Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
614/21.5T8MFR.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. Num contrato de mediação imobiliária, as partes podem acordar que só a empresa mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação e que a contraparte se obriga a não promover, publicitar ou angariar interessados para o mesmo negócio, sob pena de pagar a comissão acordada.
II. Uma estipulação com o descrito texto corresponde a uma cláusula de exclusividade absoluta, forte, qualificada ou reforçada, e é válida, quer por força do princípio geral de liberdade contratual, quer por força do regime particular da mediação imobiliária, que determina que as partes, quando acordem num regime de exclusividade, devem especificar os efeitos dele decorrentes, quer para a empresa quer para o cliente.
III. Nos termos de norma expressa do regime da atividade de mediação imobiliária, se no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à mediadora com a celebração do contrato-promessa, a remuneração é devida logo que celebrado o referido contrato-promessa.
IV. Tendo as partes clausulado no contrato de mediação que, por força do regime de exclusividade acordado, o cliente da mediadora não podia promover, publicitar ou angariar interessados para o contrato visado, sob pena de pagar a comissão acordada, e que a remuneração seria devida com a celebração do contrato-promessa, se, na vigência do contrato de mediação é celebrado contrato-promessa com interessado não angariado pela mediadora contratada no referido regime de exclusividade, tem a mediadora direito à remuneração acordada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
“A” - SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., autora neste processo em que é réu “B”, notificada da sentença absolutória, proferida em 29 de dezembro de 2022, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.
Para a compreensão do litígio, impõe-se um pequeno excurso pelos autos:
A autora intentou a presente ação declarativa de condenação contra o réu, alegando, em síntese, que: i. em 06/08/2018, as partes celebraram contrato de mediação imobiliária, com cláusula de exclusividade e pelo prazo de nove meses (com renovação automática, salvo denúncia por com antecedência mínima de dez dias), comprometendo-se a autora a procurar interessado na compra de imóvel que o réu desejava vender, pelo valor de € 268.000; ii. a comissão a pagar à autora seria de 5% do valor da venda, acrescido de IVA, sendo o seu pagamento devido com a celebração do contrato-promessa, caso o sinal fosse igual ou superior a 10%; iii. a autora realizou várias visitas ao imóvel, com potenciais interessados; iv. por carta de 17/04/2019, o réu comunicou à autora a sua oposição à renovação do contrato, que assim terminou em 06/05/2019; v. em 20/03/2019, o réu celebrou contrato-promessa de compra e venda com “C” e “D” e, em 28/05/2019, vendeu o imóvel aos mesmos por € 245.000; e, vi. em 10/03/2019, a autora verificou que o réu tinha contratado os serviços de outras mediadoras.
Terminou pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 12.250, acrescida do IVA à taxa vigente, bem como dos juros legais vencidos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Contestando, o réu admitiu a celebração e a denúncia do contrato de mediação nos termos alegados pela autora, a celebração do contrato-promessa de compra e venda  na vigência do contrato de mediação e a celebração do contrato definitivo após o termo do contrato de mediação, bem como que a autora realizou visitas ao local com potenciais interessados; no entanto, a única proposta efetuada por interessado angariado pela autora não se concretizou por não ter sido aprovado crédito bancário de que o proponente necessitava.
Pugnou pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.
Respondendo, a autora defendeu que, pelo facto de o réu ter celebrado contrato-promessa de compra e venda durante a vigência do contrato de mediação, o réu frustrou a possibilidade de mediação imobiliária da autora. Manteve, pois, o pedido formulado na petição inicial.
Findos os articulados, o tribunal a quo, entendendo estarem assentes por acordo todos os factos necessários e suficientes à boa decisão da causa, não sendo relevantes os factos controvertidos, proferiu sentença na qual julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.
A autora não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1 – O presente recurso versa sobre a nulidade da sentença pois o tribunal a quo precipitou-se ao proferir saneador-sentença pois descurou a necessária produção de prova relativa aos factos alegados pela A., ora apelante.
2 - Com efeito, a A. nos arts. 10.º s 13.º da petição inicial alegou expressamente que: “Com efeito, em 20 de Março de 2019, o R. celebrou um contrato promessa de compra e venda com “C” e “D”, tendo esta entregue um sinal de 24.500,00€, mediante a emissão do cheque n.º 9341481082, sacado sobre o banco “Millennium BCP”, conforme consta justamente referido na escritura de compra e venda efetuada que se junta como documento n.º 9 e se dá por inteiramente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.”; e “Isto pois em face à especificidade da mediação imobiliária em causa e até limitações de publicidade solicitadas pela R., foi ajustado entre A. e R. que apenas aquela poderia promover a venda do imóvel, incluindo a exclusão da própria R. o fazer.”
3 - Tal factualidade foi expressamente impugnada pelo R. e, como tal, é matéria controvertida que carecia de produção de prova em sede de audiência de discussão e julgamento.
4 - O tribunal recorrido devia ter conhecido sobre tal facto e não podia dá-lo como provado (porque impugnado) nem como não provado porque controvertido.
5 - Impunha-se, pois, a realização de julgamento.
6 - O conhecimento dos factos pelo tribunal e sua apreciação crítica dando-os como provados ou não provados são questões que o tribunal deve conhecer.
7 - A sentença é, pois, nula por violação do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P. Civil.
8 - Impõe-se, pois, a revogação do saneador-sentença proferida, o qual deve ser substituído por um outro que efetue o saneamento do processo, fixando o objeto do processo e temas da prova.
9 - Mais: a solução de direito preconizada não seria a mesma considerando ou não os factos supra elencados.
10 - Com efeito, a A. tem o direito a pedir a condenação do R. no pagamento da remuneração contratual devida pelo seu incumprimento contratual.
11 - E tal incumprimento resultou do R: - ter violado a exclusividade contratada com a A. ao colocar o imóvel em venda junto de outras empresas de mediação imobiliária; e - ter violado a exclusividade contratada com a A no sentido de apenas esta (e não o próprio R.) poder angariar interessados no negócio visado ao ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda durante o período de vigência do contrato de mediação imobiliária;
12 - A sentença posta em crise entende que tendo o contrato de mediação imobiliária cessado os seus efeitos em 7 de Maio de 2019 e tendo a escritura sido formalizada em 28 de Maio de 2019 não haveria lugar ao direito à indemnização peticionada.
13 - O tribunal de primeira instância olvidou as gravíssimas violações contratuais perpetradas pelo R. e que não se resiste em sublinhar:
14 - O R. violou a exclusividade contratada com a A. ao colocar o imóvel em venda junto de outras empresas de mediação imobiliária; e
15 - O R. violou a exclusividade contratada com a A. no sentido de apenas esta (e não o próprio R.) poder angariar interessados no negócio visado ao ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda durante o período de vigência do contrato de mediação imobiliária (20 de Março de 2019);
16 - Com efeito, o R. quis assumir as condutas acima indicadas e desta forma violou a exclusividade que conferira à A, ora apelante, a quem cabia a angariação de interessados na compra do imóvel de forma não concorrencial.
17 - Violou ainda a exclusividade dada à A., ora apelada, ao assumir a promessa de compra e venda do imóvel, em 20 de Março de 2019, o que constitui uma inequívoca violação contratual apenas a si imputável e que frustra a possibilidade da A., ora apelante, pode ter desenvolvido normalmente a sua atividade com o fito para o qual foi contratada e investira em publicidade e divulgação do imóvel em venda.
18 - Tal violação contratual é ilícita e culposa e deve ser sancionada com a indemnização peticionada e contratualmente prevista pelas partes ora em conflito.
19 - Deve, pois, a sentença recorrida ser substituída por uma outra que condene o A. conforme consta do petitório inicial em virtude do incumprimento contratual perpetrado pelo R.»
O réu contra-alegou, transcrevendo-se as conclusões mais relevantes:
«1ª - A douta decisão do Tribunal a quo não merece o menor reparo, é fundamentada e tecnicamente inatacável, discriminou os factos que considerou provados e indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes.
(…)
6ª – Pelo que é falso, que o Réu, ora Apelado, tenha expressamente impugnado a factualidade descrita no art. 10º da Petição Inicial - a existência de um contrato promessa celebrado pelo Réu, em 20 de março de 2019 com “C” e “D”.
7ª - Para prova de tal facto, a Apelante recorre ao título de compra e venda assinado pelo Apelado e terceiros em 28.05.2019 e junto aos autos sob nº 9.
8ª - Não há matéria controvertida, pois o Apelado não impugnou tal documento, nem tal facto em toda a sua Contestação.
9ª – Pelo que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, não sendo nula, uma vez que todas as questões essenciais foram conhecidas e apreciadas.
(…)
15ª – Ora, ficou provado que o Apelado denunciou o contrato nos termos estabelecidos na cláusula 8ª do contrato de mediação imobiliária, pela forma e no prazo aí estipulados, pelo que o Tribunal a quo julgou pela cessação do contrato de mediação imobiliária na data em que o período de vigência inicial se esgotou, a saber, a 07.05.2019, em momento anterior à alienação do imóvel mediado.
16ª - E em consequência, o Tribunal a quo decidiu e bem, que o contrato de mediação imobiliária já não vigorava aquando do contrato de compra e venda celebrado pelo ora Apelado em 28.05.2019.
(…)»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a seguinte grande questão:
A autora alegou factos relevantes para a apreciação e decisão da causa que não foram atendidos, por ter sido proferida sentença logo após os articulados sem que tivesse sido realizada audiência final para prova desses factos?
II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos:
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária.
2. A A., na qualidade de mediadora, e o R., na qualidade de segundo contratante, subscreveram o documento de fls. 13 verso e seguintes, no qual se encontra aposta a data de 06.08.2018 e no qual se lê, entre o que demais aí consta:
«Entre:
(…) é celebrado o presente contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas:
Cláusula 1.ª (…)
O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor (…) do prédio (…) destinado a habitação, … sito na …, Mafra, (…)
Cláusula 2.º (…)
1 - A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado… a) na compra, pelo preço de 268.000 € (duzentos e sessenta e oito euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis;
2 - Qualquer alteração a qualquer dos preços fixados no número anterior deverá ser comunicada por escrito à mediadora, …
(…)
Cláusula 4.ª (…)
1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 - O Segundo Contratante obriga-se a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida.
3 - Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência.
(…)
Cláusula 5.ª (…)
O Segundo Contratante obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração
a) A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, não sendo essa quantia inferior a 6.000,00 € (seis mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.
b) O pagamento da remuneração será efetuado aquando da celebração do contrato-promessa, se o sinal for igual ou superior a 10% e nos casos em que se aplica a comissão mínima sempre que o sinal for superior a 14.000 € (catorze mil euros) [A transcrição da al. b) da cláusula 5.ª não constava da sentença, mas, dada a relevância desta estipulação para a apreciação da causa, opta-se pela sua expressa consignação nesta sede].
(…)
Cláusula 7.ª (…)
Para garantia da responsabilidade emergente da sua atividade profissional, a Mediadora celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil no valor de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros), apólice n.º RC23764676, através da seguradora Fidelidade.
Cláusula 8.ª (…)
O presente contrato tem uma validade de 9 (nove) meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado pelas partes contratantes através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente, com antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo.
(…)»
3. Por carta datada de 17.04.2019, remetida pelo R. à A. e por esta recebida, aquele comunica:
«(…)
Venho pela presente comunicar que pretendo rescindir o Contrato de Mediação que tenho convosco, (…) com data e início em 06.08.2018 e com término a 06.05.2019.
(…)»
4. Por título de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgado a 28.05.2019, o aqui R. declarou vender, pelo preço de € 245.000 às pessoas melhor identificadas a fls. 17 verso e seguintes, que declaram comprar-lhe, o imóvel descrito em 2.
III. Apreciação do mérito do recurso
A resposta à grande questão colocada neste recurso passa pela colocação e decisão das seguintes:
1. Os factos desconsiderados são relevantes para a decisão da causa?
A decisão desta questão passa por perceber que factos estão em causa e que regime jurídico se aplica à relação contratual estabelecida entre as partes.
2. Na positiva – concluindo-se pela relevância desses factos –, é necessária audiência final para produção de prova sobre os mesmos?
3. Na negativa – não sendo necessária audiência por os factos desconsiderados estarem provados por acordo das partes –, a ação deve ser julgada procedente?
A recorrente configurou o fundamento do recurso como nulidade da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615 do CPC, nos termos da qual a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A terem sido alegados factos relevantes e carecidos de prova, como a recorrente alega, a mera omissão de audiência final poderia constituir nulidade processual por omissão de um ato que a lei prescreve e que pode influir no exame e na decisão da causa (v. art. 195 do CPC).
No entanto, a partir do momento em que, por despacho, se afirma que o estado do processo permite a apreciação e decisão sem audiência final, por a factualidade relevante se encontrar no essencial demonstrada, se se vier a apurar que tais premissas são falsas, estaremos fora do campo da nulidade e perante um erro de julgamento.
E se os factos desconsiderados em primeira instância, além de relevantes, se encontrarem já provados, conduzindo a uma decisão diferente da proferida, cabe a este tribunal substituir a decisão, sem mais.
Apreciemos, portanto, ponto por ponto.
1. Da relevância dos factos alegados e não atendidos
1.1. Dos factos que a recorrente deseja ver contemplados na fundamentação
O recurso assenta na seguinte premissa: nos artigos 10.º e 13.º da petição inicial, a autora alegou factos que não foram tidos em consideração na sentença e que, se o tivessem sido, conduziriam à procedência da ação.
Esses factos são:
- Em 20 de março de 2019, o réu celebrou um contrato-promessa de compra e venda com “C” e “D”, tendo estes entregado um sinal de € 24.500, mediante a emissão do cheque n.º 9341481082, sacado sobre o banco Millennium BCP, conforme consta justamente referido na escritura de compra e venda junta como documento n.º 9 (artigo 10.º da p.i.); e
- Em 10 de março de 2019, a autora verificou que o réu colocara o imóvel em venda junto de outras mediadoras imobiliárias, não obstante ter contratado os serviços da autora em regime de exclusividade (artigo 13.º da p.i.).
1.2. Da relação contratual e seu regime jurídico
Assente está que as partes celebraram entre si, por escrito, um contrato que intitularam de mediação imobiliária.
Analisado o clausulado do documento, dele constam os elementos essenciais e outros acidentais consentâneos com a qualificação efetuada pelas partes. Com efeito, a autora comprometeu-se a diligenciar no sentido de encontrar um interessado na compra de um imóvel que o réu queria vender e este comprometeu-se a pagar-lhe uma comissão correspondente a 5% do preço (com um mínimo de € 6.000), acrescida de IVA, aquando da celebração do contrato-promessa se o sinal fosse igual ou superior a 10%; acordaram que o contrato teria um período de vigência de nove meses, automaticamente renovável por idêntico período, na falta de oposição a essa renovação; e que a autora beneficiaria de exclusividade, só a autora tendo o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência (cl. 4.ª, n.º 3) e obrigando-se o réu a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de ter de pagar a comissão devida (cl. 4.ª, n.º 2).
Encontram-se nestas linhas prestações principais próprias de um contrato de mediação imobiliária: um compromisso de exercício da atividade de mediação com vista à angariação de um interessado na aquisição de um imóvel, um compromisso de pagamento de uma comissão se viesse a ser celebrado contrato (in casu e em dadas circunstâncias, bastando contrato-promessa), na sequência dessa angariação.
 O contrato em causa encontra disciplina específica na Lei 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 102/2017, de 23 de agosto (de ora em diante Lei 15/2013 ou RJAMI).
As prestações acordadas encontram correspondência: na atividade de mediação imobiliária definida no art. 2.º, n.º 1, conjugado com o art. 3.º, n.º 1, ambos da Lei 15/2013; na onerosidade própria deste contrato e estabelecida no art. 16, n.º 2, al. c), e n.º 7, da mesma Lei; na dependência da remuneração relativamente à celebração do contrato visado pelo exercício da mediação (ou de contrato-promessa daquele, conforme estipulado no contrato de mediação imobiliária e previsto no art. 19, n.º 1, do RJAMI).
O contrato dos autos foi celebrado por escrito e com respeito pelos demais elementos exigidos no art. 16 do RJAMI (o que, e bem, não é posto em causa pelas partes).
1.3. Cont.: A cláusula de exclusividade contratada, interpretação e regime
O contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes contemplou uma cláusula de exclusividade com o seguinte texto, contido nos n.ºs 1 a 3 da cláusula 4.ª, acima transcrito no facto 2:
«1 - O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de Exclusividade.
2 - O Segundo Contratante obriga-se a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida.
3 - Nos termos da legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência.» (ênfases acrescentadas).
O RJAMI prevê o contrato de mediação com cláusula de exclusividade em duas normas:
a) O acordo de exclusividade tem de constar obrigatoriamente do contrato, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa, quer para o cliente (art. 16, n.º 2, al. g)); e,
b) No contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade com o proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel, a remuneração da empresa é devida independentemente da conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação, se este não se concretizar por causa imputável ao cliente (art. 19, n.º 2).
De dizer, num parenteses, que a norma por último referida (art. 19, n.º 2) não tem aplicação na situação sub judice uma vez que não se verifica a situação-tipo nela prevista: não concretização do contrato visado por causa imputável ao cliente. O que não significa, adiante-se também, que, no caso em apreço, a mediadora não tenha direito a ser ressarcida; tem-no, por força de outras normas, como adiante veremos.
Fechado o parenteses, foquemo-nos na norma constante da al. g) do n.º 2 do art. 16, e que dispõe sobre dois aspetos diferentes do contrato de mediação em regime de exclusividade: por um lado, a sua formação, necessariamente sujeita à forma escrita; por outro, os seus efeitos concretos, cuja especificação se deixa na disponibilidade das partes, mas que têm de constar obrigatoriamente do texto contratual.
No anterior regime da atividade de mediação imobiliária (o DL 211/2004, de 20 de agosto, alterado pelo DL 69/2011, de 15 de junho, e revogado pelo atual RJAMI), aqueles dois aspetos constavam de disposições separadas (art. 19, n.ºs 4 e 5, do DL 211/2004) e explicitava-se o efeito do regime de exclusividade, determinando-se que, com a sua instituição, só a mediadora tinha o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência (art. 19, n.º 4, do DL 211/2004). A interpretação desta norma suscitou dúvidas sobre a abrangência da cláusula: permitia afastar apenas a concorrência de outras mediadoras ou inibia também o cliente de celebrar o contrato visado com interessado por si diretamente encontrado?
O atual RJAMI (Lei 15/2013) absteve-se de estabelecer os efeitos da cláusula de exclusividade, fazendo recair sobre as partes o ónus de os explicitarem, sob pena de nulidade do contrato (al. g) do n.º 2 do art. 16).
O modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais, aprovado pela Portaria 228/2018, de 13 de agosto, que será, tendencialmente, o mais utilizado pelas empresas de mediação, estabelece que o «regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência» (cláusula 14.ª, n.º 2). Ou seja, de acordo com este modelo contratual, o efeito do regime de exclusividade é exatamente o mesmo que estava previsto no art. 19, n.ºs 4 e 5, do revogado DL 211/2004 e que tinha suscitado as referidas divergências.
É sobre o texto – da anterior lei ou de cláusula contratual a ele idêntica – que encontramos jurisprudência em dois sentidos. Uma parte, afirmando que a dita cláusula (diferente da do caso sub judice) impede a contratação de outras mediadoras e também a promoção direta do cliente, mas não impede o cliente de aceitar propostas que espontaneamente lhe sejam feitas por terceiros (Acórdãos do TRG de 20/04/2010, proc. 7180/08.5TBBRG.G1, e do TRC de 18/02/2014, proc. 704/12.5T2OBR.C1). Outra parte, crê-se que presentemente maioritária, afirmando que a mesma cláusula impede a contratação de outras mediadoras, mas não impede o próprio cliente de procurar interessados no negócio pretendido; neste sentido, os Acórdãos do TRG de 04/06/2013, proc. 1264/12.2TBBCL.G1, do TRP de 01/07/2014, proc. 19005/12.2YIPRT.P1, do TRG de 22/10/2015, CJ 2015, IV, 296, do TRL de 24/09/2020, proc. 5061/19.6T8LRS.L1-2, e também do TRL de 06/01/2022, proc. 237/19.9T8MFR.L1-6.
Também a relatora deste acórdão já teve oportunidade de se pronunciar sobre a interpretação daquele texto (texto do anterior regime estabelecido no DL 211/2004 e da cláusula do modelo anexo à Portaria 228/2018, texto que, insiste-se, não corresponde ao do contrato celebrado entre as partes nestes autos e ora em apreço), restringindo a operacionalidade da cláusula ao afastamento da concorrência, não podendo ver-se como tal a iniciativa do próprio cliente (fê-lo, v.g., no Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária anotado, 2.ª ed., 2020, p. 96; e, em «Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade», Revista de Direito Comercial, 2020-07-05, p.1430).
No caso dos autos, porém, as partes não adotaram apenas o texto que correspondia ao conteúdo da exclusividade no regime anterior, as partes especificaram o significado da exclusividade, afirmando ipsis verbis que o segundo contratante, réu nesta ação e ora recorrido, se obrigava a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida (cláusula 4.ª, n.º 2, do contrato de mediação). Ou seja, as partes especificaram claramente os efeitos que pretendiam atribuir ao regime de exclusividade, como a lei lhes impõe e fazendo uso da liberdade de estipulação geral.  
A doutrina alemã tem dedicado algumas páginas ao regime de exclusividade em contratos de mediação e às suas gradações. As normas reguladoras do contrato de mediação no BGB não preveem a exclusividade do mediador, mas a utilização frequente na prática social de um modelo contratual parecido ao contrato de mediação legalmente previsto, com a diferença de nele ser acordada uma cláusula de exclusividade, conduziu ao seu reconhecimento, e à atribuição ao mesmo de uma designação autónoma: Alleinauftrag. A jurisprudência e a doutrina maioritária têm ali entendido que a cláusula de exclusividade apenas proíbe o cliente de recorrer a outros mediadores, não o inibindo de contratar com interessado por si diretamente encontrado, sem prejuízo de estipulação expressa no sentido desta proibição alargada (sobre o tema, Jörn Eggert, Die Maklerprovision bei Hauptvertragsstörungen und Pflichtverletzungen, Baden-Baden: Nomos, 2006, pp. 30-2 e Schwerdtner/Hamm, Maklerrecht, 5.ª ed., Munique: Beck, 2008, pp. 252-5, embora os últimos ponham em questão a doutrina que reconhecem dominante, argumentando que o dever de prestar do mediador exclusivo torna-se impossível, ou pelo menos desprovido de objeto, com a atuação direta do cliente, e que essa impossibilidade imputável ao cliente não deve ficar impune).
No ordenamento suíço, as cláusulas de exclusividade fortes, que garantem a remuneração independentemente do contributo do mediador para o contrato visado, são conhecidas e admitidas: «Quando o mediador é contratado em regime de exclusividade, a concorrência de outros mediadores fica excluída. Também pode ser prometido que o cliente do mediador não concluirá o contrato principal sem a sua colaboração. Muitas vezes, essas cláusulas não visam realmente proibir o cliente de concluir por si ou com a colaboração de outros mediadores; em vez disso, elas visam garantir o direito à remuneração independentemente do nexo de causalidade» (Joseph Hofstetter, «Le contrat de courtage», in Traité de droit privé suisse, VII, t. II, 1. Fribourg: Ed. Universitaires, 1994, pp. 155-71 (168), tradução nossa). Também no mesmo sentido, Christian Marquis, Pierre Tercier e Pascal G. Favre, Luc Thenenoz e Aude Peyrot, Pierre Turrettini, todos citados em Higina Orvalho Castelo, O contrato de mediação, Coimbra: Almedina, 2014, nota 272, pp. 130-131. Ainda, o Acórdão do Tribunal Federal n.º 4C.228/2005, de 25/10/2005, disponível em http://vlex.com/source/tribunal-federal-2392 – «une clause d'exclusivité, par laquelle le mandant s'interdit de recourir aux services d'un autre intermédiaire, est en soi parfaitement valable (…), même si elle peut impliquer une renonciation à l'exigence du lien de causalité (…) - le courtier ayant droit à son salaire bien que son activité d'indicateur ou de négociateur soit sans rapport avec la conclusion de l'affaire par le mandant (…)».
Também em Inglaterra, a exclusividade é tida como uma forma de garantir a remuneração, dispensando, portanto, o nexo causal entre a atividade do mediador e o contrato final efetivamente celebrado (G. H. L. Fridman, The law of agency, 2.ª ed., Londres: Butterworths, 1966, p. 300).
Entre nós, e considerando o princípio basilar de liberdade contratual, expressamente positivado no art. 405 do Código Civil, acompanha-se neste particular a frase Maria de Fátima Ribeiro: «saber se se está perante uma cláusula de exclusividade simples ou uma cláusula de exclusividade reforçada vai depender da interpretação do mesmo [contrato de mediação], considerando-se todas as circunstâncias conhecidas por ambas as partes, embora seja de considerar que, na dúvida, a exclusividade é simples» («O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração», Scientia Iuridica, 62:331 (jan.-ab. 2013) 77-106 (104), ênfase acrescentada).
O contrato dos autos, como vimos, é expresso e claro no sentido de apenas a mediadora ter o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência; e de o segundo contratante, ora recorrido, se obrigar a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida. Trata-se, portanto, de uma cláusula de exclusividade absoluta, forte, qualificada ou reforçada.
1.4. Cont.: A cláusula de remuneração com a celebração de contrato-promessa
Nos termos do disposto no art. 19, n.º 1, do RJAMI, a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
No contrato de mediação celebrado entre as partes, estas acordaram que o pagamento da remuneração seria efetuado aquando da celebração do contrato-promessa, se o sinal fosse igual ou superior a 10% do preço pelo qual o negócio fosse concretizado. No caso, o preço do imóvel no contrato de compra e venda foi de € 245.000 e o sinal de € 24.500, pelo que a comissão seria devida com a celebração do contrato-promessa.
A estipulação da antecipação da remuneração ou de parte dela para o momento da celebração do contrato-promessa é frequente na prática da mediação imobiliária; exemplificativamente, referem-se as situações dos Acórdãos do TRE de 17/03/2005, proc. 873/04-2, e do TRP de 15/02/2012, proc. 1988/09.1TBPFR.P1. Já assim era antes de a lei a prever; a título de exemplo, o caso julgado pelo Acórdão do TRE de 24/03/1994, proc. 446, CJ 1994, II, pp. 260-2, numa altura em que a lei era omissa sobre a matéria.
Os modelos contratuais usados pelos mediadores contêm habitualmente uma cláusula que prevê que a remuneração, ou parte dela, seja paga com o contrato-promessa (o que não quer dizer que sejam, todos ou na sua maioria, assinados com essa cláusula). O modelo de contrato de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais, anexo à Portaria 228/2018, de 13 de agosto, prevê, na cláusula 5.ª, n.º 3, essas possibilidades, devendo as partes selecionar entre: o total da remuneração aquando da celebração da escritura ou conclusão do negócio visado; ou x % após a celebração do contrato-promessa e o remanescente na celebração da escritura ou conclusão do negócio; ou, ainda, o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.
A antecipação (total ou parcial) do pagamento da remuneração para o momento do contrato-promessa não contende com a estrutura típica do contrato de mediação, no qual a remuneração do mediador se torna devida com a ocorrência de um evento externo à sua prestação (esse evento tanto pode ser o contrato definitivo, como o contrato-promessa). Ao estabelecer que a remuneração da empresa é devida (total ou parcialmente) com a conclusão e perfeição do contrato-promessa caso no contrato de mediação esteja prevista uma remuneração nessa fase, a lei resolveu a questão de saber se, tendo sido acordado que a remuneração é devida com a celebração do contrato-promessa, o mediador tem direito à remuneração nessa altura. Em tais circunstâncias, o direito à remuneração é adquirido pela mediadora (total ou parcialmente, conforme estipulado em sede de contrato de mediação) com a celebração do contrato-promessa, sendo indiferente o cumprimento deste.
1.5. Cont.: Incumprimento da cláusula de exclusividade e suas consequências
Aqui chegados, afigura-se claro que, a considerar-se provado o facto articulado no art. 10.º da p.i. – que durante a vigência do contrato de mediação o réu celebrou contrato-promessa de venda do imóvel recebendo sinal de 10% do preço acordado – a autora tem direito à comissão por força da cláusula de exclusividade reforçada pela qual as partes acordaram expressamente que o réu não promoveria, publicitaria ou angariaria interessados na aquisição do negócio objeto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida.
Ou seja, as partes não apenas estipularam uma cláusula de exclusividade absoluta – impeditiva quer do recurso a outras mediadoras (conteúdo mínimo de uma cláusula de exclusividade), quer da angariação de interessado pelo proprietário do imóvel a vender –, como ainda estabeleceram expressamente a consequência do incumprimento pelo réu do regime de exclusividade: o pagamento da comissão.
A latere, acrescente-se que, o mais das vezes, as partes acordam a exclusividade da mediadora sem, no entanto, explicitarem as consequências do incumprimento da cláusula por parte do cliente da mediadora. Essa situação tem levantado dúvidas sobre o regime aplicável a esse incumprimento, uma vez que o RJAMI não tem norma para ele. A situação não se confunde com a que corresponde à aplicação do art. 19, n.º 2: neste prevê-se que o cliente não celebre o contrato desejado apesar de a mediadora lhe apresentar um interessado; na situação de incumprimento, o cliente da mediadora celebra o contrato visado, mas com um interessado que não foi angariado pela mediadora exclusiva (foi angariado por uma mediadora concorrente ou foi diretamente encontrado pelo cliente, no caso de exclusividade absoluta). Para tal incumprimento, quando as partes não o disciplinam, pode encontrar-se regulação na regra do art. 795, n.º 2, do CC, destinada aos contratos bilaterais, ou no art. 16, n.º 2, conjugado com o n.º 1, do Regime do Contrato de Agência – DL 178/86, de 3 de julho, alterado pelo DL 118/93, de 13 de abril. De acordo com o regime do contrato de agência, o agente tem direito à comissão por atos concluídos durante a vigência do contrato (mesmo que não os tenha promovido nem tenham sido celebrados por clientes por si angariados), se gozar de um direito de exclusividade para uma zona geográfica ou para um círculo de clientes e se os mesmos atos tiverem sido concluídos com um cliente pertencente a essa zona ou círculo de clientes. A situação regulada é análoga à da mediadora exclusiva, quando o cliente, durante a vigência do contrato de mediação, celebra o contrato visado com um interessado que não foi angariado pela mediadora exclusiva.
No caso sub judice, não necessitamos de recorrer a normas mais gerais ou reguladoras de situações análogas, pois as partes previram e resolveram a situação no clausulado do contrato, devendo cumpri-lo nos seus precisos termos («ponto por ponto», na expressão do Código Civil, ao consagrar princípio fundamental pacta sunt servanda, no artigo 406, n.º 1).
1.6. Conclusão sobre a relevância dos aludidos factos para a decisão da causa
Do supra exposto resulta que o facto não listado na sentença, mas alegado no artigo 10.º da petição – celebração do contrato-promessa de que as partes fizeram depender o pagamento da comissão –, é relevante para a apreciação e decisão da causa. Dele resulta indubitável que o réu angariou interessado (por si ou por mediadora terceira), incumprindo a cláusula de exclusividade acordada; e que foi celebrado durante a vigência do contrato de mediação o contrato-promessa do qual as partes fizeram depender o pagamento da comissão.
Já o facto do art. 13.º da p.i. (recurso a outras mediadoras), por si só (sem a efetiva celebração do contrato de que dependia o pagamento da comissão) seria irrelevante.
2. Da necessidade de audiência final para prova desses factos
Relembremos os factos em causa no recurso:
Artigo 10.º da p.i.: Em 20 de março de 2019, o réu celebrou um contrato-promessa de compra e venda com “C” e “D”, tendo estes entregado um sinal de € 24.500, mediante a emissão do cheque n.º 9341481082, sacado sobre o banco Millennium BCP, conforme consta justamente referido na escritura de compra e venda junta como documento n.º 9; e
Artigo 13.º da p.i.: Em 10 de março de 2019, a autora verificou que o réu colocara o imóvel em venda junto de outras mediadoras imobiliárias, não obstante ter contratado os serviços da autora em regime de exclusividade.
O primeiro está provado por confissão no art. 9.º da contestação (reiterada nos arts. 10.º a 12.º das contra-alegações de recurso) e pelo documento particular autenticado que titula o contrato de compra e venda celebrado em 28/05/2019, no qual se alude ao sinal pago em 20/03/2019, seu valor e meio de pagamento.
O segundo (recurso a outras mediadoras) não está exatamente confessado. Porém, considerando a cláusula reforçada de exclusividade constante do contrato de mediação e a prova da celebração do contrato-promessa na vigência do mesmo contrato de mediação, o segundo facto não é necessário para que a ação e o recurso procedam.
Não existe, portanto, necessidade de audiência final.
De dizer, a latere, que o réu alegou alguns factos que, numa leitura apressada, poderiam ser considerados matéria de exceção. Referimo-nos a alegações de inércia da mediadora a partir de dado momento (arts. 5.º e 9.º, 1.ª parte, da contestação) e de atos negligentes e danosos da propriedade do réu (art. 7.º da contestação). Sucede que o réu não resolveu o contrato de mediação com invocação de justa causa, tendo apenas declarado a sua oposição à renovação no termo do prazo.
Ainda que assim não fosse, para se poder valer daqueles factos, teria o réu de ter ampliado o âmbito do recurso (art. 636 do CPC), o que não fez.
Por tudo o acima exposto, impõe-se revogar a sentença e julgar a ação procedente.
Sumariando, nos termos do art. 663, n.º 7, do CPC:
1. Num contrato de mediação imobiliária, as partes podem acordar que só a empresa mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação e que a contraparte se obriga a não promover, publicitar ou angariar interessados para o mesmo negócio, sob pena de pagar a comissão acordada.
2. Uma estipulação com o descrito texto corresponde a uma cláusula de exclusividade absoluta, forte, qualificada ou reforçada, e é válida, quer por força do princípio geral de liberdade contratual, quer por força do regime particular da mediação imobiliária, que determina que as partes, quando acordem num regime de exclusividade, devem especificar os efeitos dele decorrentes, quer para a empresa quer para o cliente.
3. Nos termos de norma expressa do regime da atividade de mediação imobiliária, se no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à mediadora com a celebração do contrato-promessa, a remuneração é devida logo que celebrado o referido contrato-promessa.
4. Tendo as partes clausulado no contrato de mediação que, por força do regime de exclusividade acordado, o cliente da mediadora não podia promover, publicitar ou angariar interessados para o contrato visado, sob pena de pagar a comissão acordada, e que a remuneração seria devida com a celebração do contrato-promessa, se, na vigência do contrato de mediação é celebrado contrato-promessa com interessado não angariado pela mediadora contratada no referido regime de exclusividade, tem a mediadora direito à remuneração acordada.
 
IV. Decisão
Face ao exposto, os juízes desta Relação dão provimento ao recurso, revogam a sentença recorrida, e julgam a ação procedente, condenando o recorrido a pagar à recorrente a quantia de € 12.250, acrescida do IVA à taxa legal vigente, bem como dos juros legais vencidos desde a data da citação e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 20/04/2023
Higina Castelo
Laurinda Gemas
Arlindo Crua