Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
Descritores: | ARROLAMENTO INVENTÁRIO FIEL DEPOSITÁRIO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/04/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I - Ao requerido em providência cautelar é lícito requerer a reapreciação da prova quando interpõe recurso nos termos do art. 388º nº 1 al a) do Código de Processo Civil atento o preceituado nos art. 685º-B e 712º deste diploma legal. II – Em providência cautelar de arrolamento prévia à instauração de processo de inventário a nomeação de depositário deve fazer-se mediante necessária indagação nos termos do nº 2 do art. 426º do CPC. (AC) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório A instaurou procedimento cautelar de arrolamento contra M requerendo o arrolamento do recheio de casas e de saldos bancários que identifica, alegando, em síntese: - o requerente é filho de M, falecida em 3/2/1986 - a requerida é a cabeça-de-casal da herança dos falecidos A e A, pais de Maria. - os herdeiros de A, a saber, o requerente, a irmã e os sucessores, não estão de acordo na partilha extrajudicial dos bens deixados pela de cujus - os herdeiros de A, a saber, J, enquanto cabeça-de-casal de M e os sucessores, Maria e Maria A não estão de acordo na partilha extrajudicial dos bens deixados pelo de cujus - a requerida pretende arrendar um imóvel e não pediu autorização a nenhum dos herdeiros - a requerida nunca prestou contas dos frutos das heranças, recusa-se a dar aos herdeiros acesso aos bens, a sua descrição ou a sua localização, não constando de qualquer lista de bens diversas jóias e os recheios das casas de habitação, recusa-se a fazer a partilha das heranças, sendo previsível, de acordo com a experiência do homem médio que continuará a ocultar ou dissipar os bens das heranças para que os sucessores, em que o requerente se inclui, pouco ou nada possam receber Procedeu-se à inquirição de testemunhas sem audiência da requerida após o que se proferiu decisão decretando o arrolamento de determinados bens. Dessa decisão interpôs a requerida o presente recurso de apelação apresentando na sua alegação as seguintes conclusões: I – Face aos elementos apurados (vg prova gravada), a providência não devia ter sido decretada: . A mãe da recorrente faleceu a 12/07/07, sendo que a obrigação de prestar contas pela cabeça-de-casal é anual – art. 2093º do C. Civil, pelo que a requerida ainda não tinha obrigação de as prestar (embora paulatinamente as tivesse prestado); . O recebimento das rendas dos imóveis pertencentes à herança é um dos deveres impostos por lei à cabeça-de-casal, a quem incumbe a administração dos bens da herança – art. 2087º do C.Civil; . A locação, em regra, é um acto de administração ordinária (nº 1 do art. 1024º do C. C.), pelo que dentro da competência e poderes da cabeça-de-casal, não carecendo de autorização dos herdeiros; . O requerente e os herdeiros conheciam os bens imóveis e a localização do respectivo recheio; . A requerida é cabeça-de-casal, competindo-lhe a administração dos bens da herança, sendo responsável por estes até à sua liquidação e partilha – art. 2079º do C. Civil, devendo estar na posse e detenção dos bens que compõem a herança, para o que a lei lhe concede até poderes para usar de acções possessórias contra os herdeiros – nº 1 do art. 2088º do C.Civil; . A requerida não se recusou a fazer a inventariação do recheio dos imóveis, tendo sido promovidas datas para o efeito; . Dada a comprovada animosidade dos herdeiros para com a requerida, é óbvio que não lhes poderia facultar individual e livremente as chaves dos imóveis, sob pena do respectivo recheio desaparecer e disso ser responsabilizada a cabeça-de-casal; . A requerida efectuou um extenso relatório fotográfico das jóias e pratas, entregues aos herdeiros através dos respectivos mandatários, ao qual, aliás, aludem as testemunhas (…) pelo que se deduz a sua colaboração na feitura da listagem dos bens, normalmente, mais valiosos; . A suposta recusa (infundada) de fazer partilhas não constitui fundamento para que se decrete o arrolamento, devendo ser outrossim, motivo para que o requerente requeresse inventário; . A factualidade descrita no nº 17 da matéria dada como provada, não foi alegada pelo requerente. Os factos não são instrumentais ou complemento ou concretização dos que foram alegados, pelo que não deviam ter sido considerados na decisão, tendo-se violado expressamente o disposto no art. 264º do C.P.C.; . Em função da reapreciação da prova e da correcta interpretação da lei aplicável, a providência não deveria ter sido decretada; . A norma do nº 1 do art. 426º do C.P.C. é imperativa: a cabeça-de-casal deveria ter sido nomeada depositária dos bens da herança, não podendo ser utilizado o critério da inconveniência do nº 2 do mesmo preceito, pois só é aplicável aos demais casos; . Não podendo ser considerados os factos elencados sob o nº 17 (ameaças físicas, etc), muito menos poderiam também servir de fundamento para que a cabeça-de-casal não fosse nomeada depositária dos bens, com toda a inconveniência para a correcta administração da herança O requerente contra-alegou formulando, em síntese, as seguintes conclusões: . O recurso do procedimento cautelar está limitado à apreciação do modo como foi interpretado e aplicado o direito pelo juiz. . A demonstração da inverdade dos fundamentos invocados é matéria da oposição por embargos e não recurso como fez a recorrente. . A invocação de alegadas nulidades que existam no processo teria de ser feita igualmente em sede de oposição e não em sede de recurso. . Nos termos do art. 1024º nº 1 do CC a locação não é um acto de administração ordinária quando for celebrada por prazo superior a seis anos. . A sentença não teve apenas como fundamento a recusa da recorrente em proceder ao inventário. . O fiel depositário não tem de ser obrigatoriamente a cabeça de casal. . Quando há manifesto inconveniente em que os bens arrolados sejam entregues à cabeça-de-casal pode ser nomeado outro fiel depositário (art. 839º, 845º ex vi 424º nº 5 do CPC). . As ameaças físicas que constam da sentença são factos instrumentais da recorrente não permitir aos demais herdeiros o acesso aos imóveis e recusar-se a descrever e localizar o respectivo recheio. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do CPC), sem prejuízo das questões que o Tribunal deva conhecer oficiosamente. Assim, as questões a decidir são as seguintes: - saber se o requerido, na sequência da notificação prevista no nº 6 do art. 385º do CPC, tendo optado por recorrer do despacho que decretou a providência cautelar pode impugnar a matéria de facto requerendo a reapreciação da prova produzida - na afirmativa, saber se a matéria de facto foi incorrectamente julgada - saber se na decisão sobre a matéria de facto foram dados como provados factos não alegados em violação do disposto no art. 264º do CPC - saber se em função da prova e à luz do direito aplicável a providência não devia ter sido decretada - saber se a cabeça-de-casal dos bens da herança não poderia deixar de ser nomeada depositária atento o disposto no art. 426º nº 1 do CPC III – Fundamentação A) Na decisão recorrida constam como factos provados: 1 – O requerente é filho de Maria. 2 – Maria era filha de A e de B. 3 – B faleceu em 4-1-1972. 4 –Maria faleceu em 3-2-1986. 5 – A faleceu 12-7-2007. 6 – C é filha de Maria. 7 – J foi casado no regime de comunhão de adquiridos com Maria. 8 – A requerida é cabeça de casal da herança de A e de B. 9 – Para além do requerente, da requerida, de C e de J, é ainda herdeira de A e de B, Maria A. 10 – A e B deixaram terrenos, casas, móveis, contas bancárias e jóias. 11 – A requerida recebe as rendas referentes aos arrendamentos de imóveis sitos no concelho de Beja e na freguesia da Costa da Caparica, concelho de Almada. 12 – A requerida não dá conhecimento, nem presta contas das quantias por si percebidas. 13 – Apesar de instada a fazê-lo, a requerida não informou onde colocou o recheio da casa. 14 – A requerida não permite aos demais herdeiros o acesso aos imóveis, não dispondo estes de chaves dos mesmos, e recusa-se a descrever e localizar o respectivo recheio. 15 – Um par de brincos e dois cordões em ouro e os recheios das casas de habitação de A não constam de qualquer lista de bens. 16 – A requerida recusa-se a proceder à partilha das heranças. 17 – A requerida ameaça fisicamente os demais interessados na herança em tudo o que a esta diz respeito, dizendo-lhes que lhes lançará ácido e envolvendo-se com estes. B) Apreciemos a primeira questão e que é a de saber se a requerida ora recorrente, na sequência da notificação prevista no nº 6 do art. 385º do CPC, tendo optado por recorrer do despacho que decretou a providência cautelar pode impugnar a matéria de facto requerendo a reapreciação da prova produzida. Estabelece o art. 388º nº 1 do CPC: «1. Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 385º: a) Recorrer nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 386º e 387º». Portanto, quando o requerido opta pela interposição de recurso não pode alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal que decretou a providência. Mas o requerido/recorrente não está impedido de requerer a reapreciação da prova pois a lei ao reportar-se «aos elementos apurados» refere-se necessariamente aos elementos apurados com os meios de prova que foram produzidos pelo requerente da providência e de harmonia com os art. 685º-B e 712º do CPC o recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto. Nestes termos conclui-se que ao requerido em providência cautelar é lícito requerer a reapreciação da prova quando interpõe recurso nos termos do art. 388º nº 1 al a) do Código de Processo Civil. C) Vejamos agora se no caso concreto estão preenchidos os requisitos legais para que se proceda à reapreciação da prova gravada. Estabelece o nº 1 do art. 685º-B do CPC, sob a epígrafe «Ónus do recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto»: «1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida» Das conclusões da alegação da recorrente resulta que os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados são: «apesar de instada a fazê-lo, a requerida não informou onde colocou o recheio da casa», «A Requerida … recusa-se a descrever e a localizar o respectivo recheio [dos imóveis]» e «A requerida recusa-se a proceder à partilha das heranças» Portanto, proceder-se-á à reapreciação da prova quanto a essa matéria de facto tendo em consideração os depoimentos das testemunhas visto que a recorrente indicou na sua alegação as passagens da gravação em que se funda. Quanto à alegação de que é falso que «não dá conhecimento, nem presta contas das quantias por si percebidas» (facto nº 12) e que é levada à 1ª conclusão da alegação da recorrente verifica-se que esta não procedeu como impõe o art. 685º-B nº 1 al b) do CPC pelo que se rejeita nessa parte o recurso não se procedendo à reapreciação da prova quanto a essa matéria de facto. D) Passemos agora a conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. No art. 712º do CPC determina-se: «1. A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. 2 – No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. (…)» O art. 655º do mesmo Código dispõe: «1. O tribunal colectivo aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 2. Mas quando a lei exija, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial não pode esta ser dispensada.» Para reapreciar as provas produzidas procedeu-se à audição integral dos depoimentos de todas as testemunhas. Segundo resulta das conclusões da alegação da recorrente é falso que «apesar de instada a fazê-lo, a requerida não informou onde colocou o recheio da casa», «A Requerida … recusa-se a descrever e a localizar o respectivo recheio [dos imóveis]» e «A requerida recusa-se a proceder à partilha das heranças». Diz para tanto a recorrente que da audição dos depoimentos das testemunhas resulta claro que é do conhecimento destas que a requerida vivia com a falecida na casa referida no art. 14º do requerimento inicial e que aí continua a residir e que era do conhecimento do requerente e dos demais herdeiros onde se encontrava o recheio, e por isso indicaram tal morada. (…) Portanto, não se mostra que tenha havido erro na apreciação da prova quanto aos factos constantes dos pontos 13 e 14 da matéria de facto dada como provada no despacho recorrido. A recorrente sustenta também que não se recusa a fazer a partilha das heranças. Consta no ponto 16 dos factos dados como provados na decisão recorrida: «A recorrida recusa-se a proceder à partilha das heranças». Invoca para tanto os depoimentos das testemunhas Clara e João Santos por estes terem mencionado o tal «relatório fotográfico». Mas, pelas referências que já fizemos aos depoimentos das testemunhas, inclusive com transcrição de excertos dos mesmos verifica-se que a recorrente tem actuado de forma reveladora de que não quer efectuar a partilha dos bens das heranças pelo que não houve erro na apreciação da prova quanto à matéria de facto constante do ponto 16. E) O Direito Sustenta a recorrente que a factualidade descrita no nº 17 da matéria dada como provada não foi alegada pelo requerente e por isso não podia ser considerada na decisão recorrida pois não são factos instrumentais nem complemento ou concretização dos que foram alegados, tendo sido violado o disposto no art. 264º do CPC. Estabelece o art. 664º do CPC: «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º» O art. 264º do CPC prevê: «1. Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 2. O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. 3. Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.» Os factos instrumentais são aqueles que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes, servindo apenas para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (Anselmo de Castro, «Direito Processual Civil Declaratório», 3º, pág. 275/276). O art. 421º do CPC estabelece como fundamento para o arrolamento o «justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos»; por seu turno, o art. 423º determina que «O requerente fará prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação» e que «Produzidas as provas que forem julgadas necessárias, o juiz ordenará as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério». A factualidade vertida no ponto 17 dos factos dados como provados na decisão recorrida é esta: «A requerida ameaça fisicamente os demais interessados na herança em tudo o que a esta diz respeito, dizendo-lhes que lhes lançará ácido e envolvendo-se com estes». Tal factualidade serve apenas para indiciar os factos dados como provados sob os pontos 12, 13, 14 e 16. Pelo exposto não há impedimento legal a que seja mantida e considerada a matéria de facto constante do ponto 17. Vejamos agora se os factos provados justificam o decretamento da providência de arrolamento. Consta na decisão recorrida: «No caso vertente, em face da percepção pela requerida, sem prestação de contas, das rendas de imóveis, da dificuldade de descrição e localização dos bens móveis, há fundado receio de dissipação dos bens, sendo certo que, tratando-se de bens móveis, incluindo jóias, na sua generalidade de pequenas dimensões, será fácil fazê-los desaparecer ou vender. O requerente, enquanto herdeiro indiciado dos bens cujo arrolamento pretende, tem manifesto interesse na conservação daqueles. Assim, tendo-se o tribunal convencido de que, sem o arrolamento, o direito do requerente sofre risco sério de não poder vir a ser acautelado (art. 423º/2 do C.P.C.), entende-se ser de deferir a providência». De sublinhar que a decisão recorrida não deu como provado que a recorrente pretenda dar de arrendamento um imóvel, não tendo razão de ser versar também a alegação de recurso e respectivas conclusões sobre essa matéria. Por isso, no caso concreto, é inútil e está vedado por lei, por ser manifestamente impertinente, – cfr art. 265º nº 1 do CPC - tecer este Tribunal considerações sobre os poderes do cabeça-de-casal para celebrar contratos de arrendamento. Apreciemos então se deve manter-se a decisão recorrida atentos os factos provados. A recorrente tem razão ao dizer que de harmonia com o art. 2093º nº 1 do Código Civil a obrigação de prestação de contas é anual e como a sua mãe faleceu em 12/7/2007 ainda não tinha decorrido o prazo para surgimento desse dever. Porém, não é menos verdade que os herdeiros têm o direito de saber quais são os bens que compõem a herança, designadamente quais os rendimentos que eles produzem, pois estabelece o art. 2092º do Código Civil: «Qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação dos encargos da herança.» Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela «A obrigação de entrega de parte dos rendimentos é independente da obrigação de prestação anual de contas, de que trata a disposição subsequente, embora da prestação de contas, quando haja saldo positivo, possa resultar um dever de nova distribuição de rendimentos, (…)» (in Código Civil anotado, Vol VI, 1998, pág. 153/154). Assim, independentemente da obrigação anual de prestação de contas, tem a cabeça-de-casal ora recorrente a obrigação de distribuir os rendimentos se tal lhe for exigido nos termos do art. 2092º do Código Civil, o que implica que os herdeiros têm de saber quais os rendimentos produzidos. Porém, indiciariamente resulta nos autos, que a recorrente tem negado aos herdeiros, designadamente ao recorrido, a informação sobre os rendimentos produzidos pelos bens das heranças. Portanto, embora seja certo, como diz a recorrente, que o recebimento das rendas dos imóveis é um dos deveres impostos à cabeça-de-casal, também é certo que está sujeita à obrigação de distribuição desses rendimentos em harmonia com a previsão do art. 2092º nº 1 não lhe sendo lícito recusar informação aos herdeiros. Da análise dos factos indiciariamente provados – pois estamos em sede de procedimento cautelar e a prova é necessariamente indiciária – resulta que a recorrente tem obstado a que o recorrente e outros herdeiros saibam quais os rendimentos produzidos pelos bens imóveis e bem assim que saibam com exactidão quais são os bens móveis – entre recheios de casas e jóias – e onde os mesmos se encontram. O cabeça-de-casal tem como função importantíssima preservar os bens da herança e permitir que os respectivos rendimentos sejam distribuídos pelos herdeiros. Não faz sentido e por isso, levanta fundado receio sobre as intenções da cabeça-de-casal, que esta não permita aos outros herdeiros o acesso aos imóveis para em conjunto fazerem a inventariação dos bens. Assim, mostra-se suficientemente indiciado o receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, justificando-se o decretamento do arrolamento. Resta saber se deveria ter sido nomeada depositária a cabeça-de-casal ora recorrente. Estabelece o art. 426º nº 1 do CPC: «Quando haja de proceder-se a inventário, é nomeada como depositário a pessoa a quem deva caber a função de cabeça-de-casal em relação aos bens arrolados.». Não foi alegado nem está provado que esteja já a decorrer inventário. Explica Lopes Cardoso: «A nomeação do depositário não oferece qualquer dúvida na hipótese do arrolamento ter sido requerido na pendência do inventário. Neste caso já o cabeçalato está deferido e é o cabeça-de-casal que deve ser nomeado para o desempenho daquele cargo. Mas na hipótese de arrolamento acto preparatório é mister proceder à necessária indagação para respeitar o disposto no art. 426º». Afigura-se-nos correcto este entendimento, tanto mais que as regras do art. 2080º do Código Civil sobre o deferimento do cargo de cabeça-de-casal não são imperativas e bem pode acontecer que vindo a ser instaurado inventário a recorrente não seja nomeada cabeça-de-casal. Nesta conformidade conclui-se que a decisão recorrida não violou disposição legal imperativa ao nomear o recorrido fiel depositário. * Em cumprimento do disposto no art. 713º nº 7 do CPC elabora-se o seguinte sumário:I - Ao requerido em providência cautelar é lícito requerer a reapreciação da prova quando interpõe recurso nos termos do art. 388º nº 1 al a) do Código de Processo Civil atento o preceituado nos art. 685º-B e 712º deste diploma legal. II – Em providência cautelar de arrolamento prévia à instauração de processo de inventário a nomeação de depositário deve fazer-se mediante necessária indagação nos termos do nº 2 do art. 426º do CPC. * IV – DecisãoPelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente (art. 446º nº 1 do CPC). Lisboa, 4 de Novembro de 2008 Anabela Calafate Antas de Barros Folque de Magalhães |