Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | PEDRO MARTINS | ||
| Descritores: |  CONTRATO-PROMESSA TERRENO EDIFÍCIO SINAL EXECUÇÃO ESPECÍFICA  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: |  Sumário: I - Como o contrato-promessa tem por objecto um terreno aprovado para construção e não um edifício, mesmo que em projecto, e foi prestado sinal, os autores não têm direito à execução especifica (art. 830/3 do CC). II – Os autores não marcaram a escritura para a compra e venda prometida no prazo cominatório que lhes foi fixado pela ré e as razões que apresentaram para o efeito não procedem, pelo que a resolução do contrato se justificou e, com isso, se justifica também que a ré faça seu o sinal entregue (art. 442/2 do CC).  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados A 23/02/2023, AA e BB intentaram uma acção comum contra RR, pedindo que seja proferida sentença que declare a transmissão, da ré para os autores, do direito de propriedade, por compra e venda, de um prédio que identificam, mediante o pagamento do remanescente em falta, no valor de 14.963,94€, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 830 do Código Civil, nada mais sendo devido pelos autores seja a que título for; seja ordenado que a Autoridade Tributária emita as respectivas guias de liquidação do imposto municipal sobre transmissão de imóveis e do imposto do selo; e seja ordenado o registo da aquisição do imóvel decretada a favor dos autores junto de qualquer Conservatória do Registo Predial, com as demais consequências legais. Para o efeito, alegaram, em síntese, que: eles e a ré são partes num contrato promessa de compra e venda de um lote de terreno para construção; a ré só aceita celebrar o contrato definitivo se os autores lhe pagarem 50€ de um distrate, 16.000€ do remanescente do preço e 26.693,24€ de despesas de urbanização e infra-estruturas, num total de 42.743,64€, apesar de eles apenas deverem o remanescente do preço que é de 14.963,94€. A ré contestou, impugnando os factos alegados pelos autores e excepcionando o incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte deles e a subsequente resolução do contrato; em consequência, pediu em reconvenção que se declare resolvido o contrato promessa e se condenem os autores a reconhecer que por via da resolução a ré tem direito a fazer seus os 4.987,98€ entregues a título de sinal. Os autores replicaram pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção deduzida e impugnando parte dos factos base da reconvenção. O pedido reconvencional foi admitido. Depois de realizada a audiência final foi proferida sentença julgando a acção improcedente e reconvenção procedente, declarando a resolução do contrato promessa e reconhecido o direito de a ré fazer seus os 4.987,98€ entregue a título de sinal. Os autores recorreram desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que decida pela execução específica do contrato-promessa mediante o pagamento do remanescente do preço - pretendendo o aditamento de dois factos aos factos provados e impugnando a decisão de direito. A ré contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso. * Questões a decidir: se devem ser aditados factos aos provados; se a acção devia ter sido julgada procedente e a reconvenção improcedente. * Os factos provados são os seguintes [os factos 15 e 16 foram aditados em consequência do resultado da impugnação da decisão de facto]: 1\ A ré é a proprietária do prédio urbano sito em A, Lote 4, concelho de Sintra, correspondente a um terreno para construção, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 0000, da freguesia de S e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 00000 da União de freguesias de S. 2\ No dia 31/03/1995, CC, identificado como primeiro outorgante, e DD, identificado como segundo outorgante, celebraram acordo escrito, do qual consta: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA Entre CC, como bastante procurador de sua mulher EE, com quem está casado, no regime de comunhão de bens, residentes em […], como 1.º Outorgante, e DD, […], casado com FF, residentes em […], como 2.º Outorgante, celebra-se o presente contrato promessa de compra e venda, livremente acordado, que se regerá pelas cláusulas seguintes: 1.º\ O 1.º Outorgante é dono e legítimo possuidor de um prédio com a área de 9320 m2, denominado B, Secção Q, da Freguesia de S., do Concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra, 1.ª Secção, sob o n.º 0000, a fls. 25, do Livro B 000, inscrito na matriz, sob o n.º 000. 2.º\ Por este contrato, o 1.º Outorgante promete vender e o 2.º Outorgante promete comprar o lote 000, com a área aproximada de 514 m2, a destacar do referido prédio, pelo preço de 4.000.000$. 3.º\ O preço, na sua totalidade, será pago do seguinte modo: 1.000.000$, como sinal, já pagos e recebidos pelo 1.º Outorgante, que dá quitação, por este meio. O restante, no valor de 3.000.000$, será pago no acto da escritura, que se realizará no prazo de 180 dias ou depois da aprovação do loteamento 4.º\ A escritura de compra e venda fica a cargo do 2.º Outorgante, que suportará as despesas daí decorrentes, da sisa, das infra-estruturas e de urbanização. 5.º\ O 1.º Outorgante obriga-se a facultar, ao 2.º Outorgante, os documentos que tenha em seu poder, para que este possa proceder á marcação da escritura. 6.º\ O prédio é vendido livre de ónus ou encargos, excepto urbanização e infra-estruturas e aprovado para construção. 7.º\ No omisso, rege a lei aplicável ao contrato promessa de compra e venda. Sintra, 31 de Marco de 1995 [Sintra e 31 estão manuscritos] 1.º Outorgante [tem uma assinatura manuscrita em cima de selos fiscais e mais à frente tem um reconhecimento feito no 2.º cartório notarial de Sintra com a data de 23/03/1995] 2.º Outorgante [tem a assinatura manuscrita] 3\ No acto de celebração do acordo referido em 2, foi liquidado pelo promitente comprador a quantia de 1.000.000$, a que actualmente corresponde a quantia de 4.987,98€, a título de sinal e princípio de pagamento. 4\ A 14/09/1995, a Associação de Proprietários e Moradores do Bairro de GG notificou DD dando conta que, nos termos dos seus Estatutos, competia aos proprietários pagar os custos de urbanização do respectivo lote, informando que o custo previsto para o lote seria de 816.835$, oque corresponde actualmente a 4.074,36€. 5\ A 12/06/1997, os autores celebraram com DD acordo escrito, com o seguinte teor: CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL Primeiro - DD […] casado com HH, […] como primeiros outorgantes. Segundo – BB, […] casado no regime de comunhão de adquiridos com AA […], como segundos outorgantes. Entre os outorgantes é celebrado o presente contrato de cessão de posição contratual, que passa a reger-se pelo disposto nas cláusulas seguintes: 1.ª\ Por contrato celebrado em 31/03/1995, os primeiros outorgantes celebraram com CC e mulher EE, um contrato de promessa de compra e venda nos termos do qual, os ora primeiros outorgantes prometeram comprar a estes últimos e estes prometeram vender aqueles, um lote de terreno para construção, designado por lote 000, com a área aproximada de 514 m2, a destacar do prédio rústico com a área de 9320m2, denominado B, situado na freguesia de S, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra […] inscrito na matriz sob o artigo n.º 00 secção Q, pelo preço de 4.000.000$, documento que se junta e anexa e dele fez parte integrante, 2.ª\ Por ser possível e legal, os ora 1.ºs outorgantes cedem aos 2.ºs outorgantes, que aceitam, a posição contratual que têm no aludido contrato, para ela [sic - TRL] se transferindo a posição do promitente comprador. […] 6.ª\ A cessão da posição contratual é feita livre de quaisquer ónus ou encargos e com a urbanização e infra-estruturas pagas conforme o recibo que se junta. 7.ª\ A escritura de compra e venda será marcada quando da aprovação do 1oteamento e assim que toda a documentação estiver em ordem para a marcação da mesma, ficando esta marcação a cargo do segundo outorgante, que suportará as despesas dai decorrentes. […] Sintra, 12 de Junho de 1997. 1.º outorgante 2.º outorgante [constam quatro assinaturas por cima de selos fiscais] 6\ Em 2004, a ré adquiriu o prédio urbano descrito em 1, a CC e sua mulher EE. 7\ Em 07/02/2017, foi homologada, por sentença, transacção no âmbito do processo 14786, que correu termos no Juízo Central Cível de Sintra, com o seguinte teor: “Autores e réus acordam no seguinte: 1\ Tendo em consideração, a declaração junta pela actual proprietária do prédio objecto do presente litigio, o réu e RR reconhecem que os autores assumiram a posição de promitentes compradores no contrato de promessa outorgado no dia 31/03/1995 entre DD e FF na qualidade de promitente compradores e os aqui réus na qualidade de promitentes vendedores, por força do contrato de cessação da posição contratual outorgado no dia 12/06/1997, onde figuram os supra ditos DD e mulher como cedentes e os aqui autores como cessionários. 2\ Por força do que se deixou dito, o réu e RR reconhecem que os autores pagaram o sinal de 1.000.000$, correspondendo actualmente ao montante de 4.987,98€. 3\ Mais reconhecem os réus e a actual proprietária RR que os autores entregaram à Associação de Moradores do Bairro de GG o montante de 4.074,36€ por conta das obras de infra-estruturas e urbanização que no contrato de promessa ficaram a cargo dos promitentes-compradores. 4\ Os autores reconhecem e aceitam que a posição contratual, de promitente vendedor, no contrato de promessa de compra e venda datada de 31/03/1995 outorgado entre o identificado DD e mulher FF na qualidade de promitentes-compradores, e CC por si e em representação da sua mulher EE na qualidade de promitentes vendedores se transferiu, por força da transferência de propriedade do prédio rústico melhor descrito no artigo 1º da petição inicial, para RR. 5\ Autores e réus e RR acordam que se mantém em vigor, o contrato de promessa de compra e venda outorgado em 31/03/1995 com as alterações das posições contratuais acima referidas e reconhecidas. 6\ Autores, réus e RR acordam em alterar a cláusula 3ª do contrato de promessa de compra e venda no que respeita ao prazo para realização da escritura nos seguintes termos: “A escritura realizar-se-á no prazo de 60 dias a contar da data da conclusão das obras de urbanização, a qual será comunicada pela proprietária RR à aqui autora, AA por meio de carta registada com aviso de recepção.” 7\ Os autores desistem do demais peticionado nos presentes autos. 8\ Os réus aceitam a desistência do pedido referida em 7. 9\ As custas em divida a juízo serão suportadas por autores e réus, prescindindo ambos de custas de parte.” 8\ No dia 13/05/2022, a ré remeteu missiva à autora com o seguinte teor: Assunto: Custo do Lote 4 do loteamento Proc. N.º LT. 0000/1994 Informo que o processo de loteamento 0000/1994 está concluído, os lotes encontram-se registados, livres de ónus e/ou encargos. O loteamento foi recepcionado provisoriamente em Novembro e está previsto a recepção definitiva das obras realizadas a favor da Câmara Municipal de Sintra no final do ano. Os lotes são libertados para a celebração do contrato de promessa de compra e venda em existente. Nos termos dos contratos, são da responsabilidade dos promitentes compradores o pagamento das despesas/custos de urbanização e infra-estruturas. O loteamento teve os custos das infra-estruturas, provenientes do empreiteiro a quem foi adjudicado a obra, mais os custos da empresa de fiscalização, que fiscalizou a obra (uma exigência da Câmara Municipal de Sintra). E teve os custos de urbanização, que compreende todos os custos necessários para a conclusão do processo de loteamento, dando origem à criação dos 14 lotes, independentes, registados nas finanças e na Conservatória do Registo Predial, livres e desimpedidos para os futuros proprietários usufruir. As despesas apresentadas têm origem a partir do momento em que tomámos o controlo do processo de loteamento em meados de 2004. Assim temos os custos totais de: 
 O método adoptado de imputação dos custos, consiste em cada lote comparticipar na totalidade, na proporção da área total do lote. Assim temos: 
 Ao custo total de cada lote acresce o custo do distrate – 50€ cada. O custo total das infra-estruturas de urbanização correspondentes ao seu lote é de 26.743,24€. Somado ao valor do contrato de promessa de compra e venda ainda por liquidar de 16.000€, temos a quantia de 42.743,24€ - a liquidar no acto de outorga da escritura. Junto anexo: Tabela de custos discriminados; Caderneta Predial, e: Chave de Acesso à Certidão Permanente GP-…-…-…-…167 Assim, deixo a presente informação para analisar. Ficando a aguardar o seu contacto. 9\ A ré suportou o pagamento de 350.973,84€ com as infra-estruturas, no âmbito do processo de loteamento n.º 0000/1994. 10\ No dia 26/07/2022, o mandatário da autora remeteu missiva à ré, registada com aviso de recepção, com o seguinte teor: Pede-nos a Drª. AA que tomemos posição sobre a V/ carta datada de 13/05/2022, o que passamos a fazer. Assim, e depois de analisados os documentos que nos foram remetidos, temos que, e muito resumidamente, tanto o contrato promessa de 31/03/1995 como a cessão de posição contratual, de 12/06/1997, encontram-se em vigor e são, tal como redigidos, reconhecidos como válidos, tanto por V. Exa. como pela n/ Constituinte (tudo, por via da transacção judicial de 07/02/2017). Ora, decorre inequívoco, para nós, da evolução do texto do contrato promessa (que previa «livre de ónus e encargos excepto urbanização e infra-estruturas» para o texto da cessão de posição (que prevê «é feita livre de quaisquer ónus e encargos e com a urbanização e infra-estruturas pagas conforme recibo que se junta», contrato último este que teve como anexos os recibos referentes a "taxas de urbanização" pagas pelo cedente DD, que o único montante em falta, e a entregar aquando da realização da escritura, são os 3 milhões de escudos (14.963,94€). Note que não pomos em causa os "custos totais" que apresenta, nem teríamos, nesta fase, como o fazer, apenas, e partindo dos documentos que tenho comigo, não estou a dar por bom que seja a promitente compradora a ter de os suportar (ainda que na proporção da área do seu lote). Acresce, como é por demais evidente, que a n/ Constituinte tem sido particularmente lesada pela expressiva mora na conclusão desta compra e venda, que, além das expectativas de vida que foram defraudadas ao longo de todos estes anos, se viu na contingência de ter de incorrer em expressivas despesas com, inclusivamente, recurso a tribunal (não olvidando o desgaste e sofrimento a nível não só físico, mas, e sobretudo, moral, mental e psicológico). Mais aproveito para solicitar: i) Que explique a que distrate se refere porquanto da certidão permanente que fez o favor de enviar não resulta nenhum ónus a levantar; ii) Que esclareça que o valor remanescente em dívida ascende a 14.963,94€ e não aos 16.000€ que identifica na carta em resposta. Para o caso de preferir, deixo o meu endereço de correio electrónico, por modo a facilitar a troca de comunicações: […@...] Creia-me, ao dispor, Fico a aguardar o que tenha por conveniente, bem como uma proposta de data para a realização da escritura de compra e venda, 11\ No dia 03/08/2022, o mandatário da ré enviou mensagem de correio electrónico ao mandatário dos autores, com o seguinte teor: Incumbiu-me a minha cliente de lhe remeter o presente e-mail, em resposta à v/ missiva datada de 26/07/2022, que desde já agradeço. Quanto ao conteúdo da dita missiva, e com o devido respeito, não resulta da transacção alcançada na acção 14786/14, a leitura que está a fazer acerca do assunto em apreço. Para uma melhor compreensão, passaremos de forma sequencial a fazer a análise da transacção, ponto por ponto. Ponto 1: […] Resulta desta cláusula que a sua cliente passou a figurar no primitivo contrato promessa como promitente compradora e a minha cliente como promitente vendedora, respeitando o clausulado nesse contrato (sendo este unicamente o contrato que vincula as partes) Ponto 2: […] Daqui resulta que o único sinal que os promitentes compradores deram foram de 1.000.000$. Ponto 3: […] Está, portanto, reconhecido a entrega deste valor à Associação. Ponto 4: […] É clara esta cláusula, não merece qualquer comentário Ponto 5: […] Resulta desta cláusula que as partes reconhecem que o primitivo contrato-promessa se mantêm em vigor, apenas alterado quanto à identificação do promitente vendedor e do promitente comprador, que passam a ser na posição do promitente vendedor a D. RR e na posição de promitente comprador a cliente de V. Ex.ª. Ponto 6: […] Resulta desta cláusula que após a comunicação da conclusão das obras, a cliente de V. Ex.ª tem 60 dias para marcação e realização da escritura. Conforme se pode retirar do clausulado na transacção, o que se encontra em vigor, é o primitivo contrato promessa, unicamente com as alterações das partes que o compõem, sendo a minha cliente alheia e sem qualquer vinculação jurídica ao que se encontra clausulado no contrato de cessão da posição contratual, que só vincula as partes que o subscreveram. Resulta do artigo 4.º do contrato-promessa que “A escritura de compra e venda fica a cargo do 2.º outorgante, que suportará as despesas daí decorrentes, da sisa, das infra-estruturas e urbanização. Ainda resulta do artigo 6.º do contrato-promessa que “o prédio é vendido livre de ónus ou encargos, excepto urbanização e infra-estruturas e aprovado para construção. Em parte alguma da transacção se alterou esta realidade! Uma vez que os valores apresentados pela minha cliente, para além do valor do remanescente do preço, se referem a custos com as infra-estruturas (para além daquelas já pagas à associação), está a sua cliente obrigada contratualmente a suportá-los, sob pena de incumprimento definitivo do contrato, com as legais consequências. Mais informo que, nos termos do contrato o encargo da marcação da escritura é da cliente de V. Ex.ª, pelo que ficamos a aguardar pela marcação da mesma, advertindo desde já, que a minha cliente apenas assina a escritura contra a entrega no acto de um cheque bancário com o valor do remanescente do preço, acrescido dos custos das infra-estruturas. 12\ No dia 30/11/2022, a ré [quis-se escrever: a autora - TRL] enviou mensagem de correio electrónico para o endereço so@sapo.pt, com o seguinte teor: Caras RR e SO, Escrevo-lhes na sequência da vossa última comunicação, de 13/05/2022, que mereceu a resposta do meu advogado, de 26/07/2022. Lamento muito que, ao fim de mais de 20 anos, eu continue a ser massacrada com este negócio que é uma total desgraça para mim, tanto a nível financeiro como psicológico. Continuo, no entanto, com vontade de evitar recurso a tribunal, preferindo resolver o assunto de uma assentada, com pagamento imediato do que viermos a acordar, sendo certo que ainda aguardo que, da vossa parte, se confirme que não há qualquer valor de distrate a pagar (pois o lote não tem quaisquer ónus) e que reconheçam que o valor do contrato em dívida (3.000.000$) corresponde a 14.963,94€ e não aos 16.000€ que me pediram, na vossa carta de Maio. A estes dois temas, ainda sem resposta, acresce o tema do custo das infra-estruturas. Como sabem, entendo, de acordo com contratos assinados e recibos emitidos, que as mesmas não são por mim devidas. No entanto, e unicamente por forma a resolvermos o assunto, em não mais de 15 dias, após alcançarmos acordo, proponho dividirmos o custo das infra-estruturas que se propõem imputar-me (e com o qual não concordo) em 50% para cada parte. Acredito ser uma forma de ultrapassarmos o assunto, no imediato, ainda que reconheça que se sentirão, não diria tanto como eu, mas que se sentirão prejudicadas. Peço-lhes que acusem a recepção desta mensagem, para se evitar estarmos a trocar cartas registadas com aviso de recepção, Fico ao dispor para fechar o tema no imediato, marcando-se escritura e evitando anos de batalhas judiciais, 13\ No dia 04/12/2022, foi enviado através do endereço electrónico: so@sapo.pt, uma mensagem à autora AA, com conhecimento ao seu mandatário, com o seguinte teor: Em resposta ao seu email, somos a dizer que as condições para realizar a escritura foram as que lhe transmitimos no dia 13/05/2022, de acordo com a transacção feita em tribunal. Também não estamos para criar problemas a ninguém, no entanto, não podemos aceitar outra coisa que não seja o que ficou acordado na acta de audiência […] - a qual anexo. Na acta de audiência final consta as seguintes transcrições: TRANSACÇÃO "Ponto 1 - A D. RR e os réus. reconhecem a D. AA como promitente compradora... "Ponto 4 - A D. AA na qualidade de autores, reconhecem e aceitam a posição contratual, de promitente vendedor, no contrato promessa de 31/03/1995..." "Ponto 5 - Autores e réus e RR acordam que se mantém em vigor, o contrato promessa de 31/03/1995 com as alterações das posições contratuais... Após o transcrito, venho solicitar a marcação da escritura, num prazo máximo de sete dias, contra o pagamento do valor de 42.743.24€. Findo este prazo, consideramos o contrato resolvido - por incumprimento da parte da D. AA. 14\ No dia 14/12/2022, foi enviada pela autora uma mensagem de correio electrónico para o endereço so@sapo.pt, com o seguinte teor: Caras RR e SO, Tem consciência que não dou por bons os vossos argumentos. Tanto mais que tenho recibos emitidos pela Associação de Proprietários e Moradores, num total de 4.074,36€, relativos a taxas de urbanização pagas (recibos que foram juntos à cessão de posição contratual, que a SO não desconhece, e com base nos quais foi acordado que «A cessão de posição contratual é feita livre de quaisquer ónus ou encargos e com a urbanização e infra-estruturas pagas conforme recibo que se junta». Não pretender, nesta fase, aceitá-lo, nem tão pouco negociar, é algo que me transcende e que não esperava da vossa parte. Acresce que desde Julho que venho sucessivamente, sempre sem qualquer tipo de resposta da vossa parte, alertando que está em falta: 1\ Rectificar a conversão de escudos para euros; 2\ explicar porque pretendem cobrar custos com a desoneração do lote que está... desonerado; Não esclarecer, não negociar, ignorar as taxas já pagas, consubstancia incumprimento da promitente vendedora, o que, a não ser sanado, irei invocar, Fico a aguardar, 15\ A ré nunca justificou à autora a que se referia o distrate, bem como a divergência de valores na sequência da conversão de escudos para euros. 16\ A ré na contestação apresentou os comprovativos das quantias solicitadas a título de despesas de urbanismo e infra-estruturas. * Da impugnação da decisão da matéria de facto Os autores entendem, nas conclusões c\ e d\ do recurso, que devem ser aditados dois factos aos factos provados, quais sejam: 15: A ré nunca justificou à autora a que se referia o distrate, bem como a divergência de valores na sequência da conversão de escudos para euros. 16: A ré nunca apresentou à autora os comprovativos das quantias solicitadas a título de despesas de urbanismo e infra-estruturas, a não ser em sede de contestação, no âmbito dos presentes autos. A fundamentação desta pretensão é a seguinte: Dos emails juntos pela ré como docs. 2 e 3, os quais constam dos factos 11 e 13, resulta expressamente que nunca foi explicada à autora a origem daqueles montantes nem foi apresentado qualquer fundamento para o seu pagamento. Aliás, se atentarmos no email enviado pelo mandatário da ré a 03/08/2022 [facto 11], do último parágrafo resulta, sim, um ultimato feito pela promitente-vendedora, aqui ré. Isto sem que a ré tenha respondido, em concreto, à carta enviada pelo mandatário da autora a 26/07/2022 (cf. facto 10) e sem que tenha justificado os valores em causa. Aliás, a ré nunca esclareceu a que se referia o distrate, dúvida que se mantém até hoje uma vez que o prédio foi prometido vender livre de quaisquer ónus e encargos, assim como também nunca explicou a divergência de valores na sequência da conversão de escudos para euros. E quanto aos montantes solicitados a título de urbanismo e infra-estruturas, apenas respondeu em sede de contestação, ou seja, já no decurso do presente processo, não obstante as inúmeras interpelações e prévias tentativas de resolução extrajudicial. O que apenas revela a má fé da ré, pois aparentemente sempre teve esse comprovativo em sua posse, sendo que podia tê-lo enviado à autora antes que esta precisasse de recorrer aos meios judiciais. E como se não bastasse o ultimato feito no último § do doc. 2 (cf. facto 11), a ré voltou a demonstrar a sua intransigência no email que remeteu à autora em 04/12/2022, conforme doc.3 junto com a contestação (cf. facto 13). A ré contrapõe o seguinte: Lamentavelmente os autores fazem tábua rasa do acordo alcançado no início da audiência final, em que as partes acordaram o seguinte: […] Do exposto resulta que foram aceites por acordo o montante gasto pela ré nas infra-estruturas do processo de loteamento, assim como o valor pago a título de sinal pelos autores, sendo, portanto, matéria assente por acordo. Resulta, ainda, do supra-referido que foi prescindido pelas partes a produção de qualquer prova testemunhal. […] Dito isto, no que concerne aos demais factos dados como provados, restava ao tribunal a quo a apreciação dos documentos juntos pelas partes, que no entendimento da ré são absolutamente esclarecedores no que tange ao comportamento dos autores, no que tange ao objecto da presente acção. Conforme se pode retirar da simples leitura das alegações dos autores, eles não colocam em causa dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, apenas pretendem que se adicione dois factos à matéria dada como provada, nomeadamente que se prende com a despesa com o distrate, assim como com os comprovativos das quantias solicitadas a título de despesas de urbanismo. Acontece, porém, que tais factos não poderiam ser dados como provados, porque nenhuma prova foi feita pelos autores, ónus que sobre si impedia. […] A ré apresentou, em tempo útil, a tabela discriminativa das despesas com as infra-estruturas e urbanização, conforme consta do facto 8, onde se inclui a despesa com o distrate. A origem dessas despesas decorre do processo de loteamento 4016/1994, onde a ré suportou 350.973,84€, valor proporcionalmente repartido entre os proprietários dos lotes. Da documentação junta e apreciada pelo tribunal resulta que os autores nunca impugnaram verdadeiramente os valores apresentados, mas, ao contrário das obrigações a que estavam vinculados, entendiam que não eram responsáveis pelo pagamento das despesas com as infra-estruturas. Deste modo, não se vê fundamento, ou razão de ciência para que seja alterada a factualidade dada como provada. Apreciação: Antes de mais, deixe-se consignado o seguinte: Na acta da audiência final consta o seguinte [sem que tivesse sido produzida qualquer prova até então]: […] pelas [partes] foi pedida a palavra e, no seu uso, disseram ter alcançado um consenso, quanto a alguns pontos do litígio, nos seguintes termos: 1\ Os autores admitem que a ré tenha suportado a quantia de 350.973,84€ com infra-estruturas, no âmbito do processo de loteamento 4016/1994; 2\ A ré reconhece que foi pago pelos autores, a título de sinal, no âmbito do contrato de promessa de compra e venda, a quantia de 1.000.000$; 3\ Relativamente aos demais temas de prova indicados em sede de despacho saneador, entendem as partes que se trata de matéria de Direito, pelo que prescindem da prova testemunhal, indicada nestes autos. De imediato, pela Sr.ª juíza foi proferido, em suma, despacho julgando validamente prescindida a inquirição da prova testemunhal arrolada, nestes autos. Posto isto e não existindo outra prova a produzir, pela Sr.ª juíza foi concedida a palavra aos mandatários presentes para, querendo, proferirem alegações finais, o que fizeram […]. Na sentença, quanto à decisão de facto, consta a seguinte fundamentação: A convicção do tribunal assentou na ponderação conjunta da prova a seguir indicada e no uso das regras da experiência e da normalidade dos comportamentos humanos, sem prejuízo, evidentemente, da consideração das regras legais sobre o ónus da prova. Assim, o tribunal sedimentou a sua convicção quanto à factualidade dada como provada, no teor dos documentos juntos aos autos, bem como, na admissão por acordo das partes, nos moldes constantes dos respectivos articulados e em sede de audiência de julgamento, conforme decorre da respectiva acta. Posto isto, Das alegações dos autores decorre que eles, na respectiva argumentação, só estão a utilizar factos provados. Ou seja, eles extraem dos factos provados outras conclusões de facto, o que é legítimo face ao disposto no art. 607/4 do CPC: Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Ora, como se vê do facto 8, a ré exigia dos autores o pagamento de 50€ para um distrate, bem como 16.000€ que ainda faltavam liquidar do preço da venda prometida, o que, somado ao custo da infra-estruturas, da responsabilidade dos autores, de 26.693,24€, dava o total de 42.743,24€. Decorre do facto 10 que a autora, em resposta, pediu à ré que explicasse a que distrate se refere porquanto da certidão permanente que tinha enviado não resulta nenhum ónus a levantar, bem como que esclarecesse o valor remanescente em dívida, que ascende a 14.963,94€ (= 3.000.000$ = facto 2/3.ª - TRL] e não aos 16.000€ que identifica na carta em resposta. Na resposta do facto 11, a ré nada diz quanto ao distrate nem quanto ao erro do valor do preço em falta. Decorre do facto 12, que a autora volta a pedir esclarecimento das questões do distrate e do erro do valor do preço em falta. Na resposta do facto 13, a ré volta a não dizer nada quanto às questões do distrate e do erro do valor do preço em falta e insiste na exigência do pagamento de 42.473,24€, que inclui o valor do distrate e do preço em falta errado. Assim, não pode deixar de se concluir, como fazem os autores, que: 15: A ré nunca justificou à autora a que se referia o distrate, bem como a divergência de valores na sequência da conversão de escudos para euros. Contra isto não valem as objecções da ré: o acordo obtido na audiência final, não impede que se extraiam dos factos provados outros factos, nos termos das operações referidas no art. 607/4 do CPC, mesmo sem prova testemunhal. E da tabela constante do facto 8 não é verdade, ao contrário do que a ré diz, que conste o custo do distrate, porque o texto é claro, aparecendo o custo do distrate depois dessa tabela, sendo que, de qualquer modo, a inclusão na tabela não esclareceria a que é que se referia o distrate. Pelo que este facto deve ser aditado. * Quanto à matéria do facto 16: Resulta da carta do facto 10, que a autora não tinha os comprovativos das despesas alegadas pela ré, mas também que não os pede, dando apenas a conhecer tal facto à ré. Resulta da carta do facto 12 que a autora se propõe dividir com a ré esse custo, pelo que o está a aceitar, e não exige quaisquer comprovativos. Resulta da carta do facto 14 que a autora se queixa apenas da falta de vontade de negociar da ré. Das respostas da ré que constam dos factos 11 e 13 decorre que ela nunca enviou quaisquer comprovativos. Na contestação, a ré só invoca as respostas transcritas nos factos provados e acrescenta: (29) Nunca os autores pediram as facturas e os respectivos recibos das despesas das infra-estruturas e urbanização. (30) No entanto, para que dúvidas não existam que as mesmas são reais e se encontram totalmente pagas pela ré, e por referência à tabela em Excel que seguiu junto com a carta que os autores juntaram com a P.I. como doc. n.º 5, a ré requer a sua junção como doc. n.º 4 [sendo que tal documento consta de 105 folhas de facturas, recibos e outros comprovativos de despesas - TRL] (31) E bem sabem os autores que a ré não inventou as despesas, porque as obras das infra-estruturas e de urbanização encontram-se executadas no loteamento para quem as quiser ver e/ou ‘peritar’.” Assim, aquilo que os autores querem que se dê como provado, está apenas parcialmente provado, já que não lhe pode ser dado o sentido que os autores pretendem com as expressões ‘nunca’ e ‘a não ser’, isto para além do que já resulta dos factos 10, 12 e 14 (isto é, que tais documentos nunca foram pedidos à ré). Pelo que deve apenas ser aditado que: 16\ A ré na contestação apresentou os comprovativos das quantias solicitadas a título de despesas de urbanismo e infra-estruturas. * Do recurso sobre matéria de direito A sentença julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente com uma extensa fundamentação, que este TRL sintetiza assim: A ré assumiu o papel de promitente vendedora e os autores o papel de promitentes compradores (por força da cessão da posição contratual por parte dos autores e daquilo que consta da transacção quanto à ré), sendo que inexiste qualquer divergência entre as partes que estamos perante um contrato promessa de compra e venda (cf. artigo 410/1 do CC) de um lote de terreno. Resulta do contrato promessa de compra e venda que incumbia aos autores procederem à marcação da escritura, o que os autores não fizeram pois não concordavam com o valor peticionado pela ré a título de infra-estruturas e despesas de urbanização. O contrato promessa é claro, no que diz respeito às despesas de infra-estruturas e urbanização, quando estabelece que as mesmas eram da responsabilidade do promitente comprador. Tendo a ré despendido 26.693,24€ a título de infra-estruturas e despesas de urbanização, incumbia aos autores o seu ressarcimento. A 26/07/2022, foi remetida à ré uma carta registada com aviso de recepção, em representação da autora, em que eram solicitados esclarecimentos: (i) a que título seria devido o montante das despesas com a urbanização e infra-estruturas (no valor de 26.743,24€), uma vez que, na cessão da posição contratual ficou estipulado que essas despesas se encontravam pagas; (ii) a que distrate (com o custo adicional de 50€) a ré se referia, uma vez que o prédio é vendido desonerado; e (iii) esclarecer que os 3.000.000$ (valor em dívida) correspondem a 14.963,94€ e não a 16.000€. Ao contrário do que os autores alegaram, a ré respondeu a tal missiva, sendo que, mesmo assim, os autores não cuidaram de marcar a respectiva escritura pública. O que vincula as partes em litígio é o teor do contrato-promessa e o teor da transacção. Nem sequer foi alegado pelos autores que o promitente vendedor tenha tido conhecimento do teor da cessão da posição contratual. Aliás, face ao teor da transacção poderá concluir-se que tal não terá sucedido. A ser assim, a conclusão a extrair é que a ré não teve qualquer intervenção na cessão. Os autores nada alegaram quanto ao consentimento dado pelo promitente-vendedor à cessão, sendo certo que, por se tratar de um facto constitutivo do direito do autor, sobre ele impendia, nos termos do disposto no artigo 342/1 do CC, o ónus de alegação e prova desse consentimento. Desta forma, temos que a ré reconheceu a posição dos autores no âmbito do processo judicial, nada mais se apurando. Não assiste aos autores o direito à execução específica do contrato promessa, porque, nos termos do artigo 441 do CC, no contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento, o que in casu se verificou. Ora, nos termos do artigo 830/1-2 do CC, havendo lugar a sinal, como foi o caso, não se inserindo o contrato promessa de compra e venda em apreço na previsão do disposto no artigo 410/3 do CC, pela sua substância (dado que o mesmo incide sobre um lote de terreno e não sobre edifício ou fracção autónoma) e não tendo sido expressamente convencionada a possibilidade de qualquer das partes recorrer à execução específica do contrato, em caso de incumprimento do mesmo por uma das partes, não assiste aos autores o direito à execução específica do referido contrato promessa de compra e venda (conforme decidido no acórdão do TRP de 24/03/1992, BMJ 415.º-721 [“Celebrado um contrato promessa de compra e venda do direito e acção a metade indivisa de um prédio rústico, onde os promitentes compradores visavam implantar uma construção, e constando do contrato a entrega por estes de uma importância a título de sinal, a respectiva tutela jurídica há-se encontrar-se no disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 830.º do Cód. Civil, não lhe sendo aplicável o regime excepcional do n.º 3 do mesmo artigo, uma vez que o objecto do contrato era um terreno destinado a construção e não um edifício a construir.”], e no ac. do STJ de 04/04/2006, VII: “No caso concreto, foi convencionado sinal, pelo que não podem os autores exigir agora o “cumprimento funcional” do contrato por via da execução especifica, isto porque, a promessa de venda de um lote de terreno, mesmo que um terreno destinado à construção, se trata de algo muito diferente de um edifício em construção ou a construir, não se enquadrando no caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 830.º do Código Civil” [publicado apenas o sumário no sítio do STJ da internet, revista 602/06 – parenteses deste TRL]). Alega a ré que, face ao comportamento dos autores, perdeu a confiança e, atenta essa realidade e o tempo decorrido perdeu o interesse na celebração do contrato definitivo. Dos factos provados resulta que impendia sobre os autores o pagamento das infra-estruturas e dos custos de urbanização e a marcação de escritura pública de compra e venda do imóvel. Porém, decorrido o prazo para o efeito não marcaram a respectiva escritura, entrando assim em mora, ou seja, em incumprimento não definitivo. Ora, atentas estas diligências efectuadas pela ré, tendo em consideração a data em que contrato promessa foi celebrado e o tempo entretanto decorrido até à presente data, é legítimo que a ré tenha perdido, objectivamente, o interesse na realização do contrato definitivo, que objectivamente tenha desaparecido essa necessidade de celebração, pelo que não poder-se-á deixar de considerar definitivamente não cumprida a obrigação por parte dos autores, por culpa destes. De outra vertente apreciada, o facto de os autores não pretenderem proceder ao pagamento das infra-estruturas e custos de urbanização consubstancia a adopção de uma conduta manifestamente incompatível com o cumprimento, ou seja, integra uma recusa por parte dos mesmos, de cumprirem a prestação que sobre os mesmos impendia. Ora, quando tal ocorra, não se torna necessário que o credor, ora ré, desse aos devedores, ora autores, um prazo suplementar para haver incumprimento definitivo, sendo a conduta dos autores suficiente para se verificar o incumprimento definitivo e culposo dos mesmos. Não obstante, o certo é que, no dia 04/12/2022, a ré remeteu mensagem de correio electrónico à autora, dando um prazo suplementar de 7 dias para marcação da aludida escritura, o que mais uma vez não aconteceu. Nessa medida, o incumprimento culposo dos autores confere à ré o direito à resolução do contrato-promessa, devendo a mesma ser declarada, conforme pedido. Nos termos do artigo 442/2 do CC, “Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue (…)”. Resulta dos factos provados, que nos termos do contrato-promessa, foi liquidado pelo promitente comprador a quantia de 4.987,98€, a título de sinal e princípio de pagamento; uma vez que o incumprimento definitivo é apenas imputável aos autores, tem a ré direito a fazer sua a aludida quantia. Nesta parte, as conclusões dos autores são as seguintes conclusões [que se transcrevem na parte útil]: e\ Do contrato-promessa de compra e venda resulta expressamente, do respectivo art. 6.º, que o prédio estava aprovado para construção. f\ Deste modo, na sequência do loteamento, tratando-se o prédio prometido vender de um lote de terreno para construção, o qual é passível de edificação/construção, o mesmo está abrangido pelo disposto no art. 410/3 do CC, uma vez que este preceito se refere expressamente a edifícios a construir, aqui se incluindo os edifícios que se encontram projectados em terreno para construção já aprovada, como é o caso dos presentes autos. g\ É falso que a ré tenha facultado todos os elementos necessários para a escritura. h\ Continuam por responder, à data de hoje, as seguintes questões, a saber: a que é que se referia o distrate, dado que o prédio foi prometido vender livre de quaisquer ónus e encargos, bem como a divergência de valores na sequência da conversão de escudos para euros. i\ E quanto aos montantes solicitados a título de urbanismo e infra-estruturas, a ré apenas respondeu em sede de contestação, ou seja, já no decurso do presente processo, não obstante as inúmeras interpelações e prévias tentativas de resolução extrajudicial por parte dos autores. j\ Pelo que é falso que os autores estivessem em situação de incumprimento definitivo. k\ O que sucedeu foi que a ré, ao não facultar a devida e necessária informação, entrou em mora. l\ Não obstante, exigia aos autores que se apresentassem na escritura com um cheque que contemplasse aquelas quantias não fundamentadas. m\ De referir que, no contrato-promessa, podem ser estipuladas obrigações autónomas, as quais poderão ser invocadas pelos outorgantes, inclusive após a realização do contrato definitivo. n\ O pagamento dos valores em falta relativos a infra-estruturas e urbanização consubstanciam deveres secundários de prestação, os quais são autónomos da prestação principal, pelo que a execução específica do contrato-promessa aqui em apreço poderia inclusive fazer-se independentemente do pagamento dessas quantias. o\ De notar, contudo, que os autores só não tinham pago (ainda) esses montantes, porque a ré não tinha apresentado as facturas/recibos que os justificavam, tendo-os juntado somente com a contestação. p\ Conforme resulta do email enviado pelo mandatário da própria ré (facto provado 11), esta aceitou plenamente que, na sequência daquela transacção judicial, os aqui autores passaram a configurar naquele contrato como promitentes-compradores, pelo que essa questão nem deveria ter sido trazida pelo tribunal a quo. q\ Os autores pretendem adquirir o lote de terreno para construção objecto dos presentes autos, pagando para o efeito os referidos montantes, mediante o dever de efectuar a prestação principal, que se traduz no pagamento do remanescente do preço, bem como cumprindo os deveres secundários de prestação, que se traduzem no pagamento das quantias a título de infra-estruturas e urbanização. r\s\ Sucede que, à data de hoje, a ré não se dignou explicar a que título pretende ser ressarcida de um distrate de um ónus inexistente nem se digna rectificar a errada conversão que fez de 3.000.000$ para euros e exigiu que o cheque bancário deveria contemplar o (inexistente) distrate e a (errada) conversão de escudos para euros. t\ O que comprova que era a ré quem estava em mora. […] x\ Pelo que, (i) tratando-se o prédio aqui em apreço de um lote de terreno para construção, (ii) o qual é abrangido pelo disposto no art. 410/3 do CC, (iii) estando a ré em mora e inexistindo incumprimento definitivo dos autores, (iv) mantendo os autores o interesse em adquirir o prédio, (v) deve decidir-se pela execução específica do respectivo contrato-promessa de compra e venda. […] Em contraponto, a ré limita-se, no essencial, a aderir ao que é dito na sentença recorrida. Apreciação: O argumento de direito da sentença para a improcedência da acção é suficiente para o efeito. Ou seja, o art. 830/3 do CC apenas impede o afastamento presumido do direito à execução específica, por força da existência do sinal, nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410 do CC e este respeita a promessa respeitante a edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir. Ou seja, está a referir-se a promessas que tenham por objecto um edifício, nem que seja em projecto. Não um simples lote de terreno aprovado para construção. Para além dos dois acórdãos invocados nesse sentido pela sentença recorrida, veja-se no Comentário ao CC, Direito das Obrigações, das Obrigações em geral, da UCP/FD/UCE, 2018, pág. 82, Ana Afonso que escreve: “O n.º 3 aplica-se pois também a prédios rústicos desde que para estes esteja projectado um edifício sobre que incida o contrato-promessa (cf., por exemplo, ac. do TRC 24/09/2013, CJ n.º 257, IV, 2013 [que será o proc. 881/10.0TBLRA.C1 – parenteses deste TRL],” que se refere a um caso em que o objecto da promessa era um lote de terreno para construção de um prédio, com as áreas de 222 m2 de implantação e de 999 m2 de área total de construção, com quatro pisos acima da cota da soleira e oito fogos, designado por lote nº …, constando o mesmo agora em planta de loteamento individual com o nº …, como consta em planta de localização que faz parte integrante deste contrato […]” (transcrição da cláusula segunda do contrato-promessa).” Os autores começam por aqui a impugnação da sentença nesta parte, mas sem razão, porque quer na PI, quer nos factos provados, não se fala nunca em qualquer edifício projectado: o contrato-promessa em causa nos autos tem por objecto um lote de terreno aprovado para construção, não um edifício com projecto aprovado para construção. A jurisprudência indicada pelos autores – no corpo das alegações: ac. do TRP de 08/05/2006, proc. 0651928, e ac. do TRL de 08/10/2009, proc. 3161/04.6TMSNT.L1-8 - não tem a ver com a situação dos autos. Basta ver que no ac. do TRP se diz que no lote de terreno objecto do contrato promessa se “ia construir um prédio (casa) segundo planta e caderno de encargos anexo a esse contrato e que prometia vender ao autor marido o tal prédio”, e no ac. do TRL se refere que “por escrito […] a ré declarou prometer vender à autora que, por sua vez, declarou prometer comprar-lhe, pelo preço de 239.422,99€ a fracção autónoma correspondente ao andar A com um parqueamento no piso -4 e uma arrecadação no piso técnico […].” Tanto basta para a improcedência do recurso quanto à acção. * Quanto à reconvenção. Os autores deviam marcar a escritura do contrato definitivo no prazo de 60 dias a contar da data da conclusão das obras de urbanização, a qual seria comunicada pela proprietária à autora por meio de carta registada com aviso de recepção (facto 7/6.ª). No dia 13/05/2022, a ré remeteu à autora uma carta com esse sentido (facto 8), carta a que a autora respondeu a 26/07/2022 (facto 10), pelo que a recebeu pelo menos nesse dia. Em consequência devia ter marcado a escritura para, pelo menos, 26/09/2022. Não o fez (como resulta dos factos subsequentes até 14 inclusive), entrando em mora no cumprimento do contrato. A 04/12/2022, a ré enviou à autora uma carta a solicitar a marcação da escritura, num prazo máximo de sete dias, contra o pagamento do valor de 42.743.24€. Findo este prazo, considerava o contrato resolvido - por incumprimento da parte da autora (facto 13). Ou seja, a ré fez uma interpelação cominatória à autora, que, junto com o subsequente não cumprimento naquele prazo (razoável para a marcação de uma simples escritura) – não cumprimento/não marcação da escritura que é assumido na PI e resulta implícito do facto 14 - fez que se passasse a considerar para todos os efeitos não cumprida a obrigação (art. 808/1 do CC) e, por isso, tornou válida a resolução do contrato anunciada antecipadamente para o fim do prazo (art. 801/2 do CC), dando à ré o direito de fazer sua a quantia entregue a título de sinal (art. 442/2 do CC). O que antecede, justifica, em princípio, a procedência da reconvenção. A isto os autores opõem, no entanto, uma série de argumentos que se passam a considerar, mas antes diz-se ainda que a resolução tem que ser comunicada às contrapartes (art. 436/1 do CC) e não se mostra efectuada ao autor – apenas à autora -; mas a questão não tem relevo visto que a notificação da reconvenção aos autores serve para o efeito (aplicação analógica do art. 610/2-b do CPC). Para além disso, o autor não levantou a questão da falta de comunicação da interpelação cominatória. Quanto aos argumentos dos autores veja-se então: É certo que a ré estava a exigir o pagamento de um valor superior àquele a que tinha direito como contrapartida para assinar a escritura, pedindo o pagamento de, para além das despesas de urbanização e de infra-estruturas, 50€ de um distrate que não dizia a que é que se referia e que os factos provados não permitem considerar justificado, e 16.000€ do remanescente do preço de venda, quando o remanescente era apenas de 14.963,94€. E, ao contrário do que diz a sentença e a ré, esta não se dignou, justificar a exigência abusiva dos 50€ + 1.036,06€, como resulta da carta do facto 11 (onde não dizia uma palavra que fosse quanto ao distrate nem quanto à discrepância do remanescente do preço) e foi agora aditado expressamente no facto 15. Aliás, os autores têm ainda razão quando dizem que, ainda hoje, a ré não explicou a exigência dos 50€ do distrate e não se dignou admitir – nem mesmo nas contra-alegações do recurso - o erro de conversão dos 3.000.000€ em 16.000€. No entanto, também mal, a autora não queria pagar os 26.743,24€ de despesas de urbanização e de infra-estruturas, sugerindo, mal, (i) ou que já estariam pagas ou (ii) a dúvida de que fosse ela a ter de pagar tais despesas, como resulta da carta do facto 10, tudo sem suporte para o efeito, como até resulta do facto de a autora ter dúvidas e não certezas quanto à questão das despesas, sendo que as dúvidas não se justificam, muito menos com a invocação do contrato de cessão da posição contratual, em que a ré era terceira, não podendo ser afectada por ele, como explica a sentença recorrida. De resto, agora, no recurso, os autores nem sequer discutem a questão (como se vê da conclusão q\, o que aliás é contraditório com a pretensão, formulado no recurso, da procedência da acção contra o pagamento de, apenas, o remanescente do preço). Ou seja, ambas as partes se comportaram mal no período posterior à assunção das posições no contrato-promessa, mas enquanto a ré queria apenas mais 1086,06€ do que os devidos 41.657,18, já a autora não queria, mal, pagar 26.734,24€ daquilo que devia pagar. O que é uma diferença enorme: a ré queria a mais 2,60%, os autores não queriam pagar 64,18% do devido. Por outro lado, na 1.ª resposta – a carta do facto 11 – a ré acaba por apenas falar, a final, no valor do remanescente do preço, sem insistir que ele era de 16.000€, e nas despesas, sem se referir aos 50€ do distrate. Portanto, na carta do facto 11 a autora podia ter lido, querendo, que a ré tinha deixado de lado a exigência do distrate e remanescente do preço errado, podendo, por isso, ter marcado a escritura de compra e venda definitiva e se, nessa altura, a ré não tivesse aceite o pagamento de apenas 41.657,18€, incorreria na recusa injustificada da celebração do contrato e os autores já poderiam agir em conformidade. Os autores, em vez disso, quiseram forçar a ré a desistir de ½ dos 26.734,24€, como se vê das cartas dos factos 12 e 14. Tendo, por isso, os autores já estado em condições de poder marcar a escritura na perspectiva de pagarem apenas o que de facto deviam, o facto de a ré, perante a exigência abusiva da autora de não querer pagar 64,18% dos valores devidos, ter voltado, na carta que serviu de interpelação cominatória do facto 13, a exigir o pagamento dos 42.743,24€, isto é, com uma exigência abusiva de apenas 2,60% dos valores em dívida, não se justificava que os autores aguardassem a mudança de posição da ré, como resulta da carta do facto 14. Dado que o que estava em causa era apenas 2,60% do preço devido e a ré já antes tinha enviado uma carta sem fazer referência a tal excesso, os autores, tendo em conta as exigências da boa fé (art. 762 do CC) e a escassa importância do excesso (tem-se em conta o critério da parte final do disposto no art. 802/2 do CC embora para uma situação algo diferente), teriam que marcar a escritura e apresentarem-se a pagar o que era devido, sem o excesso, e perante a recusa da ré a aceitar o pagamento, se ela acontecesse - o que não era provável face ao comportamento passado e à falta de sentido de exigir 16.000€ como correspectivo de 3.000.000$ e de pedir 50€ sem invocar nenhum distrate em concreto -, já podiam agir em conformidade. Assim, não se aceita a justificação dos autores para não terem, no prazo fixado na interpelação cominatória, marcado a escritura, com o que preencheram a condição da resolução do contrato comunicada pela ré na carta do facto 13. Quanto ao argumento de que a ré apenas na contestação apresentou os comprovativos das despesas de infra-estruturas e urbanização, o que é verdade como resulta do aditamento do facto 16, ele não tem valor, porque os autores, como se vê das cartas transcritas e já muito referidas, nunca pediram à ré esses comprovativos e nunca os puseram em causa, não sendo pois verdade o que agora os autores dizem, de que só não tivessem pagado as despesas porque a ré não tinha apresentado os comprovativos. Quanto ao argumento de que a compra e venda podia ser celebrada sem o pagamento das despesas de urbanização e infra-estruturas, não há qualquer cláusula contratual da qual possa decorrer que essas despesas, contrapartida da venda, não tivessem que ser pagas pelo menos em simultâneo com a outorga do contrato definitivo. Em suma, confirma-se que a procedência da reconvenção se justifica, sendo afastadas todas as razões dos autores em sentido contrário. * Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente. Custas, na vertente de custas de parte (não há outras), pelo autores, que perdem o recurso. Lisboa, 23/10/2025 Pedro Martins Susana Maria Mesquita Gonçalves Fernando Alberto Caetano Besteiro  |