Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA JOSÉ SIMÕES | ||
| Descritores: | NULIDADE DE SENTENÇA ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/12/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | I. Os atestados de residência apesar de serem documentos autênticos, por serem habitualmente emitidos com base em declarações do próprio requerente, não gozam de força probatória plena, estando sujeitos à livre apreciação do julgador. II. O artº 85º nº 1 b) do RAU exige que a convivência no arrendado seja efectiva e embora não se exija uma presença física, deve o descendente, à data da morte do arrendatário, residir com ele há mais de um ano, ali devendo ter o seu lar e residência habitual. III. Tendo sido paga pelo senhorio ao descendente da arrendatária uma indemnização calculada nos termos do artº 89º-B nº 2 do RAU, por este ter invocado a transmissão do direito ao arrendamento, alegando convivência no locado, facto que se veio a provar não ter ocorrido, mostram-se reunidos os requisitos para a verificação do enriquecimento sem causa, devendo, por isso, este ser condenado a restituir o montante pago por aquele. (MJS) | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO Manuel e Maria intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra F e A, peticionando a declaração de não transmissão do arrendamento a favor dos Réus, e a condenação destes no pagamento solidário da quantia de Esc. 5.400.000$00, correspondente às quantias indevidamente recebidas, bem como da quantia de Esc. 990.000$00 correspondente à ocupação indevida do locado, e ainda juros de mora sobre as aludidas quantias desde a citação até efectivo pagamento. Para fundamentar a sua pretensão alegaram que em virtude do 1º réu ter invocado a transmissão a seu favor do direito de arrendamento da fracção propriedade dos Autores estes pagaram-lhe a título de indemnização pela denúncia desse arrendamento a quantia de Esc. 5.400.000$00. Mais invocaram o injustificado locupletamento dos Réus por não se ter verificado qualquer transmissão do arrendamento para o 1º Réu. Os Réus contestaram, impugnando parte da factualidade articulada, e concluíram pela improcedência do pedido. Procedeu-se a julgamento tendo a acção sido julgada parcialmente procedente, condenando-se o 1º Réu a pagar aos autores a quantia de € 26.935,08 acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal a partir da citação; absolvendo-se o 1º R. do pedido de condenação no pagamento da quantia correspondente às rendas do locado e absolvendo-se a 2ª Ré do pedido. Inconformado com tal decisão, veio o R. F interpor recurso, apresentando as suas alegações que rematou com as seguintes conclusões: 1- Vieram os AA intentar Acção Declarativa de Condenação com Processo Ordinário contra os RR peticionando a declaração de não transmissão do arrendamento a favor dos Réus e a condenação destes no pagamento solidário da quantia de 5.400.000$00, correspondente às quantias indevidamente recebidas, invocando o enriquecimento sem causa. 2- Os RR contestaram, invocando, que não se verificavam os requisitos do enriquecimento sem causa, uma vez que o 1° Réu preenchia todos os pressupostos de transmissão do direito ao arrendamento previstos no Art.° 85°, n.°1, al. b) do RAU. 3- Entendeu o Tribunal a quo julgar parcialmente procedente a acção intentada e condenar o 1° Réu a pagar aos Autores a quantia de € 26.935,08 acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal a partir da citação. 4- Não se conforma o Apelante com tal Decisão razão pela qual vem interposto o presente Recurso de Apelação. 5- Na verdade, para concluir (como conclui) afirma o Tribunal a quo que quando "o 1° Réu foi viver para o locado a arrendatária já falecera". 6- Sucede que tal afirmação acha-se em contradição com a matéria de facto considerada assente. 7- Com efeito, se está provado que a Mãe do aqui Apelante ingressou no lar, em Novembro de 1998 e se está provado que os Réus se mudaram para o locado "após o ingresso da mãe do 1° Réu no lar" não poderia o Tribunal a quo concluir que os RR. apenas foram viver para o locado depois da primitiva arrendatária ter falecido. 8- Pelo que face aos factos provados e ao Atestado emitido pela Junta de Freguesia não poderia o Tribunal a quo, concluir (como concluiu) que quando "o 1° Réu foi viver para o locado a arrendatária já falecera", e consequentemente "que não havia causa justificativa para a atribuição patrimonial traduzida no pagamento da quantia de Esc. 5.400.000$00 que o 1° Réu auferiu já que o mesmo não era titular do direito que invocou e que fundamentou por força da lei a indemnização por ele recebida". 9- Achando-se, pois, os fundamentos em oposição com a decisão, por um lado, e mostrando-se a matéria de facto assente insuficiente para se decidir como concluiu o Tribunal a quo. 10- Daí a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artº 668º nº 1 als. b) e c) do CPC. 11- Ainda que assim não se entenda, o que não se admite e sem conceder, sempre se dirá que a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para se concluir, como conclui a Sentença Recorrida, pela não verificação, no caso sub judice, de causa justificativa da deslocação patrimonial. 12- Na verdade, tendo os AA invocado o enriquecimento sem causa, todos os requisitos deste devem ser alegados e provados por quem se arroga o direito à restituição, ou seja, no caso em apreço, pelos AA. (art.° 342° n.°2 do CC). 13- Ou seja, cabia aos AA alegarem e provarem que não se verificavam em concreto os requisitos para a transmissão do direito a arrendamento, previstos no art.° 85° n.°1, al. b) do RAU, designadamente "a convivência". 14- O que não ocorreu. 15- De facto, os AA não lograram provar que não se verificavam em concreto os requisitos para a transmissão do direito a arrendamento, previstos no art.° 85° n.°1, al. b) do RAU, uma vez que não se acha provado, face à resposta ao art.° 1° e 3° da Base Instrutória, que os RR. deixaram de conviver com a primitiva arrendatária no andar em causa, nos últimos 10 anos de vida desta última. 16- Ou seja, não se acha provado que, no caso sub judice, não se verificava "a convivência", que constitui causa justificativa da deslocação patrimonial. 17- E não se diga que pelo facto de se encontrar provado que a primitiva arrendatária (Mãe do 1° Réu, ora Apelante) ingressou num lar em Novembro de 1998 (mais de um ano antes da sua morte) é suficiente para que não se verifique o direito à transmissão do arrendamento previsto no Art.° 85°, n.°1, al.b) do RAU. 18- Na verdade, encontra-se, igualmente, provado que, em 1996 a Mãe do Réu adoeceu, vindo progressivamente a perder autonomia e ficando acamada em 1998, vindo, por consequência e devido ao seu estado de saúde, a ingressar no Lar. 19- Na verdade foi entendimento da Jurisprudência que "Essa transmissão opera-se ainda que o arrendatário não tenha residido no local arrendado durante o último ano de vida, em virtude de doença prolongada e irreversível, desde que aquele descendente, durante esse período de tempo, aí tenha continuado a residir." (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.° 5008/20004-7, publicado in http://www.dgsi.pt). 20- Donde, não tendo os AA provado que os RR não conviveram com a Mãe do 1° Réu durante os últimos 10 anos anteriores à morte da primitiva arrendatária, não se pode concluir pela inexistência de causa justificativa para a deslocação patrimonial. 21- Não tendo sido provado que não se verificava, no caso concreto, a causa justificativa, não se encontram reunidos os requisitos para a verificação do enriquecimento sem causa previsto no art.° 473°, do CC, não tendo, por consequência, o ora Apelante que proceder à restituição da quantia que lhe foi entregue pelos AA., correspondente à indemnização prevista no art.° 89°-B do RAU. 22- Ao decidir, pela verificação, no caso concreto, do enriquecimento sem causa, violou a Sentença Recorrida, (de uma assentada), o disposto no Art.° 85° n.°1 al.b) e Art.° 89°- B, ambos do RAU e Art.° 342°, n.°1, Art.° 473°, do CC. 23- Devendo, pois, ser revogada a Sentença Recorrida e ser o Apelante absolvido do Pedido, com todas as legais consequências. Por seu turno, os apelados Manuel e outra vieram apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: 1. O Apelante nos presentes autos veio interpor recurso da douta sentença de 5 de Janeiro de 2006 do Tribunal a quo de fls., que julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente, condenou o 1° Réu, aqui Recorrente, no pagamento aos ora Apelados, da quantia de € 26.935,08, acrescido de juros moratórios à taxa supletiva legal a partir da citação. 2. Invoca como fundamento principal para o presente recurso o facto de a sentença recorrida estar ferida de nulidade, à luz do disposto no art. 668° nº 1, alíneas a) e b) do CPC, por existir contradição entre os fundamentos e a decisão. 3. Defende que, face à matéria dada como provada nos autos, não podia o Tribunal a quo concluir que os Réus apenas foram viver para o locado depois do falecimento da primitiva arrendatária. 4. Não se compreende nem se aceita o alegado pelos Réus, que com este recurso manifestam evidente motivação dilatória. 5. Da análise da douta sentença recorrida resulta claro que os Autores, ora Recorridos, lograram fazer prova em Tribunal que "em Novembro de 1998 a mãe do R. passou a viver no lar de S. Pedro" – L) dos Factos Assentes; 6. Ficou também provado que "a arrendatária acima identificada veio a falecer em 22 de Dezembro de 1999", conforme consta da alínea C) dos Factos Assentes e da certidão de óbito junta aos autos; 7. Ficou também provado que "somente após o ingresso da Mãe do 1° Réu no lar, em Novembro de 1998, é que os Réus se mudaram para o locado, aí residindo desde Janeiro de 2000 até Setembro de 2000", conforme resposta ao quesito 3° e ponto 2.21 da fundamentação de facto da sentença. 8. Janeiro de 2000 data em que os réus passaram a residir no locado é cronologicamente posterior a Novembro de 1998, data em que a arrendatária foi para o lar, e a Dezembro de 1999, data em que a arrendatária faleceu no lar, pelo que em nada se contradiz o Tribunal a quo ao concluir que os Réus apenas passaram a residir no locado após o falecimento da primitiva inquilina. 9. Acresce que mesmo que os réus se tivessem mudado para o locado antes do falecimento da arrendatária, o que, perante a factualidade provada, manifestamente não foi o caso, a verdade é que conforme jurisprudência existente, para efeitos de transmissão do arrendamento por morte, a ausência do primitivo inquilino do locado tem de ser temporária. 10. Ora, a Mãe do 1° Réu passou a viver no Lar de S. Pedro em Novembro de 1998, local onde passou a dormir e comer e onde residiu até à data do seu decesso (cfr. 2.13 da fundamentação de facto) que veio a suceder em 22 de Dezembro de 1999. 11. Estamos portanto longe da situação de ausência temporária do primitivo arrendatário utilizada pela jurisprudência para justificar a transmissão mortis causa do direito ao arrendamento. 12. Importa ainda atentar no facto de o Apelante não vir com o presente recurso impugnar a matéria de facto assente nos autos, decidida pelo Tribunal maxime com base na prova testemunhal produzida (v. fundamentação das respostas à Base instrutória). 13. Mesmo a referência que o Apelante faz ao atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia, junto aos autos, em nada contribuiria para a alteração da decisão sobre a matéria de facto, na medida em que tal documento não consubstancia um elemento constante do processo que imponha decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (ai. b) do n.° 1 do art. 712° do CPC). 14. O Apelante não pretende impugnar a matéria de facto provada, dando por estabelecido os concretos pontos de facto em que se baseou a decisão, e esgrime unicamente o argumento de que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, o que, como vimos supra, não corresponde à verdade. 15. E apesar de invocar concomitantemente a nulidade da sentença nos termos da al. b) do n.° 1 do art.668° do CPC, nada diz nas suas doutas alegações quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão. 16. Assim sendo, improcede em toda a linha o entendimento explanado pelo Apelante de que a sentença em crise é nula, atento o disposto nas als. b) e c) do n.° 1 do art. 668° do CPC. 17. O segundo fundamento invocado pelo Apelante para impugnar a douta decisão do Tribunal a quo é o de que a matéria de facto assente se revela insuficiente para se concluir pela não verificação de causa justificativa da deslocação patrimonial. 18. Ora, no caso sub judice importava apurar se teria existido transmissão do direito ao arrendamento da primitiva arrendatária para o 1° Réu, atento o disposto na alínea b) do n.° 1 do art.85° do RAU, in fine. 19. Os Autores tinham sim que provar que o 1° Réu não conviveu com a primitiva inquilina no locado pelo menos no último ano da sua vida, nem tinha ali a sua residência permanente — o que lograram fazer, demonstrando assim a inexistência de causa justificativa para a transmissão do direito invocado por aquele. 20. Na verdade, a resposta do Tribunal aos quesitos 1° e 3° da base instrutória é unívoca ao considerar que os Réus só se mudaram para o locado em Janeiro de 2000, donde resulta, obviamente, que não conviveram com a mãe do 1° Réu no locado nos últimos 10 anos da sua vida. 21. A boa interpretação da disposição legal invocada aponta para a conclusão de que o legislador colocou a tónica no convívio, no sentido de coabitação, com o primitivo arrendatário por período superior a um ano à data do falecimento. 22. Da análise cuidada da douta sentença, resulta claro que o Tribunal condenou o 1° Réu a restituir aos Autores o montante pago por estes por considerar que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, o pagamento fora efectuado a título de indemnização calculada nos termos estabelecidos no artigo 89°-B, n.° 2 do RAU, uma vez que aquele veio invocar a transmissão do direito de arrendamento a seu favor, alegando convivência no locado com a primitiva arrendatária por um período superior a um ano. 23. Tendo ficado provado que a invocada circunstância de facto não se verificara, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o 1° Réu a restituir o indevidamente recebido, atento o enriquecimento sem causa que daí resultou parvo mesmo. Foram colhidos os vistos legais. II – QUESTÕES A RESOLVER Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artº 660º nº 2 também do CPC. Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal. 1. Saber se a sentença recorrida “não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e se os seus “fundamentos estão em oposição com a decisão” – artº 668º nº 1 als. b) e c) do CPC 2. É ou não a matéria de facto assente insuficiente para se concluir pela não verificação de causa justificativa da deslocação patrimonial. III – FUNDAMENTOS DE FACTO Os factos provados a ter em consideração são os seguintes: 1. Os A. são donos e legítimos possuidores do 3º andar direito do prédio urbano sito no nº 16 da Rua, inscrito na matriz urbana sob o nº 1684, freguesia do Santo Condestável. 2. Em 1/9/1959, mediante documento escrito foi celebrado entre Manuel e outros, na qualidade de arrendatária contrato de arrendamento destinado à habitação, do prédio supra referido. 3. A arrendatária acima identificada veio a falecer em 22/12/1999. 4. O R. na qualidade de descendente daquela, no dia 11/1/2000, veio invocar a transmissão do direito ao arrendamento, alegando que convivia com a mãe no locado, há mais de um ano. 5. Confrontado com o supra descrito o A. denunciou o contrato de arrendamento nos termos e para os efeitos do art.º 89º-A, do R.A.U. 6. O 1º R. apresentou a sua denúncia, digo, a sua oposição à denúncia do contrato em causa em 29/2/2000, propondo uma nova renda no valor de Esc. 45.000$00. 7. O A. em 31/3/2000 optou pela manutenção da denúncia do contrato. 8. Sempre no pressuposto da veracidade dos direitos invocados pelo 1º Réu os Autores depositaram a título de indemnização na C.G.D em 28/ 4/2000, a quantia de Esc. 2.700.000$00. 9. Em 31/8/2000 depositou na mesma instituição bancária os restantes Esc. 2.700.000$00. 10. O 1º Réu procedeu ao levantamento da quantia supra referida em Setembro de 2000. 11. Em 29/9/2000 o andar em causa foi entregue ao A. 12. Em Novembro de 1998 a mãe passou a viver no Lar de S. Pedro. 13. Em Novembro de 1998 a arrendatária ingressou no Lar de S. Pedro, sito na Rua do Pinhal, nº 1, Malveira, local onde passou a dormir e comer, e onde residiu até à data do seu falecimento. 14. O Réu enviou aos Autores a carta de fls. 29, onde recorda que a única residência permanente que tem desde 01/05/92 é no locado, sem prejuízo de outros domicílios de férias ou de trabalho. 15. Os Autores destinam o andar em causa ao arrendamento. 16. O 1º Réu viveu na andar em causa desde que nasceu até cerca de 1991, tendo vindo também para ali morar a avó materna do Réu. 17. Em 1996 a mãe do Réu adoeceu, vindo progressivamente a perder autonomia, e ficando acamada em 1998. 18. Passou a necessitar de apoio domiciliário, que era dado pelo Centro de Dia da Freguesia do Santo Condestável. 19. Tendo os Autores recusado o pagamento da renda relativa a Janeiro de 2000 o Réu passou a proceder ao respectivo pagamento, digo, depósito na C.G.D., no valor correspondente à nova renda proposta, ou seja, Esc. 45.000$00. 20. Eram os vizinhos e a porteira do prédio vizinho que ajudavam a mãe do Réu com as compras, a limpeza da casa, sendo ainda dado apoio pelo Centro de Dia da Freguesia de Santo Condestável. 21. Somente após o ingresso da mãe dos Réus, digo, do 1º Réu no Lar é que os Réus se mudaram para o locado, aí residindo desde Janeiro de 2000 até Setembro de 2000. 22. Quando a filha mais nova dos Réus atingiu a idade escolar passou a frequentar a Escola "Grémio de Instrução Liberal de Campo de Ourique". 23. O filho mais velho frequentava a Escola Secundária Machado de Castro em Lisboa, situada na zona do locado. 24. O filho mais velho do Réu às vezes pernoitava no locado. III – FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Saber se a sentença recorrida “não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e se os seus “fundamentos estão em oposição com a decisão” – artº 668º nº 1 als. b) e c) do CPC. A falta de motivação a que se refere a citada al. b) como refere Rodrigues Bastos, (1) não é uma especificação eventualmente incompleta ou deficiente, mas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, suporte da decisão. Esta nulidade só ocorre, portanto, se existe falta absoluta de motivação. Se a motivação é apenas deficiente, medíocre ou errada, a sentença fica sujeita ao risco de revogação ou alteração em via de recurso, mas nula é que nunca será. E, quanto à oposição referida na al. c), diz o mesmo autor que ela se verifica no processo lógico da decisão, ou seja, traduz-se, pois, num vício de estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão. É o que sucede quando os fundamentos invocados conduziriam não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto; quando “há um vício real no raciocínio do julgador (e não simples “lapsus calami” do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”. (2) Ora, não tendo sido impugnada a matéria de facto pelo apelante, têm de se considerar assentes os factos em que se baseou a decisão. Analisando a sentença recorrida, ressalta sem sombra de dúvida que a mesma não enferma do invocado vício, gerador de nulidade. Na verdade, a sentença encontra-se suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico quer sob o ponto de vista jurídico e que, além disso, a decisão está em consonância com a respectiva fundamentação: dela constam os factos e as razões de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão e esta aparece como consequência lógica daquela fundamentação. Certamente, por isso, é que o apelante nada diz nas suas alegações quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão. Improcede, assim, a invocada causa de nulidade da sentença a que se refere a al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC. Vejamos, agora, a alegada nulidade da sentença consubstanciada na al. c) do nº 1 do artº 668º do CPC (oposição entre os fundamentos e a decisão). Alega o apelante que se está provado que a mãe do apelante ingressou no Lar em Novembro de 1998 e se está provado que os RR se mudaram para o locado “após o ingresso da mãe do 1º R no Lar” não poderia o Tribunal a quo concluir que os RR apenas foram viver para o locado depois da primitiva arrendatária ter falecido. Ora, analisando a sentença recorrida, mostra-se provado que “o 1º R viveu no andar em causa desde que nasceu até cerca de 1991, tendo vindo também para ali morar a avó materna do R.” – ponto 16 da matéria assente. Também se mostra provado que “Somente após o ingresso da mãe do 1º R. no Lar é que os RR se mudaram para o locado, aí residindo desde Janeiro de 2000 até Setembro de 2000” – ponto 21 dos factos assentes. Igualmente como resulta da factualidade assente, em Novembro de 1998 é que a mãe do 1º R. passou a viver no Lar de S. Pedro – cfr. pontos 12 e 13 dos factos assentes. A arrendatária (mãe do 1º R.) veio a falecer em 22/12/99 – cfr. ponto 3 da matéria assente. Na verdade, quando se diz na sentença que somente após o ingresso da mãe do 1º R. no Lar em Novembro de 1998, é que os RR se mudaram para o locado, não quer dizer que estes o tivessem de fazer logo no dia seguinte à mãe do 1º R. ter ingressado no Lar, pois tal factualidade provada terá de ser articulada com outra que refere que os RR residiram no locado desde Janeiro de 2000 até Setembro de 2000. Assim, numa sequência cronológica, o que ocorreu foi o seguinte: A mãe do 1º R. ingressou no Lar de S. Pedro em Novembro de 1998. Veio a falecer em 22/12/99. O 1º R. viveu no andar locado desde que nasceu até cerca de 1991. O 1º R. desta vez acompanhado da mulher, ou seja, os RR dos autos só se mudaram novamente para o locado após o ingresso da mãe daquele no Lar, o que aconteceu de Janeiro de 2000 a Setembro de 2000. Daqui se conclui que o 1º R esteve fora do locado de 1991 a Janeiro de 2000 e que não existe qualquer contradição quando o Tribunal a quo refere que os RR só após o ingresso da mãe do 1º R. no Lar em Novembro de 1998 é que se mudaram para o locado. Na verdade, também se mudaram após o decesso daquela em 22/12/99, pelo que, bem concluiu o Tribunal de 1ª instância. Vem ainda o apelante alegar que consta dos autos um Atestado da Junta de Freguesia emitido em 07/01/2000 onde se declara que o 1º R. desde que nasceu sempre teve como residência a morada do locado e, que por isso, nunca o Tribunal a quo poderia ter concluído que quando o 1º R. foi viver para o locado a arrendatária já falecera. Ora, como é sabido, habitualmente, os atestados de residência, como é o caso do dos autos, são emitidos com base em declarações do próprio requerente (cfr. fls. 173 dos autos) e assim sendo, apesar de serem documentos autênticos, não gozam de força probatória plena, estando, isso sim, sujeitos à livre apreciação do julgador. É que “a lei só dá competência às juntas de freguesia para atestar a residência, mas já não a residência permanente. O atestado de residência não prova a residência, prova, sim, que a Junta de Freguesia, com base nas informações directas dos seus membros ou com base em testemunho ou declaração do próprio, atestou a residência” (3). Na verdade, o atestado da Junta de Freguesia é, sem sombra de dúvida, um documento autêntico, pelo que, nos termos do art. 371° do C. Civil, faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base em percepções da entidade documentadora. Mas, como muito bem observam Pires de Lima e Antunes Varela, "o valor probatório do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora" (4) Daqui é fácil concluir que o atestado de residência não prova a residência: prova, sim que a junta de freguesia, com base nas informações directas dos seus membros ou com base em testemunho ou declaração próprio, atestou a residência. Assim, se nem sequer prova a residência de uma pessoa, o atestado da Junta de Freguesia, muito menos pode provar a residência permanente. E, no caso em apreço, o Mmº Juiz ao valorar a prova produzida, face aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas entendeu que o teor de tal atestado não corresponderia à verdade, razão pela qual, não lhe atribuiu qualquer importância probatória (vide fls. 206 in fine). Nos termos expostos, improcede igualmente a arguida nulidade consubstanciada no artº 668º nº 1 al. c) do CPC, por não existir qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão. 2. É ou não a matéria de facto assente insuficiente para se concluir pela não verificação de causa justificativa da deslocação patrimonial. No caso dos autos, o que está em causa é saber se ocorre ou não o direito à transmissão do direito de arrendamento da fracção propriedade dos AA a descendente (1º R.) por convivência no locado com a primitiva arrendatária por período superior a um ano, tal como previsto no artº 85º nº 1 al. b) do RAU. Estabelece este preceito legal que “O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário ou daquele a quem tiver sido cedida a sua posição contratual, se lhe sobreviver: (…) b) Descendente com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano”. Cabe, assim, aos AA o ónus de alegar e provar que o 1º R. que veio invocar o direito de sucessão no arrendamento, à data da morte da primitiva arrendatária, não convivia com ela há mais de um ano. A questão está em saber se os factos provados permitem o preenchimento da previsão contida na al. b) do citado artº 85º: “… Descendente [….] que com ele” (primitivo arrendatário “convivesse há mais de um ano”. Resta, pois, saber qual o entendimento que o legislador atribuiu à expressão “convivência há mais de um ano”. Entende o apelante que os AA não lograram provar que não se verificam em concreto os requisitos para a transmissão do direito ao arrendamento, uma vez que não se acha provado que os RR deixaram de conviver com a primitiva arrendatária no andar em causa, nos últimos dez anos de vida desta última. Mas, salvo o devido respeito, por opinião contrária, parece-nos que não é isto que a lei pretende. Senão vejamos. O princípio geral quanto à caducidade do arrendamento por morte do arrendatário vem consignado na al. d) do artº 1051º do CC. Mas a regra da caducidade do arrendamento habitacional por morte do arrendatário tem um importante regime de excepção no artº 85º do R.A.U. Apesar de nem a doutrina nem a jurisprudência serem unânimes quanto ao conceito de convivência previsto no citado artº 85º, nº1, al. b) do RAU com a noção de residência permanente, cuja violação o mesmo diploma sanciona com a resolução do contrato de arrendamento (nº 1, al. i do artº 64º), cremos que a lei, quando refere o descendente que «com ele convivesse há mais de um ano», não quer significar que essa convivência deva verificar-se em sentido físico e material, ou seja, no sentido de que o descendente tenha de viver sempre e sem interrupção na companhia do seu ascendente (5). “O que a lei visa é proteger o agregado familiar constituído em termos de estabilidade, tutelando a situação de pessoas com vínculos de parentesco muito chegados que, convivendo com o arrendatário à morte deste, vierem a encontrar-se na situação angustiante de absoluta carência de casa, para habitarem” (6) O que nos parece é que o aludido normativo legal deve ser interpretado no sentido de se exigir que o sucessor conviva com o primitivo arrendatário, pelo menos no último ano de vida deste, no prédio arrendado, devendo tal convivência ser vista em termos de ali ter residência permanente, o que pressupõe a comunidade da vida familiar e a instalação do trem de vida doméstica unicamente no arrendado. Exige assim a lei que a convivência no arrendado seja efectiva, embora se não exija uma presença física constante sempre que um caso de força maior ou doença impeça a permanência. (7) A lei exige, assim, que o descendente, à data da morte do arrendatário, com ele residisse há mais de um ano, ali tivesse o seu lar e residência habitual. Ora, os factos provados não permitem, salvo melhor opinião, concluir que a previsão da citada al. b) do nº 1 do artº 85º do RAU se ache preenchida, no caso em apreço. Efectivamente, tendo ficado provado que a arrendatária faleceu em 22/12/99 e que os RR só se mudaram para o locado em Janeiro de 2000 (cfr. pontos 3 e 21 da matéria assente) não restam dúvidas que tal convivência efectiva nunca existiu entre o 1º R. e a sua falecida mãe (primitiva arrendatária), no ano anterior à morte desta. De resto, mesmo que se entendesse (que não se entende) – tal como pretende o apelante – que os RR conviveram com a primitiva arrendatária no andar locado, nos últimos dez anos de vida desta, mesmo assim, não se acha tal matéria provada. Com efeito, resultando da factualidade provada que o 1º R. viveu no andar em causa desde que nasceu até cerca de 1991 e que só voltou novamente a habitá-lo de Janeiro de 2000 a Setembro de 2000, sendo que a primitiva arrendatária faleceu em 22/12/99, o 1º R deveria ter com ela convivido desde, pelo menos 1989, o que não aconteceu. Na verdade, o 1º R. viveu no locado até 1991, mas a partir desta data verificou-se um interregno de 9 anos sem qualquer convivência – com o sentido que acima emprestámos a esta palavra - com a sua falecida mãe, só vindo a habitar o locado após a morte desta. Aliás, se assim não fosse não se compreenderia o alcance da matéria de facto provada nos pontos 17, 18 e 20. Nos termos expostos, não se verifica qualquer insuficiência da matéria de facto que não permita a aplicação do direito. A requerida ampliação da matéria de facto só poderia efectivar-se no que concerne a factos articulados pelas partes ou que ao tribunal fosse lícito conhecer nos termos do artigo 264º do CPC e que sejam envolvidos de essencialidade para a definição da base jurídica do pleito (8). Mas, face ao que vem de ser dito e de acordo com a matéria de facto provada, conclui-se que não ocorreu, após a morte da primitiva arrendatária, mãe do 1º réu, a transmissão para este do contrato de arrendamento de que aquela era titular, ao abrigo do estatuído no artº 85º, nº1, al. b) do RAU, tendo caducado, por isso, o contrato de arrendamento com o decesso daquela. Por isso, bem decidiu o Tribunal a quo ao condenar o 1º R. a restituir aos AA. o montante pago por estes, por considerar que, tal pagamento fora efectuado a título de indemnização calculada nos termos do artº 89-B nº 2 do RAU, dado que o 1º R. veio invocar a transmissão do direito ao arrendamento, alegando convivência no locado com a primitiva arrendatária, sua mãe, por um período superior a 1 ano, facto que, de acordo com a matéria dada como provada, se veio a verificar não ter ocorrido e daí que se encontrem reunidos os requisitos para a verificação do enriquecimento sem causa que adveio para o 1º R., nos termos preceituados no artº 473º do CC. Não se acham, assim, violados os preceitos legais invocados pelo apelante. V – DECISÃO Nesta conformidade, acorda-se na improcedência da apelação, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Lisboa, 12/12/2006 (Maria José Simões) (Azadinho Loureiro) (Ferreira Pascoal) _________________________________ 1 In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pag 246 2 Cfr. Antunes Varela, Manual do Processo Civil, pag. 671. 3 In Ac. TRL de 02/12/99 (relator Urbano Dias) consultável em www.dgsi.pt.; no mesmo sentido vide Ac. STJ de 05/03/85 (relator Amaral Aguiar) e Ac. TRL de 24/03/94 (relator Tomé de Carvalho) consultáveis no mesmo site e Ac. TRL de 24/03/99 in BMJ 435-889. 4 In Código Civil Anotado, vol. I, 48ª ed., pag. 327. 5 Vide Acs in BMJ 231-205 e 326-524 6 Cfr. Ac TRL de 04/06/92 in CJ, Ano XVII, tomo 3, pág. 199 e Ac. TRP, de 10/05/94, in CJ., XIX-III, pags. 198-200. 7 Cfr. Ac. TRL de 26/10/92 in CJ tomo IV, pag. 129. 8 Ac. STJ de 17/03/2005 (relator Salvador da Costa) consultável em www.dgsi.pt |