Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
I.–RELATÓRIO:
Nómada Original, Lda. veio interpor recurso judicial do despacho do Director do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), datado de 11/08/2021, que concedeu o registo da marca nacional nº
649215
solicitado por Sebastián Sas, peticionando a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por despacho de recusa do registo da enunciada marca.
Alega, em síntese, que é titular de marca prioritária, a marca nacional nº 592734
e que existe afinidade entre os
produtos e serviços assinalados pelo sinal registando e os produtos e serviços assinalados pela marca prioritária; que se verificam fortes semelhanças, designadamente fonéticas, entre os sinais em confronto, que aliadas à afinidade de produtos e serviços, potenciam o risco de confusão ou associação, concluindo pela verificação de imitação da marca da recorrente.
*
Cumprido o artigo 42º do CPI, o INPI remeteu cópia do processo administrativo.
Regularmente citado, o requerido respondeu pugnando pela improcedência do recurso por ausência de imitação/risco de confusão ou associação entre a marca registanda e a marca titulada pela recorrente.
*
Foi proferida sentença pelo Tribunal da Propriedade Intelectual, que decretou o seguinte:
«Nos termos expostos, concede-se provimento ao recurso interposto por Nómada Original, Lda. e, em consequência, revoga-se a decisão do INPI de 11.08.2021, publicada no BPI de 17.08.2021, que concedeu o registo da marca nº 649215

Custas pela recorrida (artigo 527.º n.º 1 do CPC).
Valor da causa: € 30.000.01.
Registe e notifique.
Após trânsito da sentença, cumpra-se o estabelecido no n.º 5 do artigo 34.º do CPI (artigo 46.º do mesmo código
*
Inconformado com tal decisão, veio Sebastian Sás dela interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
A.–Encontra-se evidenciado pelas alegações do Recorrido (artigo 9.º da Resposta do Recorrido ao recurso judicial da Recorrente), pelo CAE a que se encontra associada a Recorrente, pelas sua próprias alegações no recurso judicial por si apresentado, pelo seu sítio da internet, bem como pelo seu objecto social (que não inclui a hotelaria) juntos à Resposta do Recorrido ao recurso judicial da Recorrente como Doc. 3, 4 e 6 e ainda, que a sua marca registada não se encontra associada à prestação de serviços hoteleiros, mas tão só à prestação de serviços de restauração, que incluiu uma prestação temporária e ocasional de refeições no restaurante do hotel Sheraton, onde nem sequer foi usada a marca “Nó.Ma.Da”, mas tão só a designação “Panorama”;
B.–Por se afigurar essencial à boa decisão da causa e à procedência do presente recurso (na medida em que os titulares dos registos de marcas têm o dever de as utilizar para os serviços protegidos pelas mesmas, não servindo os direitos industriais “para jogos especulativos”), a factualidade alegada pelo Recorrente no artigo 9.º do recurso judicial deveria ter sido julgada como assente, por provada, razão pela qual deverá ser aditado o seguinte facto à matéria de facto dada como assente: “g) A Recorrida não utiliza a marca “NÓ.MA.DA” para a prestação de serviços hoteleiros, mas única e exclusivamente para serviços de restauração”;
C.–Se a Recorrente não utiliza a sua marca registada para a prestação de serviços hoteleiros é abusiva a recusa do registo da marca do Recorrido referente a esses serviços, pelo que, caso V. Exas. não decidam pelo provimento total do presente recurso, impõe-se a manutenção da concessão do registo da marca do Recorrido referente a serviços hoteleiros;
D.–A avaliação da semelhança existente entre a marca registada e a marca registanda deverá resultar do seu conjunto e não apenas dos seus elementos separadamente considerados, sendo essa imagem de conjunto que normalmente fica retida na memória do consumidor abstracto;
E.–Ao ter procedido a uma análise isolada dos sinais nominativos e figurativos das marcas em apreço, não andou bem a douta sentença aqui em crise, na medida em que, da análise conjunta dos mesmos, resulta por demais evidente a perfeita diferenciação dos sinais figurativos, tipo de letra e exposição de palavras de dispostas de forma totalmente distinta;
F.–Também do ponto de vista da percepção visual imediata para o consumidor abstractamente considerado, as marcas em apreço divergem manifestamente, porquanto no que respeita à marca nacional denominada “NÓMADA” esta possuí uma orientação vertical, quando, por sua vez, a marca nacional “NÔMADE DOURO VALLEY” possuí uma orientação predominantemente horizontal.
G.–Os sinais distintivos pronunciam-se de forma evidentemente diferente, atento o acento circunflexo aposto na vogal “O”, que confere à marca do Recorrido uma entoação fonética, completamente diferenciada da que resulta da marca nacional n.º 592734, cuja vogal “O” é caracterizada e lida com acento agudo, de timbre aberto;
H.–O termo “identidade” implica uma paridade absoluta, razão pela qual não se pode arguir, como fez o douto Tribunal a quo, a existência de uma “quase identidade”, pois, em bom rigor, tal argumento falece em si mesmo;
I.–No plano fonético, as marcas em confronto não diferem apenas na última letra, mas também na maneira como são pronunciadas e captadas pelo consumidor abstracto, em face da sua acentuação e pelo facto de, no que toca à marca nacional n.º 592734, a palavra “NÓMADA” se encontrar separada por pontos – “NÓ.MA.DA” – o que faz com que as sílabas se leiam de maneira totalmente diferente, como se de três palavras autónomas e diferentes se tratasse, afastando assim qualquer risco de confusão;
J.–O vocábulo “DOURO VALLEY”, incluído na marca do Recorrido, acrescenta mais um elemento distintivo, que não pode deixar de ser considerado como tal, quando avaliados os sinais figurativos e nominativos no seu conjunto e não de forma isolada, sinais estes que, do ponto de vista visual, são suficientemente fortes para permitir uma perfeita distinção entre as marcas em apreço;
K.–A diferença entre os sinais distintivos, verifica-se inclusivamente na respectiva parte inicial: “NÔmade” vs “NÓ.ma.da”, visto que a entoação caracterizada pelo acento circunflexo, é totalmente dissemelhante da que é caracterizada por um acento agudo, precisamente porque a primeira marca lê-se “Nôumaide”, ao passo que a segunda marca se lê “Nómada”, razão pela qual não andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu;
L.–Assim sendo, resulta evidente que não se encontra preenchido o requisito cumulativo previsto na alínea c) do artigo 238.º do Código de Propriedade Industrial, para que se possa considerar existir imitação ou usurpação de marca anteriormente registada, visto que, em conformidade com o supra exposto, os respectivos elementos figurativos e fonéticos, analisados no seu conjunto, não apresentam suficientes semelhanças para que o consumidor abstracto seja induzido em erro ou confusão;
M.–A marca do Recorrido não se encontrará associada à prestação de serviços de restauração e a marca nacional n.º 592734, do tipo misto, denominada “NÓ.MA.DA”, não se encontra associada à prestação de serviços hoteleiros;
N.–Não é verdade que os serviços de hotelaria e de restauração sejam afins, porquanto, os serviços hoteleiros são habitualmente fornecidos por profissionais especializados na respectiva área e têm natureza, finalidade e utilizadores finais diferentes dos “serviços de restauração”, pelo que resulta evidente que os serviços em apreço não satisfazem as mesmas necessidades, não se podendo considerar concorrenciais nem tampouco complementares entre si;
O.–Prestar um serviço de restauração não é o mesmo que prestar um serviço de alojamento, tratando-se, de facto, de serviços com natureza, finalidade e utilizadores finais distintos, não só porque um restaurante não é um hotel, mas também porque os serviços de restauração prestados por um hotel não o são a título principal, mas apenas a título complementar e acessório, sendo muitas das vezes prestados por uma entidade diferente da própria entidade hoteleira;
P.–O consumidor abstractamente considerado, quando procura um serviço de restauração, não o faz movido pelas mesmas necessidades que estão na génese da procura de um serviço de alojamento;
Q.–É leviano considerar que existe afinidade entre os serviços de hotelaria e de restauração pelo simples facto de se servirem refeições nos hotéis, precisamente porque também são servidas refeições em estabelecimentos de ensino, hospitais e ginásios, sem que se invoque a afinidade entre os serviços de restauração e os serviços aí prestados;
R.–Os serviços de restauração prestados por um hotel não o são a título principal, mas apenas a título complementar e acessório, sendo muitas das vezes prestados por uma entidade diferente da própria entidade hoteleira;
S.–A alimentação constitui uma necessidade básica e, por essa razão, consiste num serviço prestado de forma acessória com tantos outros serviços prestados a título principal, o que significaria que nenhuma outra marca “Nomada” associada, por exemplo, à prestação de serviços de ensino e de saúde pudesse ser registada exclusivamente para esses mesmos serviços, circunstância que consubstanciaria uma limitação excessiva e sem qualquer suporte legal;
T.–Com efeito, inexiste qualquer CAE 43 associado a serviços hoteleiros, mas apenas a serviços de construção civil, sendo certo que o próprio objecto social da Recorrente não contempla actividades hoteleiras, mas apenas a actividade de “Restauração e Bar”, encontrando-se assim vedado aos respectivos órgãos sociais o exercício de quaisquer actividades hoteleiras, nos termos do disposto no número 4 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais;
U.–De facto, na própria parceria temporária que realizou com o Hotel Sheraton, os serviços prestados pela Recorrente eram restauração e não de hotelaria, usando para o efeito a designação “Panorama” e não “Nó.ma.da”, pelo que inexiste qualquer risco de confusão entre as marcas em apreço para o consumidor abstractamente considerado;
V.–Assim, é também cristalino que se encontra afastado o requisito previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 238.º do Código de Propriedade Industrial, não se podendo concluir que esteja verificado o conceito de imitação ou de usurpação de marca anteriormente registada;
W.–O douto Tribunal a quo, salvo o devido e merecido respeito, aplicou erradamente as normas constantes das alíneas b) e c) do artigo 238.º do Código de Propriedade Industrial, tendo considerado sem fundamento plausível, a existência de imitação de marca anteriormente registada, o que, na opinião do Recorrido, não sucede in casu.
X.–O recurso de apelação apresentado pelo Recorrido com referência à marca nacional n.º 649214, denominada “NÔMADE PORTUGAL”, foi julgado totalmente procedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa e, em consequência, foi concedido registo a favor do Recorrente da referida marca nacional, associada a serviços hoteleiros da classe n.º 43 da Classificação Internacional de Nice, pelo que, por maioria de razão, também o registo da marca nacional n.º 649215, denominada “NÔMADE DOURO VALLEY” deverá ser concedido.
Conclui pedindo que o recurso seja julgado totalmente procedente.
*
A recorrida Nómada Original, Lda. contra-alegou, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
A.–Não corresponde à verdade o que alega o recorrente, no seu ponto 9 da sua alegação de recurso. Na verdade, a recorrida alegou e provou que está igualmente a par da restauração, no mercado hoteleiro, nomeadamente com parceira com o hotel SHERATON, em Lisboa; aliás, o recorrente não impugnou essa alegação nem os documentos (DOC.5 junto no Requerimento Inicial), que a mesma apresentou para sustentar esse facto, razão pela qual, admitiu o mesmo; Não devem assim proceder as conclusões referidas as letras A, B e C.
B.–O recorrente na sua alegação (letra A) diz o contrário que defende na sua alegação.
Pelo contrário, o Tribunal a quo, fez uma avaliação global entre os sinais em confronto.
C.–A conclusão ínsita na letra F. está em contradição com a conclusão da alínea E.
D.–Ainda assim, a orientação (vertical e/ou horizontal), não é suficiente para aferir da falta de semelhança entre sinais.
E.–Aliás, na restauração / hotelaria, são os elementos fonéticos que mais são utilizados para distinguir marcas.
F.–
G.–A marca registanda é confundível com a marca registada a favor da recorrida, nos termos e para os efeitos das alíneas a), b) e c) do n. º1 do artigo 238.º do CPI.
H.–É conclusão referida na letra T é com o devido respeito descabida, pois bem sabe que a recorrida apenas alega ser a seu favor um registo de marca nacional da classe 43 de NICE e não CAE 43, pelo que o desiderato é inócuo.
I.–Precisamente porque a recorrida desenvolve a sua actividade também no setor da hotelaria, através de parcerias, não deve ser permitido ao recorrente registar a marca que pretende, também para serviços hoteleiros, até porque entre restauração e hotelaria há ainda afinidade de serviços (na vertente de fornecimento de comida e bebidas).
J.–Andou bem o Tribunal a quo e o INPI, nas decisões que proferiram nestes e em todos os outros autos, sintomáticos da harmonia do sistema e da interpretação da lei, que administração e Tribunais fazem.
Concluindo que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado e em consequência, ser mantida a douta sentença a quo, com as legais consequências.
*
II.– QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º/4 e 639º/1 do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir:
- Se deve ser aditado à matéria de facto provada o facto alegado no art. 9º do recurso judicial;
- Se existe fundamento para a recusa do registo da marca registanda, por imitação da marca prioritária, nomeadamente por existir afinidade entre os serviços assinalados pelas marcas em confronto e risco de confusão ou associação com o sinal obstativo.
*
III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
1.–A recorrente é titular do registo da marca nº 592734
, solicitado em 4.12.2017 e concedido em 24.10.2018 para assinalar designadamente‘serviços de reservas de alojamento [time-sharing]; serviços para reserva de restaurantes e refeições;serviços de restaurante em hotéis,serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante fornecidos por hotéis’na classe 43 da Classificação de Nice.
2.–Em 10.09.2020, a recorrente apresentou o pedido de registo da marca n.º 649215
, destinada a assinalar ‘Serviços hoteleiros; serviços de alojamento em hotéis; serviços de fornecimento de alojamento temporário em hotéis e hostels porcontrato; serviços de reservas a aluguer de alojamento temporário; serviços de reservas em restaurantes; alojamento temporário; serviços decatering (alimentação); serviços de preparação de alimentos ou bebidas para consumo; serviços de restaurantes, cafés, casas dechá, bares’na classe 43 da Classificação de Nice, nos termos constantes do doc. junto a fls. 79-80 dos autos, que se dá por reproduzido.
3.–Por decisão de 14.04.2021, o INPI recusou provisoriamente o peticionado registo, com fundamento em imitação da mencionada marca nº 592734
da recorrente, nos termos constantes de fls. 97-100 dos autos, que se dão por reproduzidos.
4.–Em 2.06.2021, a recorrente respondeu à decisão de recusa provisória do INPI, indicando inexistência de afinidade entre os serviços respectivamente assinalados pelas marcas registanda e obstativa, impugnando ainda o risco de confusão entre os sinais, atentas as diferenças que os separam, nos termos constantes de fls. 101-110v dos autos, que se dão por reproduzidos.
5.–Por decisão de 11.08.2021, publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 17.08.2021, o INPI alterou a sua posição tomada em sede de recusa provisória, considerando que em vista dos do exposto na resposta a esta ‘as diferenças entre os sinais, nomeadamente a configuração das suas expressões essenciais, são condição suficiente para afastar o risco de estabelecimento de confusão fácil entre os mesmos, por parte do consumidor deste tipo de serviços, concedendo definitivamente o peticionado registo da marca nº
649215
nos termos constantes de fls.111-111v dos autos, que se dão por reproduzidos.
*
IV.–MÉRITO DO RECURSO
A)–Impugnação da matéria de facto
Pretende o apelante que seja aditado à matéria de facto provada o facto por si alegado no art. 9º da resposta ao recurso judicial interposto pela sociedade Nómada Original, Lda (ora apelada): “A recorrida não utiliza a marca «NÓ.MA.DA.» para a prestação de serviços hoteleiros, mas única e exclusivamente para serviços de restauração” (cf. conclusão B do recurso).
Para tanto, alega sob a conclusão A. que “a sua marca registada [da sociedade Nómada Original, Lda] não se encontra associada à prestação de serviços hoteleiros, mas tão só a serviços de restauração, que inclui uma prestação temporária e ocasional de refeições no restaurante do hotel Sheraton, onde nem sequer foi usada a marca NÓ.MA.DA, mas tão só a designação Panorama”. Mais alega na conclusão C. que “se a recorrente não utiliza a sua marca registada para a prestação de serviços hoteleiros é abusiva a recusa do registo da marca do recorrido referente a esses serviços”.
Contra-alega a apelada, referindo que “a recorrente provou que está igualmente a par da restauração, no mercado hoteleiro, nomeadamente com parceira com o hotel SHERATON, em Lisboa; aliás, o recorrente não impugnou essa alegação nem os documentos (DOC.5 junto no Requerimento Inicial), que a mesma apresentou para sustentar esse facto, razão pela qual, admitiu o mesmo”. E acrescenta que: “Por outro lado, e por mais voltas que o recorrido tente dar, a recorrida é titular
do registo com a marca nº 59273
desde 24.10.2018, e assina entre outros, serviços de restaurante em hotéis e serviços de restauração fornecidos por hotéis, na Classe 43 da Classificação de Nice. (Ponto 1 dos factos provados pelo Tribunal a quo)”.
Não assiste razão ao apelante, porquanto nem da prova constante dos autos resulta que a ora apelada não exerce a sua actividade no mercado hoteleiro (resultando, aliás, o contrário do doc nº 5 junto com o recurso judicial), nem assume qualquer relevo para a decisão do presente recurso (cujo objecto se centra na questão da afinidade dos serviços assinalados pelas marcas em confronto e semelhanças dos sinais para efeitos de imitação da marca prioritária) saber se a titular da marca obstativa a usa ou não para assinalar a prestação de serviços hoteleiros. Como adiante veremos, o que importa, para os efeitos em apreciação, é apurar se os produtos/serviços que a marca registanda visa assinalar são idênticos ou afins dos produtos/serviços que a marca de que a apelada é titular se destina a assinalar, de acordo com o registo que dela foi feito – e que estão descritos no facto provado nº1.
Pelo exposto, improcede a impugnação da matéria de facto, inexistindo fundamento para o pretendido aditamento.
*
B)–Fundamentação jurídica
O presente recurso perfila-se no domínio do Direito Industrial e concretamente das marcas.
A protecção jurídica das marcas funda-se na idoneidade de tais sinais (distintivos de produtos e serviços) serem veículos de informação, permitindo que os adquirentes de produtos e serviços possam fazer escolhas aquisitivas informadas respeitantes às origens e aferir a manutenção ou cessação das qualidades constantes desses produtos e serviços.
O regime jurídico das marcas promove a eficiência económica, ajudando os consumidores a evitar custos de pesquisa no mercado de produtos e serviços «marcados». Como ensina João Paulo Remédio Marques («Direito Europeu das patentes e marcas», Almedina, 2021, pág. 380/381), as marcas constituem uma ferramenta essencial para assegurar uma concorrência significativa entre os agentes económicos e uma melhor e livre escolha aquisitiva por parte dos consumidores.
Estatui o art. 210º do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo referido Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro) que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina. Confere ainda ao respectivo titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles da marca registada, caso exista um risco de confusão ou associação (art. 249º do CPI).
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. art. 208º do CPI).
Das apontadas disposições normativas, conjugadas com o regime ínsito nos art.s 209º e 231º do CPI, extraímos os requisitos essenciais das marcas, ou seja, o carácter distintivo e a determinabilidade (vide Direito Industrial, Pedro Sousa e Silva, 2ª edição, Almedina, pág. 215), assim como as suas diversas funções, quer de indicação de proveniência (indicando a proveniência dos produtos ou serviços) e garantia de qualidade, quer publicitária.
De acordo com o disposto nos artigos 208º do CPI e 4º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia (Regulamento EU 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Julho de 2017), a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros; ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Corolário do princípio da liberdade na composição das marcas, o leque de sinais – exemplificativo – é amplo, abarcando além dos tradicionais (nominativos, figurativos e mistos), outras representações (v.g. marcas multimédia, hologramas), desde que aptas a distinguir os produtos ou serviços provenientes de uma empresa dos de outras.
O conceito legal de marca assenta, pois, na capacidade distintiva.
Complementando o disposto no citado art. 208º, o art. 209º do mesmo diploma procede a uma delimitação negativa, concretizando a falta de capacidade distintiva nas proibições aí elencadas.
A alínea a) do mencionado art. 209º reporta-se às marcas desprovidas de qualquer sinal distintivo, enquanto que as alíneas c) e d) dizem respeito aos sinais meramente descritivos e usuais, respectivamente. Em qualquer dos casos estamos perante motivos absolutos de recusa do registo, previstos no art. 231º alíneas b) e c) do CPI, o que se justifica por razões do sistema concorrencial.
Sendo as marcas sinais distintivos, o mínimo que se pode exigir é que efectivamente se distingam umas das outras, dentro do universo dos produtos ou serviços a que respeitam, o que se reflecte na definição de imitação constante do art. 238º do CPI, sendo proibida a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada e constituindo a confundibilidade fundamento ou motivo (relativo) de recusa do registo (art. 232º/1 b) do CPI).
Como estatui o citado art. 238º/1 do CPI, constituem requisitos (cumulativos) da figura de “imitação ou usurpação” a prioridade da marca registada [alínea a)], a identidade ou afinidade entre os bens a que se reportam as marcas em consideração [alínea b)] e a existência de semelhança gráfica, fonética, figurativa ou outra de molde a suscitar a fácil indução do consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação entre a marca ulterior e a marca anterior [alínea c)].
Do quadro legal nacional, em consonância com a Directiva (EU) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/2015 (cf. designadamente Considerando 16 e art. 5º), resulta claramente que o que a lei quer evitar é que as marcas gerem um risco de confusão nos consumidores (destinatários da informação que o sinal distintivo pretende veicular) ou um risco de associação com marca anteriormente registada.
Donde, os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
O risco de afinidade aumenta nos casos em que pode mediar uma relação de substituição, complementaridade, acessoriedade ou derivação entre os produtos ou serviços.
Tal risco deve ser aferido por referência ao consumidor médio dos produtos ou serviços que a marca visa assinalar, que se presume normalmente informado e razoavelmente atento (neste sentido, Pedro Sousa e Silva, ob. cit. pág. 278).
Acresce que a comparação entre sinais se deve fazer através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, considerando-se que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (vide Acordãos do TJ da EU de 11/11/1997 – Sabel.Puma, C-251/95, Col. p. I-6191; de 22/06/1999 – Lloyd Schuhfabrik, C-342/97, Col.p.-3819 e do TPI (TG) de 22/10/2003 – Asterix. T311/01). Por outras palavras, deve atender-se ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, porquanto interessa para a comparação a reminiscência que ficou na memória do consumidor e que lhe permitirá reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar.
Na mesma linha, o Supremo Tribunal de Justiça entende que é por intuição sintética e não por dissecação analítica que deve proceder-se à comparação das marcas, pois o que importa ter em conta é a impressão global do conjunto, própria do público consumidor, que, desvalorizando pormenores, se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva.
Parafraseando Vanzetti/Di Cataldo (citados por Pedro Sousa e Silva, ob. cit. pág. 280), é preciso identificar qual o elemento que possa considerar-se o «coração» da marca, ou seja, o seu núcleo mais característico.
Assim, como conclui Pedro Sousa e Silva, no exercício de comparação das marcas, devemos atender ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, interessando sobretudo considerar aquilo que o consumidor retém de cada marca quando não a tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que permite reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar (evitando o erro frequente que consiste em colocar os sinais lado a lado e realizar um exercício comparativo de «veja as diferenças»).
*
Importa agora transpôr as considerações supra expostas para o caso vertente.
O ora apelante insurge-se contra a sentença recorrida que, concedendo provimento ao recurso interposto, revogou a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional nº 649215
com a seguinte configuração: 
Invoca que não se mostram in casu verificados os requisitos cumulativos previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do art. 238º do CPI.
Sob a conclusão M., alega que «a marca do Recorrido [ora apelante] não se encontrará associada à prestação de serviços de restauração e a marca nacional n.º 592734, do tipo misto, denominada “NÓ.MA.DA”, não se encontra associada à prestação de serviços hoteleiros».
Mais alega sob a conclusão N. que «Não é verdade que os serviços de hotelaria e de restauração sejam afins, porquanto, os serviços hoteleiros são habitualmente fornecidos por profissionais especializados na respectiva área e têm natureza, finalidade e utilizadores finais diferentes dos “serviços de restauração”, pelo que resulta evidente que os serviços em apreço não satisfazem as mesmas necessidades, não se podendo considerar concorrenciais nem tampouco complementares entre si; e na conclusão O. refere que «Prestar um serviço de restauração não é o mesmo que prestar um serviço de alojamento, tratando-se, de facto, de serviços com natureza, finalidade e utilizadores finais distintos, não só porque um restaurante não é um hotel, mas também porque os serviços de restauração prestados por um hotel não o são a título principal, mas apenas a título complementar e acessório, sendo muitas das vezes prestados por uma entidade diferente da própria entidade hoteleira».
A questão prende-se com a afinidade entre os serviços assinalados pelas marcas em confronto, que foi afirmada pelo Tribunal a quo e posta em crise pelo ora recorrente. Reconduz-se, no essencial, a saber se, no caso vertente, existe ou não afinidade entre os serviços de hotelaria e de restauração, sabendo-se que a marca prioritária da titularidade da apelada visa assinalar serviços de reservas de alojamento [time-sharing], serviços para reserva de restaurantes e refeições, serviços de restaurante em hotéis, serviços de restaurante e bar; serviços de restaurante fornecidos por hotéis (cf. facto provado nº 1), enquanto que a marca registanda, cujo registo foi concedido pelo INPI (decisão revogada pela sentença sob recurso), se destina a assinalar, designadamente, serviços hoteleiros, serviços de alojamento em hotéis, serviços de reservas em restaurantes, alojamento temporário, serviços de catering (alimentação), serviços de preparação de alimentos ou bebidas para consumo (facto provado nº 2).
Temos por correcto o enquadramento jurídico efectuado pelo Tribunal a quo acerca do (segundo) requisito da imitação previsto no art. 238º/1 b) do CPI, expressão do princípio da especialidade, não sendo controvertido que se mostra verificado o requisito estabelecido na alínea a) da mesma disposição normativa (prioridade do registo da marca obstativa da ora apelada).
Relativamente ao segundo requisito da imitação (identidade ou afinidade dos produtos/serviços assinalados pelas marcas) e no que ao caso sub judice concerne, o Tribunal de 1ª instância pronunciou-se da seguinte forma:
“Concretizando, a marca da recorrida visa assinalar ‘serviços hoteleiros’. Ora, os serviços designadamente ‘reservas de alojamento’, ‘reserva de restaurantes e refeições’, ‘restaurante em hotéis’, ‘restaurante e bar’ e ‘restaurante fornecidos por hotéis’ assinalados na mesma classe 43 pela marca prioritária da recorrente também se prendem com a hotelaria e são por esta oferecidos e prestados para satisfação das mesmas necessidades (a reserva e fornecimento de instalações para descanso e relaxamento e/ou alojamento temporário) do mesmo público-alvo (viajantes, turistas, consumidores em busca de alojamento e restauração fora dos seus locais de residência habitual, participantes em eventos, etc.).
O argumento da recorrente de que não existe associação entre eles não me é perceptível, pois os serviços são, de facto, afins, havendo igualmente uma relação de acessoriedade e complementaridade entre eles. Não releva a circunstância a recorrente se encontrar actualmente apenas a prestar serviços de restauração, como alega a recorrida, pois o que importa comparar são os serviços tal como constante dos registos em confronto, e não como sejam momentanea ou transitoriamente prestados sob o sinal em causa.
Encontra-se, pois, preenchido o requisito a que alude o artigo 238º, nº 1, al. b), do CPI”.
(realces nossos)
Acolhemos inteiramente este entendimento, na medida em que quer a marca registanda, quer a marca registada assinalam produtos/serviços da classe 43 da classificação internacional de Nice, cuja natureza, função, utilidade, finalidade, canais de comercialização e consumidores são os mesmos. Pese embora o disposto no art. 238º/2 a) do CPI, o certo é que ambas visam assinalar serviços na área da hotelaria e restauração, seja a título principal ou não, isto é, estamos perante produtos/serviços afins (não idênticos).
O próprio INPI, na sua primeira decisão – de recusa provisória - proferida em 14/4/2021, considerou que se estabelece “um elo de afinidade, visto os serviços requeridos englobarem ou serem susceptíveis de englobar os serviços da marca anteriormente registada, podendo encontrar-se numa relação de concorrência, acessoriedade ou complementariedade.”, assim indeferindo provisoriamente o pedido de registo com fundamento na imitação da marca «Nómada» da ora apelada, invertendo depois a sua posição na sequência da reclamação apresentada pelo Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, IP, limitando-se o INPI na decisão de 11/8/2021 a considerar que os argumentos do reclamante justificavam a alteração da avaliação anteriormente feita, referindo que “uma vez reapreciado o processo, e tido em consideração tudo o exposto em sede de resposta à recusa provisória, é nosso entendimento, que as diferenças existentes entre os sinais, nomeadamente, a configuração das suas expressões essenciais, são condição suficiente para afastar o risco de estabelecimento de confusão fácil entre os mesmos, por parte do consumidor deste tipo de serviços”.
Como vimos, em sede de motivação recursória, o ora apelante contesta que “os serviços de hotelaria e de restauração sejam afins, porquanto, os serviços hoteleiros são habitualmente fornecidos por profissionais especializados na respectiva área e têm natureza, finalidade e utilizadores finais diferentes dos “serviços de restauração” e que “resulta evidente que os serviços em apreço não satisfazem as mesmas necessidades, não se podendo considerar concorrenciais nem tampouco complementares entre si; tratando-se, de facto, de serviços com natureza, finalidade e utilizadores finais distintos”.
Não colhe este argumentário, desde logo porque não assume relevo para a questão em análise saber se os profissionais que prestam o serviço são ou não especializados (podendo sê-lo ou não); por outro lado, não se descortina a diferente natureza e finalidade dos serviços hoteleiros e de restauração em apreço, quando ambas as marcas assinalam serviços de reserva em restaurantes e refeições, serviços de restaurante e bar e quando além de serviços de restauração, também são oferecidos serviços de reserva hoteleiros e de alojamento (no caso da marca prioritária, em regime de time-sharing). Não se destinam a satisfazer as mesmas necessidades e o mesmo público-alvo (turistas, viajantes e outros)? Parece-nos que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.
Ainda que a apelada tenha como objecto principal da sua actividade os serviços de restauração, também se dedica aos serviços hoteleiros, tal como o apelante exerce a sua actividade quer na área da restauração, quer nos serviços hoteleiros. Esta interligação corresponde à prática, cada vez mais comum, de se tomarem refeições em hotéis, sem que aí se esteja hospedado, existindo uma crescente procura conjunta de serviços hoteleiros e de restauração para satisfação de necessidades semelhantes, num mercado relevante que não é distinto.
Seja como for, conforme assinalado pelo tribunal recorrido, evidencia-se uma relação de complementaridade e acessoriedade entre os serviços hoteleiros e de restauração distinguidos pelas marcas em confronto, atenta a conexão funcional entre os mesmos.
Posto que se mostra preenchido o requisito previsto na alínea b) do art. 238º/1 do CPI (afinidade), resta pronunciarmo-nos acerca do terceiro requisito da imitação, a que alude a alínea c) do mesmo preceito, analisando agora a semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra susceptível de induzir o consumidor facilmente em erro ou confusão ou acarretar risco de associação.
A este propósito, pode ler-se na sentença sob recurso que:
“No caso, as marcas em causa, ambas mistas, divergem pelo diverso aspecto figurativo que adorna o elemento verbal, em ambos casos constituído por um só vocábulo trissilábico central, característico e dominante que partilha, pela mesma ordem, as primeiras 5 das 6 letras que compõem (NÔMADE/NÓMADA), como se pode apreciar na tabela comparativa seguinte (…)
Diversamente do entendimento da recorrida, o sinal mais marcante é o elemento verbal “NOMAD” e esse é comum em ambos os sinais. A expressão ‘Douro Valley’ discretamente acrescentado num plano inferior em letra mais miúda e esbatida a cinzento no sinal registando é apenas descritivo da localização geográfica dos serviços, e nessa medida desprovido de força distintiva.
(…) Em conclusão, num juízo de apreciação global das marcas em apreço, verificam-se semelhanças bastantes para induzir facilmente o consumidor ou em confusão ou em risco de associação entre ambas as marcas, pensando provirem da mesma entidade empresarial.
Mostram-se, assim, verificada imitação de marca registada da recorrente, pelo que procede o correspondente fundamento de recusa previsto no artigo 232º, nº 1, al. b) do CPI”.
(realces nossos)
Neste conspecto, também subscrevemos o juízo formulado pelo Tribunal a quo na análise dos elementos que compõem os sinais em confronto.
Em termos figurativos não ressaltam semelhanças, face ao desenho, colocação e estilo das letras, sendo a letra minúscula na marca registanda e maiúscula na marca prioritária e estando colocadas na vertical na marca prioritária e na horizontal na marca registanda, acrescendo a esta o (outro) elemento verbal «Douro Valley».
Graficamente, dos elementos preponderantes NÔMADE e NÓMADA, palavras compostas por seis letras e três síbabas, evidencia-se o elemento comum «NOMAD», surgindo num plano inferior, em tamanho mais pequeno e sem realce (contrastando, assim, com o elemento nômade, escrito em bold) o outro elemento nominativo - “Douro Valley” - constante da marca registanda, elemento esse que aliás, se reporta à zona geográfica dos serviços, o que lhe retira, por si só, carácter distintivo.
Em termos fonéticos, é patente a semelhança resultante da partilha do elemento comum «NOMAD», efeito que se mostra, em certa medida, diluído face à diferente acentuação e à sonoridade diversa da terminação das palavras. Contudo, é de notar que esta terminação, sendo “e” na marca Nômade e “a” na marca Nómada, não apresenta relevo suficiente para permitir uma clara distinção dos sinais ao nível fonético, tanto mais que as reservas de serviços de restauração/hotelaria são frequentemente efectuadas por telefone. Acresce que a apontada diferença visual da colocação das letras NOMAD na vertical ou na horizontal em cada um dos sinais em confronto não existirá nos endereços electrónicos para consulta das respectivas páginas aquando de realização das competentes reservas.
Do ponto de vista conceptual, ambos os sinais remetem para nómada, nomadismo, errância, por oposição a sedentarismo, fixação num mesmo lugar e nessa perspectiva, a marca registanda não assume força distintiva.
Assim, a intuição sintética da semelhança conceptual dos sinais e da semelhança gráfica e fonética quanto ao elemento verbal dominante entre as marcas, que o consumidor (médio) apreende de imediato, conhecedor dos serviços oferecidos pela marca da apelada, implica que o mesmo facilmente associe a marca registanda à marca obstativa da apelada e associe as duas marcas a uma mesma origem empresarial.
Flui de todo o exposto que ocorre risco de confusão ou associação entre os sinais em análise e por conseguinte imitação da marca prioritária de que a Apelada é titular, o que constitui fundamento de recusa do registo, nos termos dos artigos 238º/1 e 232º/1 b) do CPI.
Improcede, pois, a apelação, mantendo-se a douta decisão recorrida, que não nos merece censura.
*
V.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso de apelação e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo Apelado (artigo 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
*
Lisboa, 15 de Junho de 2022
Ana Mónica Mendonça Pavão - (Relatora)
Maria da Luz Teles Menezes de Seabra - (1ª Adjunta)
Carlos M. G. de Melo Marinho - (2º Adjunto) - vencido nos termos da declaração de voto que segue
DECLARAÇÃO DE VOTO – VOTO DE VENCIDO
Os consumidores recordam vocábulos de maneira pouco precisa e rigorosa e de forma sempre desfocada pela nebulosidade da memória, que se constrói sobre o trinómio «impressão», «repetição» e «associação». Ou seja, uma memória é tanto mais forte quanto mais intensa e firme tenha sido a implantação inicial (o que se consegue, por exemplo, através da novidade, originalidade e contexto). E será mais intensa se a palavra aparecer ou for usada várias vezes. A retenção a longo prazo no espaço cerebral sempre beneficia da possibilidade de ligar o elemento a conservar a um outro anteriormente conhecido, assim produzindo o referido efeito de associação. São a semântica e a aparência distinta o que possui a virtualidade de gerar a retenção na memória sempre associada à distinção – na verdade, retemos o que destrinçamos.
À luz da técnica que cabia aplicar, impunha-se a análise de conjunto, a ponderação da capacidade de produzir impacto e a vocação para sensibilizar, sendo certo que «o consumidor médio» «apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades» – a vd., neste sentido, os acórdãos do TJUE C-251/95, SABEL, C-39/97, Canon, C-108/97 e C-109/97, Windsurfing Chiemsee Produktions, C-342/97, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-425/98, Marca Mode e do Tribunal de Primeira Instância T-292/01, Phillips-Van Heusen e T112/03, L'Oréal. Essa ponderação não se faz de forma linear e homogénea. Antes a mesma é desequilibrada e atende mais a uns elementos do que a outros.
A avaliação central que se pede ao julgador em situações do presente jaez é bem mais psicológica do que jurídica, já que se lhe requer que reconstitua e intua o olhar do consumidor perante expressões ou signos que exornem a apresentação comercial e económica dos actores de um certo mercado.
No processo relativamente ao qual se lança esta declaração, comparam-se duas marcas nominativas, a saber:

e

Na necessária avaliação de conjunto, é muito importante que se recolham preciosos elementos relativos à primeira impressão. É assim porque é o primeiro olhar o que realmente vê o conjunto, já que, depois divisar o todo, sempre despoletamos mecanismos analíticos sectorialmente focados. É assim, também, por ser essa a base de abordagem do consumidor-tipo, pouco atento, por regra associando o consumo a lazer, logo descontraído e escassamente interessado em grandes operações intelectuais.
Ora, quanto à dita primeira impressão, afigura-se que o referido consumidor colherá, no caso em apreço, visões bem distintas.
Com efeito:
a.-A mancha gráfica é muito maior na primeira marca da comparação do que na segunda;
b.-São muito distintos os tipos de letra;
c.-O primeiro signo em comparação é extenso, sendo composto por três palavras e o segundo minimalista, compreendendo apenas uma;
d.-A primeira marca inicia-se por uma palavra em acentuado negrito e letras minúsculas (nem sequer a primeira letra é maiúscula apesar de se tratar de um nome) e a segunda exorna apenas um vocábulo de tipo comum e simples, sem negrito, e usa apenas letras maiúsculas em termos que não permitem fazer a distinção da primeira letra;
e.-A primeira marca representada supra assenta num arranjo tipográfico de duas linhas e a segunda utiliza as letras, em pares, na vertical (logo em sentido perpendicular ao da escrita ocidental), dando a impressão de representar um afunilado prédio de três andares.
Descendo aos detalhes (apenas para melhor ver o conjunto), temos que:
a.-A primeira palavra da primeira marca (tendencialmente a mais relevante para um «olhar preguiçoso», de consumo) apresenta um acento circunflexo na primeira sílaba e a segunda combina um sinal agudo e um outro grave, sobrepostos, com aparente exclusiva utilidade decorativa, sem relevo comunicacional ao nível do código da escrita;
b.-A primeira marca, na sua primeira palavra, parece convocar a língua francesa, apesar de exibir um acento não usado nessa língua, nesse vocábulo; a segunda, no seu termo único, convoca a língua portuguesa, ainda que usando a acentuação para criar um artifício gráfico;
c.-Os falantes, quer da língua francesa (menos relevantes, aqui) quer da língua portuguesa (de importância central no caso apreciado), pronunciarão as palavras com que se inicia a primeira marca e a que constitui todo o signo gráfico da segunda de forma muito distinta, com diametralmente oposta sonoridade, assentando a primeira no som inicial mudo e pouco intenso «ou» e a segunda no som aberto e forte «ó»; na língua francesa, a primeira palavra tem acentuação na segunda sílaba e, na portuguesa, acentuação na primeira e diluição até ao seu final com quase desaparecimento sonoro do «e» derradeiro;
d.-A expressão «DOURO VALLEY» só existe na primeira marca e não na segunda;
e.-Tal expressão só poderá constituir uma vera referência geográfica para os falantes da língua inglesa (menos relevantes), sendo que os demais consumidores apenas reconhecerão a palavra «Douro» e lerão o conjunto como expressão de fantasia;
f.-De qualquer forma, essa expressão não constitui elemento inócuo ou irrelevante e não distintivo já que surge associado ao vocábulo «nômade» em termos que emprestam ao conjunto uma aparência e um impacto completamente distintos;
g.-Em ambos os casos se faz uso das palavras para além da sua eficácia comunicacional, tentando conseguir-se com ambas a abstracção de um impacto estético; porém, neste âmbito, os efeitos efectivamente obtidos são radicalmente distintos.
Flui do brevemente dito que é mandatório concluir não existir entre as marcas comparadas «semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto», para os efeitos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 238.º do Código da Propriedade Industrial, impondo-se a revogação da decisão impugnada e a confirmação da decisão de rejeição proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Por assim ser, não subscrevo a decisão por referência à qual lanço a presente declaração de voto.
*
Lisboa, 15.06.2022
Carlos Manuel Gonçalves de Melo Marinho
Juiz Desembargador