Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EDUARDO PETERSEN SILVA | ||
Descritores: | PATROCÍNIO JUDICIÁRIO PATROCÍNIO OBRIGATÓRIO ADVOGADO ESTAGIÁRIO EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I - O artigo 196º do EOA não é lei especial nem o artigo 58º nº 3 do CPC é lei geral, de tal modo que o primeiro afaste a aplicação do segundo. II - Nos casos previstos no nº 3 do artigo 58º do CPC, a competência do advogado estagiário é autónoma e a orientação do patrono não tem de ser demonstrada perante o tribunal. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório J…, nos autos m.id., apresentou requerimento de injunção contra C…, também nos autos m.id., invocando que é advogada e nessa qualidade prestou serviços à requerida, patrocinando-a judiciariamente, no valor de €6.700,00 de honorários que a requerida não pagou, apesar de interpelada. Conferida força executiva, veio em 28.4.2022 J… interpor execução pelo valor de 7.418,63 € (correspondente aos €6.700,00 iniciais e a juros moratórios vencidos no valor de 693,13€) acrescendo juros moratórios vincendos até efetivo e integral pagamento. A exequente fez juntar com o requerimento executivo procuração forense (em que indicou ter domicílio profissional na Alameda … nº 21 D – 1º, … Lisboa) a favor da Drª CC, advogada estagiária (com domicílio profissional na Alameda nº 21 – 1º Andar, Escritório 6, … Lisboa) à qual conferiu os mais amplos poderes por lei permitidos, incluídos os de subestabelecer e os de confessar acções, transigir sobre o seu objecto, e desistir do pedido ou da instância. A executada veio aos autos, por requerimento datado de 1.7.2022, nos seguintes termos: “(…) previamente à apresentação de oposição/embargos, que oportunamente correrão por apenso a estes autos, vem expor e requerer a V. Ex.ª: 1. Tendo sido conferida força executiva ao título apresentado pela exequente, esta veio de imediato requerer a penhora de bens da aqui executada, por via do seu requerimento executivo! 2. Sucede que, como esta não poderia e/ou não deveria desconhecer, tendo o respetivo requerimento sido patrocinado e subscrito APENAS por Advogada Estagiária, esta não dispunha de competência para o patrocínio, tendo em conta que lhe está vedada a prática de atos próprios da competência dos Advogados. 3. Efetivamente, a competência dos Advogados Estagiários encontra-se disciplinada no atual art.º 196 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA (Lei 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas até à Lei 79/2021, de 24 de novembro) ali se estabelecendo que: 1. Concluída a primeira fase do estágio, o advogado estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar os seguintes atos próprios da profissão: a) Todos os atos da competência dos solicitadores; b) Exercer a consulta jurídica. 2 - O advogado estagiário pode ainda praticar os atos próprios da profissão não incluídos no número anterior, desde que efetivamente acompanhado pelo respetivo patrono. 3. Na interpretação da referida norma do art.º 196 do EOA, importará, como se impõe, atender ao princípio essencial de que a advocacia é uma profissão de interesse de público que funciona como garante da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e participa profundamente na administração da justiça constituindo o advogado interlocutor privilegiado, quando não exclusivo, do cidadão junto do poder judicial e da administração pública. 4. O Advogado Estagiário apenas pode atuar em tais processos, desde que efetivamente acompanhado de Advogado, pois, o legislador não lhe concedeu autonomia para atuar por si só nos processos judiciais de maior relevância atento o seu valor e/ou complexidade, antes tendo subordinado expressamente essa intervenção à tutela do patrono ou patrono-formador do Advogado Estagiário, ou seja, a quem, estando em estreita ligação funcional com aquele, possui aptidão plena – pelo menos cinco anos de exercício da profissão – para orientar, dirigir e sindicar a sua atuação. 5. Por outro lado, como resulta do disposto do art.º 40 do CPCivil, é obrigatória a constituição de advogado: a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores. 6. Assim, das referidas normas legais resulta de forma clara e inequívoca, que o Advogado Estagiário apenas pode patrocinar ações cujo valor não ultrapasse a alçada dos Tribunais de 1.ª Instância, ou seja, €5.000,00. 7. Considerando que, a presente execução tem o valor de €7.418,63, dúvidas não subsistem de que, esse valor é superior à alçada do Tribunal de 1.ª Instância, e, portanto, não se trata de um ato da competência de solicitador, que pudesse também, ser praticado por Advogado Estagiário ao abrigo da al. a) do art.º 196 do EOA, e, naturalmente, quando o requerimento foi apresentado a Advogada Estagiária que o patrocinou e subscreveu (única) não tinha competência para o fazer! 8. É que, por outro lado, se constata, também, que a Advogada Estagiária que patrocina esta execução, o fez desacompanhada da sua Patrona, ou de outro Advogado, a quem tivessem, também, sido conferidos poderes para o patrocínio (cfr. Procuração Forense junta com a Execução). 9. O que significa, que, não estamos em face de uma mera irregularidade do mandato, mas, antes, de uma NULIDADE PROCESSUAL INSANÁVEL, que deverá, salvo melhor opinião, determinar a absolvição da executada da presente instância executiva, e simultânea e imediatamente o levantamento de todas as penhoras ordenadas aos seus bens, 10. Nulidade essa, que, desde já se invoca para todos os efeitos e consequências legais, uma vez que, as nulidades processuais que não sejam as previstas nos art.s 186, 187, 193 e 194 do Código de Processo Civil, quando praticadas na ausência da parte ou do seu mandatário, podem ser arguidas nos termos previstos no art.º 199 do mesmo Código, cabendo às partes argui-las perante o Tribunal onde as mesmas foram cometidas, devendo o Tribunal apreciá-las logo que sejam reclamadas, conforme, aliás, se dispõe no n.º 3 do art.º 200 do mesmo diploma legal. Termos em que, se requer a V. Ex.ª se digne determinar verificada a NULIDADE processual invocada, e, consequentemente, a absolvição da executada da instância executiva, e o levantamento imediato de todas as penhoras autorizadas e registadas sobre os bens da executada”. A exequente respondeu nos seguintes termos: “CC…, na qualidade de advogada-estagiária e mandatária da Exequente J…, vem (…), em resposta ao requerimento de arguição de nulidade (referência n.º 21372865) apresentado pela Ilustre Mandatária da aqui Executada a 01/07/2022, dizer o seguinte: 1. ´(…) 4. Afirma assim a Ilustre Mandatária da aqui Executada, que “das referidas normas legais resulta de forma clara e inequívoca, que o Advogado-Estagiário apenas pode patrocinar ações cujo valor não ultrapasse a alçada dos Tribunais de 1ª instância, ou seja 5.000,00€. 5. Todavia, salvo melhor entendimento, assim não se entende, uma vez que a referida norma constante do artigo 40º do Código de Processo Civil, reporta-se tão só e somente à regra geral no que diz respeito à constituição obrigatória de advogado. 6. Sendo que, e estando perante processo execução, importa desde já atender ao previsto no Capitulo IV, atinente às disposições especiais sobre execuções, ressalvando-se desde já o previsto no artigo 58º do Código de Processo Civil, relativo ao patrocínio judiciário obrigatório em especial em matéria de execuções, nos termos do qual se pode ler no n.º 1 o seguinte: “As partes têm de se fazer representar por advogado nas execuções de valor superior à alçada da Relação e nas de valor igual ou inferior a esta quantia, mas superior à alçada do tribunal de 1ª instância, quando tenha lugar algum procedimento que siga os termos do processo declarativo”. 7. Contudo, e para o aqui releva, destaque-se desde já o n.º 3 do referido segmento normativo que consagra expressamente o seguinte: “As partes têm de se fazer representar por advogado, advogado-estagiário ou solicitador nas execuções de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância não abrangidas pelos números anteriores”. 8. O que significa desde já, que contrariamente à afirmação feita pela Ilustre Mandatária, se observa desde logo que numa primeira análise, o advogado-estagiário terá efetivamente competência para patrocinar execuções cujo valor exceda a alçada do tribunal de 1ª instância, e que não se enquadrem nas previsões anteriores da citada norma legal. 9. Assim, estando perante execução sumária, e uma vez não ter ocorrido na mesma nenhum procedimento que siga os termos do processo declarativo, considera-se que a aqui signatária, na qualidade de advogada-estagiária e mandatária da Exequente, possui competência para representação da mesma, competência esta que se insere na previsão legal constante do artigo 58º n.º 3 do Código de Processo Civil. 10. Sendo que, e só eventualmente nos casos de oposição à execução por embargos de executado, enquanto momento declarativo que corre de forma autónoma e por apenso à respetiva execução, terão as partes que proceder à constituição obrigatória de advogado. 11. A este propósito veja-se o consagrado no Código de Processo Civil Anotado Volume I, Parte Geral e Ação Declarativa, 3ª edição, - António Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/ Luís Filipe Pires de Sousa, que também referente ao artigo 58º do Código de Processo Civil, parece perfilhar do mesmo entendimento quando clarifica o seguinte: “A constituição de advogado é obrigatória nas execuções de valor superior à alçada da Relação (€ 30.000,00). Também assim nas execuções que, não excedendo aquele limite, tenham valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância (€5.000,00), mas aí quando sejam deduzidos embargos de executado ou corra algum procedimento que siga os termos do processo declarativo, como sucede com a liquidação ou com os embargos de terceiro.” 12. Mais clarifica que “O patrocínio judiciário é ainda obrigatório em todas as execuções de valor superior à alçada do tribunal de 1ª instância, mas não é exigível que seja assegurado por advogado, bastando advogado-estagiário ou solicitador.” 13. Mais se acrescenta que, de acordo com o artigo 196º do Estatuto da Ordem dos Advogados, relativo à competência e deveres dos advogados-estagiários, estabelece o n.º1 que, - concluída a primeira fase do estágio, o advogado-estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar os seguintes atos próprios da profissão, mormente nos termos da alínea a), todos os atos da competência dos solicitadores, e alínea b), exercer consulta jurídica, bem como acrescenta o n.º 2 do referido artigo que, - o advogado-estagiário pode ainda praticar os atos próprios da profissão não incluídos no número anterior, desde que efetivamente acompanhado pelo patrono. 14. Ora, cumpre salientar que a aqui Exequente, é Patrona da aqui signatária, pelo que para além da aqui signatária possuir competência para a referida representação, encontra-se também efetivamente sob orientação e acompanhamento da sua Patrona, encontrando-se por isso também preenchidos os requisitos do presente estatuto, não se logrando qualquer obstáculo à respetiva representação. 15. Deste modo, e nas palavras do Parecer da Ordem dos Advogados Processo n.º27/PP/2014-G e 30/PP/2014-G, no que diz respeito à orientação do patrono sempre se poderá concluir que nas palavras do mesmo “A orientação do Patrono, relativa ao advogado estagiário, e prevista no corpo do n.º 1 do citado artigo 189º do EOA (atual artigo 196º), não tem de ser demonstrada, nem física, nem por via de qualquer assinatura ou certificação do patrono, bastando-se pela presunção natural de que a orientação deste está sempre presente na prática pelo advogado estagiário de qualquer ato profissional que a lei lhe comete.” 16. Pelo exposto, considera-se que a aqui signatária possui competência para a dita representação, uma vez que nas causas em que não seja obrigatória a constituição de advogado podem as próprias partes pleitear por si ou ser representadas por advogados-estagiários ou por solicitadores, ex.vi do artigo 42º do Código de Processo Civil. Nestes termos (…) deve: - O presente requerimento de arguição de nulidade, ser julgado improcedente, por não provado, e consequentemente não ser a Executada absolvida da respetiva instância executiva, mantendo-se todas as penhoras realizadas e registadas sobre os bens da Executada. * Em 17.10.2022, o tribunal proferiu o seguinte despacho: “A executada veio arguir a nulidade, por insuficiência de mandato. Alega, em suma, que a execução não poderia ser patrocinada apenas por advogada estagiária. A advogada estagiária, assim como a exequente pronunciaram-se, alegando, para além do mais, que a própria exequente é advogada e a patrona da advogada estagiária que patrocina a presente execução. Cumpre apreciar e decidir: As regras sobre o patrocínio judiciário obrigatório em matéria de execuções constam do art. 58º do Cód. Proc. Civil. Como decorre claramente do disposto no seu nº 3, nas execuções de valor superior à alçada do Tribunal de 1ª instância as partes terão de ser representadas por advogado, advogado estagiário ou por solicitador. A necessidade de intervenção de advogado nas execuções de valor superior à alçada do Tribunal de 1ª instância só surge se quando for intentado algum procedimento que siga os termos do processo declarativo – nºs 1 e 2 do referido artigo. Ora, a presente execução é de valor superior à mencionada alçada, tendo o respectivo requerimento executivo sido assinado por advogada estagiária em representação da exequente. À data em que foi arguida a nulidade, inexistia qualquer procedimento que siga os termos do processo declarativo, tendo os embargos de executado sido deduzidos em momento posterior. De resto, sempre se dirá que, após a dedução dos embargos, a exequente, também ela advogada, veio declarar que pretende pleitear em causa própria em virtude da dedução desses embargos. Assim sendo, nesta execução de valor superior ao da alçada do tribunal de 1ª instância, o patrocínio da exequente, “ab initio”, por advogada estagiária não é irregular ou insuficiente – vide art. 58º, 3, do Cód. Proc. Civil. Pelo exposto, julgo não verificada a nulidade invocada. Custas do incidente pela executada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido. Notifique”. * Inconformada, a executada interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 1. A Advogada Estagiária que patrocina o requerimento executivo à exequente não dispunha de competência para o patrocínio, tendo em conta que lhe está vedada a prática de atos próprios da competência dos Advogados, pelo Estatuto da Ordem dos Advogados! 2. A competência dos Advogados Estagiários, encontra-se disciplinada no atual art.º 196 do Estatuto da Ordem dos Advogados - EOA (Lei 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas até à Lei 79/2021, de 24 de novembro) ali se estabelecendo que: 1. Concluída a primeira fase do estágio, o advogado estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar os seguintes atos próprios da profissão: a) Todos os atos da competência dos solicitadores; b) Exercer a consulta jurídica. 2 - O advogado estagiário pode ainda praticar os atos próprios da profissão não incluídos no número anterior, desde que efetivamente acompanhado pelo respetivo patrono. 3. Na interpretação da referida norma do art.º 196 do EOA, importará, como se impõe, atender ao princípio essencial de que a advocacia é uma profissão de interesse de público que funciona como garante da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e participa profundamente na administração da justiça constituindo o advogado interlocutor privilegiado, quando não exclusivo, do cidadão junto do poder judicial e da administração pública. 4. O Advogado Estagiário apenas pode atuar em tais processos, desde que efetivamente acompanhado de Advogado, pois, o legislador não lhe concedeu autonomia para atuar por si só nos processos judiciais de maior relevância atento o seu valor e/ou complexidade, antes tendo subordinando expressamente essa intervenção à tutela do patrono ou patrono-formador do Advogado Estagiário, ou seja, a quem, estando em estreita ligação funcional com aquele, possui aptidão plena – pelo menos cinco anos de exercício da profissão – para orientar, dirigir e sindicar a sua atuação. 5. Por outro lado, como resulta do disposto do art.º 40 do CPCivil, é obrigatória a constituição de advogado: a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário; b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor; c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores. 6. Assim, das referidas normas legais resulta de forma clara e inequívoca, que o Advogado Estagiário apenas pode patrocinar ações cujo valor não ultrapasse a alçada dos Tribunais de 1.ª Instância, ou seja, €5.000,00. 7. Considerando que, a presente execução tem o valor de €7.418,63, dúvidas não subsistem de que, esse valor é superior à alçada do Tribunal de 1.ª Instância, e, portanto, não se trata de um ato da competência de solicitador, que pudesse também, ser praticado por Advogado Estagiário ao abrigo da al. a) do art.º 196 do EOA, e, naturalmente, quando o requerimento foi apresentado a Advogada Estagiária que o patrocinou e subscreveu (única) não tinha competência para o fazer! 8. É que, por outro lado, se constata, também, que a Advogada Estagiária que patrocina esta execução, o fez desacompanhada da sua Patrona, ou de outro Advogado, a quem tivessem, também, sido conferidos poderes para o patrocínio (cfr. Procuração Forense junta com a Execução). 9. O que significa, que, não estamos em face de uma mera irregularidade do mandato, mas, antes, de uma NULIDADE PROCESSUAL INSANÁVEL, que deverá, determinar a absolvição da executada da presente instância executiva. 10. Sem prejuízo do que se dispõe no art.º 58, n.º 3 do CPCivil, essa norma NÃO pode ser analisada sem ser em conjugação com o que sobre esta matéria resulta do disposto no art.º 196 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) - Lei 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas até à Lei 79/2021, de 24 de novembro. 11. A referida Lei – EOA – é uma Lei Especial, e, consequentemente, sobrepõe-se ao que é regulado no CPCivil – Lei Geral! 12. E, nos termos do disposto no art.º 196 do referido diploma legal, “o advogado-estagiário pode, sempre sob orientação do patrono, praticar os atos próprios da profissão (…)”. 13. Registe-se que, a lei diz expressamente “sob orientação do patrono”, logo, a questão que se coloca, é se não deveria o patrono constar (também) na procuração forense outorgada pela exequente, e/ou não deveria obrigatoriamente ter subscrito conjuntamente com a Advogada estagiária, a peça processual em causa. 14. O facto da exequente afirmar que é patrona da Advogada Estagiária signatária do seu requerimento executivo, isso não basta para legitimar o mandato! 15. No caso concreto, está comprovado, sem margem para qualquer outra interpretação, que, não só, a Advogada exequente, não subscreveu como sua a Petição Inicial submetida pela sua Advogada Estagiária, como, a Procuração que foi junta com aquele articulado, não foi outorgada, também, em nome próprio! 16. Pelo que, a mandatária/Advogada Estagiária da exequente, não dispunha de competência para o patrocínio, tendo em conta que lhe está vedada a prática de atos próprios da competência dos Advogados, como se disciplina no art.º 196 do EOA. 17. Atenta a natureza dos presentes autos, a impugnação da NULIDADE invocada, seria absolutamente inútil se apenas impugnada com o recurso da decisão final a proferir, uma vez que as penhoras já requeridas, podem ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido. 18. Ou seja, o recurso do douto despacho recorrido não acarreta a mera inutilização de atos processuais, pois, as penhoras já ordenadas poderão ter consequências irreversíveis na esfera jurídica da executada, ora recorrente, razão pela qual, o presente recurso se enquadra, salvo melhor entendimento, nas situações em que seria absolutamente inútil o recurso com a decisão final, a que se alude na al. h) do n.º 2 do art.º 644 do CPCivil. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente revogar-se o despacho recorrido, substituindo-se essa decisão por outra que declare a invocada NULIDADE do mandato por parte da Advogada Estagiária que patrocina a exequente e consequentemente absolva a executada da instância executiva”. Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações. O tribunal admitiu o recurso com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo. Corridos os vistos legais, cumpre decidir: II. Direito Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – a única questão a decidir é a de saber se a advogada constituída pela exequente para a execução não tinha competência para o patrocínio, e se em consequência se verifica nulidade insanável que determina a absolvição da executada, recorrente, da instância executiva. III. Matéria de facto A constante do relatório que antecede. IV. Apreciação Como resulta dos artigos 627º e 639º do CPC, os recursos servem para atacar as decisões tomadas pelo tribunal recorrido com base na argumentação que os recorrentes opõem à do tribunal. Quer isto dizer que, repetir perante, neste caso, a Relação, aquilo que se ofereceu ao tribunal de primeira instância e que este não aceitou como bom, não constitui recurso que possa ser conhecido. Quando lemos as conclusões do recurso percebemos então que o único argumento novo que a recorrente opõe à decisão e que temos de apreciar (conclusões 10ª e 11ª) é o de que as normas que regulam a competência dos advogados estagiários constantes do Estatuto da Ordem dos Advogados são lei especial que se sobrepõe ao Código de Processo Civil, concretamente às normas que estabelecem sobre o tipo de patrocínio exigido. Como resulta do relatório supra, está adquirido que a procuração outorgada pela exequente à sua mandatária não ressalvou nem a qualidade de advogada da exequente nem a sua capacidade de litigar em causa própria, nem ressalvou a sua qualidade de patrona da mandatária enquanto advogada estagiária. A il. advogada estagiária podia patrocinar a execução que foi instaurada, nos termos em que o foi? Antes de mais, afastar de todo a ideia de que o patrocínio indevido, isto é, por quem não tem competência ou capacidade para o fazer, gera processualmente a nulidade absoluta e insanável que conduz, no caso da execução, à absolvição da instância executiva e com ela, ao levantamento das penhoras realizadas. A matéria, de estrito interesse processual, só pode estar regulada no Código de Processo Civil, e realmente está: - quer a parte não constitua de todo advogado, quer o caso seja de falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, as previsões dos artigos 41º e 48º nº2, ambos do CPC, não são tão radicais, estatuindo oportunidades de correcção, ou dito de outro modo, de sanação, que aliás, a serem devidas, terão de ser concedidas. A qualificação de uma norma como especial ou geral só tem cabimento sob uma determinada perspectiva, que é a da subsunção de uma situação de facto a diferentes previsões normativas – isto é, tem de ser à mesma situação, carecida de regulação e ao mesmo serviço de interesse a que essa regulação se destina, que se pode pensar na aplicação de uma norma geral e na aplicação de uma norma especial, e porque ambas quadram, então decidir pela aplicação da lei que mais especificamente regula o caso. Quer isto dizer que estamos perante um problema de perspectiva, e isto é claro no recurso: - a recorrente perspectiva a solução em função dum ponto de vista que se centra na figura do advogado enquanto interlocutor privilegiado do cidadão junto do poder judicial, ou seja, do ponto de vista da garantia de que um corpo participante na administração da justiça efectivamente consegue nela participar, garantindo a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e é a partir deste ponto de vista que considera que a norma do artigo 58º nº 3 do CPC não pode ser interpretada na sua literalidade, tem de ser conjugada com o artigo 196º do EOA ou, simplesmente, que nem sequer se aplica porque é lei geral face à lei especial. Quando nos situamos no ponto de vista do processo, que é um ponto de vista afinado ao processo em concreto, dúvida nenhuma haja que a norma rainha é a norma processual: - ela é que nos diz, para um determinado tipo de processo, atendendo aos interesses em jogo, às matérias que podem ser tocadas, qual é o tipo, diríamos, a solidez e sabedoria que deve encontrar-se no patrono, ou se a matéria é tão simples que nem patrono precisa. O ponto de intersecção entre a perspectiva de que parte a recorrente e esta perspectiva processual foi muito bem aflorado nas conclusões do recurso, quando a recorrente afirma, referindo-se ao advogado estagiário, que “o legislador não lhe concedeu autonomia para atuar por si só nos processos judiciais de maior relevância atento o seu valor e/ou complexidade”. A norma definidora da complexidade ou valor dos processos judiciais não se encontra no Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas até à Lei nº 79/2021, de 24 de Novembro), mas no artigo 40º do CPC, e especificamente para o processo executivo, no artigo 58º do mesmo diploma, e mais concretamente para o caso, em face do valor da execução, no artigo 58º nº 3 do CPC, o que a recorrente reconhece, pese continue a referir-se, nas primeiras conclusões do seu recurso, ao artigo 40º do CPC. Do artigo 58º nº 3 do CPC resulta que os advogados estagiários e bem assim os solicitadores, e não apenas os advogados, podem patrocinar as partes no processo executivo, salvo nos incidentes ou procedimentos declarativos e na verificação de créditos de valor superior à alçada do tribunal de primeira instância. Então, mesmo a fazer apelo ao artigo 196º do EOA, enquanto norma que proibiria o advogado estagiário, já se vê que a competência deste se poderia basear na al. a) do nº 1 do mesmo preceito (todos os actos da competência dos solicitadores). A recorrente afirma o contrário, mas fá-lo a partir da sua primeira consideração de que a norma que se aplica é o artigo 40º do CPC. Por isto mesmo, também a afirmação de que a competência do advogado estagiário depende do efectivo acompanhamento do patrono (artigo 196º nº 2 do EOA) não tem pertinência para a solução[1]. Não regulando o artigo 196º do EOA a mesma matéria que o artigo 58º nº 3 do CPC, não pode afirmar-se a prevalência daquele, enquanto lei especial, para afastar a deste, enquanto lei geral. Assim, a possibilidade de patrocínio, no caso concreto, por advogado estagiário, está garantida, não se podendo concluir nem por uma nulidade insanável, nem por qualquer falta, insuficiência ou irregularidade do mandato. Estas são consequências estritamente processuais. E nenhumas outras exigências são feitas, na lei processual, especificamente no artigo 58º nº 3 do CPC, ao advogado estagiário. Questão diversa é a da competência do advogado estagiário segundo o artigo 196º do EOA, na medida em que o poder para a prática de actos próprios da competência de solicitadores e para a prática da consulta jurídica está subordinado à orientação do patrono – “sempre sob a orientação do patrono”, é a expressão usada no preceito. Sabemos pelo artigo 195º nº 1 do EOA que “1 - O estágio visa a formação dos advogados estagiários através do exercício da profissão sob a orientação do patrono, tendo em vista o aprofundamento dos conhecimentos profissionais e o apuramento da consciência deontológica, em termos a definir pelo conselho geral” e pelo nº 4 que “4 - A segunda fase do estágio visa uma formação alargada, complementar e progressiva dos advogados estagiários através da vivência da profissão, baseada no relacionamento com os patronos tradicionais, intervenções judiciais em práticas tuteladas, contactos com a vida judiciária e demais serviços relacionados com a atividade profissional, assim como o aprofundamento dos conhecimentos técnicos e apuramento da consciência deontológica mediante a frequência de ações de formação temática e participação no regime do acesso ao direito e à justiça no quadro legal vigente”. Sabemos pelo artigo 192º do EOA que “1 - Os patronos desempenham um papel fundamental ao longo de todo o período de estágio, sendo a sua função iniciar e preparar os estagiários para o exercício pleno da advocacia” e pelo nº 5 do mesmo preceito que “incumbe ao patrono acompanhar a preparação do estagiário”. No entanto, não encontramos, no âmbito da relação entre o patrono e o estagiário, nem no âmbito da relação destes para com a Ordem dos Advogados, nem na relação destes para os tribunais, a estatuição do modo como a orientação referida no nº 1 do artigo 196º do EOA é objectivamente comprovável ou deve ser demonstrada. É, pois, puramente especulativo considerar que a procuração havia de ressalvar a qualidade de patrona orientadora da advogada estagiária mandatada, ou que o requerimento executivo havia de ser assinado também pela própria representada, na qualidade de advogada patrona orientadora, ou que a própria advogada estagiária haveria de fazer qualquer menção à orientação recebida. Significa isto que para efeitos do asseguramento, pelo tribunal, da competência para patrocinar, ou seja, da regularidade e suficiência do patrocínio, a procuração forense outorgada no caso concreto era bastante, em face do artigo 58º nº 3 do CPC. No sentido da desnecessidade de demonstração da orientação referida no artigo 196º nº 1 do EOA, os pareceres acima citados pela recorrida, de 7.4.2015 (e referidos ao normativo antecedente ao actual artigo 196º) em cujas conclusões se lê: “I) é à Ordem dos Advogados (OA), nos termos do seu Estatuto, que compete definir a competência do Advogado Estagiário; II) nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 189.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), o Advogado Estagiário, uma vez obtida a cédula profissional, pode autonomamente, sempre sob orientação do patrono, praticar todos os actos profissionais da competência dos solicitadores; III) deste modo, nos termos do n.º 1 do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março, o Advogado Estagiário, tal como o solicitador, pode fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial; IV) a orientação do patrono, relativa ao Advogado Estagiário, e prevista no corpo do n.º 1 do citado art. 189.º do EOA, não tem de ser demonstrada, nem física, nem por via de qualquer assinatura ou certificação daquele, nomeadamente na prática, pelo Advogado Estagiário, dos actos previstos no n.º 1 do citado art. 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março; (…). Assim, improcede o recurso. Tendo nele decaído, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC. V. Decisão Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência confirmam a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 09 de Fevereiro de 2023 Eduardo Petersen Silva Nuno Lopes Ribeiro Gabriela Fátima Marques _______________________________________________________ [1] Curiosamente, e para aquilo que diremos a final, pode entender-se que o acompanhamento tem de ser demonstrado em juízo, designadamente pela subscrição conjunta das peças processuais (antecedida da outorga de mandato ao advogado e ao advogado estagiário). Neste sentido veja-se o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 12384/15, de 26 de novembro de 2015. |