Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
187/21.9YHLSB.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: DIREITO DE AUTOR
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: Sumário: Violação de direitos de autor – Nulidade da sentença por falta de fundamentação – Falta de elementos necessários para a apreciação conscienciosa da excepção peremptória de prescrição – Prazo de prescrição – Artigos 498.º n.º 1 e 3 do Código Civil e 195.º n.º 1 do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa



Resumo do processo na primeira instância


1.–A recorrente/autora, intentou contra a recorrida/ré a presente acção declarativa de condenação que segue a forma de processo comum, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização de 25 000 euros, acrescida de quantia a liquidar, de juros de mora à taxa legal a contar da citação e da imposição de uma sanção pecuniária compulsória. Invocou, como fundamentos da sua pretensão, a responsabilidade extracontratual da ré, emergente da utilização, não autorizada, durante a inauguração do Hotel Pestana CR7, de uma fotografia que constitui uma obra do autor, seu criador intelectual. Para fundamentar a sua pretensão, a autora invocou ainda os artigos 2.º n.º 1 – h), 9.º n.ºs 1 e 2, 11.º, 12.º, 41.º n.ºs 1 e 2, 67.º, 149.º, 165.º n.º 3 e 211º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), o artigo 829.º A do Código de Processo Civil (CPC) e o artigo 487.º n.º 2 do Código Civil (CC)cf. peça processual junta com a referência citius 88340.

2.–A recorrida/ré, foi citada via postal com prova de depósito do aviso datada de 1.6.2021 e contestou a presente acção em 1.7.2021 – cf. referências citius 88634, 89137 e 89694.

3.–A ré defendeu-se por via de excepção e de impugnação, pugnando pela improcedência da acção. Invocou, entre outros fundamentos de defesa, a prescrição do direito de indemnização do autor por já ter decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 498.º do n.º 1 do CC, desde o dia 2 de Outubro de 2016, data da alegada violação do direito de autor, ou pelo menos desde 2017, ano em que o autor tomou conhecimento dessa violação. Requereu a intervenção provocada acessória da chamada, como auxiliar da defesa, alegando tê-la contratado para elaborar e difundir o vídeo de inauguração onde foi usada a fotografia aqui em crise, com observância da diligência devida. Em tais circunstâncias, desconhecendo a ré se a fotografia foi publicada sem autorização do autor, no caso de isso se vir a provar, a ré pode exercer o direito de regresso contra a chamada, nos termos do artigo 321.º do CPC – peça processual junta com a referência citius 89694.

4.–A recorrente/autora, respondeu à excepção de prescrição, defendendo que cabe à ré alegar e provar a data em que a autora tomou conhecimento do facto ilícito, por ser um dos fundamentos da excepção invocada. Adicionalmente, alegou que no dia 13.9.2019 a ré foi citada no processo 338/19.3YHLSB que correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, o que interrompeu a prescrição, nos termos previstos no artigo 323.º º n.º 1 do CC, uma vez que o objecto daquele processo é idêntico ao da presente acção, tendo aquele terminado com uma decisão de absolvição da instância – cf. peça processual junta com a referência citius 90012.

5.–A recorrida/ré, treplicou, alegando que no processo 338/19.3YHLSB, que correu termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, a autora foi Mo…, sociedade estrangeira sediada nos Estados Unidos e não o autor na presente acção. Defendeu que, naquele processo, o Tribunal julgou que essa sociedade carecia de personalidade judiciária e absolveu a ré da instância. Motivo pelo qual a citação, naquela outra acção, não interrompe a prescrição invocada nos presentes autos uma vez que não foi o ora autor que ali promoveu a interrupção da prescrição, como exige o artigo 323.º do CC – cf. referência citius 90724.

6.–Foi admitida a intervenção acessória provocada da chamada como auxiliar da defesa e ordenada a sua citação – cf. referência citius 452565.

7.–A chamada contestou por via de excepção e de impugnação. Invovou a prescrição e a falta de personalidade judiciária do autor – cf. peça processual junta com a referência citius 92962.

8.–O recorrente/autor respondeu à contestação da chamada defendendo ter sido ele, autor, quem promoveu a interrupção da prescrição no processo 338/19.3YHLSB, uma vez que o autor, M… (na presente acção) foi autorizado, nos Estados Unidos, a desempenhar a sua actividade comercial sob o nome de M… I… (autor no processo 338/19.3YHLSB), sendo a mesma pessoa singular que desempenha essa actividade. Alegou ainda que cabe ré provar o decurso do prazo da prescrição e pediu a condenação da ré como litigante de má fé – cf. peça processual junta com a referência citius 93154.

9.–Realizou-se a audiência prévia – cf. referência citius 473019

10.–Por despacho saneador sentença, de 7.3.2022, que aqui se dá por reproduzido, o Tribunal a quo:
  • Julgou improcedente a excepção de falta de personalidade judiciária do autor;
  • Julgou procedente a excepção peremptória de prescrição e, absolveu a ré e a chamada do pedido – cf. referência citius 475967.

Âmbito do recurso

11.–Da decisão referida no parágrafo anterior, na parte que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, veio o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, formulando os seguintes pedidos:

a)- Ser o despacho saneador-sentença declarado nulo, por falta de fundamentação, devendo o mesmo ser substituído por outro em que tal vício seja expurgado;
b)-Ser o despacho saneador-sentença revogado, e, em consequência, substituído por outra decisão, com a prolação de despacho a identificar o objeto do litígio e a enumerar os temas da prova, nos termos do disposto no artigo 596.º n.º 1 do CPC, seguindo-se os ulteriores termos do processo;
c)- Ser o despacho saneador-sentença revogado, e, em
d)-consequência, substituído  por outro que julgue improcedente a exceção perentória de prescrição (...).”

12.–Nas suas alegações, a recorrente invocou, em síntese:
  • A nulidade do saneador sentença por falta de indicação dos factos que serviram de fundamento à decisão, em violação ao disposto no artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC;
  • O erro de direito porque, por um lado, é controvertida a data em que o autor tomou conhecimento do facto ilícito para efeitos de contagem do prazo de prescrição, impendendo sobre a ré o ónus da prova de tal facto; por outro lado, ainda que assim não fosse, o prazo de três anos previsto no artigo 498.º n.º 1 do CC não se aplica porque, integrando os factos alegados pelo autor, simultaneamente, um crime de usurpação, o Tribunal a quo deveria ter aplicado o prazo de prescrição de cinco anos que resulta das disposições conjuntas dos artigos 498.º n.º 3 do CC, 195.º do CDADC e 118.º n.º 1 – c) do Código Penal (CP); por último, no processo 338/19.3YHLSB e na presente acção, o autor é a mesma pessoa singular devendo ter-se por interrompida a prescrição naquele processo.


13.–A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo, em síntese, que:
  • O Tribunal recorrido dispunha de todos os elementos necessários ao conhecimento da excepção peremptória de prescrição, quer porque o autor reconhece que o dano ocorreu no dia 6.10.2016, quer porque nas alegações orais, reconheceu ter tido conhecimento da utilização da fotografia no ano de 2018;
  • Não houve interrupção da prescrição no processo 338/19.3YHLSB, porque esse processo foi intentado por um terceiro e não pelo autor;
  • O recorrente não alegou, nem poderá provar, que se trata de uma obra protegida por direito de autor e não alegou o preenchimento do elemento subjectivo do crime correspondente à culpa do agente na forma de dolo ou negligência, pelo que não se aplica o prazo de prescrição mais longo, previsto para o crime de usurpação, no artigo 118.º n.º 1 do CP.

14.–A chamada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese, que:
  • Não existe nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida porque esta não tinha de elencar discriminadamente os factos provados;
  • O Tribunal recorrido interpretou correctamente o artigo 595.º n.º 1 - b) do CPC uma vez que a inauguração do hotel Pestana CR7 foi um facto notório e, por isso, é de presumir que o autor tomou conhecimento, nessa data, da alegada violação do seu direito de autor sobre a fotografia em causa;
  • Não houve interrupção do prazo de prescrição nem o autor alegou factos que integrem a prática de um crime de usurpação ao qual se aplique prazo de prescrição superior.

Questões suscitadas pelo recurso

15.–Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:

A.–Nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos provados – artigo 615.º n.º 1 – b) do CPC

B.–Necessidade de mais provas para apreciação da excepção de prescrição – artigo 595.º n.º 1 – b) do CPC

Factos provados que o Tribunal leva em conta para decidir o recurso
16.– Os actos e termos processuais mencionados nos parágrafos 1 a 10, julgados provados com base nas referências citius aí indicadas, que se encontram no processo electrónico.

Quadro jurídico relevante
17.–Têm relevo para a apreciação do recurso, as seguintes disposições legais:

Código de Processo Civil ou CPC

Artigo 576.º
Exceções dilatórias e perentórias – Noção
1–As exceções são dilatórias ou perentórias.
2–As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3–As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.

Artigo 595.º
Despacho saneador
1–O despacho saneador destina-se a:
a)-Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;
b)-Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
2–O despacho saneador é logo ditado para a ata; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode excecionalmente proferi-lo por escrito, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso.
3–No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.
4–Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
5–Nas ações destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver invocado a titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor, e não puder apreciar-se logo aquela questão, o juiz ordena a imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo do que venha a decidir-se a final quanto à questão da titularidade do direito.

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1–É nula a sentença quando:
a)-Não contenha a assinatura do juiz;
b)-Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)-Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)-O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)-O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2–A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3–Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4–As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Código Civil ou CC

Artigo 303.º
(Invocação da prescrição)
O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

Artigo 323.º
(Interrupção promovida pelo titular)
1.–A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2.–Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3.–A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4.–É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Artigo 342.º
(Ónus da prova)
1.–Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2.–A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3.–Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

Artigo 487.º
(Culpa)
1.–É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.
2.–A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Artigo 498.º
(Prescrição)
1.–O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2.–Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3.–Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
4.–A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.

Código do Direito de Autor e Direitos Conexos ou CDADC

Artigo 195.º
Usurpação
1–Comete o crime de usurpação quem, sem autorização do autor ou do artista, do produtor de fonograma e videograma ou do organismo de radiodifusão, utilizar uma obra ou prestação por qualquer das formas previstas neste Código.
2–Comete também o crime de usurpação:
a)-Quem divulgar ou publicar abusivamente uma obra ainda não divulgada nem publicada pelo seu autor ou não destinada a divulgação ou publicação, mesmo que a apresente como sendo do respectivo autor, quer se proponha ou não obter qualquer vantagem económica;
b)-Quem coligir ou compilar obras publicadas ou inéditas sem autorização do autor;
c)-Quem, estando autorizado a utilizar uma obra, prestação de artista, fonograma, videograma ou emissão radiodifundida, exceder os limites da autorização concedida, salvo nos casos expressamente previstos neste Código.
3–Será punido com as penas previstas no artigo 197.º o autor que, tendo transmitido, total ou parcialmente, os respectivos direitos ou tendo autorizado a utilização da sua obra por qualquer dos modos previstos neste Código, a utilizar directa ou indirectamente com ofensa dos direitos atribuídos a outrem.
4–O disposto nos números anteriores não se aplica às situações de comunicação pública de fonogramas e videogramas editados comercialmente, puníveis como ilícito contraordenacional, nos termos dos n.ºs 3, 4 e 6 a 12 do artigo 205.º

Artigo 211.º
Indemnização
1–Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de autor ou os direitos conexos de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelas perdas e danos resultantes da violação.
2–Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, patrimoniais e não patrimoniais, o tribunal deve atender ao lucro obtido pelo infractor, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a protecção do direito de autor ou dos direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
3–Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infractor, designadamente do espectáculo ou espectáculos ilicitamente realizados.
4–O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infractor, bem como às circunstâncias da infracção, à gravidade da lesão sofrida e ao grau de difusão ilícita da obra ou da prestação.
5–Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada, e desde que este não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão e os encargos por aquela suportados com a protecção do direito de autor ou direitos conexos, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito.
6–Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infractor constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos critérios previstos nos n.ºs 2 a 5.

Código Penal ou CP

Artigo 14.º
Dolo
1–Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.
2–Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3–Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.

Artigo 15.º
Negligência
Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a)-Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime, mas actuar sem se conformar com essa realização; ou
b)-Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.

Artigo 118.º
Prazos de prescrição
1–O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos:
a)-15 anos, quando se tratar de:
i)-Crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for superior a 10 anos;
ii)-Crimes previstos nos artigos 335.º, 372.º, 373.º, 374.º, 374.º-A, nos n.ºs 1 e 3 do artigo 375.º, no n.º 1 do artigo 377.º, no n.º 1 do artigo 379.º e nos artigos 382.º, 383.º e 384.º do Código Penal;
iii)-Crimes previstos nos artigos 11.º, 16.º a 20.º, no n.º 1 do artigo 23.º e nos artigos 26.º e 27.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho;
iv)-Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril;
v)-Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º-A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto;
vi)-Crime previsto no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro;
vii)-Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar; ou
viii)-Crime previsto no artigo 299.º do Código Penal, contanto que a finalidade ou atividade do grupo, organização ou associação seja dirigida à prática de um ou mais dos crimes previstos nas subalíneas i) a iv), vi) e vii);
b)-Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;
c)-Cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos;
d)-Dois anos, nos casos restantes.
2–Para efeito do disposto no número anterior, na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime, mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3–Se o procedimento criminal respeitar a pessoa colectiva ou entidade equiparada, os prazos previstos no n.º 1 são determinados tendo em conta a pena de prisão, antes de se proceder à conversão prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 90-B.º
4–Quando a lei estabelecer para qualquer crime, em alternativa, pena de prisão ou de multa, só a primeira é considerada para efeito do disposto neste artigo.
5–Nos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de mutilação genital feminina sendo a vítima menor, o procedimento criminal não se extingue, por efeito da prescrição, antes de o ofendido perfazer 23 anos.

Apreciação das questões suscitadas pelo recurso

A.–Nulidade da sentença por falta de discriminação dos factos provados

18.–Nos presentes autos, a decisão em crise consiste num despacho saneador que apreciou o mérito da causa tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença – artigo 595.º n.º 3 do CPC.

19.–Tal como alega o autor, a sentença recorrida enferma de nulidade por falta de indicação dos factos provados.

20.–Na verdade, a sentença recorrida contém apenas apreciações conclusivas, alusão a presunções judiciais e a fundamentação de direito, sem indicar quais os factos em que assenta a decisão.

21.–Contrariamente ao que defendem a ré e a chamada, o dever de fundamentação inclui, neste caso, o dever de discriminar, na sentença, os factos que o Tribunal considera provados, como prevê expressamente o artigo 607.º n.º 3 do CPC. Dever este que foi totalmente omitido.

22.–Pelo que, a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 – b) e n.º 4 do CPC e, por isso, deve ser revogada.

B.– Necessidade de mais provas para apreciação da excepção de prescrição

23.–Resulta dos factos provados que o Tribunal a quo, a seguir à audiência prévia, conheceu da excepção peremptória de prescrição (cf. artigo 576.º n.º 3 do CPC) invocada pela ré e pela chamada, no despacho saneador. O que, nos termos do artigo 595.º 1- b) do CPC, só deve ocorrer quando o processo o permitir sem necessidade de mais provas.

24.–Ora afigura-se que eram necessárias mais provas, pois os factos alegados, necessários ao conhecimento da prescrição, são controvertidos.

25.–Neste contexto, importa sublinhar que impende sobre a ré e a chamada, o ónus da prova dos factos impeditivos do direito do autor, em particular os que integram a prescrição do direito de indemnização, que invocam. Cabe-lhes, assim, provar em que momento é que o autor tomou conhecimento do seu direito (cf. artigos 342.º n.º 2 e artigo 498.º n.º 1 do CC).

26.–A esse propósito, a decisão recorrida refere que, nas alegações orais, na audiência prévia, o autor reconheceu ter tido conhecimento do seu direito em 2018 e que, dai até à data da citação para a presente acção, decorreram mais de três anos, que é o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º n.º 1 do CC. Sucede que, não se mostrando observada a forma prevista nos artigos 356.º do CC ou 463. º do CPC, tal reconhecimento de um facto desfavorável, não tem o valor de confissão, embora possa ser apreciado livremente, como prevê o artigo 361.º do CC. Porém, contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, ainda que tal facto viesse a ser incluído nos factos provados (que não foi, como resulta da apreciação da questão anterior), não se afigura suficiente para uma decisão conscienciosa sobre a questão da prescrição.

27.–É que, embora a prescrição tenha de ser invocada (cf. artigo 303.º n.º 1 do CC), como foi, por aqueles a quem aproveita, uma vez invocada, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto às regras de direito. Pelo que, cabe ao Tribunal decidir se o prazo aplicável é o previsto no artigo 498.º n.º 1 do CC ou, o previsto no n.º 3 desse preceito legal.

28.–Por seu lado, impende sobre o autor, o ónus da prova de que o facto ilícito que alega constitui igualmente um crime de usurpação previsto no artigo 195.º n.º 1 do CDADC, para poder beneficiar do prazo de prescrição de 5 anos que resulta dos artigos 498.º n.º 3 do CC e 118.º n.º 1 – c) do CP – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora Limitada, página 504.

29.–Ora, o autor invoca na petição inicial os fundamentos da responsabilidade civil extracontratual com base num facto ilícito, que incluem, o facto, a ilicitude, a culpa assente na imputação do facto ao agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano – cf. artigos 1 a 21 da petição inicial indicada supra no parágrafo 1. A esse propósito, a culpa jurídico civil exprime a voluntariedade do facto, que é alegada pelo recorrente na petição inicial e, nessa medida, terá de ser apreciada em concreto, a fim de averiguar se o acto praticado resultou da vontade do agente em termos de dolo ou de mera culpa, embora essa apreciação tenha de ser feita à luz do comportamento devido, determinado de acordo com o padrão de diligência psicológica do bom pai de família, como prevê o artigo 487-º n.º 2 do CC e não à luz dos critérios previstos nos artigos 14.º e 15.º do CP. Na culpa civil, se o agente não agiu como agiria o bom pai de família, omitiu o comportamento devido, quer tenha actuado com dolo, quer com mera culpa (cf. Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, páginas 336 a 339).

30.–Assim sendo, existe sobreposição entre os fundamentos de facto alegados pelo autor quando intenta a presente acção de indeminização, nomeadamente, os que integram o dolo ou mera culpa, previstos no artigo 211º do CDADC e que devem ser apreciados à luz do artigo 487.º do CC, por um lado, e os fundamentos de facto da responsabilidade pela prática de um crime de usurpação, previsto e punido pelo artigo 195.º n.º 1 do CDADC, por outro lado. Sem prejuízo de, como defende a ré, a culpa jurídica civil ser uma entidade diversa da culpa jurídico penal, dai resulta que, a primeira deve ser apreciada à luz do disposto no artigo 487.º do CC, enquanto a segunda deve ser apreciada à luz do disposto nos artigos 14.º e 15.º do CP. Ou seja, a base de facto com relevo para a apreciação dessas duas entidades diversas foi alegada pelo autor.

31.–Ora, sendo tal matéria de facto controvertida, a mesma carece de prova e ulterior apreciação pelo Tribunal, para se saber se estão reunidos todos os pressupostos relevantes, não só da responsabilidade civil, para efeito de indemnização, mas também da responsabilidade penal, para efeito de contagem do prazo da prescrição.

32.–Na verdade, se o autor lograr fazer tal prova, entre a alegada violação do direito de autor (2.10.2016, data em que foi utilizada a fotografia em crise) e a data da citação da ré para a presente acção (o oitavo dia posterior a 1.6.2021, como resulta dos preceitos aplicáveis à citação em causa, previstos nos artigos 229.º n.º 2, 230.º n.º 2 e 246.º n.º 4 do CPC e do aviso mencionado no parágrafo 2), não decorreram cinco anos. Se for esse o caso, independentemente de saber em que data o autor tomou conhecimento do direito à indemnização ou, se a citação noutro processo interrompeu a prescrição, como é alegado, o direito à indemnização do autor não terá prescrito, por ter sido interrompida a prescrição com a citação para a presente acção – artigo 323.º n.º 1 do CC.

33.– Em consequência, sendo controvertidos os factos que servem de fundamento à presente acção, neles incluídos os necessários para a apreciação conscienciosa da excepção de prescrição, não é possível conhecer imediatamente dessa excepção peremptória no despacho saneador, por não dispor o Tribunal de todos os elementos necessários, como exige o artigo 595.º n.º 1 – b) do CPC.

34.–Assim sendo, deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos para os fins previstos no artigo 596.º do CPC, a saber, identificação do litígio e enunciação dos temas de prova.

35.– Pelos motivos acima expostos no parágrafo 32, este Tribunal não aprecia a excepção peremptória de prescrição, que só a final poderá ser conhecida, improcedendo nessa parte o recurso.


Decisão


Acordam as Juízes desta secção em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:

I.–Revogar a decisão recorrida.

II.–Ordenar a baixa do processo para que os autos prossigam para os fins previstos no artigo 596.º do CPC.

III.–Fixar as custas na proporção do decaimento, em 9/10 a cargo das recorridas, ré e chamada (artigo 527.º n.ºs 2 e 3 do CPC) e 1/10 a cargo do recorrente, autor (artigo 527 n.º 1 do CPC).



Lisboa, 26 de Setembro de 2022



Paula Pott - (relatora) 
Eleonora Viegas - (1.ª adjunta) 
Ana  Mónica Pavão - (2ª adjunta)