Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3030/21.5T8OER.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Sumário:
I - O art. 265 do CPC trata da alteração do pedido e da causa de pedir e os artigos 611 e 588 do CPC tratam apenas da consideração e introdução de novos factos, ou seja, só têm a ver com a causa de pedir.
II – Um dos pedidos do articulado superveniente da autora é um novo pedido que não é o desenvolvimento ou consequência dos anteriores, pelo que não foi, bem, admitido.
III – Os outros dois pedidos do articulado superveniente são uma alteração dos anteriores tendo em conta a passagem do tempo, pelo que, como uma alteração que é consequência dos anteriores, deviam ter sido admitidos.
IV – A cláusula constante de um acordo inserido num auto de entrega do imóvel arrendado, de que “nada mais é devido entre sublocatária e sublocador, seja a que título for, […], no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado […]” tem o sentido objectivo da renúncia da autora aos direitos emergentes da relação contratual que cessa, entre eles os exercidos nesta acção.
V – Não litiga de má fé a autora que se limita a defender que a sua vontade real, conhecida da ré, é diferente do sentido objectivo da declaração.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 24/08/2021, numa petição inicial com 40 páginas, 122 artigos e 35 documentos, a AA-Lda., intentou uma acção comum contra RR-S.A., pedindo que o tribunal:
1\ Declare a verificação da alteração das circunstâncias nas quais as partes fundaram a decisão de contratar;
2\ Proceda à modificação dos termos do contrato de arrendamento em vigor nos termos peticionados nos artigos 120 e 121 da petição inicial, designadamente:
a\ pagamento pela autora à ré de 50% do montante total das rendas vincendas nos 12 meses posteriores à entrada da presente acção, por forma a compensar os 12 meses anteriores em que a autora foi obrigada ao pagamento total da renda, sem o correspondente uso do locado,
b\ pagamento pela autora à ré, nos 12 meses seguintes, ao correspondente a 60% da renda inicialmente negociada; e
c\ pagamento pela autora à ré de 70% do valor actualmente acordado até final do contrato.
3\ Subsidiariamente, na eventualidade de o tribunal entender que a solução apresentada e peticionada não é aquela que melhor acautela a reposição do equilíbrio contratual, deverá determinar as alterações e soluções que substituam as cláusulas contratuais em vigor de forma a assegurar os princípios do equilíbrio económico das prestações, da boa-fé, proporcionalidade e equidade.
Alegava para tanto, em síntese, que as circunstâncias em que o contrato de subarrendamento para fins não habitacionais de 27/01/2020 foi celebrado entre as partes sofreram alterações substanciais; alegava, pelo meio, ter realizado obras de adaptação e beneficiação do locado, no valor total de 310.478,38€.
A ré contestou, concluindo no sentido da improcedência da acção e da condenação da autora como litigante de má-fé.
A 06/04/2022 foi julgada verificada a excepção dilatória de incompetência relativa do Juízo Local Cível de Oeiras, em razão do território e, consequentemente, determinada, após trânsito, a remessa dos autos para os Juízos Locais Cíveis de Lisboa, por ser o tribunal competente.
A 04/10/2022, foi fixado à acção o valor de 174.000€ (a autora tinha dado à acção o valor de apenas 30.000,01€; agora, admitindo a possibilidade de erro, por requerimento de 07/06/2022, indica o valor de 104.400€ para o pedido 2a\ e de 69.600€ para o pedido 2b\) e, em consequência, o Juízo Local Cível de Lisboa declarou-se incompetente em razão do valor para o conhecimento da presente acção, determinando assim a remessa para o tribunal competente, no caso, os Juízos Centrais de Lisboa.
Estando a audiência prévia designada para 20/04/2023, a ré, às 12h57 de 19/04/2023, veio pedir que a marcação fosse dada sem efeito, dizendo que:
No dia 28/02/2023 as partes celebraram um acordo extrajudicial denominado auto de entrega de loja nos termos do qual, em suma, a autora (na qualidade de sublocatária) e a ré (na qualidade de sublocador) (…) reciproca e mutuamente declaram, aceitam e reconhecem o seguinte: (A) Que nada mais é devido entre sublocatária e sublocador, seja a que título for, salvo o referido em (F) infra, no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado […] (C) Que na presente data foram entregues pela sublocatária ao sublocador as chaves do locado […] (F) Que a sublocatária procederá à reparação de parede técnica […].” […] Assim, com a celebração do acordo supra, as partes sanaram todo e qualquer litígio existente entre ambas de forma válida e voluntária, tornando os presentes autos e, consequentemente, a audiência prévia agendada para o dia amanhã, inúteis.
Este requerimento foi notificado electronicamente à autora.
Às 19h02 de 19/04/2023, a autora apresentou um “articulado superveniente com visto à ampliação do pedido”, que terminou requerendo que:
a\ Admita o presente articulado superveniente;
b\ Admita a alteração do pedido formulado em sede de petição inicial, passando o mesmo a adequar-se à situação de facto supra descrita, na sequência da desocupação do locado, nos seguintes termos:
i\ Declare verificada a alteração das circunstâncias nas quais as partes fundaram a decisão de contratar;
ii\ Seja a ré condenada a devolver à autora o correspondente a 50% do montante total das rendas vencidas nos 12 meses posteriores à entrada da presente acção, por forma a compensar os 12 meses anteriores em que a autora foi obrigada ao pagamento total da renda, sem o correspondente uso do locado, e,
iii\ Seja a ré condenada a devolver à autora o correspondente a 40% do montante pago a título de rendas nos 12 meses seguintes; e
iv\ Seja a ré condenada a ressarcir a autora em 50% das quantias despendidas a título de obras de adaptação e beneficiação do locado, no valor total de 155.239,19€.
Alega para o efeito, em mais 6 páginas de texto, entre o mais que:
Foi obrigada a encerrar a sua loja; denunciou o contrato de nos termos da sua cláusula 3.ª/4, tendo entregue o locado em 28/02/2023, conforme doc.1, o qual se junta e cujo teor se dá por reproduzido; o pedido inicial previa a continuidade do contrato; foi formulado numa lógica de compensação pelo pagamento de rendas indevidamente pagas; uma vez que a acção deu entrada no dia 24/08/2021, não fica prejudicado o pedido 2a\; o pedido 2b\ deverá o ser considerado apenas no que respeita aos 6 meses nos quais o contrato permaneceu em vigor; o pedido 2c\ não se poderá manter, na medida em que o contrato cessou a 28/02/2023; a autora foi obrigada a denunciar o contrato, tendo em consideração a sua frágil situação financeira, a qual resultou dos danos acumulados no período pandémico, no qual não teve possibilidade de ter o estabelecimento aberto, conforme se mostra já alegado da PI; a autora pretende proceder à junção das demonstrações de resultados relativas aos exercícios findos em 31/12/2021 e 31/12/2022; tendo o contrato cessado a sua vigência, antes dos 6 anos previstos para a sua duração, por motivo não imputável à autora, entende esta ter o direito a ser compensada pelo valor das obras realizadas no locado, nos termos da cláusula 8/1 e considerando C do contrato; conforme se mostra alegado, no art. 23 da PI, a autora gastou 310.478,39€ nas obras de adaptação do locado, as quais foram devidamente aprovadas pela ré – cf. docs. 7 a 11 juntos com a PI; a autora investiu naquelas obras tendo como expectativa a utilização do locado pelo período de 6 anos; para além do tempo que se viu privada do uso do locado na vigência do contrato, a autora viu-se obrigada a denunciar o contrato antes do termo previsto para a sua vigência; a autora penas teve o gozo efectivo do imóvel por período inferior a 3 anos; entende ter direito a ser ressarcida em 50% daquele valor.
Na audiência de 20/04/2023 foi dito que os factos alegados podem vir a interessar à decisão da causa pelo que se admitiu o articulado superveniente, determinando-se a notificação da ré para, querendo, responder em 10 dias (art. 588/4 do CPC) e encerrou-se a audiência.
A 08/05/2023, a ré veio, num articulado de 17 páginas, opor-se à alteração do pedido inicialmente formulado, dizendo que:
Considera o pedido biv\ uma ampliação inadmissível e o pedido biii\ ininteligível (por pedir a devolução de rendas não pagas); diz que: o auto da entrega tem o sentido e o conteúdo que já lhe atribuiu, em síntese, no requerimento de 19/04/2023; a declaração das partes [sic - TRL] de que “reciprocamente e mutuamente declaram, aceitam e reconhecem (…) nada mais é devido (…) seja a que título for salvo o referido em F infra” num acordo denominado auto de entrega de loja, quando existem putativos créditos e contra créditos (inclusive para compensação da ré pela denúncia do contrato conforme se verá infra), conjugado com actuação conducente com essa mesma declaração (a efectiva entrega das chaves do locado, com o pagamento da compensação devida por via da denúncia e com a remoção de todas as obras realizadas no interior do locado) é inequívoca no sentido, apreensível por um declaratário normal, de que ambas as partes, mediante reparação de parede técnica identificada em F do acordo, consideram satisfeitos todos os seus direitos emergentes da relação contratual (contrato de sublocação) que mantiveram e reconhecem que nada mais lhes é devido por força do contrato que as ligou, assim renunciando a exigir eventuais créditos emergentes daquela relação contratual; nem se conceberia que as partes excepcionassem do acordo a parede técnica identificada em F e não excepcionassem (se fosse essa a sua intenção; que não foi) o que é peticionado nos presentes autos; neste sentido, vejam-se, a título de mero exemplo, os seguintes acórdãos: do STJ de 31/10/2007, proc. 07S1442, e do TRP de 04/12/2017, proc. 3771/15.6T8AVR.P1; a vontade exteriorizada pela autora (e, diga-se, também a sua vontade real aquando da celebração do acordo e da qual parece agora ter-se arrependido) só pode ser interpretada nesse sentido; assim, face ao acordo, os putativos direitos de que o autor se arroga nos presentes autos extinguiram-se; refira-se ainda que o auto de entrega surge na sequência de (i) uma carta de denúncia do contrato (que se junta em anexo sob o doc. 1) e (ii) das subsequentes conversações entre o administrador da ré e o Dr. M em representação da autora para acordar os termos da entrega, sendo que nessas conversações foi dada nota a este doutor da necessidade de se pôr fim ao litígio existente entre as partes e em discussão nos presentes autos face à inutilidade dos mesmos em consequência da entrega do locado e da jurisprudência que entretanto se tem vindo a consolidar relativamente à figura da alteração das circunstâncias por via da pandemia de Covid-19; foi, portanto, no seguimento destas conversações que a autora elaborou o sobredito auto, que entregou à ré sem qualquer reserva, que, por sua vez, se limitou a recebê-lo juntamente com um conjunto de chaves; a celebração do acordo é, portanto, um facto que serve de causa extintiva do direito invocado pela autora, o que corresponde à verificação de uma excepção peremptória extintiva que determina a improcedência total do pedido nos termos do artigo 571 do CPC; com o comportamento supra descrito, a autora criou uma legítima expectativa junto da ré que a relação jurídica existente entre ambas se tinha extinguido e que nada mais é devido por força do contrato que as ligou, conformando a ré a sua própria conduta com essa expectativa, por exemplo, entregando à autora a garantia bancária em seu poder, antes da entrega de todos os conjuntos de chaves do locado e consequente toma da posse da loja, evitando assim que a mesma fosse renovada pelo BCP, com os respectivos custos inerentes e libertando um valor que a autora tinha depositado no BCP e que estava a caucionar a garantia bancária, o que fez a pedido do advogado da autora e considerando os pressupostos do auto de recepção, entregando a garantia bancária sem ter retomado em simultâneo a posse da loja; a autora, por isso, está actualmente a agir contra facto próprio, isto é, com abuso de direito que corresponde a mais uma excepção peremptória; a ré impugna ainda os efeitos de direito que a autora tira da cláusula 8/1 do contrato; a interpretação correcta desta, por ser a que correspondeu à vontade real das partes no momento da celebração do contrato e à vontade declarada, é a seguinte: a autora não poderá fazer quaisquer obras ou alterações ao locado sem autorização dada previamente por escrito pela primeira contraente, com a excepção das obras de adequação e adaptação do locado mencionadas no considerando C e das necessárias ao cumprimento de obrigações decorrentes da lei ou do presente contrato, para as quais se dá desde já autorização, sendo que todas as obras que fizer (autorizadas ou não) ficam a fazer parte integrante do local arrendado sem que a segunda contraente tenha direito a qualquer indemnização; na expressão “e todas as que fizer”, “todas” não pode deixar de ser interpretado como sendo as obras autorizadas e as obras não autorizadas; a interpretação da autora só faria sentido se a palavra “todas” não tivesse sido incluída no texto; a “repartição do risco” (se assim se quiser chamar) dessas obras encontra-se assegurada no período de redução do valor das rendas acordado (carência parcial); não fazendo qualquer sentido que à carência acresça um ressarcimento de 50% por o contrato não ter chegado aos 6 anos inicialmente acordados (cláusulas 4.ª/2 e 8.ª/2); acresce ainda que a prática contratual mostra-se igualmente a favor da interpretação operada pela ré; confessa a autora no ponto 26 do articulado superveniente, para não mais ser retirado, que denunciou o contrato “por não conseguir mais manter loja em funcionamento”; o fundamento da denúncia é, portanto, da única e exclusiva responsabilidade da autora, como aliás resulta da cláusula contratual que estriba a denúncia (cl. 3.ª/4); concluiu pela improcedência de todos os pedidos versados no articulado superveniente e ainda arguiu a litigância de má-fé da autora, na qual ainda alega que a autora pagou à ré, na íntegra, o valor devido a título de compensação pela denúncia e se a autora entendesse que a sua pretensão tinha fundamento e que detinha um crédito sobre a ré, teria operado a compensação de créditos e não teria esperado de 28/02/2023 até 20/04/2023 para comunicar ao processo o que agora fez em sede de articulado superveniente.
A 27/06/2023, a autora pronunciou-se, a convite do tribunal, quanto às excepções de ineptidão e de abuso de direito:
Quanto à ineptidão, requereu a redução do pedido biii\, para abranger apenas o período em que o contrato esteve em vigor, isto é, até Fevereiro de 2023 (inclusive); quanto ao abuso de direito, diz que o documento que assinou, tendo assinado nessa firme convicção, dizia respeito apenas e somente à entrega da loja e obrigações relativas a tal entrega; assinar um acordo total entre as partes e não fazer referência expressa à acção judicial em crise seria manifestamente estranho, tendo em conta que este seria o único assunto pendente entre partes, para além da entrega do locado; a autora não pretendeu prescindir da pretensão vertida na presente acção, não correspondendo tal “auto de entrega” a qualquer acordo que regule qualquer outra matéria, para além da entrega do locado; a autora assinou e pretendeu apenas assinar um “auto de entrega de loja”, através do qual as partes acordavam estar tudo conforme ao cumprimento da obrigação de entrega do locado; não pretendeu, nem pretende, prescindir do pedido formulado nem daqueles que entende serem os direitos que aqui peticiona; tal facto foi por diversas vezes referido ao representante legal da ré; não existe, portanto, qualquer facto ou acção da autora que possa ser subsumida no instituto do abuso de direito.
Um ano e 3 meses depois, por despacho ad hoc de 18/09/2024 foi (a) dada sem efeito uma audiência prévia que tinha sido designada e (b) decidido não se admitir “a ampliação do pedido e da causa de pedir”, com a seguinte fundamentação:
Nos termos do artigo 265 do CPC, na falta de acordo a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. No que respeita ao pedido, a sua redução ou ampliação pode ter lugar até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
A alteração do pedido formulada pela autora tem por fundamento a denúncia do contrato de sublocação operada entretanto, que determinou a sua vigência por um período de apenas 3 anos, e não de 6 anos conforme havia sido inicialmente contratado.
Temos, portanto uma alteração da causa de pedir, que não decorre de qualquer confissão feita pela ré e uma alteração do pedido que não constitui um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. Pelo contrário, o pedido primitivo pressupunha a manutenção da vigência do contrato de sublocação, sendo a sua cessação a causa de pedir dos novos pedidos formulados.
Diga-se, ainda, que os novos pedidos formulados em bii\ e biii\ não constituem apenas uma nova redacção das anteriores modificações contratuais peticionadas. Ao invés, configuram efectivamente novos pedidos com diverso fundamento.
Isto porque não pode confundir-se uma alteração das regras que norteiam a relação contratual entre as partes (inicialmente peticionada), com pedidos de reembolso que pressupõem essa mesma alteração, e cujo fundamento é uma denúncia do contrato entretanto ocorrida, e já não a alteração das circunstâncias que constituía a primitiva causa de pedir.
Não tendo a ré concordado com a ampliação requerida, mostra-se esta legalmente inadmissível, razão pela qual não se admite a ampliação do pedido e da causa de pedir requeridas pela autora.
Por outro lado, nesse mesmo despacho, concedeu-se às partes a oportunidade para se pronunciarem em 10 dias, sobre o entendimento do tribunal de que, tendo em consideração a denúncia contratual ocorrida, os pedidos inicialmente formulados se mostram actualmente impossíveis; a ré ainda foi notificada para esclarecer se pretende manter o pedido de litigância de má fé formulado.
A 02/10/2024, a autora, em mais 13 páginas, veio dizer, em síntese, que:
A denúncia do contrato do contrato de sublocação não constitui a causa de pedir de nenhum dos pedidos referidos no articulado superveniente; a denúncia é uma consequência (natural) dos factos já alegados em sede de PI e que constituem a causa de pedir da presente acção e que continua a ser a mesma: o contrato de sublocação, a situação de fragilidade económica e financeira da autora e o desequilibro contratual originados pela Pandemia SARS-CoV-2;
Mesmo que se considere que existe uma alteração da causa de pedir, tal alteração é admissível, isto porque, para além da situação referida no artigo 265/1 do CPC, a alteração ou ampliação da causa de pedir é também admissível com base em factos supervenientes, conforme ensinam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC anotado, 2.º volume, 3.ª edição, na anotação 3 ao artigo 588: “O princípio da economia processual, a consideração de que, reduzida a sua previsão, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, o alcance da norma seria quase nulo e até a inexistência, no artigo anotado, dum preceito como o do art. 590-6 levam a perfilhar a solução da não limitação pelo disposto nos arts. 264 e 265.” E na anotação do artigo 265 do CPC: “A alteração ou ampliação é também admissível com base em factos supervenientes (artigo 588-1).”; os factos constitutivos cuja alegação superveniente se prevê no artigo 588 tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efectiva alteração ou modificação da causa de pedir inicial, o que significa que, demonstrada pela autora a superveniência, o que ocorreu nos presentes autos, a mesma é o bastante para afastar as restrições fixadas pelo artigo 265 do CPC no que respeita à alteração da causa de pedir; considerando que a superveniência da denúncia está amplamente demonstrada nos autos, pode a autora, através dos novos factos supervenientes completar ou alterar a causa de pedir inicial, sem carecer, para tal, do acordo do réu ou, ainda, independentemente de a mesma resultar de confissão feita pelo réu e aceite pela autora, nas condições do citado artigo 265/1 do CPC – conforme ac. TRP de 22/11/2021, proc. 470/20.0T8SJM-A.P1; neste sentido, Lebre de Freitas na Introdução ao Processo Civil, pág. 170, ed. de 1996, Coimbra Editora e CPC anotado, 2001, pág. 342, e Teixeira de Sousa, in As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, págs. 189 e 190, 1990 e in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, págs. 299-300, têm vindo a entender que, através do articulado superveniente, pode ser invocada uma nova causa de pedir e, assim, a rejeição de tal articulado só deve ter lugar quando se verificar qualquer dos pressupostos de indeferimento a que alude o art. 588/4 do CPC. Tal entendimento tem também vindo a ser seguido na jurisprudência, nomeadamente no ac. do TRC de 11/09/2012, proc. 408-F/2001.C1; ac. do TRG de 25/05/2016, proc. 1827/09.5TBBCL-A.G1; ac. do TRC de 26/04/2016, proc. 933/12.2TBCLD.C1; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, obra cit., [sic - TRL], págs. 670 e 671, em anotação ao art. 588º, que “O art.º 611º, nº 1 prescreve que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à instauração da acção, de modo a que a decisão final corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (…). Pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição inicial (…). Estes são os chamados factos (objectiva ou subjectivamente) supervenientes. Face ao prescrito no citado art. 611/1, impõe-se carrear para o processo tais factos, sendo essa a função dos articulados supervenientes (…) Relativamente ao autor os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir como podem implicar uma efectiva alteração ou modificação da causa de pedir inicial, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no art. 265.”
Ainda que se considere que a alteração do pedido formulada no articulado superveniente não é admissível, sempre se dirá que os pedidos inicialmente formulados não são actualmente impossíveis. Isto porque, a cessação do contrato não obsta a que o tribunal conheça, pelo menos, o pedido c\ [a autora quis escrever 3 - TRL] da PI quanto ao período em que o contrato esteve em vigor.
A 03/10/2024, a ré veio dizer que atento o mau uso do processo que na sequência do anterior despacho proferido cabalmente se comprova, atenta a inadmissibilidade e impossibilidade dos pedidos formulados pela autora, mantém o pedido de litigância de má-fé formulado.
A 08/10/2024, a autora recorreu do despacho de 18/09/2024, para que fosse revogado e substituído por outro que admitisse a alteração do pedido, conforme formulado no articulado superveniente, com a posterior redução referida no requerimento de 27/06/2023.
A 06/11/2024, o recurso não foi admitido, “por não ser este o momento processual para o efeito […].”
Em 29/12/2024 foram proferidos os seguintes despachos [transcrevem-se apenas nas partes que importam]:
Tendo o tribunal apreciado a alteração do pedido e da causa de pedir no despacho antecedente, mostra-se esgotado o seu poder jurisdicional sobre tal matéria.
*
A autora formulou os seguintes pedidos [na PI]: […]
Conclui-se, assim, que os pedidos formulados pela autora visavam uma alteração dos valores devidos à ré no âmbito do contrato de sublocação celebrado entre as partes, alteração a ter lugar desde a data da propositura da presente acção até ao termo do contrato.
Fundou a autora a sua pretensão no facto de a pandemia SARS-Covid19 ter alterado substancialmente as circunstâncias de execução do contrato de sublocação o que, no seu entender, impõe uma alteração das condições contratuais que haviam sido estabelecidas.
Acontece que a autora denunciou o contrato de sublocação em questão nestes autos, tendo entregue o locado em 28/02/2023, um ano e meio após a entrada em juízo da presente acção.
Assim sendo, os pedidos formulados pela autora podem ainda ter utilidade, no que respeita aos valores devidos por esta à ré, a título de rendas, desde a data da propositura da acção até 28/02/2023.
Uma vez que o pedido 2c\, extravasa o período temporal acima indicado, situando-se em momento posterior ao da entrega do locado, declara-se o mesmo supervenientemente impossível.
*
Aquando da entrega do locado pela autora à ré, foi celebrado entre as partes um “auto de entrega de loja”, assinado por ambas (conforme se verifica pela análise dos autos juntos nos requerimentos de 19/04/2023), onde se lê no ponto A que nada mais é devido entre sublocatária e sublocadora, seja a que título for, no âmbito do contrato de sublocação em causa nestes autos.
Ressalvaram as partes, relativamente a esta inexistência de deveres, a responsabilidade da autora, perante a ré, no pagamento de todas as despesas de água, luz e telecomunicações incorridas no locado até à data da sua entrega, mesmo que se vençam em momento posterior, e bem assim à obrigação de reparação da parede técnica referida em F por parte da autora.
Nos termos do artigo 1248 do Código Civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido.
Analisando os pedidos formulados pela autora, verifica-se que a sua procedência poderia dar origem a um eventual crédito da autora sobre a ré, caso por aquela tenham sido pagas as rendas nos termos acordados, situação que se desconhece.
Contudo, os direitos de créditos entre as partes foram por elas extintos no âmbito da transacção alcançada.
Nessa medida, encontra-se o tribunal em condições de apreciar a excepção peremptória invocada pela ré no requerimento de 08/05/2023, e bem assim o pedido de litigância de má fé ali formulado.
Uma vez que no despacho de 09/06/2023 apenas foi concedida a oportunidade à autora de se pronunciar sobre as excepções de ineptidão e abuso de direito, notifique-se a autora para, em 10 dias, se pronunciar sobre a excepção peremptória invocada e sobre o pedido de condenação por litigância de má fé formulado.
Nenhuma das partes se pronunciou em tempo.
Três meses e meio depois, a 17/04/2025, foi proferido despacho, julgando a acção improcedente por verificação de excepção peremptória e, consequentemente, absolveu-se a ré dos pedidos formulados pela autora e condenou-se a autora como litigante de má-fé em 5 UC de multa.
Isto com a seguinte fundamentação:
Excepção peremptória:
Por requerimento de 19/04/2023, a autora juntou aos autos um acordo extrajudicial denominado “auto de entrega de loja” celebrado entre as partes em 28/02/2023. No ponto A de tal acordo pode ler-se «que nada mais é devido entre sublocatária e sublocadora, seja a que título for, salvo o referido em F infra, no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado.
A ressalva acordada entre as partes e indicada no ponto F prende-se com a reparação da parede técnica, tendo ainda sido estipulado que pagamento de todas as despesas de água, luz e telecomunicações incorridas no locado até à data da sua entrega são da responsabilidade da autora, mesmo que se vençam em momento posterior.
Da análise de tal acordo conclui-se que as partes entenderam que todos os valores respeitantes a rendas se encontravam liquidados em termos aceites por ambas, razão pela qual afirmaram nada mais ser devido.
Nos termos do artigo 1248 do CC, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, as quais podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do controvertido.
Analisando os pedidos formulados pela autora, verifica-se que a sua procedência determinaria o nascimento de uma obrigação na esfera jurídica da ré, que consistia na devolução à autora das quantias por esta pagas nos 12 meses posteriores à entrada da presente acção em montante superior a 50% do valor da renda, e bem assim na devolução pela ré à autora das quantias por esta pagas nos 12 meses seguintes superiores a 60% da renda inicialmente negociada.
Ou seja, em caso de procedência da acção e alteração do contrato de arrendamento celebrado entre as partes nos termos peticionados pela autora em 2a\ e 2b\ a ré passaria a ser devedora da autora contrariando o acordo que as partes firmaram no sentido de nada mais ser devido entre ambas.
Neste acordo é clara a declaração da autora de que nada tem a receber da ré e, como tal, considera terem sido satisfeitos todos os seus direitos respeitantes a valores pagos entre as partes no âmbito desta relação contratual. Com tal declaração renunciou a quaisquer valores que lhe pudessem ser devidos no âmbito do pagamento de rendas, designadamente aos que resultariam da procedência do pedido formulado nestes autos.
Como tal, julga-se procedente a excepção peremptória deduzida pela ré de extinção do direito invocado pela autora, a qual determina a absolvição total do pedido formulado, nos termos do artigo 576/3 do CPC.
Litigância de má-fé
[…]
Nos termos do artigo 542/2 do CPC, diz-se litigante de má fé, nomeadamente, quem, com dolo ou negligência grave, (i) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, (ii) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, (iii) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou (iv) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
Trata-se de “uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência de lesão ou de qualquer ilícito de direito substantivo” (Pedro de Albuquerque, Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Almedina 2006, pp. 52 e 53).
Contudo, “se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a conduta é perfeitamente lícita; se não tiver sucesso na sua pretensão, suporta unicamente o encargo das custas, como risco inerente à sua actuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as suas pretensas razões, a sua conduta assume o aspecto de conduta ilícita, impondo o art. 456/1 do CPC que a parte que litigar dessa forma seja condenada em multa e numa indemnização á parte contrária, se esta o pedir” (ac. do TRL de 01/02/2006, proc. 11425/2005-4).
Nos presentes autos, e após a dedução da petição inicial, a autora juntou aos autos um acordo extrajudicial celebrado entre as partes na sua pendência, na qual consideram satisfeitos os créditos existentes entre ambas, nada mais sendo devido.
Apesar de tal acordo firmado pela autora e da declaração nele aposta, a autora pretende a manutenção destes autos e a apreciação pelo tribunal dos pedidos aqui formulados, não podendo desconhecer que deles resultaria um crédito ao qual expressamente renunciou.
Não sendo o pretendido pela autora admitido por lei, não pode esta desconhecer da falta de fundamento legal da sua pretensão. E mesmo após a dedução da excepção peremptória por parte da ré, manteve a autora a sua posição, o que revela a forma dolosa como litiga.
Mostra-se, por isso, verificado o pressuposto do artigo 542/2a do CPC.
Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
Tendo sido apenas pedido a sua condenação em multa, cumpre determinar o seu quantitativo. Nos termos do artigo 27/3 do Regulamento das Custas Processuais a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC, dispondo o n.º 4 do mesmo artigo que o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Isto posto, atendendo a todos os circunstancialismos expostos, ao valor em causa, ao facto de os presentes autos se manterem em curso há cerca de 2 anos exclusivamente pela postura assumida pela autora que constitui litigância de má fé, e considerando que esta é pessoa colectiva, considera-se adequada a fixação de multa em 5 UC.
A autora recorre do despacho de 18/09/2024 e do despacho/sentença de 17/04/2025 - para que o despacho seja revogado e substituído por outro que admita a alteração do pedido e para que a sentença seja revogada – terminando as alegações com as seguintes conclusões:
[…]
B\ O tribunal a quo julgou que o articulado superveniente introduzia uma nova causa de pedir e pedidos autónomos, não admitindo, por isso, a sua apreciação ao abrigo do artigo 265 do CPC.
C\ Tal entendimento é manifestamente errado: a autora não introduziu uma nova causa de pedir, mas apenas alegou factos supervenientes — nomeadamente, a denúncia do contrato de sublocação — que resultaram directamente da situação económica já descrita na petição inicial, fundada na alteração anormal das circunstâncias provocada pela pandemia de SARS-CoV-2.
D\ A causa de pedir manteve-se inalterada: trata-se da mesma relação jurídica subjacente (contrato de sublocação) e do mesmo fundamento jurídico invocado (artigo 437.º do Código Civil).
E\ A denúncia do contrato é um efeito consequente da perturbação da equação contratual, não uma nova causa autónoma; a modificação dos pedidos foi uma reformulação consequente e proporcional, permitida nos termos do artigo 265/2 do CPC.
F\ Ainda que se entendesse haver modificação da causa de pedir, a mesma seria admissível por se fundar em factos supervenientes, conforme expressamente previsto no artigo 588/1 do CPC.
G\ A jurisprudência e doutrina (v.g. Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Teixeira de Sousa e Abrantes Geraldes) admitem a ampliação ou modificação da causa de pedir quando fundada em factos supervenientes e sem alteração do núcleo essencial da relação jurídica em causa.
[…]
I\ No que respeita à sentença, errou o tribunal a quo ao julgar procedente a excepção peremptória deduzida pela ré, com fundamento no “Auto de Entrega de Loja”.
J\ Tal documento não faz qualquer referência à acção judicial em curso, não reflecte qualquer concessão recíproca entre as partes, nem demonstra a intenção inequívoca de pôr termo ao litígio judicial, não podendo, por isso, ser qualificado como contrato de transacção nos termos do artigo 1248 do CC.
K\ Nos termos do artigo 290/3 do CPC, mesmo em sede extrajudicial, impõe-se ao juiz o dever de aferir se o documento que invoca confissão, desistência ou transacção é válido quanto ao seu objecto e quanto à qualidade das partes intervenientes — o que, no caso dos autos, não é possível por ausência de qualquer referência ao processo ou aos pedidos nele deduzidos.
L\ A sentença interpretou erradamente o alcance do “auto de entrega”, atribuindo-lhe valor de declaração negocial extintiva de direitos litigiosos, em violação das regras legais de interpretação dos negócios jurídicos previstas nos artigos 236 a 238 do CC.
M\ Ao fazê-lo, o tribunal a quo extravasou os limites da sua função jurisdicional, presumindo a vontade extintiva da autora e decidindo com base num documento que não podia ser objecto de apreciação como transacção nem como confissão, nos termos legais.
N\ Acresce que a autora juntou voluntariamente o “auto de entrega” aos autos - o que evidencia transparência, lealdade e ausência de ocultação de factos.
O\ Ainda assim, o tribunal a quo condenou a autora como litigante de má fé, considerando que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar – o que não tem qualquer suporte factual ou jurídico.
P\ A litigância de má fé exige dolo ou negligência grave, bem como consciência da falta de fundamento da pretensão, o que não se verifica, como aliás reconhecido pelo STJ no ac. de 11/09/2012, proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1.
Q\ A autora actuou sempre de acordo com a sua convicção jurídica legítima, numa matéria juridicamente controvertida, com jurisprudência divergente e sem qualquer ocultação ou distorção de factos.
R\ A condenação por litigância de má fé assenta num juízo de censura infundado e injusto, sendo de revogar por manifesta ausência dos pressupostos legais.
[…]
U\ Por fim, ao impedir o conhecimento de uma pretensão fundada em factos supervenientes que visam concretizar e adaptar o pedido já deduzido em juízo, o tribunal a quo violou os artigos 202/2, 203 e 20 da Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito à tutela jurisdicional efectiva, à legalidade da decisão e ao acesso ao direito e aos tribunais.
A ré contra-alegou, terminando as suas alegações com a seguinte síntese:
A\ As conclusões da autora são manifestamente infundadas e estão em clara contradição com a lei vigente aplicável e com a vontade das partes expressa no acordo.
B\ A autora procura assacar efeitos jurídicos e reverter a decisão do tribunal a quo que julgou pela inadmissibilidade da alteração do pedido e da causa de pedir, quando, nos termos do CPC, o momento processual para recorrer de tal despacho já se encontra ultrapassado.
C\ O que foi em devido tempo julgado pelo tribunal a quo, conforme despacho de 18/09/2024, e dado a conhecer à autora, que se conformou com os efeitos jurídicos dali decorrentes, não tendo recorrido daquela decisão.
D\ Motivo pelo qual deve ser julgado inadmissível o recurso, na parte que recorre do despacho de 18/09/2024, por ser infundado e intempestivo, e consequentemente, inadmissível processualmente, o que deve obstar ao seu conhecimento.
E\ O tribunal a quo, percebeu perfeitamente a intenção das partes e a vontade expressa no acordo e decidiu em perfeita harmonia com o teor dos documentos apresentados.
F\ A sentença expõe perfeitamente a realidade dos factos e decide com justiça, em conformidade com a realidade das circunstâncias apresentadas, razão pela qual deverá a decisão manter-se.
G\ A excepção peremptória invocada pela ré deve ser confirmada, por conta do acordo celebrado entre autora e ré.
H\ Os termos e condições do acordo assinado pela autora são claros e precisos, pelo que não pode aquela vir agora reclamar dos mesmos, referindo que as suas convicções eram outras e que o mesmo não expressa a sua vontade, numa clara deturpação da realidade.
I\ O acordo foi celebrado ao abrigo do princípio jurídico da liberdade contratual, nos termos do qual as partes são livres de celebrar os contratos que bem entenderem, fixando livremente o seu conteúdo e incluindo as cláusulas que lhes aprouver, desde que o seu objecto não seja física ou legalmente impossível e/ou contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes.
J\ O acordo foi celebrado sem qualquer vício da vontade, sendo que a vontade exteriorizada pela autora apenas pode ser interpretada no sentido que com a entrega do locado e reparação da sobredita parede técnica as partes consideram satisfeitos todos os seus direitos emergentes da relação contratual que mantiveram e reconhecem que nada mais lhes é devido por força do contrato que os ligou, assim renunciando a exigir eventuais créditos emergentes daquela relação contratual.
K\ Qualquer interpretação diversa seria incoerente, desadequada e manifestamente injusta e contrária à lei e às mais elementares regras e princípios de direito.
[…]
N\ A autora ao manter os pedidos iniciais formulados já após a celebração do acordo, não tinha como desconhecer a falta de fundamento da sua pretensão, com isso querendo somente prejudicar a ré, o que não podia ser simplesmente ignorado pelo tribunal a quo.
O\ Com a manutenção dos pedidos iniciais formulados pela autora e respectiva procedência a ser julgada pelo tribunal a quo, resultaria para a autora um crédito que aquela expressamente renunciou por via do acordo.
P\ A autora não podia, por isso, ignorar a falta de fundamento do pedido apresentado, nos termos do artigo 542/2a do CPC.
Q\ A actuação e postura litigante da autora é assim flagrante, dolosa e reprovável à luz das regras de direito aplicáveis.
[…]
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Questões que importa decidir: a prévia da inadmissibilidade do recurso contra o despacho de 18/09/2024; se a alteração dos pedidos devia ter sido admitida; se não se verifica a excepção de renúncia dos direitos da autora; se esta não devia ter sido condenado como litigância de má fé.
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Os factos que importam para a decisão destas questões são as ocorrências processuais de que o relatório deste acórdão dá conta e o acordo constante do auto que será transcrito mais à frente.
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A questão prévia da inadmissibilidade do recurso
O recurso contra o despacho de 18/09/2024 é admissível ao abrigo do art. 644/3 do CPC, porque não cabia em nenhuma das alíneas dos n.ºs anteriores do artigo e por isso é que não foi admitido o recurso que autora interpôs antes contra ele, como se vê no despacho de 06/11/2024.
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Apreciação:
O art. 265 do CPC trata da alteração do pedido e da causa de pedir e os artigos 611 e 588 do CPC tratam apenas da consideração e introdução de novos factos, ou seja, só têm a ver com a causa de pedir.
A ampliação do pedido do art. 265/2 do CPC, pode basear-se nos factos supervenientes deduzidos nos termos do art. 588 do CPC, mas a norma que trata da admissão da ampliação do pedido é a da parte final do art. 265/2 do CPC.
Nenhuma da doutrina citada pela autora defende que é o art. 588 do CPC que permite a ampliação do pedido (remetemos para as obras e locais citados pela autora).
Posto isto,
Com o pedido biv\ do articulado superveniente, a autora adita um novo pedido aos anteriores, novo pedido que não tem nada a ver com os outros, isto é, não é seu desenvolvimento (não pretende fazer valer outra parte ou a totalidade aquilo que antes tinha feito valer inicialmente só em parte) ou consequência (a sua procedência não depende da procedência do primeiro): enquanto os pedidos da PI tinham a ver, grosso modo, com a redução das rendas a pagar ou outra alteração nas obrigações contratuais, no pedido biv\ do articulado superveniente, o que a autora quer é o pagamento de metade do valor das obras que fez, a que terá direito, segundo ela, porque entretanto denunciou o contrato e já não se justifica, por isso, que seja só ela a suportar o valor dessas obras.
Pelo que não pode ser admitido (não preenche os pressupostos da norma permissiva: art. 265/2 do CPC).
Quanto aos pedidos bii\ e biii\ eles são uma alteração dos pedidos 2a\ e 2b\ da PI, decorrente, da passagem do tempo; antes existia um contrato que a autora entendia que devia ser alterado por força da alteração das circunstâncias, devendo passar a pagar rendas com um valor diminuído; agora, porque já passou o tempo em que essas rendas se venceram e a autora pagou as rendas, o que ela quer é que lhe sejam devolvidas as rendas pagas a mais, tendo em conta a eventual procedência do pedido de alteração do valor das rendas. Trata-se pois de uma modificação dos pedidos iniciais 2a\ e 2b\ baseada num facto superveniente que a autora formalizou no articulado superveniente que foi bem admitido face ao disposto no art. 588 do CPC. A denúncia do contrato não serve de base do pedido, é apenas uma razão para a autora limitar o pedido a um período menor, pois que o contrato já não existe e já não se venceram mais rendas (e esta a redução é admissível em qualquer altura por força da parte inicial do art. 265/2 do CPC).
Pelo que, em relação àqueles pedidos (que são uma alteração que é consequência dos pedidos anteriores) se verificam os pressupostos da parte final do art. 265/2 do CPC e, por isso, a modificação devia ter sido admitida, aqui com apoio em toda a doutrina citada pela autora (e para a qual de novo se remete, mas acrescentando-se o estudo de Lebre de Freitas, Ampliação do pedido em consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, págs. 107 a 118, nos Novos estudos de direito civil e processo civil, Gestlegal, 2021, de onde se retiraram, entre o mais, as definições do que é um desenvolvimento e o que é uma consequência dos pedidos anteriores) pelo que, nessa parte, o recurso procederia.
*
Quanto à excepção peremptória.
Segundo a sentença verificou-se uma renúncia da autora aos créditos que tivesse contra a ré, renúncia que decorre do que foi escrito no auto de entrega de 28/02/2023, junto pela autora a 19/04/2023. Esta excepção, ainda segundo a sentença, teria sido deduzida pela ré.
Antes de mais, porque o auto ainda não foi transcrito, deixe-se aqui o teor do mesmo [transcreve-se apenas o que importa à decisão das questões]:
AUTO DE ENTREGA DE LOJA
(Avenida …, n.º 000)
RR-S.A., […], representada pelo seu Administrador, com poderes para o acto, Sr. J, na qualidade de Sublocador e AA-Lda., […], representada pela sua Gerente, com poderes para o acto, Sr.ª P, na qualidade de Sublocatária, reciprocamente e mutuamente declaram, aceitam e reconhecem o seguinte:
A\ Que nada mais é devido entre Sublocatária e Sublocador, seja a que título for, salvo o referido em F infra, no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado, cujo objecto corresponde ao espaço comercial […], adiante o Locado. A Sublocatária será responsável, perante o Sublocador, por todos as despesas de água, luz e telecomunicações, incorridas pelo Locado até à presente data, mesmo que se vençam em momento posterior;
B\ Que no dia 24/02/2023, Sublocatária e Sublocador realizaram uma vistoria ao locado, com vista à confirmação das condições de entrega do Locado, tendo sido o mesmo aceite sem ocorrências, salvo F infra, na presença de duas testemunhas, declarando o Sublocador que conhece o estado em que o mesmo se encontra e é nessa medida que expressamente aceita recebê-lo, considerando-se o Locado restituído para todos os devidos efeitos;
C\ Que na presente data foram entregues pela Sublocatária ao Sublocador as chaves do Locado, compostas por 4 cópias da porta de entrada da fachada principal e 3 cópias de acesso ao logradouro, portas do lado esquerdo e lado direito, respectivamente, 1 das 4 cópias da porta de entrada da fachada principal ficará com a Sublocatária até ao dia 4 de Março, inclusive, por forma a possibilitar o cumprimento do previsto em F infra.
D\ Que na presente data foi entregue pelo Sublocador à Sublocatária o original e respectivo cancelamento da garantia bancária n.º 00000-00-0000000 no valor de 88.800€ emitida pelo BCP, SA, para assegurar as obrigações de pagamento da Sublocatária de seis meses de renda, assim como seis meses de comparticipações nos custos de condomínio, que se encontram totalmente pagas, nada mais havendo a reclamar a este respeito;
E\ Que o Sublocador se obriga a devolver à Sublocatária o candeeiro composto por focos, sito no tecto do piso superior da loja, aquando da respectiva remoção por si ou por terceiro;
F\ Que a Sublocatária procederá à reparação da parede técnica que se encontra no lado esquerdo do piso superior da loja, até ao dia 4 de Março, inclusive, através da utilização de uma parede de pladur, garantindo o acesso ao quadro eléctrico e ao contador, nos termos do orçamento em anexo, que fará por sua conta e assumindo os respectivos custos. Por forma a caucionar a realização da reparação da parede técnica após a presente data e nos termos do orçamento em anexo, a Sublocatária entrega ao Sublocador a quantia de 1.078,96€, (a) que fará dessa quantia sua, caso a Sublocatária não realize a reparação da parede técnica até ao dia 4 de Março, inclusive, (b) ou se obriga a restituí-la, à Sublocatária, até dia 6 de Março, inclusive, após a realização da referida reparação.
Lisboa, 28/02/2023,
Pela RR Pela AA
(cada uma das partes juntou uma cópia do auto com a assinatura da outra)
As declarações da autora naquele auto têm, para um declaratário normal, colocado na posição da ré, o sentido de renúncia a quaisquer direitos que a autora ainda pudesse ter derivados do contrato do arrendamento, pelo que é esse o sentido que deve valer (art. 236/1 do CC).
A autora pretende que tinha uma vontade diferente daquela.
No requerimento de 27/06/2023, com que respondeu às excepções deduzidas, segundo o tribunal, pela ré, a autora diz várias vezes o que se segue, com variações: o auto “dizia respeito apenas e somente à entrega da loja e obrigações relativas a tal entrega”. Mas não é isso que resulta do que consta do começo da alínea A\ daquele auto/acordo, pois que nele se diz “Que nada mais é devido entre Sublocatária e Sublocador, seja a que título for, […], no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado […].”
Diz também (ii) “que assinar um acordo total entre as partes e não fazer referência expressa à acção judicial em crise seria manifestamente estranho, tendo em conta que este seria o único assunto pendente entre partes, para além da entrega do locado;” mas o facto de as partes não estarem a pensar no processo ou não o terem referido expressamente no acordo, não impede que os termos do acordo sejam tão amplos que abrangem de forma clara a extinção das pretensões que a autora exerce nesta acção, pois que a autora “declara, aceita e reconhece” que “nada mais é devido entre sublocatária e sublocador, seja a que título for, […] no âmbito do contrato de subarrendamento celebrado […]”.
A autora diz ainda, mas são apenas variantes do que diz em (ii), que (iii) “não pretendeu prescindir da pretensão vertida na presente acção” e que “não pretendeu, nem pretende, prescindir do pedido formulado nem daqueles que entende serem os direitos que aqui peticiona,”. Mas tudo isto é irrelevante, já que essa ressalva não foi feita no acordo.
A autora invoca, por fim, um facto, que poderia ser sujeito a prova e acrescentado ao teor do auto, para apreciação do sentido da declaração da autora: esta teria, por diversas vezes, referido ao representante legal da ré, o que consta de (iii).
Segundo o art. 238 do CC, 1\ Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2\ Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Segundo o artigo 1082 do CC, 1\ As partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido. 2\ O acordo referido no número anterior é celebrado por escrito, quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.
Portanto, o acordo a que o auto dá forma corresponde a um negócio formal (de revogação do contrato de subarrendamento) e a lei quer, para que o acordo possa valer e não só como prova dele, que as cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias constem de tal escrito. Assim sendo, a vontade de excluir da renúncia os direitos que estavam a ser exercidos nesta acção tinha que ter – e não tem - um mínimo de correspondência no texto do auto, ainda que imperfeitamente expressa, sob pena de não poder ser considerada.
A autora diz que este acordo não é uma transacção, nem assumiu os termos desta (ou seja, dos artigos 1248 do CC e 290 do CPC). A autora está a confundir as questões. O tribunal não extinguiu o processo por ter havido uma transacção, judicial (artigos 1248 do CC e 277/-d e 290 do CPC), o que fez foi considerar verificada uma excepção peremptória, qual seja, a renúncia como causa da extinção dos direitos da autora, por via, no caso, de uma remissão abdicativa, já que houve aceitação da renúncia, pela ré (art. 863/1 do CC), num auto de entrega que não foi tomado como uma transacção porque nele as partes não disseram ter terminado um litígio (art. 1248 do CC).
O tribunal também não considerou o acordo como uma confissão, por exemplo, da renúncia. O que fez foi extrair a conclusão da existência da renúncia dos termos do acordo consubstanciado pelo auto de entrega, que nenhuma das partes impugnou (ou melhor: que foi junto pelas duas partes) e que, por isso, está provado por documento particular (art. 376 do CC).
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Da litigância de má fé
A tramitação seguida para se chegar, no fim, à verificação da excepção peremptória da renúncia da autora aos créditos exercidos na acção, está longe de ter sido linear e os cerca de 2 anos que essa tramitação levou não são, no essencial, imputáveis à autora, como decorre do relatório deste acórdão, sendo que logo 1 ano e 3 meses desses 2 anos (entre a pronúncia da autora a 27/06/2023 e o despacho de 18/09/2024) é apenas imputável ao tribunal que marcou uma audiência prévia que afinal não era necessária já que proferiu a decisão sem a realizar. E foi a ré que iniciou toda aquela tramitação global, com um requerimento em que invoca uma excepção depois da contestação, mas sem introduzir os factos suporte dessa excepção através de um articulado superveniente.
Por outro lado, a tentativa da autora de tentar provar uma vontade real diferente do sentido objectivo da declaração, nada tem de especial, pois que mesmo nos negócios formais o art. 238/2 do CC prevê que uma declaração possa valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade. Sendo que esta última parte da norma presta-se, normalmente, a várias dúvidas (daí que a ré tenha sentido a necessidade de, num articulado com 17 páginas, tentar demonstrar, com a invocação de inúmeros factos – que não constam dos autos e que a ré não tentou introduzir com um articulado superveniente – que o sentido da declaração não era o invocado pela autora, aceitando pois a discussão da questão ao abrigo daquela norma), e a norma que, no caso, resolve a questão, segundo este acórdão, é a do art. 1082 do CC e não foi invocada nem pela ré nem pelo tribunal.
Por outro lado, a ré começou por ver no acordo constante do auto uma causa de sanação do litígio, depois o tribunal considerou que o que havia era uma causa de impossibilidade superveniente da lide, a seguir o tribunal fala numa transacção nos termos do art. 1248 do CC que extinguiu os direitos da autora, mais tarde refere a renúncia a esses direitos e acaba por julgar verificada a excepção peremptória da extinção dos direitos sem referir expressamente a renúncia, o que demonstra que o problema e a solução dele, nada tinham de linear.
Por tudo isto, não se aceita que se possa dizer que a autora não podia desconhecer a falta de fundamento legal da sua pretensão.
Logo, não se justifica a condenação da autora como litigante de má-fé.
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Pelo exposto, julga-se em parte procedente o recurso contra o despacho de 18/09/2024, admitindo-se agora a ampliação do pedido concretizada em bi\ e bii\ do articulado superveniente, e contra a condenação da autora em multa como litigante de má fé, de que agora vai absolvida, mas no resto julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a procedência da excepção peremptória da renúncia da autora aos direitos exercidos nesta acção que ainda subsistiam.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, em 90% pela autora e 10% pela ré.

Lisboa, 23/10/2025
Pedro Martins
Ana Cristina Clemente
Susana Maria Mesquita Gonçalves