Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
94/22.8PANRD.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
BEM JURÍDICO
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O bem jurídico protegido através do tipo legal de crime de condução sem habilitação legal é a segurança de circulação rodoviária. Pois, sendo a condução rodoviária, por natureza, uma actividade perigosa, mais perigosa será se o respectivo condutor não estiver habilitado para o efeito (com assimilados e necessários conhecimentos, capacidade e perícia quer teórica quer prática) através da respectiva licença/carta de condução.
Indiretamente, este tipo legal de crime tutela bens jurídicos, tais como a vida, a integridade física e os bens patrimoniais que se prendem com essa segurança rodoviária (quer para o próprio condutor, quer para outros condutores, quer para passageiros e até para peões) que estão ou poderão estar em perigo face a uma condução de veículo a motor na via pública ou equiparada sem que o condutor tenha habilitação legal para o efeito.
II – Face à relevância destes bens tutelados por este tipo legal de crime, o legislador previu como pena aplicável (em alternativa à pena de multa) uma pena de prisão que pode ir desde 1 mês até 24 meses.
Perante a factualidade apurada no caso concreto, nomeadamente o dolo directo do arguido e os seus antecedentes criminais por igual crime, o Tribunal recorrido fez a opção primordial (e bem) pela pena de prisão (em detrimento de pena de multa) por considerar que só aquela realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades punitivas deste arguido.
III – O Tribunal recorrido também optou por pena efectiva de prisão (em detrimento da suspensão da sua execução e da obrigação de permanência na habitação) porque, apesar das antecedentes condenações sofridas por igual crime,  nem por isso o arguido deixara de o cometer e tal só dependia de si mesmo – para o efeito bastar-lhe-ia (em qualquer circunstância e sob qualquer pretexto) não conduzir qualquer veículo a motor na via pública ou equiparada, se e enquanto não obtiver a prévia e respectiva licença de condução. 
O arguido demonstra um total desinteresse pelas solenes sanções contidas nas anteriores condenações e até indiferença às penas crescentemente gravosas que veio sofrendo desde 2003, teimando em delinquir.
 Tanto mais que, anteriormente, o arguido já cumprira várias penas de prisão efectiva e nem por isso a sua estada dentro dos muros da prisão foi suficiente para a sua auto-responsabilização e adequação do seu comportamento ao dever-ser jurídico penal.
IV - Por isso mesmo, também consideramos necessária a execução de pena de prisão relativamente a este arguido e a este processo e a qual permitirá a este arguido interiorizar a gravidade desta sua predisposição para esta actuação criminosa e, até, predispor-se a efectuar estudos e/formação profissional no estabelecimento prisional (solicitando junto dos serviços prisionais que dispõem de programas para o efeito) e que lhe permita tratar de estudar para a licença de condução e, até, adquirir hábitos de trabalho em alguma área profissional durante a reclusão e que lhe permita, quando sair em liberdade, tirar a carta de condução e, até, obter uma ocupação profissional.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
 
Relatório
No âmbito do processo (especial) sumário nº 94/22.8PANRD do Juízo Local Criminal da Ribeira Grande (Açores), o arguido A (nascido a 24/4/1985 em Lagoa e com nacionalidade portuguesa) foi julgado e condenado por sentença (proferida a 4/10/2022 e depositada a 6/10/2022), como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (previsto e punível pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3-1), na pena de 12 meses de prisão.

Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, pugnando pela substituição da pena por uma não detentiva ou pela suspensão da sua execução. Para o efeito, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):
«1- Salvo o devido respeito pelo Tribunal recorrido, que é muito, a douta sentença recorrida determinou a medida concreta da pena de prisão de 12 (doze) meses de prisão em violação do disposto nos artigos 40º e 71º, do C. Penal;
2- Sempre sem quebra do devido respeito, a douta sentença recorrida, por um lado, não teve em devida consideração alguns factos e circunstâncias muito relevantes para a determinação da medida concreta da pena e, por outro lado, atribuiu uma importância excessiva, diríamos mesmo desmesurada, a outros factos e circunstâncias dadas por provadas;
3- Dizendo de outro modo, a medida concreta da pena reflete quase exclusivamente os factos que foram ponderados e as circunstâncias que depuseram contra o ora recorrente. Nomeadamente, o Tribunal recorrido ponderou excessivamente contra o recorrente o facto de já ter sido condenado duas vezes pela prática de crimes da mesma natureza, olvidando, ou pelo menos desconsiderando, no entanto, que as condenações foi já em 20.04.2018, relativamente a factos praticados no ano de 2018, ou seja, em 11.03.2018 e outros praticados em 22.07.2018, por sentença de 02.10.2018, respetivamente nas penas ambas de 6 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa e de 6 meses de prisão, suspensa por 1 (um) ano, ou seja, há mais de 4 (quatro) anos, tal como resultou provado na matéria de facto provada;
4-Pelo exposto, permanece o recorrente convicto    que a medida concreta da pena que lhe foi aplicada de 12 (doze) meses de prisão é desproporcionada, injustificada e, por isso, injusta, violando a douta sentença            recorrida          o disposto nos artigos 40º, nº 2 e 71º, nº 1, do Código Penal.
5- Violou ainda a douta sentença recorrida o artigo 50º, nº 1, do Código Penal, por ter decidido não substituir a pena por outra pena não privativa da liberdade ou suspender a execução da pena de prisão decretada ao recorrente, contrariamente ao que se impunha à luz do citado preceito legal. (artigo 50º, nº 1 do CP)
6- Na verdade, tendo em conta a matéria de facto provada, que se dá aqui por reproduzida para todos os devidos efeitos, deveria ter sido suspensa a execução da pena de prisão aplicada, embora com obrigações impostas ao recorrente e ainda por período de tempo suficiente para se atingir as finalidades que o legislador penal quer atingir com as penas,  nomeadamente a prevenção especial de integração e com  respeito pelos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da humanidade das medidas punitivas penais.
7-É que, tal como resultou provado, o recorrente está integrado familiarmente, embora estando desempregado, por motivo que não lhe é imputável.»

           
O Ministério Público junto da 1ª instância, apresentou resposta ao recurso, no sentido da sua improcedência, mantendo-se inalterada a decisão recorrida e para o efeito argumentou que (em suma): a pena de prisão efectiva justifica-se pelas elevadíssimas necessidades de prevenção quer geral (dada a frequência deste tipo de crime e a elevada sinistralidade rodoviária) quer especial (dados os seus inúmeros antecedentes criminais, incluindo deste tipo de crime) e a medida concreta de 12 meses até peca por defeito (por ser metade do limite máximo).

 Também neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, argumentando (em suma): que a sentença recorrida se encontra devidamente fundamentada quanto à opção pela pena de prisão efetiva aplicada e à sua duração. Não tendo o recorrente aduzido razões relevantes para a pretendida alteração. Sendo a pena de 12 meses de prisão efetiva, a cumprir em meio prisional, adequada perante toda a factualidade criminosa provada e as superiores exigências de prevenção geral e especial inerentes a este tipo de criminalidade.
 

Notificado este parecer, não houve resposta.
Feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo conhecer e decidir.

Âmbito do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação recursiva e nas quais deve resumir as razões do pedido, sintetizando as razões da discordância do decidido (cfr. os art.ºs 402º, 403º e 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, doravante com a abreviatura CPP). Isto sem prejuízo, naturalmente, das matérias de conhecimento oficioso que, eventualmente, existam (tais como as previstas no art.º 410º, nºs 2 e 3, do CPP) - cfr. neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª edição, 2009, págs. 1027 a 1122, e Simas Santos em “Recursos em Processo Penal”, 7ª edição, 2008, pág. 103.
No caso em apreço, a questão a decidir é a seguinte: O Tribunal devia ter substituído a pena aplicada por uma não detentiva ou determinado a suspensão da sua execução?   

Fundamentação                                          
Por se afigurar relevante para a apreciação e decisão do recurso em apreço, importa atentar ao teor da sentença proferida aquando da única sessão da audiência de discussão e julgamento na 1ª instância (transcrição):
«                                         
Processo Sumário (art.º 381º CPP)
SENTENÇA
***
I. Relatório
O Digno Magistrado do Ministério Público, em processo sumário, com intervenção doTribunal singular, acusa o arguido:
A, filho de ... e de ..., natural de Lagoa, nascido a 24.04.1985.
Como autor material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, com referência ao artigo 121.º, n.º 1, do Código da Estrada.
O arguido não apresentou contestação/arrolou testemunhas.
O tribunal é o competente, as partes são dotadas de capacidade e personalidade judiciárias e são legítimas.
Não se suscitaram nem existem exceções, nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
Procedeu-se a julgamento com a observância das formalidades legais.
Tudo visto e considerado.
Cumpre decidir.
*
II Fundamentação
Factos Provados
Da prova produzida, e com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 27 de setembro de 2022, pelas 21h e 45m, na Rua do Ramal, na Achadinha do Nordeste, conduzia o automóvel ligeiro de passageiros de matrícula B, quando não dispunha da carta de condução demonstrativa de ter habilidade para conduzir e conhecimento das regras de trânsito.
2. Era por vontade e decisão próprias que o fazia, consciente de que cometia crime.
Mais se apurou que)
3. O arguido encontra-se desempregado.
4. Reside com a sua namorada, doméstica.
5. Por sentença transitada em julgado em 09.10.2003, foi condenado pela prática, em 08.09.2002, de crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa.
6. Por sentença transitada em julgado em 26.03.2004, foi condenado pela prática, em 20.06.2003, de crime de furto qualificado, na pena 01 ano e 10 meses de prisão, suspensa por 03 anos, sujeita a regime de prova.
7. Por sentença transitada em julgado em 04.03.2005, foi condenado pela prática, em 29.03.2004, de crime de furto simples, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 02 anos.
8. Por sentença transitada em julgado em 27.10.2005, foi condenado pela prática, em 27.09.2005, de crime de furto simples, na pena de 07 meses de prisão.
9. Por sentença transitada em julgado em 29.03.2006, foi condenado pela prática, em 2004, de 1 crime de furto simples, 1 crime de dano simples, 1 crime de furto simples na forma tentada e 1 crime de furto qualificado, na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão.
10. Por sentença transitada em julgado em 17.11.2006, foi condenado pela prática, em 02.01.2004, de 2 crimes de furto simples, na pena de 04 meses de prisão.
11. Por sentença transitada em julgado em 20.12.2006, foi condenado pela prática, em 08.07.2005, de crime de furto simples, na pena de 7 meses de prisão.
12. Por sentença cumulatória transitada em julgado em 13.11.2008, referente aos processos 430/04.9PCRGR, 439/05.5PARGR, 212/04.8PCRGR, 207/05.4PBPDL e 3/04.6PEPEDL, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.
13. Por sentença transitada em julgado em 02.03.2007, foi condenado pela prática, em 09.08.2005, de crime de furto qualificado, na pena de 3 meses de prisão.
14. Por sentença transitada em julgado em 26.07.2007, foi condenado pela prática, em 04.02.2005, de 4 crimes de furto simples e 4 crimes de furto qualificado, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
15. Por sentença transitada em julgado em 09.10.2003, foi condenado pela prática, em 08.09.2002, de crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa.
16. Por sentença transitada em julgado em 09.12.2008, foi condenado pela prática, em 20.03.2007, de crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução, na pena de 180 dias de multa.
17. Por sentença transitada em julgado em 20.12.2012, foi condenado pela prática, em 29.11.2012, de crime de furto simples, na pena de 3 meses de prisão.
18. Por sentença transitada em julgado em 24.10.2013, foi condenado pela prática, em 08.02.2013 e 31.08.2012, respetivamente, de 1 crime de roubo qualificado na forma tentada e 2 crimes de furto simples, na pena única de 3 anos e 2 meses de prisão.
19. Por sentença transitada em julgado em 20.04.2018, foi condenado pela prática, em 11.03.2018, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 100 dias de multa.
20. Por sentença transitada em julgado em 02.10.2018, foi condenado pela prática, em 22.07.2018, de crime de condução sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa por 01 ano.
21. Por sentença transitada em julgado em 13.05.2020, foi condenado pela prática, em 05.03.2018, de crime de tráfico de estupefacientes, na pena de e anos e 2 meses de prisão. A pena foi extinta a 01.04.2022.
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Factos não provados
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
Fundamentação da decisão de facto
Nos termos do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
O Tribunal formou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo indicados, apreciados segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127.º do Código de Processo Penal.
A livre apreciação da prova não se confunde com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado “ 13ª Ed., 2002, pág. 341, com citações de A. dos Reis, Cavaleiro de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).
Os factos provados resultaram da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento tendo em conta os parâmetros referidos.
O tribunal socorreu-se para formar a sua convicção sobretudo das declarações do arguido que, anuiu a prática de todos os factos de que vinha acusado. Fê-lo de modo livre, integral e sem reservas.
Embora sem grande relevo, justificou a sua conduta em circunstâncias pouco plausíveis, referindo, em suma, que apenas conduziu a viatura em questão para a aparcar junto à sua habitação. Todavia, logo de seguida, indicou que se deslocava na viatura na companhia de sua namorada, o que retira alguma plausibilidade às suas declarações, tanto que, não se vislumbra sentido na necessidade ou oportunidade de percorrer um pequeno caminho, deslocando-se duas pessoas no automóvel.
Sem prejuízo da confissão do arguido, cabe dizer que a mesma encontra arrimo e amparo absoluto quer na prova documental junta aos autos (nomeadamente auto de noticia e detenção), quer nas regras da experiência comum.
Concretizou ainda as suas condições sociais e económicas, que se afiguraram condicentes com a realidade económica e social do país.
No que diz respeito aos seus antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos.
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Enquadramento jurídico-penal
O arguido vem acusado pela prática, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido, pelo art.º 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 03 de janeiro.
O art.º 3.º do Decreto Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro estipula o seguinte:
Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias e que se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
O art.º 121.º n.º 1 do Código da Estrada consagra que “só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito”.
O art.° 122.° n.° 1 por sua vez estabelece que “o documento que titula a habilitação para conduzir automóveis e motociclos, designa-se ‘carta de condução’”.
Tutela-se o bem jurídico coletivo segurança rodoviária e conexamente a vida, integridade física e propriedade dos utilizadores das vias rodoviárias, entendendo-se que a capacidade e perícia teórica e prática do ato de condução advém dos conhecimentos assimilados, necessários para obtenção da respetiva habilitação legal.
Trata-se de um crime comum e de perigo abstrato, isto porque pode o crime ser cometido por qualquer pessoa, não exige a efetiva lesão do bem jurídico que se intenta proteger e porque o perigo não faz parte do tipo, sendo apenas motivo da proibição, fundando-se a tipificação da conduta na sua perigosidade típica.
Sanciona-se, portanto, todo o agente que:
a. Conduzir, isto é, tenha o domínio da movimentação da marcha do veículo;
b. Um veículo a motor, na aceção do artigo 107.º do Código Estrada;
c. Numa via pública ou equiparada, de acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alíneas u) e v) do mesmo diploma.
d. E sem habilitação legal, estando apenas habilitado a conduzir aquele que respeitar o disposto nos artigos 121.º e 124.º, novamente do Código da Estrada.
No que ao elemento subjetivo respeita, na vertente intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) volitiva (vontade de realização do tipo objetivo de ilícito), estamos perante um crime que admite apenas a forma dolosa (artigo 14.º código Penal)
Da materialidade fáctica apurada e fixada supra, mostram-se preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.ºs 1 e 2 do citado diploma.
Não sugere qualquer dúvida que o arguido conduzia o referido automóvel sem que para tal estivesse habilitado, pois que não era portador de licença de condução nem qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir.
Do mesmo modo, é também indubitável que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não se abstendo, no entanto ainda assim, de a praticar.
Pelo que necessariamente se tem de concluir que cometeu o arguido o crime de condução sem habilitação legal que lhe é imputado, ilícito pelo qual deverá então ser punido.
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Escolha da pena
Feito o enquadramento jurídico-criminal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de condução sem habilitação legal é punido, nos termos do artigo 3º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de janeiro e do artigo 47°, n°1, do Código Penal, com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa de 10 a 240 dias.
O artigo 70.º do Código Penal dispõe que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, as quais consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade – art.º 40.º n.º do CP.
A opção entre a pena de prisão e a pena de multa, tem que ser feita tendo em conta o grau de socialização do agente e os reflexos que qualquer dessas penas poderá ter na sua vida futura, sendo de optar pela pena de multa se esta for suficiente para afastar o Arguido da criminalidade, e ainda de considerar o carácter de ultima ratio das medidas privativas da liberdade.
Este preceito legal expressa uma consequência do princípio da subsidiariedade da intervenção penal, ao determinar a preferência pelas penas não privativas da liberdade, sempre que estas se revelem suficientes para a realização das finalidades da punição.
O julgador só deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade, quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial de segurança face à violação da norma ocorrida.
Vejamos o caso dos presentes autos:
No caso vertente, há a considerar, por um lado, as elevadíssimas necessidades de prevenção geral, dada a frequência com que este tipo de crimes é praticado e face, igualmente, aos elevados índices de sinistralidade rodoviária que se registam no nosso País, tantas vezes com consequências dramáticas e fatais, para o que contribui em larga medida, um desprezo generalizado pelo cumprimento das regras estradais, que importa conter.
Não obstante constata-se a ausência de consequências, já que não esteve o arguido envolvido em qualquer consequência direta, nomeadamente um acidente.
Quanto à prevenção especial, há que considerar a inegável a atitude do arguido demonstrada ao longo do tempo de absoluta e total insensibilidade perante o direito e as normas, mesmo perante as sucessivas oportunidades que lhe foram sendo dadas, tudo retratado no seu CRC. Tal não faz prever com a mínima razoabilidade que tenha sido esta a última conduta ilícita perpetrada, pelo que se consideram muito elevadas as necessidades de prevenção especial. Pelo exposto, é forçoso concluir-se desde já pelo afastamento da pena de multa, porquanto deixou já o arguido perfeitamente patente que esta não satisfaz as exigências de reprovação e de prevenção do crime, face às já demasiadas condenações que o arguido sofreu, a saber dezasseis, sendo de realçar que, este é já o terceiro ilícito semelhante.
Claramente se conclui então que as penas aplicadas anteriormente não satisfizeram as exigências de prevenção, pelo que se opta agora, pela aplicação de uma pena de prisão.

Medida concreta da Pena
O art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal dispõe que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Vejamos o caso dos presentes autos, quanto às circunstâncias que antecederam, que são contemporâneas ou que são posteriores ao cometimento do delito e que influenciam a determinação da pena, de modo a concretizar-se o tipo e a gravidade da mesma, e que serão favoráveis ou desfavoráveis ao arguido:
A pesar de modo claro e negativo contra o arguido, está o extenso rol de ilícitos cometidos e mencionados na factualidade dada como provada. Efetivamente afigura-se deveras preocupante aferir que o arguido foi já condenado em nove penas de prisão efetiva, tudo sem prejuízo das penas anteriores aplicadas e, nem isso o demoveu da prática de novos crimes, para mais, cometendo pela terceira vez o crime aqui em análise, sendo que, quanto a este crime, havia o arguido sido já condenado, primeiro, em pena de prisão que se substituiu por multa e segundo, em pena de prisão cuja execução se suspendeu. O arguido despreza em absoluto o seu registo criminal anterior e o esforço que todas as instituições empregam na tentativa da sua reinserção na sociedade.
No que concerne à intensidade da culpa esta surge moldada sobre o dolo direto e que, por isso, corresponde com o nível mais elevado de intencionalidade criminosa; com efeito, o arguido demonstrou uma atitude tão incauta como premeditada, adquirindo e conduzindo a viatura, deslocando-se `mesma com o propósito de conduzir (tudo referido pelo próprio). Conclui-se não evidenciar pois o arguido, apesar de todas a penas que já sofreu, qualquer interiorização do desvalor das suas condutas até hoje praticadas e da necessidade imperativa
de agir de acordo com a lei.
É certo que a arguido confessou os factos de que vinha acusado, todavia, para além de – face à facilidade e evidência de prova- tal se revestir de pouca monta no sentido de favorecer o arguido (o que ainda assim se ponderou), não cremos que, no caso em concreto, esta atitude do arguido denote alguma interiorização ou consciencialização do desvalor da sua conduta. É que o arrependimento, não só é revelado verbalmente, mas sobretudo por factos. E os factos aqui em apreço revelam que o arguido persiste na prática de crimes mesmo perante a sucessiva aplicação das penas mais gravosas que o nosso ordenamento jurídico admite – a privação da liberdade. E até à data, não se arrependeu o arguido de agir como agiu, agora pela décima sétima vez.
A favor do arguido, poucos elementos se podem observar:
Sempre será, enfim, de valorar o facto da inexistência de consequências, nomeadamente um acidente ou um qualquer dano na esfera pessoal e ou patrimonial do arguido ou de terceiro. Tudo considerado, pretendendo aplicar uma pena que reflita as necessidades de prevenção geral (já se viu, elevadas, mais se considerando os elevados índices de sinistralidade nas estradas que põe em risco a vida de todos, que por sua vez levou o legislador a punir estas situações como crimes), e que, ao mesmo tempo, cumpra as necessidades de prevenção especial (que são extremamente relevantes, considerando os antecedentes criminais do arguido), considera-se justo fixar a pena de 12 (doze) meses de prisão, relativos à prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.º 2,  do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, com referência ao n.º 1 do mesmo Diploma Legal.
***
Da eventual substituição da pena de prisão aplicada ao arguido
Atendendo à concreta pena de prisão fixada, impõe-se ponderar a eventual substituição por alguma das penas substitutivas previstas no Código Penal. Nesta operação de escolha da pena de substituição devem ser levadas em conta razões de prevenção geral positiva, mas sobretudo «razões de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», sem se levar em conta considerações de culpa, porquanto as mesmas já foram tidas em conta aquando da aplicação da pena principal.1
1 Dias, Figueiredo, Direito Penal Português, Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial notícias, 1993, pág. 331 – 333.
Na base da aplicação das penas de substituição está a ideia de manter o arguido em liberdade, face a juízo de prognose de que a simples ameaça da prisão efetiva impedirá o arguido de cometer novos crimes no futuro. Trata-se de um risco assumido pelo tribunal que assenta na convicção fundamentada de que o arguido se absterá de cometer crimes.
Atenta a pena concreta aplicada não se mostra adequada a substituição por pena de multa,  tanto que, tal decisão foi já tomada num passado recente, não evitando tal situação a prática de novos (e até do mesmo) crime.
Quanto à substituição por trabalho a favor da comunidade o art.º 58.º, n.º 1, do Código Penal, refere que «se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade, que esta forma de cumprimento da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
No caso dos autos, são sobretudo razões de prevenção especial que impedem que se aplique ao arguido a pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade, desde logo levando sobretudo em consideração o vasto registo criminal do arguido e a circunstância de nem as penas mais gravosas anteriormente aplicadas, terem logrado atingir o seu desiderato de, entre o mais, impedir o arguido de cometer novos ilícitos.
Tudo ponderado o tribunal considera que por este meio não se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, porquanto não é possível efetuar um juízo de prognose que, sendo aplicada esta pena, o arguido não voltará a cometer crimes no futuro.
Quanto à suspensão da execução da pena de prisão, o art.º 50.º do Código Penal consagra «1­ O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição»
Referem LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º volume, parte geral, Editora Rei dos Livros, 2002, pág. 639: “O Código traça, confessadamente, um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização.”
Na base da decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose social favorável ao arguido (assim designada JESCHECK) que se traduz na esperança de que aquele verá na condenação uma solene e derradeira advertência para não cometer crimes no futuro. Não se trata de qualquer certeza do tribunal que o condenado assim procederá, mas uma esperança de que assim aconteça, devendo o juízo de prognose ser negativo se o tribunal tiver dúvidas de que o condenado é capaz de interiorizar e aproveitar a oportunidade que lhe é oferecida.
No caso dos autos cremos ser cristalino que também não é possível prognosticar positivamente que a suspensão da execução da pena de prisão impedirá o arguido de voltar a cometer crimes no futuro, desde logo pela circunstância de já ter sido aplicado tal instituto, não se detendo o arguido na prática de condutas ilícitas. Efetivamente, o CRC do arguido espelha que o mesmo não soube aproveitar nenhuma das (diversas) oportunidades que lhe foram dadas. Observe-se que o arguido viu extinta uma pena de prisão efetiva (de 3 anos e 2 meses) em 01.04.2022, e logo se apressou, em menos de meio ano, a praticar novo crime. Isto é, o arguido não permite que se consiga fazer um juízo de prognose no sentido de que a suspensão da execução da pena de prisão será aproveitada por si mesmo e será suficiente para o afastar da prática de crimes. O seu certificado de registo criminal espelha exatamente o oposto. E as suas atuais condições de vida não afastam este problema. Efetivamente, o arguido não apresenta condições que permitam formar a convicção que, doravante, levará uma vida lícita, cívica, de trabalho ou, pelo menos, de ausência do cometimento de crimes. O próprio indicou encontrar-se desempregado, não auferir qualquer apoio social e residir com uma companheira, de 17 anos de idade, que também não trabalha, nem tampouco, estuda.
Tudo ponderado, considera o tribunal que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não são suficientes para acautelar as exigências de prevenção geral e, sobretudo especial que o caso reclama, não se prevendo que a simples ameaça da pena de prisão seja suficiente para fazer o arguido infletir o percurso criminoso que vem trilhando ao longo dos anos, o que apenas se atinge com a aplicação de uma pena de prisão efetiva.

Por seu turno, a pena concreta permite, abstratamente, a aplicação do regime do artigo 43º do CP (Regime de permanência na habitação).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 43.º, do Código Penal, sempre que o Tribunal concluir que, por esse meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (e o condenado nisso consentir), a pena de prisão efetiva não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Assim, a aplicação desta pena substitutiva da execução da pena de prisão efetiva depende da conclusão de que esta forma de cumprimento da pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, ou seja, que protege a sociedade ao mesmo tempo que evita a prática de novos crimes e reintegra socialmente o arguido.
Subjacente à utilização deste instituto, está a formulação positiva de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido no sentido de se entender que tal forma de cumprimento da pena se mostra suficiente para o afastar da prática de novos crimes. No caso em apreço, desde logo atente-se que o arguido foi já condenado - e cumpriu, diversas penas de prisão efetiva e, por este motivo, os fins que o regime de permanência na habitação pretende alcançar, nomeadamente evitar os efeitos criminógenos que as penas de curta duração podem ter no arguido, sendo maiores as perdas que os ganhos alcançados com a aplicação da pena de prisão, ficam colocados em crise desde logo face aos já existentes contactos do arguido com o sistema prisional.
Por outro lado, os antecedentes criminais do arguido são reveladores de forma cristalina da sua insensibilidade quanto às normas jurídicas que devem nortear a sua conduta e quanto às dezasseis decisões judiciais anteriores, as quais não o impediram de reiterar idêntico comportamento, violador das mesmas normas jurídicas. A conduta reiterada do arguido, espelha o sentimento que o mesmo tem perante os atos que pratica, claramente desvalorizando os mesmos, conduta que não permite formular qualquer juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento.
Na verdade, as diversas penas que cumpriu, várias até já de prisão efetiva, não o levaram a pautar as suas condutas de acordo com o Direito.
É assim, manifesto inexistirem nos autos quaisquer elementos que o Tribunal possa lançar mão e que permitam fazer um juízo favorável quanto ao comportamento futuro do arguido. Todo o contexto exposto, por seu turno, não permite, aplicando o regime em ponderação, igualmente, reforçar a consciência jurídica comunitária na validade da norma violada e o sentimento de segurança da própria comunidade.
Somados e sopesados todos os elementos aduzidos, permitindo a aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, cairia o Tribunal numa situação de benevolência inaceitável e inadmissível para com o comportamento do arguido, que afetaria a confiança da comunidade na validade do Direito e na Administração da Justiça.
Em suma, resulta evidente que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação não se mostra adequado, nem suficiente para afastar o arguido da prática de novos crimes.

Assim, considera o tribunal que nem a simples censura do facto e a ameaça da prisão, nem o regime de permanência na habitação são suficientes para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que o caso reclama, nomeadamente fazer o arguido infletir o  percurso criminoso, o que apenas se atinge com a aplicação de uma pena de prisão efetiva,  pelo que deve o arguido cumprir em meio prisional a pena aplicada.
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No que tange à responsabilidade por custas, lê-se no artigo 513.º do Código de Processo Penal que: É devida taxa de justiça pelo arguido quando for condenado em 1.ª Instância, decair, total ou parcialmente, em qualquer recurso ou ficar vencido em incidente que requerer ou a que fizer oposição.
Pelo que se condena o arguido em 2 UC’s (duas unidades de conta) de taxa de justiça, reduzida a metade, considerando-se a sua confissão.
III Dispositivo
Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente por provada e, em consequência decide:
i. Condenar o arguido A, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º n.º 1 e 2 do Dec. Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro e 121.º do Código da Estrada, na pena de 12 (doze) meses de prisão.
ii. Condeno o Arguido pelas custas do processo penal, com a taxa de justiça que se fixa em 1 UC.
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Notifique.
Proceda ao depósito da presente sentença artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
Após trânsito:
Remeta boletim ao Registo Criminal (DSIC): artigo 374, n.º 3, al. d), CPP;
Comunique ao T.E.P. competente a presente sentença com nota de trânsito em julgado.»
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Questão a decidir – O Tribunal devia ter substituído a pena aplicada por uma não detentiva ou determinado a suspensão da sua execução?  
O arguido [sem impugnar a decisão sobre a matéria de facto nem o respectivo enquadramento jurídico], apenas se insurge quanto ao facto de não ter sido substituída a pena aplicada (de 12 meses de prisão efectiva) por pena não detentiva ou até suspensa a execução dessa pena de prisão, considerando terem sido violados os art.ºs 40º, 71º e 50º do Código Penal.
Por seu lado, o Ministério Público junto da 1ª instância e deste Tribunal superior consideram justifica-se e estar devidamente justificada a pena de prisão efectiva neste caso.
Cumpre apreciar e decidir.
Desde já se adianta não ter havido violação das normas legais invocadas pelo arguido/recorrente, nem qualquer outro normativo legal, não merecendo qualquer censura a opção feita pelo Tribunal de 1ª instância.
Para o efeito importa atentar ao tipo de crime (de condução sem habilitação legal, indiscutivelmente) praticado pelo arguido quando (nas assentes circunstâncias de tempo, modo e lugar) conduzia um veículo automóvel na via pública, sem estar habilitado com carta de condução, sabendo que tal era proibido e punido por lei e mesmo assim quis fazê-lo.
O bem jurídico protegido através deste tipo legal é a segurança de circulação rodoviária. Pois, sendo a condução rodoviária, por natureza, uma actividade perigosa, mais perigosa será se o respectivo condutor não estiver habilitado para o efeito (com assimilados e necessários conhecimentos, capacidade e perícia quer teórica quer prática) através da respectiva licença/carta de condução.
 Pelo que, indiretamente, este tipo legal de crime tutela bens jurídicos, tais como a vida, a integridade física e os bens patrimoniais que se prendem com essa segurança rodoviária (quer para o próprio condutor, quer para outros condutores, quer para passageiros e até para peões) que estão ou poderão estar em perigo face a uma condução de veículo a motor na via pública ou equiparada sem que o condutor tenha habilitação legal para o efeito.
Daí que (face à relevância destes bens tutelados por este tipo legal de crime),  o legislador tenha previsto como pena aplicável (em alternativa à pena de multa) uma pena de prisão que pode ir desde 1 mês até 24 meses (cfr. o nº 2 do art.º 3º do D.L. nº 2/98, de 3-1, e o nº 1 do art.º 41º do Código Penal, doravante, com a abreviatura CP).

No caso em apreço, a opção pela pena de prisão efectiva foi feita pelo Exmº juiz de 1ª instância, nos termos e com os fundamentos supra transcritos, aqui dados por reproduzidos e que merecem a nossa inteira concordância.
Pois, perante a factualidade apurada e com vista à punição do arguido, o Tribunal recorrido nem sequer ponderou aplicar uma pena de multa (em alternativa à pena de prisão), porque considerou (e bem) que apesar do critério preferencial legal de  contido no art.º 70º do CP (intitulado «Critério de escolha da pena», segundo o qual: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”) relativamente à pena de multa, esta não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades punitivas do arguido.
Por isso, essa opção primordial (por pena de prisão em detrimento de pena de multa) já respeitou esta norma legal e já denotou preocupação do Tribunal de 1ª instância em ajustar essa espécie concreta de punição às finalidades das penas.
A propósito das finalidades das penas importa atentar que, com o título «Determinação da medida da pena», o art.º 71º do CP consiga o seguinte:
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”

 Desta forma, o legislador penal pretendeu legitimar a finalidade das penas em consonância com o princípio constitucional consagrado no art.º 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (segundo o qual: “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos caos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”).
E colhendo quer os ensinamentos doutrinais de Figueiredo Dias (em “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 78-85 e em “Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime”, Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, págs. 84-121), quer os ensinamentos jurisprudenciais do STJ (no acórdão do STJ de 16-01-2008 no processo n.º 4565/07 e no acórdão do STJ de 25/5/2016 no processo nº 101/14.8GBALD.C1.S1, ambos em dgsi.pt):
. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes, através: das ameaças penais estatuídas pela lei; da realidade da aplicação judicial das penas; e da efectividade da sua execução = desempenhando uma função (de prevenção) geral negativa.
Também tendo uma função (de prevenção) geral positiva ou de integração = como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal. E como instrumento por excelência destinado a revelar, perante a comunidade, a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese embora todas as suas violações que tenham tido lugar.
Sendo este o ponto de partida como a finalidade primária das penas: o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal de um arguido.
. O ponto de chegada das penas está: nas exigências de prevenção especial, mais concretamente, da prevenção especial positiva (re-socialização do arguido) e da prevenção especial negativa (neutralização daquele tipo de conduta criminosa pelo arguido).
Tudo isto, sempre, sem olvidar o princípio da culpa inerente ao nosso Estado de Direito Democrático: em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa).
Significando isto que a concepção retributiva da pena não pode nunca atentar contra o princípio da inviolabilidade da dignidade da pessoa humana do arguido e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena e, assim se obtendo uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.
Assim, o princípio da culpa no nosso sistema penal serve com incondicional proibição de excesso, como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – quer sejam de prevenção geral positiva de integração e/ou de prevenção geral negativa de intimidação, quer sejam de prevenção especial positiva de socialização e/ou de prevenção especial negativa de segurança ou de neutralização.
Deste modo e perante cada caso concreto, a pena deve ser encontrada pelo Juiz dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e negativa (que são, respectivamente, o limite máximo e o limite mínimo desta “moldura” de pena -  pois a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores) e ponderando as circunstâncias do caso concreto, bem como o nível e premência das necessidades especiais que se lhe apresentem de prevenção especial positiva e negativa (que são, respectivamente, a re-socialização do arguido e a prevenção da sua reincidência – tais como as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, os seus antecedentes criminais), ao mesmo tempo que também estas lhe transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente (sem ultrapassar a medida da culpa concreta), o juiz fixará o quantum da pena.

Ora, voltando ao caso em apreço e perante as incontestadas circunstâncias, o Exmº juiz da 1ª instância ponderou tudo isto e, nomeadamente, face à actuação do arguido com dolo directo, aos seus antecedentes criminais e ao disposto nos art.ºs 40º, nºs 1 e 2, 70º e 71º do Código Penal, considerou que só a pena de prisão efectiva permitirá proteger os sobreditos bens jurídicos tutelados por este tipo legal de crime e permitirá assegurar os fins da prevenção geral (quer negativa quer positiva) deste tipo de crime (tão frequente quer na Ilha dos Açores quer em todo o demais território do nosso país) e da prevenção especial negativa (tão preemente face aos antecedentes criminais deste arguido).
Mesmo depois de já lhe terem sido dadas várias oportunidades, através das antecedentes condenações, nomeadamente pela prática de idêntico crime (com pena de prisão de 6 meses substituída por 100 dias de multa e com pena de 6 meses de prisão suspensa por 12 meses), no sentido de evitar uma pena de prisão efectiva, nem por isso, o arguido deixou de cometer este tipo de crime.
Quando é certo que tal só dependia do arguido, para o efeito bastar-lhe-ia (em qualquer circunstância e sob qualquer pretexto) não conduzir qualquer veículo a motor na via pública ou equiparada, se e enquanto não obtiver a prévia e respectiva licença de condução. 
Por isso, não se justifica qualquer tipo de benevolência para mais esta actuação criminosa do arguido, para além dos demais crimes de outra índole já cometidos anteriormente, que demonstram um total desinteresse pelas solenes sanções contidas nas anteriores condenações e até indiferença às penas crescentemente gravosas que veio sofrendo desde 2003 – em suma, não se demonstra que o arguido tivesse efectivo propósito e se tivesse esforçado no sentido de abandonar a senda criminosa.

Daí que o Exmº Juiz da 1ª instância não tenha optado pela suspensão da execução da pena de prisão.
Como sabemos, o instituto da suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente a seguinte filosofia: “apontar ao arguido o rumo certo no sentido de, doravante, adequar o seu comportamento às exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contestação e auto-responsabilização pelo seu comportamento posterior. Para isso, sendo necessária a capacidade de o arguido sentir essa ameaça, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a capacidade de vencer a vontade de delinquir” – conforme as exemplares palavras do Exmo. Juiz Conselheiro Sousa Guedes no acórdão do STJ de 8/5/1997 no processo 96P1293.
O nosso legislador atribui ao julgador o poder-dever de suspender a execução de pena de prisão, evitando a permanência do arguido dentro dos muros de uma prisão – cfr. refere a anotação a este preceito por Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código Penal”, 4ª edição actualizada, págs.309-311 – desde que se preencham dois requisitos (cumulativos) previstos no nº 1 do art.º 50º do CP:
- um requisito formal que é a pena concreta aplicada não ser superior a 5 anos;
- e um requisito material que é, perante os concretos factores aí expressamente elencados (da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste) o tribunal concluir por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido.
Sendo que, neste domínio da prognose social favorável (fazendo minhas as palavras dos Exmos Juízes Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques em Código Penal Anotado, vol. I, 4ª ed., 2014, págs. 711-712) está: “a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e não cometerá nenhum crime no futuro. O tribunal deve correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza”.

Ora, retomando a análise do caso em apreço, o arguido já beneficiara desse juízo de prognose social favorável aquando do anterior sancionamento por antecedente crime idêntico cuja pena de prisão ficara suspensa na sua execução e nem por isso tal servira de factor pedagógico, nem de auto-responsabilização, nem de contenção perante situação idêntica, nem capacidade para vencer a vontade de delinquir deste arguido que já tem 37 anos de idade e teima em delinquir.
Tanto mais que, anteriormente, o arguido já cumprira várias penas de prisão efectiva e nem por isso a sua estada dentro dos muros da prisão foi suficiente para a sua auto-responsabilização e adequação do seu comportamento ao dever - ser jurídico penal.

Precisamente ponderando tudo isso, o Exmº juiz da 1ª instância tão pouco considerou que fosse adequado e suficiente para realizar as finalidades da execução da pena de prisão efectiva o seu cumprimento em regime de permanência na habitação (nos termos previstos pelo art.º 43º do CP).
Aliás, não consta dos autos (quer aquando da 1ª instância, quer aquando deste recurso) que o arguido tivesse sequer dado o seu consentimento para esse efeito.
Daí que o Tribunal recorrido não tenha sequer diligenciado pela obtenção de prévio consentimento da pessoa maior de 16 anos com ele coabitava e tão pouco tenha diligenciado pela indagação das condições da execução ou não deste regime de cumprimento dessa pena de prisão efectiva fora dos muros de uma prisão.

Também ponderando tudo isso, o Exmo. Juiz da 1ª instância tão pouco considerou que fosse adequado e suficiente para realizar as finalidades punitivas no caso concreto a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade (nos termos previstos pelo art.º 58º do CP).
Aliás, o arguido não desempenhava qualquer trabalho remunerado e a sua vivência social (com 37 anos a viver com a namorada doméstica) e seu registo criminal (com inúmeras condenações por vários tipos de crime) não faz crer que viesse a acatar/cumprir uma prestação de trabalho a favor da comunidade de uma forma não remunerada.
E, aliás, também a própria comunidade necessita de ver reforçado o sentimento de segurança, de efectiva tutela dos bens jurídicos ameaçados e da inquebrantabilidade da ordem jurídica perante a violação que, mais uma vez, voltou a ter lugar por parte deste arguido.
 Sendo de salientar que, não obstante o ambiente prisional seja nefasto sob certos aspectos (nomeadamente pelo eventual contágio prisional e/ou pela eventual estigmatização com o labéu de ter estado na prisão), sempre o arguido poderia/deveria ter evitado regressar a tal ambiente (dentro dos muros de uma prisão), bastando-lhe perspectivar tal possibilidade e, pura simplesmente, nunca conduzir veículos motorizados na via pública se e enquanto não tiver licença de condução.
Note-se que este é um crime grave dada a sua enorme danosidade social, inerente ao perigo de sinistralidade rodoviária e aos já referidos valores fundamentais e imprescindíveis à vida em comunidade (como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, com o perigo para a integridade física e até a vida dos condutores, dos passageiros e dos demais cidadãos que se encontrem na via pública ou equiparada), havendo a necessidade de consciencializar, quer este arguido, quer a comunidade onde ele vive, quer a sociedade em geral, para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem realçado todos estes aspectos, justificando a aplicação de pena de prisão efectiva – cfr. a título de exemplo, entre muitos outros, os acórdãos o TRE de 19/2/2013 no processo 85/12.7GBCCH e de 15/12/2022 no processo 573/19.4T9ELV,  o acórdão do TRC de 7/3/2018 no processo 102/17.4PANZR, o acórdão do TRP de 12/10/2022 no processo 41/22.7PDPRT, o acórdão do TRG de 9/4/2018 no processo 1350/17.PBBRG e o acórdão do TRL de 23/9/2020 no processo 3/19.1GELSB.

Aliás, conforme prevê o art.º 42º, nº 1, do CP: “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”
Por isso mesmo, também consideramos necessária a execução de pena de prisão relativamente a este arguido e a este processo e a qual permitirá a este arguido interiorizar a gravidade desta sua predisposição para esta actuação criminosa e, até, predispor-se a efectuar estudos e/formação profissional no estabelecimento prisional (solicitando junto dos serviços prisionais que dispõem de programas para o efeito) e que lhe permita tratar de estudar para a licença de condução e, até, adquirir hábitos de trabalho em alguma área profissional durante a reclusão e que lhe permita, quando sair em liberdade, tirar a carta de condução e, até, obter uma ocupação profissional.
Desta feita e face à concreta ponderação e avaliação feita pelo tribunal recorrido, que não merece qualquer censura, impõe-se dizer que – contrariamente ao alegado pelo arguido/recorrente e conforme tão bem explicitou o Ministério Público na resposta na 1ª instância ao recurso em apreço – só o cumprimento de pena detentiva pode resultar em relação a este arguido.


Decisão
Pelo exposto, os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa acordam em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, A, mantendo-se a douta sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três UC´s (art.ºs 513º e 514º do CPP).
Notifique.

(Texto elaborado pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)         

Lisboa, 23 de fevereiro de 2023 
Paula de Sousa Novais Penha
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima