Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
356/24.0T8MTA.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
QUOTAS EXTRAORDINÁRIAS
OBRAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator):
I - A impugnação da decisão sobre a matéria de facto que se revele inútil é vedada ao tribunal de recurso.
II - Uma deliberação da assembleia de condóminos relativa a uma quotização extraordinária, prevista no Regulamento de Condomínio, com vista a ir concretizando gradualmente os fundos para obras que venham a ser eventualmente necessárias, não exige a apresentação de três orçamentos para obras, precisamente porque ainda não se sabe qual o tipo de obras que virão a ser necessárias.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
I. Red Moon - Actividades Imobiliárias, S.A., nos autos m.id., intentou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra o Condomínio do Prédio sito na Rua 1, representado pela sua Administradora, pedindo a declaração da nulidade da deliberação constante no Ponto Cinco da Ordem de Trabalhos, tomada na Assembleia Geral Extraordinária no dia 26 de janeiro de 2024, por violação do artigo 1433º nº 1 do Código Civil, concretamente por (i) falta de apresentação, no mínimo de 3 orçamentos, (ii) (…) por deliberação tomada sem quórum necessário para o efeito, (iii) (…) por não ser da responsabilidade da Demandante o pagamento de obras de partes comuns das quais a mesma não usufrui.
Citada a R., contestou, alegando essencialmente que as obras são de conservação, não exigindo a aprovação por 2/3 do total do valor do prédio, que a quotização extraordinária aprovada teve cobertura no artigo 11º do Regulamento do Condomínio, em cujo número 3 se prevê a possibilidade de aprovação de quotização para alguma despesa de conservação ou de beneficiação que ultrapasse as disponibilidades do fundo comum de reserva ou do fundo de maneio corrente do condomínio. A quotização extraordinária não identificou nenhuma obra em concreto, apesar da necessidade de obras, como consta do Orçamento para 2024, sendo que apenas quando tais obras forem concretizadas – até porque a quotização extraordinária se faz em prestações ao longo de dois anos – terão de ser aprovadas, só então se colocando a necessidade da apresentação de três orçamentos. Do mesmo modo, só então se colocará a questão da responsabilidade da Autora pela extensão das obras que concretamente vierem a ser aprovadas.
O valor da acção foi fixado em €5.000,01. Saneados os autos, foi identificado o objecto do litígio, enumerados os factos já provados e enunciados os temas de prova, com reclamações, parcialmente atendidas.
Procedeu-se à audiência de julgamento, com gravação da prova nela prestada, sendo seguidamente proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Pelo exposto, julgo a ação improcedente por não provada e, consequentemente, decido absolver do pedido o Réu, Condomínio do Prédio sito na Rua 1, não declarando a anulabilidade/nulidade da deliberação constante no ponto cinco da ordem de trabalhos, tomada na Assembleia Geral Extraordinária no dia 26 de janeiro de 2024.
Custas a cargo da Autora, Red Moon - Actividades Imobiliárias, S.A. - artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).
Valor: 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo) – artigos 297.º, n.º 1. 298.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC”.
*
Inconformada, a A. interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A. (…)
B. Considera a Recorrente, salvo o devido respeito, que a douta Decisão a quo de que se recorre, padece de erro no julgamento da matéria de facto, na medida em que deu como provados os factos constantes dos pontos 1, 7, 8, 10, 12, 18 dos factos considerados provados e como não provados, os factos constantes da alínea única dos factos considerados como não provados, pois face ao pedido formulado e aos meios probatórios oferecidos aos autos, impunha-se uma resposta diversa da recorrida relativamente aos factos supra descritos (art. 640.º n.º 1 alíneas a) e b) do CPC, o que implicava uma decisão diferente;
C. Assim como, considera a Recorrente que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão foram mal interpretadas e aplicadas (art. 639.º n.º 2 alínea b) do CPC), e, portanto, recorre também sobre a matéria de direito.
D. Salvo o devido respeito, que é muito, ao douto Tribunal a quo, não se pode deixar de lamentar os erros manifestos da apreciação da matéria de facto, ao dar como provados factos que deviam ser dados como não provados e como não provados factos que deviam ter sido dados como provados.
E. O art. 607º nº 5 do CPC consagra o princípio da livre apreciação da prova. Segundo este princípio cabe ao julgador apreciar livremente a prova não vinculada, decidindo de acordo com a sua convicção relativamente a cada facto, com base em regras de raciocínio e de experiência face à prova testemunhal e documental produzida na audiência de julgamento.
F. O julgador está obrigado a fundamentar a sua decisão, nos termos do art. 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do art.154º do CPC.
G. Sucede que no caso em apreço, o Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto, não fundamentou minimamente a sua decisão e não agiu com as regras de raciocínio e de experiência, tendo em conta a prova testemunhal e documental carreada para os autos.
H. O Tribunal a quo ignorou a prova documental e o depoimento de testemunhas com relevância para a boa decisão da causa, pelo que face aos elementos probatórios juntos aos autos e à prova testemunhal, parece óbvio que o douto Tribunal a quo apreciou mal e julgou-a incorretamente.
Vejamos,
I. Entende a Recorrente que para a boa decisão da causa, o douto Tribunal a quo teria de ter em conta:
  • Quais as obras a realizar?
  • Qual o valor das obras especificamente?
  • Qual a quota parte do pagamento pela qual a Recorrente é responsável, tendo por referência o uso e costume referente ao pagamento da quota ordinária?
  • A utilização das partes comuns pela Recorrente?
J. Quanto ao Ponto 1 dos factos considerados provados, quanto à “saída própria” da fração designada pela letra “A”, da propriedade da Recorrente, a qual, nos termos dos depoimentos das testemunhas AA e BB, é autónoma, não sendo utilizada a entrada/saída comum, dos demais condóminos, pela Recorrente:
00:29:46 - BB
Em concreto, deste, não temos qualquer acesso às partes comuns do prédio. Temos duas entradas, uma entrada, como disse da rua 2 e outra entrada no Rua 3. Não utilizamos quaisquer acessos comuns, não temos garagens, não temos arrecadações. Utilizamos só as entradas que estão distintas e isoladas. O prédio em si, da parte da frente também da parte principal, é revestido a cerâmica. Nós temos montras nas nossas lojas, ou seja, nós achamos que não contribuímos em nada para a situação de manutenção que é necessária ou não, a nível de partes comuns, das quais não usufruímos. E as quais não temos acesso, nem deveremos ter, como é evidente.
K. Assim, relativamente ao Ponto 1 dos factos considerados provados, salvo o devido respeito que é muito, a decisão que deveria de ter sido proferida deveria ter sido outra que considerasse que a fração A, da propriedade da Recorrente, ainda que faça parte do prédio constituído por vários apartamentos e lojas distintos e isoladas entre si, sito na Rua 1, inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...., freguesia do Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena, concelho do Barreiro, descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número ..., da freguesia do Alto do Seixalinho, tem entrada/saída independente dos demais condóminos, não usando as entradas/saídas comuns do prédio, conforme os demais proprietários, nos termos e para efeitos do art. 640.º n.º 1 al. a), b) e c) do CPC, o que se argui para os devidos efeitos legais.
L. Quanto ao Ponto 7 dos factos considerados provados, verifica-se que para a fixação da quotização extraordinária não foi utilizado o mesmo critério que, de acordo com o uso e costume do condomínio, que desde sempre foi utilizado para a fixação da quotização ordinária, o qual, sempre teve em consideração o facto da Recorrente não utilizar as partes comuns do prédio e por essa razão ser substancialmente inferior.
00:33:04 - BB
Referente à quota mensal, mas só soubemos pela ata, e estávamos a falar de cêntimos, logo imediatamente repusemos. Ou seja, nós queremos participar e estamos lá para o condomínio, para aquilo que for necessário, para o que for preciso e que nos exijam, não é? Portanto, o que achamos é que aqui, e basta olhar um bocadinho também para as quotas mensais que referiu agora, e se repararem, o que é normal neste tipo de situações, em todas aquelas que temos, nós temos aí apartamentos que pagam 45 euros mensais e a loja paga 16,30 euros mensais. E é isso que é normal e que se encontra em quase todas as situações onde existem lojas no rés do chão.
(…)
00:48:28 - BB
Pronto, então, nós admitimos comparticipar, como é evidente. Com um critério razoável, que seja razoável e que seja (pausa) e ao fim e ao cabo, é o que está instituído por norma, como lhe disse (pausa) não só nos nossos que temos, mas em quase todos os condomínios onde existe uma loja.
Porquê? Porque a loja, como já disse, não tem acesso a quase tudo, e quem usufrui dessas coisas normalmente são as habitações, neste caso, são escritórios, etc., garagens, tudo isso. Nós não usufruímos de nada disso, mas consideramos, como é evidente, participar. Mas participar, vamos lá ver, uma participação que seja razoável e não seja, por exemplo, estamos nós, a loja, e se reparar bem, estamos a pagar quase (pausa) daqui a nada quase 1/3 das obras todas, quando não beneficiamos em nada desse tipo de obras, a não ser…
(…)
00:50:22 - Magistrada Judicial
Quanto é que acha, ou qual é a sua opinião de quanto é que a sua entidade patronal devia comparticipar em quota mensal ou no total para as obras, para as quais foram (impercetível).
00:50:31 - BB
Senhora Doutora, nós admitimos que possa ser utilizado o mesmo critério que é utilizado para as mensalidades.
00:50:44 - Magistrada Judicial
E então?
00:50:45 - BB
Que é o critério em que a loja paga 16,30 e o apartamento está a pagar 45, por exemplo. Este é que é o critério razoável para este tipo de coisas. (pausa) Bem como os escritórios, têm outros valores também, não é?
00:51:11 - Magistrada Judicial
Portanto, entendem que deve ser utilizado ou aplicado o critério que está a ser utilizado para a quotização ordinária.
00:51:15 - BB
Que está a ser utilizado para as mensalidades. Exatamente, sim.
(…)
01:15:32 - Magistrada Judicial
Sim, está aqui, 3577,60. E para os apartamentos, os direitos, peço desculpa, temos 765,70. (pausa) Então, porque é que a loja vai contribuir mais para as obras do que os apartamentos, quando as quotas mensais são superiores nos apartamentos do que na loja? É essa a questão (pausa) que a Autora coloca e, de facto, ou seja, para as obras a loja contribui mais do que os apartamentos. Para a quota mensal que todos os meses paga, a ordinária, a loja paga menos do que o apartamento.
01:16:21 - CC
Sim. Com certeza.
M. Atendendo a que as obras a realizar não são apenas referentes à pintura exterior do prédio, mas também às partes comuns do prédio que não são utilizadas pela Recorrente, e ainda porque mesmo em relação à pintura exterior do prédio, ainda que a Fração A ocupe 400 m2 da área total do prédio, apenas tem 2 fachadas, as quais são de vidro, conforme confirmado pelas testemunhas, mas sobretudo pela Legal Representante do Recorrido,
N. Relativamente ao Ponto 7 dos factos considerados provados, a decisão que deveria de ter sido proferida deveria ter sido outra que considerasse que o critério a aplicar para o apuramento da quota extraordinária a liquidar pela fração A, da propriedade da Recorrente, deverá ser o mesmo que foi utilizado para fixar o valor da quota ordinária, nos termos e para efeitos do art. 640.º n.º 1 al. a), b) e c) do CPC, o que se argui para os devidos efeitos legais;
O. Relativamente à impugnação do Ponto 8 dos factos considerados provados, fazendo a análise do identificado ponto, o Tribunal a quo, erradamente, entendeu que as obras aprovadas só “…consistiram a conservação/manutenção e pintura das paredes exteriores do edifício.”.
P. Porém, recorrendo ao teor da ata impugnada, junta como documento 2 com a petição inicial, apenas decorre que: “No ponto cinco Quotização extraordinária no valor de 13.000,00€ (treze mil euros) para obras à semelhança do que já foi feito em situações anteriores a administração apresentou uma proposta única para pagamento entre Julho de dois mil e vinte e quatro a junho de dois mil e vinte e seis.”, não identificado quais as obras que estariam em causa.
Q. Apenas o Documento 3 junto com a petição inicial – Orçamento para 2024 – nos diz de forma genérica quais as obras que se pretendem realizar, cujo pagamento supostamente estará previsto no valor aprovado, ou seja:
INFORMACÕES GERAIS
Não foram orçamentadas quaisquer verbas para benfeitorias. No entanto existem várias situações que requerem análise atenta e urgente resolução.
  • Reparação e pintura das paredes exteriores dos edifícios.
  • Pintura dos espaços comuns interiores.
  • Substituição da mola da porta da entrada do edifício da Rua 3.
  • Substituição do sistema de iluminação da garagem. Para conveniência própria é usual alguns condóminos ligarem os disjuntores do quadro elétrico, mas quando saem da garagem não os desligam ficando a consumir até que alguém lá entre. Se se investir na transição de interruptores para sensores de presença, apesar do investimento necessário, de futuro irá diminuir os custos com a energia.
R. Resultando, ainda:
É de todo aconselhável a continuação do amealhamento de capital por continuação de quotização extraordinária para os próximos anos, a exemplo do que já feito anteriormente, mas ainda não concluído na sua totalidade e nos moldes do ocorrido.”
S. Não tendo sido apresentados quaisquer orçamentos:
Declarações de Parte - CC
01:06:49 - Magistrada Judicial
Muito bem. Porque é que não apresentaram orçamentos?
01:06:54 - CC
Nós não apresentamos orçamento (pausa) nós tínhamos feito para termos uma ideia daquilo que nos iria custar. No início de 2016, nós pedimos alguns orçamentos para ter a noção do que é que (pausa) do que teríamos de suportar. Nessa altura, ficamos…
01:07:21 - Magistrada Judicial
Em choque com o preço, claro.
01:07:22 - CC
Ficámos em choque porque os valores que nos pediram…
01:07:25 - Magistrada Judicial
Mas agora são mais. Os orçamentos, vamos lá, 2016 estão completamente desatualizados.
01:07:30 - CC
Exatamente.
T. Assim, relativamente aos Ponto 8 e 10 dos factos considerados provados, a decisão que deveria de ter sido proferida deveria ter sido outra que considerasse as obras aprovadas consistiram na (i) reparação e pintura das paredes exteriores dos edifícios, (ii) pintura dos espaços comuns interiores, (iii) substituição da mola da porta da entrada do edifício da Rua 3 e (iv) substituição do sistema de iluminação da garagem, nos termos e para efeitos do art. 640.º n.º 1 al. a), b) e c) do CPC, o que se argui para os devidos efeitos legais.
U. Sendo que há nesta parte que conjugar com o que se arguiu relativamente ao Ponto 7 e ainda com o que se disse em sede de audiência de julgamento, ou seja, ter sido confirmado pelas 2 testemunhas arroladas pela Recorrente e também pela legal representante do Recorrido, na qualidade de Administradora, no que concerne ao facto da Recorrente não utilizar as partes comuns do prédio, com exceção da fachada de frente e de trás do edifício, permitindo-se assim concluir que não deverá ser aplicado o critério da permilagem, para apurar o valor da quota extraordinária a liquidar pela Recorrente.
V. Quanto ao Ponto 12 dos factos considerados provados, fazendo a análise do identificado ponto, o tribunal a quo, erradamente, entendeu apenas que a “… A. utiliza a fachada do prédio;”, por economia processual, dá-se aqui por integralmente reproduzido o que supra se disse e transcrições que foram feitas, relativamente às duas fachadas utilizadas pela Recorrente, serem de vidro/montras, pelo que a decisão que deveria de ter sido proferida deveria ter sido outra que considerasse que, a Recorrente apenas utiliza as fachadas dianteira e de tardoz do edifício, sendo ambas, na parte utilizada pela Recorrente, de vidro, nos termos e para efeitos do art. 640.º n.º 1 al. a), b) e c) do CPC, o que se argui para os devidos efeitos legais.
W. Em clara contradição com o que decorreu do depoimento das testemunhas, o Tribunal a quo considerou como não provado que: “As obras referidas na mencionada ata correspondem, também, à pintura dos espaços comuns interiores do edifício.” – Ponto único, pelo que sem necessidade de delongas e repetições dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, o que supra se disse relativamente às obras que estariam contempladas realizar, cujo pagamento seria feito com recurso à quota extraordinária aprovada.
X. Acresce ainda dizer que, recorrendo ao supra concluído e quanto à fundamentação de facto, o douto Tribunal a quo ignorou/interpretou erradamente o depoimento da testemunha DD, quando entendeu que esta testemunha “… disse que efetivamente a Red Moon – Actividades Imobiliárias, S.A, utiliza a fachada do prédio, admitindo que esta terá e que, aliás, pretende pagar as obras de pintura e reparação/manutenção/conservação das fachadas, só não quer é pagar obras das partes comuns do interior do edifício porque não as utilizada de todo.”;
Y. Pois na realidade, veja-se o que foi declarado:
00:48:28 - BB
Pronto, então, nós admitimos comparticipar, como é evidente. Com um critério razoável, que seja razoável e que seja (pausa) e ao fim e ao cabo, é o que está instituído por norma, como lhe disse (pausa) não só nos nossos que temos, mas em quase todos os condomínios onde existe uma loja. Porquê? Porque a loja, como já disse, não tem acesso a quase tudo, e quem usufrui dessas coisas normalmente são as habitações, neste caso, são escritórios, etc., garagens, tudo isso. Nós não usufruímos de nada disso, mas consideramos, como é evidente, participar. Mas participar, vamos lá ver, uma participação que seja razoável e não seja, por exemplo, estamos nós, a loja, e se reparar bem, estamos a pagar quase (pausa) daqui a nada quase 1/3 das obras todas, quando não beneficiamos em nada desse tipo de obras, a não ser…
Z. Pelo que, não se poderá considerar que a Recorrente aceita liquidar os valores das fachadas, pura e simplesmente, aceita liquidar, mas para tal deverá ser aplicado o mesmo critério que foi apurado para a fixação da quota ordinária, facto que foi totalmente desconsiderado pelo douto Tribunal a quo na sua fundamentação de facto, o que se argui para os devidos efeitos legais.
AA. Quanto ao direito, a Recorrente considera que a douta sentença a quo na sua fundamentação é simplista, limitando-se a considerar que tratando-se de uma despesa de conservação ordinária, não carece que qualquer outro “cuidado”, que não seja a sua aprovação, sem cuidar que está em causa a aprovação de uma quota extraordinária, que importa um valor considerável, para o qual a Administração não apresentou orçamentos, nem se quer identificou as obras que em concreto terão de ser realizadas, ou seja, apenas se limitou a identificar que se tratava de pintura exterior, interior…., etc,
BB. É do senso comum que recai sobre as Administrações de Condomínio a execução das suas funções de forma a garantir a transparência e boa gestão dos recursos do condomínio, e de certeza que recorrer a um orçamento que tem cerca de 10 anos, não é de todo, uma boa gestão dos recursos do condomínio, mesmo que seja para acautelar o “amealhamento” de uma obra que apenas poderá ser realizada em 3 / 4 anos e chegados lá, o fundo do condomínio não será suficiente.
CC. Atendendo à especificidade das obras em questão, podia e deveria o Tribunal a quo ter feito uma interpretação extensiva do disposto no art. 1436.º n.º 2 do Código Civil, pois é desconhecido o valor das obras a realizar e considerando que poderá atingir valores, de pelo menos o dobro o valor identificado, à presente data, devia o Tribunal a quo ter acautelado o dever de transparência, e ao não o ter feito, violou o art. 1436 n.º 2 do Código Civil, o que se argui para os devidos efeitos legais.
DD. Cumpre ainda relembrar que a fração da Recorrente apenas utiliza as fachadas dianteira e tardoz, sendo que ambas são em vidro, e apenas exigem, para a sua manutenção, limpeza, nada se comparando com tratamentos, reparações e pinturas que os andares acima do 1º andar poderão carecer, pelo que, não ser servindo das fachadas do edifício, nem das partes comuns interiores do edifício, não é a Recorrente responsável pelas despesas referentes às mesmas,
EE. Ao assim não considerar, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando, ostensivamente, a estatuição do art. 1424.º n.º 3 do Código Civil, o que se argui para os devidos efeitos legais.
FF. Considerando que assim possa não ser entendido, sem nada conceder, apenas por mera hipótese académica, se o contrário for entendido, como as fachadas ocupadas pela Recorrente são em vidro, o valor que a mesma deveria ser atribuído, deveria de ter em consideração tais factos, e nesta medida, ser apurado um valor, com recurso ao mesmo critério que é utilizado para a fixação da quota ordinária, o que se argui para os devidos efeitos legais.
GG. A douta sentença recorrida, duma forma simplista, ignora a prova documental e testemunhal, para dar julgar a ação improcedente por não provada, decidindo-se pela absolvição do Recorrido, não declarando a anulabilidade/nulidade da deliberação constante do Ponto 5 da Ordem de Trabalhos, tomada na Assembleia Geral Extraordinária no dia 26 de janeiro de 2024, quando devia ter decidido em sentido inverso, violando desta forma os arts. 1424.º n.º 3 e 1436.º nº 2, ambos do Código Civil, o que se argui para os devidos efeitos legais.
HH. Face ao exposto, deve, assim, ser dado provimento ao presente recurso de apelação, com todas as consequências legais.
Contra-alegou o recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, quer em matéria de facto quer em matéria de direito.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto e a procedência da acção.
*
III. Matéria de facto
O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A fração designada pela letra “A”, do prédio constituído por vários apartamentos e lojas distintos e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública, sito na Rua 1, inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...., freguesia do Alto do Seixalinho, Santo André e Verderena, concelho do Barreiro, conforme Documento 1, descrita na Conservatória do Registo Predial do Barreiro sob o número ..., da freguesia do Alto do Seixalinho, pertence à Autora, Red Moon - Actividades Imobiliárias, S.A.;
2. O A. é representado pela Sra. EE, a qual foi designada de Administradora do Condomínio do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua 1, concelho do Barreiro;
3. No dia 26 de janeiro de 2024, pelas 21 horas, realizou-se a Assembleia Ordinária de Condóminos, a qual tinha como ordem de trabalhos: - Ponto 1 – Análise, discussão e votação do Relatório de Contas dos anos de 2019 a 2023, - Ponto 2 – Análise, discussão e votação do Orçamento para 2024, - Ponto 3 – Passagem de Administração do Condomínio para o ano de 2024, - Ponto 4 – Obras do terraço, causas e consequências, - Ponto 5 – Quotização extraordinária, - Ponto 6 – Outros assuntos de interesse para o condomínio;
4. Na mencionada Assembleia estiveram presentes 10 (dez) condóminos, totalizando estes 48 (quarenta e oito) da totalidade dos 91 (noventa e um) votos da propriedade horizontal, estando, portanto, reunida 53,38% do capital social do edifício;
5. Não se encontrando presente a A. na referida Assembleia;
6. No Ponto 5 da referida Assembleia foi aprovada uma quotização extraordinária no valor de 13.000,00€ (treze mil euros), para obras cujo pagamento seria a efetuar entre julho de 2024 e junho de 2026;
7. Em resultado dessa quotização extraordinária, foi atribuído à Autora o valor total de 3.577,60€ (três mil quinhentos e setenta e sete euros e sessenta cêntimos), pagos em 23 mensalidades de valor fixo e acerto na 24ª mensalidade;
8. As obras aprovadas consistiram na conservação/manutenção e pintura das paredes exteriores do edifício;
9. Sem apresentação de três orçamentos à referida Assembleia de Condóminos, pela Administração do Condomínio;
10. A Administração do Condomínio informou na referida Assembleia de Condóminos através do documento que designou por relatório e contas de 2019 a 2023 e orçamento 2024, que existem várias situações que requerem análise atenta e urgente resolução, como sejam a reparação e pintura das paredes exteriores dos edifícios e a pintura dos espaços comuns interiores;
11. A A. não utiliza elevadores, garagem, arrecadação ou até mesmo a porta, sendo que as entradas para o seu estabelecimento são completamente autónomas;
12. A A. utiliza a fachada do prédio;
13. Atualmente, na data da instauração da ação, o Réu é representado pela Administradora FF;
14. Dispõe a cláusula 7.ª, n.º 1, do Regulamento do Condomínio Réu, sob o título “Obras de Conservação nas Partes Comuns”, que: - “As obras a realizar nas partes comuns devem ser aprovadas pela assembleia de condóminos ou, se forem urgentes, podem ser ordenadas pelo administrador do condomínio ou algum condomínio, nos termos dos números seguintes”;
15. Por sua vez, prevê-se na cláusula 8.ª, n.º 1 do Regulamento do Condomínio Réu que: - “Só a assembleia de condóminos pode decidir, com a aprovação de 2/3 do valor total do prédio, a realização de obras de inovação”;
16. Por fim, dispõe a cláusula 11.ª, n.º 3, do mesmo Regulamento que:
- “Para além das quotas referidas nos dois n.ºs anteriores, pode a assembleia deliberar uma quotização extraordinária destinada a fazer face a alguma despesa de conservação ou de beneficiação cujo valor ultrapasse as disponibilidades do fundo comum de reserva ou do fundo de maneio corrente do condomínio”;
17. As quotizações mensais para tal quotização extraordinária, serão pagas por todos os condóminos em 23 mensalidades de valor fixo e acerto na 24.ª mensalidade, a começar no mês de julho de 2024 e a terminar em junho de 2026;
18. Aquando da concretização das obras, a Assembleia de Condóminos terá que aprovar tais obras especificamente.
*
IV. Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa não resultou provado que:
Único. As obras referidas na mencionada ata correspondem, também, à pintura dos espaços comuns interiores do edifício.
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V. Fundamentação de Facto.
A propriedade da referida fração adveio da respetiva caderneta do registo predial junta como documento um com a petição inicial, que tem valor probatório pleno pois não exige confirmação por outro meio de prova mormente prova testemunhal (facto provado 1.). Existe acordo das Partes, resultante da análise crítica dos articulados, quanto à identificação da pessoa da administradora do condomínio Réu (facto provado 2.). Deu-se como provado que a Assembleia de Condóminos em causa foi “Ordinária” porque da leitura da respetiva ata (n.º 42) vemos que foi assim designada e não denominada de “Assembleia Extraordinária” (facto provado 3.). A prova dos factos descritos entre 4. a 9., 13. e 17. resultaram do acordo das Partes, conforme o alegado no artigo 4.º da contestação e demais alegação efetuada neste articulado. A utilização não dada pela A. aos elevadores, garagem, arrecadação ou até mesmo a porta, foi confirmado pelas testemunhas arroladas pela Autora, a saber: GG, funcionária da A. há cinco anos exercendo o cargo de administrativa; BB, empregado na A. há mais de 20 anos, exercendo as funções de gestão de imóveis. Com efeito, disseram esta testemunhas em julgamento que a A. não usa o prédio em virtude de ter porta independente que abre diretamente para a rua ou via pública, localizando-se a fração da A. ao nível do solo, rés-do-chão. Trata-se de uma loja, embora de grandes dimensões, onde a A. exerce a sua atividade comercial correspondente ao respetivo objeto social. Na medida em que foram testemunhas presenciais de tal circunstancialismo fáctico, revelaram-se credíveis no que concerne à não utilização de tais partes comuns (factos provados 11. e 12.) Todavia, a declarante de parte, administradora do condomínio Réu declarou na audiência final que as obras aprovadas são apenas para conservação/manutenção das fachadas do edifício, frente e traseiras, parcialmente lateral porque o prédio é contíguo a outro imóvel urbano com altura inferior ao presente. Pretende o condomínio proceder à realização de obras de conservação, pois o prédio num foi novamente pintado, mantendo a pintura originária, assim como o revestimento cerâmico das paredes exteriores que também comporta, com disse a declarante. A testemunha da A., BB, disse que efetivamente a Red Moon- Actividades Imobiliárias, S.A., utiliza a fachada do prédio, admitindo que esta terá e que, aliás, pretende pagar as obras de pintura e reparação/manutenção/conservação das fachadas, só não quer é pagar obras das partes comuns do interior do edifício porque não as utiliza de todo. Esta testemunha esclareceu, ainda, que a A. não esteve presente na referida Assembleia de Condóminos, porque quem costuma ir a estas reuniões é o respetivo gestor que se encontrava fora da cidade do Barreiro. Acresce que apesar de no documento três junto com a petição inicial se fazer referência a obras à pintura dos espaços comuns interiores do edifício, o mesmo não pode constituir um verdadeiro orçamento pois consiste numa mera informação e nem sequer é rigorosamente um orçamento por não ter valor, nem nele vir discriminado o valor parcelar de cada obra a realizar, para além de tais obras não virem expressamente escritas e mencionadas na ata n.º 42. (facto provado 10.). Ora, como na ata n.º 42 não se especificam as obras, se a realizar no interior se no exterior do edifício, e em face do declarado pela sra. Administradora de Condomínio, vemos que necessariamente tem de ficar excluída a prova de que as obras referidas nessa ata cuja quotização de 13.000,00 euros foi deliberada consistirão na pintura das paredes interiores do edifício na área das partes comuns (facto não provado único). Claro está que mais para a frente quando estiver reunido o referido valor de 13.000,00 euros, deverá a Administração de Condomínio apresentar um orçamento concreto onde deverão vir especificadas as obras a realizar na fachada e paredes exteriores do edifício, parcelarmente indicadas e com os valores unitários e o total, para que os condóminos possam esclarecidamente deliberar sobre esse orçamento (facto provado 18.), como resulta do conhecimento geral e, com tal, notório, para além do respetivo assentamento legislativo conforme infra se escreverá. Os factos provados onde se citam as clausulas 7.ª e 8.ª do Regulamento Interno decorrem deste documento junto com a contestação (factos provados 14., 15. e 16.)”.
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IV. Apreciação
1ª questão: - da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, relativamente aos factos provados 1,7, 8, 10, 12 e 18 e ao facto único não provado.
Primeira observação: - não é lícito praticar actos inúteis no processo (artigo 130º do CPC). Esta proibição aplica-se a todos os intervenientes processuais, incluído o tribunal. Se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que é apresentada no recurso é inútil, o tribunal de recurso não a pode fazer.
A pretensão de alteração do facto provado 1 passa pela dúvida, alega a recorrente, se a formulação do facto assegura que a fracção da recorrente só tem acesso para a rua. Tal dúvida está resolvida no facto provado 11. É inútil alterar a redacção do facto provado 1.
A pretensão de alteração do facto 7, que é o facto onde se dá como provada a deliberação impugnanda – ou seja, é um facto que é em si perfeitamente verdadeiro e foi alegado pela própria autora, e nessa verdade assenta a própria vinda da autora a juízo – baseia-se, para a recorrente, na consideração de que “a decisão que deveria de ter sido proferida deveria ter sido outra que considerasse que o critério a aplicar para o apuramento da quota extraordinária a liquidar pela fração A, da propriedade da Recorrente, deverá ser o mesmo que foi utilizado para fixar o valor da quota ordinária”. Em matéria de direito, se isso for o pedido formulado ou pressuposto do pedido formulado à inicial, seguramente que poderemos investigar qual era o critério correcto. Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tal consideração é completamente desajustada, porque na decisão sobre a matéria de facto entram factos e não conclusões, ou seja, há que ter presente a diferença entre ser/não ser e dever ser/não dever ser. Não se altera o facto provado 7.
Quanto aos factos provados 8 e 10 - 8. As obras aprovadas consistiram na conservação/manutenção e pintura das paredes exteriores do edifício; 10. A Administração do Condomínio informou na referida Assembleia de Condóminos através do documento que designou por relatório e contas de 2019 a 2023 e orçamento 2024, que existem várias situações que requerem análise atenta e urgente resolução, como sejam a reparação e pintura das paredes exteriores dos edifícios e a pintura dos espaços comuns interiores” - a recorrente sustenta que da acta impugnada não resulta qual o tipo de obras, o qual outrossim resulta do Orçamento para 2024 (doc. 3 com a p.i.) que “nos diz de forma genérica quais as obras que se pretendem realizar, cujo pagamento supostamente estará previsto no valor aprovado, ou seja: “Não foram orçamentadas quaisquer verbas para benfeitorias. No entanto existem várias situações que requerem análise atenta e urgente resolução”, sendo reparação e pintura das paredes exteriores dos edifícios, pintura dos espaços comuns interiores, substituição da mola da porta da entrada do edifício da Rua 3, substituição do sistema de iluminação da garagem. Mais resulta de tal orçamento que “É de todo aconselhável a continuação do amealhamento de capital por continuação de quotização extraordinária para os próximos anos, a exemplo do que já feito anteriormente, mas ainda não concluído na sua totalidade e nos moldes do ocorrido.”
O facto provado 10 diz precisamente aquilo que a recorrente aqui esgrime, e não se alcança porque razão tem de ser alterado. O facto provado 8 foi fundamentado pelo tribunal essencialmente com base na conjugação das declarações da legal representante do R. com a acta impugnada e com o Orçamento que constitui o documento 3 junto com a p.i., resultando para o tribunal que tal orçamento não constitui verdadeiramente um orçamento, pois não há discriminação de valores para as diversas obras ali ditas como necessárias, e resultando outrossim das referidas declarações a necessidade de pintura exterior do prédio, por nunca ter sido pintado, o que conjugado com a falta de fundos, ou melhor dizendo, a razão temporal lenta ao longo da qual os fundos necessários se iriam acumulando (e possivelmente nem chegariam a ser suficientes), levou o tribunal a credibilizar as declarações da referida declarante, em detrimento duma simples leitura do Orçamento como sendo complemento da acta ou lugar onde se descobre afinal aquilo que a acta não diz (o tipo de obras a fazer, as obras a fazer). Repare-se que a própria recorrente afirma que no Orçamento supostamente se indicam as obras, ou seja, nem a recorrente tem mesmo a certeza que assim é. E com razão: - da própria acta resulta afinal que a substituição da mola da porta de entrada será realizada na semana seguinte. Além disto, o ponto final a seguir à enunciação dos problemas candentes do condomínio explica a necessidade de continuar a amealhar, o que bem se percebe quando se lê o relatório dos anos transactos e se vê que nem sequer as quotizações extraordinárias para o período anterior tinham sido concluídas. Aliás, basta ver os saldos, para perceber que de facto o condomínio não tinha dinheiro para as obras que fossem ou viessem a ser necessárias, donde mais claro se torna que entre os vários problemas do condomínio se tinha de estabelecer uma prioridade, ou seja, mais credível se torna a declaração da legal representante de que as obras eram só de pintura exterior.
Não se altera assim o facto provado nº 8.
Quanto ao facto provado nº 12, a recorrente quer no fundo esclarecer/aditar que as fachadas que utiliza são de vidro, ou são essencialmente de vidro (montras) e por isso apesar de as usar, não será responsável, pelo menos a cem por cento, por custos com pintura.
Todavia, tal não alegou na sua petição inicial. No artigo 17.º da mesma lê-se “Admitindo-se apenas que a única obra da qual poderia vir a beneficiar, seria a pintura exterior, uma vez que utiliza a fachada do prédio, no entanto, conforme referido em 11º, mesmo para esta teria que ser apresentado um orçamento, que não sucedeu. 18.º Assim, não utilizando qualquer parte comum do prédio, não se justifica que a Demandante esteja obrigada a pagar uma quotização extraordinária no valor avultado de 3.577,60€ (…), por obras das quais não irá beneficiar. 19.º Uma vez que o nº3 do Artigo 1424º do Código Civil estabelece que: “As despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargos dos quais delas se servem.”
A questão do valor da quotização extraordinária para pintura exterior não dever onerar a recorrente senão na medida da percentagem de revestimento de fachada que não seja em vidro não foi invocada na petição inicial e consequentemente uma reapreciação do facto 12 é inútil. Diga-se, ademais, que nem se compreende esta defesa, porquanto o benefício de fachada não se limita à capacidade de protecção climática, antes compreende naturalmente o aspecto estético da fachada inteira dum prédio, que obviamente também beneficia as lojas do mesmo prédio.
Quanto ao facto provado 18, apesar da recorrente indicar que o pretende impugnar, não se encontra, nem nas conclusões do recurso nem no corpo da alegação, qualquer razão para essa pretensão, pelo que se mantém o facto provado 18.
Improcede assim esta primeira questão.
Segunda questão: - deve declarar-se a nulidade da deliberação constante do ponto cinco da acta oferecida aos autos?
Recorde-se que vem arguida a nulidade da deliberação porque relativa a obras de inovação ou de conservação extraordinária sem aprovação pela maioria necessária e sem apresentação de três orçamentos, e ainda porque, no tocante à recorrente, as obras são relativas a partes comuns que a Recorrente não usa.
Para a recorrente, a fundamentação da sentença é simplista, pois não considera que está em causa a aprovação de uma quota extraordinária de valor considerável para o qual a Administração não apresentou orçamentos nem concretizou as obras. Sustenta que é do senso comum que a Administração deve garantir a transparência e boa gestão dos recursos, e que recorrer a um orçamento com dez anos não é uma boa gestão, mesmo que seja para amealhar para “uma obra que apenas poderá ser realizada em 3 / 4 anos e chegados lá, o fundo do condomínio não será suficiente”.
Finalmente, argumenta que atendendo “à especificidade das obras em questão, podia e deveria o Tribunal a quo ter feito uma interpretação extensiva do disposto no art. 1436.º n.º 2 do Código Civil, pois é desconhecido o valor das obras a realizar e considerando que poderá atingir valores, de pelo menos o dobro o valor identificado, à presente data, devia o Tribunal a quo ter acautelado o dever de transparência, e ao não o ter feito, violou o art. 1436 n.º 2 do Código Civil, o que se argui para os devidos efeitos legais”.
Ainda em matéria de direito relembra a recorrente que “apenas utiliza as fachadas dianteira e tardoz, sendo que ambas são em vidro, e apenas exigem, para a sua manutenção, limpeza, nada se comparando com tratamentos, reparações e pinturas que os andares acima do 1º andar poderão carecer, pelo que, não ser servindo das fachadas do edifício, nem das partes comuns interiores do edifício, não é a Recorrente responsável pelas despesas referentes às mesmas”, e que ao não se considerar assim o tribunal violou o artigo 1424º nº 3 do Código Civil.
Ainda neste contexto, sustenta sem conceder que se o contrário for entendido, o critério de fixação do valor da quotização extraordinária da recorrente deve ser o mesmo que é utilizado para a fixação da quota ordinária.
Renova-se que a acção que foi interposta foi de declaração de nulidade de uma deliberação do condomínio. Não foi uma acção relativa ao critério de fixação do valor da quotização extraordinária relativamente à recorrente, em que se pedisse ao tribunal que condenasse o condomínio a observar o critério que a recorrente sustenta ser o certo.
Sabemos dos factos provados e não alterados que não foram apresentados orçamentos, e sabemos também que as obras eram de pintura exterior do prédio.
O tribunal considerou que as obras de pintura exterior eram meras obras ordinárias de conservação. O recurso não pugna para que tal qualificação seja alterada, para obras de conservação extraordinária ou obras de inovação. A afirmação de que a consideração do tribunal é simplista não é uma impugnação adequada.
Consequentemente, quer por aqui, quer porque, na verdade, nada demonstra que a aprovação de uma quotização extraordinária com fito a capitalizar, a ir capitalizando, o montante para obras que possam revelar-se necessárias, deva obedecer, segundo a lei ou segundo o Regulamento do Condomínio, a uma maioria especificamente qualificada que não tenha sido alcançada na assembleia onde a deliberação impugnanda foi aprovada, a primeira argumentação da autora e recorrente com vista a obter a nulidade da deliberação não tem sucesso.
Quanto à questão da utilização das fachadas, está resolvida por via da não alteração do facto provado 12 e de, como dissemos, não ter sido invocada essa particular forma de utilização que distingue os elementos constitutivos das fachadas entre o vidro das lojas e o reboco e pintura dos andares superiores. Consequentemente, não pode afirmar-se que o tribunal violou o artigo 1424º nº 3 do Código Civil.
Quanto à interpretação extensiva do artigo 1436º nº 2 do Código Civil em face duma quotização extraordinária, não vemos como. Para se fazer uma interpretação extensiva precisamos duma convergência das mesmas razões. Se assumirmos que o dever de apresentação de três orçamentos se justifica por uma questão de transparência na gestão dos recursos do condomínio, reportando-se a despesas de inovação ou conservação extraordinária, qual é a razão para exigirmos a mesma transparência quando se fixa uma quotização extraordinária com o fito de ir acautelando os valores à disposição do condomínio? Como é que é possível pensar na exigência de três orçamentos para obras que não se sabe ainda quais são? Existe aqui uma invalidade prática. A interpretação da recorrente tornaria ineficaz a própria previsão constante do Regulamento do Condomínio, sobre a quotização extraordinária de carácter preventivo.
Em suma, não encontramos erro na fundamentação jurídica da sentença, a qual se mostra correctamente aplicada aos factos apurados. Improcede, pois, esta segunda questão do recurso, e em consequência todo o recurso.
Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Outubro de 2025
Eduardo Petersen Silva
Nuno Gonçalves
Carlos Santos Marques
Processado por meios informáticos e revisto pelo relator