Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7947/22.1T8LRS.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
DOCUMENTO
OFICIOSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A apelante está patrocinada por advogada que, em momento algum, veio aos autos invocar dificuldade em obter o documento em falta e solicitar a intervenção do tribunal junto da Conservatória do Registo Civil.
II - Assim, não se impunha ao tribunal substituir-se à senhora advogada e diligenciar pela junção aos autos do documento necessário ao prosseguimento da acção, apesar de este ser um processo de jurisdição voluntária.
III – Por isso, visto que por negligência da requerente a causa esteve sem impulso processual por mais de seis meses, a 1ª instância decidiu correctamente ao julgar a instância deserta conforme o disposto no nº 1 do art. 281º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AA – e não BB como erradamente consta na petição inicial - AA instaurou acção em 03/08/2022 contra o seu progenitor CC, pedindo:
«que sejam coercivamente cobrados os valores das prestações vencidas da pensão de alimentos actualizável à data da decisão.».
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Com a petição inicial juntou:
- requerimento de divórcio dirigido à Conservadora do Registo Civil de Vila Franca de Xira datado de 03/10/2006, acompanhado do acordo de regulação do exercício do poder paternal e da relação especificada dos bens comuns.
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Em 21/09/2022 foi proferido o seguinte despacho:
«Tendo-se em consideração a natureza específica do incumprimento em apreço - inobservância da obrigação de alimentos, que assume caráter creditício -, cite-se o requerido, de imediato, para, no prazo de 5 dias, alegar o que tiver por conveniente - art. 41º, nº 3, 2ª parte, do RGPTC.
D.N., concluindo-se logo que decorrido o prazo legal (alarme-se para tanto), mais se notificando a requerente para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos a decisão da Conservatória do Registo Civil que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais aquando do divórcio dos respetivos pais.».
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O requerido apresentou alegação em 04/10/2022.
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Foi realizada conferência em 12/01/2023 no final da qual foi proferido este despacho:
«Considerando que Requerente e Requerido não lograram chegar acordo, não aceitando o Requerido o recurso aos Serviços de Mediação Familiar, suspende-se esta conferência e remetem-se os mesmos para audição técnica especializada, por um período máximo de dois meses, de acordo com o disposto no art. 38º, al. b), do R.G.P.T.C., conjugado com o art. 23º do mesmo diploma.
Assim, solicite-se ao ISS da área da residência da Requerente e da área de residência do Requerido a realização de audição técnica especializada, devendo juntar-se aos autos, decorrido o prazo de 2 meses, o resultado da predita audição.
Envie-se, para melhor esclarecimento, cópia do requerimento inicial, das alegações e desta ata.».
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Em 15/05/2024 foi proferido este despacho:
«Notifique-se a requerente para juntar aos autos cópia do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que vigorou durante a respetiva menoridade, assim como da decisão que homologou tal acordo, visto que o mesmo não se encontra junto.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 15/05/2024 mas nada disse.
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Em 15/07/20024 foi proferido este despacho:
«Renova-se o despacho de 15/5/2024 quanto à requerente.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 16/07/2024 mas nada disse.
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Em 08/10/2024 foi proferido este despacho:
«Aguardem os autos impulso processual por banda da requerente, sem prejuízo do decorrente do art. 281º, nº 1, do CPC.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 09/10/2024 e em 16/10/2024 apresentou este requerimento:
«vem respeitosamente junto de V.Exa. requerer a admissão da junção da regulação das responsabilidades parentais.
Junta um documento.».
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Com o requerimento juntou os documentos exactamente iguais aos que foram juntos com a petição inicial: requerimento de divórcio dirigido à Conservadora do Registo Civil de Vila Franca de Xira datado de 03/10/2006, acompanhado do acordo de regulação do exercício do poder paternal e da relação especificada dos bens comuns.
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Em 29/11/2024 foi proferido este despacho:
«Documento junto com requerimento de 16/10/2024:
Notifique-se a requerente para juntar aos autos a decisão que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais carreado para o processo, com nota de trânsito em julgado.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 29/11/2024, mas nada disse.
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Em 14/01/2025 foi proferido este despacho:
«Renova-se o despacho de 29/11/2024 quanto à requerente, aguardando os autos impulso processual, sem prejuízo do decorrente do art. 281º, nº 1, do CPC.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius 14/01/2025 e em 15/01/2025, limitou-se a juntar novamente os documentos exactamente iguais aos que foram juntos com a petição inicial: requerimento de divórcio dirigido à Conservadora do Registo Civil de Vila Franca de Xira datado de 03/10/2006, acompanhado do acordo de regulação do exercício do poder paternal e da relação especificada dos bens comuns bem como certidão de matrícula no ano letivo de 2024/2025, no 2.º ano do ciclo de estudos de Licenciatura em... no ....
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Em 08/10/2025 foi proferido este despacho:
«Renova-se o despacho de 8/10/2024, dado que não foi junta aos autos decisão homologatória do acordo de RERP, como solicitado, com nota de trânsito em julgado.».
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A requerente foi notificada na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 07/02/2025.
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Em 07/02/205 a requerente apresentou este requerimento:
«notificada do douto despacho antecedente de 06/02/2025, Ref. : 163792946, que determina o arquivamento do processo por ausência de impulso processual, TENDO EM CONTA QUE, já por 2 vezes, respondeu ao despacho do douto tribunal a juntar os documentos solicitados,
NÃO SE COMPREENDE COMO O DOUTO JUIZ NÃO TEVE ACESSO AOS MESMOS POIS QUE,
Sustenta o seu despacho no facto de os documentos não terem sido juntos,
ORA,
Os documentos foram juntos em 16/10/2024, Ref. 15788279, e posteriormente
também, conforme solicitado, o comprovativo de inscrição no ano lectivo de 2024-2025 no
ensino superior, em 15/01/2025, Ref. 16158400.
ALIÁS,
COMO CONSTA DO CITIUS

ASSIM SENDO,
REQUER-SE,
a) Seja revogado o douto despacho e dada tramitação subsequente aos autos dado ter sido dada resposta aos despachos antecedentes e junta a documentação requerida pelo douto tribunal,
b) Oficie-se informação acerca da omissão e sua origem, dos elementos no processo a que o Sr. Juiz teve acesso (físico ou eletrónico)
c) Extraia-se certidão com vista a procedimento disciplinar.».
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«Requerimento de 7/2/2025:
Compulsados, novamente, os autos, quer o suporte físico, quer o Citius, continua a não se encontrar nos mesmos o comprovativo da decisão que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais - com nota de trânsito em julgado - que vigorou quanto à jovem aqui visada durante a menoridade, acordo esse que se mantém, no que tange à obrigação alimentar, até aos 25 anos de idade desde que preenchidos os pressupostos previstos no art. 1905º, nº 2, do CC. Assim, e face ao teor do requerimento em apreço, no qual se reitera que o(s) documento(s) solicitado(s) já foi(ram) junto(s), indague a Secção o que poderá justificar o enunciado, solicitando-se, se for o caso, o apoio do Sr. Técnico que assessora o Tribunal em matéria informática.
D.N..
De qualquer modo, esclarece-se a requerente de que, ao invés do sustentado, o despacho de 6/2/2025 não determinou o arquivamento dos autos.
Por outro lado, notifique-se, ainda, a requerente, desde já, para, no prazo de 5 dias, explicitar cabalmente do que é que pretende exatamente certidão e para que efeitos concretos.».
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Em 27/02/2025 a secção de processos prestou esta informação:
«Compulsados os autos verificou-se que não se encontra junto com o requerimento datado de 16/10/2004, com a referência 15788279, a decisão que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, com nota de trânsito em julgado.».
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Em 03/03/2025 o IGFEJ prestou esta informação:

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Em 17/06/2025 foi proferida esta decisão:
«Cota de 27/2/2025 e informação do Sr. Técnico de Informática de 3/3/2025:
Cumpra-se o contraditório, sendo que as informações em apreço vêm confirmar cabalmente aquilo que já havia sido, reiteradamente, comunicado à requerente, na pessoa da sua Ilustre Patrona - cfr. despachos de 15/5/2024, de 15/7/2024, de 8/10/2024, de 29/11/2024, de 14/1/2025, de 6/2/2025, de 26/2/2025 -, ou seja, não foi carreada para os autos cópia da decisão que alegadamente homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais que vigorou durante a menoridade da aqui requerente, documento essencial ao prosseguimento dos autos, atenta a causa de pedir invocada, sendo que há muito
foi a requerente advertida de que o processo ficava a aguardar a junção do predito documento, sem prejuízo do decorrente do art. 281º, nº 1, do CPC - cfr. despachos de 8/10/2024 e de 14/1/2025, onde expressamente se alude a tal.
Destarte, e por falta de documento essencial ao normal prosseguimento do processo, ao abrigo do art. 281º, nº 1, do CPC declara-se deserta a instância.
Valor da causa: € 5.600,00 - cfr. arts. 297º, nº 1, e 306º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, e art. 33º, nº 1, do RGPTC.
Custas pela requerente - cfr. art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.».
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A decisão foi notificada à requerente na pessoa da sua patrona conforme certificação citius de 17/06/2025.
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Inconformada, apelou a requerente em 02/07/205, terminando a alegação com estas conclusões:
«A. Por sentença de 17/06/2025, o douto tribunal a quo julgou deserta a instância nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 281.º, n.º 1 CPC, com fundamento na falta de documento essencial ao prosseguimento dos autos.
B. Tal documento foi requerido pelo tribunal em diversos despachos, tendo a recorrente respondido a todas as solicitações do douto tribunal com a junção do acordo de regulação das responsabilidades parentais 2023/2006 da Conservatória de Vila Franca de Xira, nomeadamente em 16/10/2024; 15/01/2025
C. Foi proferido despacho com nova solicitação em 06/0272025, tendo a requerente respondido que já havia junto anteriormente na supra indicadas datas, além ainda, de ter junto com a PI de 03/08/2022.
D. Por despacho de 26/02/2025 o douto tribunal determina aos serviços técnicos do tribunal a pesquisa citius e culmina com a sentença de 17/06/2025 de deserção da instância afirmando que o documento não foi junto.
E. Quando, os prints supra (alegações) demonstram que o documento foi junto em todos os supra indicados requerimentos, encontram-se disponíveis e acessíveis no citius.
F. Sempre que solicitado pelo tribunal, uma e outra vez, procedeu à junção do mesmo.
G. Ainda que algum lapso houve no documento – o que nunca foi mencionado nos despachos antecedentes, nem no despacho de arquivamento de que se recorre, caberia a pesquisa oficiosa junto da
Conservatória.
H. Ainda que por algum lapso o documento não estivesse completo, ou não fosse o documento solicitado, ou mesmo o douto tribunal não conseguisse aceder ao meu na plataforma citius, caberia a pesquisa oficiosa junto da Conservatória.
I. Atenta a natureza de jurisdição voluntária da acção e dos, consequentes poderes de ofício do tribunal para coligir a prova, oficiar directamente à Conservatória do Registo Civil pela informação – como tantas vezes o tribunal faz para ter informação sobre o apoio judiciário, sobre os rendimentos dos progenitores.
J. Ao invés, o douto tribunal, ao abrigo do art.º 281.º CPC, julga deserta a instância por falta de documento essencial ao prosseguimento da causa.
K. Tal fundamento não resulta expresso no texto do art.º 281.º CPC, mas antes a «negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.»
L. O que, notoriamente não é o caso.
M. Negligência haveria se a requerente não respondesse aos despachos do douto tribunal a quo, ou não procedesse à junção da documentação.
N. Tendo procedido em conformidade, respondendo em prazo, juntando os documentos solicitados – se algum lapso nos mesmos houvesse, tal não foi esclarecido pelo douto tribunal, mas também não é a falta imputável à requerente.
O. Nesta fase, nenhum impulso processual se impunha à requerente, não tendo da sua parte havido negligência ou inércia processual.
Termos em que deve ser julgado procedente o recurso por provado e revogada a deserção da instância
POR TEMPESTIVO E LEGALMENTE ADMISSIVEL, requer-se a admissão da junção, uma vez mais, do acordo de regulação das responsabilidades parentais.».
*
Juntou documento composto por 4 páginas com este teor:
«


».
*
Não há contra-alegação.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II – Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, pelo que as questões a decidir são:
- se a apelante não actuou com negligência pois juntou aos autos por diversas vezes o documento contendo a decisão da Conservadora do Registo Civil que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais como havia sido determinado pelos vários despachos judiciais
- se o tribunal deveria ter diligenciado pela obtenção desse documento
*
III – Fundamentação
Resulta evidente do relatório que só com a alegação de recurso, finalmente a apelante juntou o documento contendo a decisão da Conservadora do Registo Civil que homologou o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais como havia sido determinado pelos vários despachos judiciais.
Mais resulta evidente:
- devido à conduta negligente da apelante foram praticados vários actos inúteis no processo, com sucessivos despachos e notificações para juntar o documento em falta e até com intervenção do IGFEJ para averiguar se alguma falha tinha ocorrido no sistema informático;
- mesmo na alegação de recurso persiste a apelante na imputação de erros ao tribunal, afirmando, contrariamente ao que os factos demonstram, que sempre cumpriu o que lhe foi determinado nos despachos judiciais,
- a apelante nunca assumiu a sua falha, chegando a requerer «c) Extraia-se certidão com vista a procedimento disciplinar.».
Por isso, visto que a senhora advogada nunca cumpriu os despachos de que foi notificada é de lembrar:
- o Código de Processo Civil prevê:
Art. 7º
«1 - Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.»
Art. 8º
«As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.»
Art. 9º
«1 - Todos os intervenientes no processo devem agir em conformidade com um dever de recíproca correção, pautando-se as relações entre advogados e magistrados por um especial dever de urbanidade.»
- o Estatuto da Ordem dos Advogados prevê:
Art. 108º
«1- O advogado deve, em qualquer circunstância, atuar com diligência e lealdade na condução do processo.»
Para se eximir da sua responsabilidade, alega também a apelante que este é um processo de jurisdição voluntária e que o tribunal deveria ter obtido o documento em falta junto da Conservatória do Registo Civil.
Vem alegado na petição inicial que a apelante nasceu em 26/10/2000, que é estudante e que o seu progenitor deixou de pagar a pensão de alimentos desde meados de 2020. Portento, o incumprimento teve início depois de a apelante ter atingido a maioridade.
O Código Civil estabelece:
Art. 1880º
« Se, no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.»
Art. 1906º
«1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.
2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.»
O art. 989º do Código de Processo Civil estatui:
«1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.»
O art. 12º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível dispõe:
«Os processos tutelares cíveis têm a natureza de jurisdição voluntária.»
O art. 986º do Código de Processo Civil prescreve:
«1 - São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos 292.º a 295.º.
2 - O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
3 - As sentenças são proferidas no prazo de 15 dias.
4 - Nos processos de jurisdição voluntária não é obrigatória a constituição de advogado, salvo na fase de recurso.»
Ora, a apelante está patrocinada por advogada que, em momento algum, veio aos autos invocar dificuldade em obter o documento em falta e solicitar a intervenção do tribunal junto da Conservatória do Registo Civil. Assim, é óbvio que não se impunha ao tribunal substituir-se à senhora advogada e diligenciar pela junção aos autos do documento necessário ao prosseguimento da acção, apesar de este ser um processo de jurisdição voluntária.
Em suma, por negligência da requerente a causa esteve sem impulso processual por mais de seis meses, pelo que a 1ª instância decidiu correctamente ao julgar a instância deserta conforme o disposto no nº 1 do art. 281º do Código de Processo Civil.
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IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante, sem prejuízo da protecção jurídica.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025
Anabela Calafate
Eduardo Petersen Silva
Gabriela de Fátima Marques (vencida)

Declaração de voto:
Sempre s.d.r.o.c., não posso acompanhar quer a fundamentação, quer a decisão do Acórdão, por esta ordem de razões:
- A falta de um documento que ateste ou comprove o eventual direito da parte, mesmo que a sua junção seja cominada com “sem prejuízo do disposto no artº 281º”, ou similar, não determina a deserção, mas sim a apreciação do direito com a ausência de tal prova.
- Aliás, a par do AUJ nº 2/2025 sobre tal questão, no qual se estabeleceu, na parte relevante que :”A decisão judicial que declara a deserção da instância nos termos do artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil pressupõe a inércia no impulso processual, com a paragem dos autos por mais de seis meses consecutivos, exclusivamente imputável à parte a quem compete esse ónus, não se integrando o acto em falta no âmbito dos poderes/deveres oficiosos do tribunal”, haverá que considerar que a inércia imputável à parte apenas ocorre nos casos em que tal iniciativa é condição para os autos prosseguirem e não nos casos em que tal ausência poderá determinar o conhecimento do mérito eventualmente contra quem não cumpriu tal despacho, de que é paradigmático a falta de junção de um documento que comprove um qualquer direito.
- É vasta a jurisprudência do STJ no sentido de densificar tal ónus determinante da deserção, no qual se conclui que é o que ocorre, por exemplo, nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes. Solução semelhante se ajusta aos casos de renúncia ao mandato conferido pelo autor, sendo obrigatória a constituição de advogado, a instância fica suspensa e pode ocorrer de seguida a deserção. A solução que também se adapta à falta de comprovação do registo da ação, quando este constitua ónus do autor.
- No caso dos autos a Autora juntou cópia do acordo formulado aquando do divórcio por mútuo consentimento dos pais, apresentado junto da Conservatória do Registo Civil, e da certidão de nascimento da mesma consta como averbamento nº 1 o seguinte: “Averbamento no1, de 2014-01-20- Homologado acordo do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da decisão de 30 de Novembro de 2006, proferida pela Conservatória de Vila Franca de Xira ficando a registada confiada à mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os progenitores. Boletim nº1358, maço nº5 ano de 2006 da Conservatória de Loures. Em 12 de Dezembro de 2006.”
- Acresce que a dívida de alimentos reivindicada pela Autora e imputada como sendo devida pelo réu, seu pai, é relativa a 12 prestações do ano de 2020, 2021 e de Janeiro a Agosto de 2022, pelo que é o Tribunal a quo que a define como sendo de natureza puramente creditícia, e não obstante a citação do réu e a ausência de impugnação do acordado quanto às prestações, não retira as devidas consequências. Pelo que não nos parece que a ausência concreta da junção de documento de homologação junto da Conservatória fosse condição de procedência, mas muito menos o será de não prosseguimento da acção, e, caso se entenda que afinal a sua ausência leva à improcedência do pedido, o Tribunal só tinha de decidir em conformidade. Haverá ainda que considerar que neste momento nos autos foi junto documento comprovativo de tal homologação, pelo que bastaria o Tribunal decidir.
Revogaria, por conseguinte, a decisão que determinou a deserção e determinaria o prosseguimento dos autos.