Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | ADEODATO BROTAS | ||
| Descritores: |  RESPONSABILIDADE CIVIL EXEQUENTE CULPA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: |  Sumário (artº 663º nº 7 do CPC) 1-A necessidade de concretização da culpa, enquanto pressuposto da responsabilidade civil do exequente, nos termos do artº 858º do CPC, decorre do próprio preceito que, expressamente, refere que responde pelos danos culposamente causados ao executado se não tiver actuado com a prudência normal, v.g, não se inteirando sobre a verificação da exigibilidade obrigação exequenda. 2- Desde a Reforma de 95 que a evolução do tipo de ilícito do artº 542º nº 2 al. a) do CPC, deixou de ser o conhecimento efectivo quanto à falta de fundamento e passou a ser a exigibilidade desse conhecimento: a parte litigará de má-fé se, não obstante não conhecer a falta de fundamento, de facto ou de direito da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse. 3- A má-fé processual a que se reporta o tipo da alínea b) do artº 542º nº 2 do CPC, consubstancia-se na alteração intencional de factos ou, ainda, na alegação errada ou incompleta da realidade dos factos fundada numa grosseira indagação dessa mesma realidade. 4-Para que se possa concluir pela aplicação da alínea c), do nº 2 do artº 542º, exige-se que a parte omita, dolosa ou negligentemente, uma conduta que era devida em cumprimento do dever de cooperação e, para além disso, que essa actuação possa ser considerada grave. 5- A verificação o tipo de ilícito da al. d), do artº 542º nº 2 do CPC, exige, por um lado, que a parte faça um uso manifestamente censurável do processo ou dos meios processuais e, por outro, requer uma intencionalidade específica, ou seja, dolo ou elemento subjectivo específico: a parte, ao usar o processo de modo manifestamente reprovável tem de ter querido atingir, finalisticamente, um dos fins concretamente indicados na norma: um objectivo ilegal, ou impedir a descoberta da verdade, ou entorpecer a acção da justiça ou protelar o trânsito em julgado da decisão.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO 1-Intrum Debt Finance Ag, representada por Intrum Portugal, Unipessoal, Lda, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, contra AA e BB, visando a cobrança coerciva 7 125,37€ de capital acrescida de 12,18€ de juros vencidos. Alegou, em síntese, que por efeito de contrato de cessão de créditos, o Banco Comercial Português, SA e, o Banco de Investimento Imobiliário, SA, lhe cederam diversos créditos, entre os quais um crédito sobre os executados, titulado por livrança subscrita pelos executados, que preencheu com data de vencimento de 04/04/2020, pelo montante de 7 125,37€. 2-Tentada a penhora de saldos de contas bancárias e de pensões, não foi possível. Tentada a penhora de móveis não sujeitos a registo, não se concretizou. 3-Com data de 26/11/2021, o executado apresentou requerimento na execução dizendo ter beneficiado da exoneração do passivo restante no processo da sua insolvência que correu termos sob o nº 1447/11.2TCLRS do 6º juízo cível de Loures e requer seja proferido despacho a desresponsabilizado pela dívida exequenda. 4-Com data de 06/09/2022 foi solicitada a penhora eletrónica do veículo automóvel de matrícula …-05-…. A penhora foi registada a 07/09/2022. 5- Com data de 15/09/2022 foi enviada ao executado citação para a execução e para os termos da penhora. 6- Em 03/10/2022 o executado apresentou oposição à penhora, oposição à execução na qual pediu a condenação da exequente como litigante de má-fé. Alega, em síntese, que se apresentou à insolvência e, nesse processo figurava como credor, o BCP, SA, que foi citado para reclamar créditos e não o fez; foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante e esse despacho foi notificado ao BCP, SA, bem como foi notificado, a 06/12/2011, do despacho de encerramento da insolvência por inexistência de bens. O crédito do BCP, SA foi cedido em 04/03/2016 à ora exequente; por lapso do juiz da execução não foi proferida decisão final sobre a exoneração do passivo restante, mas, não obstante, a dívida ao BCP SA deve ser considerada extinta. Alega que a exequente litiga de má-fé, nos termos do artº 542º nº 2, alíneas a), b), c) e d), dizendo que cometeu uma falha grave ao instaurar a execução sem averiguar o encerramento do processo de insolvência do executado e ao preencher ilegal e abusivamente a livrança que havia sido entregue pelo executado, em Julho de 2007, como garantia para um empréstimo pessoal; a exequente tinha a obrigação de saber que a execução seria ilegal e, mesmo alertada pelo requerimento do executado, de 16/11/2021, nada fez para impedir o prosseguimento da execução. Sente-se revoltado e indignado e teme que, para além do seu veículo automóvel, venham a ser penhorados outros bens. Sente grande preocupação e ansiedade, tem pesadelos, dores de cabeça e está em depressão. Pede a condenação da exequente como litigante de má-fé e no pagamento de uma indemnização de 4 500€ por danos não patrimoniais e, 500€ de honorários de advogado. 7- A exequente contestou os embargos a 03/11/2022. Diz que fez todas as diligências ao seu alcance para garantir que nada obstava à apresentação da execução, como averiguar a existência de processos especiais de revitalização, de processos especiais de acordo de pagamento, processos de viabilização de empresa ou de insolvência em nome dos executados e, nessa pesquisa não obteve quaisquer resultados. Apenas a existência do despacho final de exoneração do passivo restante importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência e, no caso, não foi proferido esse despacho, o que pode ser imputado ao executado porque nada requereu durante 10 anos ao processo da sua insolvência. 8- A 26/04/2023, o executado veio ampliar o pedido de condenação da exequente como litigante de má-fé, dizendo que a 16/01/2023 lhe foi apreendido o livrete do veículo penhorado e ficou privado de poder utilizá-lo e, por isso, deverá ser-lhe atribuída indemnização correspondente a 30€ diários pela privação do uso do veículo que, até 26/04/2023, perfaz 101 dias. 9- Em 28/08/2023, foi junto aos autos certidão do despacho proferido no processo de insolvência do executado, datado de 19/01/2023, a conceder ao insolvente a exoneração do passivo não pago constituído em data anterior à declaração de insolvência. 10- A exequente desistiu da execução por requerimento de 07/12/2023. 11- Havia sido apreendido ao executado, em 16/01/2023, o livrete do veículo penhorado, ficando fiel depositário desse veículo. 12- Foi levantada a penhora do veículo a 27/12/2023. Foi ordenada a devolução dos documentos ao executado, a 06/02/2024, o que veio a suceder por termo de entrega de 12/03/2024. 13- A execução foi declarada extinta, quanto ao executado, a 12/04/2024, pela Agente de Execução. 14- Por despacho de 06/05/2024, foi julgada extinta a instância dos embargos face à desistência da execução contra o executado. 15- O processo de embargos à execução prosseguiu os seus termos tendo em vista o conhecimento da pretensão de condenação da exequente como litigante de má-fé. 16- Por sentença de 05/05/2025 foi decidido: “III. Dispositivo Pelo exposto, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, julgo improcedente o pedido de condenação da embargada como litigante de má-fé.” 17- Inconformado, o executado veio interpor o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: A) Na sentença recorrida, na Fundamentação de facto e de direito, Factos provados, em E. devia ter sido dado como provado que a referida penhora iniciou-se em 16/01/2023 (conforme requerimento do Recorrente de 26/04/2023, refª citius 45396558) e terminou em 12/03/2024 (conforme termo de entrega, refª citius 160214755). B) Também deveria ter sido dado como provado que o Recorrente ficou privado da utilização da sua viatura, que estava em bom estado de conservação desde, pelo menos, a data de 16/01/2023 e que era o seu meio de transporte habitual e da sua mulher, conforme alínea 2) do referido requerimento de 2610412023. C) Pelo que a ampliação do pedido de condenação por litigância de má-fé, por privação do uso do veículo, assume o valor total de €12.630,00 (sendo € 3.030,00 de 101 dias x 30,00/dia, de 16/01/2023 a 26/04/2023 + 9.600,00 de 320 dias x € 30,00/dia, de 26/04/2023 até 12/03/2024). D) Quanto a essa Fundamentação, em 1., não se pode dar como provado, de modo algum, que: A exequente efectua todas as diligências ao seu alcance, para se garantir da existência de todas as condições à entrada dos processos executivos, para o efeito destes autos, com a pesquisa pela existência (...) dos processos de insolvência em nome dos executados. E) Aliás este é o busílis da questão. F) Como consta dos autos, o cedente do crédito BCP, S.A., foi citado para reclamar o seu crédito no processo de insolvência do Recorrente — o que muito estranhamente não fez - e foi notificado, pelo menos por três vezes, do estado do processo da insolvência e do despacho inicial de exoneração do passivo restante. G) E, do que resulta dos autos de insolvência, a exoneração final teria sido obrigatoriamente concedida ao insolvente, ora Recorrente. H) Como veio a ser, conforme despacho transitado em julgado em 11/04/2023, conforme o ponto F. da Fundamentação. I) Assim, a alegada dívida do Recorrente devia ter sido considerada extinta, porque corresponde ao suposto crédito que a Recorrida invocou, nos termos do disposto no art° 245°, n° 1 do CIRE, J) Na verdade, a livrança assinada, em branco, que baseou a execução, referida no ponto B da Fundamentação, com data preenchida de 15/04/2020, é referente à dívida que o Recorrente tinha para com o BCP, S.A., no ano de 2011, que devia ter sido exonerada. K) Conforme o ponto A. da Fundamentação, na parte que interessa, o Banco Comercial Português, S.A., celebrou com a Recorrida em 04103/20216 um contrato de cessão de créditos, nomeadamente o crédito exequendo. L) Por mera hipótese académica, sem conceder, se a Recorrida desconhecia o processo de insolvência — o que, de modo algum é crível - é responsabilidade sua, porque em qualquer contrato de cessão de créditos são enviados para as partes outorgantes todos os documentos, mormente os mais importantes, como era o caso M) Por outro lado, se a Recorrida estivesse de boa-fé — que não está —caso não tivesse sido informada pelo BCP, S.A., do processo de insolvência, o que ainda é menos crível, face a toda a documentação comprovadamente recebida por este, era imperioso chamá-lo ao processo para se poder defender, o que não fez. N) Por outro lado, no ponto J. da Fundamentação, por lapso, refere-se que : A exequente fez a consulta referida em H (...), e não em 1, como deve ser. O) Quanto aos Factos não provados: 1, da sentença recorrida, discorda-se que não tenha sido decidido dar como provado que: O embargante não consegue repousar, conforme as alíneas 29) a 36) da Motivação deste recurso. P) Quanto ao Direito, Litigância de má-fé, Efectivamente, o que o Recorrente quis dizer e que é facilmente compreensível, foi que a Recorrida podia ter preenchido a livrança para acionar judicialmente a companheira do Recorrido, Q) Mas nunca para mover uma acção executiva contra o Recorrente, por não ter título para tal. R) Como se demonstrou nas alíneas 24) a 26) desta Motivação do Recurso, a Requerida sabia ou tinha a obrigação de saber da insolvência e do benefício da exoneração do passivo restante. S) Se por mera hipótese académica, e nada mais do que isso, o BCP, S.A. não a tivesse informado dessa situação, a Recorrida devia tê-lo chamado a Juízo para este se poder defender e ela se poder desresponsabilizar — o que não fez. T) Aqui chegados, confirma-se a litigância de má-fé, já anterior e suficientemente indiciada, na sua máxima exuberância e gravidade. U) Bem sabendo da ilegalidade da sua actuação, porque formalmente avisada, a Recorrida continuou com as diligências de penhora e em 16/01/2023 vem a penhorar o veículo do Recorrente, à falta da descoberta de outros bens penhoráveis! V) Ao contrário o que é dito na sentença recorrida, o Recorrente colocou em questão o preenchimento da livrança, mais de dez anos passados sobre a altura das suas assinaturas, relativamente a si, quanto a uma dívida julgada exonerada. Assim, deverá a sentença recorrida ser substituída por um Acórdão para a recorrida ser condenada por litigância de má-fé, no pagamento de uma indemnização ao Recorrente da quantia total de € 17 130,00, sendo a importância de € 4.500,00 quanto ao pedido inicial; de € 3.030,00 pelo ampliação do pedido quanto à privação do uso do veículo de 16/01/2023 a 26/04/2023, e de € 9.600,00 dessa privação de uso de 26/04/203 até 12/03/2024, bem como no pagamento de juros legais e custas. Mais deverá ser a Recorrida condenada no pagamento de multa de valor significativo, em consideração com a sua notoriedade, que dispõe de importantes meios económicos, financeiros e jurídicos, conforme também consta dos autos. 18- Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações. *** II-FUNDAMENTAÇÃO. 1-Objecto do Recurso. 1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir: a)- A Impugnação da Matéria de Facto; b)- A revogação da sentença, com a consequente condenação da exequente como litigante de má-fé. *** 2- Matéria de Facto. A primeira instância decidiu a seguinte matéria de facto: -Factos provados. A. O Banco Comercial Português, S.A. e o Banco de Investimento Imobiliário, S.A. celebraram com a INTRUM IUSTITIA DEBT FINANCE AG, representada por INTRUM PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA., exequente nos autos principais, em 04/03/2016, contrato de cessão de créditos mediante o qual cederam àquela sociedade, que aceitou, um conjunto de créditos que aqueles Bancos haviam concedido a diversos mutuários, nomeadamente o crédito exequendo. B. A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada em 15/04/2020, para cobrança da quantia de € 7.137,55, com base em livrança com data de vencimento em 04/04/2020, subscrita pelo embargante e pela executada BB. C. Em 26/11/2021 o aqui embargante apresentou nos autos principais requerimento com o seguinte teor: D. Em 02/12/2021 a exequente requereu ao agente de execução a prossecução das diligências de penhora, referindo que «Não obstante ter sido concedido ao executado AA a exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 245.º do CIRE a “exoneração do devedor importa a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida”, o que, não se verifica no caso concreto, uma vez que a livrança que serve de título executivo nos presentes autos venceu-se em 04/04/2020». E. Em 07/09/2022 foi lavrado auto de penhora do veículo ligeiro de passageiros marca e modelo Audi A4, com matrícula …-05-…, registado em nome do embargante. E-a): O livrete do veículo penhorado foi apreendido a 16/01/2023 e, foi devolvido ao executado a 12/03/2024. * (aditado na sequência da impugnação da matéria de facto). E-b): O executado ficou privado da utilização da viatura, que estava em bom estado de conservação, desde 16/01/2023 e, que era o seu meio de transporte habitual e de sua mulher. * (aditado na sequência da impugnação da matéria de facto). F. Em 28/08/2023 foi junto a estes autos informação prestada pelo processo de insolvência 1447/11.2TCLRS (J3 do Juízo do Comércio de Vila Franca de Xira), com o seguinte teor: «(…) foi proferido em 19-01-2023 o despacho final de exoneração do passivo restante, tendo transitado em julgado em 11-04-2023, do qual se junta cópia. Informo ainda, V. Ex.ª, que os credores nos presentes autos são os seguintes: 1. Banco BPI, S.A. 2. Banco Comercial Português, S.A. 3. Unicre, Instituição Financeira de Crédito, S.A.». G. Em 07/12/2023, a embargada apresentou nos autos principais requerimento de desistência da execução relativamente ao embargante, “ciente dos documentos juntos a 28/08/2023, dos quais foi notificado a 24/11/2023”. H. O embargante sentiu revolta e indignação. I. A exequente efetua as diligências ao seu alcance, para se garantir da existência de todas as condições à entrada dos processos executivos, para o efeito destes autos, com a pesquisa pela existência de processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência em nome dos executados. J. A exequente fez a consulta referida em H (leia-se I), em 03/11/2023 (leia-se 03/11/2022), com o seguinte resultado: “Não foram encontrados documentos para a pesquisa efectuada”. * Factos não provados: 1. O embargante não consegue repousar, tem pesadelos recorrentes e dores de cabeça esporádicas por causa da execução. *** 3-As questões enunciadas. 3.1- A Impugnação da Matéria de Facto. O apelante pretende se adite aos fatos provados que “A penhora se iniciou a 16/01/2023 e terminou a 12/03/2024.” Funda esta sua pretensão de aditamento daquele trecho de facto no requerimento que apresentou na execução a 26/04/2023. Vejamos. Como parece ser manifesto, no requerimento apresentado pelo executado, a 26/04/2023, não poderia ser referido que a penhora “terminou” a 12/03/2024. Isto pela simples razão que isso implicaria a referência à ocorrência de um facto que, aquando do requerimento, ainda não havia acontecido. Porém, o aditamento deve ser realizado, não por força do “requerimento” de 26/04/2023, mas por virtude da consulta ao processo de execução e dos actos neles praticados. Assim, como se referiu acima, nos pontos 11 e 12 do RELATÓRIO supra, o livrete do veículo penhorado foi apreendido a 16/01/2023 e foi devolvido ao executado a 12/03/2024. Assim, adita-se aos pontos de facto provados, passando a figurar como ponto E-a), a seguinte factualidade: “E-a): O livrete do veículo penhorado foi apreendido a 16/01/2023 e, foi devolvido ao executado a 12/03/2024.” Pretende ainda o executado/apelante que seja aditado aos factos provados que “Ficou privado da utilização da sua viatura, que estava em bom estado de conservação, desde pelo menos a data de 16/01/2023 e que era o seu meio de transporte habitual e de sua mulher.” Invoca as suas declarações de parte e o depoimento da testemunha CC, dos quais transcreve trechos, com indicação precisa dos respectivos trechos da gravação. Pois bem, em face das declarações de parte do executado/embargante/apelante e do depoimento da testemunha CC, deve ser deferido o requerido aditamento à matéria de facto provada, do seguinte trecho, que figurará como ponto E-b), com a seguinte redacção: “E-b): O executado ficou privado da utilização da viatura, que estava em bom estado de conservação, desde 16/01/2023 e, que era o seu meio de transporte habitual e de sua mulher.” Defende o apelante que o ponto I) dos factos provados deve ser dado como não provado argumentando que a dívida deveria ter sido declarada extinta, na exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artº 245º nº 1 do CIRE; e que a dívida exequenda tem por base uma livrança, assinada em branco, cujo credor respectivo era o BCP, que foi parte no processo de insolvência do executado e, o cedeu à exequente; não sendo crível que esta desconhecesse o processo de insolvência, sendo sua responsabilidade solicitar, à cedente do crédito, todos os elementos relativos à dívida cedida; e se a exequente não foi informada pelo BCP da existência da insolvência, deveria tê-lo chamado ao processo. Será assim? Pois bem, desta síntese dos fundamentos/argumentos invocados pelo apelante para alcançar que se desse como não provado o ponto I) dos factos provados, logo ressalta a circunstância de, quanto a este ponto de facto pretendido impugnar, o apelante não cumpre os ónus que o artº 640º do CPC impõe ao recorrente que impugne matéria de facto. Na verdade, como é sabido, o artº 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus, sob pena de rejeição do recurso, quanto a essa impugnação. Concretizando. Estabelece o artº 640º do CPC: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.” Por comparação com o artº 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desses ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição: (i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E, (iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…”(Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.). No caso em apreço, o apelante não especifica quaisquer meios de prova que permitissem uma decisão diversa quanto ao ponto I) dos factos provados. O que significa que o apelante não observou o ónus primário de impugnação imposto pelo artº 640º nº 1, al. b) do CPC. Tanto basta para que seja rejeitada a impugnação da matéria de facto quanto ao ponto I) dos factos provados. Acresce que a argumentação usada pelo apelante não merece acolhimento. Com efeito, não se vislumbra como se pode pretender imputar, à exequente, qualquer responsabilidade pela falta de prolação de decisão, nos termos do artº 245º nº 1, a exonerar o devedor, ora apelante, da dívida, nos termos do disposto no artº 245º nº 1 do CIRE. A ora exequente não podia ter intervindo no processo de insolvência. E, em rigor, o ora apelante, enquanto insolvente, poderia ter promovido, findo o período de cessão, a declaração de exoneração do passivo restante. Porque não o fez? Por outro lado, apesar de o apelante alegar não ser crível que a exequente, como cessionária do crédito, desconhecesse o processo de insolvência e, que era da sua responsabilidade solicitar, à cedente do crédito, todos os elementos relativos à dívida cedida, a verdade é que, o apelante não invoca qualquer norma de que resulte essa pretensa responsabilização da cessionária pela solicitação de todos os documentos relativos ao crédito cedido. De resto, do artº 586º do CC decorre que a obrigação de entregar todos os documentos e outros meios probatórios do crédito impende sobre o cedente e não sobre o cessionário; além disso, é, igualmente, sobre o cedente, que recai ter de garantir ao cessionário quer a existência quer a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão (artº 587º do CC). Sem necessidade de outros considerandos, rejeita-se impugnação do ponto I) dos factos provados. Quanto ao lapso de escrita constante do ponto J) dos factos provados, mencionado pelo apelante, verifica-se a existência de dois lapsos de escrita: um relativo à menção à alínea H), devendo ler-se alínea I) e, outra, quanto à data da consulta efectuada pela exequente/apelada: deve ler-se 03/11/2022, como de resto consta dos documentos juntos em sede de contestação aos embargos. Assim, na alínea J), passarão a constar as correcções desses dois lapsos de escrita. Finalmente, quanto ao ponto 1 dos factos não provados. O apelante defende que deve ser dado como provado, que o embargante não consegue repousar. Invoca, para o efeito, as suas declarações de parte e o depoimento da testemunha CC, transcrevendo trechos dessas declarações e depoimento. Pois bem, dos trechos transcritos decorre que o próprio apelante, nas suas declarações, embora tenha mencionado que toma comprimidos para dormir (Lexotan), referiu também que foi ostomizado (retiraram-lhe a bexiga e a próstata) e terá alguma relação com essa situação. E a testemunha CC disse que sabe que ele toma comprimidos Lexotan e andava muito stressado e ansioso. Ora, estes depoimento e declarações, embora refiram a necessidade de tomar medicação para dormir (Lexotan), não afirmam, de modo inequívoco, que o embargante/executado não consegue descansar nem apontam, com única causa dessa necessidade de tomada desse medicamento, a execução e a penhora do veículo. A esta vista, mantém-se a factualidade do ponto 1), nos factos não provados. *** 3.2- A revogação da sentença, com a consequente condenação da exequente como litigante de má-fé. O apelante pretende a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que condene a exequente como litigante de má-fé. Baseia-se, em síntese, na alegação de que a exequente sabia, ou tinha obrigação de saber, que o executado/embargante/apelante tinha sido declarado insolvente e do benefício de exoneração do passivo restante e, caso o BCP não tivesse informado a exequente, como cessionária do crédito, esta deveria tê-lo chamado a intervir em juízo; e que a exequente preencheu a livrança mais de 10 anos passados, sobre a respectiva assinatura e, quanto a uma dívida exonerada. Conclui que a exequente litiga de má-fé segundo as alíneas a), b), c) e d) do artº 542º nº 2 do CC. Vejamos se assim pode ser. Uma primeira questão que importa salientar consiste em alertar para a circunstância de a Lei Processual Civil, a par do regime geral da litigância de má-fé, previsto no artº 542º do CPC, prever, igualmente, a responsabilidade civil do exequente, no artº 858º do CPC. Vejamos, em primeiro lugar, este regime especial de responsabilização do exequente. Assim, estabelece o artº 858º do CPC, com epígrafe “Sanções do exequente”: “Se a oposição à execução vier a proceder, o exequente, sem prejuízo da eventual responsabilidade criminal, responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa correspondente a 10 % do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objeto de oposição, mas não inferior a 10 UC, nem superior ao dobro do máximo da taxa de justiça.” Como refere Paula Costa e Silva (A Reforma da Acção Executiva, 3ª edição, pág. 75 e segs) o preceito (então reportado ao artº 819º do CPC na redacção anterior à reforma de 2013) veio introduzir um regime inovador consagrando, expressamente, “…a responsabilidade do exequente pelos danos culposamente causados ao executado, não citado previamente, por uma execução que venha, pelo julgamento da oposição, revelar-se ilegal.” Para que recaia sobre o exequente a obrigação de indemnizar, além da necessidade da existência de danos, impõe-se que estes danos tenham sido culposamente causados pelo exequente. Embora não seja uniforme o entendimento sobre se esta responsabilização do exequente não possa ocorrer nas situações em que a dispensa de citação prévia resulte directamente da lei (Paula Costa e Silva, A Reforma da Acção Executiva…cit., pág. 75 e seg.; em sentido divergente, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5ª edição, pág. 571 e seg.), é pacifico o entendimento no sentido de a aplicação deste regime de responsabilidade civil do exequente impor, rectius, exigir que o exequente tenha actuado de forma voluntária, ilícita e culposa, verificando-se uma produção de danos na sequência dessa actuação (Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições…cit., pág. 573). Ou seja, se executar pretensão exequenda que ele sabe ou não pode ignorar ser ilegal (Paula Costa e Silva, A Reforma da Acção Executiva…cit., pág. 76), por não se inteirado, v.g., sobre a verificação da exigibilidade obrigação exequenda. De resto, no acórdão do TRL, de 08/11/2012 (Proc. 7643, Ondina Carmo Alves) foi acertadamente decidido que “A responsabilidade do exequente prevista no artigo 819º do Código de Processo Civil depende da verificação dos requisitos processuais específicos constantes do preceito e ainda dos pressupostos gerais da responsabilidade civil.” Quer dizer, a necessidade de concretização da culpa, enquanto pressuposto desta responsabilidade civil do exequente, decorre do próprio artigo 858º do CPC que expressamente refere “…responde pelos danos culposamente causados ao executado se não tiver actuado com a prudência normal…”. E, assim sendo, a obrigação de indemnizar depende também da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil extracontratual, estabelecidos no artº 483º do CC. Deste modo, quanto à culpa, a norma do artº 858º define-a como “falta de prudência normal” (Cf. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, vol. II, pág. 289). O mesmo é dizer que, no que respeita ao requisito culpa, o exequente apenas poderá ser responsabilizado quando não tenha agido com a prudência normal. Sobre a questão, o acórdão do TRC, de 14/11/2017 (Proc. 739, Luís Cravo) decidiu certeiramente: “3. – Não deve ter lugar a correspondente condenação, quando não é possível concluir que a Exequente/recorrida ao instaurar a execução tivesse previsto ou não pudesse deixar de prever a possibilidade do resultado danoso invocado pela A. aqui recorrente.” Ora, no caso dos autos apurou-se – e esse facto manteve-se apesar da respectiva impugnação em sede de recurso, como acima vimos –, na alínea I) dos factos provados, que “A exequente efetuou as diligências ao seu alcance, para se garantir da existência de todas as condições à entrada dos processos executivos, para o efeito destes autos, com a pesquisa pela existência de processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência em nome dos executados.” Se assim é, face a este facto, não se pode concluir que a exequente agiu com culpa, rectius, que actuou com falta de prudência normal. E, assim sendo, não é aplicável ao caso dos autos a responsabilidade civil do exequente prevista no artº 858º do CPC. E poderá a exequente ser responsabilizada com base no regime geral por litigância de má-fé? O executado apelante defende que a exequente incorreu em todos os tipos de litigância de má-fé previstos nas alíneas a), b), c) e d) do nº 2 do artº 542º do CPC. Será assim? Vejamos cada um desses tipos de ilícito. Quanto à alínea a). Na previsão da alínea a) do artº 542º nº 2 do CPC, diz-se que “…litiga de má-fé quem com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.” Decorre da norma que a parte actuará ilicitamente se souber ou devendo saber que a sua pretensão, atendendo aos aspectos de facto integradores da causa de pedir ou às pretensões que deduz, não é compatível com aquilo que o sistema dita. Ou seja, impõe-se, através deste tipo de ilícito, o dever de a parte indagar, antes de propor a acção/procedimento, acerca da fundamentação da sua pretensão. Desde a Reforma de 95 que a evolução deste tipo de ilícito deixou de ser o conhecimento efectivo quanto à falta de fundamento e passou a ser a exigibilidade desse conhecimento. Ou seja, a parte litigará de má-fé se, não obstante não conhecer a falta de fundamento, de facto ou de direito da pretensão ou da defesa, lhe fosse exigível que a conhecesse. (Cf. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, pág. 392 e seg.). Quer dizer, o tipo de ilícito voltou a ser ético: deixou de se exigir que a parte conheça a falta de fundamento da sua pretensão ou da sua defesa para passar a exigir-se, somente, que a parte não possa ignorar a sua falta de razão. O tipo deixou de ser psicológico, passando a ser ético: não releva o que o agente sabe mas aquilo que ele devia saber. (Paula Costa e Silva, Litigância…cit., pág. 263). No caso dos autos, ficou demonstrado, no ponto de facto enunciado em I), como vimos, que a exequente “… efetuou as diligências ao seu alcance, para se garantir da existência de todas as condições à entrada dos processos executivos, para o efeito destes autos, com a pesquisa pela existência de processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência em nome dos executados.” Se assim é, face a este facto, não se pode concluir que a actuação da exequente seja subsumível à previsão da alínea a). Relativamente à alínea b). Este tipo de ilícito processual, constante da alínea b), do nº 2 do artº 542º do CPC, é constituído por dois subtipos objectivos: alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes. Trata-se de um ilícito que diz directamente respeito e se ancora na matéria de facto (Paula Costa e Silva, A Litigância…cit., pág. 398). E, subjectivamente, tanto é preenchido por comportamento doloso – alteração intencional da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes - como por actuação gravemente negligente – violação de deveres de cuidado que a parte deve colocar no apuramento dos factos relevantes para a acção/procedimento. Portanto, a má-fé processual a que se reportam os subtipos da alínea b) do artº 542º nº 2 do CPC, consubstancia-se na alteração intencional de factos ou, ainda, na alegação errada ou incompleta da realidade dos factos fundada numa grosseira indagação dessa mesma realidade. No caso, face à actuação da exequente resultante da prova do facto referido em I), temos de concluir que o comportamento da exequente não é subsumível à previsão da alínea b): não é possível assacar-lhe uma alteração intencional da verdade dos factos ou uma omissão de indagação censurável. Para que se possa concluir pela aplicação da alínea c), exige o legislador que ocorra uma omissão grave do dever de cooperação. Ora, para que a conduta se possa considerar subsumível à alínea em questão, impõe-se que a parte omita dolosa ou negligentemente uma conduta que era devida em cumprimento do dever de cooperação e, para além disso, que essa actuação possa ser considerada grave. (Paula Costa e Silva, A Litigância…cit., pág. 408). No caso em apreço, o executado apelante não concretiza qual a actuação da exequente que possa considerar-se uma grave omissão do dever de cooperação. Também não vislumbramos qual possa ter sido. A esta luz, conclui-se pela não aplicação da alínea c) do nº 2 do artº 542º do CPC. Quanto à alínea d). Para que este tipo de ilícito processual se tenha por preenchido é necessário que a parte tenha feito do processo ou dos meios processuais um uso, não apenas reprovável, mas, manifestamente reprovável (Cf. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, pág. 411). Ao usar o advérbio “manifestamente” o legislador quis acentuar que a conduta da parte merece censura se o modo como exerce as diversas faculdades processuais for clara e evidentemente reprovável. Além disso, a lei exige, neste tipo de ilícito processual, que o uso manifestamente reprovável que a parte faz do processo esteja ordenado à prossecução de qualquer uma das finalidades descritas e que são, também elas, eticamente desvaliosas: o retardamento injustificado do processo ou do trânsito em julgado, o entorpecimento da acção da justiça, obstaculização da descoberta da verdade, obtenção de um objectivo ilegal. Quer dizer, para que se verifique o tipo de ilícito da al. d), exige-se, por um lado, que a parte faça um uso manifestamente censurável do processo ou dos meios processuais e, por outro, impõe-se uma intencionalidade específica, ou seja, um dolo ou um elemento subjectivo específico: a parte, ao usar o processo de modo manifestamente reprovável tem de ter querido atingir um dos fins concretamente indicados na norma. O seu comportamento tem de ser um comportamento finalístico: a parte instrumentaliza o processo ou os meios processuais para alcançar um fim, seja este o de atingir um objectivo ilegal, o impedir a descoberta da verdade, o de entorpecer a acção da justiça ou o de protelar o trânsito em julgado da decisão (Cf. Paula Costa e Silva, A Litigância…, cit., pág. 415). O entorpecimento da acção da justiça e o protelamento do trânsito em julgado, verificam-se, o primeiro, quando a parte actua usando meios dilatórios e, o segundo, ocorre quando as partes reclamam ou recorrem sem fundamento sério (Cf. Lebre de Freitas et alii, CPC anotado, vol. 2º, 2001, pág. 196). No que respeita ao protelamento do trânsito em julgado, a lei clarifica que esse protelamento, por si só, não constitui finalidade reprovável porque esse protelamento pode resultar do exercício adequado de situações processuais que o determinam, como seja a interposição de um recurso ou a reclamação de nulidades sejam processuais, sejam da sentença. Com efeito, o acto de interposição de um recurso, praticado no exercício de uma faculdade processual conferida à parte, que se encontra nas condições abstracta e objectivamente previstas na lei, não permite emitir qualquer juízo de censura acerca das concretas finalidades da parte (sobre esta questão, veja-se o Ac. do STJ, de 13/03/2008, Pires da Rosa, www.dgsi.pt). Quanto ao objectivo ilegal visado pela parte, verifica-se quando quer atingir, com a acção/procedimento, uma finalidade não tutelada pela lei, em vez da correspondente à função que lhe é própria (Cf. Lebre de Freitas et alii, CPC anotado, vol. 2º, 2001, pág. 196). Além disso, esclarece Paula Costa e Silva (A Litigância…, cit., pág. 416) o tipo da al. d) não convive com a sua comissão por negligência, mesmo que seja grave…isto porque a negligência não depende da finalidade, mas da violação de deveres de cuidado e é, portanto, um elemento inteiramente normativo. Se o tipo da al. d) pressupõe a finalidade do agente, dirigida à obtenção de um certo resultado, por referência ao qual é dirigido o uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais, a descrição típica é inconciliável com uma actuação negligente. Dito isto e em face à provada cuidadosa actuação da exequente, não se pode dizer que ela fez um uso manifestamente reprovável do processo. Assim sendo, somos a concluir que a exequente não actuou como litigante de má-fé. A esta vista resta concluir pela improcedência do recurso. *** III-DECISÃO Em face do exposto acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença sob impugnação. Custas na instância de recurso, pelo apelante. Lisboa, 23/10/2025 Adeodato Brotas Vera Antunes Nuno Gonçalves  |