Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7806/05.2TBSXL.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: CASAMENTO
REGIME DE BENS
REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
COMPROPRIEDADE
CONTA BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Dispondo o art. 1735º do C.Civil que, no regime de separação de bens, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens, e pode dispor deles livremente, não obsta tal preceito a que, nesse regime (art. 1736º, nº2), havendo dúvidas sobre propriedade exclusiva de um dos cônjuges, se tenham os bens móveis como pertencentes a ambos em compropriedade.
- Estando-se perante uma conta bancária conjunta, e não se provando seja o respectivo saldo produto de depósitos por si exclusivamente efectuados, sobre qualquer dos cônjuges - dado exceder essa o valor da quota que integra o seu património próprio - impende a obrigação de restituir metade dos montantes por si levantados.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa :

1. F propôs, contra M, acção seguindo forma ordinária, pedindo a condenação da R. a reconhecer serem da propriedade exclusiva do A. os saldos de conta bancária de que o mesmo é titular, e a restituir-lhe a quantia de € 32.006,97, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, objecto de levantamento por parte daquela.
Contestou a R., impugnando a exclusiva titularidade do A. sobre a aludida conta - concluindo pela improcedência da acção e pedindo, em reconvenção, seja aquele condenado a pagar-lhe a quantia de € 26.000, acrescida de juros, correspondente ao valor pelo mesmo daí levantado.
Efectuado julgamento, foi proferida sentença, na qual, considerando-se a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, se condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 16.003,48, e o A. /reconvindo a pagar à R. /reconvinte, a quantia de € 13.000, ambas acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação - absolvendo-se A. e R. do demais peticionado.
Inconformado, veio o A. interpor o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões :
- No regime de separação de bens, adoptado pelo A. e pela R. não há comunhão nos bens, presentes ou futuros, adquiridos por qualquer dos cônjuges, sendo, por isso, da propriedade do respectivo titular tudo o que a título de salário, pensão ou provento de outra natureza tenha sido atribuído por lei ou, por si, adquirido por outro modo.
- Seguindo a tese da R. veiculada pela contestação, a sentença dos autos parte do pressuposto do casamento e da comunhão de vida derivada do casamento do A. e da R. para um regime de comunhão nos bens adquiridos na constância do casamento e da regra da meação dos cônjuges em relação à conta bancária dos autos.
- Tanto do alegado na petição inicial, na réplica e nos requerimentos de fls. 156 e 157, como do alegado pela R., nos arts. 3º, 4º, 10º e 12º da contestação; dos docs. de fls. 11 a 52 e 158 a 329 e dos depoimentos da R. decorre que a mesma nunca depositou um centavo sequer na conta de depósito.
- Na parte em que consta que "(...) tendo o ilustre mandatária da autora dito: afigura-se-nos que as alíneas G, O, P dos Factos Assentes contém imprecisões pelo que se propõe para as mesmas a seguinte redacção: (...) Dada a palavra à ilustre mandatária da Ré pela mesma foi dito : Nada a opor" a acta de 4/3/2008 alterou a verdade dos factos pondo o mandatário do A. onde esteve o mandatário da R. e pondo este onde esteve aquele,
- Pois, em face da redacção dada a qualquer das al. G) (ver acta de 12/3/2007, fls 143); O) (A titulo de inves- timento o autor ia transferindo a totalidade ou parte das importâncias recebidas através da conta DO identificada em G) para contas de depósito a prazo para emigrantes ou de conta poupança ou aplicações diversas constituidas na dependência da conta DO) e P) (Em 28 de Março de 2005, o autor tinha em diversas aplicações de investimentos pelo prazo de 1 ano mas com vencimentos em datas diferenciadas várias contas anexas à conta DO identificada em G) (ver acta de 21/2/2008, fls. 434) dos factos assentes, foi o mandatário da R., que não do A., a pedir a alteração da redacção, alegadamente, por entender que, com a redacção apresentada, as ditas alíneas tomariam inútil o julgamento, por implicarem o assentamento de factos susceptíveis de, por si, conduzir à perda da acção pela R. - ao que o mandatário do A. não se opôs.
- A matéria do quesito 5° da base instrutória traduzido em saber se "As importâncias depositadas na conta DO do C a titulo de indemnização por acidente de trabalho sofrido pelo autor, contemplavam valores atribuidos à ré e às filhas do casal, por direito próprio destas" e a que se respondeu “provado” envolve uma questão de direito, que não de facto, além de que o quesito é em si mesmo contraditório, devendo ser, por isso, dado por não escrito (arts 511°, nº1, e 646°, n°4, CPC), ou, pela contradição encerrada, dado por nulo.
- A não se entender dar por não escrito ou nulo o quesito 5º, não é verdade que, no seu depoimento de parte, o A. "(...) admitiu que as importâncias depositadas na conta do C correspondiam ao montante da indemnização que lhe era paga pela seguradora S - 80% - e que era paga também à R. e às suas filhas - 20% (…)”, pois a afirmação resulta de errada interpretação da sentença do resultado das suas declarações gravadas.
- Sendo que, do requerimento de fls. 344 e 345 e 437 a 438 e dos docs. de fls. 346 a 421, resulta que o saldo da conta dos autos provém unicamente das pensões e subsídios derivados do acidente de trabalho sofrido pelo A. sem que se a R. tenha demonstrado que alguma vez nela depositou dinheiro, devendo-se a erro a resposta “provado” que, por isso, deve, nessa parte, ser alterada para o sentido "não provado".
- Da mesma forma que a resposta ao quesito 5º, a dada ao quesito 4º, traduzido em saber se "O dinheiro depositado nas contas identificadas em J), bem como o aplicado em quaisquer outras, designadamente na CG era propriedade do autor e da ré, fruto do aforro de ambos durante os vários anos em que trabalharam na S” deve-se a erro.
- As testemunhas invocadas C, S e M limitaram-se à declaração de que sabiam que o A. e R estiveram na S, desconhecendo o trabalho ou o tipo de trabalho feito e os rendimentos auferidos por cada um deles, a R. não conseguiu indicar um único centavo que tenha sido depositado por si depositado, na conta em presença, adiantando que se antes da sua ida para a S vivia do que o A. lhe dava (art. 10° da contestação), em relação ao tempo depois da sua ida para a S assumiu que "(...) não podia depositar qualquer importância da conta DO, junto do aludido C (...)" (art. 120 da contestação) e, nos seus depoimentos, tanto o A. como a R. assumem que, antes do acidente, o dinheiro nem sequer chegava para as despesas e depois do acidente e sem o regresso do A. ao trabalho vieram definitivamente para Portugal.
- Com a ressalva da conta da CG da titularidade de ambas as partes e alegadamente usada para o empréstimo à habitação já liquidado e ao que parece actualmente inactiva, não há nenhuma outra conta bancária em Portugal que seja titulada pelo A. e pela R. cuja existência tenha sido demonstrada.
- Pelo que a referência ao "dinheiro depositado nas contas identificadas em J), bem como o aplicado em quais- quer outras, designadamente na CG era propriedade do autor e da ré, fruto do aforro de ambos durante os vários anos em que trabalharam na S" se traduz numa, ao lado de várias outras, cedência da sentença a mera alegação da R., sem fundamento.
- Em atenção aos documentos referidos e ao alegado pela R. na contestação e à falta de demonstração de depósito feito pela R. a resposta “não provado”, dada a qualquer dos quesitos 1º (traduzido em saber se “A totalidade do dinheiro entrado na conta DO identificada em G) provém de transferências feitas da S para o autor e por conta de indemnizações ou pensões derivadas do acidente de trabalho sofrido naquele pais ou de depósitos feitos directamente pelo autor”) e 2º (traduzido em saber se "A totalidade dos montantes que constituiam o saldo das referidas em O) resulta de transferências ordenadas pelo autor ou de depósito feito directamente por ele a titulo de investimentos”) deve ser alterada para o sentido “provado”.
- Como a resposta “provado apenas” dada à matéria do quesito 6º da base instrutória (traduzido em saber se “Em 1997 a) O autor tinha direito e recebia uma importância mensal de CHF 2.800,00 (€ 1.807,47), por crédito na conta DO identificada em G); b) A ré, tinha direito a uma importância mensal de CHF 1.243,00 (€ 802,39), que era recebida pelo autor, por crédito na mesma conta e c) Cada uma das filhas do casal tinha direito a uma importância mensal de CHF 277,00 (€ 178,81) que era recebida pelo autor, por crédito na mesma conta”) deve ser alterada para o sentido “não provado”.
- Em atenção aos docs. de fls. 14 a 52 e 158 a 328, vistos combinadamente com o alegado pela R. na sua contestação, aos depoimentos prestados em audiência e ao expendido nos acórdãos do STJ, de 26/10/2004 (SJ200410260031016), e do TRP, de 17/10/2005 (RP200510170456403), disponíveis em www.dgsi.pt, há que afastar, no caso, a presunção de compropriedade em presença e aos demais factos da causa, revogar a sentença e substituí-la por outra que condene a R. nos termos pedidos e absolva o A. do pedido reconvencional.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
a) No dia 19/9/81, o A. e a R. contraíram casamento sob o regime de separação de bens (al. A).
b) Em 1987, o A. emigrou para a S, em Setembro de 1989 veio a conseguir o “Permis A” ou “Permis Saisonnier” e passou a trabalhar por períodos sucessivos de nove meses, com início em Fevereiro e término em Novembro de cada ano, intermediados por períodos de saída do país por três meses (al. B).
c) No ano de 1992 a R. também emigrou para a S (al. C).
d) Em Novembro de 1995, o A. e a R. ainda residiam e trabalhavam na S, e o A. sofreu um acidente de trabalho (al. D).
e) De que lhe resultaram lesões traumáticas graves, nomeadamente, traumatismo crâneo-encefálico, fractura do rochedo esquerdo e hemorragia subaracnoideia, para além de vários focos de contusão hemorrágica que afectaram a sua capacidade física e de trabalho (al. E).
f) Na sequência das lesões corporais a que se alude em e), por decisão judicial foi julgado permanentemente incapaz para o trabalho (al. F).
g) Na ficha de abertura da conta à ordem de depósito emigrante a que foi dado o nº consta a data de 9/9/91, titulares nº 1 - F, o A. - e nº 2 - M, aqui R. - e as respectivas assinaturas, está seleccionada a opção conta solidária, pode ser movimentada por qualquer dos titulares; consta ainda no canto inferior direito as palavras “adição” e “substituir”, tendo esta última um traço por cima (al. G).
h) Em 28/3/2005, a R. procedeu ao levantamento da quantia de, pelo menos, € 30.000, da conta identificada em g) (al. H).
i) A partir da data referida em h), a R. procedeu ainda ao levantamento de € 2.000, ascendendo a € 32.006,97 o montante das importâncias levantadas da conta identificada em g) (al. I).
j) Associadas à conta referida em g) existiam ainda no mesmo Banco a conta de depósitos a prazo (DP) nº e a conta Multiobrigações (Investimento) nº (al. J).
k) O A. e a R. foram co-titulares da conta nº, no B, na S (al. K).
l) Em 1/4/2004, o A. deu ordem ao C. para que transferisse da conta Multiobrigações supra referida, para a conta DO identificada em g), a quantia de € 24.247,82 (al. L).
m) O A. levantou da conta DO identificada em g) o valor global de € 26.000 (al. M).
n) Depois do seu regresso da S, as várias importâncias que a título de indemnizações e pensões devidas pelo acidente de trabalho sofrido pelo A. passaram a ser-lhe remetidas através da conta DO, identificada em g) (al. N).
o) A título de investimento iam sendo transferidas a totalidade ou parte das importâncias recebidas através da conta DO identificada em g) para as contas de depósito a prazo para emigrantes ou de conta poupança ou poupança ou aplicações diversas, constituídas na dependência da conta DO (al. O).
p) Em 28/3/2005, existiam diversas aplicações de investimentos pelo prazo de um ano, mas com vencimento em datas diferenciadas, várias contas anexas à conta DO identificada em g) (al. P), dos factos assentes).
q) O dinheiro depositado nas contas identificadas em j), bem como o aplicado em quaisquer outras, designada- mente na CG, era propriedade do A. e da R., fruto do aforro de ambos durante os vários anos em que trabalharam na S (ponto 4º).
r) As importâncias depositadas na conta DO, do C., a título de indemnização por acidente de trabalho sofrido pelo A., contemplavam valores atribuídos à R. e às filhas do casal, por direito próprio destas (ponto 5º, da base instrutória).

3. Nos termos dos arts. 684º, nº3, e 690º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente.
A questão a decidir centra-se, pois, primacialmente, na reapreciação da matéria de facto na qual se fundou a sentença recorrida.
Pretende, a tal respeito, o A., ora apelante, a alteração da factualidade assente, no sentido de ser dada como provada a matéria constante dos pontos 1º e 2º e não provada a totalidade da contida nos pontos 4º a 6º da base instrutória.
Entende-se, perante a análise da prova produzida, nomeadamente através do registo dos depoimentos pres- tados em audiência de julgamento, não haver resultado demonstrada a origem dos montantes depositados nas contas bancárias em causa.
Uma vez que, para além dos obviamente interessados, mas não suficientemente esclarecedores, depoimentos de parte, não revelou qualquer dos demais inquiridos - incluindo a filha do casal - o necessário conhecimento acerca da matéria factual a tal atinente.
Nessa conformidade, se decide, mantendo a resposta aos respectivos pontos 1º e 2º, considerar, de igual modo, não provados os impugnados pontos 4º a 6º da base instrutória.
Pese embora a alteração à factualidade provada, da mesma não resulta, todavia, solução jurídica diversa da adoptada na decisão recorrida.
Dispondo o art. 1735º do C.Civil que, no regime de separação de bens, cada um dos cônjuges conserva o domínio e fruição de todos os seus bens, e pode dispor deles livremente, não obsta tal preceito a que, nesse regime (art. 1736º, nº2), havendo dúvidas sobre propriedade exclusiva de um dos cônjuges, se tenham os bens móveis como pertencentes a ambos em compropriedade.
Por outro lado, e nos termos do art. 1403º, nº2, do mesmo diploma, na falta de indicação em contrário do título constitutivo, presumem-se quantitativamente iguais as quotas dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum.
No caso, resultando da factualidade dada como assente estar-se perante uma conta bancária conjunta, não logrou o apelante provar, como lhe competia (art. 342º C.Civil), seja o respectivo saldo produto de depósitos por si exclusivamente efectuados.
Como decidido, impor-se-ia, assim, concluir que, assistindo-lhes embora a faculdade de a movimentar, sem necessidade de intervenção do seu co-titular, sobre qualquer das partes - dado exceder essa o valor da quota que integra o seu património próprio - impende a obrigação de restituir metade dos montantes por si levantados.

4. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 6 de Maio de 2010

Ferreira de Almeida - relator
Silva Santos - 1º adjunto
Bruto da Costa - 2º adjunto