Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17981/22.6T8LSB.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
AUTORIA
VIDEOGRAMAS
TRANSCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Estando em causa a reprodução de um documento particular, a autoria das declarações constantes do documento reproduzido tem-se por estabelecida relativamente à pessoa contra quem o documento é apresentado, salvo se esta impugnar essa autoria e não for feita prova da mesma.
2. A transcrição, feita por solicitador, das expressões orais contidas num videograma, sem que esteja reconhecida ou determinada a autoria do videograma ou das referidas expressões orais, não pode servir como meio de prova documental do que foi registado no videograma porque não propicia o reconhecimento do autor de tais expressões.
3. Continuando a revelar-se possível a celebração da compra e venda prometida, e só não se mostrando concretizada a mesma em razão da omissão de marcação da escritura pública respectiva por parte do promitente vendedor, como este se obrigou, assiste ao promitente comprador não faltoso o direito à execução específica do contrato promessa, desde que se mantenha o interesse do mesmo na celebração do contrato prometido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

C. & M. – Construções, Ld.ª propôs acção declarativa com processo comum contra C., Limited (1ª R., anteriormente denominada E., Limited), J.P. (2º R.) e M.P. (3ª R.), pedindo que se profira sentença que produza os efeitos da declaração negocial da 1ª R., ou seja que esta, na qualidade de sucessora dos promitentes vendedores, 2º e 3ª RR., vende à A. a fracção autónoma que identifica, pelo preço de € 320,000,00.
Alega para tanto e em síntese que:
• Em 3/12/2021 celebrou com a 1ª R. um contrato promessa de compra e venda pelo qual a 1ª R. prometeu vender à A. a fracção autónoma identificada, pelo preço de € 320.000,00;
• Nessa data a A. procedeu ao pagamento de € 120.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento;
• Ficou acordado que a escritura de compra e venda se realizaria até 28/2/2022;
• As chaves da fracção autónoma foram-lhe entregues pelo 2º R., na qualidade de procurador da 1ª R., tendo tomado posse da mesma, limpando-a e cuidando-a e passando a utilizá-la para o alojamento da sua gerência, em deslocações a Lisboa, e a guardar aí materiais;
• Nem a 1ª R. nem os 2º e 3ª RR., apesar de interpelados, fixaram qualquer data para a realização da escritura de compra e venda;
• Os RR. recusam a celebração do contrato definitivo e a A. pretende obter sentença que substitua a declaração negocial em falta, já tendo procedido ao depósito do restante valor de € 200.000,00.
Citados os RR., apresentaram contestação conjunta onde, em síntese, alegam que:
• Aceitaram concretizar a compra e venda pelo preço de € 470.000,00, sendo que a A. (através do seu sócio gerente) sugeriu a formalização de dois contratos, um no valor de € 320.000,00 para participar fiscalmente, e outro verbal, no valor de € 150.000,00, a ser pago em numerário;
• Exigiram que tal negócio fosse formalizado com a intervenção de advogado ou de uma imobiliária, tendo pago € 2.000,00 a advogado escolhido pela A.;
• Apenas lhes foi dado a assinar um contrato, tendo-lhe sido dito que seria agendada outra data para o efeito e que nessa altura receberiam o valor de € 150.000,00, o que nunca veio a acontecer;
• As negociações ocorreram no final do ano de 2021 e primeiros meses de 2022, altura de grande perturbação emocional para os 2º e 3ª RR., por razões de saúde do 2º R., que sofreu um AVC, e do único filho da 3ª R., a quem foi diagnosticado uma doença do foro oncológico que culminou com a sua morte em 17/6/2022, e encontrando-se os 2º e 3ª RR. internados numa situação de saúde muito fragilizada;
• Em conversa mantida com o sócio gerente da A. este referiu que apenas existia um contrato válido e que não haveria mais dinheiro que o ali constante, pelo que ou celebravam a escritura nessa condição ou desistiria do negócio, desistência que os RR. aceitaram;
• Os RR. apenas emprestaram as chaves da fracção por um dia, não tendo transmitido a posse da mesma.
Concluem pela absolvição do pedido e pedem, em reconvenção, que se declare a nulidade do contrato promessa por simulação e que, caso se entenda que subsiste o negócio dissimulado, se considere válida e eficaz a resolução do mesmo, tal como transmitida pela A. aos RR. Subsidiariamente pedem a execução específica da promessa dissimulada de compra e venda pelo preço de € 470.000,00.
Peticionam ainda a condenação da A. em multa e indemnização, como litigante de má fé.
A A. apresentou réplica onde invoca a irregularidade e falta do mandato conferido pelos RR. ao advogado subscritor da contestação, a intempestividade desta, a ineptidão da reconvenção, a nulidade do pedido reconvencional e a excepção do abuso de direito. Mais impugna a factualidade alegada pelos RR. e conclui pela procedência das excepções invocadas, pela improcedência da reconvenção, com a sua absolvição dos pedidos reconvencionais, pela improcedência da sua condenação como litigante de má fé e bem ainda pela condenação dos RR. como litigantes de má fé, em indemnização não inferior a € 50.000,00.
Em audiência prévia foi verificada a regularidade do mandato forense conferido pelos RR. e a tempestividade da contestação, foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, aí sendo relegado para final o conhecimento das excepções peremptórias invocadas pela A. na réplica. Foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações decido:
1. Julgar a presente acção improcedente.
2. Julgar procedente o pedido reconvencional declarando a nulidade o contrato‑promessa outorgado entre A. e RR. e consequentemente, condenar os RR. a restituir à A. a quantia de € 120.000 €, recebida a título de sinal e princípio de pagamento.
Custas pela A.”.
A A. recorre desta sentença, sendo que na sua alegação invoca que as conclusões do recurso são aquelas que constam dos 143 pontos que aqui se reproduzem integralmente (incluindo as epígrafes):
I. O presente recurso é interposto como manifestação da insatisfação e não concordância por parte da Recorrente, perante a douta sentença que recaiu na acção à margem referenciada, que julgou a presente acção improcedente e, em consequência, absolveu os Recorridos (…) do pedido contra eles formulado pela Autora (…) e julgou procedente o pedido reconvencional declarando a nulidade o contrato promessa outorgado entre Recorrente e Recorridos e consequentemente, condenou os Recorridos a restituir à Recorrente a quantia de 120.000 €, recebida a título de sinal e princípio de pagamento.
II. As partes celebraram em 03/12/2021, um contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma destinada a habitação designada pela letra F, correspondente ao 2.º andar esquerdo do prédio sito (…) em Lisboa, pelo preço de 320.000,00 €, tendo a promitente compradora, ora Recorrente, pago a título de sinal a quantia de 120.000,00 €, comprometendo‑se os Recorridos a realizar o contrato prometido até dia 28 de Fevereiro de 2022.
III. A sentença ora recorrida deriva fundamentalmente da errada apreciação da prova documental junta aos autos, a de errada apreciação da prova testemunhal produzida, que levou a Meritíssima Juíza a quo, a decidir erradamente de direito na sentença em recurso, uma vez que a mesma, salvo o devido respeito, e no modesto entender da recorrente, é nula, por oposição entre os factos confessados pelas partes e a decisão pelo que, se impugna a decisão proferida.
IV. Guardado o devido respeito pelo Tribunal a quo, não pode a ora Apelante concordar com o douto entendimento na sentença recorrida pelos motivos que se passam a expor.
V. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
VI. Ora, nos presentes autos, os elementos de prova que formam produzidos mormente a prova documental, bem como a prova testemunhal, impõem, salvo o devido respeito, decisão diversa sobre determinados pontos de facto.
Decisão de facto
VII. A recorrente considera incorrectamente julgados os pontos da matéria de facto constantes dos pontos 13, 14, 16, 17 e 20 do elenco dos factos provados e alíneas a., b. e c., do elenco dos factos não provados,
VIII.Termos em que deverá a presente sentença ser revogada e proferida outra na qual constem tais factos constantes dos pontos 13, 14, 16, 17 e 20 no elenco dos factos não provados, e nas alíneas a., b. e c. no elenco dos factos provados e, por conseguinte, ser a execução específica proferida pelo Tribunal ad quem, ou, em alternativa, declarar o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte dos promitentes vendedores, ora Recorridos e condená-los no pagamento do sinal em dobro à promitente compradora, ora Recorrente.
IX. No facto 13. dos factos provados o Tribunal a quo dá por provado que os Recorridos pessoas singulares não receberam as cartas admonitórias de interpelação ao cumprimento do contrato promessa por a caixa do correio estar incessível, o que poderia levar a concluir que a recepção das interpelações não teria sido possível por facto não imputável aos Recorridos.
X. Por sua vez, nos pontos 9 e 11 dos factos provados, o Tribunal a quo já tinha considerado, e bem a nosso ver, que tais cartas não foram recebidas pelos Recorridos por as não terem reclamado na estação dos correio, após avido para o efeito.
XI. Erro do Tribunal, contradizendo-se nos seus próprios termos, que deverá ser corrigido pelo Tribunal ad quem, julgando que as interpelações admonitórias para verificação de uma situação de incumprimento enviadas pela Recorrente nas cartas supra referidas, são eficazes por não terem sido recebidas por culpa dos destinatários, vide art.º 224º, nº 2, do Código Civil.
XII. Devidamente interpelados extra-judicialmente ao cumprimento, com fixação de prazo limite para o fazer, deveria o Tribunal a quo ter julgado provada a culpa dos Recorridos no incumprimento definitivo do contrato promessa.
XIII.No ponto 14 do elenco dos factos provados, o Tribunal a quo julga, erradamente, provado que a iniciativa dos negócios entre as partes foi iniciada pelo legal representante da Recorrente.
XIV. Fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão no depoimento da Testemunha M.R., conjugado com o teor dos documentos 10, 11 e 12 da Réplica.
XV. Sucede que do depoimento da Testemunha M.R. e dos documentos 10, 11 e 12 da Réplica não decorre tal desiderato, pelo contrário, da referida prova testemunhal decorre que o legal representante da Recorrente foi abordado pela Recorrida M.P. - na qualidade de representante da Recorrida sociedade e de seu marido o Recorrido J.P. – que lhe ofereceu vários imóveis, apresentando várias propostas de negócios imobiliários e na referida prova documental nada é referido quanto à forma como as partes se conheceram.
XVI. O Tribunal a quo decidiu mal quando determinou que a iniciativa das relações negociais teria sido da Recorrente, em contrário à da prova testemunhal produzida em juízo, bem como extravasando os factos constantes da prova documental.
XVII. Quanto ao facto provado no ponto 16, o Tribunal julga provado que teria existido acordo negocial para a compra de dois imóveis, o imóvel em questão nos presentes autos e um imóvel em Coimbra, baseando a sua decisão na prova testemunhal de M.R. e em prova proibida.
XVIII. Sucede que, nos presentes autos requer-se a execução específica de um contrato promessa relativo à compra e venda de um imóvel em Lisboa, e não de dois imóveis, um em Lisboa e outro em Coimbra.
XIX. Da prova testemunhal de M.R. decorre claramente que o imóvel de Coimbra não estava disponível para a venda rápida e imediata que os Recorridos pretendiam.
XX. Razão pela qual, de acordo com proposta dos Recorridos por estarem com muita urgência em vender o imóvel de Lisboa, para poderem fazer face ao pagamento do preço de outro imóvel que tinham comprado e, caso não cumprissem, perderiam o sinal já pago – conforme as declarações dadas pela Recorrida M.P. ao legal represente da Recorrente - apenas se avançou com o negócio relativo ao imóvel de Lisboa, aqui em questão, tendo sido outorgado um contrato promessa de compra e venda, com pagamento de sinal, dado à execução específica nos presentes autos.
XXI. Tendo sido sempre de iniciativa e nos tempos dos Recorridos, que desde 2017, as negociações se iniciaram, se suspenderam, e reiniciaram.
XXII. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao julgar provado que a Recorrente propôs qualquer negócio aos Recorridos,
XXIII. Relativamente ao facto 17 dado como provado errou o Tribunal a quo ao julgar provada a celebração de dois contratos, um para apresentar à ATA e outro com pagamento “por fora”, cometeu um grave erro de julgamento.
XXIV. O Tribunal a quo mais uma vez fundamentou a sua decisão em prova proibida – junto aos autos com o requerimento de 10/01/2023 dos Recorridos – o que feriu a sua decisão de nulidade.
XXV. Mais ainda, fundamentou a sua decisão com o doc. 3 da contestação, de onde é impossível que resulte claro que do mesmo se possa depreender que o valor dos 320.000,00 € que as partes fizeram constar no contrato promessa não correspondia ao valor total para a venda da fracção.
XXVI. E muito menos que haveria algum pagamento além deste valor para o negócio referente ao imóvel objecto dos presentes autos.
XXVII. O Tribunal dá como provado no ponto 20. do elenco dos factos provados que as negociações relativas ao contrato promessa teriam ocorrido num período entre final do ano de 2021 e início do anos de 2022, quando o contrato foi assinado em período anterior.
XXVIII. Qualquer negociação de um contrato ocorre antes de o mesmo ser celebrado e não depois, pelo que o Tribunal a quo errou ao dar como provado o facto 20 do elenco dos factos provados.
XXIX. Também errou o Tribunal a quo ao julgar provado que o período das negociações teria coincidido com um período de grande perturbação emocional para os Recorridos devido a problemas de saúde.
XXX. Não obstante, a negociação do contrato promessa foi antes de 03/12/2021 (outorga do contrato promessa), quatro meses antes dos Recorridos adoecerem com COVID, bem como seis meses antes da ocorrência do óbito do filho, acrescendo ainda que, naquele período, 04/02/2022, os Recorridos andavam em viagem de autocaravana com uns amigos, conforme documento 7 junto à Réplica, sendo que no referido documento é referido que a viagem iria demorar oito a quinze dias.
XXXI. Relativamente aos factos dados como não provados nas alínea a. e b., o Tribunal a quo dá como não provado a tradição do imóvel.
XXXII. O Tribunal fundamenta a sua decisão nos testemunhos de D.A. e G.F., testemunhas deveras comprometidas com a versão dos factos dos Recorridos, cujas declarações demonstraram falta de veracidade e independência.
XXXIII. Pelo contrário, o Tribunal a quo, omite a consideração dos testemunhos prestados pelas Testemunhas arroladas pela Recorrente, que, de forma clara, demonstraram ao Tribunal que o legal representante da Recorrente, perante os mesmos, demonstraram comportamento como possuidor e fruidor do imóvel, tendo-os convidado a fazer orçamentos para obras que pretendia realizar no imóvel, tendo‑lhes aberto a porta, comportando-se como proprietário do mesmo.
XXXIV. Omite ainda a consideração do testemunho prestado pela Testemunha M.R. e o documento 7 da Réplica, onde a Recorrida M.P. declara expressamente que não tem as chaves do imóvel e pede autorização para o visitar.
XXXV. Pelo que mal andou o Tribunal a quo ao consideram não provada a tradição do imóvel.
XXXVI. Quanto ao facto não provado elencado com a alínea c., mal andou o Tribunal a quo ao julgar não provado que a Recorrente reunira os documentos necessários para a escritura prometida.
XXXVII. Julgando não ter sido efectuada qualquer prova no sentido de ter sido a Recorrente a renuir a suas expensas os documentos necessários para realizar a escritura prometida, o Tribunal a quo julgou contra prova documental junta pela Recorrente com a sua PI (vide documentos 2, 3 e 14 da PI).
XXXVIII. O que demonstra falta de clareza e erro de julgamento da Meritíssima Juíza a quo, pois que deveria ter julgado provado que a Autora, ora Recorrente, reuniu, a suas expensas, os documentos necessários para realizar a escritura prometida.
XXXIX. O Tribunal a quo não se pronuncia quanto ao incumprimento do contrato promessa pelos Recorridos, ao não promoverem a realização da escritura pública de compra e venda até à data estipulado no contrato promessa, ou seja 28/02/2022.
XL. Referindo-se o Tribunal a quo a um período de alegada perturbação na vida dos Recorridos M.P e J.P., meses após aquela data de ocorrência do incumprimento.
XLI. Ademais, a principal obrigada ao cumprimento do contrato promessa é a Recorrida Sociedade, não havendo justificação para esta não cumprir pontualmente as obrigações a que se sujeitou aquando da assinatura do contrato promessa e recepção do sinal pago pela Recorrente.
XLII. O Tribunal a quo deveria ter julgado provado que os Recorridos incumpriram o contrato promessa ao não promoverem a celebração da escritura pública de compra e venda até 28/02/2022 (ponto 5 dos factos provados), determinando a execução específica do contrato de compra e venda, ou caso assim não entendesse, em alternativa, condenando, de forma solidária, a Recorrida Sociedade como devedora principal e os Recorridos pessoas singulares na qualidade de fiadores, ao pagamento do dobro do valor do sinal pago pela Recorrente.
Do direito:
Nulidade da sentença Artigo 615º, 1, al. c) e d) do CPC
XLIII. A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, al. c) e d) do CPC, padece de vários vícios que se invocam para todos os efeitos legais.
XLIV. Os vícios ora invocados condicionaram a fundamentação e a decisão do julgador que determinou a improcedência da acção por a sentença se encontrar ferida de vícios, nulidades, os quais importa suprimir e decidir a causa por outra sentença alternativa que a substitua desprovida de vícios geradores de nulidades.
XLV. Se não fossem os vícios geradores das nulidades constantes na decisão recorrida o Meritíssimo Juiz a quo teria decidido na perfeita validade do contrato promessa de compra e venda acordado, firmado entre a recorrente e os requeridos e teria decidido a acção procedente, decidindo o incumprimento do contrato promessa de compra e venda e declarado a execução específica como pedido.
Artigo 615º, 1, al. c) do CPC
XLVI. Existem as seguintes contradições, obscuridades e deficiências na Douta sentença que a seguir se discriminam:
XLVII. Nem considerando os factos provados e não provados da sentença recorrida poderia o Tribunal a quo julgar a existência de simulação na celebração do contrato e ter dado procedência ao pedido reconvencional, improcedendo a acção.
XLVIII. Reponderada ou não a matéria de facto impugnada, tendo a Meritíssima Juiz “a quo”, tendo dado como provados os factos sobre os pontos 1, 2, 3, 5, 6 e 7, deveria ter decidido a existência do incumprimento do contrato promessa de compra e venda por parte dos Recorridos.
XLIX. Os presentes autos tem como objecto o contrato promessa de compra e venda junto aos autos (documento 1 da P.I.) celebrado em 03/12/2021, com o valor atribuído ao imóvel pelas partes de 320.000,00 €, valor estipulado como preço de venda, pago 120.000,00 € a título de sinal e principio de pagamento aquando da outorga do contrato promessa e o remanescente, ou seja 200.000,00 €, no acto da outorga do contrato prometido: escritura pública de compra e venda, tendo ficado estipulado que esta se realizaria até 28/02/2022.
L. O contrato promessa outorgado entre as partes é plenamente válido e eficaz, devidamente formalizado por escrito, foram devidamente identificadas as partes vendedoras, fiadoras e a compradora, o imóvel objecto da venda, especificado o valor da venda e condições de pagamento, tendo os direitos e os deveres da Recorrente e dos Recorridos ficaram assentes na esfera jurídica patrimonial das partes, a partir da sua assinatura em 03/12/2021, tendo produzido os efeitos jurídicos a constar da aceitação do mesmo constante na aposição das respectivas assinaturas pelas partes do processo.
LI. Desde a data em que foi outorgado o contrato promessa (03/12/2021) até a data do termo estipulado no mesmo para a outorga da escritura pública de compra e venda do prédio prometido vender (28/02/2022), os Recorridos nunca impugnaram a validade do contrato.
LII. Apenas 9 meses após o incumprimento do contrato promessa por não marcarem a escritura pública, tendo os Recorridos cessado as comunicações, veio a Recorrida M.P. dirigir-se ao legal representante da referindo dinheiro que haveria de ser dado por fora, cfr. e-mail junto à contestação como doc. 3, data de 10/10/2022.
LIII. Dispõe o artigo 798.º Código Civil sob a epígrafe: “Responsabilidade do devedor”: “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se, responsável pelo prejuízo que causa ao credor.”
LIV. Os Recorridos são responsáveis pelo incumprimento da obrigação de realização do contrato prometido através de escritura pública por parte dos vendedores, que produziu efeitos no dia 28 de Fevereiro de 2022, na data limite, estipulada no contrato de promessa de compra e venda, para o efeito (cláusula quarta do contrato promessa – doc 1 da PI), sendo a consequência desse incumprimento a responsabilidade pelo prejuízo que causou à Recorrente, sua credora.
LV. Por sua vez, dispõe o número 1 do artigo 406.º do Código Civil que: “O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.”
LVI. Analisada a prova produzida, mormente a prova documental carreada para os autos, apenas se pode concluir que a alteração do valor que consta no contrato promessa, foi imposta unilateralmente pelos Recorridos, em data posterior à data em que ocorreu o incumprimento do contrato por causa imputável aos mesmos.
LVII. O depoimento das testemunhas, relativamente às negociações, ao contrato promessa e às suas características, não foi directo, concreto, preciso e concludente.
LVIII. Nos autos, nenhum factualismo se provou do qual se possa aferir da existência de um valor / preço constante no contrato promessa que não fosse o real, ou seja que não fosse aquele valor / preço do negócio que as partes quiseram na data da sua celebração em 03/12/2021.
LIX. O Tribunal a quo, e bem a nosso ver, não dá como provado que as partes acordaram concretizar a compra e venda do imóvel pelo valor de 470.000 €, pagando a Recorrente 150.000 € “por fora”, nem que o legal representante desta tivesse informado os Recorridos que seria agendada outra data para a celebração do segundo contrato e que nessa data receberiam o valor acordado a título de pagamento por fora, no valor de 150.000 €, vide factos não provados al. d. e e..
LX. Consequentemente, se não dá como provado que tivesse sido acordado a celebração de um segundo contrato, não podia o Tribunal a quo julgar que o contrato promessa enfermava de simulação relativa.
LXI. De acordo com a sentença recorrida, as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda que tinha por objecto a fracção autónoma correspondente ao 2º andar esquerdo do prédio sito (…) em Lisboa, pelo preço de venda de 320.000 €, tendo a promitente compradora (ora A.) pago a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 120.000 € e que incumbia aos Recorridos agendar a escritura pública, que deveria realizar-se até ao dia 28/02/2022, devendo, para o efeito notificar a promitente compradora, por qualquer meio susceptível de confirmação de recepção, expedido com a antecedência mínima de 8 dias.
LXII. Os Recorridos incumpriram a sua obrigação de agendar a escritura pública, mas a Recorrente manteve o interesse no negócio, e requereu ao Tribunal a quo que se substituísse aos Recorridos e declarasse a execução específica deste contrato.
LXIII. A execução específica é, em última instância, a mesma coisa que a acção de cumprimento: simplesmente, enquanto a acção de cumprimento apenas se dirige à condenação do devedor no cumprimento da prestação, a acção de execução específica produz imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso (sentença constitutiva).
LXIV. O legislador quis que através da sentença constitutiva prevista no art.º 830º do Código Civil o credor obtivesse o que se poderá chamar “cumprimento funcional da promessa” (Calvão da Silva, “sinal e contrato-promessa”, p. 98), isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem obviamente, ao processo executivo.
LXV. O promitente credor recorrendo à execução específica - ou execução in natura - visa obter o mesmo resultado que alcançaria com o cumprimento voluntário do mesmo inadimplente, ou seja, dado que a promessa é um facere positivo-jurídico fungível, o tribunal sub-roga-se ao promitente infiel e supre a falta da sua declaração negocial - a cujo cumprimento se encontra livre e espontaneamente vinculado por força do contrato-promessa, na celebração do qual exerceu, com autonomia, a sua vontade - proferindo sentença constitutiva que produz os efeitos da declaração negocial do faltoso.
LXVI. Nos termos previstos pelo nº 1 do art.º 830º do código Civil que “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
LXVII. Assim, para se obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, é necessária a verificação cumulativa dos requisitos enunciados no citado normativo, ou seja que não seja incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa; a inexistência de convenção em contrário; e o incumprimento do contrato.
LXVIII. “A execução específica significa tão-somente que é possível obter-se uma sentença que valha pelo contrato prometido; uma sentença (constitutiva) que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso: uma sentença especialíssima que faz as vezes da declaração negocial do promitente que falta, sentença, que possui a eficácia que teria, por exemplo a escritura pública que se não fez” (cfr. Pereira Delgado, Do Contrato Promessa, 3ª ed. pág. 310).
LXIX. Por parte da Recorrente, credora da prestação, existe interesse na celebração do contrato, sendo certo que o contrato prometido é concretizável, conforme julgado, e bem, pelo Tribunal a quo na sentença recorrida: “III – fundamentação de direito, § 11: “No caso dos autos, o cumprimento da prestação – a celebração do contrato definitivo - era realizável (por qualquer das partes), material e juridicamente, mesmo após a data aprazada para a sua realização.
LXX. O Tribunal a quo, em contradição com os seus próprios termos, após julgar existir condições para a declaração da execução específica, decide, improcedente a acção, com fundamento na simulação relativa – quando não deu como provado a existência da celebração de um segundo contrato-, declarando a nulidade do contrato.
Artigo 615º, 1, al. d) do CPC
Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
LXXI. Cabia ao Tribunal a apreciação e decisão em concreto de todas as questões de facto e de direito, nomeadamente as suscitadas na Réplica.
LXXII. Por a sentença proferida ter omitido o conhecimento e decisão sobre todas as matérias de facto, e matérias de direito invocadas pela Recorrente na réplica encontra-se a sentença ferida do vício de nulidade por omissão de pronúncia.
Nulidade da sentença por omissão de apreciação e decisão da prova por confissão
LXXIII. A sentença proferida é nula por o tribunal a quo ter omitido a apreciação e decisão do meio de prova por confissão extrajudicial constante do contrato promessa de compra e venda e os respectivos efeitos jurídicos da prova por confissão na decisão da causa, o que impõe decisão diversa da recorrida, dando o peticionado como provado e proferindo a declaração de execução específica.
Efeitos jurídicos da omissão de pronúncia
LXXIV. Se o julgador tivesse conhecido e decidido todas as questões de facto e de direito suscitadas no articulado Réplica da Recorrente e tivesse analisado a respectiva prova documental, teria proferido decisão diversa da recorrida, com condenação dos Recorridos nos pedidos deduzidos quer na Petição Inicial quer na Réplica.
Nulidade da sentença recorrida por exclusão da prova por confissão judicial e extrajudicial na decisão da matéria de facto
LXXV. Conforme resulta da página 9/21 da sentença recorrida, a decisão da matéria de facto incidiu sobre a seguinte motivação:
… A convicção do Tribunal expressa na factualidade elencada resultou da análise crítica e ponderada de toda a prova produzida nos autos, designadamente documental conjugada com o depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência...
LXXVI. O juiz a quo na decisão da matéria de facto ao invés de apreciar e decidir em primeiro lugar a prova por confissão judicial e extrajudicial com força probatória plena nos termos dos artigos 355º, 356º e 358º do Código Civil, decidiu excluí-la na decisão dos factos enfermando consequentemente toda a decisão da matéria de facto em nulidade por violação do disposto no artigo 393º do código civil.
Nulidade da sentença por contradição com o meio de prova por confissão do valor constante no contrato
LXXVII. A sentença recorrida é nula por a mesma se encontrava em contradição com os meios de prova, e em confronto directo com a prova por confissão extrajudicial produzida pelos Recorridos de atribuição do valor ao imóvel objecto de venda constante na declaração preambular constante no contrato de promessa.
LXXVIII. O contrato promessa constitui prova por confissão extrajudicial com força probatória plena que impõe decisão diversa da recorrida e a procedência da acção.
LXXIX. O julgador deveria ter considerado a declaração confessória no texto do contrato promessa e ainda dotado da prova por confissão extrajudicial constante do clausulado do contrato promessa, sendo-lhe vedado conhecer qualquer meio de prova contrário, nomeadamente conhecer prova testemunhal e por presunção contrárias.
- contradição da sentença com a prova documental
LXXX. A causa de pedir de acção de execução específica assenta no contrato promessa de compra e venda e respectiva cláusula confessória dos Recorridos constante no preâmbulo do contrato de promessa de compra e venda, meio de prova documental assinado pelos Recorridos, dotado de força probatória plena.
LXXXI. A sentença recorrida enferma de nulidade por contradição com o meio de prova documental, declaração confessória.
Falta de fundamentação e nulidade da sentença por violação do acordo das partes
LXXXII. A decisão recorrida ao assentar a sua fundamentação e decisão em contradição com o contrato promessa que traduz a vontade das partes na data da sua celebração, dado à execução específica, enferma no vício de nulidade por contradição com o contrato, o acordo das partes e nulidade por falta de fundamentação.
- Falta de fundamento da sentença por inexistência de convocatória para outorga da escritura
LXXXIII. O Tribunal a quo não se pronuncia quanto ao incumprimento dos Recorrido da obrigação de marcarem dia, hora, local da escritura à qual respeitava o contrato promessa de compra e venda e informarem a Recorrente.
LXXXIV. Tendo o incumprimento decorrido de forma culposa por parte dos Recorridos, a sentença a quo é omissão quanto a esse facto.
LXXXV. Bem como, a falta de interpelação pelos recorridos para outorga da escritura de compra e venda por qualquer valor distinto do contrato promessa outorgado, constitui a sentença em nulidade por falta de fundamentação de simulação.
- inexistência de simulação
LXXXVI. Conforme resulta do ponto 19 da matéria de facto provada, a recorrida tem sede num paraíso fiscal, em Gibraltar e consequentemente a C., Limited, vendedora não paga impostos em Portugal, a A.T.A como erroneamente deu o Juiz a quo, o facto como provado.
LXXXVII. Sendo a sociedade vendedora uma sociedade com sede em Gibraltar, encontra-se desobrigada de qualquer participação de venda à A.T. conforme deu a Meritíssima Juíza a quo, como provado.
LXXXVIII. Impondo-se a determinação da nulidade da sentença por falta de fundamentação e violação de lei, o Código do IMT.
LXXXIX. No ponto 19 dos factos provados foi decidido provado que a recorrente tem sede em Gibraltar e consequentemente encontra-se abrangida pelo estatuto dos benefícios fiscais.
XC. No ponto 17 dos factos provados o Tribunal a quo, ao ter decidido a existência de dois contratos a ser participados à Autoridade Tributária e outro de valor nem sequer apurado com o intuito de enganar a Autoridade Tributária, decidiu em total desconformidade com lei expressa que isenta a recorrida do pagamento de impostos à Autoridade Tributária, enfermando a decisão recorrida no vício de nulidade.
- falta de prova documental de suporte a simulação
XCI.As partes não outorgaram qualquer segundo contrato com valor divergente do valor constante no contrato promessa e valor atribuído ao imóvel pelos recorridos no contrato, tal como foi determinado com não provado nas alíneas d. e e. dos factos não provados da sentença recorrida, inexistindo ainda meio de prova documental que servisse de suporte à decisão de simulação, o que comporta a determinação da nulidade da sentença por falta de fundamentação.
- falta de prova pericial de avaliação
XCII.
A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação da existência de qualquer simulação de preço da venda, uma vez que foi decidida a simulação do valor do negócio sem que dos autos conste qualquer prova pericial da qual pudesse ser apreciada e decidida a simulação de valor.
- falta de fundamentação da existência de simulação por isenção fiscal da recorrente
XCIII. Conforme resulta da certidão permanente da recorrente, a mesma é uma sociedade comercial por quotas que tem por objecto social a compra e venda e revenda de bens imóveis e consequentemente isenta de IMT nas compras e vendas que faz.
XCIV. Na página 18/21 da sentença recorrida, pelo Juiz do Tribunal a quo em total discrepância com o objecto social da recorrente, considerou as partes terem indicado o valor da compra e venda “… com o intuito de enganar a Autoridade Tributária…” em total desconformidade com a isenção técnica da recorrente enquanto sujeito passivo isento de IMT.
XCV. Impondo-se a determinação do ponto 17 da matéria de facto provado como não provado, por absoluta falta de fundamentação testemunhal, documental, pericial, bem como por contrário às normas jurídicas aplicáveis, o Código do Imposto Municipal Transmissões de Imóveis.
XCVI. Como supra referido na impugnação da matéria fática, mal decidiu o Tribunal a quo ao dar como provado, vide ponto 17 dos factos provados, que as partes teriam acordado a celebração de dois contratos, o primeiro reduzido à forma escrita para ser participado à ATA no valor de 320.000€ e outro verbal de valor não apurado em contradição com os factos não provados d. e c..
XCVII. Bem como, mal andou o Tribunal a quo, quando decidiu anular o contrato promessa celebrado com fundamento num alegado contrato verbal, que, por definição: verbal, não cumpriria os requisitos para a sua validade, tendo como consequência a sua inexistência.
XCVIII. A inexistência jurídica consiste num valor negativo de um acto jurídico público traduzido na total inaptidão do mesmo acto para produzir quaisquer efeitos jurídicos, pelo facto de lhe faltarem os requisitos mais elementares de identificação e de imputação à vontade de um órgão público.
XCIX. Mesmo que faticamente tivesse sido praticado – o que não se confessa, nem concede -, o acto jurídico inexistente deve ser considerado como um “acto aparente” e totalmente improdutivo em termos de efeitos jurídicos.
C. Um acto inexistente não produz qualquer efeito jurídico e não são salvaguardadas consequências jurídicas fácticas produzidas no passado, mesmo que respeitem a casos transitados em julgado.
CI. A inexistência pressupõe que um negócio jurídico nem sequer chegou a ser concluído.
CII. Pelo que não podia o Tribunal a quo declarar nulo um contrato promessa formalizado, junto aos presentes autos como doc. 1 da PI, por alegada simulação com um alegado contrato que à partida é inexistente.
CIII. Dispõe o artº 240º, nº 1, do Cod. Civil: “Se, por acordo entre o declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.”, sendo a consequência da simulação a nulidade do negócio simulado, cfr. artº 240º, nº 2, do Cod. Civil.
CIV.A simulação pressupõe, para a sua verificação, que se mostrem preenchidos os seguintes requisitos: divergência entre a vontade real e a declarada, i.é, entre a aparência criada (o negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realmente celebrado), intuito de enganar terceiro (animus decipiendi); e a existência de um acordo simulatório entre o declarante e o declaratário (pactum simulationis);
CV. Também pela contradição entre o decidido pelo Tribunal a quo quanto à matéria fáctica presente nos factos elencados em “17” dos factos provados e “d.” e “e.” dos factos não provados, não poderá o Tribunal ad quem manter a decisão recorrida.
CVI.Pois, ou se dá por provado que se teriam celebraram dois contratos (o primeiro reduzido à forma escrita para ser participado à ATA no valor de 320.000€ e outro verbal de valor não apurado), ou não se dá por provado que A. e RR. acordaram concretizar a compra e venda do imóvel pelo valor de 470.000€, pagando a A. 150.000€ “por fora”, a confirmação do primeiro e a negação dos segundos é irrazoável e incompatível.
CVII. Sendo certo que posteriormente, em sede de fundamentação de direito, o Tribunal a quo tão pouco poderia concluir que “As partes, conluiadas, pretenderam prometer comprar e vender aquele imóvel, mas por preço diferente (maior) do que o declarado.”, pois que deu como não provado que as partes tivessem acordado em concretizar a compra e venda do imóvel pelo valor de 470.000€, pagando a A. 150.000€ “por fora”.
CVIII. A sentença recorrida refere que não faria sentido considerar-se nulo o contrato formal afecto de simulação de valor, pois o contrato exprime com fidelidade a natureza do contrato, só não estando expresso o valor correcto, contudo, a contrario, conclui pela nulidade do contrato promessa dando procedência ao pedido reconvencional e julgando improcedente a acção, ordenando aos RR. A restituição à A. do valor recebido a título de sinal – 120.000€.
- da omissão dos requisitos do art. 410º do Código Civil
CIX.O artigo 410º do Código Civil impõe que os contratos-promessa de compra e venda de imóveis sejam reduzidos a escrito por:
a. n.º 1: obrigatoriamente terem de observar a mesma formalidade do contrato prometido – o que nos remete para o artigo 875.º do Código Civil que, sob a epígrafe “(Forma)”, impõe que o contrato de compra e venda de bens imóveis só seja válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado;
b. n.º 2: a promessa apenas ter validade se constar de documento assinado pelas partes que se vinculam;
c. n.º 3: a promessa de compra e venda de imóvel, mais deve constar de documento que contenha o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção;
d. n.º 3: terminando pela cominação de que o contraente que promete vender o imóvel só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.
CX. Ora os Recorridos nem invocaram, nem provaram, que a omissão da constância do alegado 2º contrato promessa, com pagamento por fora, em documento que contivesse o reconhecimento presencial das assinaturas tivesse sido culposamente causada pela Recorrente, sendo vendado aos promitentes vendedores, ora Recorridos, invocar a omissão dos requisitos impostos pelo nº 3 do artigo 410º do Código Civil.
CXI.Sendo, no entanto, permitido à promitente compradora – aqui Autora Recorrente – invocar a omissão daqueles requisitos de tal alegado 2º contrato.
CXII. De notar que a Recorrente impugna a alegação que tenha celebrado um segundo contrato promessa, além do contrato promessa dado à execução específica requerida nos presentes autos.
CXIII. Não obstante, não confessando, nem concedendo, a existir tal alegado segundo contrato, o mesmo sempre será inválido, por omissão dos requisitos impostos pelo artigo 410º do Código Civil, ex vi artigo 875º do Código Civil.
CXIV. Não podendo o Tribunal a quo fundar a sua decisão de declarar a procedência ao pedido reconvencional, improcedendo a acção, na existência de tal alegado segundo contrário ferido de invalidade.
- Da nulidade da sentença no segmento da litigância de má-fé
CXV. A sentença recorrida é nula na decisão quanto à absolvição dos Recorridos aos pedidos deduzidos pela Recorrente por litigância de má-fé.
CXVI. Da cláusula inicial do contrato promessa, constante na alínea A) ponto 1 (Doc. 1 da PI), os Recorridos J.P. e M.P. constituíram-se na obrigação do cumprimento do contrato promessa de compra e venda, pelo valor que atribuíram ao imóvel prometido vender.
CXVII. Tendo os mesmo se confessado ainda garantes do cumprimento do contrato promessa que assinaram e se tornaram co-responsáveis com a recorrida sociedade vendedora e nos autos actuaram dolosamente com alteração da verdade dos factos, fazendo do processo um uso reprovável, alegando valores distintos daqueles que atribuíram e declararam vender e garantiram vender.
CXVIII. A actuação dos recorridos deduzindo oposição à execução específica de um contrato promessa de compra e venda no qual expressamente declararam, na cláusula introdutória constante na alínea A) ponto 1 do contrato promessa (Doc. 1 da PI), atribuírem o valor de 320.000,00 € ao imóvel, correspondente ao valor da prometida venda, constitui um venire contra factum proprium, que preenche todos os elementos objectivos e subjectivos da litigância de má-fé, previstos nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, como se impõe decidir em substituição da sentença recorrida.
CXIX. Conforme resulta da página 1 e 2 da sentença recorrida as negociações ocorreram no final do ano 2021 e o contrato promessa foi outorgado em 03/12/2021, contudo o contrato de promessa celebrado em 03/12/2021 consubstancia o resultado final das negociações estabelecidas entre a recorrente e os recorridos, pelo que posteriormente não houve lugar a quaisquer negociações.
CXX. Os recorridos, ao terem alegado factos distintos relativamente às negociações e termo das negociações do contrato que ficaram concluídas no dia 03/12/2021 com a assinatura do contrato, incorreram em litigância de má-fé.
CXXI. Encontrando-se demonstrado no texto do contrato (doc.1 da PI) a assinatura pelos recorridos em 03/12/2021, em contradição com a alegação dos mesmos em juízo de que as negociações teria ocorrido em 2022, litigaram os Recorridos em litigância de má-fé, o que impõe decisão diversa da recorrida, condenando os Recorridos nesses termos.
CXXII. Consequentemente tendo litigado de má-fé, são os mesmos responsáveis pelos seus actos danosos, impondo-se a sua condenação em multa tal como decorre do artigo 542.º, nº 1 do CPC e do artigo 27.º, n.º 3 e 4 do Regulamento das Custas Processuais, como requerido pela Recorrente, bem como em indemnização à Recorrente, nos termos do artigo 542.º e 543º do CPC, como requerido pela Recorrente na Réplica no valor de 50.000,00 €.
- Erro de direito
CXXIII. A sentença recorrida é nula por erro de direito, pois fez uma inadequada subsunção das normas aos factos cujas normas jurídicas subsumíveis à matéria fática impõem a determinação da sua nulidade.
CXXIV. A sentença recorrida violou não apenas a legislação substantiva, como também as normas de processo civil uma vez que a prova por confissão judicial e prova por confissão extrajudicial constantes do contrato promessa, excluem o uso de outros meios de prova como seja a presunção.
- Da violação das normas e sua repercussão na decisão
CXXV. A douta sentença recorrida fez incorrecta interpretação dos factos provados e incorrecta subsunção dos mesmos às normas legais contidas nos artigos 240.º, 241.º, 874.º e 410.º, n.º 2, 280.º e 294.º, 286.º e 289.º, todos do Código Civil.
CXXVI. Se o tribunal a quo tivesse aplicado as regras da experiência comum em cumprimento aqueles normativos, não teria decidido como e teria proferido sentença quanto aos factos provados e não provados supra impugnados, e teria condenado os Recorridos como requerido pela Recorrente, determinando a execução especifica do contrato promessa.
CXXVII. Tendo a douta sentença recorrida dado como provados os factos 1 a 7 da Petição Inicial, deveria ter dado como assente que o preço da compra e venda estipulado no contrato promessa de compra e venda pelas partes em 03/12/2021, corresponde ao preço real, o que traduz a vontade das partes, na data de celebração do referido contrato.
CXXVIII. Deveria ainda a douta sentença ter decidido pelo incumprimento do contrato promessa pelos requeridos por não terem agendado e celebrado a escritura pública de compra e venda até à data a que se obrigaram para o efeito.
Ademais!
Sem confessar, nem conceder,
CXXIX. Caso Tribunal a quo tivesse julgado não ser possível declarar a execução especifica, deveria ter julgado provado o incumprimento definitivo do contrato promessa por culpa única dos Recorridos, ordenando o pagamento do valor do sinal em dobro pelos Recorridos, à Autora, ora Recorrente, nos termos do art.º 442º, nº 2 do Código Civil.
CXXX. Por erro de interpretação ou de aplicação de direito, não foram correctamente aplicados os normativos ao caso, designadamente os previstos nos artigos 441.º e 442º, ambos do Código Civil.
- Normas violadas
CXXXI. A douta sentença recorrida violou os artigos 355º, 356º, 358º, 393.º, 406.º, 410º, 442.º, n.º 2, 798.º e 830º, todos do Código Civil, bem como o artigo 542º, nº 2 do Código de Processo Civil.
- Normas aplicáveis
CXXXII. Regime jurídico aplicável:
1. Contrato-promessa – artigos 410º e seguintes do Código Civil
2. Execução específica – artigo 830º do Código Civil
3. Litigância de má-fé – artigos 542º e 543º do Código de Processo Civil e artigo 27º do Regulamento das Custas Processuais
4. Regime de isenção de sociedades comerciais com escopo social de compra e venda e revenda de imóveis de IMT e IS - artigo 7º do Código do Imposto Municipal de Transmissão de Imóveis
5. Regime de isenção das sociedades com sede nos paraísos fiscais aplicável a Gibraltar - Estatuto dos Benefícios Fiscais
Sentença alternativa
CXXXIII. Deste modo, considerando os meios de prova e os arrimos impugnados, impõe-se decisão de facto diversa da foi tomada pelo Tribunal a quo.
CXXXIV. Por consequência o Tribunal a quo deveria na sentença quanto aos factos provados ter decidido:
CXXXV. Quanto ao facto provado 13.:
Não deveria o Tribunal a quo ter julgado provado que “(…) As cartas dirigidas aos 2º e 3º RR. não foram entregues por a caixa de correio estar inacessível.”, podendo omitir este arrimo de todo da sentença, uma vez que quanto às interpelações aos RR pessoas singulares, ora Recorridos, se encontra provado nos pontos 8 a 11 que estes não receberam as cartas por sua própria omissão, que culposamente, após serem avisados pelo carteiro, não se dignaram a levantar as cartas registadas na estação dos correios.
CXXXVI. Quanto ao facto provado 14.:
Deveria ter sido dado como provado em 14. que os RR conheceram o sócio gerente da Recorrente, em 2017, tendo sido da iniciativa dos RR a abordagem ao sócio gerente da Recorrente para que este comprasse uns imóveis que aqueles detinham na zona de Coimbra.
CXXXVII. Quanto ao facto provado 16.:
Na sentença dos factos provados no ponto 16. deveria ter sido dado como provado que foram os Réus, ora Recorridos, que propuseram à Recorrente a aquisição do imóvel objecto do presente recurso em conjunto com um imóvel sito em Coimbra.
CXXXVIII. Quanto ao facto provado 17.:
Na sentença dos factos provados no ponto 17. deveria ter sido dado como provado que Autora, ora Recorrente, e Réus, ora Recorridos, apenas acordaram a celebração de um contrato de promessa de compra e venda, no valor de 320.000,00 €.
CXXXIX. Quanto ao facto provado 20.:
Na sentença dos factos provados no ponto 20. deveria ter sido dado como provado que as negociações deste negócio ocorreram antes da celebração do contrato promessa de compra e venda outorgado em 03/12/2021.
CXL. Ademais o Tribunal a quo deveria na sentença quanto aos factos não provados ter decidido:
CXLI. Quanto ao facto não provado na alínea a.:
Quanto à alínea a. dos factos não provados, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que, após a celebração do contrato promessa, foram entregues as chaves do imóvel ao legal representante da Recorrente, que as mantém na sua posse.
CXLII. Quanto ao facto não provado na alínea b.:
Quanto à alínea b. dos factos não provados, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a Recorrente tinha a posse do imóvel, utilizando-o nomeadamente para alojamento da gerência, aquando de deslocações a Lisboa no âmbito da sua actividade comercial, ali também guardando materiais, fruindo de todas as utilidades da fracção objecto do contrato-promessa.
CXLIII. Quanto ao facto não provado na alínea c.:
Quanto à alínea c. dos factos não provados, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a Recorrente reuniu os documentos imprescindíveis para a outorga da escritura pública, uma vez que juntou, nomeadamente a caderneta predial, a certidão do registo predial e o certificado energético referentes ao imóvel, com a sua Petição Inicial.
Os RR. não apresentaram alegação de resposta.
***
O objecto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, correspondendo as mesmas à indicação, de forma sintética, dos fundamentos pelos quais pede a alteração ou anulação da decisão.
Os 143 pontos acima reproduzidos não correspondem à referida indicação sintética.
Todavia, é possível identificar o conjunto de questões que emerge da argumentação apresentada pela A., sem necessidade de lançar mão do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil (desde logo porque se antevê a incapacidade de síntese que se pretende).
Assim, as questões objecto de recurso prendem-se com:
• A nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, por oposição entre a fundamentação e a decisão, e por omissão de pronúncia;
• A alteração da matéria de facto;
• A caracterização do negócio celebrado entre A. e RR.;
• O incumprimento da obrigação dos RR. de celebrar o contrato prometido e suas consequências;
• A litigância de má fé dos RR.
***
Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto (corrigem-se as referências processuais e documentais e eliminam-se as referências aos meios de prova):
1. A A., em 03/12/2021, celebrou, com a 1ª R., um contrato-promessa de compra e venda (CPCV), por meio do qual a 1ª R. prometeu vender à A. a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra F, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano, sito na (…) freguesia de Avenidas Novas, concelho de Lisboa, constituído em propriedade horizontal (…), com o valor patrimonial correspondente à fracção autónoma de € 187.683,65.
2. Consta da cláusula segunda do CPCV que o preço da venda é de € 320.000,00.
3. A título de sinal e princípio de pagamento do preço, a A. pagou o montante de € 120.000,00 à 1ª R., através do cheque sacado sobre o banco BPI com o n.º ....
4. Consta da cláusula terceira do CPCV (tradição) que “a tradição e consequente transferência da posse do imóvel ora prometido vender processa-se na data da outorga da escritura pública de compra e venda objecto do presente contrato
5. Ficou convencionado na “Cláusula Quarta (Do prazo para a realização da escritura pública)” que a escritura pública de compra e venda “realizar-se-á até dia 28 de Fevereiro de 2022, em dia e local a fixar pela promitente vendedora, e logo que o procurador possua procuração para o efeito, que notificará a promitente compradora por qualquer meio susceptível de confirmação e recepção, expedido com a antecedência mínima de 8 (oito) dias, para a morada constante do presente contrato”.
6. Mais acordaram no nº 2 da cláusula quarta que “A promitente vendedora obriga‑se a entregar no competente cartório ou escritório de advogado, até ao terceiro dias antes da data da escritura de compra e venda, todos os documentos necessários para a instrução do acto, os quais deverão estar devidamente actualizados”.
7. Nem a 1ª R. nem os 2º e 3ª RR. agendaram qualquer data para a realização da escritura de compra e venda.
8. A A. enviou ao 2º R. carta [registada com aviso de recepção] datada de 05.04.2022, referindo, designadamente que “deverá V.excª no prazo máximo de quinze dias, após a recepção da presente carta, proceder à marcação da outorga daquele contrato definitivo, ou apresentar nos termos contratuais devida justificação de tal omissão; Findo tal prazo, sem que tal marcação ou devida pronuncia não se mostre efectivada, procederemos pela nossa parte à marcação daquela outorga da escritura ou contrato, notificando-se V.Excª nos termos legais. A sua não presença àquela escritura para a devida assinatura e recebimento da restante parte do preço, constitui incumprimento definitivo do contrato promessa acima referido, e assim, com todas as legais consequências”.
9. Tal carta não foi recebida pelo 2º R. que a não reclamou.
10. Com data de 17.05.2022 o mandatário da A. enviou a cada um dos RR. cartas [registadas com aviso de recepção] onde refere, designadamente que “Venho interpelar V.Exa para o cumprimento das obrigações livremente assumidas no contrato promessa… devendo a escritura definitiva ser marcada e realizada imperativamente até ao dia 27 de Maio de 2022… na eventualidade de a escritura prometida não ser marcada e realizada até ao dia 27/05/2022, considerar-se-á o contrato promessa incumprido definitivamente…”.
11. Tais cartas não foram recebidas por nenhum dos RR que as não reclamou.
12. Com data de 31.05.2022 o mandatário da A. enviou a cada um dos RR. cartas [registadas simples] onde refere, designadamente que “Venho interpelar V.Exa para o cumprimento das obrigações livremente assumidas no contrato promessa… devendo a escritura definitiva ser marcada e realizada imperativamente até ao dia 15 de Junho de 2022… na eventualidade de a escritura prometida não ser marcada e realizada até ao dia 15/06/2022, considerar-se-á o contrato promessa incumprido definitivamente…”.
13. A carta dirigida à 1ª R. foi depositada na caixa de correio na morada (…) 2º Esq.º em Lisboa; As cartas dirigidas aos 2º e 3ª RR. não foram entregues por a caixa de correio estar inacessível.
14. Os RR. conheceram o sócio gerente da A., em 2017 por este ter manifestado interesse em adquirir imóveis que aqueles detinham na zona de Coimbra.
15. Com data de 24.10.2021 a 3ª R. enviou ao legal representante da A. SMS na qual referia “Finalmente estou a por à venda o apartamento de Lisboa e a si faço um preço inegável. Oportunidade única pois tenho urgência de o vender…”.
16. A A. propôs a sua aquisição deste imóvel em conjunto com um imóvel sito em Coimbra.
17. A. e RR. acordaram a celebração de dois contratos, o primeiro reduzido à forma escrita para ser participado à ATA no valor de € 320.000,00 e outro verbal de valor não apurado. (eliminado, nos termos adiante decididos)
18. As partes agendaram reunião no escritório de advogado para a celebração do contrato promessa.
19. Em 01/04/2022, os RR. pagaram a quantia de € 2.000,00 a F.P. a título de “adiantamento de honorários referentes ao pedido de actualização da representação de C., Limited e sociedade imobiliária, Limited e respectivos contactos com as suas sedes em Gibraltar e EUA; minuta de contrato promessa de compra e venda e demais apoio jurídico, conforme nota de honorários de 14 de Março de 2022”.
20. As negociações deste negócio ocorreram no final do ano de 2021 e início de 2022 que foi um período de grande perturbação emocional para os 2º e 3ª RR. já que ambos padeciam de problemas de saúde. (eliminado, nos termos adiante decididos)
21. No mesmo período temporal [final do ano de 2021 e início de 2022] foi diagnosticado ao filho da 3ª R. uma doença do foro oncológico que veio a culminar com a sua morte em 17.06.2022.
22. No início de Maio de 2022 os 2º e 3ª RR. foram internados com Covid 19, mantendo-se em internamento por mais de um mês o que os impossibilitou de comparecer às cerimónias fúnebres do seu filho.
23. Por email de 31.03.2022 dirigido à 3ª R. o gerente da A. refere “A Sra. não está a ser correcta comigo, sempre fui o mais correcto consigo! Depois de 5 meses é que a Sra. vem exigir valores completamente absurdos! Hoje é uma coisa, amanhã é outra! Enfim, penso que a Sra. não sabe o que quer! Nestas condições o negócio fica sem efeito! Pretendo rescindir o contrato com os senhores! Digam me da vossa disponibilidade!”.
***
Na sentença recorrida considerou-se como não provada a seguinte matéria de facto:
a. Após a celebração do contrato promessa foi a fracção materialmente entregue, livre de pessoas e bens, mediante a transmissão das chaves da fracção, pelo procurador da 1ª R., 2º R.;
b. A A. tomou posse, procedendo à limpeza e cuidado da mesma, utilizando-a nomeadamente para alojamento da gerência, aquando de deslocações a Lisboa no âmbito da sua actividade comercial, ali também guardando materiais, fruindo de todas as utilidades da fracção objecto do contrato-promessa;
c. A A. reuniu, a suas expensas, os documentos imprescindíveis para a realização da escritura pública: caderneta predial, registo predial e a realização por entidade competente para a emissão de Certificado Energético da fracção; (eliminado, nos termos adiante decididos)
d. A. e RR. acordaram concretizar a compra e venda do imóvel pelo valor de € 470.000,00, pagando a A. € 150.000,00 “por fora”;
e. O sócio gerente da A. informou os RR. que seria agendada outra data para a celebração do segundo contrato e que nessa data receberiam o valor acordado a título de pagamento por fora, no valor de € 150.000,00.
***
Das nulidades
Segundo a al. b) do nº 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Do mesmo modo, e segundo a al. c) do mesmo nº 1, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. E segundo a al. d) do mesmo nº 1 a sentença é ainda nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
Como explica Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221), a sentença com fundamentação escassa ou deficiente não é nula, já que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artº 208º nº 1 do CRP; artº 158º nº 1)”. E mais refere que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Relativamente a eventual oposição entre os fundamentos e a decisão, é sabido que tal vício ocorre quando a construção da sentença “é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, reimpressão, 1981, pág. 141). Ou seja, o vício em questão corresponde ao erro lógico da argumentação jurídica, surgindo quando o resultado do silogismo judiciário aponta num sentido e a decisão aponta no sentido oposto. Na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/12/2017 (relatado por Tomé Gomes e disponível em www.dgsi.pt), trata-se de um vício que “requer uma relação de exclusão recíproca – um dizer e desdizer – entre aqueles dois termos da equação discursiva”. Do mesmo modo, na expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/7/2021 (relatado por Fernando Baptista e disponível em www.dgsi.pt), tal vício “distingue-se do erro de julgamento em virtude de neste não existir qualquer vício de raciocínio do julgador, mas apenas um erróneo julgamento da matéria de facto, por a prova produzida não consentir esse julgamento de facto, mas antes outro (error facti) ou por o juiz ter incorrido numa incorrecta aplicação das normas ao caso concreto, que demandava a aplicação de outras, ou ter incorrido na errónea interpretação das aplicáveis (error iuris)”.
Já sobre a questão da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, explica Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume II) que “devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe estão submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe caiba conhecer (art 660º/2), o não conhecimento do pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade (…)”.
Por outro lado, e como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 737), existe “uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso”, mais explicando (pág. 738) que “a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes”.
Com efeito, e como vem sendo pacificamente referido pela doutrina, as nulidades da sentença traduzem a “violação da lei processual por parte do juiz (ou do tribunal) prolator de alguma decisão” (Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, pág. 368), e correspondem ao denominado error in procedendo. Mas apresentam-se como distintas e não se confundem com o denominado error in judicando, que corresponde a “um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito – dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do acto decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos actos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão – isto é, o acto processual decisório – possa ter sido formalmente bem elaborada” (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª Edição, pág. 600-601).
Regressando ao caso concreto, torna-se patente que a sentença recorrida não padece de algum dos três vícios adjectivos ou processuais que lhe são imputados pela A.
Com efeito, consta da sentença recorrida a fundamentação de facto e a aplicação à factualidade em questão das normas jurídicas que, num percurso lógico, permitem verificar, não só que a decisão (de improcedência da acção e de procedência da reconvenção) foi fundamentada, como igualmente que essa fundamentação está “em linha” com a decisão, não se verificando o referido “dizer e desdizer”. Do mesmo modo, apreciou-se e decidiu-se a pretensão formulada pela A., bem como a pretensão reconvencional formulada pelos RR., pelo que não se pode falar em omissão de pronúncia.
Pode, é certo, a fundamentação apresentada estar incompleta, ou mesmo errada, designadamente no que respeita à desconsideração de regras de direito probatório material que demandam uma decisão de facto distinta daquela que consta da sentença recorrida. Com efeito, é nessa perspectiva que a A. invoca a nulidade da sentença por indevida valoração de prova proibida, ou por ter sido desconsiderada prova documental, ou ainda por ter sido desconsiderada a confissão (judicial e extrajudicial) de factos pelos RR., assim sustentando a alteração da factualidade provada e, consequentemente, a procedência da acção e a improcedência da reconvenção (veja-se, como exemplo da perspectiva em questão da A., o teor das conclusões XCV, CXXIII ou CXXIV da sua alegação de recurso). Só que tal circunstância não corresponde ao vício da nulidade, em qualquer uma das vertentes suscitadas pela A., mas antes representa um erro de julgamento, que não determina a nulidade da sentença mas a (eventual) modificação do que aí foi decidido, com recurso a fundamentação distinta da utilizada pelo tribunal recorrido.
O que equivale a concluir, sem necessidade de ulteriores considerações, pela improcedência da arguição de nulidades em questão.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido art.º 640º do Código de Processo Civil, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª edição actualizada, 2020, pág. 196-197):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente”.
E, mais adiante, afirma (pág. 199-200) a “rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto”, a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, a “falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou neles registados”, a “falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 770) afirmam que “cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objecto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º)”, mais afirmando que “relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, o recorrente tem o ónus de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder apresentar a respectiva transcrição”.
E, do mesmo modo, vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça (como no acórdão de 29/10/2015, relatado por Lopes do Rego e disponível em www.dgsi.pt) que do nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil resulta “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação (…) e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…)”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos constitutivos da causa de pedir e das excepções invocadas. É que, face ao disposto no nº 1 do art.º 5º do Código de Processo Civil, a decisão da matéria de facto tem por objecto, desde logo, os factos essenciais alegados pelas partes, quer integrantes da causa de pedir, quer integrantes das excepções invocadas. Todavia, e porque do nº 2 do mesmo art.º 5º resulta que o tribunal deve ainda considerar os factos instrumentais, bem como os factos complementares e concretizadores daqueles que as partes hajam alegado, e que resultem da instrução da causa, daí decorre que na decisão da matéria de facto devem esses factos ser tidos em consideração.
Tal não significa, no entanto, que a decisão da matéria de facto (provada e não provada) deve comportar toda a matéria alegada pelas partes e bem ainda aquela que resulte da prova produzida, já que apenas a factualidade que assuma juridicidade relevante em razão das questões a conhecer é que deve ser objecto dessa decisão.
Isso mesmo enfatizam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 721), quando explicam que o juiz da causa deve optar “por uma descrição mais ou menos pormenorizada ou concretizada, de acordo com as necessidades do pleito, desde que seja assegurada uma descrição natural e inteligível da realidade que, para além de revelar o contexto jurídico em que se integra, permita a qualquer das partes a sua impugnação”. E mais explicam (pág. 722) que “o regime consagrado no CPC de 2013 propugna uma verdadeira concentração naquilo que é essencial, depreciando o acessório, sendo importante que o juiz consiga traduzir em linguagem normal a realidade apreendida, explicitando, depois, os motivos que o determinaram, com destaque para a explanação dos factos instrumentais que o levaram a extrair as ilações ou presunções judiciais”.
Assim, e como tal delimitação deve estar igualmente presente na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto (neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/5/2017, relatado por Fernanda Isabel Pereira e disponível em www.dgsi.pt, quando conclui que “o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo”, e bem ainda que “nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”), só há lugar à apreciação dos pontos indicados como impugnados na medida em que, não só devam constar do elenco de factos provados e não provados, no respeito pelo disposto no art.º 5º, nº 1 e nº 2, al b), do Código de Processo Civil, mas igualmente correspondam a factos com efectivo interesse para a decisão do recurso.
Por outro lado, e a respeito da enunciação dos factos instrumentais, decorre do nº 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil que os mesmos não carecem de ser discriminados no elenco de factos provados, mas apenas referidos na medida das ilações que forem tiradas dos mesmos, para a demonstração dos factos essenciais alegados pelas partes.
Isso mesmo explicam igualmente António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 718‑719), afirmando a necessidade de enunciação dos “factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda”, bem como a necessidade de “enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa” (e sendo que “a enunciação dos factos complementares e concretizadores far-se-á desde que se revelem imprescindíveis para a procedência da acção ou da defesa, tendo em conta os diversos segmentos normativos relevantes para o caso”), mas afirmando igualmente que, quanto aos factos instrumentais, “atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente a justificar simplesmente a prova dos factos essenciais, para além de, em regra, não integrarem os temas da prova, nem sequer deverão ser objecto de um juízo probatório específico”, já que “o seu relevo estará limitado à motivação da decisão sobre os restantes factos, designadamente quando a convicção sobre a sua prova resulte da assunção de presunções judiciais”.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, pode-se afirmar que a A. deu cumprimento ao referido ónus da especificação, na sua dimensão primária ou fundamental correspondente à delimitação do objecto da impugnação da decisão de facto, já que delimitou a impugnação com relação aos pontos referidos, concretizando igualmente as alterações pretendidas (a alteração dos pontos 13, 14, 16, 17 e 20 do elenco dos factos provados, a par da eliminação dos pontos a) a c) do elenco de factos não provados, com o correspondente aditamento ao elenco de factos provados de três novos pontos, com a redacção que indica nas conclusões CXLI a CXLIII).
Todavia, e relativamente às alterações visadas quanto à factualidade que consta dos pontos 13 (segunda parte), 14, 16, a) e b), as mesmas mostram-se irrelevantes para a pretendida procedência da acção e improcedência da reconvenção.
Com efeito, e no que respeita à factualidade constante da segunda parte do ponto 13, prende-se a mesma com a não recepção das cartas de 31/5/2022 pelos 2º e 3ª RR., que não lhes foram entregues porque a caixa de correio estava inacessível. O teor de tais cartas corresponde a uma interpelação da A. para os destinatários da mesma providenciarem pelo cumprimento da obrigação de marcação e realização da escritura de compra e venda referida no contrato promessa outorgado em 3/12/2021. Essa interpelação repete a interpelação feita pelas cartas registadas com aviso de recepção de 17/5/2022 (identificadas no ponto 10), remetidas a todos os RR. e que não receberam porque nenhum deles a reclamou. Por sua vez tal interpelação de 17/5/2022 repete a interpelação feita pela carta registada com aviso de recepção de 5/4/2022 (identificada no ponto 8), remetida ao 2º R. e que o mesmo não recebeu porque não a reclamou. Acresce que, estando em causa a interpelação para a marcação da escritura pública a que respeita a cláusula 4ª do contrato promessa de compra e venda outorgado em 3/12/2021 pela 1ª R. (como promitente vendedora) e pela A. (como promitente compradora), dessa mesma cláusula consta que compete à 1ª R. a marcação em questão. E como a interpelação apenas releva para o apuramento do incumprimento da obrigação em questão, logo se alcança que as cartas enviadas em 31/5/2022 aos 2º e 3ª RR. se apresentam como irrelevantes para afirmar o (in)cumprimento da obrigação em questão pelos seus destinatários, porque a mesma marcação competia à 1ª R. e a carta dirigida a esta foi depositada na caixa de correio da morada para onde foi expedida (primeira parte do ponto 13, que a A. exclui da impugnação da decisão de facto). Ou seja, porque a matéria da segunda parte do ponto 13 em nada releva para a decisão da causa, torna-se inútil a apreciação da impugnação da decisão de facto, nesta parte.
Relativamente à matéria dos pontos 14 e 16, está em causa a forma como a A. e os RR. se passaram a relacionar desde 2017 e as circunstâncias que precederam a outorga do contrato promessa de compra e venda de 3/12/2021. Todavia, como o que está em causa é o cumprimento da promessa aí estipulada, e como a mesma não oferece qualquer dúvida interpretativa, logo se alcança a irrelevância da factualidade em questão para o apuramento da actuação das partes, quando colocadas perante o programa contratual estabelecido em 3/12/2021. Dito de outra forma, as circunstâncias que precederam a outorga do referido contrato promessa apenas se mostravam essenciais ao conhecimento da pretensão de cada uma das partes se tais pretensões assentassem na verificação de uma actuação prévia a 3/12/2021 e que houvesse condicionado as declarações de vontade concordantes que se manifestam no contrato promessa de compra e venda. Mas como o que a A. visa através do presente recurso é exercitar o direito a obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial em falta da 1ª R., em razão do incumprimento da obrigação desta que emerge do contrato promessa de compra e venda, necessariamente que a conduta das partes que releva para a apreciação em questão é a que decorre da sua posição subsequente à outorga do mesmo contrato promessa, e não a conduta anterior a tal outorga. Ou seja, também a matéria dos referidos pontos 14 e 16 em nada releva para a decisão da causa, assim tornando inútil a apreciação da impugnação da decisão de facto, nesta parte.
Do mesmo modo, ainda, torna-se irrelevante a factualidade relativa à entrega das chaves da fracção pela 1ª R. à A., bem como da subsequente utilização dada à fracção pela A. Com efeito, tal matéria de facto foi alegada pela A. (art.º 4 e 5º da P.I.) para sustentar que, não obstante o teor da cláusula terceira do contrato promessa de compra e venda, houve lugar à tradição da fracção prometida vender. Sucede que, à face do disposto conjugadamente nos art.º 442º, nº 3 e 830º, ambos do Código Civil, o direito à execução específica surge na esfera jurídica do promitente comprador não faltoso perante o incumprimento do promitente vendedor, independentemente da tradição da coisa prometida vender. Ou seja, para que no âmbito do presente recurso possa ser afirmada a procedência da acção e a improcedência da reconvenção torna-se desnecessário estar a apurar da tradição da fracção objecto da promessa de compra e venda. O que significa, face ao acima exposto, que não deve igualmente ser apreciada a impugnação da decisão de facto, no que respeita aos pontos a) e b) dos factos não provados, porque mais não representa que um acto inútil.
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Já relativamente ao ponto 17 dos factos provados, ficou assim motivada na sentença recorrida a verificação da factualidade em questão:
Destes documentos [o documento 3 junto com a contestação e o documento junto com o requerimento dos RR. de 10/1/2023, ambos identificados no parágrafo anterior da motivação] resultou a convicção do Tribunal quanto ao facto n.º 17 posto que resulta claro que o valor dos 320.000 € que as partes fizeram constar no contrato promessa celebrado não correspondia ao valor total acordado para a venda da fracção, havendo pagamentos por fora, no valor de cento e cinquenta mil euros para os dois imóveis que se encontravam em negociação. Porém, tendo avançado apenas o negócio referente ao imóvel de Lisboa, resulta da análise dos documentos que as partes não acordaram qual o valor real deste imóvel e qual o valor que a A. pagaria, para além dos 320.000 € formalmente contratados”.
Contrapõe a A., desde logo, que o referido documento junto com o requerimento de 10/1/2023 não pode ser admitido como meio de prova, já que respeita a uma gravação de uma alegada conversa entre as partes, mas sendo que tal gravação, a existir, foi efectuada sem autorização da A.
Recuperando o teor do documento em questão, trata-se de um certificado emitido por solicitador, a pedido da 3ª R., nos termos do qual o mesmo declara que a 3ª R. compareceu no seu escritório, sendo “portadora de um dispositivo “pen drive USB”, de 32 GB, de que declarou ser proprietária, tendo eu, Solicitador, acedido, através do manuseamento que efectuei ao mesmo aparelho, a seu pedido, ao registo de um ficheiro de áudio, com duração total de 12 minutos e 44 segundos, com tamanho de 750 MB (787 138 399 bytes), ficheiro Vídeo MP4 (.mp4), cuja transcrição se encontra no documento anexo à presente certificação”.
Já do referido documento anexo consta o que aparenta ser uma transcrição de expressões proferidas por três pessoas distintas, sendo uma identificada como “L.”, a segunda como “R.” e a terceira como “V.”, mas sem que se consiga alcançar:
• Em que data e local foram proferidas as referidas expressões;
• Como e por quem foram as mesmas expressões registadas no formato digital identificado (videograma em formato mp4);
• Como é que o solicitador que declarou proceder à transcrição logrou identificar os três interlocutores.
Decorre da noção contida no art.º 362º do Código Civil que um documento é qualquer “objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. Como explica Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório Material, 2020, reimpressão, pág. 108-109), o documento escrito assume várias funções, entre elas a função probatória, porque “permite demonstrar no processo a existência da declaração”, e a função de garantia, “na precisa medida em que permite imputar a declaração a um autor, propiciando a recognoscibilidade do autor do documento”.
Por outro lado, e quanto às modalidades de documentos escritos, resulta do art.º 363º do Código Civil que podem ser autênticos ou particulares, sendo autênticos aqueles “documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública”, e sendo todos os demais documentos particulares, ainda que se considerem como documentos autenticados (com a força probatória dos documentos autênticos) os documentos particulares “quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais”.
No caso do documento escrito em apreço, o mesmo foi exarado por solicitador no âmbito da sua actividade. Pelo que se poderia afirmar, numa primeira apreciação, que se trataria de documento autêntico. Todavia, o que está certificado pelo solicitador é a entrega de uma pen drive contendo um ficheiro de vídeo. Já relativamente ao teor do videograma em questão, o solicitador não certifica que as expressões dele constantes foram proferidas perante o mesmo, do mesmo modo não identificando o autor do videograma. E tão pouco dá fé pública da veracidade das expressões em questão, ou sequer da autoria das mesmas. Do mesmo modo, e como resulta claro do requerimento com o qual os RR. apresentaram o documento exarado pelo solicitador, com o mesmo visam provar a “conversação mantida entre as partes, objecto da matéria em litígio”. Ou seja, a função probatória que se visa retirar do documento escrito em questão não respeita ao acto certificado pelo solicitador, mas respeita antes ao teor da transcrição constante do identificado documento anexo. O que é o mesmo que afirmar que o documento anexo representa uma reprodução (analógica) de uma parte (o áudio) de um documento digital (o videograma contido na pen drive).
Relativamente à força probatória das reproduções, dispõe o art.º 368º do Código Civil que “fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão”.
Como explica igualmente Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada (pág. 127), “a norma do art. 368 assume um carácter residual e expressa-se numa categoria aberta de modo a permitir absorver a valência probatória de novas realidades documentais desconhecidas à data da sua concepção, conferindo elasticidade aos meios de prova admissíveis com recurso a uma interpretação evolutiva”. Mais explica (pág. 128) que “a reprodução só adquire o valor legal de prova plena se a parte contra quem o documento é apresentado não impugnar a sua exactidão (parte final do art. 368), admitindo implicitamente que os factos ocorreram como representados na reprodução. Tal como no art. 347º, nº 1, apela-se aqui a um comportamento integrativo da contraparte, consistente na não impugnação da exactidão. Daqui decorre que incumbe à contraparte o ónus de impugnar a exactidão da reprodução, sendo que a impugnação só é eficaz se expressa de um modo claro, circunstanciado e explícito, com expressão alegação de factos/circunstancias atinentes àquela concreta reprodução que apontem no sentido da não correspondência entre a realidade factual e o conteúdo reproduzido”.
Para se fazer apelo ao art.º 347º do Código Civil importa não perder de vista, em primeiro lugar, a essencialidade da subscrição do documento nos termos que emergem do art.º 373º do Código Civil. A este respeito explica igualmente Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada (pág. 151), que a “subscrição é erigida a uma função probatória, assumindo a função de pré-constituição de uma fonte de prova da paternidade do documento”, sendo que “o legislador instituiu uma regra de prova legal, no que tange à proveniência do documento, nos termos da qual é autor do documento o subscritor”. E, por isso, é que resulta do nº 1 do art.º 374º do Código Civil que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado”. Como também explica Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada (pág. 154-155), “só depois de fixada a genuinidade do documento é que cumpre aferir o seu valor probatório material, ou seja, mensurar a credibilidade que o seu autor merece a respeito dos factos representados e que são objecto do thema probandum). Num primeiro momento, em sede de genuinidade, visa‑se determinar a relação entre o emissor aparente e o emissor real, Volvido com êxito esse momento, há que apurar algo adicional: a veracidade da declaração contida no documento, relação de correspondência entre o declarado com a verdade histórica”. E mais explica que, não havendo “reconhecimento expresso da autoria da subscrição (confissão) por parte do seu autor”, através da posição assumida no processo, admite-se o “reconhecimento tácito (admissão) da autoria da subscrição decorrente da sua não impugnação nos termos do art. 444º, nº 1, do CPC, sendo a mesma imputada à contraparte pelo apresentante do documento”.
Isso mesmo resulta do nº 1 do art.º 376º do Código Civil, quando aí se preceitua que o “documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor”.
Todavia, nos termos do nº 2 do art.º 374º do Código Civil é de considerar afastado o referido reconhecimento tácito quando “a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura”, sendo que nesse caso “incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade”.
Como mais uma vez explica Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada (pág. 157‑158), “a parte, que junta ao processo um documento cuja assinatura imputa à parte contrária, afirma implicitamente a genuinidade de tal assinatura. Aquele a quem é imputado o documento fica investido no ónus de impugnar a letra ou assinatura de tal documento, sob cominação de passarem a ser tidas como verdadeiras”. E se “o imputado autor do documento impugnar tal letra ou assinatura, recai sobre o apresentante do documento o ónus de provar a autoria do documento particular”.
Assim, e recordando que o documento particular só faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor quando a sua autoria seja reconhecida (nº 1 do art.º 376º do Código Civil), explica mais uma vez Luís Filipe Pires de Sousa, na obra citada (pág. 163) e acompanhando jurisprudência largamente maioritária, que “o insucesso do juízo probatório formal, isto é, a não identificação da proveniência do documento (por inexistência de assinatura ou de outro critério válido de imputação da autoria) tem como consequência a livre apreciação de tal documento”.
Todavia, importa atender ao ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa (artigo de 14/10/2016 intitulado “Consequências do non liquet sobre a genuinidade da assinatura de um documento: desafiando a unanimidade” e acessível para consulta em https://blogippc.blogspot.com), quando aí refere que “a prova da não genuinidade da assinatura não pode transformar o documento assinado num documento não assinado, cujo valor probatório passa a ser livremente apreciado pelo tribunal (apesar – note‑se – de a parte contra a qual o documento foi apresentado ter provado a não genuinidade da assinatura). A solução não pode passar pela desconsideração da assinatura, mas antes precisamente pela relevância da prova da não genuinidade dessa assinatura, dado que a parte contra a qual o documento é apresentado necessita desta prova para fazer operar a seu favor a presunção da não veracidade do conteúdo do documento (e, portanto, para a dispensar da prova desta não veracidade)”. Assim, e continuando a acompanhar tal ensinamento, “não há nenhuma justificação para que, perante a falta de prova da genuinidade da assinatura (pela parte que apresentou o documento) ou perante a prova da não genuinidade desta assinatura (pela parte contra a qual o documento foi apresentado), o tribunal considere irrelevante aquele non liquet ou aquela prova do contrário e possa apreciar livremente a veracidade do conteúdo do documento. O regime legal é bem distinto (e, aliás, bastante justificado e adequado): a falta de prova da genuinidade da assinatura e a prova da não genuinidade da assinatura fazem presumir iuris tantum a não veracidade do conteúdo do documento”.
Dito de forma mais simples, aquilo que se pode retirar de tal ensinamento é que, perante a falta de prova da genuinidade da assinatura (ou de outro critério válido de imputação da autoria), fica por afirmar que as declarações constantes do documento são de atribuir àquele contra quem o mesmo documento foi apresentado e a quem a autoria havia sido imputada. O que equivale a dizer que tal documento deixou de reunir as condições para exercer as funções de meio de prova documental, nos termos da noção contida no art.º 362º do Código Civil, por não mais propiciar o reconhecimento do seu autor.
E se assim é no que respeita ao documento particular (analógico ou digital), de acordo com o disposto no art.º 374º do Código Civil, do mesmo modo se deve afirmar que a reprodução desse documento obedece ao mesmo esquema, não só no que respeita à exactidão da reprodução, mas igualmente no que respeita à autoria do documento reproduzido.
Dito de outra forma, estando em causa a reprodução de um documento particular, a autoria das declarações constantes do documento reproduzido tem-se por estabelecida relativamente à pessoa contra quem o documento é apresentado, salvo se esta impugnar essa autoria e não for feita prova da mesma.
Assim, e revertendo tais considerações ao caso concreto da reprodução (através de transcrição) do som do videograma em poder da 3ª R., se é certo que a A. não colocou explicitamente em crise a exactidão da reprodução (ou seja, a transcrição efectuada pelo solicitador), o mesmo não se pode dizer relativamente às expressões orais reproduzidas, desde logo porque a A. invocou a falta de identificação dos autores de tais expressões, a par da falta de identificação do autor da gravação.
Ou seja, na medida em que a A. impugnou que tivesse proferido as expressões orais que estão transcritas pelo solicitador, do mesmo modo impugnando a genuinidade do videograma a partir de onde tais transcrições foram efectuadas, por não estar identificado o seu autor, cabia aos RR. dar cumprimento ao disposto no art.º 445º, nº 2, do Código de Processo Civil, requerendo a produção de prova destinada a convencer da genuinidade do videograma e da autoria das expressões orais aí registadas, em 10 dias contados do requerimento da A. de 19/1/2023.
Nessa medida, nada tendo dito os RR. no prazo em questão, e inexistindo consequentemente qualquer prova no sentido do estabelecimento da autoria do videograma contra a A., o documento apresentado pelos mesmos em 10/1/2023 deixou de servir como meio de prova documental de que foi registado (ou gravado, se se preferir) um videograma contendo expressões orais declarativas cuja autoria era atribuída à A., e que se consubstanciariam na celebração de um outro contrato verbal e de valor não apurado, contemporâneo do contrato promessa outorgado em 3/12/2021.
Por outro lado, e no que respeita ao documento 3 junto com a contestação, corresponde o mesmo a uma troca de mensagens de correio electrónico entre a 3ª R. e o representante da A., entre 28/3/2022 e 31/3/2022, nos termos da qual este último inquiriu a 3ª R. sobre “qual foi o valor que negociamos? Quais são valores que a sra pretende?”, para “resolvermos a situação do apartamento de lisboa”, tendo recebido como resposta que o valor a “dar por fora em dinheiro” seriam € 150.000,00, e tendo então respondido à 3ª R. que “depois de 5 meses é que a sra vem exigir valores completamente absurdos”. Ou seja, a partir desta troca de declarações não é possível retirar a existência de um outro contrato verbal, contemporâneo do contrato promessa outorgado em 3/12/2021, no âmbito do qual tenha sido acordada a entrega de um montante pela A. (mesmo que não apurado), desde logo porque não existem declarações de vontade concordantes nesse sentido, ou sequer o reconhecimento da existência de tal acordo anterior, mas antes uma recusa da A. relativamente à proposta feita pela 3ª R., no sentido de a A. proceder à referida entrega de € 150.000,00 “por fora”, no que respeita ao “apartamento de Lisboa” (isto é, a fracção autónoma objecto do referido contrato promessa outorgado em 3/12/2021).
O que é quanto basta para afastar a eficácia probatória do referido documento 3 junto com a contestação, relativamente à demonstração da existência de um outro contrato verbal e de valor não apurado, contemporâneo do contrato promessa outorgado em 3/12/2021.
Assim, nesta parte procede a impugnação da decisão de facto, havendo lugar à eliminação do ponto 17 do elenco dos factos provados.
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Relativamente ao ponto 20 dos factos provados, torna-se evidente que o mesmo não pode subsistir, quando colocado em confronto com a matéria dos pontos 1 a 6. Com efeito, se o que está aí em causa é a afirmação do período em que ocorreu a negociação do contrato promessa outorgado em 3/12/2021, apresenta-se como lógico e necessário que tal negociação precedeu a outorga em questão. Nesta medida, nunca a negociação em questão pode ter ocorrido no final do ano de 2021 e início de 2022, como ficou a constar do ponto 20.
Aliás, da motivação constante da sentença recorrida também resulta omissa qualquer referência aos meios de prova que possa ajudar a ultrapassar tal contradição, sendo patente que a referência à negociação, com aquelas balizas temporais, carece de qualquer justificação.
Pelo que, também nesta parte, procede a impugnação da decisão de facto, havendo lugar à eliminação do ponto 20 do elenco dos factos provados.
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Por último, e quanto ao ponto c) dos factos não provados, não consta da motivação apresentada na sentença recorrida qual o circunstancialismo que conduziu a dar a factualidade em questão como não provada.
Tal factualidade foi alegada pela A. na P.I. (art.º 8º) e está demonstrada a partir do teor do documento 2 (a certidão matricial relativa à fracção autónoma), do documento 3 (a certidão do registo predial relativa à fracção autónoma), e do documento 14 (o certificado de desempenho energético relativo à fracção autónoma e válido até 9/11/2031), todos juntos com a P.I.
Pelo que, também nesta parte, procede a impugnação da decisão de facto, havendo lugar à eliminação do ponto c) do elenco dos factos não provados e ao aditamento de um novo ponto ao elenco dos factos provados, com o seguinte teor:
24. A A. reuniu, a suas expensas, os documentos imprescindíveis para a realização da escritura pública: a certidão matricial, a certidão do registo predial e o certificado de desempenho energético da fracção autónoma.
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Em suma, na parcial procedência das conclusões da A., no que respeita à impugnação da decisão de facto, eliminam-se os pontos 17, 20 e c) e adita-se o ponto 24, mantendo-se no mais o decidido pelo tribunal recorrido quanto à factualidade provada e não provada.
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Do negócio celebrado entre A. e RR.
Não está colocada em crise a outorga de um contrato promessa pelo qual a A. se obrigou a comprar a fracção da 1ª R. em Lisboa, que esta se obrigou a vender à A., pelo preço de € 320.000,00, do qual a A. logo entregou € 120.000,00, a título de princípio de pagamento. Também não está colocada em crise a validade formal do mesmo, tendo presente que foi celebrado por escrito e os outorgantes declararam expressamente renunciar à possibilidade de invocar a nulidade do contrato promessa pelo facto de as suas assinaturas não terem sido reconhecidas presencialmente (declaração constante da cláusula 11ª do contrato promessa).
Os RR. alegaram que o preço da compra e venda prometida não eram os referidos € 320.000,00, mas o valor de € 470.000,00, e sendo que a indicação do primeiro valor apenas se destinava à participação fiscal do negócio, sendo o remanescente a pagar “por fora”, em numerário. É manifesto que tal alegação encerra, como se refere na sentença recorrida, a intenção das partes de enganar a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que assim seria liquidado menos imposto que o devido pela transmissão da fracção autónoma. Ou seja, estaria preenchida a previsão do art.º 240º do Código Civil, já que estariam presentes os requisitos cumulativos da simulação, assim referidos na sentença recorrida:
“-Divergência entre a vontade real e a declarada isto é, entre a aparência criada (o negócio exteriorizado) e a realidade negocial (negócio realmente celebrado).
- Intuito de enganar terceiro (animus decipiendi); e
- A existência de um acordo simulatório entre o declarante e o declaratário, (pactum simulationis)”.
Do mesmo modo, e como a divergência respeitaria apenas ao preço, tratar-se-ia de uma situação de simulação relativa parcial, a determinar a nulidade do contrato promessa aparente e a autorizar a validade do contrato promessa dissimulado, desde que tivesse sido observada a forma exigida por lei (nº 2 do art.º 241º do Código Civil).
Todavia, e como vem sendo afirmado pacificamente pela jurisprudência, como no acórdão de 7/5/2009 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e disponível em www.dgsi.pt), “tendo a simulação e o negócio dissimulado sido alegados pelo réu, como excepção, cabe-lhe o ónus da prova dos factos integrantes daquele vício e deste negócio”.
Ou seja, só se poderia falar da nulidade do contrato promessa outorgado em 3/12/2021 na medida em que estivessem provados os factos integrantes dos requisitos da referida simulação relativa parcial, a saber, a estipulação dissimulada de um preço da compra e venda distinto do preço de € 320.000,00, tendo em vista enganar a Autoridade Tributária e Aduaneira através do pagamento de menos imposto que o devido pela transmissão da fracção autónoma.
Mas como da factualidade provada não resultam preenchidos os referidos requisitos cumulativos da simulação, não se pode acompanhar o juízo de nulidade formulado na sentença recorrida, relativamente ao contrato promessa outorgado em 3/12/2021, o que significa que a sentença recorrida não pode subsistir no que respeita à procedência da reconvenção, antes improcedendo a mesma.
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Do incumprimento da obrigação dos RR.
Verificada a perfeição do contrato promessa outorgado em 3/12/2021, resulta do mesmo que competia à 1ª R. agendar a escritura pública, a qual devia ser realizada até 28/2/2022.
Mais resulta provado que tal escritura pública não foi agendada pela 1ª R., ou sequer pelos 2º e 3ª RR., mesmo depois de a A. os interpelar para tanto, mas mantendo esta o interesse na celebração da compra e venda prometida
Como se refere na sentença recorrida, a “execução específica é, em última instância, a mesma coisa que a acção de cumprimento: simplesmente, enquanto a acção de cumprimento apenas se dirige à condenação do devedor no cumprimento da prestação, a acção de execução específica produz imediatamente os efeitos da declaração negocial do faltoso (sentença constitutiva). Ou seja, o legislador quis que através da sentença constitutiva prevista no art.º 830º do Código Civil o credor obtivesse o que se poderá chamar "cumprimento funcional da promessa" (Calvão da Silva, "sinal e contrato-promessa", p. 98), isto é, o resultado prático do cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem obviamente, ao processo executivo.
Recorrendo à execução específica - ou execução in natura- o promitente credor visa obter o mesmo resultado que alcançaria com o cumprimento voluntário do mesmo inadimplente, ou seja, dado que a promessa é um facere positivo-jurídico fungível, o tribunal sub-roga-se ao promitente infiel e supre a falta da sua declaração negocial - a cujo cumprimento se encontra livre e espontaneamente vinculado por força do contrato-promessa, na celebração do qual exerceu, com autonomia, a sua vontade - proferindo sentença constitutiva que produz os efeitos da declaração negocial do faltoso.
Prescreve o n.º 1 do art.º 830º do código Civil que “se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”.
Assim, para se obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, é necessária a verificação cumulativa dos requisitos enunciados no citado normativo, ou seja que não seja incompatível com a substituição da declaração negocial a natureza da obrigação assumida pela promessa; a inexistência de convenção em contrário; e o incumprimento do contrato.
«A execução específica significa tão somente que é possível obter-se uma sentença que valha pelo contrato prometido; uma sentença (constitutiva) que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso: uma sentença especialíssima que faz as vezes da declaração negocial do promitente que falta, sentença, que possui a eficácia que teria, por exemplo a escritura pública que se não fez» (cfr. Pereira Delgado, Do Contrato Promessa, 3ª ed. pág. 310).
A execução específica que se peticiona na presente acção, só pode ter como fundamento a mora e nunca o incumprimento definitivo. E isto porque visa a realização do contrato prometido que só se pode concretizar se este for possível. E só acontece quando a situação seja apenas moratória, porque apesar de retardado, ainda é possível a sua concretização por parte do devedor e o credor da prestação ainda tem interesse. E com a execução específica atinge-se o objectivo do contrato promessa que é a concretização da prestação (cfr. Calvão da Silva, in Sinal e Contrato – Promessa; entre outros Ac. STJ de 5/03/1996 CJ Tomo I , 115; Ac. STJ 18/06/1996 CJ Tomo II pág. 153).
No caso dos autos, o cumprimento da prestação – a celebração do contrato definitivo - era realizável (por qualquer das partes), material e juridicamente, mesmo após a data aprazada para a sua realização.
Não se configura, nem foi alegado, existir um termo subjectivo essencial absoluto (um termo essencial cuja inobservância implica o incumprimento definitivo da obrigação) ou um termo essencial relativo (que determinasse o direito do credor à resolução, podendo ele optar neste caso por recusar a prestação ou mesmo exigir o cumprimento do contrato), pois que, estamos antes perante um prazo fixo usual, relativo ou simples, em que o decurso do prazo não opera desde logo o incumprimento definitivo do contrato (ou seja, a impossibilidade da prestação), limitando-se as partes a consignar que a compra e venda seria outorgada “até 28 de Fevereiro de 2022”.
Como se referiu, a sentença de execução específica vale como título constitutivo do contrato prometido, substituindo a vontade do promitente faltoso e bem assim a da parte que estaria disposta a emiti-la.
Por isso, para que o Tribunal possa proferir tal sentença é necessário que, no momento da sua prolação, a parte faltosa esteja em condições de, voluntariamente, cumprir, mas também, e em primeira linha que o contrato promessa seja válido”.
Regressando ao caso concreto, a validade do contrato promessa mostra-se já verificada.
Do mesmo modo, não resulta demonstrada qualquer convenção das partes no sentido de afastar a possibilidade de recorrer à execução específica do contrato promessa. De todo o modo tal convenção sempre seria ineficaz, tendo presente o disposto no nº 3 do art.º 830º do Código Civil e uma vez que está em causa a promessa respeitante à celebração de contrato de compra e venda de uma fracção autónoma.
Do mesmo modo, ainda, não resulta da factualidade apurada qualquer impossibilidade definitiva de a 1ª R. cumprir a promessa de venda, seja a mesma de natureza objectiva, seja de natureza subjectiva, estando igualmente demonstrado o interesse da A. na realização do negócio prometido.
Dito de outra forma, a prestação devida pela 1ª R. (a celebração do contrato de compra e venda) continua a revelar-se possível e só não se mostra cumprida em razão da omissão de marcação da escritura pública respectiva, como lhe compete, mantendo a A. o interesse nessa prestação.
Já do lado da A. não se verifica qualquer situação de incumprimento da prestação devida pela mesma, estando inclusive cumprido o dever acessório de colaboração para a conclusão do negócio prometido, pois que a A. providenciou pelos elementos documentais necessários à celebração da escritura de compra e venda, em face da inacção da 1ª R., o que só acentua o referido interesse na prestação da 1ª R. que se mostra em falta.
Ou seja, ao contrário do afirmado na sentença recorrida, estão preenchidos os pressupostos para a execução específica pretendida pela A., o que equivale a afirmar que a sentença recorrida não pode subsistir, antes havendo que julgar procedente a acção e proferir decisão que substitua a declaração negocial em falta da 1ª R.
***
Da litigância de má fé dos RR.
Na réplica a A. havia invocado a litigância de má fé dos RR., essencialmente por não desconhecerem a total falta de fundamento da simulação invocada e do correspondente pedido reconvencional, do mesmo modo fazendo do processo um uso manifestamente reprovável com vista à obtenção de um ganho económico injustificado, correspondente ao aumento do preço da compra e venda prometida, e assim concluindo pela condenação dos RR. no pagamento de indemnização em valor não inferior a € 50.000,00.
Em sede do presente recurso a A. renova tal pretensão, mantendo no essencial a mesma linha de argumentação.
Na sentença recorrida ficou assim afirmada a inexistência de fundamento para o sancionamento de qualquer uma das partes como litigante de má fé:
Litigante de má fé, segundo o art.º 542º, n.º 2 do Código de Processo Civil é aquele que com dolo ou negligência grave:
a. tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b. tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c. tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d. tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
O tribunal pode, independentemente do pedido, condenar ex-officio como litigante de má fé a parte que incorreu em alguma das condutas previstas no n.º 2 do art.º 542º do Código de Processo Civil.
Todavia, no caso em apreço verifica-se inexistirem fundamentos para o sancionamento quer do A. quer dos RR. nesta sede, dado os autos não conterem quaisquer elementos que determinem o preenchimento dos pressupostos exigidos pelo citado art.º 542º do Código de Processo Civil.
Efectivamente, não é o facto de a acção ser improcedente que determina a má-fé do A., que defendeu a versão formal dos factos, por outro lado, sendo procedente o pedido reconvencional não pode concluir-se pela litigância de má-fé destes”.
Como já referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7/10/2004 (relatado por Maria Laura Leonardo e disponível em www.dgsi.pt), “a acção é um instrumento posto à disposição dos interessados para fazerem valer em juízo as suas pretensões.
No artº 266º-A do CPC [que corresponde ao art.º 8º do Código de Processo Civil de 2013] consagra-se um dever geral de probidade. “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.”
É a violação deste dever (conduta ilícita), de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé”.
E como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 5/5/2011 (relatado por Octávia Viegas e disponível em www.dgsi.pt), “a parte está obrigada a uma pesquisa séria e intensa da verdade dos factos que traz a juízo, tendo uma actuação diligente, usando das precauções exigidas pela mais elementar prudência, a própria de um bom pai de família, naquelas circunstâncias concretas”, sob pena de ser condenada como litigante de má fé.
Mas aí igualmente se refere que “o conceito de litigância de má fé previsto no art. 456 do C.P.Civil [que corresponde ao art.º 542º do actual Código de Processo Civil] não abrange os casos de manifesto lapso, lide meramente ousada, pretensão ou oposição cujo decaimento resultou de fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e da sua interpretação e de defesa convicta e séria de uma posição que não obteve merecimento.
A condenação como litigante de má fé só deve ser proferida quando se estiver perante uma situação em que se manifeste inequivocamente uma conduta dolosa ou gravemente negligente da parte, quando dos autos resultam apurados factos que demonstram o exercício abusivo do direito de acção ou de defesa, o qual deve proporcionar às partes a possibilidade de dirimir as questões de facto e de direito de forma equilibrada e razoável, sem receios de sanções decorrentes do entendimento do tribunal sobre as questões que lhe são submetidas”.
No caso concreto a questão da nulidade do contrato promessa outorgado em 3/12/2021 por simulação relativa parcial trazia ínsita uma dificuldade acrescida para os RR. É que, para além de caber aos mesmos o ónus da prova dos factos integrantes da causa de pedir reconvencional, do mesmo modo estava proibida a prova do acordo simulatório e do negócio dissimulado com recurso a testemunhas (por força do disposto no nº 2 do art.º 394º do Código Civil).
Ou seja, para demonstrar a simulação que alegaram os RR. estavam limitados aos documentos que apresentaram.
Essa especial limitação probatória traduziu-se, como resulta patente do acima referido relativamente à impugnação da decisão de facto, na ausência de prova bastante da vertente fáctica da causa de pedir reconvencional.
Só que tal circunstância não permite afirmar, sem mais, que os RR. sabiam que a invocada simulação não seria demonstrada e que, por isso, a sua pretensão de fazer valer os efeitos da parte dissimulada do negócio estava condenada ao insucesso.
Repare-se, aliás, que os RR. nem sequer pediram em primeira linha a execução específica do alegado contrato promessa dissimulado, só formulando esse pedido subsidiariamente, para o caso de se entender que subsistia o negócio dissimulado. Mas a ausência de documento onde expressamente se formalizasse a parte dissimulada do negócio deixava antever que, ainda que a simulação ficasse demonstrada, não subsistiria a promessa de compra e venda pelo preço de € 470.000,00. Ou seja, não é possível afirmar que aquilo que os RR. visaram com a invocação da simulação foi o aumento do preço da compra e venda, porque o que os mesmos pediram em primeira linha foi a destruição total dos efeitos do negócio, como consequência da nulidade decorrente da simulação.
Em suma, aquilo que emerge da conduta dos RR. mais não é que uma defesa convicta, todavia ousada, porque naturalmente fragilizada em razão das limitações probatórias aplicáveis, mas sem que se possa afirmar que no âmbito dessa conduta os RR. deixaram de agir diligentemente e violaram o dever geral de probidade que se lhes impunha, naquelas circunstâncias concretas em que foram demandados. O que é o mesmo que dizer que, ainda que objectivamente se possa afirmar que os RR. deduziram pretensão cuja falta de fundamento se apresentou como evidente, porque estribada em factualidade que não se verificou, não se está perante uma conduta dolosa ou gravemente negligente, para efeitos de serem condenados como litigantes de má fé.
Nessa medida, devem os mesmos ser absolvidos do pedido incidentalmente formulado pela A.
***
DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por esta outra decisão em que se julga procedente a acção e se declara a produção dos efeitos da declaração negocial da 1ª R., suprindo a sua manifestação de vontade de vender a fracção autónoma melhor identificada no ponto 1 dos factos provados, pelo preço acordado de € 320.000,00, mediante a entrega do remanescente do preço acordado no montante de € 200.000,00, já consignado em depósito autónomo nos termos do documento 15 junto com a P.I.
Mais vão os RR. absolvidos do pedido de condenação como litigantes de má fé.
As custas da acção, da reconvenção e do recurso são da responsabilidade dos RR.

23 de Outubro de 2025
António Moreira
Inês Moura
Higina Castelo