Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA | ||
| Descritores: |  RELATÓRIO SOCIAL CORRECÇÃO OBJECTO DO PROCESSO ALTERAÇÃO DOS FACTOS LIVRE APRECIAÇÃO DOS FACTOS IN DUBIO PRO REO  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. A reprodução pura e simples de partes do relatório social relativo aos arguidos bem como do relatório de exame pericial relativo à ofendida, sem realizar qualquer expurgo/reserva/tratamento do que são factos e meras referências valorativas, conclusivas, opinativas e descritivas, é susceptível de conduzir à nulidade expressa no artigo 379.º n.º1, al. a) CPP, por referência ao artigo 374.ºn.º 2 do mesmo código ou podendo, eventualmente, em tese, integrar o vício, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., relativo à insuficiência da matéria de facto. II. Esta forma/solução de mera reprodução o que diz é que se prova que consta dos relatórios/exames determinado conteúdo e não que se dá como provado esse conteúdo, pois que, mais não é do que elencar na factualidade provada que o relatório social e o relatório de exame pericial, a que se faça referência, dizem isto ou aquilo. III. No caso, analisada a sentença na sua globalidade, não se vislumbra que o erro de forma tenha condicionado a apreciação crítica dos meios de prova em causa (exames e relatórios sociais) ou a medida da pena, concluindo-se que se trata de mero erro cuja alteração/eliminação não importa modificação essencial procedendo-se à correcção neste Tribunal de recurso, nos termos do art.º 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.P.. IV. A denominada “vinculação temática do tribunal”- o “thema decidendum”- é o corolário da estrutura acusatória do processo penal, nos termos da qual os factos descritos na acusação ou na pronúncia definem o objecto do processo, sendo este que delimita e fixa a amplitude dos poderes de cognição e decisão do tribunal (âmbito do caso julgado), assegurando-se ainda, por esta via, os direitos ao contraditório e a um efectivo direito de defesa. V. A imposição imposta pelo princípio do acusatório de correspondência entre a acusação [e a pronúncia, quando esta exista] e a sentença, não é, porém, absoluta, admitindo a lei que na sentença possam ser considerados factos novos resultantes da discussão da causa, ainda que constituam alteração dos constantes da acusação ou pronúncia, observadas que sejam as formalidades e verificados os pressupostos consagrados nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal. VI. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação, o tribunal pode deles conhecer desde que ocorrida nos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. VII. Há, porém, que determinar, em primeiro lugar, se ocorre uma verdadeira alteração de factos descritos na acusação ou na pronúncia, e, só ocorrendo está é que há que verificar, se ela é substancial ou não substancial e, perante essa definição, desencadear os mecanismos legais previstos nos referidos art.ºs 358.º e 359.º, do CPP, a fim de assegurar o exercício dos direitos de defesa, alteração essa que não ocorre no caso dos autos. VIII. Na impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto (erro de julgamento), uma das formas de impugnação da matéria de facto prevista no art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6 do CPP, não se tratando de um novo julgamento mas apenas um remédio jurídico, para ser conhecida, pelo Tribunal de recurso, tem o recorrente, nas suas conclusões, o ónus de especificar os pontos concretos de facto que considera incorrectamente julgados, as provas concretas que impõe decisão diversa da recorrida, sendo caso disso, as provas que devem ser renovadas, bem como, estando a prova gravada, de transcrever ou indicar a passagem ou passagens das declarações/depoimentos da gravação áudio, que suportem entendimento diverso, com indicação do início e termo desses segmentos, sob pena de não pode ser conhecida, por incumprimento das formalidades legalmente prescritas, nos referidos n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º, do CPP. IX. Se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem apoio adequado naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, não podendo subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do Julgador da primeira instância, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade, só podendo a reapreciação da prova, determinar a alteração à matéria de facto se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. X. O julgador pode formar a sua convicção com base em apenas um único testemunho desde que se convença, para além da dúvida razoável, que nele reside a verdade do ocorrido. No tipo de criminalidade dita de «violência doméstica», as declarações para memória futura da vítima, no caso menor, filha dos arguidos, não podem deixar de merecer ponderada valorização, sendo atendidas por o seu relato revelar verosimilhança, credibilidade e consistência ao longo do tempo, em nada contrariando o principio da livre apreciação da prova. XI. No caso de impugnação alargada da decisão sobre a matéria de facto a Relação, que conhece de facto, pode também censurar a violação do princípio in dubio pro reo se, reapreciada a prova, chegou a um estado de dúvida razoável que se impunha, ainda que o Tribunal recorrido não tenha manifestado ou sentido dúvida. XII. No caso concreto, tal não ocorre porquanto, reapreciada a prova gravada por este Tribunal de recurso esta não impõe outra leitura nem cria a dúvida razoável sobre os factos provados e impugnados.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam, em conferência, as Juízas Desembargadoras da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1.Para julgamento, em processo Comum e perante Tribunal Singular, o MINISTÉRIO PÚBLICO acusou AA, (TIR a fls. 89), natural de ..., nascida a ........1991, residente na ...; e BB, (TIR a fls. 97), natural de ..., nascido a ........1995, residente na ...; imputando-lhes, a cada um a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, pelos factos descritos na acusação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 2.Realizado o julgamento, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Local Criminal de ...– Juiz 1, foi proferida Sentença condenatória, cujo Dispositivo aqui se transcreve: “Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, julga-se a acusação do Ministério Público totalmente procedente, por provada e, em consequência: a) Condeno a arguida CC, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 2 (anos) e 8 (oito) meses de prisão. b) Suspendo a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (anos) e 8 (oito) meses (artigo 50.º, n.os 1 e 5 do Código Penal), sujeita a Regime de Prova, assente sobre plano individual de reinserção social, a elaborar pelos competentes serviços de reinserção social, no âmbito do qual ficará adstrito às obrigações desse plano decorrentes (artigos 53.º e 54.º, do Código penal, e do art. 494.º, do Código de Processo Penal), o qual deverá incidir na aquisição de competências parentais. c) Condeno o arguido BB, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 2 (anos) e 6 (seis) meses de prisão. d) Suspendo a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (anos) e 6 (seis) meses (artigo 50.º, n.os 1 e 5 do Código Penal), sujeita a Regime de Prova, assente sobre plano individual de reinserção social, a elaborar pelos competentes serviços de reinserção social, no âmbito do qual ficará adstrito às obrigações desse plano decorrentes (artigos 53.º e 54.º, do Código penal, e do art.º 494.º, do Código de Processo Penal) o qual deverá incidir na aquisição de competências parentais e na sua estabilização psicoemocional como forma de saber lidar, gerir e ultrapassar as situações adversas com as quais se venha a deparar no quotidiano familiar. e) Fixo indemnização a pagar por cada um dos arguidos à ofendida, no valor unitário de €1500,00 (mil e quinhentos euros), nos termos dos artigos 82.º-A do Código do Processo Penal e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. f) Condeno os arguidos, nas custas processuais, que englobam taxa de justiça de 3U.C., bem como nos encargos com o processo - artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal * Notifique e deposite (cfr. artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal). Após trânsito, envie boletim à DSIC para efeitos de registo criminal” 3.O arguido BB, não se conformando com a Sentença condenatória proferida nos presentes autos, dela vem interpor recurso, pedindo a sua procedência, extraindo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem): A.. O Tribunal considerou como provados factos que não constavam da acusação do Ministério Público, nomeadamente os constantes do ponto II.1.3., artigos 26 a 29 da Douta Sentença e abaixo transcritos. B. Tais factos implicam uma alteração não substancial dos factos descrito na acusação, com relevo para a decisão da causa. C. Sucede que não foi comunicada ao recorrente a referida alteração não substancial de factos nem lhe foi concedida a possibilidade de se pronunciar sobre tais factos, pelo que por essa razão, tais factos não poderiam ter sido considerados na Douta Sentença, pelo que a Sentença é nula por violação do disposto no referido preceito legal artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. D. Acresce que o tribunal a quo julgou incorretamente vários pontos de facto, pelo que vem o recorrente impugná-los: E. Existe assim uma incorreta apreciação dos factos, existem depoimentos contraditórios que impõem decisão diversa da que foi proferida, ou, pelo menos, sustentam a ideia de dúvida razoável na apreciação da prova e, consequentemente, sustentam também a aplicação do princípio in dubio pro reo; F. O recorrente entende, todavia, que os factos constantes dos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, e no que a si, diretamente, dizem respeito, os pontos 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24 do ponto II-1 da Fundamentação da Douta Sentença não deveriam ter sido considerados como provados pelo Tribunal a quo porque, por um lado, das declarações prestadas pelos Arguidos e dos depoimentos das testemunhas nos quais o Tribunal fundamentou a sua decisão não resulta tal factualidade. G. O Tribunal a quo baseou, fundamentalmente, a sua decisão no depoimento da menor ouvida em gravações para memória futura (cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2023, com início a 11:14 e fim a 11:47). H. Com o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente que a decisão recorrida valorou, de forma errónea, as declarações da menor, em conjunto com a demais prova carreada nos autos, tendo desconsiderado o valor probatório dos depoimentos prestados pelos arguidos e demais testemunhas cujo depoimento colocou em causa as declarações e credibilidade da menor, senão vejamos: I. Os factos relatados pela menor não foram relatados por mais ninguém, por nenhuma testemunha, nem em audiência de julgamento nem em mais nenhuma altura do processo. J. Acresce que, para além de o depoimento da menor se encontrar em contradição com as declarações do recorrente e da Arguida, o mesmo também apresenta contradições com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas na audiência de julgamento. K. Para além disso, a própria sentença reconhece que a menor apresenta “dificuldades na auto-regulação emocional”, “maior reatividade emocional” e “comportamentos exagerados” (cf. relatório pericial – ponto 27 da Douta Sentença); L. A testemunha DD relatou episódios concretos em que a menor inventou histórias, como o caso do autocarro, em que dramatizou a situação a ponto de ser levada por desconhecidos, invocando abandono familiar e ter sido ameaçada na Instituição. M. Foi também relatada pelas testemunhas EE e DD, a tendência da menor para manipular ou ocultar situações por receio de punição, comportamento compatível com a fabulação dos factos que originaram a acusação. N. O Recorrente, e a Arguida, negaram os factos constantes da acusação. O. Ambos prestaram depoimento sem que qualquer um tenha assistido ao depoimento do outro, por decisão do Tribunal. P. E mesmo prestando depoimento sem ser na presença do outro, cada um dos Arguidos prestou as suas declarações que, de forma geral, não têm discrepâncias entre si nem incoerências. Q. De facto, ambos dizem o mesmo, tendo negados os factos, não negaram que tenham dado uma palmada com o intuito de educar, e não de humilhar nem de ofender, como é referido na Douta Sentença. R. Ambos explicaram ao Tribunal que a menor muitas vezes mente, inventa histórias, sem nunca assumir a responsabilidade pelos seus atos. S. A Arguida, mãe da menor, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2025, com início a 14:20 e fim a 15:15, negou os factos da acusação e referindo-se ao Arguido, aqui Recorrente, referiu que o mesmo também chegou a dar uma palmada na mão. T. O Recorrente, no seu depoimento, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2025, com início a 15:16 e fim a 16:10, respondeu, quando questionado pela Mma. Juiz, sobre quem é que tratava das coisas na casa aos sábados que ficava com a FF enquanto a Arguida ia trabalhar: “Eu, eu.” E quando questionado se a GG tinha que lavar a loiça, arrumar o frigorífico, o Recorrente respondeu negativamente, em virtude de a GG ser muito pequena. O Recorrente, respondeu ainda, quando questionado pela Mma. Juiz sobre o que fazia quando a menor fazia alguma coisa que não gostasse ou não obedecesse: “Primeiro, pela repreensão verbal de que ela não devia ter feito, conversar com ela pelas razões sobre as quais não devia ter feito o que fez. E depois, dependendo do contexto, havia uma negociação sobre de que forma ela devia ser, não vou dizer punida, por uma palavra ligeiramente pesada, mas que castigo podia receber. Por exemplo, desenhos animados que ela não iria assistir, brinquedos que não iria usar (…) Eu não nego que a GG, como minha filha, talvez tenha recebido uma palmada nas mãos ou no rabo nalgum momento, como forma de disciplina. Mas nunca foi agredida com objetos sobre o corpo dela. E obviamente que se assim fosse, ela ficaria marcada.” O Recorrente referiu, também ao Tribunal que quando residiam na Av. …, a GG já tinha 9 anos, e ela queria ir lá abaixo à mercearia mas nunca lhe ordenou que fosse, dizendo que ela chegou a ir sozinha mas não corria nenhum risco pois enquanto ela ia era observada por si. Também referiu que nunca se chateou com ela por ter trazido três caixas de cereais e nega ter obrigado a menor ir lá abaixo trocar. O Recorrente referiu que nunca deu uma bofetada à menor por esta o tratar por tu. Explicou que apesar de na sua educação não se tratar por tu os mais velhos, nunca foi uma imposição nem nunca deu uma bofetada. Repare-se que na própria Sentença consta que “foi a GG quem de forma natural o começou a tratar por pai”. Não obstante, não é verdade que tal facto tenha causado algum desconforto ao arguido, como é referido na Douta Sentença, pois na verdade o Recorrente nunca se sentiu desconfortável, até teve muito gosto. U. A instâncias do Exmo. Sr. Procurador do Ministério Público, o Recorrente, questionado sobre a possível causa para a GG ter referido os factos que referiu contra si e contra a Arguida, referiu, em relação à GG, que “Quando ela era mais nova e começou a estudar na escola, a FF vinha para casa muitas vezes com queixas em relação à professora. Ela dizia que fazia xixi nas calças porque a professora não lhe deixava sair. E que mesmo que ela pedisse à professora, a professora lhe mandava ficar sentada até fazer xixi nas calças. De início nós pensávamos que a professora era má com a GG. E o que nós fizemos foi conversar com a professora. E isso não aconteceu apenas uma vez. Várias vezes, a FF tinha cerca de 4 ou 5 anos, vinha para casa e dizia que foi ignorada, que não recebeu o lanche, que a professora fez e deixou de fazer. E quando nós começámos a falar com a professora, nesta altura, a professora disse-nos que a FF é mentirosa. Ela é minha filha e para mim não é agradável estar a fazer essa natureza de declarações. Mas isso foi o que a professora disse na altura e nós ficamos tristes e pensamos que isto era uma forma de, na altura, a professora defender a si própria. E o que aconteceu foi que depois disso, quando a FF nos contava alguma situação em relação à escola, nós dizíamos, ok, então vamos falar com a professora. E muitas vezes o que ela dizia era...Não, não podes falar com a professora porque senão a professora vai me pôr de castigo. Ou então chorava para não falar com a professora. (…) Foi no ... em que a professora disse que ela era mentirosa. E no ... apenas queixava-se dos colegas. Quando mudou-se agora, quando entrou para o quinto ano, creio eu... Sim. Foi quando começou a sofrer mais pressão, vou dizer assim, na escola, porque naturalmente haviam muitos alunos muito mais velhos do que ela, e ela queixava-se que era agredida, que era maltratada. E nesta escola, foi quando eu tive a reunião com a diretora de turma, e tivemos esta conversa de, se a ... continua a queixar-se, eu disse, talvez seja uma questão de ela estar a sair de uma escola em que teve dois ou três anos com todos os colegas e agora está numa escola em que tem que se readaptar e tem alunos que se calhar se comportam de uma forma que para ela (…)” V. Tendo de seguida sido questionado pelo Digno Procurador do M.P.: “O que o senhor no fundo está a dizer é que só na escola do ... e na escola agora em ... é que o senhor se apercebeu que ela quando chegava à casa vos contava coisas que poderiam não corresponder à verdade. Ou isso também já acontecia na escola de ...”, o Recorrente respondeu que “Na escola de ... foi quando ela tinha cerca de 4 ou 5 anos que a professora disse-nos explicitamente que a nossa filha era mentirosa. Isso foi no ..., na nossa primeira residência. W. O Recorrente respondeu ainda, referindo-se à escola secundária de HH que nessa escola não recebeu queixas por parte dos professores mas por parte da GG, a queixar-se dos seus colegas, tendo referido que quando foi ter com a diretora de turma, a mesma disse que aguardava mais dois meses para ver e depois então procurar ajuda profissional. E foi nesta altura que a diretora de turma dizia que a GG, muitas vezes, era quem iniciava os conflitos, referindo que disse à professora que a GG lhes dizia, a ele e à mãe, que ela era a vítima dos conflitos. X. O Digno Procurador do M.P. referiu: “Já percebi. Diga-me uma coisa, os senhores falaram com a FF relativamente a essa situação... ao que o Recorrente respondeu: “Foi no dia desta reunião em que a GG foi levada. Y. O Digno Procurador do M.P. questionou: E foi institucionalizada?”, tendo o Recorrente respondido que sim. Z. O Digno Procurador do M.P. perguntou, ainda “Olhe, mas ela queixou-se disto aonde? (…) De ser maltratado em casa?”, tendo o Recorrente dito que: “Foi na professora II. AA.O Digno Procurador do M.P questionou: “Por um lado, ela foi o dia que foi institucionalizada, foi precisamente o mesmo dia que o senhor teve a reunião com a professora a contar-lhe a si, a dizer que aquilo que ela contava em casa não correspondia à verdade porque ela é que incentivava os conflitos na escola. É isso? Ao que o Recorrente disse que sim. BB. O Digno Procurador do M.P. perguntou, por fim, “Mas relativamente a este tipo de situações, os senhores não tiveram nunca, pergunto eu, nenhuma... nunca foram chamados à escola para esclarecer algum assunto, que ela tivesse contado na escola de alguma coisa que se tivesse passado em casa, tendo o Recorrente dito: “Não, não. É exatamente esse o ponto, ou seja...” CC .O Exmo. Senhor Procurador do M.P. indagou: “Esta situação foi uma surpresa para si?”, ao que o recorrente respondeu: “Absoluta”. DD. Refira-se, que as testemunhas DD e EE, técnicas da instituição que acolheu a menor, referem expressamente episódios de “reações teatralizadas” e distorção da realidade” por parte da menor, como forma de “evitar consequências ou chamar a atenção”. EE.A referida testemunha EE, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius, no dia .../.../2025, com início às 15h10 e fim às 15:36, referiu, em relação à menor ..., que “Inicialmente, sim, foi relatado que tinha necessidade de recorrer à mentira com alguma regularidade. Foram questões que foram trabalhadas e que, segundo aquilo que me é relatado neste momento, que estão ultrapassadas. FF. Questionada sobre se foi alguma coisa que lhe foram relatando, referiu que “No dia a dia da instituição, sim. Muitas vezes com o adulto a necessidade de se opor àquilo que era das indicações dadas pelo adulto responsável pela zona onde ela estava, pelos quartos. (…) Por exemplo, colocar em causa o adulto dizer que ele tinha batido quando isso, depois quando confrontada com o grupo, na presença do grupo, acabava pronto por dizer que realmente isso não tinha acontecido.” GG.O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou: “Que o adulto tinha batido na instituição. Que tinha ameaçado. (…). Mas com algum objectivo, concretamente, eu pensar assim, (…) E diz-lhe assim, olha, tens de tomar um quarto, eu acabo de não arrumar o quarto. E depois a consequência...Será uma outra consequência qualquer, não é? Não poder haver provisão ou uma coisa qualquer. Se ela cria a mentira para ter desculpas para não ter tomado o quarto ou se cria a essa mentira, como acabou de referir, e que o adulto tinha ameaçado isso para não ter tomado o quarto. Também queria que lhe desse exemplos concretos.”, tendo a testemunha respondido: “Tinha enurese, portanto, enurese, fazia xixi à noite. E ela não comunicava, fazia a cama e escondia. E o responsável, ao se aperceber dessa situação, chamou-a de parte e disse os procedimentos que ela deveria ter. Tirar os lençóis, fazer a cama, comunicar. E o que ela depois passou para a equipa técnica é que tinha sido ameaçada, que se isso voltasse a acontecer, o responsável que lhe iria bater. HH.O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou: “Ou seja, que se ela voltasse a fazer xixi na cama... Sim. E tinham dito que lhe iam bater?”, tendo a testemunha respondido que sim. II. Assim, a referida testemunha referiu que foi verificado, pelas técnicas da própria instituição onde a menor foi acolhida, que a mesma mentia, inclusivamente afirmando que lhe tinham batido quando tal não era verdade – para se desresponsabilizar pelo seus atos - e que por esse motivo foi confrontada, chegando depois a desmentir o que havia dito. JJ. Ora, assim, não foi em Tribunal a primeira vez que tal aconteceu – já havia sucedido na própria Instituição, mas o Tribunal não considerou tal facto na fundamentação da Sentença. KK. Aliás, ao referir o depoimento desta testemunha, como acima se transcreveu, o Douto Tribunal a quo nada referiu sobre o acima exposto, limitando-se a referir que a arguida havia dito que recorria à punição física: batia com força e com o chinelo, referindo ainda que a arguida sabia outra maneira de educar que não esta, apensar de estar aberta a outros métodos. LL. Repare-se que não foi só a testemunha EE que disse que a menor GG mentia e inventava histórias. MM. Também DD – depoimento gravado no sistema citius, no dia .../.../2025, com início às 11:08 e fim às 11:48, Psicóloga e Diretora Técnica na Instituição onde a menor se encontra acolhida, referiu o seguinte: “Uma coisa é chamar a atenção quando as coisas não correm bem e outra coisa é ser ameaçada. A JJ não gosta deste tipo de conversas, não gosta deste tipo de confrontos. Nem de ser chamada a atenção, nem depois de ver esclarecida qual é que... nem que depois se tente perceber o que é que realmente aconteceu e que se tente delimitar o que é uma coisa ou outra. Portanto, não gosta destas conversas e, portanto, tenta terminá-las ou fica em silêncio ou começa a chorar de uma forma muito intensa para aquilo que se está a falar, de forma a cortar a situação e a conversa. De maneira que nos fomos apercebendo, durante o acolhimento, que existem algumas situações em que a JJ reage de uma forma, eu diria, teatralizada, com as emoções muito teatrais, muito intensas. Isso aconteceu, por exemplo, acerca de, não quero enganar, mas diria, um ano, menos de um ano, em que uma senhora que ia passar na rua, Aliás, uma senhora veio à nossa instituição muito preocupada com uma menina que tinha encontrado na paragem a chorar compulsivamente de joelhos na paragem. E que estava muito preocupada porque essa menina lhe tinha dito que lá em casa a tinham ameaçado, que tinha sido abandonada pela mãe. Era este o teor, mais ou menos. E a senhora estava muito preocupada e conseguiu identificar a JJ. Ora, o que é que se tinha passado? Viemos a apurar. A JJ tinha saído um bocadinho mais tarde de casa, porque tinha tido um episódio de enurese. Não tinha colaborado logo, não tinha logo ido colocar os lençóis e tinha ido, portanto, tinha tentado disfarçar a situação, quando se aperceberam foram com ela arrumar as coisas e ela atrasou-se um bocadinho. Quando chegou à paragem do autocarro, o autocarro tinha partido. Apenas isto. Portanto, ela ia chegar ou em cima da hora ou um bocadinho depois da hora. E o que ela fez foi de tal forma apelativo que pararam dois carros na estrada. Porque ela, lá está, estava de joelhos, pela descrição da senhora, estava de joelhos a chorar desalmadamente, a dizer que não tinha ninguém, que ninguém a compreendia, que tinha sido abandonada pela mãe e que na instituição também, portanto, a tinham ameaçado. Lá está, tentámos conversar com a GG acerca disto, mas as conversas com a GG acerca destes momentos acabam, são sempre muito infrutíferas, não conseguimos perceber…” NN. Continuou, a instâncias da Mma. Juiz: “A GG, naquele momento do acolhimento, disse que, enquanto a mãe e o KK, o pai, mantivessem o mesmo tipo de comportamentos, que ela fala de palmadas, em relação ao Sr. KK, eu tenho muito pouca informação em relação à mãe, portanto, também fala das palmadas, e no telefonema a mãe disse que lhe dava algumas palmadas, mas era para ajudar. (…) A GG reage muito mal quando é chamada à atenção. Não quer errar, quer ser perfeita. Tenta fazer tudo para esconder uma situação em que ela sabe que não esteve à altura daquilo que ela acha que deve ser, que é a perfeição. Eu vejo algumas características na GG que me referem isso. Eu não sei qual foi a gravidade dos maus tratos físicos ou verbais.” OO. Tendo sido questionada pela Mma. Juiz: “Mas põe em causa que os mesmos tivessem existido?”, a testemunha respondeu: “Alguns deles, como esta questão da água a ferver, sim. Outros, até pela conversa que existiu entre a GG e a mãe nas visitas... PP. A Mma. Juiz questionou: “A mãe refere que houve um episódio em que a JJ se terá queimado. Ou seja, não é posta em causa que a JJ tem uma ferida, pelo menos pela mãe, não é? De queimadura. Mas descreve, contextualiza de forma diferente, ao que a testemunha respondeu: “Nós tentamos ajudar a FF a perceber o contexto e tentámos explorar isso e tentar perceber se isso tinha sido num contexto de banho. Portanto, tentámos perceber se a água não teria sido bem temperada, se a água teria, enfim, com a torneira, saído mais quente ou se foi de panela, se a água não estava bem temperada. Mas o que a FF afirmou é que achava que a mãe tinha feito aquilo intencionalmente. E afirmou e depois cortou a conversa. Portanto, sinceramente, dessa vez eu não fiquei segura que tal tivesse acontecido.” QQ. Não obstante o acima exposto, na Douta Sentença nada é referido quanto aos factos que a testemunha descreveu, a este propósito. RR. Ora, atendendo aos factos acima referidos e aos depoimentos das referidas testemunhas, ficou patente e notória a capacidade da menor GG para manipular ou ocultar situações por receio de punição. SS. Tal comportamento é compatível com a fabulação dos factos que originaram a acusação, pois já havia acontecido noutra situação a menor ter mentido, nomeadamente na própria Instituição, dizendo que alguém da Instituição lhe bateu e ameaçou, em virtude de a mesma ter errado e não conseguir assumir esse erro. TT. Assim, entende o Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter absolvido o Recorrente pois, como acima se disse, nenhuma testemunha assistiu a nenhuma agressão física ou verbal por parte do Recorrente à menor. UU. Por outro lado, nenhuma testemunha ouvida nos presentes autos disse que o Recorrente bateu ou insultou a menor – de facto, não existiu nenhuma testemunha que tivesse declarado que viu o Arguido bater na GG da forma, nos momentos e com a gravidade que consta da acusação. VV. Também a testemunha LL, tia do Recorrente, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius, no dia .../.../2025, com início às 15:40 e fim às 15:55, referiu que o Recorrente tratou da GG com um pai, que era carinhoso, amoroso, fazia-lhe as vontades todas. Disse que a menor o tratava por pai. Disse também que eles (referindo-se ao Recorrente, à Arguida e às filhas, incluindo a GG, faziam as refeições na mesma hora todos juntos, faziam a oração. E que nunca assistiu a numa violência. Relatou que o sobrinho é muito responsável, trabalhador, estudou para chegar onde está. É boa pessoa, amigo dos seus amigos. Sempre viu a GG chamar papá ao sobrinho, era uma criança feliz. Não revê esta situação de modo algum na pessoa do seu sobrinho que é uma pessoa carinhosa, afável. Não é violento. Que ajuda na Comunidade, é testemunha de Jeová, e ajuda nas comunidades. WW. No entanto, como supra se referiu, provou-se que a GG mentiu em várias situações, mentia, era extremamente inteligente, com uma grande facilidade de expressão, com muita teatralidade, sendo que por vezes chorava de forma exagerada, sendo que quando era contrariada tentava acabar com a conversa, e não gostava de ser chamada à atenção, fazendo-se de vitima, não se responsabilizando por aquilo que fazia e fazendo tudo o que conseguisse para não ser punida. Prova disso, temos o depoimento das Técnicas da Instituição, sendo que uma dela relatou o episódio em que a GG para não chegar atrasada à escola, encenou uma espécie de teatro, dizendo ter sido abandonada pela mãe e pela instituição, chorando desalmadamente, o que originou a que uma pessoa estranha que passava na rua a levasse no seu carro até à escola, colocando-se assim em perigo. XX. Neste sentido, veja-se o Relatório de Perícia Médico-Legal que o próprio Tribunal a quo menciona na Sentença, que refere, no ponto 9.1. o seguinte: “Convidada a descrever GG, assevera: “(…) ela é uma miúda muito inteligente, mesmo muito inteligente. (…) A Dra. DD relata existência de movimentos apelativos e algo exagerados, por parte de GG, na Instituição “(…) a dimensão que a GG dá às coisas é muito exagerada (…) a partir de um ponto, acrescenta um ponto (…) com teatralização também, tem capacidade de chorar quando quer, que depois termina repentinamente (…) começou a chorar copiosamente, quando muda o tema, ela repentinamente para de chorar, quando o assunto já não era aquele (…) relação muito superficial que não nos deixa avançar.” (sic). Convidada, descreve como decorre o acompanhamento psicológico da criança “(…) vai iniciar o processo psicoterapêutico e orientação analítica e propomos também terapia familiar (…)”. YY. Acrescente-se que os factos que foram relatados pela GG quando chegou à Instituição não foram todos os factos que constam da acusação. ZZ.E foi referido pela técnica da Instituição aqui ouvida – MM, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius no dia .../.../2025, com início às 11:48 e fim às 12:06, que a GG contou os factos sem qualquer emoção – a GG não estava triste nem angustiada, o que também não nos parece normal acontecer numa criança que terá mesmo sofrido maus tratos. AA A. Repare-se que conforme também se provou, no dia em que a GG foi institucionalizada, o Arguido tinha ido a uma reunião na escola, porque a GG tinha tido mau comportamento. BBB.O Arguido referiu que a Diretora turma disse que a GG muitas vezes iniciava os conflitos, e ele dizia que a GG dizia que ela era vítima dos conflitos na escola. Foi no dia desta reunião que ela foi institucionalizada. Ora, a GG sabendo que o Arguido ia à escola nesse dia e ia ser confrontado com o seu mau comportamento, disse que lhe batiam em casa. Foi a forma que ela terá arranjado para não ser confrontada com o que havia feito de errado. CCC.Note-se que não se provou nos presentes autos qualquer marca de eventuais agressões na menor. DDD.A própria testemunha NN, assistente social, cujo depoimento se encontra gravado no Sistema Citius no dia .../.../2025, com início às 14:18 e fim às 14:42, referiu, “Sim, ela referiu-me que era (…) aqui da parte de trás da perna.” Tendo a Exma. Sra. Defensora questionado: “E mostrou-lhe?” A testemunha respondeu: “Não. Eu também não lhe pedi para ver.” A Exma. Sra. Defensora voltou a questionar: “A Doutora não chegou a ver nenhuma marca na criança?” ao que a Testemunha respondeu: “Não, também não pedi. Não, não.” EEE.Do depoimento da referida testemunha resultou que a CPCJ não fez nenhuma diligência para apurar se o que a menor GG estava a dizer, relativamente ao que referiu de a mãe o Recorrente lhe terem batido, era verdade ou não. O que a testemunha disse foi que nas visitas domiciliárias que efetuou à casa dos mesmos estava tudo normal. FFF.Ora, por tudo o acima exposto, não poderia o Tribunal ter dado como provados os pontos da acusação que deu, impondo-se que tivesse absolvido o Recorrente, de acordo com o princípio “In dúbio pro reu”. GGG.Com efeito, dos depoimentos acima melhor referidos e bem assim da demais prova carreada para os autos, de acordo com as regras da experiência comum, não se poderia simplesmente condenar o Recorrente, impondo-se a sua absolvição, como aliás bem andou o Digno Procurador do Ministério Público que, a par da defesa do Recorrente, pugnou pela absolvição do Recorrente e também da Arguida, em sede de alegações finais. HHH. Precisamente porque da factualidade provada impunha-se uma absolvição do Recorrente, em virtude de não se poderem considerar como provados os pontos supra referidos. III. Do exposto, resulta que no entendimento do recorrente mal andou o Tribunal ao considerar como provados os factos acima referidos. Quer as declarações do recorrente, quer as declarações da Arguida, quer o depoimento das testemunhas supra mencionadas impunham decisão em sentido contrário. E mais: não deveria o Tribunal ter valorado as declarações da menor e não ter valorado as declarações do recorrente nem da Arguida. Não existem razões para que se dê credibilidade às declarações da menor e não se considerem as declarações do recorrente e da Arguida e das demais testemunhas. Todavia, o Tribunal a quo, relativamente às testemunhas supra indicadas, apenas referiu os factos que entendeu, omitindo, no entanto, os restantes factos que as referidas testemunhas relataram, fazendo assim uma interpretação no entendimento do Recorrente, parcial e infundada. Motivos inexistem, ou pelo menos o Tribunal não os referiu, para que se acredite na menor e não se dê credibilidade nenhuma ao recorrente e à Arguida e até às testemunhas, na parte em que as mesmas relataram as histórias inventadas pela menor e a sua capacidade para mentir e fabular. JJJ. Existe assim uma incorreta apreciação dos factos por parte do tribunal recorrido, que dispunha de elementos que eram capazes de sustentar a versão do Recorrente. KKK.. Pelo exposto, impõe-se decisão de facto diversa da que foi proferida ou, pelo menos, pesa aqui o princípio “in dubio pro reo”, dado que poderá surgir no espírito do julgador dúvida razoável na apreciação da prova. LLL…Assim, o recorrente é do entendimento que tais factos não deveriam ter sido considerados provados, devendo o Arguido ser absolvido quer do crime de violência doméstica de que vinha acusado quer da fixação de indemnização à menor. MMM. Nestes termos, a Douta Sentença do Tribunal a quo violou, assim, as normas dos artigos: -Da Constituição da República Portuguesa: artigo 32.º, n.º 2, que prevê o princípio da presunção de inocência, no qual se inclui o princípio in dúbio pro reo; -Do Código de Processo Penal: 127.º do CPP; 358.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea b) e 410.º, n.º 2, alínea a). 4. A arguida AA, notificada da Sentença condenatória proferida, por não se conformar com a mesma, vem, dela interpor recurso, extraindo-se da motivação as seguintes conclusões (transcrição): I - Entende a Recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião, que os factos constantes dos pontos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, e no que a si, diretamente, dizem respeito, os pontos 16, 17, 18, 19, 21, 22,23, 24 do ponto II-1 da Fundamentação da Douta Sentença não deveriam ter sido considerados como provados pelo Tribunal a quo porque, das declarações prestadas pelos Arguidos e dos depoimentos das testemunhas nos quais o Tribunal fundamentou a sua decisão não resulta tal factualidade. II - Da Sentença Condenatória em análise, a arguida aqui Recorrente não se conforma, por um lado, com a grave amputação que é realizada pelo Tribunal recorrido no que concerne à sua defesa, por outro, pela não valoração das suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento e gravadas no sistema citius no dia ...-...-2025, com início às 14:20 e fim às 15:15. III - Por outro lado, o Tribunal a quo ostracizou, sem qualquer explicação ou razão aparente, as testemunhas de defesa, quer da arguida, quer do arguido e acusação, as quais prestaram um importante depoimento em audiência de discussão e julgamento, mas que não foram valoradas corretamente. IV - O mesmo se dirá relativamente às testemunhas arroladas, nomeadamente, a Doutora EE, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia ...-...-2025, com início às 15:10 e fim às 15:36; o depoimento da Doutora OO, gravado no dia ...-...-2025 com início às 14:42 e fim às 15:10; o depoimento da Doutora DD que está gravado no sistema citius às 11h08 e fim às 11h48 do dia ...-...-2025; depoimento prestado pela Dra. MM que se encontra gravado no sistema Citius às 11:48 e fim às 12:06, do dia .../.../2025, a Doutora NN cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia .../.../2025, com início às 14;18 e fim às 14;42, sendo certo, que o desfecho dos presentes autos poderia, e bem, ter sido outro. V – Depoimento da Doutora DD, psicóloga e diretora técnica da instituição de acolhimento da ofendida que se encontra gravado no sistema citius, no dia ...-...-2025 com início às 11h08 e fim às 11h48, que declarou que esta reagia com grande intensidade emocional a situações banais de repreensão, adotando comportamentos que qualificou como “muito teatrais”, nomeadamente choros compulsivos, dramatizações e declarações de abandono ou maus-tratos, posteriormente desmentidas. Referiu ainda episódios concretos (como o da perda do autocarro e o facto da menor se colocar de joelhos na rua) que evidenciam uma tendência da menor para construir narrativas exageradas ou desconformes com a realidade objetiva, perante frustrações ou receio de repreensão. VI - Depoimento da Doutora MM, Técnica da mesma instituição, cuja gravação se encontra gravado no sistema Citius às 11:48 e fim às 12:06, do dia .../.../2025, que corroborou este perfil comportamental da menor, referindo episódios em que esta ocultava objetos, encenava esquecimentos e reagia com narrativas inconsistentes. Denunciou, por exemplo, a história incoerente sobre a mochila encontrada num café distante da escola, que a menor alegadamente perdera, mas cuja explicação não colhia credibilidade. VII - Depoimento da testemunha Doutora EE, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius, no dia .../.../2025, com início às 15h10 e fim às 15:36, confirmou que, no início da institucionalização, a menor manifestava necessidade recorrente de mentir ou deturpar os acontecimentos, sobretudo quando confrontada com exigências dos adultos. Deu conta de um episódio em que a menor acusou falsamente um técnico de agressão, vindo depois a admitir que tal não ocorrera. VIII – Depoimento da testemunha Doutora OO, gravado no sistema citius no dia ...-...-2025 com início às 14:42 e fim às 15:10 também psicóloga, relatou que a menor frequentemente negava ter dito algo anteriormente afirmado ou alterava os factos conforme a ocasião. Foi perentória ao afirmar que existia entre os técnicos a percepção generalizada de que as narrativas da menor nem sempre correspondiam à realidade e que, embora não pudesse afirmar que mentia deliberadamente, muitas vezes parecia “afastar-se da realidade”. IX - O Tribunal recorrido descredibilizou por completo, sem razão aparente, todas as testemunhas, tendo baseado a sua decisão, fundamentalmente no depoimento da ofendida ouvida em gravações para memória futura, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius a ...-...-2023, com início a 11:14 e fim a 11:47. X - Sendo evidente através da audição dos depoimentos das técnicas e supra transcritos que a ofendida mentia, afirmando que lhe batiam na instituição, quando não era verdade, fazendo-o para se desresponsabilizar pelos seus atos, sendo em seguida confrontada, desmentia posteriormente o que havia dito. XI - Entende a Recorrente que a decisão recorrida valorou, de forma errónea, as declarações da ofendida, em conjunto com a demais prova carreada nos autos, tendo desconsiderado o valor probatório dos depoimentos prestados pelos arguidos e demais testemunhas, cujos depoimentos colocaram efetivamente em causa as declarações e credibilidade da menor/ofendida. XII - É por demais evidente que os factos relatados pela ofendida não foram relatados por mais ninguém, quer pelas testemunhas de acusação quer de defesa de qualquer um dos dois arguidos ora Recorrentes, cujos contributos para o esclarecimento dos factos fora substanciais, concreto e tecnicamente informados. XIII - Além de o depoimento da ofendida se encontrar em contradição com as declarações da Recorrente e do Arguido, o mesmo também apresenta contradições com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, as quais não presenciaram os factos descritos na acusação. XIV - A sentença recorrida reconhece que a menor apresenta “dificuldades na auto-regulação emocional”, “maior reatividade emocional” e “comportamentos exagerados” (cf. relatório pericial – ponto 27 da sentença). XV - Foram relatados pelas Técnicas vários episódios concretos em que a ofendida inventou histórias, dramatizou situações e mentiu, invocando abandono familiar e ter sido ameaçada na instituição. XVI - As testemunhas DD e EE, referem expressamente episódios de “reações teatralizadas” e distorção da realidade” por parte da ofendida, como forma de “evitar consequências ou chamar a atenção”. XVII - Foi ainda, relatado pelas testemunhas Doutora EE e Doutora DD, técnicas da instituição que acolheu a ofendida, a tendência da mesma para manipular e/ou ocultar situações por receio de punição, comportamento compatível com a fabulação dos factos descritos na acusação. XVIII - Não foi em Tribunal a primeira vez que a ofendida mentiu, tal já havia sucedido na própria Instituição conforme referido pelas técnicas, porém o Tribunal não considerou tal facto na fundamentação da Douta Sentença. XIX- Aliás, ao referir o depoimento da testemunha Doutora EE, como acima se transcreveu, o Douto Tribunal a quo nada de relevante considerou, limitando-se a referir que a arguida havia dito que recorria à punição física, batia com força e com o chinelo, referindo ainda que a arguida não sabia outra maneira de educar que não esta, apesar de estar aberta a outros métodos. XX - Também não fez o Tribunal a quo referência ao depoimento da Doutora DD gravado no sistema citius, no dia ...-...-2025 com início às 11h08 e fim às 11h48 quando é questionada pela Meritíssima Doutora Juíza sobre se os maus tratos efetivamente ocorreram “ mas põe em causa que os mesmos tenham existido?” Tendo a testemunha respondido: “alguns deles, como esta questão da água a ferver, sim, outros, até pela conversa que existiu entre a GG e a mãe nas visitas (…)nós tentamos ajudar a GG a perceber o contexto e tentamos explorar isso e tentar perceber se isso tinha sido num contexto de banho. Portanto, tentámos perceber se a água não teria sido bem temperada, se a água teria, enfim com a torneira saído mais quente ou se foi de panela, se a água não estava bem temperada. Mas o que a GG afirmou é que achava que a mãe tinha feito aquilo intencionalmente. E afirmou e depois cortou a conversa. Portanto sinceramente, dessa vez eu não fiquei segura que isso tivesse acontecido”. XXI - No mesmo sentido ignorou o depoimento da Doutora MM que se encontra gravado no sistema Citius às 11:48 e fim às 12:06, do dia .../.../2025 ao minuto 0:44 quando questionada pela Meríssima Doutora Juiz “ Quando a FF entrou na instituição verbalizou alguma coisa… Para se apurar se de facto… Se a acompanhou desde a entrada o que é que pode dizer sobre isso? Testemunha: Sim. No início comentou aquilo que tinha vindo nas peças processuais o que ela já tinha comentado na CPCJ, que a mãe por vezes lhe batia em situações em que viviam em violência doméstica em casa e comentou duas ou três coisas que vêm descritas… Comentou como se fosse quase…Meritíssima Doutora Juiz ao 1:40: Esteve presente no primeiro dia do acolhimento? Testemunha: sim. Meritíssima Doutora Juiz: E a GG espontaneamente descreve o se tinha passado? Testemunha: comentou como se fosse quase uma recriação muito neutra, comentou sem muita emoção, disse o que tinha acontecido mas depois não voltou a falar no assunto e não voltou a falar naquele contexto, foi só quando chegou, nós perguntamos o que é que tinha acontecido e ela espontaneamente começou a falar sobre isso, e que voltaria a casa da mãe se a mãe não lhe batesse. Nunca mais, pronto, só queria que aqueles acontecimentos passassem e não voltou a falar sobre o assunto. Meritíssima ao minuto 2: 37 a senhora perguntou-lhe noutras ocasiões para ela contar novamente o que é que tinha acontecido? Testemunha: “ não, não voltei a perguntar. Meritíssima Doutora Juiz ao minuto 2:46 e a GG alguma vez se aproximou de si para falar sobre isso? Testemunha não.(…) Meritíssima Juiz ao minuto 4: 01 Se recorrentemente a FF manifestou algum receio de voltar a casa? Testemunha minuto 4: 08 Só quando o julgamento começou é que ela disse que tinha algum receio pelas consequências que poderiam advir de julgamento não é do impacto que isso podia ter também na família, mas não manifestou receio de como poderia ser a reação” (…) Meritíssima Juiz ao minuto 4: 28 reação de quem para com quem? Meritíssima Juiz ao minuto 6: 39 relacionado com esta situação de eventual abuso físico e psicológico, se há alguma situação que queira relatar? Testemunha ao minuto 6: 48 não me recordo. Durante o internamento nunca houve nenhuma questão de a GG de ter dito de ter havido alguma situação de agressão física(…)”. XXII - Não se provou quer através de prova documental, quer através de prova testemunhal, marca de eventuais agressões na menor, quer físicas quer psicológicas, compatíveis com maus tratos ou quadro de violência doméstica. XXIII - Nomeadamente, através do depoimento da Técnica Social NN, que foi quem teve o primeiro contacto com a ofendida, ainda em contexto escolar, no dia em que a criança foi institucionalizada, a qual apesar de ouvir a versão da ofendida, confirmou não ter visto nenhuma lesão. XXIV - Ouça-se o seu depoimento que se encontra gravado no Sistema Citius no dia .../.../2025, com início às 14:18 e fim às 14:42, a qual referiu quando questionada pela defensora oficiosa sobre os maus tratos à ofendida: “(…) Sim, ela referiu-me que era (…) aqui da parte de trás da perna.” A Mma. Defensora questionou: “E mostrou-lhe?” A testemunha respondeu: “Não. Eu também não lhe pedi para ver.” A Mma. Defensora voltou a questionar: “A Doutora não chegou a ver nenhuma marca na criança?” A Testemunha respondeu: “Não, também não pedi. Não, não.” XXV - Do depoimento da referida testemunha resultou que a CPCJ não realizou quaisquer diligências para verificar se o relato da ofendida correspondia à verdade, falha que deveria ter sido considerada na valoração da prova. XXVI - Dos depoimentos das várias técnicas sociais que tiveram contacto com a ofendida nos primeiros dias da sua institucionalização nada referiram da existência de quaisquer marcas físicas ou psicológicas. XXVII - Foram unânimes em referir que apenas tomaram conhecimento do que lhe foi relatado pela ofendida nesse dia, não voltando a mesma a falar da situação que a levou a ser institucionalizada. XXVIII - Na Douta Sentença recorrida nada é referido quanto aos factos que as testemunhas descreveram a este propósito. XXIX - Dos factos acima referidos e dos depoimentos das referidas testemunhas, ficou patente e notória a capacidade da ofendida para manipular ou ocultar situações por receio de punição. XXX - Tal comportamento é compatível com a fabulação dos factos que originaram a acusação, pois já havia acontecido noutra situação a menor ter mentido, nomeadamente na própria Instituição, dizendo que alguém da Instituição lhe bateu e ameaçou, em virtude de a mesma ter errado e não conseguir assumir esse erro. XXXI - Os Arguidos, sobre os factos vertidos na acusação cada um deles prestou o seu depoimento em audiência de julgamento, sem a presença do outro, por decisão do Tribunal, no entanto, não se verifica discrepâncias nem incoerências nas suas declarações. XXXII - Ambos prestaram declarações coerentes, negando os factos descritos na acusação, admitindo apenas terem, pontualmente, recorrido a palmadas com intuito educativo e não com intenção de ofender a menor. XXXIII - As declarações de ambos os arguidos são coincidentes, ao explicarem ao Tribunal diversas situações em que de facto a ofendida muitas vezes mente, inventa histórias, sem nunca assumir a responsabilidade pelos seus atos. XXXIV - A Arguida ora Recorrente, mãe da ofendida, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2025, com início às 14:20 e fim a 15:15, negou os factos da acusação, tendo no entanto, admitido que terá dado uma palmada à GG, mas que tal aconteceu em situações muito pontuais, explicando que tal não acontecia com frequência quando questionada pelo Digníssimo Procurador da República ao minuto 03:42 Diz-se aqui na acusação que a senhora várias vezes terá agredido fisicamente a sua filha. Quer falar sobre isso? O que é que aconteceu? Arguida: O que aconteceu é que eu não considerava aquilo agressão. Eu achava que eu pegava na mão dela e lhe dava palmada e na maioria das vezes até eu falava com ela, já sabemos o que é que ela apanhou, eu explicava o que é que ela apanhou, dava palmada na mão. Agora, agressão, agressão, não sei se você considera agressão. Sr. Procurador Dava-lhe palmadas na mão, por que motivo? 04:33Arguida Quando ela fizesse alguma coisa, que normalmente as crianças às vezes desobedecem, às vezes acometem alguns erros, né? (…) Eu era mais de avisar, não faças isso, não faças isso, não faças isso. Já no limite que eu pegava numa mão e dava uma palmada. Só isso. Sr. Procurador e o Sr. KK? Alguma vez o viu bater na sua filha uma palmada, como se fosse? Arguida: Sim, uma palmada do jeito que eu fazia. Eu não achava que fosse mau ele fazer aquilo. Sr. Procurador: Também dava palmadas e era também na mão? 05:31Arguida Sim, ele dava na mão.(…)” XXXV - O arguido, no seu depoimento, o qual se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2025, com início a 15:16 e fim a 16:10, respondeu, quando questionado a instâncias do Exmo. Sr. Procurador da República sobre a possível causa para a GG ter referido os factos que referiu contra si e contra a Arguida, disse, em relação à GG, que “Quando ela era mais nova e começou a estudar na escola, a GG vinha para casa muitas vezes com queixas em relação à professora. Ela dizia que fazia xixi nas calças porque a professora não lhe deixava sair. E que mesmo que ela pedisse à professora, a professora lhe mandava ficar sentada até fazer xixi nas calças. De início nós pensávamos que a professora era má com a GG. E o que nós fizemos foi conversar com a professora. E isso não aconteceu apenas uma vez. Várias vezes, a GG tinha cerca de 4 ou 5 anos, vinha para casa e dizia que foi ignorada, que não recebeu o lanche, que a professora fez e deixou de fazer. E quando nós começámos a falar com a professora, nesta altura, a professora disse-nos que a FF é mentirosa. Ela é minha filha e para mim não é agradável estar a fazer essa natureza de declarações. Mas isso foi o que a professora disse na altura e nós ficamos tristes e pensamos que isto era uma forma de, na altura, a professora defender-se a si própria. E o que aconteceu foi que depois disso, quando a GG nos contava alguma situação em relação à escola, nós dizíamos, ok, então vamos falar com a professora. E muitas vezes o que ela dizia era...Não, não podes falar com a professora porque senão a professora vai me pôr de castigo. Ou então chorava para não falar com a professora. Sim, ou seja, quando vivíamos no ..., estava numa escola básica. Quando nos mudámos para o ..., continuou numa escola básica perto de casa. Portanto, do ..., não do .... Exatamente (…) Foi no ... em que a professora disse que ela era mentirosa. E no ... apenas queixava-se dos colegas. Quando mudou-se agora, quando entrou para o quinto ano, creio eu... Sim. Foi quando começou a sofrer mais pressão, vou dizer assim, na escola, porque naturalmente haviam muitos alunos muito mais velhos do que ela, e ela queixava-se que era agredida, que era maltratada. E nesta escola, foi quando eu tive a reunião com a diretora de turma, e tivemos esta conversa de, se a GG e continua a queixar-se, eu disse, talvez seja uma questão de ela estar a sair de uma escola em que teve dois ou três anos com todos os colegas e agora está numa escola em que tem que se readaptar e tem alunos que se calhar se comportam de uma forma que para ela (…)” O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou ainda o arguido: “O que o senhor no fundo está a dizer é que só na escola do ... e na escola agora em ... é que o senhor se apercebeu que ela quando chegava à casa vos contava coisas que poderiam não corresponder à verdade? Ou isso também já acontecia na escola de ...?”. O Recorrente respondeu que “Na escola de ... foi quando ela tinha cerca de 4 ou 5 anos que a professora disse-nos explicitamente que a nossa filha era mentirosa. Isso foi no ..., na nossa primeira residência”. O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou: “Na escola do ..., qual era a informação que vos era transmitida?” O Recorrente respondeu: “Aqui no ..., ela teve duas escolas. Escola básica do ..., em que eu não tive necessidade alguma de conversar com a professora em relação a isso. E sim na escola mais recente, que foi a escola secundária. Não sei se é professor PP... Aqui é HH, exato. Na escola secundária de HH.” O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou: “Mas aí também recebeu queixas por parte dos professores? Ao que o Recorrente disse: Não de parte dos professores, mas por parte da GG.” O Exmo. Senhor Procurador do M.P. indagou: “Da GG, a queixar- se dos seus colegas? O Recorrente respondeu: “Exatamente. E foi quando eu fui ter com a diretora de turma, que a diretora de turma... Que disse que aguardava mais dois meses para ver e depois então procurar ajuda profissional. E foi nesta altura que a diretora de turma dizia que a GG, muitas vezes, é quem iniciava os conflitos. E eu aí disse à professora, a GG nos diz que ela é a vítima dos conflitos. O Exmo. Senhor Procurador do M.P. disse: “Já percebi. Diga-me uma coisa, os senhores falaram com a GG relativamente a essa situação?”, ao que o Recorrente respondeu: “Foi no dia desta reunião em que a GG foi levada.(…) Exmo. Senhor Procurador do M.P. prosseguiu: E foi institucionalizada?” Tendo o Recorrente dito: “Exatamente.” Senhor Procurador do M.P. perguntou: “Olha, mas ela queixou-se disto aonde?” O Recorrente questionou: “Disto o quê?” O Exmo. Senhor Procurador do M.P.: “De ser maltratado em casa.” O Recorrente disse: “Foi na professora II. O Exmo. Senhor Procurador do M.P. perguntou: “Essa última escola...?” E o Recorrente respondeu: “Exatamente.” O Exmo. Procurador do M.P perguntou: “Por um lado, ela foi o dia que foi institucionalizada, foi precisamente o mesmo dia que o senhor teve a reunião com a professora a contar-lhe a si, a dizer que aquilo que ela contava em casa não correspondia à verdade porque ela é que incentivava os conflitos na escola. É isso? O Recorrente respondeu: “Exatamente.” O Exmo. Senhor Procurador do M.P. perguntou: “Mas relativamente a este tipo de situações, os senhores não tiveram nunca, pergunto eu, nenhuma... nunca foram chamados à escola para esclarecer algum assunto, que ela tivesse contado na escola de alguma coisa que se tivesse passado em casa. O Recorrente disse: “Não, não. É exatamente esse o ponto, ou seja...”O Exmo. Senhor Procurador do M.P. questionou: “Esta situação foi uma surpresa para si?” Ao que o recorrente respondeu: “Absoluta”. XXXVI - Atendendo aos factos acima referidos aos depoimentos das referidas testemunhas, e declarações dos arguidos ora Recorrentes, ficou patente e notória a capacidade da ofendida para manipular e/ou ocultar situações por receio de punição. XXXVII – Várias testemunhas, como a Doutora DD e a Doutora EE relataram episódios concretos de manipulação por parte da menor/ofendida, incluindo falsas acusações contra elementos da instituição. XXXIII – A testemunha Doutora DD declarou expressamente, em sede de audiência, não ter ficado segura da veracidade da alegação da menor de que a mãe lhe deitou água a ferver, o que compromete gravemente a credibilidade da ofendida. XXXIX - Tal comportamento é compatível com a fabulação dos factos que originaram a acusação, pois já havia acontecido noutra situação a menor ter mentido, nomeadamente na própria Instituição, dizendo que alguém da Instituição lhe bateu e ameaçou, em virtude da mesma ter errado e não conseguir assumir esse erro. XL - O Tribunal a quo deveria ter absolvido a Recorrente da prática do crime de violência doméstica pois, como acima se disse, nenhuma testemunha assistiu a nenhuma agressão física ou verbal por parte do Recorrente à menor. XLI - Nenhuma testemunha ouvida nos presentes autos, disse ter visto a arguida ora Recorrente bater ou insultar a ofendida, quer na forma e gravidade que consta na acusação, ou em quaisquer outras. XLII - Provou-se que a ofendida mentiu em várias situações, é extremamente inteligente, com uma grande facilidade de expressão, com muita teatralidade, sendo que por vezes chorava de forma exagerada, sendo que quando era contrariada tentava acabar com a conversa. XLIII – A ofendida não gostava de ser chamada à atenção, fazendo-se de vítima, não se responsabilizando por aquilo que fazia e fazendo tudo o que conseguisse para não ser punida. XLIV - Temos o depoimento das Técnicas da Instituição, sendo que uma delas relatou o episódio em que a ofendida para não chegar atrasada à escola, encenou uma espécie de teatro, dizendo ter sido abandonada pela mãe e pela instituição, chorando desalmadamente, o que originou a que uma pessoa estranha que passava na rua a levasse no seu carro até à escola, colocando-se assim em perigo. XLV - Veja-se o Relatório de Perícia Médico-Legal que o próprio Tribunal a quo menciona na Sentença, que refere, no ponto 9.1. o seguinte: “Convidada a descrever GG, assevera: “(…) ela é uma miúda muito inteligente, mesmo muito inteligente. (…) A Dra. DD relata existência de movimentos apelativos e algo exagerados, por parte de GG, na Instituição “(…) a dimensão que a GG dá às coisas é muito exagerada (…) a partir de um ponto, acrescenta um ponto (…) com teatralização também, tem capacidade de chorar quando quer, que depois termina repentinamente (…) começou a chorar copiosamente, quando muda o tema, ela repentinamente para de chorar, quando o assunto já não era aquele (…) relação muito superficial que não nos deixa avançar.” (sic). Convidada, descreve como decorre o acompanhamento psicológico da criança “(…) vai iniciar o processo psicoterapêutico e orientação analítica e propomos também terapia familiar (…)”. XLVI - Acrescente-se que os factos que foram relatados pela GG quando chegou à Instituição não foram todos os factos que constam da acusação. Foram apenas alguns. XLVII - Foi referido pela técnica da Instituição MM, cujo depoimento se encontra gravado no sistema Citius no dia .../.../2025, com início às 11:48 e fim às 12:06, “(…) “a GG contou os factos sem qualquer emoção, a GG não estava triste nem angustiada(…)”, o que também não nos parece normal acontecer numa criança que terá efetivamente sofrido maus tratos. XLVIII - Conforme também se provou, no dia em que a GG foi institucionalizada, o Arguido tinha ido a uma reunião na escola, porque a GG tinha tido mau comportamento, conforme declarações prestadas pelo mesmo(…) O Exmo. Senhor Procurador do M.P. disse: “Já percebi. Diga-me uma coisa, os senhores falaram com a GG relativamente a essa situação?”, ao que o Recorrente respondeu: “Foi no dia desta reunião em que a GG foi levada.(…) Exmo. Senhor Procurador do M.P. prosseguiu: E foi institucionalizada?” Tendo o Recorrente dito: “Exatamente.” Senhor Procurador do M.P. perguntou: “Olha, mas ela queixou-se disto aonde?” O Recorrente questionou: “Disto o quê?” O Exmo. Senhor Procurador do M.P.: “De ser maltratado em casa.” O Recorrente disse: “Foi na .... O Exmo. Senhor Procurador do M.P. perguntou: “Essa última escola...?” E o Recorrente respondeu: “Exatamente.” O Exmo. Procurador do M.P perguntou: “Por um lado, foi no dia que foi institucionalizada, foi precisamente o mesmo dia que o senhor teve a reunião com a professora a contar-lhe a si, a dizer que aquilo que ela contava em casa não correspondia à verdade porque ela é que incentivava os conflitos na escola. É isso? O Recorrente respondeu: “Exatamente.” XLIX - Ora, a ofendida sabendo que o Arguido ia à escola nesse dia e ia ser confrontada com o seu mau comportamento e com o que havia feito de errado arranjou forma de não ser confrontada quer pelo padrasto quer pela Diretora dizendo que era sujeita a maus tratos em casa, dizendo que queria ser institucionalizada. DO DIREITO: Da fundamentação da decisão de facto: Crítica à valoração da prova L - A motivação da sentença proferida pelo Tribunal a quo revela uma apreciação da prova que, salvo o devido respeito, padece de vícios relevantes, com repercussão na decisão final. LI - Para extrair as conclusões e condenação dos Arguidos ora Recorrentes, o Tribunal a quo lançou mão do Princípio da Livre Apreciação da Prova, a qual não se confunde, de modo algum, com a apreciação arbitrária da prova, nem tão pouco com a mera impressão gerada pelos diversos meios probatórios no espirito do julgador. LII - O Tribunal assentou fortemente a sua convicção no depoimento prestado pela ofendida, em declarações para memória futura, atribuindo-lhe um grau de credibilidade praticamente absoluto, em detrimento das declarações dos arguidos e de outros elementos probatórios. LIII - Para o efeito, o Tribunal a quo recorreu-se amplamente ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, invocando jurisprudência e doutrina no sentido de que tal princípio não se confunde com arbitrariedade, antes exige uma apreciação crítica, lógica e racional da prova. LIV - Contudo, aquilo que se verifica, na prática, é uma valorização quase exclusiva do depoimento da ofendida, sendo os restantes meios de prova valorados apenas na medida em que o confirmam, o que contraria o princípio do “in dubio pro reo” e revela uma apreciação parcial da prova. LV - O depoimento da menor, ainda que colhido em momento processualmente protegido, não pode, por si só, bastar para a formação da convicção do Tribunal quanto à verificação dos factos imputados, quando o mesmo surge envolto em episódios descritos pelas técnicas como exagerados, contraditórios ou emocionalmente inflacionados – o que foi reconhecido pelas próprias profissionais que a acompanharam, nomeadamente MM e DD. LVI - De igual modo, o depoimento da assistente social NN, que assenta numa primeira conversa com a menor, em contexto escolar e sem qualquer contraditório. LVII - Já o relatório pericial, utilizado para reforçar a credibilidade da menor, baseia-se em elementos parcialmente subjectivos e em observações interpretativas, sem estabelecer uma relação causal necessária entre os comportamentos da menor e alegados episódios de agressões quer físicas quer psicológicas. LVIII - As declarações dos arguidos foram desvalorizadas por alegada falta de arrependimento ou empatia, assim como pela suposta “postura jocosa” da arguida, critérios que, sendo essencialmente subjectivos, não podem servir de base para afastar por completo a sua versão dos factos, sobretudo quando acompanhada por testemunhos e por relatórios da DGRSP que, não descrevem qualquer situação de risco grave iminente. LIX - Ao não ponderar devidamente os elementos contraditórios existentes nos autos, desde os relatos iniciais da menor, os depoimentos das técnicas e ao assumir uma verdade material exclusivamente com base na palavra da ofendida, o Tribunal incorreu numa apreciação arbitrária da prova, violando os princípios do processo penal, nomeadamente o princípio do in dubio pro reo, a presunção de inocência e a necessidade de fundamentação racional das decisões de facto (artigos 127.º e 374.º, n.º 2 do CPP). Da valoração da prova: Errada apreciação da credibilidade da menor e desvalorização arbitrária da prova de defesa. LX - Da audição dos depoimentos prestados pelos arguidos e das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, cujas declarações se encontram integralmente gravadas no sistema Citius — não resulta, de forma concludente, a factualidade dada como provada, antes se revela uma realidade complexa, ambígua, e por vezes contraditória, que impunha ao Tribunal, pelo menos, a formulação de uma dúvida razoável quanto à dinâmica familiar subjacente aos presentes autos. LXI - A arguida não se conforma, desde logo, com a omissão na valoração das suas próprias declarações, prestadas em sede de audiência no dia ...-...-2025 (14h20–15h15), as quais foram arbitrariamente desconsideradas, numa decisão que mais se aproxima de uma amputação do direito de defesa do que de uma apreciação livre e crítica da prova. LXII - O Tribunal a quo desvalorizou sem justificação plausível os depoimentos das testemunhas de defesa, tanto da arguida como do arguido e até da acusação, cujos contributos para o esclarecimento dos factos foram substanciais, concretos e tecnicamente informados: LXIII - A Dra. DD, psicóloga e diretora técnica da instituição de acolhimento da menor, declarou que esta reagia com grande intensidade emocional a situações banais de repreensão, adotando comportamentos que qualificou como “muito teatrais”, nomeadamente choros compulsivos, dramatizações e declarações de abandono ou maus-tratos, posteriormente desmentidas. Referiu ainda episódios concretos (como o da perda do autocarro e a cena de joelhos na rua) que evidenciam uma tendência da menor para construir narrativas exageradas ou desconformes com a realidade objetiva, perante frustrações ou receio de repreensão; LXIV - A Dra. MM, técnica da mesma instituição, corroborou este perfil comportamental da menor, referindo episódios em que esta ocultava objetos, encenava esquecimentos e reagia com narrativas inconsistentes. Denunciou, por exemplo, a história incoerente sobre a mochila encontrada num café, distante da escola, que a menor alegadamente perdera, mas cuja explicação não colhia credibilidade; LXV - A Dra. EE confirmou que, no início da institucionalização, a menor manifestava necessidade recorrente de mentir ou deturpar os acontecimentos, sobretudo quando confrontada com exigências dos adultos. Deu conta de um episódio em que a menor acusou falsamente um técnico de agressão, vindo depois a admitir que tal não ocorrera; LXVI - A Dra. OO, também psicóloga, relatou que a menor frequentemente negava ter dito algo anteriormente afirmado ou alterava os factos conforme a ocasião. Foi perentória ao afirmar que existia entre os técnicos a percepção generalizada de que as narrativas da menor nem sempre correspondiam à realidade e que, embora não pudesse afirmar que mentia deliberadamente, muitas vezes parecia “afastar-se da realidade”; LXVII - O Tribunal a quo optou, de forma quase exclusiva, por valorizar as declarações da menor prestadas em sede de declarações para memória futura, como se estas, por si só, bastassem à formação da convicção condenatória, ignorando a jurisprudência firmada no sentido de que o depoimento da vítima, quando não corroborado por outros meios de prova consistentes, não pode, por si só, sustentar uma condenação penal, especialmente quando existem elementos concretos e tecnicamente fundamentados que colocam em causa a fiabilidade da sua perceção, memória e relato (cf. Ac. STJ de 14.12.2011, Proc. 3763/07.5TACBR.C1.S1, entre outros). LXVIII - Por conseguinte, entende a Recorrente que a sentença recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova, com base em fundamentos arbitrários, com desconsideração de elementos relevantes e com valorização acrítica de um depoimento cuja credibilidade está objetivamente posta em causa pelos próprios profissionais que com a menor interagiram no dia-a-dia institucional. LXIX - A prova produzida impunha a absolvição da Recorrente, por não se ter provado, com o grau de certeza exigido em processo penal, que os factos imputados que lhe são imputados, ocorreram nos moldes descritos na acusação. LXX - No fundo, apenas a ofendida confirma o libelo acusatório. LXII - Quem acusa tem de provar e se não prova, vale o princípio da presunção da inocência, nos termos do art.º 32º, da CRP. LXIII - Com efeito, dos depoimentos acima melhor referidos e bem assim da demais prova carreada para os autos, de acordo com as regras da experiência comum, não se poderia simplesmente condenar a Recorrente e o Arguido, impondo-se deste modo a sua absolvição, como aliás e bem andou o Digno Procurador do Ministério Público que, a par das defesas dos Arguidos ora Recorrentes, pugnou pela absolvição dos mesmos em sede de alegações finais em 1.ª Instancia. LXIV - Ao contrário do veiculado na douta sentença recorrida, não existe qualquer contexto, de onde se possa extrair que as condutas pontuais descritas, tenham tomado tamanho desvalor que leve a considerar que a ofendida tenha sofrido maus-tratos físicos ou psíquicos. LXV - Impõe-se decisão diversa da que foi proferida, pesa aqui o princípio “in dubio pro reo”, dado que poderá surgir no espírito do julgador dúvida razoável na apreciação da prova. LXVI - Dos elementos constantes dos autos, articulados com a prova produzida em audiência, salvo melhor opinião, não podem levar à conclusão de que estamos perante a prática de um Crime de Violência Doméstica. LXVII – Foi feita uma incorreta apreciação dos factos por parte do Tribunal recorrido, que não deveriam ter sido considerados provados, devendo a Arguida ora Recorrente ser absolvida quer do crime de violência doméstica, quer da fixação de indemnização à ofendida. LXIII - A Douta Sentença do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 127.º do CPP, e bem assim o princípio “in dubio pro reo”, corolário do princípio da presunção de inocência, que está previsto no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e bem assim os artigos 127.º do CPP; 358.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea b) e 410.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal. Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, só assim se fazendo a Habitual Justiça! 5.Os recursos foram admitidos por despacho a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. artigos 401., n.º 1, alínea b), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea a), 408.º, n.º 2, alínea c), e 427.º, todos do Código do Processo Penal). 6.O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, dela apartando as seguintes CONCLUSÕES (transcrição): 1. Nos presentes autos, foram os arguidos, ora recorrentes, QQ e o arguido BB, condenados pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena, respectivamente, de 2 (anos) e 8 (oito) meses de prisão, suspensos na sua execução pelo período de 2 (anos) e 8 (oito) meses, sujeita a Regime de Prova e de 2 (anos) e 6 (seis) meses de prisão, suspensos na sua execução pelo período de 2 (anos) e 6 (seis) meses, também sujeito a regime de prova; 2. Inconformados, os arguidos recorreram da sentença proferida, impugnando a matéria de facto, por entender que que o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, por ter valorado as declarações prestadas pela vítima, a menor FF, em detrimento das declarações prestadas pelos arguidos, as quais entendem que foram corroboradas, pelo menos em parte, pela demais prova produzida em audiência e concretamente, as declarações prestadas pelas demais testemunhas; 3. Contudo, não assiste qualquer razão aos arguidos, ora recorrentes, pois decorre da prova produzida em audiência de discussão e julgamento e designadamente, dos documentos e bem assim, das declarações prestadas por todos os intervenientes, que os arguido praticaram os factos em que foram condenados; 4. E é ao tribunal que incumbe apreciar a prova, com plena observância das regras legais e, uma vez observadas, como é o caso, não tem que ser confrontada a sua convicção, porque diversa daquela a que chegaram os demais intervenientes processuais, no caso, os arguidos, ora recorrentes; 5. Deste modo, nenhuma razão assiste aos recorrentes, ao impugnarem a matéria de facto dada como provada, alegando erro de julgamento, quando os mesmos no fundo, pretendem atacar a convicção do tribunal, mas apenas porque difere daquela que eles próprios formaram, uma vez que se constata que a decisão recorrida se mostra lógica, coerente e conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal; 6. Não tendo restado dúvida que os arguidos praticaram os factos, atenta a prova produzida, uma vez que, da prova produzida nos autos, forçoso é conclui que os arguidos praticaram o crime de que vinham acusados, não tem qualquer cabimento a aplicação do princípio do “in dubio pro reo”, o qual apenas tem lugar quando existe uma dúvida insanável e ultrapassável, o que não ocorreu in casu; 7. Verifica-se assim que o Tribunal a quo não julgou incorrectamente os factos, porquanto, em relação aos mesmos, foi produzida, prova suficiente e bastante, de que os arguidos, ora recorrente, praticaram os factos por que foram condenados; 8. Inexistindo igualmente, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova, pois a prova foi apreciada em obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica; 9. Pelo que a decisão recorrida é material e formalmente correcta, devendo merecer inteira confirmação pois não enferma de qualquer vício, deficiência, obscuridade ou contradição; 10. O enquadramento jurídico-penal, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se correcto e a pena aplicada acertada, atendendo ao ilícito criminal em causa, aos bens jurídicos tutelados, à personalidade dos arguidos e à ausência de antecedentes, e às necessidades de prevenção, geral e especial, que o caso reclama. Face ao exposto, não podemos, assim, concordar com as teses defendidas pelos recorrentes, dado que, a douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, pelo que deve a mesma ser mantida, integralmente, negando-se provimento ao recurso interposto. Porém, Vossas Excelências decidirão, como sempre, como for de lei e de JUSTIÇA! 7.Nesta Relação, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer acompanhando a resposta do Digno Magistrado do Ministério Público na primeira instância, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso interposto. * Foi cumprido o disposto no n.º2 do art.º 417.º, do CPP. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. Cumpre apreciar e decidir. ** II. OBJECTO DO RECURSO Constitui jurisprudência e doutrina assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP1, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).2 Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente…” Nos termos do n.º 1 do art.º 410.º, do CPP (Fundamentos do recurso) 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação abrangem a matéria de facto e a matéria de direito (art.º 428º do C.P.P), podendo o recurso, sempre que a lei não restrinja a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida (art.º 410º, nº 1 do C.P.P). Tendo em conta a natureza das questões submetidas no recurso, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 4º do Código de Processo Penal). Atendendo às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada são as seguintes as questões a apreciar, por ordem de precedência lógica: 1.ª Da nulidade da sentença decorrente de alteração não substancial dos factos provados 26 a 29 não comunicada à defesa nos termos dos art.ºs 358.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea b) ambos do CPP. 2.ª Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto aos factos 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24 do ponto II-1, por violação do princípio da presunção da inocência e por violação do princípio da livre convicção. * III. FUNDAMENTAÇÃO III.1. O Tribunal recorrido deu como provados e não provados na sentença os seguintes factos: II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 FACTOS PROVADOS 1. A ofendida FF nasceu no dia ........2012. 2. A arguida AA é mãe da ofendida. 3. O arguido BB é padrasto da ofendida, vivendo com esta desde os seus cinco/ seis anos. 4. Arguidos e ofendida residiram na ..., até ao dia ........2022, dia em que FF foi institucionalizada na ..., em ... onde permanece. 5. O casal tem duas filhas menores, a saber, RR nascida ........2018 e SS nascida ........2022. 6. A arguida agredia a menor como forma de educar ou para descarregar a sua raiva. 7. Em datas não concretamente apuradas, desde o pré-escolar, por motivos fúteis e sempre que a menor se portava mal, mas, quase diariamente, a arguida agrediu a ofendida, usando diversos objectos, nomeadamente chinelos, sapatos e colheres de pau grande e grosso, que servia para amassar uma comida angolana denominada, Funge. 8. A arguida desferia golpes com os objectos referidos em 7. nas diversas partes do corpo da ofendida, com excepção da face. 9. A arguida recorria com maior frequência ao chinelo. 10. As agressões em causa duravam cerca de 10 a 15 minutos. 11. Em data não concretamente apurada, a arguida agarrou num par de sapatos de salto alto e aproximou os saltos juntos aos olhos da ofendida, ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe ia furar os olhos com os saltos. 12. Em data não concretamente apurada, quando estava a pintar a mesa, a arguida agarrou a ofendida pelos pés, virou-a de cabeça para baixo e desferiu-lhe golpes na cabeça com um livro grosso. 13. Em consequência de tal agressão, a ofendida ficou com dores de cabeça. 14. Quando a menor se queixava de colegas da escola lhe baterem, a arguida dizia-lhe que tinha de bater com mais força e que era “burra” por não ter sabido bater como deve ser. 15. Após o nascimento da filha mais nova, durante cerca de cinco a seis meses antes de ser acolhida, algumas vezes, a arguida não confecionou refeições para a menor, acabando por a ofendida se alimentar apenas de cereais, com a sopa da irmã mais nova, ou com que encontrava no frigorifico, quando não tomava as refeições na escola. 16. O arguido proibia a ofendida que o tratasse por “tu” ou “padrasto”, tinha de ser por você e pai. 17. Em datas não concretamente apuradas, mas sobretudo ao sábado ou quando se encontravam a sós, o arguido agredia a ofendida com a sua mão, mas também recorrendo a chinelo e à colher de pau. 18. O arguido obrigava-a a varrer o chão de sala e limpar o pó dos móveis bem como a limpar o seu quarto. 19. Os arguidos também obrigavam a ofendida a ir fazer compras, sozinha e quando não fazia bem, obrigavam-na repetir. 20. Os arguidos nunca festejaram o aniversário da ofendida. 21. Por via das agressões corporais e psicológicas dos arguidos, as quais foram sendo praticados desde os seus 5/6 anos de idade, da sua dependência emocional e económica, a ofendida não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação daqueles, circunstância de que se aproveitaram no sentido descrito. 22. Bem sabiam, ainda, os arguidos que, agindo como descrito, atingiam a integridade física, magoava e causavam lesões e dores à ofendida, e isso desde os seus cinco/seis anos de idade, o que quiseram e conseguiram. 23. Ao atuar do modo acima descrito, os arguidos quiseram maltratar corporalmente a ofendida, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a no seu sentimento de segurança, o que decidiram fazer no interior do domicílio comum e conseguiram, muito embora soubessem que, na qualidade de mãe e padrasto da ofendida, sobre eles impendiam um dever acrescido de respeito para com esta, bem como de cuidar do seu bem-estar físico e psíquico. 24. Os arguidos, ao actuar da forma descrita, agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. * II.1.2 Da contestação 25. Nem o arguido, por ser testemunha de Jeová, nem a arguida festejam o seu aniversário ou o das suas filhas. * II.1.3 Apuraram-se, ainda, os seguintes factos: 26. A GG foi referenciada na CPCJ, como criança em risco, na sequência de um confronto entre arguido e arguida, ocorrido em ........2020, tendo sido sinalizado outro conflito entre o casal em ........2022. 27. Do exame pericial feito à menor resulta, para além do mais, o seguinte: “(…)desenvolvimento global adequado à sua idade cronológica. (…) A sua capacidade de conservar memórias e reproduzir os acontecimentos por si vivenciados não se encontra comprometida (…). (…) Apresenta dificuldades na auto-regulação emocional, com reduzida tolerância às frustrações e vulnerabilidade ao stress. (…) (…) apresenta indicadores de existência de possível abuso físico (…): sintomatologia ansiosa; existência de défices na auto-regulação emocional, ou seja, na sua capacidade de direcionar, controlar, modular e modificar a estimulação emocional de modo a que a examinanda manifeste um comportamento adaptativo em situações afectiva e emocionalmente exigentes; maior reactividade emocional chegando a evidenciar exageros reacionais (…); padrão comportamental por vezes do tipo oposicional e baixa auto-estima com percepção negativa de si mesma, sendo que o investimento escolar parece assumir uma função compensatória deste aspeto. A este último aspecto acresce a exposição da criança a diversos fatores de risco, que importa identificar, nomeadamente: pertença a uma família monoparental, possível existência de atitudes educativas inadequadas, padrão disciplinar punitivo, possível exposição a violência conjugal, vulnerabilidades de uma das suas irmãs com possíveis necessidades especiais e acrescida exigência da função materna. Constata-se haver um reconhecimento, por parte da GG (…), da existência de significativos conflitos parentais, sendo percecionada significativa intensidade dos mesmos. O impacto da possível exposição ao conflito entre a sua mãe e o seu padrasto e à alegada violência doméstica, pode afetar uma criança/jovem de forma não previsível e variável, podendo daí resultar danos ao nível emocional, comportamental, social, cognitivo e físico, revelados a curto, médio ou longo prazo através de reações de externalização ou de internalização.” 28. Do relatório da DGRSP, relativo ao arguido KK, consta, para além do mais, o seguinte: “Por altura dos alegados factos, o casal estaria a vivenciar um período de certa instabilidade relacional, com recorrentes altercações entre ambos, conjuntura que terá espoletado durante a pandemia da COVID 19, aludindo TT a que terão acumulado significativa tensão e stress, quer pelo confinamento habitacional de todos os elementos, quer pelo facto do próprio estar em situação de teletrabalho sem as devidas condições. Esta conjuntura teve produziu significativo impacto no próprio, ao nível da saúde mental, na medida em que veio a provocar-lhe recorrentes ataques de ansiedade que induziram a tentativa de suicídio e hospitalização, sem o devido acompanhamento médico subsequente face às restrições das medidas implementadas nos serviços de saúde por altura da pandemia. Importa referir que o processo de desenvolvimento de TT não decorreu no nosso país, mas sim em ..., cujos progenitores tiveram mais dois filhos. Contudo, integrando os irmãos consanguíneos, a fratria comportava um total de dezassete. Ainda assim, o arguido usufruiu de condições socioeducativas favoráveis, que integravam um modelo educacional exigente, tendo no país de origem completado o 12º ano e com o apoio económico dos pais se deslocado para o nosso país há cerca de 12 anos para prosseguir os estudos superiores. Ingressou na Licenciatura de Engenharia Informática na ..., tendo, entretanto, transitado para o ... (...), cursando a mesma licenciatura, até ao segundo semestre do último ano, o qual não concluiu face a dificuldades financeiras, direcionando para o trabalho. Ao tempo dos alegados factos o arguido encontrava-se a trabalhar em empresa de informática, sendo o próprio que assegurava as despesas de subsistência do agregado familiar. O seu percurso profissional tem sido construído nessa área e em diferentes empresas, das quais saiu, por opção própria, na tentativa de procurar melhores condições laborais. No presente, TT trabalha na ... A., como team leader da equipa de desenvolvimento de software, auferindo um vencimento líquido de 1 794,96€, ao qual acresce um benefício mensal de 1 000€, sendo com este valor que o mesmo assegura o pagamento da frequência do ... por parte da filha mais velha (330€) e da mensalidade do leasing automóvel (741€). Para além destas, o arguido assume as demais despesas fixas do agregado familiar, respeitantes ao arrendamento habitacional (600€), fornecimento de serviços de água, eletricidade e pacote telecomunicações (115€), seguro de saúde (80,12€), bem como outras correntes não quantificadas na íntegra, na medida em que a companheira apresenta dificuldades em desempenhar uma atividade laboral em regime de full-time, face à necessidade de acompanhar as duas filhas comuns a terapias e consultas, por apresentarem perturbações do neuro desenvolvimento, i.e., eventual espectro do autismo. (…) TT manifesta enorme mágoa por se ver na condição de arguido, tal como a companheira que caracteriza como uma excelente mãe, estando, por vezes, mais afastado de AA e das filhas para que a enteada possa vir em visita a casa e não constituir um elemento promotor de eventuais constrangimentos. Porém, os afetos pela arguida mantêm-se e será equacionada para de futuro a reunião familiar. (…) em caso de condenação, emergem na vivência de TT outras necessidades que se prendem com a necessária estabilização psicoemocional, como forma de saber lidar, gerir e ultrapassar as situações adversas com as quais se venha a deparar no quotidiano familiar.” 29. Do relatório da DGRSP, relativo à arguida AA consta, para além do mais, o seguinte: “O processo de desenvolvimento de AA decorreu em ..., no seio de uma família numerosa constituída pelos pais e seis irmãos, beneficiando de uma educação rígida e direcionada para os estudos e aquisição de competências profissionais, tendo frequentado o sistema de ensino até à Faculdade, cursando Gestão de Empresas. Refere não ter concluído a licenciatura, na medida em que conheceu o pai da sua primeira filha, numas férias que o mesmo passou em ..., encetando namoro, sendo que sem prévio planeamento ficou gestante. No início de ... deslocou-se para o nosso país no sentido de se agregar ao namorado, contudo, coabitaram por pouco tempo. Com o apoio dos pais ainda prosseguiu a Faculdade, na área de Gestão, mas face às responsabilidades enquanto mãe decidiu abandonar os estudos. Ao tempo dos alegados factos encontrava-se desempregada, após um período em que decorrente da pandemia da COVID 19 permaneceu em situação de ..., por encerramento do salão de ... onde trabalhava. Entretanto, realizou algumas formações na área de manicura e pédicure e uns meses após o nascimento da última filha veio, gradativamente, a retomar a atividade laboral. Na atualidade trabalha por conta própria, tendo arrendado um espaço para o efeito, localizado em .... Esta decisão também decorreu da necessidade de gerir o seu tempo, atendendo ao facto de as duas filhas mais novas apresentarem perturbações do neurodesenvolvimento, realizarem consultas e terapias semanais, sendo que a mais nova ainda não se encontra integrada em estabelecimento de infância, permanecendo, diariamente, aos seus cuidados. Face a esta conjuntura, a arguida alega retirar parcos recursos económicos desta atividade, tendo-se percecionado que estando a filha mais nova sempre presente (tal como no decurso da entrevista) não conseguirá a mesma realizar cabalmente qualquer atividade, face à atenção que a menor lhe requer. Deste modo, a maior parte das despesas do agregado familiar continua a ser assumida pelo pai das suas filhas. (…) Do apurado, avalia-se que o modo de vida da arguida pauta-se por indicadores ajustados de inserção pessoal e profissional, tendo usufruído de uma educação rigorosa e realizado um adequado percurso escolar em ..., seu país de origem e prosseguido os estudos Universitários já em ..., os quais veio a abandonar face ao nascimento da primeira filha, menor visada nos autos. Teria esta cerca de 4/5 anos de idade quando iniciou novo relacionamento afetivo/marital, com TT, com sequente vivência conjunta e duas filhas em comum, que na atualidade têm 6 e 2 anos de idade. Todavia a conjugalidade do lar não veio a apresentar-se linear, espoletando vários fatores que incorreram a desfavor, tais como a conjuntura pandémica que induziu a uma maior permanência de todos os elementos do agregado familiar na habitação, a certa desestabilização psicoemocional do coarguido e companheiro, às perturbações de desenvolvimento da primeira filha comum e ainda pelos comportamentos problemáticos que a menor visada nos autos apresentava em contexto intrafamiliar e escolar. Neste contexto, AA manifesta-se apreensiva pelo eventual retorno da sua filha ao agregado familiar, dado que aquando das visitas que tem realizado em fins de semana e férias escolares parece manter análogas atitudes, pretendendo que tudo seja feito à sua maneira e sem sujeição a regras. * 30. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados. *** II.2 FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou contudo que: A. Na ocasião descrita em 12. foram cinco os golpes desferidos. B. Quando estava no primeiro ano de escolaridade, e quando estava a tomar banho, a arguida deitou água que estava a ferver nas costas da menor. C. A arguida apelidava a ofendida de "filha da puta.". D. O arguido obrigava a ofendida a trata-lo por pai, o que não gostava e não estava habituada. E. Em data não concretamente apurada, após a ofendida o ter tratado por “tu”, o arguido desferiu-lhe uma bofetada na face. F. Sempre que havia mais gente em casa, em datas não concretamente apuradas, para não a ouvirem chorar, o arguido costumava colocar fita cola na boca da ofendida. G. Em data não concretamente apurada, o arguido não gostou que a ofendida não tivesse comido a comida toda, o que fez com que a agredisse com o pau grosso e grande a que se alude em 7.. H. Em consequência de tal agressão, a ofendida ficou com um hematoma no olho direito e uma ferida na perna esquerda. I. Em data não concretamente apurada, o arguido acedeu um fósforo, ao mesmo tempo que agarrou a ofendida pelos braços, para a imobilizar, acabando por a queimar na perna direita, na zona da coxa. J. Em acto continuo, o arguido agarrou noutro fósforo que voltou a acender, e voltou a queimar a ofendida na mesma perna. K. O arguido voltou a repetir aqueles actos uma terceira vez. L. Em consequência de tais actos, a ofendida ficou com duas marcas na zona atingida. M. Em datas não concretamente apuradas, por motivos fúteis, o arguido fechou a ofendida dentro do quarto daquela, fechando as persianas, deixando-a no escuro, o que lhe causava medo. N. Nas férias de verão, do 1º ano para o 2º ano, o arguido atirou o chinelo à cara da ofendida, atingindo-a no olho esquerdo, deixando-a com dores. O. Sempre que a ofendida não acordava com o despertador, o arguido acordava-a através de gritos e abanando-a, com força. P. O arguido dizia, com frequência, à ofendida "és uma merda, és um erro da tua mãe.". Q. Os factos descritos em 18., ocorreram desde os seis/sete anos da ofendida. III.2. O Tribunal recorrido procedeu à fundamentação da decisão de facto da seguinte forma: II.3 CONVICÇÃO DO TRIBUNAL Para formar a nossa convicção sobre a matéria de facto provada e não provada baseámo-nos na análise ponderada e crítica do conjunto da prova produzida, em ordem à reconstituição da dinâmica do acontecido. Mais nos baseámos no princípio da livre apreciação da prova ínsito no art.º 127.º do Código Processo Penal, o qual preceitua “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Como é sabido, a livre apreciação da prova de modo algum se confunde com a apreciação arbitrária ou com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos vários meios de prova. “A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova”. Vejam-se, nesta orientação Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado e Comentado, III, 246; Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 288;entre outros. Por isso se consagrou a necessidade de fundamentar a decisão “com indicação de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (cfr. art. 374.º, n.º 2 do Código Processo Penal). Concretizando. O arguido quis prestar declarações, negando, no essencial a prática dos factos que lhe eram imputados, contextualizando-os de forma diferente, e não lhes dando importância. Assumiu apenas que para correcção lhe desferido algumas vezes uma palmada na mão ou no rabo. Aceita ainda que transmitiu à FF que se deveria dirigir a si na terceira pessoa, por respeito, tratando-o por “pai” ou por “você”, sendo que foi a GG quem de forma natural o começou a tratar por pai, o que até causou algum desconforto ao arguido. A partir de ... começou a ficar aos Sábados com a GG, enquanto a arguida saía para trabalhar, negando que nessas alturas a obrigasse a fazer as lides domésticas, sem prejuízo de a mesma dever levantar o seu prato da mesa e manter o quarto arrumado. Relativamente aos aniversários, esclareceu que, por ser testemunha de Jeová não celebra nenhum aniversário. Quis fazer passar a ideia de que a GG é mentirosa, inventa histórias e arranja problemas com colegas sem que nunca assuma a culpa dos seus actos, e que os factos constantes da acusação não são mais que uma dessas histórias, que contou para encobrir o seu mau comportamento. Tenta ainda justificar o comportamento da ofendida com o facto de ter passado por um processo complicado com o alargamento da família (nascimento das duas irmãs mais novas). Também a arguida desvaloriza as acusações que lhe foram imputadas e os castigos que infligiu na GG, negando também, no essencial os factos imputados, não obstante ter admitido ter-lhe desferido palmadas nas mãos e rabo e numa ocasião também com o chinelo. Aliás, em diversos momentos do julgamento chegou mesma a ter uma postura jocosa. Não demonstrou arrependimento nem empatia pelos problemas que a filha possa estar a passar. À semelhança do arguido, enfatizou o facto de a ofendida ser mentirosa e inventar histórias. Esclareceu ainda que, apesar de não ser religiosa, a sua família não festeja qualquer aniversário. Apesar da postura desculpabilizante da arguida, não pudemos dar credibilidade à essencialidade das suas declarações, por se encontrarem em contradição com a demais prova produzida. Assim, essencial foi a credibilidade concedida ao depoimento da menor GG, ouvida em declarações para memória futura, que confirmou os factos que se deram como provados. De forma simples, e não demonstrando qualquer intuito persecutório, descreveu o comportamento dos arguidos para consigo, desde que tem memória, relatando episódios de agressões verbais e físicas. Prestou um depoimento contido, mas consistente com o que já tinha transmitido várias vezes, quer na escola, quer junto da instituição onde se encontra, quer perante a perita médica que a avaliou. E não se diga que por ser uma criança o depoimento da GG merece menos credibilidade do que o de um adulto. Como bem ilustra Catarina Ribeiro no seu estudo, «A Criança na Justiça – Trajectórias e Significados do Processo Judicial de Crianças Vítimas de Abuso Sexual Intrafamiliar», Almedina, Maio 2009, onde se escreve que, «No que diz respeito às noções de verdade e mentira, todas as crianças enfatizam a importância de dizer a verdade em tribunal. A grande maioria delas acredita que pode ir presa se não disser a verdade no tribunal. Este dado é interessante porque, devido a este medo, tendencialmente a criança terá menos tendência a mentir do que o adulto (Flin et al., 1989). Algumas das crianças do grupo dos 10 anos também reconhece a importância de dizer a verdade para encontrar os verdadeiros culpados ou para ajudar a polícia e o Juiz a decidir» (página 98), que «(…) Algumas investigações demonstram que as crianças não têm tendência a mentir (a situação em que a mentira é mais frequente nas crianças tem a ver com o evitamento do castigo e não com uma atitude de mentira deliberada) e, mais do que isso, não têm tendência a mentir mais do que os adultos (Melton e Pagliocca, 1992)» (página 115) e que, « Contrariamente à ideia amplamente difundida de que a criança revela menos capacidade para testemunhar do que os adultos, os dados da investigação têm vindo a demonstrar que as crianças revelam elevadas competências testemunhais e comunicacionais, bem como uma capacidade de discernimento superior à que frequentemente lhes é atribuída. Relativamente à questão da capacidade de discernimento entre a verdade e a mentira, os estudos revelam que esta capacidade é adquirida muito precocemente, geralmente a partir dos 4 anos as crianças conseguem perceber esta diferença (Chenevière et al., 1997; Halpérin. 1997)». O depoimento da menor foi corroborado pelo depoimento da assistente social, NN, que foi quem primeiro teve contacto com a menor, ainda na escola. Refere ter sido chamada à escola pela professora da GG, uma vez que esta estava a ter um comportamento agressivo para com outro colega. Quando falou com a menor, a mesma transmitiu-lhe das agressões físicas e psíquicas que estava a ser vítima (tal como as descritas nos factos provados) e, apesar de saber das consequências de ser institucionalizada (não ver mais a mãe), pediu para o ser, demonstrando receio de continuar a viver com a mãe. Esta testemunha descreveu o relato da menor como muito descritivo, pormenorizado e gráfico. O que chocou esta testemunha foi que a menor, com 9 anos, não tivesse dúvida de que não queria voltar para casa, facto que nunca tinha ocorrido ao longo de todos os anos em que exerce a sua profissão. Mais referiu que os arguidos sempre tiveram uma postura de desrespeito para com a CPCJ, desrespeitando a sua intervenção, descrevendo como foi recebida em casa destes, antes da institucionalização da menor, onde se deslocou por a ofendida ter sido sinalizada em consequência de agressões entre o casal. Prestou um depoimento desinteressado e imparcial, que mereceu a credibilidade do Tribunal. Conforme dissemos já, depois de relatar os episódios de violência a NN, quando chegou à instituição voltou a fazê-lo, nomeadamente perante DD e MM, mantendo o já descrito, conforme esta testemunhas puderam confirmar. A testemunha DD, Psicóloga, directora técnica na instituição, prestou um depoimento muito calmo e objectivo e com conhecimento directo dos factos por que depôs, por ter acompanhado a menor desde que entrou na instituição. Esta testemunha confirmou ainda, que em conversa com a mãe da menor a mesma confirmou a ameaça descrita na acusação com um sapato de salto alto (o que foi negado em julgamento pela arguida, que até referiu nem sequer ter em casa sapatos com salto), mas desculpando-se com o facto de a menor saber que nunca iria concretizar tais ameaças. Mais referiu que a mãe é demasiado exigente para com a GG, sendo que o que a menor faz nunca é suficiente para agradar, e que é difícil para a mãe aceitar a diferença de perfil que existe entre as duas. Em relação à GG, para além de referir que a mesma nunca se contradisse em relação ao que tinha sido o seu relato inicial, disse ainda que a mesma se sente sozinha, desamparada e insegura. Relatou alguns episódios em que a mesma exagerou nas reações que teve e outros em que primeiro tentou esconder alguma coisa que pensava que tinha feito menos bem (como esconder os lenções sujos por causa da enurese noturna) mas, quando confrontada com tais factos e depois de lhe ser transmitido que estava num ambiente seguro a mesma aceitava o erro e assumia o que tinha feito. Foi ainda ouvida a testemunha MM, Assistente Social na instituição onde a menor se encontra, com conhecimento directo dos factos por que depôs por ter acompanhado a menor desde a altura da institucionalização. Prestou um depoimento pouco objectivo, utilizando expressões em relação à menor como “mente”, “criança dissimulada”, dando nota, depois de instada a fazê-lo de alguns episódios onde a menor terá exagerado na reacção que teve e outros em que não terá contado a verdade (pelo menos num primeiro momento). Foi ainda ouvida a assistente social EE, que começou a acompanhar esta família já depois da institucionalização, no âmbito do processo de promoção e protecção. Nessa qualidade chamou a arguida para uma reunião, onde a mesma lhe transmitiu que recorria à punição física: batia com força e com o chinelo. Referiu ainda que a arguida não sabia outra maneira de educar que não esta, apesar de estar aberta a outros métodos. Também a tia da menor, UU, referiu que numa ocasião (quando a filha mais nova do casal nasceu) a GG se aproxima de si para lhe pedir ajuda, triste, dizendo-lhe o padrasto lhe tinha batido, o que acabou por ser desvalorizado. Ainda falou com a arguida acerca desse assunto, para que a mesma ficasse atenta, mas acabou por nada se fazer a esse respeito. Ouviu-se ainda OO, técnica do ... que acompanhou esta família no âmbito do processo de promoção e protecção, relatando o esforço da arguida em se adaptar e a cumplicidade evidenciada entre a mãe a e ofendida. Foram ainda ouvidas as familiares do arguido, sendo que LL, tia do arguido, descreve-o como doce, amoroso, calmo, afável e responsável e VV tia do arguido, se refere ao mesmo como trabalhador. Por fim, WW, amiga da arguida, considera-a uma boa mãe, cuidadora, prestável e flexível. Muito relevante foi ainda a análise critica e ponderada do relatório pericial solicitado (cfr. factos descritos em 27.). Da análise da cópia do processo de promoção e proteção junta aos autos se concluiu como em 26. dos factos provados. Relativamente às condições pessoais e de vida dos arguidos, relatório da DGRSP, o Tribunal fundou-se nas declarações dos mesmos em conjugação com a análise dos relatórios da DGRSP juntos aos autos. Analisados os factos em conjugação com a prova produzida, não teve o Tribunal dúvida, por um lado, em dar credibilidade às declarações da menor e, por outro lado e consequentemente, em dar como provados os factos descritos nos factos provados, porquanto confirmados pela menor, de forma consistente e coerente ao longo de todo o processo. Acresce que o seu comportamento também vai de encontro àquilo que foram as suas declarações – por causa dos sucessivos episódios de violência doméstica de que foi vítima, viu-se em situação de tal desespero que pediu ajuda na escola e solicitou a sua institucionalização. Estamos a falar de uma menina de nove anos que sempre viveu com a mãe. Este pedido, fugindo ao que é normal ocorrer com crianças da mesma idade (que querem sempre ficar em casa, ainda que vítimas de qualquer tipo de violência), leva-nos a concluir que o que se passava em casa era muito grave e estava a perturbar o seu são desenvolvimento. Aliás, a menor já tinha pedido anteriormente ajuda a familiares, relatando episódios de violência, o que foi sempre desvalorizado. Acresce que do relatório pericial junto aos autos podemos ver que a menor tem capacidade para guardar memórias e para as descrever posteriormente, como aqui ocorreu. Mais aí se realça que a menor evidenciou diversos factores de risco/comportamentos que podem ser indiciadores da existência de abuso físico, como a dificuldade na auto-regulação emocional, a baixa auto-estima, a maior reactividade emocional chegando a evidenciar exageros emocionais. Ou seja, os comportamentos relatos quer pelos progenitores quer pelas técnicas da instituição como exagerados ou dissimuladores da realidade mais não são do que consequências do abuso físico e também psicológico a que a menor esteve sujeita. Ademais, conforme esclareceu DD, se num primeiro momento a reacção da menor a uma situação adversa possa ter sido o esconder ou camuflar com uma história, a mesma acabava por descrever o que tinha ocorrido com verdade, depois de lhe ter sido transitada segurança, que estaria num ambiente seguro onde lhe era permitido errar (ao contrário do que acontecia em casa, onde não lhe era permitido errar). E, apesar dos arguidos terem tentado passar a ideia de serem calmos e assertivos, a verdade é que, conforme decorre dos factos descritos em 26. E foi ainda relatado pela GG, os arguidos discutiam muito enquanto casal, que foi precisamente o que levou a que a GG fosse sinalizada como criança em risco. Mais consta do relatório da DGRSP, que o arguido tem dificuldade em regular as suas emoções e em ligar com a adversidade e o stress. Todos estes factores, em conjugação ainda com as regras da experiência e do senso comum, visto que é manifesto que, actuando da forma descrita, os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento do carácter proibido da conduta praticada, não podendo ignorar que usando da sua força física na ofendida, uma menina (que era sua filha e enteada),bem como gritando com ela e humilhando-a, como descrito na acusação, a molestavam fisicamente e a humilhavam e a diminuíam, o que quiseram. Por último, relativamente aos antecedentes criminais, considerou-se os Certificados de Registo Criminal juntos aos autos. * Relativamente aos factos não provados, os mesmos não foram confirmados nem pela GG em declarações para memória futura, nem pelos arguidos, nem por qualquer outro meio de prova, razão por que se deram os mesmos como não provados. III.3.OTribunal recorrido procedeu ao enquadramento jurídico/fundamentação de direito seguinte: II.4 DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS II.4.1 Do Crime A primeira tarefa que se impõe passa por determinar se a conduta descrita e imputada aos arguidos, e agora dada como provada, coincide com a descrição jurídico penal legalmente prevista, de modo a que os arguidos possam ser responsabilizados pela sua infracção. Para tanto, dever-se-ão ter em conta os respectivos normativos, aos quais está subjacente a tutela de um determinado bem jurídico. Como afirma MUÑOZ CONDE, in Teoria General del Delito” (1984), pág. 9, “a norma jurídico-penal pretende a regulação de condutas humanas e tem por base a conduta humana que pretende regular”, acrescentando ainda que “a norma selecciona uma parte que valora negativamente e que comina com uma pena”. *** Os arguidos vêm acusados, cada um, de ter praticado um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d) e e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal. Preceitua o artigo 152.º do Código Penal que: “1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: (…) d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; e) A menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”. * São, pois, elementos típicos do mencionado crime, na parte que ora interessa: a) Que a vítima seja pessoa particularmente indefesa, em razão da idade ou dependência económica e coabite com o agressor/ seja menor seu descendente ou descendente da pessoa com quem o agente mantenha uma relação análoga à dos cônjuges: Trata-se de um crime específico impróprio, na medida em que pressupõe a existência de uma determinada relação de dependência entre o agente e o ofendido e de coabitação. Efectivamente, a maior gravidade do ilícito reside no facto de a vítima ser particularmente indefesa, no caso, quer em razão da idade, a GG é menor e tinha apenas 9 anos de idade quando foi institucionalizada, dependendo dos arguidos que são sua mãe e padrasto, respectivamente, com quem vivia, deles dependendo a todos os níveis, quer economicamente, quer nas decisões da sua vida, quer emocionalmente. b) Que esta pessoa tenha recebido do agente maus-tratos físicos (isto é, ofensas à integridade física simples) ou psíquicos (consubstanciados em humilhações, provocações, molestações, ameaças): Em termos práticos, maus tratos significa, antes de mais, o exercício da violência, consubstanciada, nomeadamente em: I) Violência física: ofensa corporal (qualquer conduta que origine ou seja susceptível de ocasionar ofensa do corpo ou da saúde da vítima, entre as quais, bofetadas, pontapés, murros, empurrões, arranques de cabelo, lançamento de objectos contundentes, estrangulamento, fustigação de cintos ou correias, entre muitos outros); II) Violência psíquica: humilhações, provocações, molestações, ameaças, insultos, injúrias, condutas vexatórias, comportamentos possessivos, isolamento, privação de convívio com familiares e amigos, destruição de objectos pessoais; III) Violência económica: negação de acesso ao dinheiro, negação do direito de trabalhar; IV) Violência espiritual: negação de valores e crenças culturais ou religiosas ou obrigação de aceitação de determinadas crenças ou valores de ordem religiosa ou cultural. No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que ambos os arguidos agrediram a GG, de forma repetida e regular, quer com a mãe, quer recorrendo a objectos, como chinelos ou colheres de pau, assim como a obrigavam a fazer tarefas domésticas desadequadas à sua idade. Mais se provou que a arguida ainda injuriou a ofendida, chamando-a de “Burra” e ameaçou-a com um salto de sapato. Pelo exposto, a acção dos arguidos foi adequada a preencher também este elemento do tipo por terem imprimido de violência física e psicológica na ofendida. c) Que a prática destas condutas seja de modo reiterado ou não: Com as alterações introduzidas pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, relativamente ao anterior crime de maus-tratos foi adicionada a expressão “de modo reiterado ou não”, sendo que do anteprojecto e da proposta de lei constava a alternativa “de modo intenso ou reiterado”, que acabou por não vingar. A alteração original visava, de acordo com a exposição de motivos do anteprojecto, pôr cobro à querela doutrinal e jurisprudencial, sobre a existência ou não da reiteração como elemento objectivo típico de verificação obrigatória. No entanto, o texto que acabou por ficar expresso na nossa lei também não quer significar que se tenha transformado qualquer ofensa ou ameaça (de natureza semipública) em crimes de maus-tratos (com moldura penal reforçada e natureza pública), apenas pelo facto de ocorrerem no âmbito de uma relação afectiva – neste sentido Plácido Conde Fernandes (Violência doméstica – novo quadro penal e processual penal, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, n.º 8, pág. 307). Conforme refere aquele Procurador adjunto “nem todas as ofensas constituem maustratos, neste sentido plenamente típico. Designadamente, não serão maus-tratos quando careçam de intensidade para colocarem em crise o bem jurídico protegido.” A alteração legislativa introduzida não veio acrescentar muito à redacção anterior em vigor, na medida em que já se entendia maioritariamente, que, pese embora em princípio o preenchimento do tipo não se baste com uma acção isolada do agente, nem tão pouco com vários actos temporalmente muito distanciados entre si, existem casos que uma só conduta, pela sua excepcional violência e gravidade, basta para considerar preenchida a previsão legal. Este entendimento mantém-se o mesmo face à nova redacção do artigo, pelas razões já expostas. De qualquer forma, no caso dos autos verifica-se que as agressões de que a ofendida foi vítima por parte de ambos os arguidos não foram actos pontuais ou isolados, antes se prolongaram diariamente por vários anos até que a ofendida se conseguiu libertar dele pedindo ajuda na escola. Este comportamento dos arguidos é cruel e desumano, pelo que também este elemento do tipo se encontra preenchido. d) Que o agente tenha actuado com dolo, em qualquer um das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal: Encontra-se ainda provado que os arguidos quiseram maltratar corporalmente a ofendida, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a, amedrontando-a e perturbando-a no seu sentimento de segurança, o que decidiram fazer no interior do domicílio comum e conseguiram, muito embora soubessem que, na qualidade de mãe e padrasto da ofendida, sobre eles impendiam um dever acrescido de respeito para com esta, bem como de cuidar do seu bem-estar físico e psíquico. Os arguidos, ao actuar da forma descrita, agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Preenchendo-se também este elemento subjectivo do tipo. * Verificado que está o preenchimento do crime de violência doméstica importa averiguar da existência de uma circunstância modificativa agravante susceptível de integrar a factualidade apurada na alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º, do Código Penal, ou seja, se os arguidos praticaram os factos no domicílio comum ou no domicílio da vítima. Compreende-se a agravação destes casos, “num contexto que é no domicílio que se multiplicam as agressões a coberto de uma certa sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela ausência de testemunhas” (Plácido Conde Fernandes, Ob. cit., pág. 314). No caso em apreço, a conduta dos arguidos, e o respectivo dolo, integram a circunstância modificativa agravante especial da alínea a), do n.º 2 do artigo supra referido, pois que ficou provado que os factos foram praticados pelos arguidos no domicílio comum e ainda que a vítima era menor de idade. ** Inexistem circunstâncias susceptíveis de afastar a ilicitude do facto ou a culpa do agente, pelo que é de concluir que cada um dos arguidos praticou, em autoria material e na forma consumada, um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo 152.º, n.os 1 alíneas d) e e) e 2, alínea a), do Código Penal. *** II.4.2 Das Consequências Jurídicas do Crime II.4.2.1 A determinação Legal da Pena “A lei penal faz corresponder à realização de cada crime uma certa pena por via de regra variável (entre um máximo e um mínimo). Determinada a autoria de um crime, verificado fica o conjunto dos pressupostos de que depende a verificação de uma consequência ou de um efeito jurídicos, o que conduz para um novo domínio: o das consequências jurídicas do crime e reacções criminais” (vide Manuel Simas Santos, Medida Concreta da Pena no Supremo Tribunal de Justiça, in Medida Concreta da Pena, Disparidades, 1998, VISLIS Editores, pág. 25). * “In casu”, a moldura penal do tipo legal de violência doméstica (previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1 alíneas d) e e) e 2 do Código Penal), é de 2 a 5 anos de prisão. Inexistindo quaisquer circunstâncias modificativas comuns, agravantes ou atenuantes, os arguidos deveram ser punidos com uma pena a fixar entre dois a cinco anos de pena de prisão. ** II.4.2.2 A determinação Judicial da Pena II.4.2.2.1 A medida concreta da pena Importa apurar qual a medida concreta das penas que se reputam adequadas. No caso concreto, não podemos olvidar que a moldura penal do tipo legal de crime de violência doméstica já reflecte a alta gravidade do ilícito. Mas vejamos, uma a uma, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra os arguidos, nomeadamente as enumeradas no art. 71.º, n.º 2 do Código Penal: a) A ilicitude dos factos considera-se elevada atendendo ao valor e natureza dos bens jurídicos violados – o bem-estar físico e psíquico da ofendida e ainda ao facto de as agressões se terem prolongado por vários anos e com consequências muito graves para a menor. Os arguidos sabiam que a ofendida não se podia defender. Acresce que a arguida é mãe da ofendida. b) A culpa é elevada, tendo a arguida agido com dolo directo. c) As necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, tendo em atenção a enorme quantidade de crimes desta natureza que se praticam na sociedade. A necessidade de criminalização das condutas previstas neste preceito adveio da progressiva consciencialização acerca da gravidade de um fenómeno social de proporções tanto mais alarmantes quanto dissimuladas e altamente lesivo, com repercussões quer a nível da formação individual, quer a nível da integridade do próprio tecido social. A verdade é que a violência doméstica faz parte integrante da experiência de muitos lares, o que tem levado muitos autores a dizer que a casa é um dos lugares mais “perigosos” das sociedades modernas (cfr. XX in Violência Doméstica, um problema sem fronteiras, acessível em verbojuridico.net, pág. 3, citando YY), facto que já não é tolerado pela comunidade, que passou a exigir uma intervenção séria do Estado nesta área, geradora de tão grande conflitualidade social no seio familiar. d) As exigências de prevenção especial são medianas, uma vez que, por um lado, os arguidos não têm antecedentes criminais registados mas, por outro lado, para além de não terem juízo crítico acerca das suas condutas, desvalorizam as suas acções e apesar do acompanhamento que têm tido junto do ..., mantêm a mesma postura, o que faz recear que a regressar a casa, os arguidos possam manter a mesma postura para com a ofendida. De realçar ainda que ambos os arguidos se encontram a trabalhar e integrados familiarmente. Ponderado tudo o acima exposto, bem como a moldura penal aplicável ao crime em apreço, e sabendo que a pena a aplicar aos arguidos deverá ser o reflexo de todos os critérios e factores enunciados, afigura-se justo e adequado: • Condenar a arguida na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, pelo crime de violência doméstica praticado. • Condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos e 6 (dois) meses de prisão, pelo crime de violência doméstica praticado. ** II.4.2.2.2 Das penas de substituição O nosso Código Penal prevê como alternativa à pena efectiva de prisão a aplicação em sua substituição de penas que em concreto se mostrem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. Ora, a pena de prisão aplicada em concreto em medida superior a 2 anos de prisão, como ocorre nos presentes autos apenas pode ser suspensa na sua execução (art. 50.º do Código Penal) subordinada ou não ao cumprimento de deveres (art. 51.º do Código Penal) e/ou regras de conduta (art. 52.º do Código Penal) e/ou com regime de prova (art. 53.º do Código Penal). Vejamos então, o caso concreto. * II.4.2.2.2.1 - Da Suspensão da Execução da Pena de Prisão Dispõe o artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”. O artigo em análise consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (MAIA GONÇALVES, Código Penal Anotado, 18.ª edição, pág. 215). Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição. Este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável (imbuída de um risco prudente) de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido, ou dito de outro modo, a suspensão da execução da pena “deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime” (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2007, Conselheiro Santos Carvalho, processo nº 07P1423, acessível in “www.dgsi.pt”). Mais, como decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1993 (Citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 1997, no BMJ n.º 467, pág. 438), “factor essencial à filosofia do instituto da suspensão da pena é a capacidade da medida para apontar ao próprio arguido o rumo certo no domínio da valoração do seu comportamento de acordo com as exigências do direito penal, impondo-se-lhe como factor pedagógico de contenção e auto-responsabilização pelo comportamento posterior; para a sua concessão é necessária a capacidade do arguido de sentir essa ameaça da pena, a exercer sobre si o efeito contentor, em caso de situação parecida, e a vontade de vencer a vontade de delinquir”. Além do mais, devemos ainda atender nas palavras de Jorge dos Reis Bravo (In Revista do Ministério Público, n.º 102, ano 26, Abril/Junho 2005, pág. 62), o qual refere, e bem, que a “diabolização” do fenómeno da V.D. ou do agressor pode ser tão perniciosa como a sua banalização, sendo de reduzido alcance e eficácia a exclusiva exasperação da resposta punitiva, por parte do sistema. Daí que se sufrague a tendência actual no sentido de considerar o agressor/maltratante uma das faces do problema, que igualmente carece de acompanhamento e de terapia apropriada, ao invés de merecer uma abordagem estritamente repressiva”. No caso vertente devemos ponderar que nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados. Por outro lado, estão integrados profissional e familiarmente, sendo que o arguido é o suporte financeiro de toda a família. Acresce que esta família já está a ser acompanhada junto do ... (nomeadamente a arguida) no sentido de ganhar competências parentais. Somos de crer que nenhum dos arguidos beneficiaria se tivesse que cumprir a pena de prisão efectivamente. Melhor será reintegrá-los na sociedade, fazendo-lhes entender a gravidade das condutas que praticaram, e da necessidade de respeitar o seu próximo, nomeadamente, a sua filha e enteada, sempre com a ameaça do cumprimento de uma pena de prisão efectiva. Atendendo a todos os critérios supra expostos, deverá a pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses em que a arguida é condenada, ser suspensa pelo mesmo período, bem como deverá a pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses em que o arguido é condenado ser suspensa pelo mesmo período, nos termos do disposto no artigo 50.º, n.os 1 e 5, ambos do Código Penal. * II.4.2.2.2.2 Da Aplicação do regime de prova Dispõe o art. 53.º, n.º 1, do Código Penal, que o Tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos competentes serviços de reinserção social durante o período de suspensão (artigo 53.º, n.º 2, do Código Penal). Entendo revelar-se necessário ao cumprimento das exigências de prevenção geral e especial que ao caso assistem a sujeição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido a regime de prova, com as obrigações decorrentes do plano individual de reinserção social, que vier a ser elaborado e homologado, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 53.º e 54.º, do Código penal, e do art. 494.º, do Código de Processo Penal, essencialmente direcionado para a aquisição de competências parentais. Não restam dúvidas que ambos os arguidos necessitam de acompanhamento para interiorização das condutas praticadas e para passar a pautar a sua conduta de acordo com o direito, pelo que o regime de prova surge como essencial à prossecução de tais objectivos. Para tanto, ficarão estes arguidos sujeitos a plano de reinserção social, cuja elaboração se solicitará aos competentes serviços de reinserção social (cfr. artigo 494.º, do Código de Processo Penal), que deverá incidir, para ambos, na aquisição de competências parentais e em relação ao arguido também na sua estabilização psicoemocional como forma de saber lidar, gerir e ultrapassar as situações adversas com as quais se venha a deparar no quotidiano familiar. ** II.5 Reparação a fixar nos termos do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, por força do disposto no artigo 21.º, nº 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro. Dispõe o art.º 21.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro sobre o «Direito a indemnização e a restituição de bens», estabelecendo no seu n.º 1 que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”, acrescentando o n.º 2 que “para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.” Por sua vez, o art.º 82.º-A do Código do Processo Penal, sob a epígrafe «Reparação da vítima em casos especiais» prevê que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”, devendo ser respeitado o n.º 2 do mesmo preceito que estabelece que “no caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.” Assim, são pressupostos do decretamento que não tenha sido deduzido PIC em separado, que exista condenação penal, que haja prejuízos que importe ressarcir, que a vítima esteja, por causa do crime, numa situação de significativa debilidade ou fragilidade que exija proteção oficiosa e que o responsável civil seja o arguido ou terceiro já interveniente no processo. É ainda necessário que seja assegurado o contraditório, pelo que o tribunal, antes de arbitrar a indemnização, deve dar ao responsável civil a possibilidade de se pronunciar. Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código do Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis (nos termos do art.º 67.º-A, n.º 1, al. b)), exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser, nos termos do art.º 16.º, n.º 2 do Estatuto da Vítima e do art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro. * No caso que nos ocupa, verifica-se que foram cumpridas a exigências de contraditório. Considerando que a ofendida é menor e não tem rendimentos, e bem assim, das dores físicas e psíquicas com que ficou por causa da actuação de cada um dos arguidos, considera este Tribunal ser justa e adequada a fixação de indemnização à ofendida a pagar por cada um dos arguidos, no valor unitário de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) IV- FUNDAMENTOS DO RECURSO E RESPECTIVA APRECIAÇÃO. IV.1.Da questão prévia relativa à correcção da matéria de facto constante dos pontos 27 a 29 dos factos provados. Constata-se na análise desses factos que o Tribunal recorrido limitou-se a transcrever partes dos exame pericial e relatórios aí mencionados. Ora, reprodução de relatórios médicos, sociais etc. com referências, a juízos de valor, conclusões, suposições e depoimentos/declarações, como ocorreu nos referidos factos constantes da sentença revidenda, constitui procedimento incorrecto. Com efeito, conforme é sumariado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 5/4/2022, processo n.º 381/20.0PCSTB.E1, in www.dgsi.pt. «I. O relatório social constitui uma mera «informação» (artigo 1.º, al. g) CPP), que visa habilitar o juiz na sua tarefa de escolha e graduação da medida da pena. II. Trata-se de elemento probatório relevante do qual, através de juízo crítico, o julgador extrai factos relevantes para o julgamento da causa. III. Só ao juiz cabe selecionar os factos e as circunstâncias nele (eventualmente) referidos, se os considerar (e na medida em que os considerar relevantes), avaliando o que nele é referido e a fonte das informações prestadas, bem assim como a credibilidade das afirmações feitas e a razoabilidade das suas conclusões». Eventualmente e em tese, susceptível de integrar o vício, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., de insuficiência da matéria de facto ou mesmo a nulidade da sentença por força do art.º 379.º, n.º1 al. a) do CPP. Como se lê no Acórdão do TRE de 28-03-2023 proc.191/21.2PBSTB.E1: V. A reprodução pura e simples de partes do relatório social relativo ao arguido, sem cuidar de qualquer expurgo/reserva/tratamento do que são factos e meras referências valorativas, conclusivas, opinativas e descritivas, incluindo referências não respeitantes ao arguido é passível de conduzir à nulidade expressa no artigo 379.º/1-a) CPP, por referência ao artigo 374.º/2 do mesmo código, na medida em que se pode desenhar a ausência de enumeração de factos provados necessários e suficientes para a determinação da medida da pena e, sequentemente, para a escolha da pena em concreto. VI. Esta forma/solução, mera reprodução do relatório/dossier, no imediato, o que diz, é que se prova que consta do relatório/dossier determinado conteúdo e não que se dá como provado esse conteúdo; será exatamente o mesmo que elencar na factualidade provada que a documentação clínica e o relatório de exame pericial, a que se faça referência, dizem isto ou aquilo.” E no Acórdão da RL 10-07-2025277/22.0PTSNT.L1-9 : “I. A reprodução do relatório social, com referências, amiúde, a juízos de valor, conclusões e depoimentos/declarações, como ocorreu na sentença revidenda, constitui procedimento desconforme e a erradicar e, eventualmente e em tese, susceptível de integrar o vício, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., de insuficiência da matéria de facto. II. No caso, vista a sentença na sua globalidade, não se vislumbra que o erro de forma tenha, efectivamente, condicionado a apreciação crítica do meio de prova em causa (relatório social) e/ou que tenham sido valoradas, na escolha e determinação das penas, outras circunstâncias para além das condições pessoais do arguido.” No caso, em linha com o referido nestes último aresto, analisada a sentença na sua globalidade, não se vislumbra que o erro de forma tenha, efectivamente, condicionado a apreciação crítica dos meios de prova em causa (exame e relatório social) ou a medida da pena. Conclui-se, pois, que se trata de mero erro cuja alteração/eliminação não importa modificação essencial e que, assim, reclama correcção neste Tribunal, nos termos do art.º 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do C.P.P. Termos em que se procede à correcção oficiosa dos pontos 27 a 29 da seguinte forma: 27. A menor apresenta desenvolvimento global adequado à sua idade cronológica. A sua capacidade de conservar memórias e reproduzir os acontecimentos por si vivenciados não se encontra comprometida. Apresenta dificuldades na auto-regulação emocional, com reduzida tolerância às frustrações e vulnerabilidade ao stress. Apresenta : sintomatologia ansiosa; existência de défices na auto-regulação emocional, ou seja, na sua capacidade de direcionar, controlar, modular e modificar a estimulação emocional de modo a que a menor manifeste um comportamento adaptativo em situações afectiva e emocionalmente exigentes; maior reactividade emocional chegando a evidenciar exageros reacionais; padrão comportamental por vezes do tipo oposicional e baixa auto-estima com percepção negativa de si mesma, sendo que o investimento escolar parece assumir uma função compensatória deste aspeto (cfr. exame psicológico e de medicina legal feito à menor). 28. Por altura dos alegados factos, o casal vivenciou um período de certa instabilidade relacional, com recorrentes altercações entre ambos, conjuntura espoletada durante a pandemia da COVID 19, com acumulação de tensão e stress, quer pelo confinamento habitacional de todos os elementos, quer pelo facto do próprio estar em situação de teletrabalho sem as devidas condições. Esta conjuntura produziu significativo impacto no próprio arguido, ao nível da saúde mental, na medida em que veio a provocar-lhe recorrentes ataques de ansiedade que induziram a tentativa de suicídio e hospitalização, sem o devido acompanhamento médico subsequente face às restrições das medidas implementadas nos serviços de saúde por altura da pandemia. O processo de desenvolvimento de TT não decorreu no nosso país, mas sim em ..., cujos progenitores tiveram mais dois filhos. Contudo, integrando os irmãos consanguíneos, a fratria comportava um total de dezassete. O arguido usufruiu de condições socioeducativas favoráveis, que integravam um modelo educacional exigente, tendo no país de origem completado o 12º ano e com o apoio económico dos pais se deslocado para o nosso país há cerca de 12 anos para prosseguir os estudos superiores. Ingressou na Licenciatura de Engenharia Informática na ..., tendo, entretanto, transitado para o ... (...), cursando a mesma licenciatura, até ao segundo semestre do último ano, o qual não concluiu face a dificuldades financeiras, direcionando para o trabalho. Ao tempo dos factos o arguido encontrava-se a trabalhar em empresa de informática, sendo o próprio que assegurava as despesas de subsistência do agregado familiar. O seu percurso profissional tem sido construído nessa área e em diferentes empresas, das quais saiu, por opção própria, na tentativa de procurar melhores condições laborais. No presente, TT trabalha na ... A., como team leader da equipa de desenvolvimento de software, auferindo um vencimento líquido de 1.794,96€, ao qual acresce um benefício mensal de 1 000€, sendo com este valor que o mesmo assegura o pagamento da frequência do ... por parte da filha mais velha (330€) e da mensalidade do leasing automóvel (741€). Para além destas, o arguido assume as demais despesas fixas do agregado familiar, respeitantes ao arrendamento habitacional (600€), fornecimento de serviços de água, eletricidade e pacote telecomunicações (115€), seguro de saúde (80,12€), a companheira apresenta dificuldades em desempenhar uma atividade laboral em regime de full-time, face à necessidade de acompanhar as duas filhas comuns a terapias e consultas, por apresentarem perturbações do neuro desenvolvimento. O arguido TT manifesta mágoa por se ver na condição de arguido, estando, por vezes, mais afastado de AA e das filhas para que a enteada possa vir em visita a casa e não constituir um elemento promotor de eventuais constrangimentos. O arguido mantém afectos pela ofendida e equaciona para de futuro a reunião familiar. Em caso de condenação, o arguido TT receia outras necessidades que se prendem com a necessária estabilização psicoemocional, como forma de saber lidar, gerir e ultrapassar as situações adversas com as quais se venha a deparar no quotidiano familiar (Cf. relatório da DGRSP relativo ao arguido KK). 29.O processo de desenvolvimento da arguida AA decorreu em ..., no seio de uma família numerosa constituída pelos pais e seis irmãos, beneficiando de uma educação rígida e direcionada para os estudos e aquisição de competências profissionais, tendo frequentado o sistema de ensino até à Faculdade, cursando Gestão de Empresas. Não concluiu a licenciatura, na medida em que conheceu o pai da sua primeira filha, numas férias que o mesmo passou em ..., encetando namoro, sendo que sem prévio planeamento ficou gestante. No início de ... deslocou-se para o nosso país no sentido de se agregar ao namorado, contudo, coabitaram por pouco tempo. Com o apoio dos pais ainda prosseguiu a Faculdade, na área de Gestão, mas face às responsabilidades enquanto mãe decidiu abandonar os estudos. Ao tempo dos factos encontrava-se desempregada, após um período em que decorrente da pandemia da COVID 19 permaneceu em situação de ..., por encerramento do salão de ... onde trabalhava. Entretanto, realizou algumas formações na área de manicura e pédicure e uns meses após o nascimento da última filha veio, gradativamente, a retomar a atividade laboral. Na atualidade trabalha por conta própria, tendo arrendado um espaço para o efeito, localizado em .... Esta decisão também decorreu da necessidade de gerir o seu tempo, atendendo ao facto de as duas filhas mais novas apresentarem perturbações do neurodesenvolvimento, realizarem consultas e terapias semanais, sendo que a mais nova ainda não se encontra integrada em estabelecimento de infância, permanecendo, diariamente, aos seus cuidados. Face a esta conjuntura, a arguida retira parcos recursos económicos desta atividade. A maior parte das despesas do agregado familiar continua a ser assumida pelo arguido KK. O modo de vida da arguida pauta-se por indicadores ajustados de inserção pessoal e profissional, tendo usufruído de uma educação rigorosa e realizado um adequado percurso escolar em ..., seu país de origem e prosseguido os estudos Universitários já em ..., os quais veio a abandonar face ao nascimento da primeira filha, menor visada nos autos. Esta tinha cerca de 4/5 anos de idade quando iniciou novo relacionamento afetivo/marital, com TT, com sequente vivência conjunta e duas filhas em comum, que na atualidade têm 6 e 2 anos de idade. A conjuntura pandémica que induziu a uma maior permanência de todos os elementos do agregado familiar na habitação. AA sente-se apreensiva pelo eventual retorno da sua filha ao agregado familiar. (Cf. relatório da DGRSP relativo à arguida AA). Apreciemos, agora, as questões a decidir relativas aos recursos interpostos. IV.2. Da nulidade da sentença decorrente de alteração não substancial dos factos provados 26 a 29 não comunicada à defesa nos termos dos art.ºs 358.º, n.º 1, 379.º, n.º 1, alínea b) ambos do CPP. Alega o arguido/recorrente TT que o Tribunal considerou como provados factos que não constavam da acusação do Ministério Público, nomeadamente os constantes do ponto II.1.3., artigos 26 a 29, que implicam uma alteração não substancial dos factos descrito na acusação, com relevo para a decisão da causa e que não foi comunicada ao recorrente, pelo que por essa razão, tais factos não poderiam ter sido considerados na Douta Sentença, pelo que a Sentença é nula por violação do disposto no referido preceito legal artigo 358.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Atentemos: A estrutura acusatória do processo penal consagrada no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, significa, desde logo, que é pela acusação ou pela pronúncia, havendo-a, que se define o objecto do processo, o thema decidendum. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, “(…) o processo de tipo acusatório caracteriza-se essencialmente por ser uma disputa entre duas partes, a acusação e a defesa, disciplinada por um terceiro, o juiz ou tribunal, que, ocupando uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não pode promover o processo (ne procedat judex ex officio), nem condenar para além da acusação (sententia debet esse conformis lebello). A definição do thema decidendum pela acusação é, pois, uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.” – cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. I, Editorial Verbo, 5ª Edição, pág. 361. Ou, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pág. 522, “O princípio acusatório (…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).” Esta vinculação temática do juiz do julgamento – à matéria constante da acusação ou da pronúncia – constitui para o arguido uma garantia de defesa, na qual se inclui claramente o princípio do contraditório, que traduz “o dever e o direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; em particular, direito do arguido de intervir no processo e de pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; a proibição por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos.” – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., pág. 523. A definição do thema probandi há-de constar da acusação ou da pronúncia, sob pena de nulidade como preceituado nos artigos 283º, nº 3, alíneas b) e c), 308º e 309º, do Código de Processo Penal a “A norma incriminadora não faz parte do facto, (…), mas é a referência à norma que dá ao facto o concreto sentido de ilicitude. O facto com relevância penal é o facto com significado e esse significado é-lhe dado pela referência à norma incriminadora. Por isso que a alteração da norma incriminadora pode alterar a significação do facto, logo a sua relevância jurídico-penal.” como refere o Prof. Germano Marques da Silva, na ob. cit., pág. 380. O processo penal que, por imposição constitucional, tem estrutura acusatória, que se traduz na exigência de diferenciação entre o órgão acusador e o órgão julgador, determina, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira3, que “(…) só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento.” (thema decidendum). A denominada “vinculação temática do tribunal” é o corolário da estrutura acusatória do processo penal, nos termos da qual os factos descritos na acusação definem o objecto do processo, sendo este que delimita e fixa a amplitude dos poderes de cognição e decisão do tribunal (âmbito do caso julgado), assegurando-se ainda, por esta via, os direitos de contrariedade e um efectivo direito de defesa. A imposição de correspondência ou correlação entre a acusação [e a pronúncia, quando exista] e a sentença, ditada pelo princípio do acusatório, não é, porém, absoluta, admitindo a lei que na sentença possam ser considerados factos novos resultantes da discussão da causa, ainda que constituam alteração dos constantes da acusação ou pronúncia, observadas que sejam as formalidades e verificados os pressupostos consagrados nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal. É do seguinte teor a previsão legal do art.º 358.º, do CPP: 1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia. Sendo a letra da previsão do art.º 359.º, do CPP a seguinte: 1 - Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso; mas a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal. 3 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário. É, pois, através do instituto denominado da alteração dos factos, regulado nos artigos 358º e 359º do CPP, conformado pelo conceito normativo de «alteração substancial de facto» decorrente do artigo 1º, al. f) do Código de Processo Penal que se refere à mesma como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”, ou seja, não lhe conferindo um conteúdo concreto mas delimitando-a pelas consequências dela decorrentes para a imputação de crime diverso ou para a agravação da moldura aplicável (agravantes qualificativas), que se estabelece e regula a possibilidade de alteração dos factos descritos na acusação e na pronúncia, bem como a alteração da sua qualificação jurídica, e que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos – nº 3 do artigo 358º. Como se lê no Ac. do TRC de 10-11-2021 509/16.4GCVIS.C1: I – A “alteração substancial” dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. II - Já a “alteração não substancial” constitui uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para determinar a moldura penal. III – Todavia, o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP apenas se efectuará quando se tratar de uma modificação relevante, o que sucede quando a alteração divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa.” Para se lançar mão da previsão quer nos art.ºs 358.º quer 359.º, do CPP terá que haver uma “alteração” de factos descritos na acusação ou na pronúncia, seja ela substancial ou não substancial. Conforme entendimento exarado no Acórdão do TRC de 22-03-2023 791/16.7PBLRA.C1 in www.dgsi.pt: III - O tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação ou pela pronúncia, que deve manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da condenação, como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem de defender-se dos factos acusados e não de outros e que apenas por esses factos poderá ser condenado, mas tal não impede que o tribunal, na sua actividade cognoscitiva e decisória, atenda a factos que não foram objecto da acusação, sejam quais forem as circunstâncias. IV - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração substancial ou não substancial dos factos descritos na acusação, o tribunal pode deles conhecer desde que ocorrida nos casos e condições previstos nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal. V - Em cada caso há que determinar se ocorre uma alteração de factos, ocorrendo há que verificar, depois, se ela é substancial ou não substancial e, perante essa definição, desencadear os mecanismos legais previstos para assegurar o exercício dos direitos de defesa. VI - A alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo, ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, determinando a reformulação do objecto do processo, operada pelo acordo dos sujeitos processuais com vista à rápida resolução do litígio, tudo sem intervenção do julgador e, portanto, sem trair o princípio do acusatório. VII - A alteração de factos que desencadeia a necessidade de comunicação a que alude o artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo tem que ser relevante, o que sucede quando essa modificação divirja do que se encontra descrito na acusação ou na pronúncia e a subsequente comunicação se mostre útil à defesa. VIII - Não existe alteração dos factos integradora do artigo 358.º quando a factualidade dada como provada no acórdão condenatório consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou na pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos, quando na sentença são descritos os mesmos factos da acusação ou da pronúncia com uma formulação distinta, ou quando se explicitam, pormenorizam ou concretizam factos, já narrados sinteticamente na acusação ou na pronúncia, que não sejam relevantes para a tipificação ou para a verificação de qualquer agravante qualificativa Ora, não ocorre qualquer alteração de factos no caso dos factos 26 a 29, porquanto deles não decorre qualquer alteração de factos descritos na acusação ou na pronúncia, pelo que não estamos perante um caso que se enquadre no art.º 358.º, do CPP e que exige a comunicação à defesa aí prevista. Ademais, trata-se de factos constantes de meios de prova juntos aos autos sujeitos ao contraditório, encontrando-se o relatório de exame psicológico e de medicina legal e os relatórios sociais mencionados na acusação notificada aos arguidos. Improcede, pois este segmento do recurso. IV.3. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto/erro de julgamento quanto aos factos provados 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24 do ponto II-1. O ordenamento jurídico-processual-penal consagra duas formas de impugnação da matéria de facto. Uma designada por impugnação ampla (erro de julgamento), que consiste na reapreciação da prova gravada e que tem de ser invocada pelo recorrente, pois não é de conhecimento oficioso, recaindo sobre o recorrente o duplo ónus de especificação previsto no art.º412º, nº3 e 4 do CPP. Outra, designada por impugnação restrita, (revista alargada) que consiste na invocação dos vícios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº2 do art.410º, do CPP que, aliás, são de conhecimento oficioso. São duas formas distintas de “atacar” a matéria de facto, estando por isso sujeitas a regimes processuais diferentes. Dispõe o art.º 412.º, do CPP nos n.ºs 3, 4 e 6: 3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. 5 - Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse. 6 - No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, (como é o caso da impugnação restrita decorrente dos vícios a que alude o art.º 410.º, do CPP,) alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal. Tratando-se de impugnação ampla, porém, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal. Assim, impõe-se-lhe: i. a especificação dos “concretos pontos de facto” que considera incorrectamente julgados, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado; ii. a especificação das “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, especificação esta que só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, acrescendo que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova impõe decisão diversa. iii. a especificação das “provas que devem ser renovadas”, sendo caso disso, que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – cfr. artigo 430º, nº 1, do citado diploma. iv. Quando as provas tenham sido gravadas as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão recorrida, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente. Como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.03.2012, publicado no D.R. I Série, nº 77, de 18.04.2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório. A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas. O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto. Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.” No caso dos autos, os arguidos/recorrente respeitam a especificação, insertas no nºs 3 e 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, indicando os “concretos pontos de facto” que consideram incorrectamente julgados, que correspondem aos pontos supra referidos (conjugação das conclusões com a motivação do recurso), mais indicam “concretas provas que (a seu ver) impõem decisão diversa da recorrida”, (declarações dos arguidos e das testemunhas, nomeadamente, EE, cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia ...-...-2025, com início às 15:10 e fim às 15:36; OO, gravado no dia ...-...-2025 com início às 14:42 e fim às 15:10; DD que está gravado no sistema citius às 11h08 e fim às 11h48 do dia ...-...-2025; MM que se encontra gravado no sistema Citius às 11:48 e fim às 12:06, do dia .../.../2025, e NN cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius no dia .../.../2025, com início às 14;18 e fim às 14;42, LL no dia .../.../2025, com início às 15:40 e fim às 15:55). A crítica dirigida à decisão da matéria de facto, pelos recorrentes, traduz-se na credibilidade que o tribunal recorrido deu a determinados meios de prova, em particular ao depoimento da menor FF, no que se traduz um erro de julgamento quanto à apreciação da prova. Assim sendo, cumpre a este tribunal de recurso avaliar se a decisão da matéria de facto efetuada pela primeira instância, tendo em conta os elementos de prova indicados pelos recorrentes, é ou não uma solução plausível segundo as regras da experiência, e, em caso afirmativo ela será inatacável, considerando o princípio da livre apreciação da prova que impõe que o julgador aprecie e decida a prova de acordo com a sua livre convicção. Analisando a motivação da decisão de facto, o Tribunal recorrido formou a sua convicção examinando criticamente toda a prova produzida, articulando-a e conjugando-a, na seguinte e exaustiva operação valorativa, (cujos realces e sublinhados são nossos): “Concretizando. O arguido quis prestar declarações, negando, no essencial a prática dos factos que lhe eram imputados, contextualizando-os de forma diferente, e não lhes dando importância. Assumiu apenas que para correcção lhe desferido algumas vezes uma palmada na mão ou no rabo. Aceita ainda que transmitiu à GG que se deveria dirigir a si na terceira pessoa, por respeito, tratando-o por “pai” ou por “você”, sendo que foi a FF quem de forma natural o começou a tratar por pai, o que até causou algum desconforto ao arguido. A partir de ... começou a ficar aos Sábados com a GG, enquanto a arguida saía para trabalhar, negando que nessas alturas a obrigasse a fazer as lides domésticas, sem prejuízo de a mesma dever levantar o seu prato da mesa e manter o quarto arrumado. Relativamente aos aniversários, esclareceu que, por ser testemunha de Jeová não celebra nenhum aniversário. Quis fazer passar a ideia de que a GG é mentirosa, inventa histórias e arranja problemas com colegas sem que nunca assuma a culpa dos seus atos, e que os factos constantes da acusação não são mais que uma dessas histórias, que contou para encobrir o seu mau comportamento. Tenta ainda justificar o comportamento da ofendida com o facto de ter passado por um processo complicado com o alargamento da família (nascimento das duas irmãs mais novas). Também a arguida desvaloriza as acusações que lhe foram imputadas e os castigos que infligiu na GG, negando também, no essencial os factos imputados, não obstante ter admitido ter-lhe desferido palmadas nas mãos e rabo e numa ocasião também com o chinelo. Aliás, em diversos momentos do julgamento chegou mesma a ter uma postura jocosa. Não demonstrou arrependimento nem empatia pelos problemas que a filha possa estar a passar. À semelhança do arguido, enfatizou o facto de a ofendida ser mentirosa e inventar histórias. Esclareceu ainda que, apesar de não ser religiosa, a sua família não festeja qualquer aniversário. Apesar da postura desculpabilizante da arguida, não pudemos dar credibilidade à essencialidade das suas declarações, por se encontrarem em contradição com a demais prova produzida. Assim, essencial foi a credibilidade concedida ao depoimento da menor GG, ouvida em declarações para memória futura, que confirmou os factos que se deram como provados. De forma simples, e não demonstrando qualquer intuito persecutório, descreveu o comportamento dos arguidos para consigo, desde que tem memória, relatando episódios de agressões verbais e físicas. Prestou um depoimento contido, mas consistente com o que já tinha transmitido várias vezes, quer na escola, quer junto da instituição onde se encontra, quer perante a perita médica que a avaliou. E não se diga que por ser uma criança o depoimento da GG merece menos credibilidade do que o de um adulto. Como bem ilustra Catarina Ribeiro no seu estudo, «A Criança na Justiça – Trajetórias e Significados do Processo Judicial de Crianças Vítimas de Abuso Sexual Intrafamiliar», Almedina, Maio 2009, onde se escreve que, «No que diz respeito às noções de verdade e mentira, todas as crianças enfatizam a importância de dizer a verdade em tribunal. A grande maioria delas acredita que pode ir presa se não disser a verdade no tribunal. Este dado é interessante porque, devido a este medo, tendencialmente a criança terá menos tendência a mentir do que o adulto (Flin et al., 1989). Algumas das crianças do grupo dos 10 anos também reconhece a importância de dizer a verdade para encontrar os verdadeiros culpados ou para ajudar a polícia e o Juiz a decidir» (página 98), que «(…) Algumas investigações demonstram que as crianças não têm tendência a mentir (a situação em que a mentira é mais frequente nas crianças tem a ver com o evitamento do castigo e não com uma atitude de mentira deliberada) e, mais do que isso, não têm tendência a mentir mais do que os adultos (Melton e Pagliocca, 1992)» (página 115) e que, « Contrariamente à ideia amplamente difundida de que a criança revela menos capacidade para testemunhar do que os adultos, os dados da investigação têm vindo a demonstrar que as crianças revelam elevadas competências testemunhais e comunicacionais, bem como uma capacidade de discernimento superior à que frequentemente lhes é atribuída. Relativamente à questão da capacidade de discernimento entre a verdade e a mentira, os estudos revelam que esta capacidade é adquirida muito precocemente, geralmente a partir dos 4 anos as crianças conseguem perceber esta diferença (Chenevière et al., 1997; Halpérin. 1997)». O depoimento da menor foi corroborado pelo depoimento da assistente social, NN, que foi quem primeiro teve contacto com a menor, ainda na escola. Refere ter sido chamada à escola pela professora da GG, uma vez que esta estava a ter um comportamento agressivo para com outro colega. Quando falou com a menor, a mesma transmitiu-lhe das agressões físicas e psíquicas que estava a ser vítima (tal como as descritas nos factos provados) e, apesar de saber das consequências de ser institucionalizada (não ver mais a mãe), pediu para o ser, demonstrando receio de continuar a viver com a mãe. Esta testemunha descreveu o relato da menor como muito descritivo, pormenorizado e gráfico. O que chocou esta testemunha foi que a menor, com 9 anos, não tivesse dúvida de que não queria voltar para casa, facto que nunca tinha ocorrido ao longo de todos os anos em que exerce a sua profissão. Mais referiu que os arguidos sempre tiveram uma postura de desrespeito para com a CPCJ, desrespeitando a sua intervenção, descrevendo como foi recebida em casa destes, antes da institucionalização da menor, onde se deslocou por a ofendida ter sido sinalizada em consequência de agressões entre o casal. Prestou um depoimento desinteressado e imparcial, que mereceu a credibilidade do Tribunal. Conforme dissemos já, depois de relatar os episódios de violência a NN, quando chegou à instituição voltou a fazê-lo, nomeadamente perante DD e MM, mantendo o já descrito, conforme esta testemunhas puderam confirmar. A testemunha DD, Psicóloga, directora técnica na instituição, prestou um depoimento muito calmo e objectivo e com conhecimento directo dos factos por que depôs, por ter acompanhado a menor desde que entrou na instituição. Esta testemunha confirmou ainda, que em conversa com a mãe da menor a mesma confirmou a ameaça descrita na acusação com um sapato de salto alto (o que foi negado em julgamento pela arguida, que até referiu nem sequer ter em casa sapatos com salto), mas desculpando-se com o facto de a menor saber que nunca iria concretizar tais ameaças. Mais referiu que a mãe é demasiado exigente para com a GG, sendo que o que a menor faz nunca é suficiente para agradar, e que é difícil para a mãe aceitar a diferença de perfil que existe entre as duas. Em relação à GG, para além de referir que a mesma nunca se contradisse em relação ao que tinha sido o seu relato inicial, disse ainda que a mesma se sente sozinha, desamparada e insegura. Relatou alguns episódios em que a mesma exagerou nas reações que teve e outros em que primeiro tentou esconder alguma coisa que pensava que tinha feito menos bem (como esconder os lenções sujos por causa da enurese noturna) mas, quando confrontada com tais factos e depois de lhe ser transmitido que estava num ambiente seguro a mesma aceitava o erro e assumia o que tinha feito. Foi ainda ouvida a testemunha MM, Assistente Social na instituição onde a menor se encontra, com conhecimento directo dos factos por que depôs por ter acompanhado a menor desde a altura da institucionalização. Prestou um depoimento pouco objectivo, utilizando expressões em relação à menor como “mente”, “criança dissimulada”, dando nota, depois de instada a fazê-lo de alguns episódios onde a menor terá exagerado na reacção que teve e outros em que não terá contado a verdade (pelo menos num primeiro momento). Foi ainda ouvida a assistente social EE, que começou a acompanhar esta família já depois da institucionalização, no âmbito do processo de promoção e protecção. Nessa qualidade chamou a arguida para uma reunião, onde a mesma lhe transmitiu que recorria à punição física: batia com força e com o chinelo. Referiu ainda que a arguida não sabia outra maneira de educar que não esta, apesar de estar aberta a outros métodos. Também a tia da menor, UU, referiu que numa ocasião (quando a filha mais nova do casal nasceu) a GG se aproxima de si para lhe pedir ajuda, triste, dizendo-lhe o padrasto lhe tinha batido, o que acabou por ser desvalorizado. Ainda falou com a arguida acerca desse assunto, para que a mesma ficasse atenta, mas acabou por nada se fazer a esse respeito. Ouviu-se ainda OO, técnica do ... que acompanhou esta família no âmbito do processo de promoção e protecção, relatando o esforço da arguida em se adaptar e a cumplicidade evidenciada entre a mãe a e ofendida. Foram ainda ouvidas as familiares do arguido, sendo que LL, tia do arguido, descreve-o como doce, amoroso, calmo, afável e responsável e VV tia do arguido, se refere ao mesmo como trabalhador. Por fim, WW, amiga da arguida, considera-a uma boa mãe, cuidadora, prestável e fléxivel. Muito relevante foi ainda a análise critica e ponderada do relatório pericial solicitado (cfr. factos descritos em 27.). Da análise da cópia do processo de promoção e proteção junta aos autos se concluiu como em 26. dos factos provados. Relativamente às condições pessoais e de vida dos arguidos, relatório da DGRSP, o Tribunal fundou-se nas declarações dos mesmos em conjugação com a análise dos relatórios da DGRSP juntos aos autos. Analisados os factos em conjugação com a prova produzida, não teve o Tribunal dúvida, por um lado, em dar credibilidade às declarações da menor e, por outro lado e consequentemente, em dar como provados os factos descritos nos factos provados, porquanto confirmados pela menor, de forma consistente e coerente ao longo de todo o processo. Acresce que o seu comportamento também vai de encontro àquilo que foram as suas declarações – por causa dos sucessivos episódios de violência doméstica de que foi vítima, viu-se em situação de tal desespero que pediu ajuda na escola e solicitou a sua institucionalização. Estamos a falar de uma menina de nove anos que sempre viveu com a mãe. Este pedido, fugindo ao que é normal ocorrer com crianças da mesma idade (que querem sempre ficar em casa, ainda que vítimas de qualquer tipo de violência), leva-nos a concluir que o que se passava em casa era muito grave e estava a perturbar o seu são desenvolvimento. Aliás, a menor já tinha pedido anteriormente ajuda a familiares, relatando episódios de violência, o que foi sempre desvalorizado. Acresce que do relatório pericial junto aos autos podemos ver que a menor tem capacidade para guardar memórias e para as descrever posteriormente, como aqui ocorreu. Mais aí se realça que a menor evidenciou diversos factores de risco/comportamentos que podem ser indiciadores da existência de abuso físico, como a dificuldade na auto-regulação emocional, a baixa auto-estima, a maior reactividade emocional chegando a evidenciar exageros emocionais. Ou seja, os comportamentos relatos quer pelos progenitores quer pelas técnicas da instituição como exagerados ou dissimuladores da realidade mais não são do que consequências do abuso físico e também psicológico a que a menor esteve sujeita. Ademais, conforme esclareceu DD, se num primeiro momento a reacção da menor a uma situação adversa possa ter sido o esconder ou camuflar com uma história, a mesma acabava por descrever o que tinha ocorrido com verdade, depois de lhe ter sido transitada segurança, que estaria num ambiente seguro onde lhe era permitido errar (ao contrário do que acontecia em casa, onde não lhe era permitido errar). E, apesar dos arguidos terem tentado passar a ideia de serem calmos e assertivos, a verdade é que, conforme decorre dos factos descritos em 26. e foi ainda relatado pela GG, os arguidos discutiam muito enquanto casal, que foi precisamente o que levou a que a GG fosse sinalizada como criança em risco. Mais consta do relatório da DGRSP, que o arguido tem dificuldade em regular as suas emoções e em ligar com a adversidade e o stress. Todos estes factores, em conjugação ainda com as regras da experiência e do senso comum, visto que é manifesto que, actuando da forma descrita, os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com perfeito conhecimento do carácter proibido da conduta praticada, não podendo ignorar que usando da sua força física na ofendida, uma menina (que era sua filha e enteada),bem como gritando com ela e humilhando-a, como descrito na acusação, a molestavam fisicamente e a humilhavam e a diminuíam, o que quiseram.” Decorre deste excerto que o Tribunal explicou de forma exaustiva e num raciocínio coerente, estruturado e organizado como valorou as declarações dos arguidos e os depoimentos das testemunhas e porque deu credibilidade ao depoimento da ofendida. Todo o raciocínio encetado pelo Tribunal recorrido tem apoio na prova produzida, valorada à luz do princípio da livre apreciação e das regras de experiência comum (art.º 127.º, do CP), considerando que a prova dos mesmos não corresponde a prova tarifada. Na verdade, procedendo este Tribunal à audição da prova gravada correspondente aos depoimentos e às passagens dos depoimentos das testemunhas que os recorrentes invocam como impondo decisão diversa, relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, nos termos dos n.ºs 4 e 6 do art.º 412.º, do C. Processo Penal, e fazendo uma súmula dos depoimentos: EE (cujo depoimento foi prestado na audiência de .../.../2025), assistente social, que começou a acompanhar esta família já depois da institucionalização, no âmbito do processo de promoção e protecção, explicou que quando o processo da GG chegou à equipa da Segurança Social ela se encontrava acolhida na casa .... A mãe foi chamada, por ela para atendimento nas instalações da Segurança Social, para uma reunião e compareceu, mostrando-se colaborante com eles, tendo conversado sobre o que se tinha passado. A mãe dizia que não correspondia à verdade o que a FF dizia. Mas acabou por admitir que recorria à punição física da GG através do chinelo, com força, para magoar só uma vez e não voltar a repetir. Era uma forma que ela tinha de educar e de disciplinar. Disseram-lhe que não devia recorrer ao castigo físico, e a mãe pediu para ensinar como se faz para não recorrer ao castigo físico que era como lhe tinham ensinado. Diz que participava em reuniões com a equipa técnica da instituição (com a Dra. DD, psicóloga e MM, assistente social ). Este com a menor em visita domiciliária e numa entrevista com vista em trabalhar as questões porque a mãe estava aberta a acompanhamento .Refere que houve uma evolução da GG na relação entre mãe e filha. Ela vem fins de semana a casa e chega contente à instituição, nas férias de verão e no Natal. Estando as visitas a correr bem e ela verbaliza que quer voltar para casa. Diz que nas visitas que iam fazendo às instituições, inicialmente aí foi-lhe relatado que a menor tinha recorrido à mentira com regularidade, para chamar à atenção, tendo as situações sido tratadas e ultrapassadas. A criança acabava por admitir que tinha mentido. A GG depois das visitas em casa actualmente fica triste ao regressar à instituição, quer estar com a mãe receava perder o lugar no seio familiar. As questões eram trabalhadas com a equipa técnica. As técnicas dizia que ela também recorria ao choro para teatralizar. A GG quer voltar para casa mas quer aguardar o desfecho do processo, que o mesmo termine. Também estão a aguardar pela decisão do processo crime para decidir se ela pode voltar para casa. DD, (cujo depoimento foi prestado na audiência de .../.../2025) Psicóloga, directora técnica na instituição, acompanhando a menor desde que entrou na instituição, enquanto psicóloga a exercer funções na casa .... Conheceu a menor quando foi levada para “nossa casa”. A menor começou depois a verbalizar situações de maus tratos, batiam com a colher, com sapato de salto alto, que não comia com a família. Inicialmente estava retraída no momento do acolhimento e depois descrevia os episódios muito afirmativa e bastante pormenorizado. Existiram algumas situações em que a GG mentia na instituição dizendo que a ameaçavam. A mãe e a GG falaram no dia do acolhimento mas a menor queria permanecer na instituição. A GG tem um grande poder de argumentação. A GG mentia e escondia quando fazia chichi na cama. Diz que a GG reage muitas vezes de uma forma muito teatralizada, com choro. Refere-se a uma situação em que a GG foi vista por uma senhora de joelhos a chorar de forma apelativa, a chorar desalmadamente, que tinha sido abandonada pela mãe e na instituição a tinha ameaçado. A GG disse no momento do acolhimento que enquanto a mãe e o Sr. KK a tratar com palmadas não queria voltar para casa. Diz que em conversa com a mãe, esta, perante si assumiu que dava palmadas à GG e a ameaçava com o chinelo para ela melhorar o seu comportamento. Quanto a ameaça com salto alto a mãe admitiu, mas disse que a GG sabia que não ia acontecer, era uma forma de falar. A GG tem características de criança que estava habituada a um estilo parental autoritário e controlo através de castigos e punição. A menor reage mal quando é chamada à atenção, quer ser perfeita e não quer errar e esconde situações em que evidencia que errou. A testemunha refere que não sabe a gravidade dos maus tratos, mas põe em causa que alguns tivessem acontecido da forma como relatou, o da água a ferver, ... . Diz do que viu, que a arguida é muito cuidadosa com as filhas e com a GG, sendo muito exigente com ela. A GG sente que não consegue satisfazer as expectativas da mãe. A mãe demonstrou interesse em alterar as suas práticas educativas logo no primeiro momento, que dizia vinha já dos avós e dos pais. A mãe diz que adequou as suas práticas. Diz que tem acompanhado permanentemente a DD desde a sua institucionalização. Diz que não fez o acompanhamento psicológico da GG. Chegaram a pedir uma avaliação em clínica privada. A GG está a ser acompanhada por psicóloga há 10 meses. A GG tem um sentimento de desamparo e insegurança. Esclareceu que na altura em que perdeu o autocarro ela consegui que a senhora lhe desse boleia para não chegar atrasada à escola. A GG começa a ter alguma segurança no ambiente institucional e já não esconde. MM, (cujo depoimento foi prestado na audiência de .../.../2025) Assistente Social na instituição onde a menor se encontra, acompanha a menor desde há 11 anos, desde a entrada na instituição, com contacto regular. Diz que a menor contou que a mãe lhe batia, a testemunha esteve presente na reunião de acolhimento e a GG comentou o que se tinha passado, de forma neutra e sem muita emoção, e não voltou a falar no assunto. Ela referiu, nessa altura, que só voltaria a casa se a mãe não lhe batesse nunca mais. Ela tem psicoterapia. Ela agora não tem receio de voltar a casa nem de ser agredida mas tem receio do impacto do julgamento na relação entre ela e a mãe. Ela sempre manifestou vontade de voltar a casa para junto da mãe e das irmãs, mas queria que estivessem as coisas mais estáveis. A Arguida é muito exigente na sua parentalidade. A GG por vezes é um bocadinho manipuladora e gosta de teatralizar. A arguida é uma pessoa cuidadosa e funcional mas não muito afectuoso. A GG é uma criança discreta, muito inteligente. Diz que ela chegou a contar de um banho de água quente pela mãe, embora não o tenha feito de forma muito consistente. Diz que a GG com receio das consequências já chegou a mentir na instituição, porque não gosta de ser chamada a atenção, como quando faz chichi na cama (enurese nocturna), fingia que não tinha acontecido nada. Contou dois episódios da menor um da mochila esquecida num café e outro da carteira de documentos que tinha desaparecido. NN, (cujo depoimento foi prestado na audiência de .../.../2025) assistente social, na CPCJ, que foi quem primeiro teve contacto com a menor, ainda na escola. Refere ter sido chamada à escola pela professora da GG. A testemunha já saiu da CPCJ. Recorda-se de algumas coisas em relação à ofendida, o processo chegou através da GNR por violência doméstica, foi feita a retirada da criança, estava na escola HH, onde foram chamados. Ela relatou uma série de maus tratos a que foi sujeita e ela disse claramente que queria ir para uma casa de acolhimento, mesmo sendo informada que ia ficar afastada da família (pais e irmãos). Nunca lhe tinha acontecido uma criança mesmo agredida não querer ir para casa da mãe e do padrasto isso foi para a testemunha uma surpresa, chocou-a. A professora chamou-as à escola para perceber porque a GG estava a ter comportamentos agressivos (agressão a colega). Foi retirada imediata na escola. Houve uma primeira situação mas arquivaram o processo, porque não era assim tão evidente a situação de violência doméstica. Depois foi reaberto o processo. Nessa altura ela relatou episódios de violência doméstica (física e psicológica) em casa, dizendo que era agredida com um pau de funje, e que não fazia as refeições na família. Quando a criança se queixou ela dizia que tinha sido batida no corpo, mas não chegou a ver o sítio onde ela dizia ter sido batida. Não assistiu a nenhum episódio de agressão. Diz que a criança estava angustiada, com medo, fragilizada. Estava com medo do dia a dia dela se regressada a casa. OO, (cujo depoimento foi prestado na audiência de .../.../2025) técnica do ... que acompanhou a família no âmbito do processo de promoção e protecção, conhece os arguidos no âmbito de processo e das suas funções. Teve sessões, a maioria com a mãe, em casa da mãe. A intervenção era feita no domicílio e não nas instalações do serviço. Com finalidade de preparar reintegração da criança na família. A mãe mostrou-se muito colaboradora e disponível. Existia uma relação de proximidade entre a menor e a mãe. A criança teve sempre uma postura descontraída em casa com a mãe e os irmãos na visita. Conhece a GG apenas após toda a situação quando a criança se encontrava já em instituição, antes nada tinha acompanhado. Não observou nenhuma situação de violência física ou emocional. Afirma que foi muito abordado nas sessões o trauma da retirada de um filho e nova readaptação. A menor parecia que já não queria estar na instituição, mostrando desconforto em estar em instituição. Ouvia-se falar de maus tratos mas não sabia em concreto do que se tratava. Ela observou uma relação de cumplicidade entre mãe e filha. Começou em ... a trabalhar com a AA. A criança nessa altura não manifestava receio de ficar em casa da mãe. Actualmente já não está a acompanhar. Diz que as técnicas foram percebendo que as histórias da JJ nem sempre correspondiam ao que se tinha passado. Mas ela não teve essa percepção, com a JJ nem sabe situações em concreto, nem episódios em concreto. Mas não pode dizer se ela mentiu. Não percebeu se ela teatralizou algumas situações. Nunca poderá dizer se os factos aconteceram ou não e que nem sabe quais são. LL, tia do arguido, embora frequentasse a casa nunca assistiu a qualquer situação de violência por parte dos arguidos, descrevendo o seu sobrinho como uma pessoa carinhosa para com a JJ, calma, afável, de poucas palavras e responsável. Mais o Tribunal ouviu as declarações para memória futura da ofendida, menor, a qual confirmou os factos provados. Os arguidos negaram a prática dos factos, tendo a arguido, porém, admitido ter desferido palmadas nas mãos e rabo da menor e numa ocasião também com o chinelo. Ora, reapreciada a prova gravada por este Tribunal de Recurso, esta não é susceptível de impor outra leitura da prova que não a realizada pelo Tribunal recorrido, porquanto, por um lado, como decorre dos diversos depoimentos das testemunhas nenhuma delas assistiu aos factos, por outros, os arguidos negaram os factos, a ofendida confirmou-os, em depoimento que mereceu a credibilidade do tribunal recorrido, sendo que as testemunhas EE, DD embora não tenham assistido aos factos, confirmaram relatos da ofendida quanto a alguns dos factos dados como provados, como decorre da súmula supra. São os próprios recorrentes a afirmar que o Tribunal a quo baseou, fundamentalmente, a sua decisão no depoimento da menor ouvida em gravações para memória futura (cujo depoimento se encontra gravado no sistema citius na data de ...-...-2023, com início a 11:14 e fim a 11:47), não pondo em causa que a mesma não tenha confirmado os factos dados como provados e por eles impugnados, apenas referindo que os factos relatados pela menor não foram relatados por mais ninguém, por nenhuma testemunha, nem em audiência de julgamento nem em mais nenhuma altura do processo, o que não corresponde à realidade como decorre da súmula dos depoimentos supra, pois que, como já dito embora não tenham assistido, confirmaram alguns relatos da menor. É certo que, como referem os recorrentes, o depoimento da menor encontra-se, (ainda que em parte), em contradição com as declarações do recorrente e da Arguida, porém, foi o depoimento da ofendida que mereceu credibilidade ao Tribunal recorrido, ainda que os recorrentes digam, que o mesmo também apresenta contradições com os depoimentos das demais testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, tal não se vislumbra, considerando que não se trata de depoimentos presenciais. Efectivamente, refere o Tribunal recorrido, “que essencial foi a credibilidade concedida ao depoimento da menor GG, ouvida em declarações para memória futura, que confirmou os factos que se deram como provados. De forma simples, e não demonstrando qualquer intuito persecutório, descreveu o comportamento dos arguidos para consigo, desde que tem memória, relatando episódios de agressões verbais e físicas. Prestou um depoimento contido, mas consistente com o que já tinha transmitido várias vezes, quer na escola, quer junto da instituição onde se encontra, quer perante a perita médica que a avaliou.” Destarte, a prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção e este foi o método realizado pelo Tribunal recorrido, de forma exaustiva valorou todas as provas produzidas. E como decorre da motivação da decisão de facto o tribunal recorrido analisou de forma atenta as declarações da ofendida e de ambos os arguidos, explicando porque deu credibilidade àquelas e não a estas. Procedendo-se à leitura da motivação da decisão de facto constante da sentença, e à análise crítica da prova, ressalta, de imediato, que a opção do julgador não foi tomada de forma arbitrária ou em obediência a critérios não objectiváveis. Antes pelo contrário, denota-se uma aturada fundamentação, dela sobressaindo que foram essenciais à formação da convicção do tribunal as declarações da ofendida, sendo que esta opção mostra-se justificada com apelo a elementos de corroboração, tais como os próprios depoimentos das testemunhas NN, DD e MM a quem a ofendida relatou factos. Ademais, ressalvando sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo dos recorrentes, os mesmos olvidam o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Outrossim, o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um único testemunho, desde que se convença, para além da dúvida razoável, que nele reside a verdade do ocorrido, pois os depoimentos não valem pelo número de testemunhas que se apresentem em juízo para ser ouvidas, mas sim pelo peso da credibilidade que merecem. Deste modo, nada impede que o tribunal alicerce a sua convicção no depoimento de uma única pessoa, no caso, as declarações da ofendida, desde que tais declarações se lhe afigurem pertinentes e credíveis, uma vez que não mais vigora no nosso ordenamento jurídico o velho aforismo «testis unus testis nullus» [testemunha única, testemunha nula]. Tal como entendimento exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/06/2025, Processo 61/23.4GECUB.E1 Relator Fernando Pina disponível em www.dgsi.pt: I- As declarações da vítima do crime de violência doméstica podem, por si só, conduzir à condenação. Não o reconhecer seria um retrocesso “ilegal” ao sistema da “prova vinculada” (ou “prova tarifada”) e inviabilizaria, em muitas situações, a perseguição de crimes que ocorrem na absoluta privacidade e relativamente aos quais não existem testemunhas. II - O Tribunal pode formar a sua convicção apenas com base no depoimento da vítima do crime de violência doméstica, desde que tal depoimento seja prestado de forma séria e credível, ao contrário das declarações prestadas pelo arguido, mas devendo o Tribunal, nessa situação, explicitar na sentença condenatória, de modo claro e conciso, as concretas razões do seu convencimento.(sublinhado nosso). No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 669//16.4JABRG.G1 de 08/05/2017 disponível em www.dgsi.pt: “Num sistema como o nosso em que a prova não é tarifada, não podemos olvidar que o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova, não estando inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta, nem das declarações de uma única testemunha. Mas, como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos”. (sublinhado nosso). No caso dos autos, o Julgador da primeira instância atribuiu credibilidade às declarações da ofendida, explicando porquê, concluindo da valoração que “Analisados os factos em conjugação com a prova produzida, não teve o Tribunal dúvida, por um lado, em dar credibilidade às declarações da menor e, por outro lado e consequentemente, em dar como provados os factos descritos nos factos provados, porquanto confirmados pela menor, de forma consistente e coerente ao longo de todo o processo.” Como refere o Acórdão deste TRL de 11.03.2021, Proc. nº 179/19.8JDLSB.L1-9: “(…) II – Os Tribunais da Relação têm poderes de intromissão em aspectos fácticos (art.ºs 428º e 431º/b) do CPP), mas não podem sindicar a valoração das provas feitas pelo tribunal em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, salvo se houver erros de julgamento e as provas produzidas impuserem outras conclusões de facto; III – Normalmente, esses erros de julgamento capazes de conduzir à modificação da matéria de facto pelo tribunal de recurso consistem no seguinte: dar-se como provado um facto com base no depoimento de uma testemunha que nada disse sobre o assunto; dar-se como provado um facto sem que tenha sido produzida qualquer prova sobre o mesmo; dar-se como provado um facto com base no depoimento de testemunha, sem razão de ciência da mesma que permita a referida prova; dar-se como provado um facto com base em prova que se valorou com violação das regras sobre a sua força legal; dar-se como provado um facto com base em depoimento ou declaração, em que a testemunha, o arguido ou o declarante não afirmaram aquilo que na fundamentação se diz que afirmaram; dar-se como provado um facto com base num documento do qual não consta o que se deu como provado; dar-se como provado um facto com recurso à presunção judicial fora das condições em que esta podia operar; IV - Quando o tribunal recorrido forma a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquelas que formulem os Recorrentes; (…).” Não é demais referir que a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Isto para dizer que a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros e de todos os elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt: “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…). Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”. Além disso, em caso de impugnação alargada e reapreciação da matéria de facto, o tribunal ad quem deverá avaliar “se a convicção expressa pelo Tribunal recorrido tem suporte adequado naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si e, consequentemente, a Relação só pode alterar a decisão sobre a matéria de facto em casos excepcionais, de manifesto erro na apreciação da prova. O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode subverter ou aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída, dialecticamente, na base da imediação e da oralidade. (...) Por outro lado, reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Acórdão da Relação de Coimbra de 12-09-2012, proferido no processo n.º 245/09.8 GBACB.C1 disponível em www.dgsi.pt) (destaque nosso). E, no caso dos autos, a convicção do Tribunal tem suporte adequado e verosímil na gravação da prova produzida em audiência e reapreciada, à luz do princípio da livre convicção inserido no art.º 127.º, do CP ainda que pudesse permitir outra decisão, que não é o caso, não a impõe, tal como exigido pelo art.º 412.º, n.º3, alínea b). Como se pode ler no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.”. Mais, referem os recorrentes ter sido violado o princípio da livre apreciação incerto no art.º 127.º, do CPP. Ora, no caso dos todos todas as provas foram sujeitas ao contraditório, nomeadamente pela defesa, as quais foram produzidas e examinadas em audiência nos termos do art.º 355.º, do CPP. Como decorre da Jurisprudência do STJ o princípio inserto no art.º 127.º, do CPP estabelece três critérios para a apreciação da prova, sendo primeiro relativo a apreciação da prova meramente objectiva quando a lei o determina (por exemplo na apreciação do caso julgado (art.º 84.º) na apreciação da prova pericial (art.º 163ª) na apreciação do valor probatório de alguns documentos (art.º 169.º) na confissão integral e sem reservas (art.º 344.º); o segundo também objectivo advém de conhecimentos científicos genéricos e das regras da experiência comum, da normalidade do pensar e agir humano; e o terceiro será eminentemente subjectivo que resulta da livre convicção objectivável e motivável do julgador (neste sentido Acórdão do STJ de 18/01/2010, processo 3105/00, in www.dgsi.pt. e Fernando Gama Lobo, Código de Processo penal Anotado, Almedina, 4.ª Edição) Ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. De acordo com o aludido princípio da livre apreciação da prova, o julgador é livre ao apreciar as provas, estando tal apreciação apenas vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório sendo que “A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspetivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento. Isto é, na outorga, não de um poder arbitrário, mas antes de um dever de perseguir a chamada verdade material, verdade prático-jurídica, segundo critérios objectivos e susceptíveis de motivação racional.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.02.2012, proferido no processo nº 38/10.0 TAFIG.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc. Na realidade, ao Tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, “Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253). Alega, ainda o arguido/recorrente a violação do in dubio pro reo, ao dar, o Tribunal recorrido, como provados os factos impugnados, sustentando a existência de dúvida razoável. É certo que o princípio in dubio pro reo, emanado do princípio político-jurídico da presunção de inocência, até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (art. 32.°, n.° 2, da CRP), vem sendo assumido, genericamente, que se encontra, intimamente ligado ao da livre apreciação da prova (art. 127.º do CPP), do qual constitui faceta, e este último apenas comporta as excepções integradas no princípio da prova legal, ou tarifada, ou as que derivem de uma apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova produzida e ofensiva das regras da experiência comum. O princípio in dubio não é uma regra para a apreciação da prova, pois que apenas se aplica depois de finalizada a valoração e apreciação crítica da prova. O princípio in dubio pro reo é, assim, apenas uma regra de decisão da prova. O uso do princípio in dubio pro reo que resulta, igualmente, do princípio da culpa, que se retira dos artigos 18º n.º2 e 27º da CRP, só deve ocorrer quando, após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, se lhe imponha decidir a favor do arguido. Não se trata, pois, de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese. A dúvida que fundamenta o apelo ao princípio in dubio pro reo deve ser insanável, razoável e objetivável. (neste sentido Ac. STJ de 12/01/2023 processo n.º 569/20.3JAAVR.P1.S1 relatora LEONOR FURTADO in www.dgsi.pt). Como escreve FERNANDO GAMA LOBO “O princípio in dubio pro reo não é mais do que um corolário da presunção de inocência, consagrado constitucionalmente no art.º 32.º, n.º2 da CRP. Produto da Revolução Francesa, repousa na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.º 11.º) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 6.º). Tem na apreciação da prova o seu campo jurídico de aplicação natural e lógico, a qual é da competência do Juiz. Com efeito enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido, não é admissível a sua condenação. Tal princípio, serve para resolver a dúvida que surjam numa situação probatória incerta. Mas a dúvida tem que ser do juiz e não dos restantes intervenientes processuais(…).” in Código de Processo Penal Anotado, 4.ª edição. Como princípio que se projecta em sede de apreciação da prova, a sua violação é tradicionalmente tratada como erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal) e, por isso, tal como sucede com os demais vícios da sentença, tem que resultar ou decorrer do próprio texto da decisão recorrida. Porém, este Tribunal de recurso (que conhece também da impugnação da matéria de facto), pode igualmente censurar a violação desse princípio em sede de impugnação alargada, se, reapreciada a prova, chegou a um estado de dúvida insanável, que se impunha, isto é chegou à conclusão que, com a prova produzida que reapreciou, existem dúvidas que impõem o in dubio, ainda que o Tribunal recorrido não tenha manifestado ou sentido dúvida. Neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/09/2020 processo 3773/12.4TDLSB.L1-5, relator Jorge Gonçalves in www.dgsi.pt: “(…)Assim, procedeu-se à audição da gravação da prova pessoal indicada, importando cotejá-la com a motivação da decisão de facto e verificar se as provas indicadas pelo recorrente (e agora reapreciadas), impõem decisão diversa da proferida pela 1.ª instância.(…) Sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, compreende-se o entendimento, repetidamente afirmado na jurisprudência do Supremo, de que não resultando da decisão que o tribunal ficou num estado de dúvida sobre os factos e que «ultrapassou» essa dúvida, dando-os por provados, contra o arguido, ao S.T.J. fica vedada a possibilidade de decidir sobre a violação do princípio «in dubio pro reo» dado o quadro dos respectivos poderes de cognição, restritos a matéria de direito. Por isso se diz que no S.T.J. só pode conhecer-se da violação desse princípio quando da decisão recorrida resultar que, tendo o tribunal a quo chegado a um estado de dúvida sobre a realidade dos factos, decidiu em desfavor do arguido; ou então quando, não tendo o tribunal a quo reconhecido esse estado de dúvida, ele resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, nos termos do vício do erro notório na apreciação da prova .Não se compreende que se siga o mesmo raciocínio na Relação.(…). A Relação, diversamente do S.T.J., conhece de facto. Mesmo que a violação do princípio in dubio não resulte do texto da decisão recorrida, só por si ou conjugada com as regras da experiência comum, enquanto erro notório na apreciação da prova [cfr al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P.), pode a mesma ser detectada no âmbito de impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto. Ou seja: fora dos limites do erro notório na apreciação da prova, o recurso da decisão de facto, no âmbito da impugnação ampla, habilita a Relação, que conhece de facto, a reapreciar as provas, a formular a sua livre convicção quanto às mesmas e a determinar se o tribunal de 1.ª instância, independentemente de se ter visto subjectivamente confrontado com a situação de dúvida, julgou provado facto desfavorável ao arguido apesar de a prova disponível não permitir, de forma racional e objectiva, à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório, ultrapassar o estado de dúvida sobre a realidade do facto (neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 13/09/2016, processo 89/15.8GTABF.E2, relator António João Latas).(…)” O in dubio pro reo é convocável em matéria de prova quando o tribunal, mesmo o de recurso, se encontre numa situação de dúvida razoável quanto a algum ponto da matéria de facto, circunstância em que a deve resolver em benefício do arguido; e, inversamente, já não colhe pertinência o in dubio pro reo quando o tribunal, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum, não tem qualquer dúvida razoável quanto aos factos a deles extrair ou, tendo-a tido em algum momento, a esclareceu, convencendo-se positivamente do facto em causa (entre tantos outros, vide o Acs. do STJ de 7.11.2002, da RC de 12.09.2018 e da RP de 28.10.2015, relatados por Oliveira Guimarães, Orlando Gonçalves e Ernesto Nascimento, respetivamente, in www.dgsi.pt; vide ainda Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit., pg. 1121). Retornando ao caso concreto, este Tribunal de recurso, procedeu à audição da gravação da prova pessoal indicada pelos recorrentes, e reapreciada esta concatenada com o depoimento da ofendida, não ficou com dúvida razoável sobre os factos provados e impugnados, não impondo, a sua análise decisão diversa da proferida pela primeira instância, não se impondo o princípio in dubio, concordando com o Tribunal aquo que igualmente, o referiu expressamente, que não teve qualquer dúvida a respeito de qualquer desses factos dados como provados, com apoio nos meios de prova disponíveis e lendo-os criticamente à luz das regras da experiência comum, justificando devidamente a versão que acolheu, como se denota da motivação. Como vimos, o percurso seguido pelo Tribunal a quo na convicção formada e nos motivos dela determinantes, mostra-se, perfeitamente explicado, de forma lógica e objectivável e, tem suporte plausível e seguro na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso, e nessa medida, porque beneficiou da imediação e da oralidade, deve prevalecer a convicção expressa pelo tribunal a quo, sendo inatacável. Não se vislumbra, ademais, quaisquer dos vícios previstos no art.º410.º, n.º2 do CPP no texto da decisão recorrida, não obstante os recorrentes mencionarem a alínea a) do n.º2 do referido art.º na parte final das suas conclusões (que respeita à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), o certo é que nem sequer explicam em que baseiam essa afirmação, pois que a esse propósito nada é dito nas conclusões, e quanto ao erro notório a que alude o n.º2, al. c) do art.º 410.º, igualmente não se vislumbra a sua verificação tal vício do texto da decisão recorrida, por si só e mesmo conjugada com as regras da experiência comum, na medida em que um tal vício de erro notório na apreciação da prova não se verifica quando a discordância resulta da forma como o tribunal apreciou a prova produzida, dado que o facto de a versão dos recorrentes sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício, sendo certo que na análise da prova o Julgador da primeira instância não se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios nem desrespeitaram as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis e da experiência comum. Pelo exposto, e, em suma, as premissas da sentença recorrida, secundadas pelas considerações supra, no que toca à matéria de facto, encontram-se fundadas na prova produzida conjugada com as regras de experiência comum e não se baseou em qualquer prova proibida nem em violação das regras sobre a sua força legal das provas, concluindo-se pela inexistência de erro de julgamento. Dada a inexistência de erro de Julgamento e a improcedência da impugnação da matéria de facto, fica prejudicada a absolvição dos arguidos quer no que respeita à responsabilidade penal quer relativamente à quantia fixada a título de reparação dos prejuízos, concluindo-se como o Tribunal recorrido, que os actos praticados pelos arguidos preenchem o tipo legal do crime de violência doméstica, quer no seu elemento objectivo, quer subjectivo p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas d) e e) e n.º 2, alínea a), do Código Penal bem como os pressupostos relativos à atribuição da reparação dos prejuízos à lesada. Há, assim que julgar não provido o segmento do recurso em análise. *** Em síntese, o recurso improcede totalmente porque nenhuma censura nos merece a sentença recorrida. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam as Juízas Desembargadoras da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em: - Negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos AA e BB, confirmando a sentença recorrida. Mais se condena cada um dos arguidos/recorrentes nas custas do recurso, fixando-se em 4 Ucs para cada um deles, a taxa de justiça devida nos termos dos artigos 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro com as sucessivas alterações legislativas. Lisboa, 23 de Outubro de 2025 Elaborado e integralmente revisto pela Relatora (art.º 94.º n.º2 do C. P. Penal) Assinado digitalmente pela Relatora e pelas Senhoras Juízas Desembargadoras Adjuntas Maria de Fátima R. Marques Bessa Ana Marisa Arnêdo Ana Paula Guedes ______________________________________________________ 1. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995 2. Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção. 3. In Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1ª ed., Vol. I.  |