o entendimento do Tribunal a quo, no sentido de se entender que as mesmas não merecem qualquer credibilidade, pois conforme se refere na douta Sentença recorrida: “A declaração do representante legal da A. Recorrente, de que só celebraria o contrato de seguro sem a aludida cláusula também não convenceu pois (...) segundo o mesmo referiu, a celebração do seguro na Ré foi uma condição imposta pela ----- para a concessão do mútuo solicitado pela Autora. Neste contexto, é seguro afirmar que o legal representante da Autora teria sempre ajustado o seguro dos autos nos termos em que acabou por fazê-lo”.
XIX – Nas declarações de parte do referido legal representante este confirmou a existência de um relacionamento anterior entre as partes no período 2010-2013 e, embora a custo, acabou por dizer que na altura desse relacionamento foram-lhe comunicadas as condições do seguro, e que o mesmo sucedeu no âmbito do seguro em causa nos autos (seguro de 2016) e revelou ter conhecimento de um contrato de seguro celebrado com outra seguradora (Mútua dos Pescadores) que apresentava uma exclusão igual à do contrato de seguro dos autos (não cobertura das situações de “vício próprio e efeitos do envelhecimento”),
XX – Referindo, ainda, o legal representante da A. Recorrente que, embora já tenha celebrado vários contratos de seguro relativos à embarcação N-- desde que é sócio-gerente da mesma (a partir do ano de 2004) nunca leu as condições do seguro, nem fez nenhuma pergunta relativa a essas condições,
XXI – Mais declarando que entende o significado dos termos envelhecimento, uso ou desgaste de uma coisa, vício próprio de um bem, defeito de uma coisa / defeito de material e que tem conhecimento da não cobertura de um sinistro no âmbito do relacionamento contratual anterior (com apólice idêntica) por defeito ou fadiga do material,
XXII – Em face da prova produzida resulta, assim, patente que a A. Recorrente conhecia os termos e condições da Apólice em causa nos autos ou, pelo menos, foi-lhe dada a possibilidade de deles tomar conhecimento, pois os mesmos foram-lhe comunicados previamente à celebração do contrato de seguro e foi informada, de forma geral, sobre as exclusões e as garantias e coberturas,
XXIII – Os termos utilizados na cláusula 9ª nº 1, alínea e) e nº 2, alínea c) das Condições Gerais (vício próprio, efeitos de envelhecimento, defeito de construção, desgaste, uso, defeitos latentes ou ocultos, etc) dada a sua clareza e simplicidade eram perfeitamente compreensíveis (podendo ser entendido o seu conteúdo essencial), não exigiam esclarecimentos adicionais, os quais, aliás, não foram pedidos pela A. Recorrente (porque já conhecia os termos e condições do relacionamento contratual e sinistro anteriores), sendo certo que o legal representante da A. Recorrente afirmou, de forma peremptória, que sabia o significado dessas palavras ou expressões.
XXIV – A R. Recorrida, por intermédio do mediador de seguros Banco -----, cumpriu os deveres de comunicação e informação que sobre si impendiam e, em particular, os enunciados nos artigos 5.º e 6.º da LCCG.
XXV – A A. não suscitou a prestação de qualquer esclarecimento ou aclaração adicional sobre o teor da apólice de seguro (cfr. facto provado na alínea k) que resulta dos depoimentos das testemunhas MS e AS).
XXVI – E não terá pedido, porque conforme resulta do depoimento da testemunha MS, “o cliente [a. A. Recorrente] comunicou que já tinha tido um seguro na L--- da mesma embarcação” e que disse ‘que já tinha conhecimento das condições de seguro que eram praticadas pela L---’
XXVII – A A. Recorrente já conhecia as condições de seguro do relacionamento contratual anterior de 2010-2013 e, em particular, a(s) cláusula(s) de exclusão em causa devido à recusa de cobertura de um sinistro no âmbito desse relacionamento anterior (por desgaste ou fadiga do material).
XXVIII – As condições gerais e especiais foram comunicadas à A. Recorrente previamente à celebração do contrato e até à ocorrência do sinistro, o que significa que as mesmas se devem ter por incluídas no negócio convencionado entre as partes [artigo 8.º, alínea a) a contrario, da LCCG], mormente, a que consagra a exclusão das garantias prestadas pela apólice (Cláusula 9.ª das Condições Gerais).
XXIX – Termos em que a factualidade impugnada pela A. Recorrente deve manter-se inalterada, por se revelar conforme com os meios de prova produzidos, os quais foram correctamente apreciados pelo Tribunal a quo (cfr. artigos 607º nºs 4 e 5 do CPC).
XXX – Não existe qualquer imposição legal de leitura das cláusulas contratuais pelo predisponente e, no presente caso, a mesma não se revelava necessária, sendo suficiente a prestação de um esclarecimento geral sobre as coberturas e exclusões e a solicitação para que a tomadora lesse as condições, e que em caso de dúvida sobre alguma das cláusulas em particular, solicitasse esclarecimentos,
XXXI – A R. Recorrida comunicou, de forma integral, à A. Recorrente, as condições gerais e especiais de forma a que esta as pudesse analisar e tomar conhecimento completo e efectivo das mesmas (para o que se lhe exigia, também, um comportamento diligente) não podendo alegar desconhecimento das aludidas condições do contrato de seguro (e, em particular da(s) cláusula(s) de exclusão) para mais quando, em sede de declarações de parte, declarou não as ter lido.
XXXII – Do artigo 6º da LCCG não decorre que o predisponente das cláusulas tenha a obrigação de ler e explicar a cada cliente, uma por uma, cada uma das cláusulas e o seu significado, para mais quando não existe qualquer dificuldade objectiva de compreensão do seu alcance, nem impreparação da contraparte que vai aceitá-las.
XXXIII – As situações de prestação de um dever espontâneo de informação mais detalhado deverá ter lugar, principalmente, em situações de impreparação do tomador de seguro e/ou de cláusula de difícil compreensão, situações estas que, manifestamente, não se verificam no presente caso.
XXXIV – Do artigo 8º, alínea b), da LCCG resulta que o dever de informação imposto pelo artigo 6º ter-se-á por cumprido quando “seja de esperar o (...) conhecimento efectivo” da cláusula, nas circunstâncias concretas em que o contrato foi concluído.
XXXV – A A. já conhecia os termos e condições da Apólice contratada, atento o relacionamento anterior entre as partes (a embarcação “N--” já tinha estado segura na R. Recorrida L--- no período compreendido entre Novembro de 2010 a Maio de 2013 – cerca de dois anos e meio – exactamente com os mesmos termos e condições (cfr. alínea m) dos factos provados),
XXXVI – Tendo, aliás, repete-se, no âmbito desse relacionamento anterior sido rejeitada pela R. Recorrida L--- a cobertura em relação a uma situação idêntica de desgaste ou fadiga do material, (cfr. alínea n) dos factos provados),
XXXVII – Acresce, que a A. Recorrente é uma pessoa colectiva que exerce a actividade de indústria de pesca com recurso a embarcação/ões, que celebra contratos de seguro marítimo-cascos pelo menos desde 2004 (cfr. declarações de parte do representante legal da A. AP),
XXXVIII – Pelo não pode invocar falta de conhecimento dos habituais termos e condições dos contratos de seguro marítimo-cascos, alegando não saber o que significa vício próprio ou efeitos do envelhecimento do bem seguro, desgaste ou uso (termos estes que, repita-se, o seu representante legal em sede de declarações de parte declarou conhecer).
XXXIX – A declaração de conhecimento constante da Proposta de seguro resulta de imposição legal (cfr. artigo 21º nº 5 do RJCS) e considera-se como tendo um valor de reforço de prova, constituindo um forte indício de que o dever de comunicação e informação em apreço foi cumprido.
XL – Não faz qualquer sentido a invocação por parte da A. Recorrente do artigo 414º do Código de Processo Civil, pois, o aludido princípio destina-se a ser observado em caso de incerteza e, no presente caso, não houve qualquer dúvida por parte do Julgador quanto à observância dos aludidos deveres de comunicação e informação por parte da R. Recorrida,
XLI – O embarque de água a bordo da embarcação “N--” não resultou de nenhum dos riscos cobertos na apólice (nomeadamente, colisão ou contacto com algum objecto submerso ou a flutuar – cfr. facto provado na alínea bbb) e facto não provado nº 2), tendo sido o sinistro originado por um factor interno à embarcação, sendo que a delimitação destes riscos cobertos já resultava da cotação apresentada à A. Recorrente e que veio devolvida em anexo à proposta de seguro, pelo que, também por aqui, à A. foi dado pleno conhecimento ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento das garantias abrangidas pelo seguro.
XLII – Em qualquer caso, admitir que as cláusulas de exclusão fossem retiradas do contrato constituiria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pois a A. Recorrente “conhecia bem o teor das cláusulas pretensamente não comunicadas, dado o anterior relacionamento das partes. (cfr. Sentença recorrida).
XLIII – No presente caso, para além de estarmos perante exclusões convencionais previstas no contrato de seguro, temos a exclusão de cobertura relativa à “natureza da coisa” (cfr. corpo do artigo 604º do Código Comercial), a qual compreende, naturalmente, a perda ou dano devido a vício próprio ou intrínseco do objecto seguro (neste caso da embarcação “N--”).
XLIV – Pois, conforme ficou provado, e não posto em causa pela A. Recorrente, as tábuas do casco da embarcação segura desprenderam-se do aro do painel de popa, por a madeira de ambos os locais estar apodrecida e os pregos que a fixavam encontrarem-se corroídos (cfr. alínea zz) dos factos provados).
XLV – Portanto, verificando-se que a ocorrência em causa nos autos, para além de não se encontrar garantida pela Apólice, se mostra igualmente excluída em face do disposto na própria lei, conforme sustentado na douta Sentença recorrida, a qual, aliás, nesta parte não foi posta em causa pelo recurso da A. Recorrente pelo que sempre teria que se manter inalterada.
XLVI – Em qualquer caso, à cautela e sem conceder, diga-se que nem todos os custos relativos à reparação efectuada tem relação causal com a ocorrência em discussão nos autos, pois foram efectuadas outras intervenções que não decorrem do sinistro em apreço (cfr. alínea ggg) dos factos provados), pelo que nunca poderia a R. Recorrida ser condenada a pagar o valor de € 29.754,28 peticionado pela A. Recorrente na parte final das suas Alegações
Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial, como refere, Abrantes Geraldes[1]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso.
In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará:
 A - verificar a matéria dada como provada nos Factos j) (“Tanto as condições gerais como as estipulações especiais que compõem a apólice foram comunicadas – mas não lidas, ponto por ponto – à Autora aquando da celebração do contrato de seguro, sendo o respectivo teor do seu conhecimento”) e l) (“A Autora tinha conhecimento dos termos e condições da Apólice Marítimo-Cascos Pesca e, em particular, da exclusão da cobertura resultante de vício próprio”) – que entende, deveriam passar a não provados;
B - verificar a necessidade de ser considerado provado o Facto n.º 5 dos Factos Não Provados (“A Cláusula 9.ª [principalmente a al. e) do seu n.º 1 e a al. c) do seu n.º 2] das Condições Gerais da apólice n.º 0008907 jamais foi comunicada ou explicada à Autora”);
C – apreciar se em face da factualidade apurada se mostra adequadamente decidida a acção, nomeadamente no que concerne ao regime das cláusulas contratuais gerais.
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir.
*
Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada[2] a seguinte factualidade[3]:
a) A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na indústria de pesca e comércio de pescado.

b) A Autora é dona e legítima possuidora da embarcação de pesca costeira de cerco denominada N--, com o conjunto de identificação L----, construída em 1991, dotada de um casco construído em madeira, comprimento fora a fora de 24,05 m, comprimento de sinal de 21,81 m, boca de sinal de 5,89 m, pontal de sinal de 2,40 m, arqueação bruta de 67,21 e líquida de 25,72.
c) Em 03-04-1991, a Delegação Marítima de Esposende emitiu o certificado de arqueação pelo Processo Especial de Arqueações referente à N--, junto a fls. 2871, nos termos do qual, e designadamente, fez constar o seguinte:
«(…) Comprimento de fora a fora = 24,05 m

Coeficiente a empregar: quatro unidades e seis décimos.
Tonelagem bruta pelo processo especial de arqueações sob o pavimento de arqueações: 183.995 metros cúbicos = 64.97 toneladas Moorsom.
Certifico que tendo medido a embarcação N-- pelo Processo Especial de Arqueações, de acordo com o decreto n.º 9.202, de 5 de Julho de 1924 decreto n.º 10.030, de 22 de Agosto de 1924 e respectivo regulamento, obtive os seguintes resultados: 
Arqueação bruta: 190.333 metros cúbicos = 67.21 toneladas Moorsom.
Deduções: 117.494 metros cúbicos = 41.49 toneladas Moorsom.
Arqueação líquida. 72.839 metros cúbicos = 25.72 toneladas Moorsom.
(…) a) Regulamento CEE n.º 2930/86 (…).»
d) Em 30-03-2015, a Direcção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos emitiu o certificado de lotação de segurança para embarcações de pesca respeitante à N--, junto a fls. 39 do processo de averiguações que correu termos no Comando Local de Peniche sob o n.º 070.40.07 – 002/17 (doravante, processo apenso), nos termos do qual, e designadamente, fez constar o seguinte:
«(…)

(…)».
e) Em 25-05-2017, a Capitania do Porto da Figueira da Foz emitiu o certificado de navegabilidade n.º 11/2017 referente à N--, válido até 29-04-2018, junto a fls. 207 verso, nos termos do qual, e designadamente, fez constar o seguinte:
«(…) O Capitão do Porto da Figueira da Foz certifica que a embarcação acima descrita satisfaz as prescrições legais e regulamentares sobre a segurança de navegação.
1.º Estado de conservação do casco: REGULAR
2.º Estado de conservação do motor: REGULAR
3.º Potência do motor: 342,0 HP
4.º Estado de conservação da caldeira. Pressão de regime: Data em que foram seladas as válvulas de segurança:
5.º Os instrumentos de navegação encontravam-se num estado de conservação: Regular
6.º Os meios de salvação abaixo designados reúnem as condições previstas nos diplomas em vigor:
1 Embarcação Auxiliar com capacidade para 5 pessoas, 1 Jangadas Pneumáticas com Sistema Automático de Libertador Hidrostático, 2 Bóias com Sinal Luminoso, 2 Bóias de Salvação com Retenida, 25 Coletes de Salvação (adultos), 3 Fachos de Mão, 3 Sinais de Pára-Quedas, 1 Bomba de Esgoto Acoplada (Mecânica), 1 Moto Bomba de Esgoto, 1 Rádio Telefone fixo de Ondas Métricas (VHF), 1 Radiobaliza, 1 RX-MSI.
7.º Extintores: 1 Extintor de 2 kg de pó químico; 5 Extintor de 6 kg de pó químico.
8.º Outros meios de extinção de fogo a bordo.
9.º Os locais afectos à tripulação satisfazem ao fim a que se destinam: Sim
10.º O mestre e os tripulantes têm as habilitações exigidas pelos diplomas legais em vigor: Sim
(…)».
f) A emissão do certificado de navegabilidade n.º 11/2017 foi antecedida da realização de três vistorias – relatadas a fls. 204 verso – 207 anverso – por parte de peritos designados pela Capitania do Porto da Figueira da Foz:
 - Uma, que incidiu sobre os meios de salvação, em 26-04-2017 e findou com o parecer global dos peritos (fls. 204 verso – 205 anverso) de “Está em ordem”;
 - Outra, que recaiu sobre o casco e a prova de funcionamento, com a embarcação a nado, em 26-04-2017 e findou com o parecer global dos peritos (fls. 205 verso – 206 anverso) de “Prova de funcionamento: tem revisão; Casco a nado: tem revisão”, depois de os mesmos terem efectuado as seguintes observações: «[r]ealizada vistoria de prova de funcionamento e caso a nado como parte da vistoria de manutenção, conforme disposto no Regulamento Geral das Capitanias (RGC), havendo a referir:
(1) Verificado funcionamento do motor propulsor e transmissões dentro de parâmetros normais. Foram ainda verificados os sensores e aparelhos da ponte, assim como testada a paragem de emergência.
(2) Verificado funcionamento do auxiliar dentro de parâmetros normais, no entanto foi detectada uma fuga de água no tubo de descarga da circulação devendo o mesmo ser reparado ou substituído.
(3) Verificado funcionamento de uma bomba acoplada ao motor principal e outra acoplada ao auxiliar e uma motobomba. Assim, a embarcação cumpre o disposto na regra 27 do capítulo 4 do anexo ao Decreto-Lei 111/2008.
(4) Verificou-se existir um aparelho de governo principal e o sistema de leme de emergência, cumprindo, assim, o disposto na regra 25 do capítulo 4 do anexo ao Decreto-Lei 111/2008
(5) Verificado funcionamento do sistema hidráulico de bordo sem terem sido detectadas quaisquer fugas. Os equipamentos alimentados pelo sistema, dos quais se verificou o funcionamento: Guincho; Aladores AV e AR; Rolos AV e AR; Grua de ré; Espalhador.
(6) Verificado a existência de corte de emergência de combustível de acordo com a regra 20 do capítulo 4 do anexo ao Decreto-Lei 111/2008.
(7) Verificou-se a não existência de um alarme de alagamento, pelo que não cumpre a regra 27 do capítulo 4 do anexo ao Decreto-Lei 111/2008. A revisão deste ponto pode ser verificada pelos peritos locais.
(8) Efectuada prova de funcionamento à embarcação auxiliar tendo-se constatado funcionamento irregular do manómetro de pressão de óleo e do voltímetro devendo os mesmos serem reparados ou substituídos.
(9) Efectuada vistoria ao casco a nado constatou-se a degradação excessiva dos segundo e terceiros dormentes de ré a bombordo devendo os mesmos serem substituídos»;
- Outra, que versou sobre a revisão de trabalhos, em 27-04-2017 e que findou com o parecer global dos peritos de “Revisão de trabalhos: está em ordem”, depois de os mesmos terem efectuado as seguintes observações: «[r]ealizada vistoria de revisão de trabalhos referente à ultima vistoria de prova de funcionamento e casco a nado, havendo a referir:
(1) Verificada a substituição do encanamento de descarga da circulação do motor diesel auxiliar, tendo sido eliminada a fuga previamente detectada.
(2) Verificado o funcionamento do alarme de alagamento.
(3) Verificada a reparação dos sistemas de comando e controlo do motor da embarcação auxiliar encontrando-se os mesmos a funcionar sem limitações.
(9)Verificada a conclusão dos trabalhos de substituição dos segundo e terceiros dormentes de ré a bombordo (…)».

g) Autora e Ré celebraram o contrato de seguro titulado pela apólice n.º 00089073, ramo Marítimo Cascos Pesca, cujas condições particulares, juntas a fls. 119-120 anverso, estipulam, designadamente, o seguinte:
«(…)
Ramo: Marítimo Cascos Pesca (…) Acta n.º 1 (…)
Cobrador: 07001 –---
Tomador do seguro: S---, Lda. (…)
Data de emissão: 2016/11/14 Data de início: 2016/08/03 Data de Alteração 2016/08/03
Duração do Seguro: Um ano prorrogável por seguintes
(…) Vencimento: 08/03 (mês/dia)
Prémio Comercial Anual: 5.952,59 €
Fraccionamento: Trimestral
(…)
Objecto seguro
Navio ou Embarcação: N-- Nr. Registo: L----
(…)
Detalhe dos capitais seguros






Nos termos dos artigos n.º 61, nº 3 do Decreto Lei 72/2008, a falta de pagamento de qualquer fracção do prémio no decurso da anuidade determina a resolução automática do contrato na data em que o pagamento dessa fracção era devido.
Condições especiais aplicáveis ao contrato: 004, 008, 009, 011
Cláusulas
Riscos de navegação: Perda total (absoluta ou construtiva); Avarias particulares resultantes de encalhe, abalroamento, submersão, incêndio ou explosão, choque ou colisão com objectos fixos e flutuantes; Avaria grosa e contribuição em avaria grossa; Gastos de salvação marítima; Danos materiais causados a terceiros resultantes de abalroamento do navio seguro com outro navio, ou embarcação.
Redes – navegação: Perda total (quando a bordo) conjuntamente com a perda total do navio ou embarcação segura.
Perda total: Perda total (absoluta ou construtiva) por sinistro marítimo ou incêndio.
Perda total e salvação marítima: Perda total (absoluta ou construtiva) por sinistro marítimo ou incêndio; Gastos de salvação marítima.
EMC (EQUIPAMENTO DE MONITORIZAÇÃO CONTÍNUA): Perda total (quando em actividade) estando o capital seguro endossado ao Estado Português.
Em caso de sinistro e existindo prémios em dívida, opera-se obrigatoriamente a compensação, na parte correspondente, com a indemnização devida.
(…)
Outras condições
ACTA 1: Rectificação da taxa e prémio da apólice, em conformidade com a cotação e proposta aceite a 03-08-2016.
Este contrato rege-se pelas Condições Gerais e Especiais do C.03. Marítimo – Cascos e outras responsabilidades (Mod 304LM-2015.01) que corresponde o modelo 304LM201501, que podem ser consultadas no Site da L---, www.l---.pt / Apoio ao Cliente/Condições Gerais de Seguro.
Caso prefira que as mesmas lhe sejam enviadas, solicite por favor, através dos números --------------- (dias úteis, das 08:30 às 19:30) ou em qualquer um dos nossos Balcões (…)».
h) As condições gerais da apólice n.º 0008907, juntas a fls. 120 verso – 128 anverso, estipulam, designadamente, o seguinte:
«(…)
CLÁUSULA PRELIMINAR
1. Entre o segurador L------, SA, adiante designada por L---- e o Tomador do seguro mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se um contrato de seguro que se regula pelas presentes Condições Gerais e pelas Condições Particulares, e ainda, se contratadas, pelas Condições Especiais.
2. A individualização do presente contrato é efectuada nas Condições Particulares, com, entre outros, a identificação das partes e do respectivo domicílio, os dados do segurado, os dados do representante da L--- para efeito dos sinistros, e a determinação do prémio ou a fórmula do respectivo cálculo.
3. As Condições Especiais prevêem a cobertura de outros riscos e ou garantias além dos previstos nas presentes Condições Gerais e carecem de ser especificamente identificadas nas Condições Particulares.
(…)
CAPÍTULO I
Definições, objecto e garantias do contrato
Cláusula 1.ª
Definições
Para efeitos do presente contrato entende-se por:
(…)
5. Navio ou embarcação: Construção feita com condições de navegabilidade e segurança devidamente comprovadas oficialmente. Entendem-se abrangidos por este conceito o casco, máquinas (ou motores) e seus acessórios, equipamentos de manobra, navegação e segurança, e ainda, se for caso disso, botes, escaleres e lanchas;
6. Sinistro: O evento, ou série de eventos resultantes de uma mesma causa, susceptível de fazer funcionar as garantias do presente contrato. O conjunto de danos resultantes de um mesmo evento ou série de eventos com a mesma causa constitui um só sinistro;
7. Franquia: Valor que, em caso de sinistro, fica a cargo do Tomador do seguro ou do Segurado, e cujo montante ou forma de cálculo se encontra estipulado nas Condições Particulares, sendo dedutível à indemnização a pagar;
(…)
Cláusula 2.ª
Objecto do contrato
Sujeito aos termos, condições, limites de responsabilidade e excepções contidas na apólice, o presente contrato segura o navio e/ou embarcação indicado nas Condições Particulares, e/ou os objectos, interesses avaliáveis em dinheiro ou responsabilidades ligadas a esse navio ou embarcação, conforme o que estiver expressamente descrito nas Condições Particulares.
Cláusula 3.ª
Garantias do contrato
O presente contrato de seguro, designado por Marítimo-Cascos e Outras Responsabilidades, cobre os riscos expressamente indicados nas Condições Particulares da apólice até ao limite do valor seguro, podendo compreender:
1. A perda ou dano do objecto seguro em consequência de naufrágio, encalhe, abalroamento, submersão, fogo e explosão. Serão ainda observadas as disposições constantes nas Condições Especiais que tiverem sido contratadas.
2. As indemnizações que o Segurado venha a ser legalmente obrigado a pagar, por danos materiais causados a Terceiros, em consequência de abalroamento do navio ou embarcação segura com outro navio ou embarcação. Poderão ficar abrangidas outras responsabilidades imputáveis ao Segurado, em consequência das situações previstas nas Condições Especiais contratadas.
(…)
Cláusula 8.ª
Âmbito territorial e temporal
1. Salvo convenção expressa nas Condições Particulares, as garantias desta apólice são válidas em todo o território nacional, abrangendo a zona económica exclusiva, o mar territorial e as águas interiores portuguesas, sempre sujeito às zonas para as quais o navio ou embarcação segura esteja licenciada bem como à habilitação legal adequada do seu capitão ou piloto.
2. O presente contrato cobre a responsabilidade civil por acidentes ocorridos no período de vigência do contrato nos termos legais aplicáveis.
Cláusula 9.ª
Exclusões
1. Ficam expressamente excluídas das garantias prestadas por esta apólice as perdas, danos ou indemnizações directa ou indirectamente resultantes de:
a) Obrigações do navio ou embarcação segura, ou do seu proprietário, para com a carga e os seus legítimos proprietários, mesmo em caso de abalroamento pelo qual o navio ou embarcação segura ou o seu proprietário, sejam ou venham a ser considerados responsáveis;
b) Quaisquer factos resultantes da infracção ou inobservância dos Regulamentos gerais de navegação e especiais dos portos, capitanias ou outras autoridades marítimas;
c) Barataria do capitão ou de qualquer membro da tripulação;
d) Violação de bloqueio ou exercício de contrabando ou descaminho, comércio proibido ou clandestino;
e) Vício próprio, efeitos do envelhecimento, bem como danos provocados por vermes ou moluscos;
f) Reivindicações do capitão ou da tripulação, fretadores, carregadores, expedidores, recebedores, consignatários ou quaisquer outros interessados na viagem marítima;
g) Ações ou omissões dolosas do Tomador do seguro, do Segurado, do proprietário do navio ou embarcação segura, dos seus empregados, mandatários, representantes ou pessoas por quem sejam civilmente responsáveis, ou, ainda, praticadas com a sua cumplicidade ou participação;
h) Actos ou omissões praticados pelo segurado ou por pessoa por quem o tomador do seguro ou o segurado seja civilmente responsável, em estado de demência ou sob influência de álcool, de estupefacientes ou de outras drogas ou produtos tóxicos; Insuficiência de provisão de combustível ou aguada ainda que tais prejuízos venham a ser considerados como Avaria Grossa;
i) Medidas sanitárias ou de desinfecção;
j) Atrasos na viagem e sobre-estadias, qualquer que seja a causa;
k) Efeito directo ou indirecto de explosão, libertação de calor e radiações, provenientes de desintegração ou fusão do núcleo de átomos, aceleração artificial de partículas ou radioactividade;
l) Permanência do navio ou embarcação (incluindo atracagem ou tentativa da mesma) em local que não satisfaça as condições de segurança e técnicas exigíveis, a menos que se comprove que exista motivo de força maior
m) Peso excessivo ou sobrelotação do navio ou embarcação, de acordo com os certificados estatutários (nomeadamente, o que possa constar do certificado de navegabilidade, de classe, ou outro emitido por entidades marítimas);
n) Reboque efectuado pelo navio ou embarcação segura, a menos que tal situação se encontre garantida por Condição Especial;
o) Riscos relativos a embarcações de recreio.
2. Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares e mediante o pagamento de um prémio adicional, o Segurador não responde, para além das exclusões previstas no número 1, pelas perdas ou danos directa ou indirectamente resultantes de:
a) Colisão com objectos fixos ou flutuantes;
b) Remoção de destroços;
c) Defeito de construção, montagem, vício próprio, desgaste, uso ou depreciação, desarranjos de qualquer natureza, defeitos latentes ou ocultos e/ou manutenção do navio ou embarcação segura;
d) Perda das vidas, ferimentos ou danos corporais;
e) Trombas de água, fenómenos sísmicos, bem como de incêndio ocorrido em terra e propagado ao navio ou embarcação segura;
f) Poluição e/ou contaminação de qualquer natureza, seja qual for a causa;
g) Captura, apreensão, arresto, penhora, presa ou detenção e respectivas consequências ou simples tentativas de tais actos;
h) Explosão de bombas ou outros engenhos explosivos, bem como as consequências de hostilidades ou operações bélicas (quer tenha havido ou não declaração de guerra), guerra civil, revolução, rebelião, insurreição e actos de terrorismo;
i) Atos de pirataria;
j) Greves, “lock-out”, conflitos laborais, tumultos ou comoções civis, actos de grevistas ou de trabalhadores sob “lock-out”, ou de pessoas tomando parte em conflitos laborais;
3. Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares, as despesas portuárias, reboques, pilotagem, despesas de quarentena e outras semelhantes, bem como os encargos e lucros cessantes ou perdas indirectas em consequência de paralisação, mesmo durante o tempo em que o navio ou embarcação segura estiver a sofrer reparações resultantes de um risco coberto, não são indemnizáveis ao abrigo desta apólice, a menos que sejam classificadas como Avaria Grossa e desde que tal risco esteja compreendido nas garantias prestadas. Em tal caso, a obrigação da L---- incide exclusivamente sobre o valor da contribuição que, na respectiva Regulação de Avaria Grossa, vier a competir ao navio ou embarcação segura.
4. Para além das exclusões previstas nos números anteriores, o Segurador não responde pelas perdas ou danos que directa ou indirectamente resultem de:
a) Acordo ou Contrato particular, nos casos em que a responsabilidade que daí resulte exceda a que o Tomador do seguro ou Segurado estaria legalmente obrigado na ausência de tal Acordo ou Contrato;
b) Intoxicação alimentar sofrida pelas pessoas transportadas.
(…)
CAPÍTULO IV
Início de efeitos, duração e vicissitudes do contrato
Cláusula 20.ª
Início da cobertura e de efeitos
1. O dia e hora do início da cobertura dos riscos são indicados no contrato, atendendo ao previsto na Cláusula 15.ª.
2. O fixado no número anterior é igualmente aplicável ao início de efeitos do contrato, caso distinto do início da cobertura dos riscos.
Cláusula 21.ª
Duração
1. O contrato indica a sua duração, podendo ser por um período certo e determinado (seguro por Viagem) ou por um ano prorrogável por novos períodos de um ano (seguro a Tempo).
(…)
CAPÍTULO V
Do valor seguro da L----
Cláusula 25.ª
Capital seguro
1. A determinação do capital seguro é sempre da responsabilidade do Segurado e deverá obedecer, tanto à data da celebração deste contrato como a cada momento da sua vigência, aos seguintes critérios:
a) Se o seguro incidir sobre o casco, máquinas e pertences necessários à navegação, utilização e segurança do navio ou embarcação, o valor seguro deverá representar o valor venal de tal conjunto no momento do início do contrato;
b) Quando o objecto seguro sejam outros interesses, nomeadamente o frete a risco do armador, desembolsos relativos ao aprovisionamento do navio ou a avanços de salários à tripulação, o valor seguro deverá corresponder, salvo se diferentemente estipulado nas Condições Particulares, ao valor em risco para o Segurado no momento da realização do seguro, podendo-lhe ser adicionado o custo do prémio do seguro.
2. A designação dos objectos ou interesses seguros e as quantias indicadas na apólice não implicam o reconhecimento, por parte da L----, da sua existência ou do valor que lhes é atribuído.
(…)
Cláusula 27.ª
Franquia
1. Com excepção dos sinistros em que verifica Perda Total ou Perda Total construtiva da embarcação segura, haverá sempre que deduzir à indemnização que couber à L---- liquidar o valor da franquia fixada nas Condições Particulares da apólice.
2. Mediante acordo expresso das partes contratantes, uma parte da indemnização devida a terceiros poderá ficar a cargo do Segurado, mas esta limitação nunca será oponível aos lesados ou aos seus herdeiros.
(…)
Capítulo VI
Obrigações e direitos das partes
Cláusula 28.ª
Obrigações do tomador do seguro e do segurado
1. Em caso de sinistro, coberto pelo presente contrato, o Tomador do seguro e o Segurado obrigam-se a:
a) Comunicar tal facto à L----, logo que do mesmo tenham conhecimento e pela via mais rápida, fazendo a sua confirmação escrita dentro do prazo máximo de 8 dias a contar data do evento, indicando o dia, hora, causa conhecida ou presumível, natureza e montante provável dos prejuízos, bem como quaisquer outros elementos necessários à boa caracterização da ocorrência;
b) Participar a ocorrência, nos termos legais em vigor, às autoridades competentes;
c) Empregar todos os meios ao seu alcance para reduzir ou evitar o agravamento dos prejuízos decorrentes do sinistro e salvar os bens seguros;
d) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, não remover ou alterar, nem consentir que sejam removidos ou alterados, quaisquer vestígios do sinistro, sem acordo prévio da L----;
e) Não iniciar qualquer reparação ou beneficiação, ou deslocar o navio sinistrado, sem acordo prévio da L----;
f) Promover a guarda, segurança e conservação dos salvados;
g) Fornecer à L---- todas as provas solicitadas, bem como todos os relatórios ou outros documentos que possua ou venha a obter;
h) Cumprir as prescrições de segurança que sejam impostas por lei, regulamentos legais ou cláusulas deste contrato.
2. O Tomador do seguro e o Segurado responderão, ainda, por perdas e danos, se:
a) Agravarem, voluntariamente, as consequências do sinistro ou dificultar, intencionalmente, o salvamento dos bens seguros;
b) Subtraírem, sonegarem, ocultarem ou alienarem os salvados;
c) Impedirem, dificultarem ou não colaborarem com a L---- no apuramento da causa do sinistro ou na conservação, beneficiação ou venda dos salvados;
d) Exagerarem, usando de má-fé, o montante dos prejuízos ou indicarem coisas falsamente atingidas pelo sinistro;
e) Usarem de fraude, simulação, falsidade ou de quaisquer outros meios dolosos, bem como de documentos falsos para justificar a sua reclamação.
3. O Tomador do seguro e o Segurado, sob pena de responderem por perdas e danos, também não podem:
a) Abonar extrajudicialmente a indemnização reclamada sem autorização escrita da L----, formular ofertas, tomar compromissos ou praticar algum acto tendente a reconhecer a responsabilidade da L----, a fixar a natureza e valor da indemnização ou que, de qualquer forma, estabeleça ou signifique a sua responsabilidade;
b) Dar conselhos e assistência, adiantar dinheiro, por conta, em nome ou sob a responsabilidade da L----, sem a sua expressa autorização;
c) Dar ocasião, por omissão ou negligência, a sentença favorável a Terceiro ou, quando não der imediato conhecimento à L----, de qualquer procedimento judicial intentado contra ele por motivo de sinistro a coberto da apólice;
4. Obrigam-se, ainda, o Tomador do seguro e o Segurado, sob pena de responderem por perdas e danos:
a) Manter o navio ou embarcação identificada nas Condições Particulares em perfeitas condições de navegabilidade;
b) Não transportar, no navio ou embarcação segura, substâncias perigosas, salvo quando tal transporte seja feito com estrito cumprimento dos regulamentos nacionais e internacionais;
c) Comunicar previamente à L---- a transferência de propriedade do navio ou embarcação identificada na apólice, bem como quando lhe pretenda dar destino ou uso diferente daquele que foi declarado.
d) Conceder ao Segurador o direito de orientar e resolver os processos resultantes de sinistros cobertos pela apólice, outorgando, por procuração bastante, os necessários poderes, bem como, fornecendo e facilitando todos os documentos, testemunhas e outras provas e elementos ao seu alcance.
(…)
Cláusula 31.ª
Obrigações da L----
1. As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos deverão ser efectuadas pela L---- com a adequada prontidão e diligência.
2. Uma vez reconhecida a legitimidade da participação do Segurado, a indemnização a que houver lugar deve ser paga dentro do prazo de 30 dias após a conclusão das investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à fixação do montante dos danos e/ou responsabilidades e à recepção de todos os elementos e documentos que permitam efectuar a liquidação dessa indemnização.
Cláusula 32.ª
Indemnizações
1. Salvo disposição em contrário devidamente expressa nas Condições Particulares, as indemnizações a cargo da L---- só abrangem as despesas efectivas das reparações, incluindo as despesas acessórias que se tornem necessárias para as realizar, como a substituição dos materiais perdidos ou danificados por um risco coberto, e desde que umas e outras tenham sido reconhecidas e aprovadas pelo Segurador em face do relatório do perito por este nomeado.
2. Em caso algum serão consideradas indemnizações de qualquer outra natureza, nomeadamente a título de depreciações, paralisações, falta de trabalho. Também a manutenção da tripulação durante o período das reparações nunca será da conta da L----, salvo se essas reparações forem feitas quando o navio ou embarcação se encontra na situação de arribada forçada legítima, em que tais despesas sejam classificadas como Avaria Grossa.
3. O tomador do seguro ou segurado perdem o direito à indemnização se:
a) Agravarem, voluntária e intencionalmente as consequências do sinistro;
b) Usarem de fraude, simulação ou quaisquer outros meios dolosos, bem como de documentos falsos para justificarem a sua participação.
(…)
Cláusula 34.ª
Forma de pagamento da indemnização
1. A L---- reserva-se ao direito de mandar reparar e/ou substituir todos ou parte dos objectos seguros que sofram dano e de repor em condições de navegabilidade o navio ou embarcação que haja naufragado.
2. As reparações deverão ter lugar o mais rapidamente possível após aprovação pelo Segurador do respectivo orçamento. Se tal reparação não tiver lugar dentro do prazo de 30 dias após essa aprovação (ou outro prazo que as partes venham a convencionar) o quantitativo a cargo da L---- não poderá exceder aquele que lhe competiria pagar se as reparações tivessem tido lugar dentro desse prazo.
(…)

i) As condições especiais da apólice n.º 0008907, juntas a fls. 128 verso - 131, estipulam, designadamente, o seguinte:
«(…)
Condição Especial 04
Colisão com molhes
1. Nos termos desta Condição Especial o presente contrato cobre os danos causados à embarcação segura, e a terceiros de acordo com o estipulado no n.º 2 da Cláusula 3.ª das Condições Gerais da apólice, directamente resultantes de colisão com pontes, molhes, diques, bóias, estacas ou construções semelhantes, bem como quaisquer outros objectos fixos, móveis ou flutuantes.
2. Sem prejuízo do disposto na Cláusula 9.ª das Condições Gerais no que for aplicável, excluem‐ se desta cobertura:
a) Os danos ou avarias causadas, pela embarcação segura, em equipamentos de pesca de terceiros, quando estes estão em actividade, assim como os prejuízos, eventualmente sofridos em consequência de imobilização provocada pela embarcação segura; b) Os danos ou avarias causadas pela embarcação segura em equipamento de piscicultura e viveiros de moluscos e bivalves, assim como os prejuízos resultantes desses mesmos danos ou avarias.
c) Fica, no entanto, estabelecido que em cada sinistro haverá sempre que deduzir, à indemnização que couber ao L---- liquidar ao Tomador do Seguro, o valor da franquia para o efeito fixada nas Condições Particulares.
(…)
Condição Especial 08
Prémio de abate
1. O L---- e o Tomador do Seguro aceitam que, concorrendo liquidação por sinistro de Perda Total Absoluta ou Construtiva e prémio de abate do navio, só haverá lugar ao pagamento da indemnização na parte que exceder o montante do prémio de abate.
2. Para o efeito:
a) O Tomador do Seguro compromete‐se, sob pena de vir a responder por perdas e danos, a informar o L----, por escrito e no prazo de oito dias, que solicitou o abate da embarcação para efeitos de vir a receber o respectivo prémio, bem como e no mesmo prazo, sobre a data em que o pedido for deferido.
b) Em caso algum haverá lugar ao pagamento da indemnização pelo L----, na sequência da Perda Total Absoluta e Construtiva, se da parte do Tomador do Seguro, houver incumprimento do estabelecido no número anterior.
c) Considera-se como prémio de abate, para efeitos da presente cláusula, o valor que, no âmbito do processo respectivo, for aprovado nos termos da regulamentação nacional e comunitária e vier a ser colocado à disposição do Tomador do Seguro pelo Organismo ou Entidade competentes.
d) O L---- estornará ao Tomador do Seguro o prémio correspondente ao valor não indemnizado.
(…)
Condição Especial 09
Endosso ao Estado Português
Desde que conste na descrição dos objectos seguros, o capital seguro para o E.M.C. (Equipamento de Monitorização Contínua), fica na globalidade endossado a favor do Estado Português, quando ocorrer qualquer sinistro que envolva a sua Perda ou Deterioração.
(…)
Condição Especial 11
Valor acordado para reboques
Nos termos desta Condição Especial fica expressamente convencionado que, em caso de reboque do navio ou embarcação segura a título de salvação marítima, o reembolso do salário de salvação será feito observando o seguinte:
a) Se os reboques forem prestados por outras embarcações de pesca, aplicar‐se‐ão os limites, por milha e por anuidade, para o efeito fixados nas Condições Particulares;
b) Nos restantes casos, o reembolso será regularizado de acordo com as disposições legais sobre salvação marítima”.
j) Tanto as condições gerais como as estipulações especiais que compõem a apólice foram comunicadas – mas não lidas, ponto por ponto – à Autora aquando da celebração do contrato de seguro, sendo o respectivo teor do seu conhecimento.
k) A Autora não solicitou então nem posteriormente a prestação de qualquer esclarecimento ou aclaração adicional.
l) A Autora tinha conhecimento dos termos e condições da Apólice Marítimo-Cascos Pesca e, em particular, da exclusão da cobertura resultante de vício próprio.
m) Antes deste seguro, Autora e Ré já tinham celebrado um negócio idêntico, relativo à N--, o qual foi titulado pela apólice n.º 0007010 – “ramo marítimo cascos pesca” –, vigorou entre 05-11-2010 e Maio de 2013 e regulou-se por condições gerais e especiais idênticas às que integram o contrato referido em G).
n) A Ré, ao abrigo da anterior apólice de seguro marítimo-cascos pesca relativa à N--, rejeitou, em 12-12-2012, a cobertura em relação a uma situação de desgaste ou fadiga do material (no caso, o veio da caixa redutora).
o) A Autora sempre pagou os prémios do seguro em apreço na data do respectivo vencimento.
p) O ajustamento do contrato de seguro referido em G) resultou de uma imposição da ----- (que pertencente ao mesmo grupo económico que também integra a Ré) com vista à celebração do contrato de mútuo com hipoteca (sobre a N--) e fiança (prestada a título pessoal pelos representantes da sociedade mutuária) – de fls. 24-37 – que a mesma acordou com a Autora em 19-05-2016 e nos termos do qual aquela emprestou a esta a quantia de € 200 000.
q) O seguro referido em G) foi celebrado nas instalações da Figueira da Foz da -----, tendo sido esta quem entregou à Autora toda a documentação relativa ao contrato (como a cotação, proposta, condições gerais e especiais), a qual, por sua vez, foi previamente disponibilizada pela Ré.
r) A celebração de tal mútuo foi antecedida pela avaliação da N--, realizada pela Garen – Avaliação de Activos, Lda., a pedido da ----- com vista à determinação do valor económico da embarcação para efeitos de concessão do sobredito funcionamento.
s) A avaliação em apreço não implicou a realização de um exame técnico pormenorizado ao estado de conservação da nave.
t) A Garen – Avaliação de Activos, Lda. procedeu então ao exame da N--, após o que elaborou em 03-03-2016 o relatório constante de fls. 41-71, nos termos do qual, e designadamente, fez constar o seguinte:
«(…) O presente relatório tem por objectivo a determinação do presumível Valor Actual de Uso Continuado e Valor de Liquidação ou Transacção de uma embarcação de pesca costeira para actividades de pesca com artes licenciadas de cerco.
A embarcação, objecto de estudo, encontra-se ancorada no porto, sendo um equipamento de pertença de empresa particular, representada pela proprietária/armadora, D. Júlia, localizando-se no Porto de Pesca da Figueira da Foz, na freguesia de São Julião e concelho da Figueira da Foz.
Assim, o presente estudo tem por finalidade a obtenção dos seguintes valores:
Valores de Uso Continuado
Valor de Liquidação ou Transacção
(…)
A embarcação denominada por “N--” localiza-se no Porto de Pesca da Figueira da Foz encontrando-se em doca seca nos estaleiros do Mondego no perímetro interior do porto de abrigo, sendo que o actual proprietário da embarcação apresenta sede e denominação desconhecida, porém representada pela proprietária e armadora, Sra. Júlia.
(…)
A embarcação denominada “N--” encontra-se ligada ao sector das pescas, dedicando-se à pesca costeira especializada na apanha de diversas espécies através das artes do tipo cerco, sendo que a mesma encontra-se em plena actividade piscatória, possuindo todas as licenças válidas para o exercício das artes da pesca licenciadas, porém actualmente a embarcação em estudo encontra-se em doca seca a efectuar manutenção de rotina.
(…)
A embarcação de pesca costeira de cerco, encontra-se baseada no porto de pesca da Figueira da Foz, na zona destinada aos Estaleiros Navais do Mondego, estando a embarcação, em estudo, no momento em plena actividade piscatória, apresentando os mais diversos certificados válidos para o exercício da actividade, porém actualmente em doca seca a efectuar manutenção de rotina.
A embarcação foi construída no ano de 1991 e apresenta-se inalterada desde a data de construção, no entanto e apesar dos 25 anos de vida útil já passada a mesma apresenta uma excelente condição devido à manutenção periódica e cuidado de utilização a que tem sido submetida.
(…)
A embarcação, com nome de baptismo “N--”, possui uma estrutura e superestrutura em madeira de casco simples de espessura de 8 a 12 mm dependendo das diversas seções que compõem o equipamento. Trata-se de uma embarcação muito resistente e segura em quaisquer condições climatéricas, devido à sua construção de casco simples reforçado, configurando uma estabilidade superior à ondulação e condições do mar adversas.
O “N--”, possui 25 anos de uso, tendo sido construído em 1991, encontrando-se hipoteticamente a 2/3 da sua vida útil, porém a embarcação tem realizado beneficiações constantes (…).
A embarcação em estudo apresenta um estado geral, considerado de bom, sem sinais de deterioração do material, isto é, madeira deteriorada, rombos, falta de isolamento ou pintura mesmo com exposição a ambiente agressivo, nomeadamente, salino. Verifica-se que todos os sistemas que compõem a embarcação “N--” encontram-se operacionais, desde os sistemas de segurança, sistema de propulsão, alojamentos, sistemas eléctricos, e sistemas de navegação.
A superestrutura central, encontra-se pintada e num estado de conservação considerado de bom, igualmente ao casco sem quaisquer sinais de inexistência de pintura ou seções construtivas que necessitem de atenção ou beneficiações, apresentando uma condição geral cuidada. A embarcação apresenta aplicação recente geral em termos de pintura.
(…)
O casco da embarcação apresenta uma espessura de 8 a 12mm, dependendo da zona, sendo uma embarcação de casco simples, construído integralmente em madeira. O casco apresenta um estado de conservação considerado de bom, para os 25 anos de vida, sem falhas ou rombos aparentes e com a pintura e isolamento em boas condições, sem necessidade de intervenções imediatas.
A embarcação não apresenta qualquer reconstrução, em termos de elementos estruturais, pois os mesmos, não são necessários. Igualmente não consta em qualquer registo de algum tipo de acidente ou incidente ocorrido com a presente embarcação.
(…)
Todos os equipamentos instalados na embarcação encontram-se operacionais e em perfeito estado de conservação.
(…)
A unidade propulsora encontra-se em bom estado de conservação conforme revela a inspecção efectuada, nomeadamente, a limpeza do motor, ausências de fugas e ausência de derrames de óleo.
Relativamente ao n.º de horas totais de funcionamento do motor, não fomos informados devido à inexistência de contador de horas, porém todos os equipamentos existentes na casa de máquinas foram inspeccionados em funcionamento, constatando-se o seu aparente bom estado, dado que a inspecção individual e de peça a peça não faz parte do âmbito geral de uma avaliação de um equipamento.
Existem ainda um motor auxiliar ou gerador (…) e diversos outros sistemas que compõem a casa de máquinas, os quais cumprem um papel fundamental quando a embarcação encontra-se acostada na doca, durante as operações de descarga, preparação e manutenção, alimentando todos os sistemas necessários ao bom funcionamento do barco.
Após inspecção não foi possível verificar o n.º de horas de funcionamento, no entanto e à semelhança do motor principal, estes, encontram-se em muito bom estado, tendo sido verificado o seu funcionamento constante e sem “barulhos” de funcionamento suspeitos.
Todos os equipamentos auxiliares, tais como grupo hidráulico, sistema contra incêndio, electrobombas, sistemas eléctricos, purificadores de combustível, electro ventiladores, sistema de filtragem, encontram-se perfeitamente operacionais.
Uma embarcação da classe do “N--”, com estrutura, ou casco em madeira, apresenta uma vida útil em termos de casco, aproximadamente de 35 anos, desde que a manutenção preventiva e curativa e cuidado com casco seja realizada regularmente, ou seja, manutenções anuais, manutenções intermédias de dois em dois anos e doca seca de quatro em quatro anos, como obriga o regulamento marítimo para este tipo de embarcações.
(…)
A embarcação de pesca, encontra-se vocacionada para uma navegação intensiva possuindo uma elevada robustez mecânica e resistência elevada, nomeadamente, nas peças de desgaste com um número de ciclos de trabalho elevado, antes da sua substituição.
(…)
A embarcação não foi posta em funcionamento aquando da nossa visita e inspecção da mesma, pois encontrava-se em doca seca a efectuar algumas beneficiações e manutenção de rotina, sendo evidente a boa conservação percebida.
(…)
Tratando-se de uma embarcação, que não requer uma actualização permanente, nomeadamente, de desgaste e atendendo a que já foi evidenciada a excelente conservação da mesma, importa, assim, estimar a vida útil do equipamento.
(…)».
u) O relatório em apreço foi aceite sem qualquer reserva pela -----, sendo que esta considerou que o estado de conservação da N-- era bom e que a embarcação possuía um casco em madeira muito resistente ao desgaste, encontrando-se em bom estado com pintura aplicada recentemente.
v) A Ré não formulou qualquer reserva a respeito do estado de conservação da N-- nem à idade da mesma aquando a celebração do contrato de seguro referido em G) para além de que recebeu os respectivos prémios.
w) Em 23-06-2017, pelas 15:00 horas, na posição geográfica determinada pelas coordenadas 39º17.670’N e 09º26.210’W (ao largo de Peniche), a N-- encontrava-se no decurso da faina de pesca com a arte do cerco.
x) Na referida data, hora e local, fazia-se sentir vento com força 4, de Noroeste, não havia ondulação e a visibilidade era boa.
y) A dada altura da faina, a N-- começou a embarcar água pelo fundo do casco na zona da popa.
z) O embarque de água foi antecedido por um estrondo sentido pela tripulação da N--.
aa) Em consequência do embarque de água, o comandante da N-- largou no mar a arte que estava a alar e pelas 15:16 horas do mesmo dia (23-06-2017) solicitou a prestação de auxílio à Estação Salva-Vidas do Instituto de Socorros a Náufragos junto do porto de Peniche, a qual foi ter ao seu encontro com uma embarcação e acompanhou a nave da Autora até àquele porto, onde deu entrada pelas 15:35 horas desse mesmo dia.
bb) A N-- atracou de imediato no cais da marina, tendo-se procedido de imediato, com a ajuda dos Bombeiros Voluntários de Peniche e de elementos da Capitania do Porto de Peniche, à activação de motobombas para escoamento da água do interior da embarcação e à vedação provisória do rombo do casco.
cc) Cerca das 17:20 horas, a N-- transitou para os Estaleiros Navais de Peniche, tendo aí sido colocada a seco.
dd) Ainda na mesma data, o Serviço de Vistorias da Autoridade Marítima Nacional deslocou-se a bordo da N-- e elaborou o termo constante de fls. 71 do processo apenso, no qual fez constar, designadamente, o seguinte:
«(…) A Comissão de Vistorias deslocou-se a bordo da embarcação em epígrafe, no dia 23 de Junho de 2017, na sequência do telefonema do proprietário da embarcação para a Policia Marítima, e constatou o seguinte: – Rombo no costado, tendo de se efectuar acção de estancamento de água e esgoto. Devido à extensão e à não identificação da causa do acidente, em virtude do casco ser de madeira, solicito apoio do perito do DMC. Após reparação, esta embarcação será sujeita a nova vistoria (…)».
ee) No dia 26-06-2017, o mestre da N-- deu entrada na Capitania do Porto de Peniche ao Relatório de Mar de fls. 21 (original a fls. 2, do processo apenso), nos termos do qual, e designadamente, declarou o seguinte: «(…) G---, portador da cédula marítima n.º 22/78, emitida pela Capitania do Porto da Figueira da Foz, residente na rua Eng. ---, mestre da embarcação "N--", matriculada na Capitania do Porto de Leixões sob o n.º L----, com sede na rua H---, detentora do NIPC 500---, vem por este meio relatar o seguinte nos termos do artigo n.º 14 do DL n.º 384/99 de 23 de Setembro:
I - Em 23 de Junho de 2017, a predita embarcação estava a exercer a actividade para a qual está devidamente licenciada;
II - Naquela data pelas 15:00H, na posição 39-17-670N e 09-26-210W, tendo quase completado a totalidade do cerco, a tripulação sentiu um estrondo ao qual não deram muita importância.
III - Quando o motorista desceu as escadas para ligar o guincho para começar a virar os aparelhos, deparou-se com água no porão, de imediato colocou as bombas a esgotar e viu que não as mesmas não conseguiam vencer a entrada de água, tendo solicitado ao mestre para chamar o ISN.
IV - De imediato o mestre, deparando-se com a água, mandou largar a arte à água, para aliviar a embarcação.
V - Por ordem do Capitão do Porto de Peniche, a embarcação acostou no cais da Ribeira para proceder ao esgoto de água. Controlada a entrada de água foi posteriormente deslocada para os Estaleiros Navais de Peniche, onde ficou em doca seca (…).»
ff) Na sequência da apresentação do sobredito relatório, o Capitão do Porto de Peniche determinou ao Serviço de Vistorias que procedesse à avaliação dos danos e avarias e solicitou o apoio de um perito ao Departamento Marítimo do Centro durante o processo de reparação.
gg) Mais incumbiu então o Comando Local de Peniche da Polícia Marítima de proceder à averiguação do sinistro reportado, o qual, nessa sequência, elaborou o processo n.º 070.40.07-0002/17 [o sobredito processo apenso, referido inicialmente em D)], iniciado em 03-07-2017 e findo em 12-10-2017.
hh) No decurso de tal processo de averiguações, foram efectuadas diversas diligências, designadamente, a inquirição de testemunhas, compilação de documentação variada relativa à embarcação da Autora e ao estado do mar e do tempo à data dos factos, assim como vistorias à N-- por parte do perito do Departamento Marítimo do Centro, nomeadamente em 14-07-2017, com a embarcação a seco, a qual deu azo ao termo de fls. 23-28, e no qual aquele fez constar, designadamente, o seguinte:
«(…) VISTORIA AO CASCO, CONTACTOS, CONDIÇÕES ESTRUTURAIS, PROPULSÃO E AUXILIARES – FINAL A SECO
1. ÂMBITO
- Na sequência da vistoria realizada em 03JUL2017, foi realizada vistoria final a seco, conforme se descreve.
2. VERIFICAÇÃO DE TRABALHOS NO CASCO E ESTRUTURAS
- O casco é em madeira, com Lff 24m foi repregado na grande maioria das tábuas, bem como calafetar todas as tábuas da obra viva e morta do casco com estopa até ao verdugo;
- As reparações e avaliações identificadas estão documentadas nas fotografias do anexo A e esquema do alçado e planta do casco conforme anexo B a este termo de vistoria.
2.1. OBRA VIVA
- Substituída mais uma tábua na amura da obra viva do casco a estibordo, cerca de 3,5m de comprimento;
- Pintar com esquema de pintura adequado;
- Estado de conservação: Regular.
2.2. OBRA MORTA
- Pintar as inscrições nas amuras;
- Estado de conservação: Regular.
2.3. BALIZAS, CAVERNAS E VAUS - Regular.
2.4. PAINEL DE POPA
- O ARO DO PAINEL DE POPA, pelo seu interior apresenta um estado de degradação elevado, no entanto ainda apresenta cerca de metade da sua espessura com cerne de madeira, garantindo alguma integridade na sua estrutura. Considera-se que a intervenção desta peça primária da estrutura do casco, tem que ser intervencionada o mais tardar em Setembro do ano de 2017 (SITUAÇÃO SIGNIFICATIVA);
- Condicionado a nova verificação a seco em Setembro de 2017.
2.5. PROA (INTERIOR) – BUÇARDA E DORMENTE – Regular
2.6. POPA (EXTERIOR) – CADASTE E VIOLA – Regular.
2.7. CONVÉS: Não existem anomalias.
2.8. PROTEÇÃO CATÓDICA
- Total de 16 ânodos de protecção (8+8 a cada bordo na luva em aço montada na quilha);
- Regular.
2.9. AVALIAÇÃO GERAL DO CASCO: Estado: Regular.
3. CONTACTOS
2.1 HÉLICE
- O hélice de propulsão não apresenta anomalias;
- Estado: Regular
2.2 VEIO PROPULSOR
- O bucim não apresenta anomalias;
- Última desmontagem do veio: desconhecido;
- Estado: Regular.
2.3 PORTA de LEME: Estado: Regular.
2.4 AMARRA E FERROS: Estado: Regular.
2.5 VÁLVULAS DE FUNDO E CAIXAS DE MAR
- Válvula de Fundo a EB e BB na casa da máquina;
- Estado: Regular.
4. SUPERESTRUTURAS E ACESSOS
- Verificados os elementos estruturais do casco nas balizas, esquadros, vaus, anteparas e cavernas, e superestruturas nos pavimentos e anteparas;
- Portas e escotilhas, sem anomalias;
- Estado geral: regular.
5. PROPULSÃO E SISTEMAS AUXILIARES
- Pendente verificação de prova de funcionamento a nado.
6. ASPECTOS A CORRIGIR
- Todos os pontos referidos no ponto 6. Relativo a propulsão e sistemas auxiliares.
7. CONCLUSÃO
- A embarcação REÚNE CONDIÇÕES para ser colocada na água;
- Tem REVISÃO A NADO.
ANEXO A – FOTOGRAFIAS;
ANEXO B – ESQUEMA DA PLANTA E ALÇADO DA EMBACARÇÃO ACTUALIZADO (…).»
ii) Uma das outras vistorias à N-- efectuada pelo perito do Departamento Marítimo do Centro teve lugar em 18-07-2017, com a embarcação a nado, a qual deu azo ao termo de fls. 250-251, e no qual aquele fez constar, designadamente, o seguinte:
«(…) VISTORIA AO CASCO, CONTACTOS, CONDIÇÕES ESTRUTURAIS, PROPULSÃO E AUXILIARES – NADO
1. ÂMBITO
- Na sequência da vistoria realizada em 14JUL2017, foi realizada vistoria de prova de funcionamento da embarcação a nado, conforme se descreve.
2. VERIFICAÇÃO DE TRABALHOS NO CASCO E ESTRUTURAS
- O casco é em madeira, com Lff 24m, cabine a meio navio e sem compartimentação horizontal estanque;
- As reparações e avaliações a seco estão identificadas nos relatórios de:
- VISTORIA A SECO INICIAL de 03JUU017;
- VISTORIA A SECO FINAL de 14JUL2017;
- EMBARCAÇÃO A NADO EM 17JUL2017.
- A vistoria ao casco a nado foi realizada nas suas partes visíveis, como se descreve:
2.1. OBRA VIVA
- Apresenta ligeira lágrima nas tábuas à popa do lado de bombordo;
- Regular.
2.2. OBRA MORTA: Regular.
2.3. BALIZAS, CAVERNAS E VAUS: Regular.
2.4. PAINEL DE POPA
- O ARO DO PAINEL DE POPA, pelo seu interior apresenta um estado de degradação elevado, no entanto ainda apresenta cerca de metade da sua espessura, com cerne de madeira, garantindo alguma integridade na sua estrutura. Considera-se que a intervenção desta peça primária da estrutura do casco (SITUAÇÃO SIGNIFICATIVA);
- Condicionado a nova verificação com a embarcação a seco, no prazo de 90 dias a contar da data deste termo de vistoria;
- Estado: CONDICIONADO.
2.5. PROA (INTERIOR) – BUÇARDA E DORMENTE: Regular
2.6. POPA (EXTERIOR) – CADASTE E VIOLA: Regular.
2.7. CONVÉS
- Foi detectado degradação da tabica, Sicorda, 1.º dormente e algumas tábuas do convés, junto ao alador ré e a bombordo, sendo necessário reparação na próxima alagem.
- Actual estado de conservação: Condicionado.
2.8. BORDA FALSA
- Sem anomalias a registar;
- Cabeços em bom estado;
- Estado geral: Regular.
2.9. AVALIAÇÃO GERAL DO CASCO – Estado: Regular.
3.SUPERESTRUTURAS E ACESSOS
- Cabine: Regular;
- Escotilhas (A vante, Ponte, Ré): Regular;
4. PROPULSÃO E SISTEMAS AUXILIARES
4.1. SISTEMA DE GOVERNO
- Governo à distância: Regular.
- Leme de emergência: Regular (Com talhas aos dois bordos).
4.2. SISTEMA DE PROPULSÃO
(…)
- Estado: Regular.
- Sistemas e circuitos:
- Motor arranque: Regular;
- Alternador: Regular;
- Circuito de lubrificação: Regular;
- Circuito de combustível: Regular;
- Circuito refrigeração (Doce / salgada): Regular;
- Bomba de água de esgoto acoplada: Regular;
- Grupo hidráulico secundário: Regular;
5. SISTEMAS AUXILIARES
(…)
6. SISTEMA DE ALARME E ESGOTO
- Uma bomba de esgoto acoplada ao motor de propulsão
- NOTA: Esta bomba aspira do mar para o convés, ou aspira da caverna;
- Regular;
(…)
- Sensor de nível alto na caverna
- Alarme visual e sonoro na ponte de comando;
- Regular.
7. SISTEMA DE COMBATE A INCÊNDIOS
(…)
8. MEIOS DE SALVAÇÃO E EQUIPAMENTOS DE AJUDA À NAVEGAÇÃO
- Sem alteração ao certificado de navegabilidade anteriormente em vigor e emitido pela capitania do porto da Figueira da Foz, em 25 de Maio de 2017.
9. ASPECTOS A CORRIGIR NA PRÓXIMA ALAGEM
Na sequência dos termos de vistoria a seco e nado realizados a esta embarcação, considera-se necessário realizar as seguintes reparações sem prejuízo da embarcação poder retomar a sua actividade no prazo proposto. Os trabalhos pendentes para a próxima alagem, são:
9.1. ARO DE PAINEL POPA
- Substituir o aro do painel de popa, juntamente com as peças estruturais necessárias à reparação. O ARO DO PAINEL DE POPA, pelo seu interior apresenta um estado de degradação elevado, no entanto ainda apresenta cerca de metade da sua espessura com cerne de madeira, garantindo alguma integridade na sua estrutura, no entanto considera-se que a intervenção desta peça primária da estrutura do casco deve ser realizada na próxima alagem.
9.2. CASCO
- Substituir os elementos primários do casco, identificados pela tabica, Sicorda, 1.º Dormente e algumas tábuas do convés, junto ao alador a ré e a bombordo.
9.3. VIOLA DO CADASTE
- Reforçar com cavilhas a viola do cadaste, situado junto à clara da hélice a viola.
9.4. CONVÉS
- Afagar as tábuas e renovar a estopa do convés;
10. CONCLUSÃO
- Após análise e avaliação do estado do casco, estruturas, sistema de governo, propulsão e auxiliares, considero que a embarcação e após a reparação provisória realizada no casco, pode retomar a sua actividade na condição de corrigir de forma definitiva na próxima a/agem, os itens identificados no ponto 8.;
- A embarcação REÚNE CONDIÇÕES para ser emitido um novo certificado de navegabilidade, com prazo de 90 dias a contar da data deste termo de vistoria (…)».
jj) No dia 18-07-2017 o Serviço de Vistorias da Autoridade Marítima Nacional deslocou-se a bordo da N-- e lavrou o termo de vistoria de fls. 72 do processo apenso, no qual fez constar, designadamente, o seguinte: «(…) A Comissão de Vistorias deslocou-se a bordo da embarcação em epígrafe, no dia 18 de Julho de 2017, na sequência do despacho n° 867/2017 de dia 26 de Junho de 2017, e constatou o seguinte:
Todos os danos foram reparados.
A embarcação foi sujeita a provas de mar dentro do porto de Peniche, tendo o aparelho propulsor sido sujeito a testes a diversos regimes, a vante e a ré, tendo-se verificado o normal funcionamento do equipamento, como tal esta comissão não vê inconveniente em que a embarcação regresse à sua actividade normal (…)».
kk) Em 12-10-2017, o agente instrutor do processo de averiguações elaborou um relatório no qual descreveu todas as diligências efectuadas no âmbito desses autos e, baseando-se nelas, retirou a seguinte:
«(…) CONCLUSÃO
Da análise aos elementos probatórios constantes no presente processo, conclui-se que:
No dia 23 de Junho de 2017, pelas 15.35 horas, a embarcação de pesca costeira denominada "N--", com o conjunto de identificação L----, propriedade da S..., Lda., NIF 500---, sita na Rua …, da qual era mestre G--- (…) entrou no Porto de Peniche, acompanhado pelo Salva-Vidas "VIGILANTE" do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN) de Peniche, já com os porões alagados, em virtude de se encontrar a embarcar água, tendo atracado no Cais da Ribeira, onde foram realizados trabalhos de esgoto e escoramento provisório, por parte da tripulação da embarcação, elementos da Capitania do Porto de Peniche, elementos da Polícia Marítima, elementos do ISN de Peniche e Bombeiros Voluntários de Peniche, o que permitiu, cerca das 17.25 horas, a sua navegação para os Estaleiros Navais de Peniche, onde varou em seco (…).
O embarque de água terá tido início no dia 23 de Junho de 2017, pelas 15h00, na posição 39°17.670' N e 009°26.210'W, de acordo com o Relatório de Mar (…), tendo o acontecimento e as circunstâncias de tempo sido confirmados pelos tripulantes da embarcação nas suas inquirições (…).
Já com a embarcação em doca seca nos Estaleiros Navais de Peniche, ainda no mesmo dia, o Serviço de Vistorias da Capitania do Porto de Peniche procedeu à respectiva vistoria, confirmando a existência de um rombo no costado (casco de madeira), conforme Termo de Vistoria a fls. 71.
Das vistorias levadas a efeito à embarcação em causa, conforme Termos de Vistorias a fls. 23 a 28; fls. 71 e 72, não resulta uma conclusão técnica sobre a causa do rombo/abertura das tábuas na zona do aro do painel de popa nas obras vivas, a estibordo da embarcação, todavia, de relevante para os autos consta no ponto 2.4 – PAINEL DE POPA – da página 1 do Termo de Vistoria, datado de 14/07/2017, elaborado pelo perito CTEN EN-MEC Osório Beja (fls. 23 a 28), que o ARO DO PAINEL DE POPA estava bastante degradado, conforme aqui se transcreve "2.4 PAINEL DE POPA – O ARO DO PAINEL DE POPA, pelo seu interior apresenta um estado de degradação elevado, no entanto ainda apresenta cerca de metade da sua espessura com cerne de madeira, garantindo alguma integridade na sua estrutura. Considera-se que a intervenção desta peça primária da estrutura do casco, tem que ser intervencionada o mais tardar em Setembro de 2017 (SITUAÇÃO SIGNIFICATIVA); – Condicionada a nova verificação a seco em Setembro de 2017.", sendo crível que tal se traduz numa fragilidade daquela estrutura. Outrossim, com base no registo fotográfico realizado pelos elementos da comissão de vistorias da Capitania do Porto de Peniche, no dia 23, 24 e 27 de Junho de 2017, à embarcação em doca seca, cfr. fls. 84, 87, 88 e 89, as tábuas que se desprenderam na zona do painel de popa da embarcação já tinham sido alvo de calafetagem anterior à ocorrência, com recurso a um tipo de massa, cujo tipo se desconhece.
Foram ouvidos, na qualidade de testemunhas, os 8 (oito) tripulantes com categoria superior a Pescador (…), entre os 19 (dezanove) marítimos que constituíam a tripulação, à data da ocorrência, de acordo com o Rol de Tripulação (…), sendo que, das suas inquirições resulta a confirmação das circunstâncias de tempo da ocorrência em causa, em consonância com o descrito no Relatório de Mar apresentado G--- (mestre da embarcação), na Capitania do Porto de Peniche, em 26 de Junho de 2017. Das inquirições não resulta informação conclusiva sobre a causa/origem do rombo/abertura das tábuas na zona do aro do painel de popa, nas obras vivas da embarcação e consequente embarque de água, sendo que o mestre e os tripulantes F---, A---, J---, esclareceram que, durante a faina de pesca sentiram um estrondo/barulho/pancada, desconhecendo a sua causa/origem, todavia, verifica-se uma divergência entre o mestre e os referidos tripulantes relativamente ao momento em que sentiram o suposto barulho, pois o mestre disse que foi durante a faina com a embarcação a navegar à vante, durante a largada da rede e os restantes citados tripulantes esclareceram que foi durante a faina de pesca, com a embarcação parada e a arte na totalidade dentro de água, ao virar da retenida. Os outros 4 (quatro) tripulantes, A---(maquinista), R---, J---e S---, esclareceram que não sentiram qualquer embate/barulho no decorrer da faina que pudesse provocar o rombo. A todos os tripulantes inquiridos é comum desconhecerem as causas do rombo que resultou no embarque de água.
De acordo com o Relatório de Salvamento do ISN, a fls. 17, o vento era força 2 (fraco) de NW e o mar era força 3 (encrespado a pequena vaga) de NW.
Face aos elementos probatórios constantes nos autos, conclui-se que o embarque de água ocorreu porque tábuas do casco se desprenderam do ARO DO PAINEL DE POPA nas obras vivas a estibordo da embarcação e salvo melhor opinião, para tal contribuiu a degradação do ARO DO PAINEL DE POPA, não sendo de descartar que outras causas possam ter concorrido para tal desfecho, todavia, de concreto, nada mais foi apurado. Relativamente ao suposto barulho/estrondo que alguns tripulantes referem ter ouvido no decorrer da faina e cuja origem não foi identificada, poderá estar relacionado com a libertação da tensão das tábuas ao soltarem-se da estrutura do aro do painel de popa.
A embarcação foi submetida a trabalhos de reparação e avaliação, em suma, o casco de madeira foi repregado na grande maioria das tábuas, bem como calafetar todas as tábuas da obra viva e morta do casco com estopa até ao verdugo, tendo sido também substituídas diversas tábuas do casco. As reparações e avaliações constam em pormenor no Termo de Vistoria a fls. 23 a 28.
A embarcação dispunha de Certificado de Navegabilidade válido, salvo qualquer alteração até ao dia 29-04-2018.
(…)
Não se vislumbra matéria que configure ilícito de âmbito criminal ou contraordenacional. Relativamente ao Relatório de Mar apresentado por G---, mestre da embarcação "N--", L----, datado de 23 de Junho de 2017 e que deu entrada nos serviços da Capitania do Porto de Peniche, no dia 26 de Junho de 2017, não obstante a confirmação do "rombo" que resultou no embarque de água e subsequente inundação dos porões da embarcação, não foram respeitados os prazos estipulados para a apresentação do dito documento à Autoridade Marítima (48 horas), conforme estatuído no n.º 3, do artigo 14.° do Decreto-Lei n.º 384/99 de 23 de Setembro, pelo que, salvo melhor opinião, o Relatório de Mar não poderá ser confirmado (…)».
ll) Em 02-11-2017, o Capitão do Porto de Peniche proferiu o seguinte despacho no âmbito do sobredito processo de averiguações:
«(…)
1. Concordo com o relatório e conclusões elaborados pelo agente instrutor que antecede o presente.
2. Compulsados os autos, não se afigura matéria contraordenacional ou criminal que fundamente a interposição da respectiva acção.
3. As diligências processuais efectuadas permitem concluir que, no dia 23 de Junho de 2017, pelas 15h35m, a embarcação de pesca costeira denominada "N--", com o conjunto de identificação L----, casco de madeira, propriedade da S..., Lda., NIF 500---, sita na Rua …, da qual era mestre G---(…), entrou no Porto de Peniche, acompanhado pelo Salva-Vidas "VIGILANTE" do Instituto de Socorros a Náufragos de Peniche, já com os porões alagados, em virtude de se encontrar a embarcar água, tendo atracado no Cais da Ribeira, onde foram realizados trabalhos de esgoto e escoramento provisório, por parte da tripulação da embarcação, elementos da Capitania do Porto de Peniche, elementos da Polícia Marítima, elementos do ISN de Peniche e Bombeiros Voluntários de Peniche, o que permitiu a sua navegação para os Estaleiros Navais de Peniche, onde varou em doca seca.
4. O incidente ocorreu durante a faina de pesca com arte de cerco, pelas 15h00, do dia 23 de Junho de 2017, circunstâncias estas descritas no Relatório de Mar e confirmadas pelos tripulantes inquiridos, designadamente, G---(mestre da embarcação), F---, A---, J---, A---(maquinista), R---, J---e S…. Tal terá ocorrido na posição 39º17.670'N e 009º26.210'W, a cerca de 4,33 milhas náuticas a Sudoeste do Porto de Peniche, sendo a posição sustentada apenas pela informação constante no dito Relatório de Mar.
5. Relativamente à origem do embarque de água, tal ocorreu devido a tábuas do casco que se desprenderam do ARO DO PAINEL DE POPA nas obras vivas a estibordo da embarcação, sendo que, pese embora das vistorias levadas a efeito à dita embarcação não resulte uma conclusão técnica sobre as causas do "rombo", atento ao ponto 2.4 – PAINEL DE POPA – do Termo de Vistoria, datado de 14/07/2017, elaborado pelo perito CTEN EN-MEC O.., que se transcreve "2.4 PAINEL DE POPA – O ARO DO PAINEL DE POPA, pelo seu interior apresenta um estado de degradação elevado, no entanto ainda apresenta cerca de metade da sua espessura com cerne de madeira, garantindo alguma integridade na sua estrutura. Considera-se que a intervenção desta peça primária da estrutura do casco, tem que ser intervencionada o mais tardar em Setembro de 2017 (SITUAÇÃO SIGNIFICATIVA); – Condicionada a nova verificação a seco em Setembro de 2017.", é de concluir que a degradação elevada e perda de integridade daquela estrutura primária possa ter contribuído para que as tábuas se tenham desprendido da dita peça, dando origem ao embarque de água. Não se apuraram outras causas, sendo que, das inquirições realizadas aos supracitados tripulantes não resultou informação relevante para tal.
6. Nas vistorias não se concluiu os danos decorrentes da dita ocorrência, todavia, do Termo de Vistoria, datado de 14/07/2017, elaborado pelo perito CTEN EN-MEC O…, constam em pormenor todos os trabalhos de reparação e avaliação levados a efeito à embarcação em doca seca nos Estaleiros Navais de Peniche, sendo que, em suma, o casco de madeira foi repregado na grande maioria das tábuas, bem como calafetar todas as tábuas da obra viva e morta do casco e substituição de diversas tábuas por novas.
7. G…, na qualidade de mestre da embarcação de pesca denominada "N--", L----, não cumpriu com os prazos legalmente estipulados para apresentação do Relatório de Mar, conforme previsto no n.º 3 do artigo 14.º, do Decreto-Lei n.º 384/99, de 23 de Setembro, ou seja, excedeu as 48 horas previstas para esse efeito, pelo que não confirmo o Relatório de Mar, atento ao preceituado no n.º 4 do mesmo artigo e diploma legal.
(…)».
mm) Na sequência da participação de sinistro apresentada pela Autora, a Ré nomeou um perito marítimo tendo em vista a realização de uma vistoria à N-- que averiguasse as causas e extensão das avarias sofridas pela embarcação em resultado do acidente ocorrido em 23-06-2017.
nn) O perito em causa, (Eng.) D…, elaborou o Relatório de Avaria n.º DP-2017.108, junto a fls. 132-191, na sequência das várias deslocações e exames que efectuou à embarcação após o sinistro.
oo) Na vistoria que realizou à N--, no dia 26-06-2017, nos Estaleiros Navais de Peniche, o perito designado pela Ré constatou – quanto ao casco da embarcação – o seguinte:
 - 4 (quatro) tábuas do fundo, lado EB, com topos abertos junto ao aro do painel de popa;
 - a inspecção possível junto aos topos destas tábuas revelou que não eram visíveis os pregos das mesmas, carecendo de uma melhor observação após a sua retirada.
pp) Tal constatação levou o perito designado pela Ré a determinar que “a situação em que as acima referidas tábuas se encontravam permitiu concluir que tinha sido por esta zona que a água do mar tinha entrado durante a ocorrência do sinistro, situação que tinha colocado em causa a segurança da embarcação”.
qq) Aquando da retirada das tábuas, no dia 28-06-2017, nos Estaleiros Navais de Peniche, o perito D… constatou que “[a] assistência levada a efeito à retirada das tábuas do fundo do casco permitiu verificar que a maioria dos pregos das mesmas tinha desaparecido devido a corrosão e que os que restavam se encontravam também extensamente corroídos”.
rr) Ademais, “a vistoria levada a efeito às tábuas retiradas do fundo do casco permitiu ainda verificar que apresentavam deterioração da madeira pelo lado de dentro com diminuição da espessura” e que “o aro do painel de popa se apresentava com a madeira deteriorada pelo lado interior (…)”.
ss) O perito aduziu que, em face do constatado, na reparação a cargo do carpinteiro naval, foram retiradas tábuas do fundo a partir do painel de popa, lado EB, até se encontrarem tábuas com madeira sem degradação que afectasse significativamente a sua espessura, o que importou a retirada de 7 (sete) tábuas.
tt) Mais acrescentou que, para além destas 7 (sete) tábuas, o perito da Autoridade Marítima solicitou que fossem retiradas do fundo do casco mais 2 (duas) tábuas do lado EB, 1 (uma) tábua do lado BB e 1 (uma) tábua do painel da popa, porque os pregos das tábuas se encontravam corroídos.
uu) Em face do estado de degradação da embarcação N-- foi ainda necessário levar a cabo, entre outras, as seguintes reparações/intervenções:
- Repregar o fundo do casco e ser efectuada a revisão geral do calafeto no lado BB;
- Reforço das cavernas do lado de EB, com substituição das peças encontradas com a madeira apodrecida, nomeadamente junto ao painel de popa.
vv) Na sequência das reparações levadas a cabo e após a vistoria da Autoridade Marítima foi emitido um certificado de navegabilidade da embarcação provisório, pelo prazo de 90 (noventa) dias a contar da referida vistoria, findo o qual deveriam ser efectuados outros trabalhos de reparação do casco (incluindo a substituição do aro do painel da popa e respectivas peças estruturais necessárias à reparação).
ww) Perante o que apurou, o perito D… considerou o seguinte quanto à causa das avarias:
«A embarcação de pesca da arte de cerco denominada “N--”, após uma curta viagem de 5 milhas do porto de Peniche até ao pesqueiro, durante o primeiro lanço de pesca, na tarde com bom tempo do passado dia 23 de Junho, após ter sido sentido um estrondo por alguns elementos da tripulação, começou a embarcar água pelo fundo do casco, na zona da popa.
Em face desta situação inesperada, a tripulação accionou todos os meios de esgoto da embarcação, sendo verificado que a sua capacidade não era suficiente para vencer a entrada de água, razão pela qual pediram socorro, largaram a rede no mar e iniciaram de seguida a viagem de regresso ao porto de Peniche.
Ao pedido de socorro correspondeu a Autoridade Marítima, fazendo sair uma embarcação salva-vidas e accionando os bombeiros locais para o cais portuário onde a embarcação iria atracar, tendo também correspondido algumas embarcações de pesca que fizeram o acompanhamento da embarcação até ao porto.
Durante a viagem de regresso a porto, o nível da água foi subindo no interior da embarcação pois a capacidade de esgoto existente não vencia a entrada de água pelo casco, atingindo o motor propulsor, contudo o mesmo nunca parou, o que permitiu continuar a navegar e manter o sistema principal de esgoto em funcionamento, conseguindo a embarcação chegar a porto.
Ao chegar ao cais indicado pela Autoridade Marítima, a embarcação foi desde logo assistida pelos bombeiros, o que permitiu reverter a subida do nível da água no interior da embarcação e criar condições para que a embarcação pudesse aguardar a disponibilidade do estaleiro existente na área portuária e ser rebocada ao final da tarde para o mesmo, onde foi colocada em seco na carreira, ficando assim definitivamente em segurança.
Assim, considerando as informações obtidas, conforme acima exposto, teremos de concluir que, devido à ocorrência, a embarcação esteve em perigo de afundamento, o que só não aconteceu porque se conjugaram diversos factores como a curta distância do porto, o bom tempo que se fazia sentir, as decisões adequadas da tripulação, o sistema propulsor e de esgoto não ter falhado, a resposta adequada ao pedido de socorro e os meios accionados para o efeito.
Como origem da entrada de água para o interior da embarcação, foi verificado que várias tábuas do fundo casco, a ré, lado estibordo, tinham aberto nos topos junto ao aro do painel de popa, deixando uma abertura considerável por onde entrou a água do mar.
A vistoria levada a efeito à embarcação em seco nos Estaleiros Navais de Peniche permitiu verificar que as referidas tábuas, que se soltaram da estrutura do casco, se apresentavam com os pregos que as suportavam corroídos e que o aro do painel de popa, na zona em que os topos das tábuas que abriram encostavam, se apresentava com a madeira degradada.
Foi também verificado que a corrosão dos pregos das tábuas do fundo não existia apenas na zona que abriu e originou a ocorrência mas também em outras zonas do fundo, onde foram retiradas tábuas e a situação se mantinha, ou seja, os pregos das tábuas ou tinham desaparecido ou estavam com a espessura muito reduzida devido a corrosão.
Ainda na vistoria efectuada, foi verificado que as tábuas que abriram e que originaram a ocorrência apresentavam uma diminuição de espessura considerável devido a apodrecimento da madeira, tendo também sido verificada a existência de outras peças com madeira apodrecida, que foram substituídas na reparação levada a efeito.
Na vistoria levada a efeito ao fundo do casco nos Estaleiros Navais de Peniche antes de serem iniciados os trabalhos de reparação, não encontrámos qualquer indício de embate em algum objecto.
Sendo assim, entendemos que o alegado estrondo sentido pela tripulação e que alegadamente precedeu a entrada de água para o interior do casco, terá sido originado pelo desprendimento brusco dos topos das tábuas quando se libertaram do local de fixação junto ao aro do painel de popa.
Considerando o exposto, a ocorrência de água aberta no casco da embarcação não foi decorrente de encalhe, colisão ou contacto com algum objecto submerso ou a flutuar, tendo sido originada por um factor interno à embarcação.
No contacto efectuado com o gerente da firma segurada e motorista da embarcação, sr. A…, o mesmo informou-nos de que tem grande cuidado com a manutenção da mesma, razão pela qual o surpreendeu a ocorrência, situação que atribui à corrosão dos pregos das tábuas se encontrar oculta, o mesmo acontecendo em relação à degradação da madeira verificada.
Por outro lado, o sr. A…alegou que a embarcação é vistoriada periodicamente pela Autoridade Marítima, a seco e a nado, tendo sido renovado o certificado de navegabilidade na sequência dessas vistorias.
Desde que a embarcação pediu socorro, a Autoridade Marítima acompanhou todas as acções desenvolvidas na embarcação, procedendo à abertura de um processo de inquérito.
Assim, os peritos da Autoridade Marítima efectuaram diversas vistorias à embarcação, nomeadamente quando se encontrava em seco nos Estaleiros Navais de Peniche, no sentido de apurar as causas da ocorrência e verificar que os trabalhos de reparação garantiam a navegabilidade da embarcação em segurança, tendo emitido após as vistorias finais um certificado de navegabilidade por 90 dias, sendo que decorrido este prazo a embarcação deveria entrar em estaleiro para efectuar a substituição de diversas peças do casco como anteriormente discriminado.
No âmbito da incumbência recebida, solicitámos à Capitania do Porto de Peniche o Relatório de Conclusões e Despacho do processo de inquérito à ocorrência, efectuado pela Autoridade Marítima, que apenas foi disponibilizado no dia 09/11/2017, de que juntamos em anexo cópia simples enviada por correio electrónico.
(…)
Tendo em atenção o exposto acima, podemos depreender que as conclusões da Autoridade Marítima serão:
- Não houve qualquer factor externo à embarcação que estivesse na origem da ocorrência, ou seja, do embarque de água do mar para o interior do casco, sendo que esta situação foi originada pelo desprendimento das tábuas junto ao aro de painel de popa, nas obras vivas, lado estibordo.
- O alegado barulho/estrondo que alguns tripulantes terão ouvido foi atribuído ao desprendimento das tábuas no local de montagem junto ao painel de popa.
- O estado de degradação da madeira do aro do painel de popa no local onde encostam as extremidades das tábuas terá contribuído para o desprendimento das referidas tábuas, que abriram ou seja, afastaram-se da estrutura, permitindo o embarque de água.
- Considerando as informações obtidas e a vistoria levada a efeito, emitimos anteriormente aquelas que, em nossa opinião, são as conclusões relativas à ocorrência, que coincidem com as acima emitidas pela Autoridade Marítima.
No entanto, devemos também acrescentar que verificámos e está documentado pelas fotos em anexo que nas tábuas que se desprenderam do casco os pregos de fixação das mesmas à estrutura do casco, incluindo ao aro do painel de popa, se encontravam corroídos na sua grande maioria, restando apenas alguns, muito poucos, também com diminuição acentuada da sua espessura devido a corrosão (…).
Durante a assistência à retirada de outras tábuas do fundo do casco junto à zona da avaria verificámos que também apresentavam os pregos corroídos.
O responsável da firma armadora, sr. A…, informou-nos de que durante a vistoria do perito da Autoridade Marítima, eng. O…, o mesmo tinha mandado retirar uma tábua do lado EB e uma tábua do lado BB do fundo casco e uma tábua do painel de popa junto ao aro, sendo verificado que apresentavam também os pregos corroídos, estando em madeira em bom estado.
Em face da situação constatada no fundo do casco com os pregos de fixação das tábuas corroídos, o responsável do armador ordenou que o fundo do casco fosse repregado e revisto o calafeto, o que verificámos na deslocação efectuada ao estaleiro naval no dia 06/07/2017, estando já em curso o repregar e o calafeto do lado bombordo do fundo do casco (…), enquanto decorria a preparação e substituição das tábuas no lado estibordo do fundo do casco (…).
Resumindo, tendo em atenção o exposto, as informações obtidas e a vistoria levada a efeito permitem, EM NOSSA OPINIÃO, concluir o seguinte:
- Não houve qualquer factor externo à embarcação que estivesse na origem da ocorrência, ou seja, do embarque de água do mar para o interior do casco, sendo que, esta situação foi originada pelo desprendimento das tábuas junto ao aro de painel de popa, nas obras vivas, lado estibordo.
- O alegado barulho/estrondo que alguns tripulantes terão ouvido foi atribuído ao desprendimento das tábuas no local de montagem junto ao painel da popa.
- O estado de degradação da madeira do aro do painel de popa, no local onde encostam as extremidades das tábuas, terá contribuído para o desprendimento das referidas tábuas, que abriram, ou seja, afastaram-se da estrutura, permitindo o embarque de água.
- A corrosão verificada nos pregos de fixação das tábuas, terá contribuído para o desprendimento das tábuas junto ao aro do painel de popa, que abriram, ou seja, afastaram-se da estrutura, permitindo o embarque de água.
Nos contactos efectuados com o responsável da firma armadora e segurada, sr. A…, o mesmo sempre descartou a possibilidade da ocorrência ser decorrente de falta de manutenção do casco, alegando que sempre efectuou por sua iniciativa os trabalhos de conservação, reparando e substituindo os materiais que se revelavam necessários, razão pela qual as vistorias periódicas efectuadas pela Autoridade Marítima à embarcação permitiram a emissão dos certificados de navegabilidade ao longo do tempo.
Confrontado com as madeiras degradadas e com a corrosão nos pregos, o sr. A… alegou que era uma situação não visível e que desconhecia totalmente, pois se tivesse conhecimento de algum indício dessa situação teria efectuado a sua reparação em tempo, pois a eminência de afundamento da embarcação, com todas as consequências humanas e materiais que daí poderiam advir, e o prejuízo que lhe estava a causar a sua imobilização, eram situações que evitaria a todo o custo, sendo que ainda tem em vigor um empréstimo bancário da aquisição da embarcação, que está a suportar com grande dificuldade (…)»
xx) O rombo sofrido pela N-- ocorreu porquanto as extremidades de ré de quatro tábuas do fundo do casco – nas obras vivas, do lado de estibordo – desligaram-se do aro do painel de popa da embarcação, tendo permitido – assim – a entrada de água do mar para o porão da nave.
yy) O desprendimento das sobreditas tábuas foi acompanhado por um estrondo e deu-se quando o comandante de N-- deu à ré a fim de contrariar o seguimento para vante da embarcação.
zz) O desligamento aconteceu porquanto a madeira do aro do painel de popa e a das tábuas do fundo a ele ligadas estava apodrecida e os pregos que fixavam aquelas que desprenderam encontravam-se corroídos.
aaa) O estrondo em apreço ocorreu em virtude do desprendimento súbito e livre das tábuas do fundo do casco, o qual provocou uma vibração sonora na água do mar.
bbb) A N-- até então ou depois não embateu em qualquer objecto fixo ou flutuante.
ccc) A zona do casco que colapsou não foi objecto de alguma indicação por parte da Autoridade Marítima Nacional aquando da realização das vistorias que ditaram a emissão do Certificado de Navegabilidade n.º 11/2017 no sentido de a mesma ser alvo de qualquer reparação ou substituição.
ddd) A sobredita zona não foi vistoriada com recurso a objectos contundentes nem pelo seu interior por parte da Autoridade Marítima Nacional aquando da realização das mencionadas vistorias, dado que a mesma é de difícil acesso, sendo que por isso, e habitualmente, não é analisada pelos peritos que efectuam tais exames.
eee) O rombo do casco e subsequente alagamento das cavernas da N-- provocaram à embarcação os seguintes danos:
 - Casco: quatro (4) tábuas do fundo, lado EB, com topos abertos junto ao aro do painel de popa.
 - Casa da máquina:
- O motor principal foi atingido exteriormente pela água do mar, sendo visível que o motor de arranque, alternadores e respectivas cablagens foram contaminados com água salgada;
- O óleo de lubrificação do motor principal apresentava-se com indícios de contaminação com água;
- A caixa redutora/inversora, marca “TwinDisc”, modelo 514C, ficou submersa pela água salgada, estando o óleo contaminado com água;
- A instalação eléctrica da casa da máquina foi parcialmente atingida pela água do mar, carecendo de limpeza e inspecção;
- Anteparas, pisos, estrados e equipamentos, engordurados pela água oleosa que se produziu com o alagamento, carecendo de lavagem;
- Espaço do motor auxiliar, a vante da casa da máquina
- Este motor, que tem acoplada a unidade hidráulica dos guinchos, foi atingido pela água salgada, carecendo de limpeza e substituição do óleo de lubrificação;
- A instalação eléctrica, os alternadores e o motor de arranque acoplados a este motor foram atingidos pela água salgada, carecendo de reparação;
- Bateria eléctrica de 100 A do arranque do motor auxiliar, atingida pela água salgada e por isso inutilizada;
 - Anteparas e pisos engordurados pela água oleosa que se produziu pelo alagamento, carecendo de lavagem;
 - O transdutor do sonar “JRC”, montado neste espaço, ficou com a caixa de comando submersa, apresentando as placas electrónicas e o motor de accionamento da cabeça do transdutor inutilizados devido à acção da contaminação com água salgada.
- Espaço de alojamento da tripulação:
- Este espaço comporta 14 beliches, tendo a água do alagamento atingido os beliches do nível inferior, ou seja, 7 beliches;
- A água salgada oleosa contaminou os colchões de esponja, lençóis, almofadas, cobertores, roupas e outros haveres da tripulação, inutilizando-os;
- Anteparas e pisos engordurados pela contaminação com a água salgada oleosa que se produziu com os resíduos de óleo e combustível, a ser lavados.
- Outros espaços, ferramentas, etc…: engordurados devido à contaminação com água salgada oleosa;
- Rede de pesca: perdidos cerca de 150 m da mesma.

fff) A reparação de tais estragos implicou a realização dos seguintes gastos:





ggg) Para além da substituição das tábuas do casco que se desprenderam do aro do painel de popa, as reparações efectuadas na N-- envolveram ainda outras intervenções que não decorreram do sinistro em apreço, mas antes do estado de conservação da embarcação, nomeadamente, a substituição de outras tábuas que tinham a madeira degradada, o repregar do fundo do casco, a revisão geral do calafeto no lado bombordo e o reforço das cavernas do lado de estibordo, com substituição das peças encontradas com a madeira apodrecida.
hhh) Tendo por base as conclusões alcançadas pela Autoridade Marítima Nacional no processo de averiguações que correu termos na Capitania do Porto de Peniche sob o n.º 070.40.07-0002/2017 e pelo perito por si contratado no relatório de avaria DP-2017.108, a Ré remeteu à Autora a carta de fls. 21 verso – 22 anverso, datada de 22-11-2017, nos termos da qual declarou, designadamente, o seguinte:
«(…)
Como é do conhecimento de V. Ex.ªs, procedemos à nomeação do Eng. D… – perito marítimo independente – com vista ao apuramento das causas que estiveram na origem da forte entrada de água para o interior da embarcação.
Na sequência das diligências efectuadas por aquele Técnico, recepcionámos, no pretérito dia 20, o correspondente Relatório de Vistoria, cujo documento anexava, também, o Relatório emitido pela Capitania do porto de Peniche, respectivas Conclusões e Despacho do capitão de porto, face ao Inquérito que ali decorreu no âmbito do processo 070.40.07- 0002/2017.
Depois de conjugados os elementos constantes naqueles dois documentos, ficam desde logo apuradas as causas que estiveram na origem da forte entrada de água para o interior da embarcação. Contudo, cumpre-nos salientar alguns detalhes:
Com a embarcação em seco, na carreira, foi constatado pelo perito nomeado que várias tábuas do fundo do casco, a ré, lado EB, tinham aberto nos topos junto ao aro do painel de popa.
Na observação feita naquela zona, as referidas tábuas apresentavam madeira degradada e os pregos que as suportavam estavam corroídos.
Foi, igualmente, verificado que a corrosão dos pregos das tábuas do fundo não existia apenas na zona que abriu (e que originou a ocorrência), mas, também, em outras zonas do fundo, obrigando à retirada de outras tábuas, por apresentarem diminuição de espessura devido a apodrecimento da madeira e cujos pregos tinham desaparecido ou estavam de espessura muito reduzida devido a corrosão.
Há ainda a salientar que, na mesma vistoria feita antes do início dos trabalhos de reparação, não foram registados quaisquer indícios de embate ou colisão com qualquer objecto fixo ou flutuante, que pudessem provocar as avarias detectadas.
Foi conclusivo que a ocorrência verificada no dia 23-06-2017 não se deveu a risco coberto, uma vez que resultou de "vício próprio" e/ou "efeitos de envelhecimento", o que configura uma Exclusão da apólice conforme explanado na alínea e) do n.º 1, da Cláusula 9.ª, das Condições Gerais.
Ao entendimento acima exposto, junta-se o Despacho emitido pelo Capitão do Porto de Peniche que, no seu texto refere: "... é de concluir que a degradação elevada e perda de integridade daquela estrutura primária possa ter contribuído para que as tábuas se tenham desprendido da dita peça (leia-se: aro do painel de popa), dando origem ao embarque de água. Não se apuraram outras causas...".
Pelo exposto, vemo-nos impedidos de indemnizar os custos totais apresentados relacionados com as reparações efectuadas na embarcação "N--", uma vez que as avarias constatadas não se enquadram nas coberturas da apólice n.º 320300_0008907.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos cumprimentos.(…)»
**
O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida:
1 - O relatório elaborado pela Garen – Avaliação de activos, Lda., referido em O) dos factos provados foi comunicado à Ré e por esta conhecido/aceite sem qualquer reserva.
2. O rombo no casco da N-- foi causado por um impacto num objecto fixo ou flutuante.
3. Os dormentes de popa substituídos como condição para a emissão do Certificado de Navegabilidade n.º 11/2017 estão localizados na zona do casco que sofreu o rombo.
4. A reparação dos estragos provocados pelo sinistro implicou a realização de gastos cifrados em € 37.743,04.
5. A Cláusula 9.ª [principalmente a al. e) do seu n.º 1 e a al. c) do seu n.º 2] das Condições Gerais da apólice n.º 0008907 jamais foi comunicada ou explicada à Autora.
**
Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[4].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[5], nos termos do artigo 640.º n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);
2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[6], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[7], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[8].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Relação de Guimarães 15/12/2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[9] e Relação de Lisboa 26/09/2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).
Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”[10].
Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[11].
Verificadas as Alegações e Conclusões da Autora-Recorrente esta diverge:
 i)- quanto à prova dos Factos j) (“Tanto as condições gerais como as estipulações especiais que compõem a apólice foram comunicadas – mas não lidas, ponto por ponto – à Autora aquando da celebração do contrato de seguro, sendo o respectivo teor do seu conhecimento”) e l) (“A Autora tinha conhecimento dos termos e condições da Apólice Marítimo-Cascos Pesca e, em particular, da exclusão da cobertura resultante de vício próprio”) – que entende, deveriam passar a não provados;
 ii)- quanto ao ter sido considerado não provado o Facto n.º 5 dos Factos Não Provados (“A Cláusula 9.ª [principalmente a al. e) do seu n.º 1 e a al. c) do seu n.º 2] das Condições Gerais da apólice n.º 0008907 jamais foi comunicada ou explicada à Autora”).
Em concreto, a Autora entende que em face do que considera serem os inequívocos depoimentos das testemunhas AS, MS e das declarações de parte de AP no sentido de a cláusula de exclusão em causa não ter sido comunicada ao legal representante da Autora, ao que acresce a quotidiana experiência de todos e de cada um e a pretensa intermediação do Banco -----, que condicionou a aprovação de um empréstimo à subscrição do seguro na L----.
Sobre a matéria e discordando, a Recorrida vem conformar-se com o decidido pelo Tribunal a quo, sublinhando que:
- resulta do depoimento da testemunha AS que:
 - esta remeteu à Autora (através da funcionária do mediador Banco -----, MS) a cotação do seguro em 1 de Fevereiro de 2016 e que lhe juntou as Condições Gerais e Especiais da Apólice para comunicação e informação;
- recebeu de volta a proposta de seguro devidamente subscrita e assinada pela Autora, à qual vinha junto a cotação, a relação de equipamentos da embarcação e as referidas condições do seguro;
- atestou a existência de um relacionamento contratual anterior entre as partes entre 2010 e 2013, asseverando que não foi solicitado pela Autora nenhum esclarecimento adicional sobre as condições do seguro até porque esta já as conhecia do referido relacionamento anterior (condições estas que se mantiveram idênticas);
- resulta do depoimento da testemunha MS que esta pediu uma cotação de seguro à seguradora L----, que lhe foi enviada, bem como as condições gerais e especiais, e que comunicou tal cotação e condições à Autora, informando-a de forma geral sobre as exclusões, garantias e coberturas do seguro, pedindo-lhe que lesse as condições e que se tivesse alguma dúvida em relação a alguma cláusula em particular que seria prestado esclarecimento adicional (ou directamente ou através da seguradora), sendo que não houve qualquer pedido de esclarecimento e que a Autora declarou já conhecer as condições do contrato em face da existência de um relacionamento contratual anterior (acrescendo que aquando da subscrição e assinatura da proposta de seguro a tomadora declarou que teve conhecimento das condições do seguro);
- resulta das Declarações de Parte do legal representante da Autora, AP, que lhe foi imposto pelo Banco ----- a celebração do contrato de seguro como condição de atribuição do empréstimo e, por outro lado, que se lhe tivesse sido explicada a cláusula 9ª nº 1, alínea e) das Condições Gerais (relativa à exclusão de cobertura de vício próprio e efeitos do envelhecimento) não faria o seguro, sendo que, tal como concluiu o Tribunal a quo, tais declarações não merecem qualquer credibilidade (desde logo porque também confirmou a existência de um relacionamento anterior entre as partes no período 2010-2013, que na altura lhe foram comunicadas as condições do seguro, e que no contrato de seguro celebrado com a Mútua dos Pescadores, este apresentava uma exclusão igual à do contrato de seguro dos autos.
No que à fundamentação de facto da Sentença sob recurso respeita, não pode deixar de se assinalar a sua invulgar organização e sistematização, que facilita quer às partes, quer ao(s) Tribunal(is) superior(es) o conhecimento de todo o percurso seguido para chegar às conclusões probatórias a que se chegou.
Assim e quanto aos três factos em causa, o que ficou escrito foi o seguinte:
“Os factos provados nas als. g), h), i), j), k), l), m), n) e o Referência) e o facto não provado n.º 5 suportaram-se no acordo das partes (relativamente ao pagamento pontual dos prémios de segur o, o qual não foi objecto de impugnação genérica ou especificada pela Ré), nos documentos de fls. 119-120 anverso (condições particulares da apólice respeitante ao seguro celebrado entre Autora e Ré em 2016), 120 verso – 128 anverso (condições gerais da apólice respeitante ao seguro celebrado entre Autora e Ré em 2016), 128 verso – 131 (condições especiais da apólice respeitante ao seguro celebrado entre Autora e Ré em 2016), 154 – 156 {proposta e condições particulares do seguro do mesmo ramo [embarcações – marítimo-cascos (pesca)], celebrado entre Autora e Ré em 2010}, 213 (proposta do seguro celebrado entre Autora e Ré em 2016), 211-212 anverso (relação de equipamentos a segurar, enviada pela Autora ao “Banco -----” tendo em vista a celebração do seguro em 2016), 212 verso (cotação dada pela Ré e transmitida à Autora relativamente ao seguro que o mesmo pretendia efectuar em 2016 para a N--), 213-216 (correspondência trocada entre a Ré e a ----- a respeito da celebração do seguro entre a primeira e a Autora em 2016) e 157 (carta remetida pela Ré à Autora em 12-12-2012, nos termos da qual a primeira rejeitou a cobertura do seguro celebrado em 2010 relativamente a uma situação de desgaste ou fadiga do material), nas declarações de parte do legal representante da Autora e nos depoimentos das testemunhas MS (funcionária bancária da -----) e AS(empregada da Ré no departamento técnico de seguros de embarcações desde 2010).
Os documentos acima referidos atestaram quer a celebração do contrato ajuizado bem como aquele que ligou as partes no período compreendido entre 2010 e 2013, sendo que o seu teor foi integralmente corroborado pelo depoimento seguro, circunstanciado e detalhado da testemunha AS, a qual precisou o relacionamento comercial/negocial travado entre Autora e Ré ao longo do tempo bem como as vicissitudes que o marcaram, designadamente, o sinistro de 2012 e a não assunção de qualquer responsabilidade pela Ré (tudo no âmbito do primeiro contrato e aceite pela Autora, conforme asseverou o seu legal representante em sede de declarações de parte), por então se ter considerado que o evento em apreço integrava uma das exclusões do seguro.
Também a testemunha MS relatou de forma desprendida e precisa o contrato ajustado entre Autora e Ré, tendo explicado que mediou a celebração do seguro, pois recebeu e entregou para esse efeito documentação diversa às partes, conforme avulta, aliás, da troca de correspondência de fls. 213-216 (e na qual a testemunha em apreço figura como remetente ou destinatária). A testemunha MS realçou que as condições gerais e especiais do contrato foram entregues à Autora aquando da subscrição da proposta do seguro (de fls. 213, como dela aliás resulta), sendo que o legal representante daquela declarou conhecê-las aquando da assinatura de tal documento, o que teve como verdadeiro, já que se tratava de um cliente antigo, segurado de um contrato em tudo idêntico e sobre o mesmo objecto (N--). Ainda assim, a testemunha garantiu – de forma credível e verosímil – que alertou o legal representante da Autora para as garantias, exclusões e as coberturas contratualizadas e que aquele, depois de ter dito que as conhecia (dado o anterior relacionamento comercial) e tomado conhecimento das estipulações correspondentes, não solicitou esclarecimento algum. A testemunha asseverou igualmente que não leu o clausulado em apreço, estipulação a estipulação; antes o confiou ao segurado e chamou a atenção para os aspectos mais relevantes (garantias, coberturas e exclusões), sendo que teve como certo que aquele o dominava (tanto mais que não pediu qualquer esclarecimento adicional), o que até correspondia à realidade já que num contrato idêntico celebrado em 2010 a Ré socorreu-se das mesmas estipulações gerais para rejeitar a cobertura do seguro relativamente a um sinistro que envolveu a N--.
E não pediu qualquer esclarecimento adicional, circunstancialismo que se teve por idóneo para concluir que, face às circunstâncias específicas do caso concreto, a Autora recebeu a informação necessária acerca das condições gerais e especiais da apólice e conhecia perfeitamente a exclusão da cobertura resultante de vício próprio.
Tendo por base este circunstancialismo e conjugando-o com o facto de que a Autora há muito dominava o jogo de cláusulas gerais e especiais que a Ré utilizava nos seus contratos de seguro do ramo marítimo-casco (a ponto de ter omitido qualquer pedido de explicação ou aclaração adicional e assinado sem mais a documentação que foi entregue para a outorga do negócio), teve-se por real que, no contexto específico assinalado, o segurado recebeu da seguradora a informação necessária acerca de todas as estipulações da apólice e sabia da exclusão da cobertura resultante de vício próprio efeitos de envelhecimento, desgaste ou uso.
A descrita participação da testemunha MS foi parcialmente atestada pelo legal representante da Autora em sede de declarações de parte, tendo o mesmo explicado que o processo que culminou com a celebração do seguro dos autos foi intermediado pela -----, mais concretamente, por aquela funcionária bancária.
O legal representante da Autora adiantou que não lhe foram explicadas as condições do seguro e, mais concretamente, a exclusão do vício próprio ou envelhecimento da embarcação e que apenas se limitou a assinar os documentos que lhe colocaram à frente. Precisou que caso lhe tivessem explicado as referidas exclusões não teria assinado o contrato.
Porém, não convenceu e por várias razões.
Primeira: segundo o mesmo referiu, a celebração do seguro na Ré foi uma condição imposta pela ----- para a concessão do mútuo solicitado pela Autora. Neste contexto, é seguro afirmar que o legal representante da Autora teria sempre ajustado o seguro dos autos nos termos em que acabou por fazê-lo.
Segunda: o legal representante da Autora confirmou que o seguro que fez para a N-- na Mútua dos Pescadores – Mútua de Seguros, C.R.L. (durante o período em que não foi segurado da Ré, ou seja, entre 2013 e 2016) tinha a mesma exclusão, daqui decorrendo logicamente que o mesmo bem sabia que era prática corrente e generalizada entre as seguradoras a não cobertura do sinistro provocado por vício próprio ou efeitos do envelhecimento.
Terceiro: a Autora sabia bem da existência da exclusão em apreço, tendo em conta o sinistro ocorrido em 2012 e de cuja regularização pela Ré jamais reclamou. Assim se explica que, tratando-se de seguros idênticos (o de 2010 e o de 2016), o legal representante da Autora não tivesse pedido esclarecimentos ou efectuado quaisquer perguntas quando celebrou o contrato em causa nos presentes autos.
Donde se concluiu que, na conjuntura assinalado e atenta a condição particular da Autora, as condições gerais e especiais foram comunicadas à contraparte da Ré e que esta conhecia a exclusão alegada pela seguradora para se eximir à indemnização peticionada nestes autos”.
Verificada toda a prova indicada (e, globalmente, toda a produzida, uma vez, que a prova de dos dois factos provados concatena com a do não provado), somos a concluir que a factualidade em causa se mostra (muito) bem apreciada pelo Tribunal a quo.
De facto, a Autora-Recorrente, elabora o seu Recurso, Alegações e Conclusões sob uma argumentação que se mostra insensível a tudo quanto foi esmiuçado na citada fundamentação de facto.
A Autora-Recorrente assenta a sua pretensão em partes de dois depoimentos (testemunhas AS e MS) e nas suas próprias declarações de parte, sem atentar, rectius, desconsiderando não só o resto dos depoimentos, como a restante prova produzida e a argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo.
A Autora chega mesmo ao ponto de afirmar que o Tribunal a quo faz tábua rasa dos princípios e metodologia ínsitos nos normativos e doutrina que cita, presumindo que por ser a Autora recipiente de contratos de seguro anteriores, as condições do contrato presente não carecem de comunicação e explicação porquanto aquela tem a “obrigação” de os conhecer já, o que equivaleria a introduzir uma nova metodologia na contratação específica de seguros, em que o segurador se consideraria desobrigado de informar e explicar o clausulado a qualquer tomador de seguro que já tivesse contratado anteriormente uma cobertura, por exemplo, de seguro automóvel, de habitação, de saúde, de viagem ou qualquer outro.
O argumento é inteligente e tentador, mas não resiste ao caso concreto…
De facto, a Autora pretende escamotear uma realidade insofismável: a cláusula em causa foi-lhe comunicada globalmente, nada tem de inovador, de falta de clareza ou de especificidade anómala, sendo que tinha a perfeita noção dela e das suas consequências, quer por já ter tido um contrato semelhante, quer por como pertinentemente se afirma na decisão sob recurso, “a Autora sabia bem da existência da exclusão em apreço, tendo em conta o sinistro ocorrido em 2012 e de cuja regularização pela Ré jamais reclamou. Assim se explica que, tratando-se de seguros idênticos (o de 2010 e o de 2016), o legal representante da Autora não tivesse pedido esclarecimentos ou efectuado quaisquer perguntas quando celebrou o contrato em causa nos presentes autos”.
Na apreciação da prova quanto a estes factos, tem de relevar-se que não estamos perante um consumidor desatento ou perante um novo cliente, mas perante uma empresa experiente nesta matéria, que sabe o que contrata e porquê, que sabe o conteúdo das cláusulas e o seu alcance (como as declarações de parte do legal representante da Autora demonstram à saciedade, no que à cláusula relativa à exclusão de cobertura de vício próprio e efeitos do envelhecimento).
Dos depoimentos testemunhais invocados resulta que a cláusula em causa foi efectivamente entregue à Autora e que esta conhecia na sua perfeição o seu conteúdo e alcance, de forma que não pode agora vir apresentar-se como uma vítima da desinformação a necessitar de protecção. Não é esse – nem de perto, nem de longe – o contexto probatório em que nos encontramos.
O que o raciocínio metodicamente exposto pelo Tribunal a quo demonstra, não passa por uma qualquer “nova metodologia” (no sentido de que a seguradora estaria desobrigada de informar e explicar as cláusulas ao tomador de seguro que com ela já tivesse contratado anteriormente), mas apenas e só pela a verificação do cumprimento dos deveres de comunicação e informação das condições contratuais por parte da Seguradora (ora Ré-Recorrida). E essa verificação foi feita, conjugando a prova documental, os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte, quer com a circunstância concreta de ter existido um relacionamento contratual anterior entre as partes exactamente com as mesmas condições contratuais (Facto m)[12]), quer com a de ter havido a recusa de um sinistro baseada em fundamentos idênticos de exclusão (Facto n)[13]).
Ou seja, a Autora não podia invocar o seu desconhecimento desta concreta cláusula!
Do exposto decorre que a prova quanto a estes três factos se mostra bem apreciada e bem fundamentada, o que tem como implicação o indeferimento total da pretensão impugnatória formulada pela Autora.
*
Fundamentação de Direito
Nada tendo sido alterado em termos factuais (uma vez que a Autora apenas colocou em causa a apreciação dos três factos acabados de abordar), nada haverá a alterar em termos de Direito à Sentença sob recurso.
Importa, todavia, uma vez que a Autora-Recorrente de alguma forma mistura a matéria de Direito com a matéria de facto, referir que sendo remetidos para o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, os artigos 5.º[14] e 6.º[15] do Decreto-Lei n.º 466/85, de 25 de Outubro, têm aqui de ser relevados e, como assinala Luís Filipe Pires de Sousa[16], em face do que decorre destes normativos, “recai sobre o proponente o dever de comunicação do teor das cláusulas, bem como o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva, acrescendo o dever de informação sobre os aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1.6.2010, João Camilo, 600/05, de 30.3.2017, João Trindade, 4267/12). Sem embargo, cabe ao aderente invocar a violação/preterição desses deveres por parte do proponente (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.6.2010, Bettencourt de Faria, 5611/03, de 21.10.2010, Lázaro Faria, 3214/06, de 28.9.2017, Tomé Gomes, 580/13, de 2.11.2017, Isabel Pereira, 620/09). Previamente à demonstração a que os ónus da prova previstos no DL nº 446/85, de 25-10, se reportam, tem de haver a demonstração, a cargo da parte que quer beneficiar da invalidade das cláusulas contratuais, de que se está em terreno próprio destas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.2010, João Bernardo, 806/05)”[17].
Daqui decorre, portanto, que à Autora cabia a alegação de que a Ré preterira o cumprimento dos seus deveres de informação e comunicação, cabendo a esta, nos expressos termos do n.º 3, do referido artigo 5.º, o ónus da alegação e prova da comunicação adequada e efectiva[18].
Feita a verificação do sucedido nos presentes autos, temos que a Autora efectivamente alegou que a Cláusula 9.ª, alínea e)[19], das Condições Gerais do Contrato de Seguro celebrado, não lhe foi comunicada, nem explicada, sendo que a Ré afirmou ter cumprido essa obrigação.
O Tribunal, após a produção de prova deu como provada a versão da Ré e não provada a da Autora e, perante o complexo factual apurado, cremos que a conclusão tirada pelo Tribunal a quo foi a correcta.
De facto, como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2016 (Processo n.º 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1-Alexandre Reis), no quadro da formação do contrato, os assinalados deveres de comunicação e informação radicam no princípio da autonomia privada, “cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que este tenha um prévio e cabal conhecimento das cláusulas a que se vai vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação”, pelo que, como “é fácil de entender, são, assim, convocados deveres pré-contratuais de comunicação das cláusulas (a inserir no negócio) e de informação (prestação de esclarecimentos), como meios ordenados à apropriada formação da vontade do aderente. A obtenção desse objectivo requer, desde logo, que a comunicação do clausulado contratual seja feita com antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo do aderente, tendo em conta as circunstâncias (objectivas e subjectivas) presentes na negociação e na conclusão do contrato – a importância deste, a extensão e a complexidade (maior ou menor) das cláusulas e o nível de instrução ou conhecimento daquele –, para que o mesmo, usando da diligência própria do cidadão médio ou comum, as possa analisar e, assim, aceder ao seu conhecimento completo e efectivo, para além de poder pedir algum esclarecimento ou sugerir qualquer alteração”.
E conclui o mesmo Acórdão, “Bem sabemos que as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente transmissão ou comunicação, decorrentes dos deveres que oneram o predisponente, para que estes possam ser completamente cumpridos, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação: deste se espera um comportamento leal, correcto e diligente, nomeadamente pedindo esclarecimentos, uma vez materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
Porém, essa constatação, em caso algum, poderá levar a admitir que o predisponente fique eximido dos deveres que o oneram, ou a conceber como legítimas uma sua completa passividade na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e, sobretudo, uma ausência de comunicação destas ao aderente com a antecedência necessária ao conhecimento completo e efectivo, até para que o mesmo possa exercitar aquele seu dever de diligência, p. ex., pedindo esclarecimentos. Foi o que o Ac. desta Secção de 18/4/2006 esclareceu lapidarmente: «O dever de comunicação das cláusulas contratuais constante do artigo 5º do Decreto-lei n.º 466/85 de 25 de Outubro destina-se a que o aderente conheça antecipadamente o conteúdo contratual, isto é, as cláusulas a inserir no negócio. Esse dever acontece na fase de negociação, ou pré-contratual, e deve ser acompanhado de todos os esclarecimentos necessários, possibilitando ao aderente conhecer o significado e as implicações das cláusulas.».
Pode sustentar-se que a intensidade e o grau do dever de diligência que recai sobre o aderente são maiores ou menores em função das particularidades de cada caso, sobretudo as atinentes à extensão e complexidade das cláusulas e ao nível de instrução ou conhecimento do mesmo. Mas já não é aceitável que, perante esse dever de diligência, o proponente seja dispensado dos seus próprios deveres[20]. Como parece evidente, essa concepção conduziria à inversão não consentida da hierarquia legalmente estatuída entre os deveres do predisponente e do aderente”.
E é precisamente esta ponderação que foi feita e cabe fazer nos presentes autos, na certeza de que se impõe uma “comunicação individualizada e integral do clausulado e a sua redacção com clareza e lisura”[21].
Como de forma linear se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (Processo n.º 2502/21.6T8VNG.P1.S1-Vieira e Cunha), neste “tipo de contrato não negociado, a lei visa assim, directamente, a protecção da parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um “dever de comunicação” (art.º 5.º n.ºs 1 e 2 LCCG) e um “dever de informação” (art.º 6.º n.ºs 1 e 2 LCCG) por parte do proponente, que se consubstanciam na comunicação prévia e por forma adequada, e na informação do significado das cláusulas e das suas implicações (assim, Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 1986, pgs. 24 e 25).
A comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pg.22).
Desta forma, mesmo que o aderente não procure inteirar-se cabalmente do conteúdo contratual que aceita, a lei confere-lhe protecção em face do proponente (cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, pg. 372, cit. in Ac.R.L. 17/2/2005 Col.I/116) – está em causa apenas proteger o aderente nos tipos de contrato em que existe uma aceitação não particularmente negociada por aquele aderente.
Não é a iniciativa do cliente que se sindica, no conhecimento das condições gerais do seguro, mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento[22].
Fica assim sublinhado que não está em causa sequer a complexidade da cláusula (que até das que não necessitam de grande explicação, por ser simples e clara para qualquer pessoa média), mas sim a sua própria comunicação e efectivo conhecimento (e a Autora tinha-o).
In casu, quer no plano do dever de comunicação e de dar conhecimento do conteúdo contratado, quer no plano do dever de informação, a Ré (em conjunto com o Banco ----- que actuou como mediador) cumpriu com tudo o que lhe era exigível.
Tem aqui plena aplicação o que se deixou escrito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Outubro de 2017 (Processo n.º 569/13.0 TBCSC.L1.S1-Henrique Araújo) quando se refere ao dever de comunicar como correspondendo “à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo” e quando assinala que a “protecção concedida à parte mais fraca não abrange as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorre de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor”.
Como se assinala de forma pertinente na Sentença sob recurso:
i- “a proposta subscrita pela Autora dá nota de que esta declarou conhecer as Condições Gerais e Especiais aplicáveis ao seguro dos autos (cf. fls. 210 verso)”
ii- “tanto as cláusulas gerais como as demais estipulações que compõem o contrato foram transmitidas à Autora aquando da celebração do negócio [al. j) dos factos provados];
 iii- “a Autora em momento algum solicitou a prestação de qualquer esclarecimento ou aclaração adicional aos dados comunicados [al. k) dos factos provados], o que é facilmente explicável pela circunstância de a mesma já conhecer o clausulado geral e especial do seguro dos autos (mormente, a exclusão da cobertura resultante de vício próprio), pois as partes tinham celebrado um contrato idêntico no passado e a Ré havia declinado a assunção de qualquer responsabilidade numa situação de desgaste ou fadiga do material [als. j), k), l), m) e n) dos factos provados]”.
iv- “tem-se por indiscutível que:
 - A actuação da ----- produziu efeitos na esfera jurídica da Ré, como se por esta tivesse sido desenvolvida (art.ºs 258.º e 1178.º do CC)
 - A Autora recebeu as condições gerais, especiais e particulares da apólice, cujo teor lhe foi comunicado;
 - A Autora jamais solicitou qualquer explicação ou elucidação acerca das condições gerais, especiais ou particulares do contrato.
 No que tange especificamente às condições gerais, é incontroverso que as mesmas consistem em verdadeiras cláusulas contratuais gerais, pois traduzem-se nas disposições que definem o enquadramento, os princípios gerais e as obrigações genéricas e comuns relativas ao seguro ajustado entre Ré e Autora e cujo conteúdo foi previamente elaborado pela primeira, sem negociação alguma com a segunda, preenchendo desta forma a previsão do art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, do RJCCG. Seja como for, a Ré, ainda que por intermédio do seu mediador de seguros, cumpriu os deveres de comunicação e informação que sobre si impendiam nos termos do art.ºs 5.º e 6.º do RJCCG, mas não só, pois os art.ºs 8.º, n.º 1, e 9.º, n.º 2, al. a), da LDC e 18.º a 22.º do RJCS também postulam tal obrigação”.
 v- “igual conclusão seria alcançada caso se tivesse concluído que a Ré falhou os sobreditos deveres. É que a Autora conhecia bem o teor das cláusulas pretensamente não comunicadas, dado o anterior relacionamento das partes. Por isso, e sob pena de incorrer no exercício abusivo de um direito (na modalidade de venire contra factum proprium), jamais poderia a Autora opor à Ré uma alegada falta de comunicação e informação de estipulações cuja existência há muito havia apreendido, entendido e dominado (art.º 334.º do CC)”.
Se por esta via, já se vê que o Recurso haveria de ser julgado improcedente – e voltando a citar a Sentença objecto de recurso – ao exposto acresce (o que, sublinhe-se, não é contrariado pela Autora-Recorrente nas suas Alegações) que “o sinistro dos autos também se encontra legalmente subtraído da cobertura do seguro em razão da natureza da coisa, conforme decorre do proémio do art.º 604.º do CCom quando aí se estabelece que «[s]ão a cargo do segurador, salva estipulação contrária, todas as perdas e danos que acontecerem durante o tempo dos riscos aos objectos segurados por borrasca, naufrágio, varação, abalroação, mudança forçada de rota, de viagem ou de navio, por alijamento, incêndio, violência injusta, explosão, inundação, pilhagem, quarentena superveniente, e, em geral, por todas as demais fortunas de mar, salvos os casos em que pela natureza da coisa [sublinhado do julgador], pela lei ou por cláusula expressa na apólice o segurador deixa de ser responsável».
Com efeito, o preceito em apreço, ao mesmo tempo que consagra um sistema de cobertura de universalidade de riscos (all risks), exclui do âmbito do seguro os danos ocorridos em decorrência da natureza da coisa objecto do contrato, avultando nesta sede o dano ou perda devido a vício próprio ou intrínseco do bem cujo interesse é seguro.
Tal estatuição tem todo o sentido: o fim do seguro é garantir o segurado contra um risco eventual decorrente de uma causa externa, ou ao menos estranha ao objecto segurado, e não o de permitir ao segurado a compensação dos defeitos deste objecto pela indemnização.
Sendo o navio o interesse seguro, o dano devido a vício próprio é aquele que coloca em causa a sua navegabilidade, podendo o mesmo remontar à falta de equipagem bastante, provisões ou lastro insuficientes para a viagem, excesso de peso embarcado, defeito de construção, vetustez, caruncho anterior, falta ou defeito da reparação ou ineficácia do armamento, etc… (Cf., neste sentido, ADRIANO ANTHERO, Comentário ao Código Commercial Portuguez, Volume II, Typographia Artes & Lettras, 1915, pp. 487-488 e AZEVEDO MATOS, Princípios de direito marítimo, IV Do seguro marítimo, Edições Ática, 1958, pp. 253-254).
Ora, no caso vertente e conforme se viu, o sinistro dos autos deu-se porquanto as extremidades de várias tábuas do casco da embarcação segura desprenderam-se do aro do painel de popa, pois a madeira de ambos estava apodrecida e os pregos que a fixavam encontravam-se corroídos.
Por isso, é manifesto que a situação de água aberta que afectou a nave da Autora ficou a dever-se à falta da manutenção exigida por uma embarcação com casco de madeira construída em 1991 – e, nessa medida, sujeita com maior acuidade aos efeitos nefastos da água sobre tal material, como sejam, o desenvolvimento de microorganismos geradores de degradação biológica (podridão), as deformações, os descolamentos e a perda de propriedades mecânicas.
Logo, o caso vertente logrou preencher a previsão da parte final do proémio do art.º 604.º do CCom, também ela eliminadora da responsabilidade da Ré a par da exclusão convencional”.
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Em função de tudo o exposto, a conclusão pela total ausência de fundamento para o Recurso interposto pela Autora impõe-se, pelo que a Sentença será confirmada in totum.
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DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a apelação, confirmando na sua plenitude a Sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da Recorrente.
Notifique e, oportunamente remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º CPC).
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Lisboa, 10 de Janeiro de 2023
Edgar Taborda Lopes
Luís Filipe Pires de Sousa
José Capacete
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[1] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183.
[2] Sendo consignado que para efeitos de delimitação da matéria de facto, se considerou integralmente reproduzido o teor dos documentos identificados e que, ainda assim, se procedeu à transcrição dos trechos mais relevantes quando tal se revelou fundamental para a completa apreensão do julgamento de facto apenas com base na leitura da decisão.
[3] Os Factos colocados em causa pela Recorrente estão destacados com letra em carregado e de maior tamanho (e os não provados também em itálico).
[4] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, pág. 332.
[5] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210.
[6] António Abrantes Geraldes, Recursos…, página 200.
[7] António Abrantes Geraldes, Recursos…, páginas 201 a 205.
[8] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207.
[9] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo).
Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, com bold apócrifo).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo. No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”.
[10] Relação de Guimarães 15/12/2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos.
[11] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18.
[12] m) Antes deste seguro, Autora e Ré já tinham celebrado um negócio idêntico, relativo à N--, o qual foi titulado pela apólice n.º 0007010 – “ramo marítimo cascos pesca” –, vigorou entre 05-11-2010 e Maio de 2013 e regulou-se por condições gerais e especiais idênticas às que integram o contrato referido em G).
[13] n) A Ré, ao abrigo da anterior apólice de seguro marítimo-cascos pesca relativa à N--, rejeitou, em 12-12-2012, a cobertura em relação a uma situação de desgaste ou fadiga do material (no caso, o veio da caixa redutora).
[14] Artigo 5.º (Comunicação)
1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.

3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
[15] Artigo 6.º (Dever de informação)
1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.

[16] Que também subscreve o presente Acórdão como 1.º Adjunto.
[17] Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2.ª edição, Almedina, 2021, páginas 26-27.
[18] Vd., Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2022 (Processo n.º 11356/20.9T8LSB.L1-7), que teve como Relator e 1.º Adjunto, os ora 1.º e 2.º Adjuntos.
[19] Cláusula 9.ª (Exclusões)
1. Ficam expressamente excluídas das garantias prestadas por esta apólice as perdas, danos ou indemnizações directa ou indirectamente resultantes de:
a) a d)(…)
e) Vício próprio, efeitos do envelhecimento, bem como danos provocados por vermes ou moluscos;
f) a o)(...)”.
[20] Sublinhado e carregado nossos.
[21] Inês Oliveira Martins, Regime Jurídico do Contrato de Seguro em Portugal [em linha], Actualidad Jurídica Iberoamericana, ISSN 2386-4567, IDIBE, núm. 5 ter, Dezembro 2016, página 206, disponível em https://www.revista-aji.com/articulos/2016/num6-ter/199-231.pdf.
[22] Carregado e sublinhado nossos.