Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ELEONORA VIEGAS | ||
Descritores: | NULIDADES DA DECISÃO AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA APREENSÕES TRANSACÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/26/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTES OS RECURSOS INTERPOSTOS | ||
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Sumário: | - Prevendo a Lei n.º19/2012, de 8 de Maio (Novo Regime Jurídico da Concorrência) a possibilidade de a Autoridade da Concorrência, no âmbito de um processo de natureza contra-ordenacional jusconcorrencial, proceder a apreensões de documentos, independentemente da sua natureza ou do seu suporte, autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária (Cfr. arts. 18.º e 20.º), não existe lacuna que deva ser preenchida por recurso às normas de processo penal. - A Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime) não tem aplicação no processo contra-ordenacional jusconcorrencial. - A regra é a de que a competência para ordenar a realização das diligências a que se referem as alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 18.º e os arts. 19.º e 20.º da Lei da Concorrência - o que abrange a apreensão de correspondência electrónica nas instalações de empresas - é do Ministério Público. - O procedimento de transação é um procedimento alternativo, com características e regras próprias, totalmente distinto do processo ordinário, não estando a AdC vinculada aos termos da minuta de transação não confirmada pelo visado, não sendo legítima a confiança deste em que tal venha a acontecer. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório A Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A. (Fergrupo) e BB (BB) Somafel – Engenharia e Obras Ferroviárias, S.A. (Somafel) e AA (AA) apresentaram recurso de impugnação da decisão proferida pela Autoridade da Concorrência (AdC), datada de 03/03/2020, de acordo com a qual foi decidido o seguinte: A. Condenar FERGRUPO 1. No pagamento da coima única no valor de € 870.000, pela prática de duas contraordenações, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05, bem como do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, correspondente às seguintes coimas parcelares: - €503.000, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015; - €367.000, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015; 2. Na sanção acessória de publicação de um extrato da Decisão na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 (vinte) dias úteis a contar do seu trânsito em julgado; 3. Na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, durante o período de 2 (dois) anos, a contar do trânsito em julgado da Decisão. B. Declarar COMSA SAU e COMSA S.L. – COMSA’s 1. Responsáveis solidárias pelo pagamento da coima única no valor de €870.000, aplicável à FERGRUPO, nos termos conjugados do artigo 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, correspondente às seguintes coimas parcelares: - €503.000, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015; - €367.000, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015. C. Condenar BB 1. No pagamento da coima única no valor de € 19.400, enquanto membro do órgão de administração e direção da FERGRUPO, conhecedor e participante ativo nos factos imputados a esta empresa, pela prática de duas contraordenações, previstas e punidas nos n.os 1 e 6 do artigo 73.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da mesma lei, correspondente às seguintes coimas parcelares: - €9.700, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015; - €9.700, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015. D. Condenar SOMAFEL 1. No pagamento da coima única de €925.000, pela prática de duas contraordenações, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05, bem como, do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, correspondente às seguintes coimas parcelares: - €547.000, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015; - €378.000, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015; 2. Na sanção acessória de publicação de um extrato da Decisão na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 (vinte) dias úteis a contar do seu trânsito em julgado; 3. Na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, durante o período de 2 (dois) anos, a contar do trânsito em julgado da Decisão. E. Condenar AA 1. No pagamento da coima única de € 11.800, enquanto membro do órgão de direção da SOMAFEL, conhecedor e participante ativo nos factos imputados a esta empresa, pela prática de duas contraordenações, previstas e punidas nos n.ºs 1 e 6 do artigo 73.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da mesma lei, correspondente às seguintes coimas parcelares: - € 5.900, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015; - € 5.900, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015. Julgada a causa, pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão foi proferida sentença decretando o seguinte: A. Julga-se procedente o recurso interposto pelas Recorrentes COMSA SAU e COMSA Corporación de Infraestructuras S.L., melhor identificada nos autos, e, por conseguinte: 1. Absolve-se COMSA SAU e COMSA Corporación de Infraestructuras S.L. da imputada responsabilidade solidária no pagamento da coima aplicada à Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A.; 2. Sem custas – art. 93.º/3 do RGCO a contrario. * B. Julgam-se parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos demais Recorrentes, todos eles melhor identificados nos autos e, por conseguinte: 1. Improcedem as questões prévias e nulidades suscitadas nos recursos de impugnação. 2. Condena-se Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A.: 2.1. Pela prática de uma contraordenação, prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. a), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros); 2.2. Pela prática de uma contraordenação, prevista no artigo 9.º, n.º 1, als. a) e b), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, referente ao período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 315.000,00 (trezentos e quinze mil euros): 2.3. Em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de € 600.000,00 (seiscentos mil euros); e 2.4. Na sanção acessória de publicação de um extrato da presente sentença na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 (vinte) dias úteis a contar do seu trânsito em julgado, absolvendo-a do demais; 3. Condena-se Somafel – Engenharia e Obras Ferroviárias, S.A.: 3.1. Pela prática de uma contraordenação, prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. a), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 485.000,00 (quatrocentos e oitenta e cinco mil euros); 3.2. Pela prática de uma contraordenação, prevista no artigo 9.º, n.º 1, als. a) e b), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, referente ao período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 330.000,00 (trezentos e trinta mil euros): 3.3. Em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de € 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil euros); e 3.4. Na sanção acessória de publicação de um extrato da presente sentença na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 (vinte) dias úteis a contar do seu trânsito em julgado, absolvendo-a do demais; 4. Condena-se BB: 4.1. Pela prática de um contraordenação, prevista e punida nos artigos 73.º, n.ºs 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 8.000,00 (oito mil euros); 4.2. Pela prática de um contraordenação, prevista e punida nos artigos 73.º, n.ºs 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 8.000,00 (oito mil euros); 4.3. Em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de € 12.000,00 (doze mil euros). 5. Condena-se AA: 5.1. Pela prática de um contraordenação, prevista e punida nos artigos 73.º, n.ºs 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros); 5.2. Pela prática de um contraordenação, prevista e punida nos artigos 73.º, n.ºs 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05, referente ao período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015, no pagamento de uma coima parcelar no valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros); 5.3. Em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de €6.300,00 (seis mil e trezentos euros). 6. Condena-se os Recorrentes nas custas do processo, fixando a taxa de justiça devida por cada uma das sociedades Recorrentes em 4,5 (quatro e meia) UCs e a taxa de justiça devida por cada um dos demais Recorrentes em 3,5 (três e meia) UCs – artigo 8.º, n.º 7, do RCP e tabela iii anexa. Inconformado com a sentença, dela recorreu AA (AA, doravante), formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso é interposto da sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, no âmbito da impugnação judicial da decisão proferida pela AdC no processo contraordenacional nº PRC/2016/6, decidiu condenar o Recorrente no pagamento de uma coima, em cúmulo jurídico, no valor de €6.300,00 (seis mil e trezentos euros), acrescido de custas processuais. Da nulidade da prova B. A AdC utilizou como meio de prova a correspondência eletrónica do Recorrente (e dos restantes Visados) apreendida no âmbito das diligências de busca e apreensão tendo fundamentado a sua decisão condenatória, no essencial, naquela correspondência. C. No recente Acórdão n.º 687/2021, publicado em 30.08.2021, o Tribunal Constitucional veio pronunciar-se pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5.º, na parte em que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro “por violação das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 35.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa”. D. O Tribunal Constitucional rejeita o fundamento em que assenta a Sentença, sendo que o exposto a respeito daquele critério, tanto vale no âmbito da Lei do Cibercrime, como valerá para qualquer outra lei ordinária da qual se pretenda retirar a possibilidade de apreensão de correspondência. E. Resulta assim desta recente jurisprudência que o âmbito da proteção constitucional do sigilo da correspondência eletrónica decorrente do artigo 34.º n.º 1 da CRP (i) abrange o seu conteúdo e (ii) não distingue se a comunicação em causa foi ou não aberta ou lida pelo seu destinatário. F. Também por força do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), as provas obtidas em violação da proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 42.º, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, do RJC, bem como dos artigos 32.º, n.ºs 8 e 10, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, o que não sucedeu. G. Sem prescindir, sempre teria de se considerar que as provas obtidas violando a proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, do RJC e 41.º, n.º 1, do RGCO, e dos artigos 32.º, n.ºs 8 e 10, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, o que não sucedeu. H. A norma constante do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJC, quando interpretada no sentido de que o mesmo prevê a possibilidade de exame, recolha e/ou apreensão de mensagens de correio eletrónico “abertas” ou “lidas” porquanto tais mensagens de correio eletrónico consubstanciam meros documentos é materialmente inconstitucional por violação dos direitos à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), bem como do princípio da proporcionalidade tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP. I. A violação da reserva constitucional absoluta prevista no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, por via interpretativa do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJC, por contender ilicitamente com os direitos fundamentais do Recorrente à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), que, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1 da CRP, “são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”, inquina a prova assim obtida pela AdC nos autos, a qual sai ferida de nulidade insanável por via da aplicação direta daquele comando constitucional do artigo 18.º da CRP. J. Por outro lado, sempre terá de se considerar que a norma que se extrai do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJC, quando interpretada no sentido de que é possível, em processo de contraordenação da concorrência, examinar, recolher e apreender mensagens de correio eletrónico é materialmente inconstitucional, por violação da reserva absoluta ao processo penal da admissibilidade da ingerência, por autoridade pública, na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação e, consequentemente, da garantia fundamental de inviolabilidade das mesmas, tal como previstas e consagradas no disposto no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade (cfr. 18.º, n.º 2 da CRP). K. A interpretação da norma contida no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) do RJC, no sentido de admitir o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico em processo de contraordenação da concorrência, sem despacho judicial prévio, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito democrático e da reserva de juiz para a ponderação da afetação de direitos fundamentais em direito sancionatório, em particular, do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência, contidos nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 32.º n.º 4 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP. L. Nestes termos, considerando que a prova examinada e apreendida pela AdC nas diligências de busca que levou a cabo nas instalações da Somafel, sem sustento em qualquer despacho de autorização (ou sequer de validação) judicial, e que se consubstancie em mensagens de correio eletrónico, a qual veio a ser utilizada e a servir de alicerce probatório da Decisão Final da AdC e, bem assim, da Sentença é, também por este motivo, nula, por inadmissibilidade legal para o efeito, bem como por violação dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 2.º, 32.º n.º 4 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP, o que se requer que seja declarado. Do erro notório na apreciação da prova M. A Sentença padece igualmente de erro notório na apreciação da prova. N. Ocorre erro notório na apreciação da prova “quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis” O. O Recorrente foi condenado enquanto membro do órgão de direção da Somafel, por, alegadamente, ser conhecedor e participante ativo nos factos imputados a esta empresa, pela prática de duas contraordenações, previstas e punidas nos números 1 e 6 do artigo 73.º do RJC. P. Não resulta dos factos provados - nem das mensagens de correio eletrónico - a existência de um qualquer entendimento, acordo, ou encontro de vontades entre as visadas quanto à fixação de preços e/ou à repartição de mercado. Q. O que se constata é a aplicação, na Sentença, de uma presunção de que nesses contactos teria ocorrido uma troca de informações supostamente relevante para efeitos jusconcorrenciais ou o estabelecimento de “acordos” proibidos. R. Em audiência de julgamento, foi feita prova de que o propósito dos contactos entre a Somafel e as restantes Visadas e a N..., S.A. não visou qualquer troca de informações relevante do ponto de vista do Direito da Concorrência, nem qualquer acordo proibido. S. O Tribunal reconheceu o teor do depoimento da testemunha CC, mas dele retirou que a existência de contactos com a N..., S.A. seria suficiente para concluir nos mesmos termos em que concluiu a AdC. T. É aqui que reside o erro notório na apreciação da prova. Com efeito, resulta da experiência comum que: (i) para quaisquer empresas se consorciarem têm de contactar entre elas, pelo que a existência de contactos com o propósito de discutirem a possibilidade e a viabilidade de um consórcio é normal; faz parte da natureza do consórcio; (ii) é, aliás, impossível as empresas consorciarem sem contactarem entre elas. U. Devia, pois, ter sido dado como provado que a Somafel teve contactos com a N..., S.A. com o propósito de alargar o Consórcio C... à mesma. V. A constituição de um consórcio implica, necessariamente, algum nível de cooperação e/ou partilha de informação. Numa palavra, implica, por definição, concertação. W. Quando se pretende explorar a possibilidade de o alargar a terceiras entidades ou se pondera a prestação de um novo serviço em consórcio, isso exige necessariamente cooperação entre os membros do consórcio e contactos entre estes e os eventuais terceiros. X. A figura do consórcio implica, por definição, uma ausência de concorrência entre os membros no âmbito do consórcio e uma concertação entre eles. Y. Ora, não resulta dos autos qualquer prova de que a constituição e o objeto do consórcio constituam uma infração às regras da concorrência Z. Resulta também da Sentença que o ora Recorrente prestou declarações “de forma sabedora, segura e bastante cordata”. AA. No seu depoimento, o Recorrente confirmou que: (i) a participação da Somafel nos concursos lançados pela REFER/IP era relevante para a empresa em termos curriculares; (ii) os contactos encetados com a N..., S.A. após a sua pré-qualificação tiveram como finalidade integrá-la no C..., por forma a minimizar mais custos, refutando a ideia de que nessas reuniões tenham sido discutidos os valores a propor no concurso I; (iii) era prática corrente nos concursos públicos, por forma a sinalizar à entidade adjudicante do desajuste daquele preço, apresentar propostas acima do preço-base, mesmo sabendo, de antemão, que as mesmas não seriam aceites; (iv) no concurso II voltaram a tentar integrar a N..., S.A. no consórcio, o que motivou a reunião de 15.07.2015, mas não chegaram a acordo; e (v) no concurso III, os contactos encetados com as empresas foram feitos na convicção de que os consórcios eram permitidos e que, após saber daquela impossibilidade, apenas encetou contactos com as demais empresas para cindir o consórcio e reunir a documentação necessária para a Somafel concorrer individualmente, como veio a suceder. BB. Estas declarações confirmam, portanto, o que, afinal, veio a ser dado como não provado, sob os factos a) a g). CC. “Constitui erro notório na apreciação da prova darem-se provados certos factos, com base na impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, em caso em que os dados da experiência geral ou indirecta podem levar a interpretar tais indícios em mais que uma direcção.” DD. Pelo que, a decisão quanto à não prova dos factos a) a g) deve ser revogada e alterada, por enfermar de erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, devendo os mesmos ser dados como provados. EE. Deve, consequentemente, o processo baixar ao Tribunal a quo para, em face da nova factualidade dada como provada, realizar o seu enquadramento jurídico e, como se espera, determinar a absolvição do ora Recorrente. Inconformada também com a sentença, dela recorreu a Autoridade da Concorrência (AdC) concluindo o seguinte: Do objeto do presente recurso A. O presente recurso vem interposto da Sentença de 6 de setembro de 2021 que, confirmando, de facto e de Direito, na sua maioria, a Decisão administrativa proferida pela AdC nos autos do PRC/2016/6, mantendo a condenação dos Visados e aqui Recorridos Fergrupo e Somafel, BB e AA, alterou a referida Decisão nos seguintes termos: B. No que respeita às Visadas e ora Recorridas COMSA´s foram as mesmas absolvidas da imputada responsabilidade solidária no pagamento da coima aplicada à aqui recorrida Fergrupo. C. No que respeita às coimas aplicadas, reduziu em apx. 31% a coima que havia sido aplicada pela AdC às aqui Recorridas Fergrupo e Somafel e em apx. 38% e 46% a coima que havia sido aplicada pela AdC aos também aqui Recorridos BB e AA, respetivamente. D. E quanto às sanções acessórias o Tribunal a quo alterou a Decisão administrativa impugnada no que respeita à aplicação da sanção acessória prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC – que em concreto reflete a privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, durante o período de 2 (dois) anos – no sentido de absolver as Recorridas Fergrupo e Somafel da aplicação dessa sanção acessória. E. A AdC não se conforma com o sentido decisório destes três segmentos específicos da Sentença, os quais constituem o objeto do presente recurso. Da responsabilidade das sociedades-mãe COMSA´s F. O Tribunal a quo absolveu – erradamente – as COMSA´s da responsabilidade solidária na qual haviam sido condenadas pela AdC pelo pagamento da coima única aplicável à Fergrupo, invocando, para o efeito, três ordens de razão: (i) ausência de fundamento legal; (ii) ausência de imputação às sociedades-mãe do comportamento ilícito imputado à sua filial Fergrupo, ou de factos dos quais se extraiam a participação daquelas nas infrações em causa e (iii) falta de demonstração, pela AdC, do controlo completo exercido pelas COMSA´s sobre a Fergrupo G. Trata-se de uma apreciação que enferma de vários erros de direito e que traduz uma visão errada e deturpada do instituto da responsabilidade solidária das sociedades mãe por violações às regras da concorrência cometidas pelas suas filiais, sem qualquer arrimo legal e ao arrepio do direito da União Europeia e respetiva jurisprudência. H. A responsabilidade das sociedades-mãe pelas infrações às regras da concorrência cometidas pelas suas filiais funda-se no conceito de empresa adotado para efeitos jusconcorrenciais e constante do artigo 9.º da Lei da Concorrência e 101.º do TFUE, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Tal conceito encontra-se vertido no artigo 3.º da Lei da Concorrência. I. Assim, no seio do direito da União Europeia, a responsabilidade da sociedade-mãe por infrações às regras da concorrência praticadas pela sua filial ocorre sempre que se demonstre que, formando ambas uma empresa na aceção jusconcorrencial do termo (cf. artigo 3.º da Lei da Concorrência), a primeira exerce uma influência determinante sobre a segunda. J. Quanto ao que significa uma sociedade-mãe exercer uma influência determinante sobre a sua filial, a jurisprudência europeia presta subsídios úteis e claros a esta compreensão – no caso de uma sociedade-mãe que detém 100% do capital social da sua filial, esta pode, por um lado, exercer uma influência determinante no comportamento da sua filial e, por outro, presume-se que, efetivamente, exerceu essa mesma influência (cf. processos Azko Nobel, General Química, Alliance Once International, Elf Aquitaine, entre outros). K. Temos, pois, que o Tribunal a quo interpretou erradamente o conceito de empresa no âmbito do direito da concorrência, adotando uma decisão que enferma de erros de direito. L. Um primeiro erro de direito porque o Tribunal a quo considera que não está prevista na ordem jurídica interna uma norma que possibilidade de imputação de responsabilidade a outras entidades que integrem a mesma unidade económica que a visada pela infração. M. Pelo contrário: não há qualquer lacuna jurídica e o fundamento legal para imputar às sociedades-mãe COMSA´s responsabilidade pela prática anticoncorrencial prosseguida pela Fergrupo extrai-se do artigo 3.º da Lei da Concorrência conjugado com o n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. N. Um segundo erro ao declarar que para que as COMSA´s pudessem ser responsabilizadas pelas infrações à concorrência cometidas pela Fergrupo, essas mesmas infrações tinham que lhes ser diretamente imputadas – ou seja, a AdC teria que ter articulado factos que traduzissem a participação individual das COMSA´s na fixação de preços e na repartição de mercado. O. Contudo, sem razão: no âmbito do direito da concorrência, a imputação de responsabilidade jusconcorrencial à sociedade-mãe, expressa no pagamento solidário da coima, não assenta no facto de a mesma ter participado ativamente na prática sancionada; não depende de se lhe articularem factos próprios e distintos daqueles que são articulados para a sua filial. Antes encontra razão de ser no conceito de empresa previsto no artigo 3.º da Lei da Concorrência e no apuramento do exercício efetivo de influência determinante sobre a filial. P. A jurisprudência europeia confere devido respaldo a esta interpretação: (i) processo Azko Nobel (“Com efeito, ainda que a sociedade-mãe não participe directamente na infracção, exerce, nesse caso, uma influência determinante nas filiais que nela participaram”); (ii) processo General Química (“quando uma sociedade-mãe detém 100% do capital da sua filial, existe uma presunção ilidível segundo a qual a sociedade-mãe exerce uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial. Contudo, contrariamente ao que defendem as recorrentes, não é o facto de a sociedade-mãe ter incitado a sua filial a cometer uma infracção às regras da concorrência da União, nem o facto de a primeira estar directamente implicada nessa infracção cometida pela segunda, mas o facto de estas duas sociedades constituírem uma mesma unidade económica”); (iii) processo Gosselin Group (“Com efeito, nessa situação, uma vez que a sociedade-mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na aceção do artigo 81.° CE, a Comissão pode dirigir à sociedade-mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infração”) e (iv) processo Elf Aquitaine, entre outros. Q. No caso em apreço, o Tribunal a quo deu os seguintes factos como provados: (i) “2. A Fergrupo tem como objeto social a elaboração de estudos e projetos, execução de empreitadas de obras públicas e particulares, nomeadamente caminhos-de-ferro e outras vias de transporte e bem como o fornecimento de equipamentos e materiais de qualquer natureza aplicáveis na execução ou exploração daquelas infraestruturas.” (ii) “3. A Fergrupo foi constituída em 1989 e o seu capital social é detido em 99,99% pela COMSA SAU (fls. 3297).”; (iii) “4. A COMSA SAU, por sua vez, é detida a 100% pela COMSA Corporación, empresa líder no mercado espanhol da construção e manutenção de infraestruturas e superestruturas ferroviárias (fls. 3297 e 4086 a 4087).”; (iv) “19. A COMSA SAU, por sua vez, é detida a 100% pela COMSA Corporación, empresa líder no mercado espanhol da construção e manutenção de infraestruturas e superestruturas ferroviárias (fls. 3297 e 4086 a 4087).80”; (v) “21. A COMSA Corporación apresentou, em 2018, um volume de negócios individual de € 28.128.000. O volume de negócios consolidado, no ano de 2018, foi de € 1.100.901.000 (fls. 8328).” e (vi) “142.As empresas visadas, entre as quais, a Fergrupo e a Somafel, com dimensão considerável no mercado ferroviário nacional e pertencentes a grandes grupos económicos com dimensão internacional, com a capacidade financeira que se lhes reconhece e com as suas estruturas internas que detêm, por intermédio das pessoas que as representam, no caso, os Recorrentes BB e AA, não podiam deixar de conhecer as obrigações que lhes incumbem à luz do direito da concorrência, pelas quais qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado.”. R. Da factualidade dada como provada retira-se que as COMSA´s formam, conjuntamente com a Fergrupo, uma empresa, nos termos do artigo 3.º da Lei da Concorrência; que as COMSA´s detêm a totalidade do capital social da Fergrupo – e, por essa razão, impõe-se concluir que (i) não só estavam em posição de exercer uma influência determinante sobre a Fergrupo, (ii) como se presume que exerceram uma influência determinante no comportamento da Fergrupo. S. Uma participação das sociedades-mãe a 100% do capital social da sua filial fala por si. Representa um paralelismo de interesses entre as COMSA´s e a Fergrupo – circunstância essa reforçada pelo facto de (i) quer sociedade-mãe, quer sociedade filha prosseguirem a mesma atividade; (ii) a Fergrupo reunir semestralmente com as COMSA´s a fim de discutir questões estratégicas (cf. motivação de facto da Sentença); (iii) a COMSA Corporacíon consolidar contas; (iv) o Tribunal a quo ter dado como provado que a Fergrupo se insere num grupo económico com dimensão internacional, com capacidade financeira e estrutura interna que não ignorava, nem podia deixar de conhecer as regras da concorrência (facto provado n.º 142) e (v) BB, vogal do conselho de administração da Fergrupo “ser detentor de procuração, enquanto diretor geral, emitida pelos acionistas, com poderes gerais” (cf. motivação de facto da Sentença) – o que dissipa qualquer dúvida sobre o exercício de influência determinante por parte das sociedades COMSA´s sobre a Fergrupo, porquanto mais não traduz que uma aceitação do risco por parte da sociedade-mãe pela atuação da sua filial. T. Não subsistem dúvidas que as COMSA´s, pelo facto de deterem 100% do capital social da Fergrupo, condenada por duas infrações às regras da concorrência, podiam exercer uma influência determinante no seu comportamento, existindo uma presunção ilidível que, efetivamente, exerceram essa influência. U. Diferentemente, o Tribunal a quo ignorou esta presunção, apelidando-a de insuficiente, afastando-a por força da prova testemunhal e afirmando que a AdC se demitiu de demonstrar o completo controlo das COMSA´s sobre a Fergrupo. V. Porém, não impende sobre uma autoridade da concorrência – a Comissão Europeia ou, in casu, a AdC – a obrigatoriedade de conjugar ou reforçar a aplicabilidade da referida presunção com indícios concretos suplementares ou outros elementos adicionais suscetíveis de materializar o exercício dessa influência determinante – neste sentido os processos General Química, Elf Aquitaine (“Comissão não está obrigada, para aplicar a presunção do exercício efectivo de uma influência determinante num determinado caso, a apresentar indícios suplementares relativamente àqueles que demonstram a aplicabilidade e a concretização desta presunção”), Total S.A. e Elf Aquitaine e Alliance One International. W. Por outro lado, prova testemunhal ou afirmações não sustentadas nem corroboradas por outros elementos de prova aportados pelas sociedades-mãe não são suficientes para ilidir a presunção – para a mesma conclusão concorre o entendimento sufragado pelo Tribunal Geral da União Europeia no processo FMC Corp, bem como aquele adotado pelo TJUE nos processos Elf Aquitaine (e respetivas conclusões do Advogado Geral), e Azko Nobel (e respetivas conclusões da Advogada Geral) X. É, portanto, manifesto que o Tribunal a quo cometeu um erro de direito, alicerçado numa errada interpretação jurídica, ao subordinar a presunção de exercício de influência determinante à apresentação, por parte da AdC, de indícios suplementares demonstrativos do completo controlo exercido pelas COMSA´s sobre a Fergrupo. Y. Adicionalmente, sempre se diga que os argumentos invocados para asseverar a autonomia da Fergrupo relativamente às suas sociedades-mãe são, em toda a linha, improcedentes e insuscetíveis de ilidir a presunção. Z. O facto de a Fergrupo gozar de independência financeira ou autonomia quanto à sua própria atividade corrente ou a sua gestão quotidiana não significa que não seja, efetivamente, controlada pelas suas sociedades-mãe. O mesmo sucede com a alegada ausência de sobreposição de pessoal das sociedades-mãe e da Fergrupo no quotidiano da última (veja-se o processo FM Corp). AA. O facto de as COMSA´s terem outorgado uma procuração ao diretor geral da Fergrupo, conferindo-lhe poderes gerais, revela total indiferença quanto à atuação da sociedade dentro dos parâmetros da legalidade e aceitação consciente do risco de a mesma prosseguir práticas anticoncorrenciais. BB. Ainda, a perceção externa ou de terceiros de aparente autonomia da Fergrupo não é suficiente para ilidir a presunção (cf. entendimento perfilhado pelos Tribunais da União nos processos Total SA e Elf Aquitaine e Elf Aquitaine contra. Comissão Europeia (decisão do Tribunal de Primeira Instância) ). CC. Em face do exposto, impõe-se concluir que a Sentença Recorrida padece de graves erros de direito quanto à interpretação e aplicação do conceito jusconcorrencial de empresa e à presunção de exercício de influência determinante que dele deriva, devendo as COMSA´s serem condenadas como responsáveis solidárias pelo pagamento da coima imputada à Fergrupo os termos do artigo 3.º da Lei da Concorrência conjugado com o n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. Das coimas aplicadas DD. Nos termos do n.º 2 do artigo 69.º da LdC, no caso das contraordenações em causa nos presentes autos, as coimas parcelares aplicadas pela AdC não poderiam exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à Decisão administrativa impugnada – e não excederam, - representando um valor médio de 2,5%, e em que nenhuma delas excede 3,6% - estando, por conseguinte, amplamente afastadas do limiar de 10%. EE. A Recorrente não se conforma com a redução das coimas nos termos definidos na Sentença sub judice, sendo portanto sua convicção que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o n.º 1 do artigo 69.º da LdC e o artigo 19.º do RGCO e, nesse âmbito concreto, não fundamentou, como lhe cabia, a sua decisão. FF. O TCRS concluiu, em suma, que as coimas aplicadas deveriam ser reduzidas, justificando tal redução com o facto de entender que a AdC não considerou (ou fê-lo de forma insuficiente) na determinação concreta das coimas parcelares e na coima única, fatores que o TCRS entendeu serem favoráveis aos Recorridos – sendo que esses fatores não são concretamente identificados na fundamentação da decisão de redução das coimas aplicadas, antes se remetendo para a ponderação dos critérios que, nesse âmbito, são mencionados no texto da Sentença sub judice, parecendo (recorrendo a um exercício de “exclusão de hipóteses”) querer reconduzir-se, em síntese i) à inexistência de antecedentes contraordenacionais e à colaboração dos Recorridos durante a fase administrativa do processo; e ii) à apreciação feita pelo TCRS sobre a conduta da IP/REFER, que aquele Tribunal entende que “permeabilizou a atuação das visadas”. GG. No que respeita à conclusão de que a conduta da IP/REFER “concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa” e permeabilizou a atuação das visadas”, não se compreende em que matéria de facto provada o Tribunal a quo sustenta tal apreciação, na medida em que a mesma não foi identificada na Sentença sub judice; e nem se alcança a medida da ponderação dos referidos “fatores atenuantes” na redução das coimas determinada por aquele Tribunal; nem se conhece justificação para o Tribunal lhe atribuir uma natureza de “atenuante” para efeitos da determinação da medida da coima, a qual não tem respaldo no artigo 69.º da LdC e nem no artigo 18.º do RGCO. HH. Tais dúvidas são justificáveis pela insuficiente fundamentação, no que respeita a esta matéria em concreto, como também pela incerteza implícita no próprio texto colhido na Sentença Recorrida: “de certa forma, concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa81”. II. Na Decisão administrativa impugnada82, esse fator foi objeto de ponderação pela AdC, tendo-se concluído, em suma, que “no que se refere ao argumento invocado pelas visadas respeitante ao impacto, no seu comportamento, da atuação da REFER/IP ao longo de todo o período em causa (…), cumpre referir que, a alegada intervenção da REFER/IP não induziu, e ainda menos obrigou, as empresas visadas a adotar os dois acordos restritivos da concorrência. Com efeito, as empresas podiam ter apresentado uma proposta elaborada de forma unilateral, sem falsear as regras da concorrência e não, como aconteceu, acordarem e apresentarem propostas fictícias apenas para fazer número, destinadas ao fracasso, propondo valores superiores ao máximo estipulado nas condições do concurso para criar uma falsa aparência de concorrência no mesmo.” JJ. Não resultou provado na fase administrativa (tal como não o resultou durante na audiência de discussão e de julgamento), que a conduta da REFER/IP tenha induzido, obrigado e/ou concorrido na conduta adotada pelas empresas visadas, que se revelou em dois acordos restritivos da concorrência. KK. Ao considerar como circunstância atenuante da medida da coima um fator que não emergiu da matéria de facto considerada provada que enquadra as práticas jusconcorrenciais ilícitas, e quando sustenta na sua motivação (p. 259) que a “(…) atuação censurável das visadas, objetivamente observável, quando as mesmas poderiam e deveriam ter assumido um comportamento distinto,” o Tribunal a quo – nesta parte – incorreu numa contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão de redução do quantum das coimas aplicadas pela AdC, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, aplicável sucessivamente ex vi artigo 83.º da LdC e n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, interpretando, de forma errada, o artigo 69.º da LdC, conjugado com os artigos 18.º e 19.º do RGCO. LL. Acresce que na determinação da medida concreta da coima, foram tidos em conta pela AdC, a par das circunstâncias relevantes para a aferição da culpa, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do RGCO: “a gravidade da infração para a afetação da concorrência efetiva no mercado nacional; a natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração; a duração da infração; o grau de participação do visado pelo processo na infração; as vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas; o comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência; a situação económica do visado pelo processo; os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência e a colaboração prestada à Autoridade até ao termo do procedimento.”83 MM. De resto, percorridos os critérios para efeitos de determinação da medida concreta da coima previstos no n.º 1 do artigo 69.º da LdC, em conjugação com o n.º 1 do artigo 18.º do RGCO, em lugar nenhum o legislador fez prever benefícios para os Visados decorrentes da uma eventual “permeabilização” da sua atuação em resultado da conduta de um terceiro (sendo esse uma entidade pública ou privada), i.e. como circunstância atenuante da dosimetria da coima. NN. Tais critérios, não obstante a sua natureza não taxativa (tal resulta do advérbio “nomeadamente”), “servem de matriz à atividade de determinação da coima”84 e reconduzem-se aos já mencionados, tendo sido todos eles ponderados na Decisão administrativa impugnada. OO. Ora, ainda que os critérios elencados dependam de uma ponderação casuística da prática ilícita e se admitam outros que não aqueles expressamente previstos pelo legislador, não se descortina de que forma é que a alegada conduta da IP/REFER poderia ser convocada para atenuar uma coima decorrente da prática de infrações de tipo “cartel”, como aqui presente, afastando-se, desse modo, da matéria de facto assente, e do sentido decisório da Decisão administrativa impugnada, no que respeita à devida ponderação dos elementos de prova carreados para os autos e da sua subsunção ao Direito. PP. Atendendo a que, os demais critérios de cálculo da medida da coima foram empregues pela AdC (cf. n.º 1 do artigo 69.º da LdC, em conjugação com o n.º 1 do artigo 18.º do RGCO), os quais o TCRS validou, em toda a linha, na sua fundamentação subjacente, pede-se a este Tribunal ad quem que tenha a firmeza de se desprender de um juízo salomónico de redução da coima e confirme, na íntegra, as coimas aplicadas pela AdC na Decisão administrativa impugnada, que visam alcançar as suas finalidades de prevenção especial e geral. QQ. Sem conceder – mas porque a cautela de patrocínio o impõe – ainda que o Tribunal a quo tivesse andado bem ao convocar critérios alegadamente não considerados pela AdC e/ou a valorá-los de forma distinta da refletida na Decisão administrativa impugnada, como fator atenuante da medida concreta da coima, sempre a redução aplicada de apx. 31% no caso das Recorridas Fergrupo e Somafel, 38% no caso do Recorrido BB, e 46% no caso do Recorrido AA, se afiguraria manifestamente excessiva uma vez que, como de resto é reconhecido na Sentença Recorrida, já tinha havido lugar à ponderação crítica dos critérios de determinação da medida da coima emergentes do n.º 1 do artigo 69.º de LdC, esses sim relacionados com a infração sancionada. RR. A grandeza de redução afigura-se desproporcionada face aos valores percentuais concretamente aplicados pela AdC, os quais, recorde-se, foram todos inferiores a 3,6%, mas sempre manifestamente inferiores ao teto máximo de 10% previsto no n.º 1 do artigo 69.º da LdC. SS. Atendendo aos pressupostos estabelecidos no artigo 19.º do RGCO, relativo ao concurso de contraordenações e aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 13.º da Lei n.º 19/2012, a AdC concluiu na Decisão administrativa impugnada que “[q]uem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso” (n.º 1), não podendo, nesse caso, a coima aplicável “exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso” (n.º 2)” “nem ser “inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações” (n.º 3).85” TT. Assim, foi considerando os pressupostos estabelecidos no artigo 19.º do RGCO, em conjugação com os limites definidos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 69.º da LdC, que a AdC aplicou, para cada um dos Visados e aqui Recorridos, uma coima única correspondente à soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso, respeitando plenamente a limitação do n.º 2 do artigo 19.º do RGCO, i.e. do “dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso”, que, no caso das empresas Visadas, corresponde a 20% do volume de negócios referente ao exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela AdC; e no caso dos Visados/pessoas singulares, 20% da respetiva remuneração anual auferida pelo exercício das suas funções na empresa infratora, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida. UU. Na determinação da coima única a aplicar a cada um dos aqui Recorridos, veio o Tribunal a quo remeter, também, para os termos do artigo 19.º do RGCO. No entanto, em contradição com o disposto nesse normativo legal em conjugação com os limites definidos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 69.º da LdC, decidiu como “adequada, necessária e suficiente uma coima a fixar entre o mínimo e meio da moldura legal abstrata, mais próximo deste último”, o que se traduziu, uma vez mais, numa injustificada redução das coimas aplicadas pela AdC. VV. O Tribunal a quo – também nesta parte – incorreu numa contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão de redução do quantum das coimas aplicadas pela AdC, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, aplicável sucessivamente ex vi artigo 83.º da LdC e n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, interpretando, de forma errada, o artigo 19.º do RGCO, conjugado com os n.ºs 2 e 4 do artigo 69.º da LdC. WW. Ainda que se ponderasse a atenuação do quantum das coimas por força da ponderação de critérios alegadamente não considerados pela AdC e/ou a valorá-los de forma distinta da refletida na Decisão administrativa impugnada, como fator atenuante da medida concreta da coima, impor-se-ia sempre, pelas razões expostas, a revisão, para baixo, do valor percentual da redução aplicada pelo TCRS às coimas únicas a aplicar a cada Recorrido. XX. Todo o exposto a respeito das empresas aqui Recorridas, deve considerar-se, por razões de economia processual, extensível aos Recorridos/pessoas singulares, remetendo-se no mais, para a análise vertida na subsecção 3.8.3.1 da Decisão administrativa impugnada, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 73.º da Lei n.º 19/2012, e nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 69.º da mesma Lei. Da sanção acessória aplicada às Recorridas nos termos da al. b) do artigo 71.º da LdC YY. Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º da LdC, caso a gravidade da infração e a culpa do infrator o justifiquem, a AdC pode determinar a aplicação, em simultâneo com a coima, das sanções acessórias previstas nesse normativo legal, destacando-se a prevista na alínea b), que estabelece que a AdC pode privar, as empresas condenadas “do direito de participar em procedimentos de formação de contratos cujo objeto abranja prestações típicas dos contratos de empreitada, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços ou ainda em procedimentos destinados à atribuição de licenças ou alvarás, desde que a prática que constitui contraordenação punível com coima se tenha verificado durante ou por causa do procedimento relevante”, durante um período máximo de dois anos, contados da decisão condenatória, após trânsito em julgado. ZZ. Com base nessas premissas, no desvalor das condutas em causa, na gravidade das infrações e na culpa, na modalidade de dolo direto das aqui Recorridas Fergrupo e Somafel, a AdC condenou-as na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, durante o período de 2 (dois) anos, a contar do trânsito em julgado da Decisão, cumulativamente com as coimas aplicadas e, bem assim, com a sanção acessória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC. AAA. Sem embargo, veio o Tribunal a quo - erradamente - absolver as Recorridas da sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, nos termos já mencionados, tendo sustentado para tanto, que não se justifica a condenação de cada uma das Recorridas naquela sanção acessória, em suma por considerar i) a inexistência de antecedentes criminais das Recorridas, ii) o efeito que aquela sanção acessória teria na perda de postos de trabalho das respetivas empresas; e iii) a convicção daquele Tribunal de que “ a condenação na coima única aplicada, a par da publicação, a expensas suas, da presente decisão, no Diário da República e num jornal de expansão nacional, servirão de advertência bastante para a[s] dissuadir de assumir comportamentos semelhantes no futuro”. BBB. Não se conhece a matéria de facto dada por provada que sustenta aquela apreciação feita pelo Tribunal a quo, na medida em que a mesma não foi identificada na Sentença sub judice. CCC. A Sentença sub judice faz referência (p. 215) a que, no contexto das declarações prestadas pelo Recorrido AA, o mesmo “[a]ludiu, por fim, que a sanção acessória aplicada pela AdC, a confirmar-se, revelar-se-á muito penosa para a empresa, designadamente diante dos prejuízos humanos daí resultantes.” – e é essa a única referência que ali se encontra a respeito desta temática. DDD. Note-se que, na sequência do que antecede, é reconhecido por aquele Tribunal (pp. 215 e 216), também no contexto das referidas declarações, que: “[n]ão obstante tudo o declarado, tal não foi bastante para contrariar a análise feita aos elementos probatórios trazidos aos autos pela AdC, analisados em si, entre si e de acordo com a lógica e as regras da experiência comum e, por conseguinte, a factualidade daí resultante.” EEE. E acrescenta que,“[d]e facto, atendendo à natureza da infração em causa, os comportamentos assumidos pelas visadas, nos termos, ademais, admitidos pelo próprio, são reveladores da mesma: independentemente dos seus efeitos, a troca de informação ocorrida entre as várias empresas visadas, as únicas pré-qualificadas e convidadas a participar nos concursos públicos em causa, permitiu-lhe antever a postura que cada uma iria assumir nos concursos, eliminando o risco da incerteza, próprio de uma atividade concorrencial, bem como o resultados dos concursos, conforme adiante melhor se explicará.” FFF. Não foi provada na fase administrativa (tal como não o foi durante na audiência de discussão e de julgamento), que em consequência da eventual aplicação da sanção acessória em crise resultaria a perda de postos de trabalho nas respetivas empresas – pelo contrário, resulta da Sentença sub judice (nomeadamente, parágrafo 134 dos factos dados por provados) e é reconhecido pelos Recorridos, o recurso à subcontratação de trabalhos pelas empresas Recorridas. GGG. No que respeita a esta matéria, a Sentença sub judice veio até reconhecer: “(…) as elevadas exigências de prevenção geral e especial assinaladas, bem assim o evidente desvalor da conduta das visadas Recorrentes, a gravidade das infrações e a culpa das Recorrentes, na modalidade de dolo direto86”; e, bem assim, o facto de a AdC ter optado por limitar a aplicação da privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, apenas àqueles cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via. HHH. Mostra-se, por conseguinte, ainda mais surpreendente e injustificado o fundamento utilizado pelo Tribunal a quo, baseado, em suma, na inexistência de antecedentes criminais das Recorridas, no “hipotético” efeito que aquela sanção acessória teria na perda de postos de trabalho das respetivas empresas, e na convicção do TCRS de que “a condenação na coima única aplicada, a par da publicação, a expensas suas, da presente decisão, no Diário da República e num jornal de expansão nacional, servirão de advertência bastante para a[s] dissuadir de assumir comportamentos semelhantes no futuro”. III. A Recorrente não pode conformar-se com a decisão de absolver as Recorridas quanto à sanção acessória em crise, porquanto é sua convicção que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o n.º 1 do artigo 71.º da LdC, tendo desconsiderado, sem fundamento e em contradição com a matéria de facto considerada provada, a ponderação feita na Decisão administrativa impugnada sobre a adequação e necessidade de aplicação daquela sanção, em simultâneo com as demais sanções aplicadas (i.e. coima e sanção acessória prevista na alínea a) daquela norma legal). JJJ. Acresce que, a própria Sentença sub judice reconhece “[d]e acordo com os seus relatórios e contas e sendo elas pertencentes a grandes grupos empresas, não apresentam dificuldades económico-financeiras.87” KKK. Com destaque também para o realce feito na Sentença sub judice, no sentido de que “o alegado contexto de crise económica que se fazia sentir à data dos lançamentos dos concursos, facto notório e por isso não carecido de ser elencado na factualidade, e a alegada baixa contínua dos preços lançados pela REFER/IP, não justifica ou legitima de per si qualquer atuação ilícita das empresas visadas, porquanto se sabe que é precisamente nos momentos de crise financeira que surgem as práticas restritivas à concorrência com vista à minimização dos prejuízos dela resultantes, através da eliminação do risco, da imprevisibilidade, da concorrência, como sucedeu no caso em apreço.88” LLL. Atente-se na seguinte conclusão do TCRS, cuja relevância é inquestionável para a presente análise: “Com relevo para a situação em apreço, por força da natureza e conteúdo dos procedimentos concursais, no âmbito dos quais são imputadas às Recorrentes a prática das infrações à concorrência, e por forma a melhor compreender o seu contexto, importa aludir à relação existente entre a contratação pública e a concorrência, quando, ademais, uma das forma de colusão particularmente relevante pode ocorrer precisamente no âmbito das obras públicas, quando os concorrentes se coordenam previamente, de forma ilícita, para obter benefícios à custa do erário público através da apresentação de propostas em concursos públicos.89” MMM. Pelo exposto, tal assunção revela-se em contradição com as conclusões que na mesma se repetem exaustivamente no que respeita à matéria de facto considerada provada na Sentença sub judice e à subsunção dos factos ao Direito. Senão vejamos, NNN. É manifesto entendimento do TCRS que: “(…) resultou provado, em suma, que as empresas visadas pelo PRC/2016/6 coordenaram o seu comportamento para efeitos da sua participação nos concursos lançados pela REFER/IP, e contratos n.º ...80 (Concurso I) e e contratos n. º ...30 (Concurso II) para a prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, adotando e implementando uma estratégia comum, com o objetivo de aumentar o preço contratual máximo estabelecido nos referidos concursos. Para o efeito, as referidas empresas visadas, acordaram apresentar propostas acima do preço base nos concursos instruídos, primeiro pela REFER e depois pela IP, com a consequente exclusão das propostas e provocando o lançamento de um novo procedimento concursal por um preço-base necessariamente superior.90” OOO. Acrescentando que,“[r]esulta ainda dos factos provados que, uma vez alcançado o pretendido aumento do preço contratual, com apresentação de propostas concretas acima do preço base, as empresas visadas pelo PRC/2016/6 partilharam entre si o mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, através da repartição dos cinco lotes constantes do concurso n. º ...98 (Concurso III), fixando igualmente o nível de preços ajustados aos seus interesses.” PPP. Reitera-se, por pertinente para a presente análise, o que o TCRS acertadamente reconhece, no sentido de que “(…) as empresas visadas, ao adotarem os referidos dois acordos restritivos da concorrência, afetando a prestação de serviços de interesse público, de enorme importância para os utilizadores das ferrovias, acordos esses que, como se viu, abrangem a totalidade do território de Portugal continental e representando totalidade dos agentes económicos envolvidos à data dos factos, a totalidade do mercado, dúvidas inexistem em concluir-se pelo carácter sensível das restrições em apreço.91” QQQ. Foi nesse sentido que, a AdC, ponderando os efeitos da eventual aplicação concreta das sanções acessórias que decorrem do n.º 1 do artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, tanto para as empresas como para o normal funcionamento do mercado, uma vez apurados e analisados todos os elementos constantes dos autos – tendo em conta a gravidade da infração em causa, bem como as exigências de prevenção geral e especial – entendeu justificar-se, in casu, a aplicação das duas sanções acessórias previstas nas alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 71.º da Lei n.º 19/2012 (cf. secção 3.6 da Decisão administrativa impugnada). RRR. Desse modo, e em particular, nos termos do disposto na alínea b) no n.º 1 do artigo 71.º da Lei n.º 19/2012, reiterando o exposto na Decisão administrativa impugnada justifica-se, a título de sanção acessória, privar as Visadas e ora Recorridas Fergrupo e Somafel, de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública durante o período de 2 (dois) anos, a contar do trânsito em julgado da presente Decisão. SSS. Note-se que, o âmbito objetivo da aplicação desta sanção acessória, tal como configurado na Decisão administrativa impugnada, circunscreve-se ao mercado afetado, isto é aos procedimentos cujo objeto abranja exclusivamente a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, e não à totalidade das áreas de negócio onde estão ativas as visadas, atendendo às exigências de proporcionalidade que impendem sobre a AdC. TTT. Acresce que, conforme reconhece a Sentença sub judice “não se evidenciou qualquer comportamento assumido por parte das visadas com vista à eliminação das práticas restritivas da concorrência constatadas ou reparação dos prejuízos daí advindos.92” UUU. A AdC atendeu ao elevado desvalor da conduta das Recorridas Fergrupo e Somafel, bem como a manifesta insensibilidade das mesmas face às regras de concorrência, considerando-se necessária e adequada a aplicação da sanção acessória em apreço, nos termos circunscritos supra, tendo em conta as necessidades de prevenção especial e, ainda, de proteção do mercado face a atuações ilícitas desta natureza e tipologia. VVV. Note-se que as Recorridas adotaram, com dolo direto, um comportamento (que consubstancia uma infração muito grave às normas da concorrência) altamente lesivo dos interesses do Estado, nomeadamente do erário público, e, portanto, dos seus cidadãos. WWW. As Visadas, por sua livre iniciativa, cartelizaram-se com a intenção clara de lesar o interesse público em franco benefício da sua situação económico-financeira e o Tribunal a quo entende despudoradamente que a manutenção desta sanção acessória é suscetível de as prejudicar financeiramente e de gerar um menor número de contratos de trabalho, o que pode ser ainda mais gravoso no atual contexto pandémico. XXX. O Tribunal a quo até poderia ter reduzido o período temporal da sanção acessória para, de alguma forma, poder acomodar o que aparentam ser as suas preocupações e matizar a intensidade de tal sanção. Mas não, limita-se (com base em erro) a revogar aquela sanção, circunstância com a qual a AdC não se pode conformar. YYY. Em face do que antecede, ao absolver as Recorridas Fergrupo e Somafel – erradamente - da respetiva condenação na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, nos termos já amplamente mencionados, por considerar que a mesma não se justifica, sem sustentação na matéria de facto considerada provada que enquadra as práticas jusconcorrenciais ilícitas sub judice, o Tribunal a quo – nesta justa parte – incorreu numa contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão de absolver as Recorridas da sanção acessória em crise, tal como aplicada pela AdC, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, aplicável sucessivamente ex vi artigo 83.º da LdC e n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, interpretando, de forma errada, o n.º 1 do artigo 71.º da LdC. Do pedido de reenvio prejudicial ZZZ. O caminho trilhado pelo Tribunal a quo na Sentença Recorrida é um caminho que viola o conceito de empresa tal como interpretado pelo TJUE, pondo em risco a unidade e a coerência da aplicação do direito da concorrência na União Europeia – o Tribunal a quo ignorou e não reconheceu a sua influência e a forma como este se incorpora na ordem jurídica interna, desaplicando-o e apelando a uma visão própria de conceitos distinta da fixada pelos tribunais da União. AAAA. Estão em causa divergências, senão mesmo, verdadeiros conflitos interpretativos que se afiguram ainda mais gravosos quando há lugar à sua aplicação de direito da União Europeia aos autos – o que, in casu, sucedeu – e colocam em crise a uniformidade e consistência na sua interpretação e aplicação – valores esses que devem ser igualmente promovidos e zelados pelo Tribunal ad quem enquanto juiz de direito da União. BBBB. Em dois exemplos: (i) ao passo que o Tribunal a quo considera que “a sociedade mãe do grupo apenas poderá responder pela contraordenação e pela correspondente coima se foi parte na infração, isto é, se participou no comportamento proibido”, a jurisprudência europeia é límpida em sentido manifestamente diverso – vejam-se os casos Azko Nobel e General Química, entre outros; (ii) ao passo que o Tribunal a quo defende a insuficiência da presunção de influência determinante e a necessidade de a AdC demonstrar, adicionalmente, outros indícios de controlo completo da sociedade-mãe pela sua filial, a jurisprudência europeia é unânime ao considerar que o facto de a sociedade-mãe deter a totalidade ou quase totalidade do capital da sua filial é suficiente para concluir que a sociedade-mãe exerce uma influência determinante sobre a sua filial, daqui derivando a consequente responsabilização. CCCC. Considerando estarem em causa interpretações e aplicações contraditórias de direito da União Europeia, é premente a necessidade de um reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.º do TFUE, na medida em que não existe base legal ou apoio jurisprudencial que confira respaldo à decisão do Tribunal a quo no presente caso e ao seu exercício interpretativo. DDDD. É, igualmente, vislumbrável um verdadeiro interesse e utilidade na aplicação deste instituto tendo em vista evitar digressões interpretativas futuras e assegurar uma aplicação una, sólida e consistente das normas de direito da concorrência, interpretadas conforme o direito da União Europeia. EEEE. Caso este Tribunal ad quem prefigure existirem as mesmas contradições já evidenciadas e tenha dúvidas sobre a correta interpretação e aplicação das normas de direito da União, enquanto órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, está vinculado a submeter um pedido de reenvio prejudicial junto do TJUE – razão pela qual a AdC requer, muito respeitosamente a V. Exa., que suspenda o processo judicial em curso a fim de submeter um pedido de reenvio prejudicial, legalmente respaldado no artigo 267.º do TFUE, propondo, para esse efeito, a formulação das seguintes questões: 1) Pode o n.º 1 do artigo 101.º do TFUE conjugado com o artigo 3.º da Lei da Concorrência, que verte o conceito de jusconcorrencial de empresa assente no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE na ordem jurídica interna, ser interpretado no sentido de que, em processo sancionatório da concorrência, constitui base e fundamento legal para, caso uma sociedade-mãe detenha 100% do capital social da sua filial que cometeu uma infração às regras da concorrência e com ela constitua uma empresa, permitir a imputação de responsabilidade solidária da sociedade-mãe com a sua filial por violação às regras da concorrência, traduzida no pagamento da coima a título solidário? 2) Em caso de resposta afirmativa a primeira questão, a responsabilidade da sociedade-mãe por uma infração às regras da concorrência cometida por uma sua filial da qual detém 100% do capital social nos termos do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE exige que uma autoridade nacional da concorrência demonstre que essa sociedade-mãe também participou direta e individualmente na infração à concorrência, tendo sido parte dela, imputando-lhe factos próprios na mesma medida que imputa à filial enquanto autora do ilícito? 3) Pode o n.º 1 do artigo 101.º do TFUE conjugado com o artigo 3.º da Lei da Concorrência, que verte o conceito de jusconcorrencial de empresa assente no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE na ordem jurídica interna, ser interpretado no sentido de que, em processo sancionatório da concorrência, a presunção de exercício efetivo de influência determinante por parte da sociedade-mãe sobre a sua filial, em razão do facto de aquela deter 100% do capital social da segunda, estar subordinada à demonstração, por parte de uma autoridade nacional da concorrência, de outros indícios suplementares e demonstrativos do exercício dessa influência ou controlo da sociedade-mãe pela sua filial? A FERGRUPO – CONSTRUÇÕES E TÉCNICAS FERROVIÁRIAS, S.A. (Fergrupo) e BB (BB) recorreram também da sentença, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, datada de 6 de setembro de 2021, que condenou a Recorrente Fergrupo pela prática de duas contraordenações previstas e punidas pelos artigos 9.º, n.º 1, al. a) e 68.º, n.º 1, al. a) da LdC e 101.º, n.º 1 do TFUE e pelos artigos 9.º, n.º 1, als. a) e b) e 68.º, n.º 1, al. a) da LdC e 101.º, n.º 1 do TFUE, respetivamente, no pagamento de uma coima única no valor de € 600.000,00, 2. E o Recorrente BB pela prática de duas contraordenações previstas e punidas pelos artigos 73.º, nrs. 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a) da LdC, no pagamento de uma coima única no valor de € 12.000,00. 3. Os recorrentes não se conformam com a sentença, pelas razões que se seguem. 4. O Tribunal a quo decidiu pela improcedência das nulidades das diligências de busca e apreensão de correspondência eletrónica efetuadas pela AdC e do despacho que autorizou a apreensão de tal correspondência. 5. No âmbito das diligências de busca e apreensão, foram apreendidos ficheiros informáticos, sendo que a grande maioria são mensagens de correio eletrónico que constavam das respetivas caixas de correio eletrónico de colaboradores da Recorrente. 6. A apreensão de correio eletrónico é proibida nos termos do artigo 34.º, n.º 1 da CRP, sendo apenas admitida a título excecional em sede de processo criminal, nos termos dos artigos 18.º, nrs. 2 e 3, 32.º, n.º 2 e 34.º, todos da CRP, pelo que não é admitida no âmbito do processo contraordenacional como o dos presentes autos. Assim mesmo dispõe o artigo 42.º, n.º 1 do RGCO. 7. Pese embora o artigo 18.º da LdC confira à AdC poderes para proceder à busca, exame, recolha e apreensão de extratos de escrita ou outra documentação, independentemente do seu suporte, tal preceito não pode ser interpretado como admitindo solução contrária à consagrada na CRP, e que foi seguida por outros regimes jurídicos. Um qualquer documento em suporte digital não tem o mesmo valor que uma mensagem de correio eletrónico, para efeitos do artigo 20.º, n.º 1 da LdC. 8. A prova de que a AdC lançou mão nas diligências de busca e apreensão configura uma proibição absoluta de prova, uma vez que não pode ser apreendida correspondência (quer aberta quer fechada) no âmbito de um processo contraordenacional, nomeadamente, por infração sancionada nos termos da LdC. 9. As diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC nas instalações da aqui Recorrente encontram-se feridas de nulidade, por se tratar de prova proibida em sede de processo contraordenacional, de harmonia com o disposto nos artigos 34.º, nrs. 1 e 4 da CRP, 42.º, n.º 1 do RGCO e 126.º, n.º 3 do CPP (este último aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO). 10. Suscita-se a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, se interpretada e aplicada no sentido de ser admitida a apreensão de mensagens de correio eletrónico pela AdC no âmbito de diligências de busca e apreensão por si realizadas no âmbito de processo contraordenacional, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da CRP e do princípio da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, consagrado no artigo 34.º, nrs. 1 e 4 da CRP. 11. Deverá a sentença recorrida ser revogada, devendo proceder as nulidades de prova e inconstitucionalidade invocadas. 12. Sem conceder, a admitir-se, no caso vertente, diligências de busca e apreensão de correspondência eletrónica, as mesmas teriam de ser realizadas sob exigências acrescidas, não bastando para as legitimar um artigo de um regime setorial que, ademais, nem sequer autoriza expressamente a apreensão de mensagens de correio eletrónico. 13. É entendimento do Tribunal a quo que não é aplicável ao caso o artigo 17.º da Lei do Cibercrime, nem o art.º 179.º do CPP, mas sim o art.º 18.º da LdC. 14. No entanto, a própria sentença recorrida refere que o teor do artigo 18.º não afasta a possibilidade de existir uma antinomia com as características referidas em relação a um tipo específico de dados informáticos, como sejam as mensagens de correio eletrónico. 15. A matéria relativa à busca e apreensão de correio eletrónico, aplicável subsidiariamente ao processo contraordenacional, encontra-se regulada no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, que determina, expressamente, que o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão das mensagens de correio eletrónico encontradas armazenadas num sistema informático, se as mesmas se afigurarem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. 16. O mesmo artigo remete para a disciplina do art.º 179.º, n.º 1 do CPP, que determina: “[S]ob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão [de correspondência]”. 17. Também por força do artigo 32.º, n.º 4 da CRP, a apreensão de correspondência só pode ser ordenada por um juiz. 18. Sintomático da relevância e atualidade desta questão é o recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 30 de Agosto79, que se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 5.º do Decreto n.º 167/XIV da Assembleia da República, na parte em que altera o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, por violação das normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1, 35.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 4, e 18.º, n.º 2 da CRP. 19. Não é concebível que o regime sancionatório da concorrência fique à margem desta querela. 20. O referido regime é aplicável a correspondência eletrónica lida e não lida, conforme fica claro da leitura da própria lei, que faz menção às mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante que “forem encontrados armazenados nesse sistema informático”. O Tribunal a quo faz, aliás, uma resenha das correntes doutrinárias nesse sentido. 21. Nestes termos, deve ser desconsiderada a correspondência eletrónica como meio de prova, por constituir prova proibida, por não ter sido apreendida mediante mandado judicial, em clara violação do disposto no artigo 17.º da Lei do Cibercrime, nos artigos 179.º, n.º 1 e 126.º, n.º 3 do CPP (aplicáveis por remissão sucessiva dos artigos. 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO). 22. Suscita-se a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 20.º, n.º 1 da LdC, se interpretada e aplicada no sentido de ser admitida a apreensão de mensagens de correio eletrónico no âmbito de diligências de busca e apreensão sem prévio mandado judicial para o efeito, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da CRP, do princípio da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, consagrado no artigo 34.º, nrs. 1 e 4 da CRP e do princípio da reserva da função jurisdicional, previsto no artigo 202.º, n.º 2 da CRP. 23. A sentença recorrida está inquinada por vícios graves na apreciação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP. 24. Andou mal o Tribunal a quo ao dar como não provada a factualidade constante das págs. 199 e 200 da sentença, que foi provada pelos Recorrentes em sede de audiência de julgamento. 25. A prova foi indevidamente valorada, não tendo o Tribunal a quo exercido o controlo jurisdicional a que estava obrigado. 26. O Tribunal a quo não verificou se os elementos apresentados pela AdC constituíam a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar a situação complexa que se lhe deparava, ao formar a sua convicção “de acordo com as regras da lógica e da experiência comum”, bastando-se com a afirmação de que “não tendo a prova produzida em audiência de discussão e julgamento logrado colocar em crise a análise feita pela AdC quanto ao seu teor”. 27. Quanto à apresentação de propostas acima do preço-base, conforme resultou da prova realizada em audiência de julgamento, a Recorrente viu-se confrontada com um decréscimo abruto do Preço Base dos concursos, que tornou necessário racionalizar as propostas e procurar uma oferta mais eficiente através, nomeadamente através do C..., expressamente admitido pela IP. Por outro lado, e mesmo nesse cenário, verificou-se ser por vezes economicamente inviável apresentar propostas nos termos requeridos pela IP, sob pena de, mesmo em consórcio, não ser possível cobrir os custos de operação. 28. Face a tal impossibilidade, a Recorrente procurou, juntamente com as demais visadas, chegar a um entendimento com a IP e apresentar em agrupamento a melhor proposta possível (devidamente justificada) ainda que acima do Preço Base. 29. Salvo o devido respeito, o Tribunal nunca equacionou e atendeu aos elementos de prova que demonstram que as decisões de não apresentação a concurso, de apresentação em consórcio e apresentação de preço acima do preço-base fosse o resultado do preço estipulado pela IP não ser suficiente para suscitar o interesse no concurso. 30. No que respeita a prova documental, constam dos autos do processo instrutor e nas Alegações de Recurso para o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, três documentos que são prova suficiente deste facto: documentos Fergrupo46, Fergrupo888 e Fergrupo907. 31. Trata-se de notas justificativas dos preços contratuais propostos pelas visadas, no âmbito dos vários concursos analisados, nas quais as empresas apontam e identificam a insuficiência do preço base estipulado pela REFER/IP para cobrir os custos de operação. 32. Também em sede de audiência e julgamento, foi ouvido DD, Diretor Financeiro da Fegrupo – cujo depoimento foi apelidado de escorreito e sustentado pelo Tribunal a quo – que ofereceu exemplos do impacto em termos de custos dos requisitos adicionais do Sistema de Prévia Qualificação lançado pela IP e do investimento efetuado que era expetável de ser amortizado em concursos de, pelo menos, 3 anos. 33. É com base em factos erróneos e numa alegada intenção de “alinhamento de preços” que o Tribunal a quo extrai conclusões no que respeita à imputação à ora Recorrente, que se encontram inquinadas e baseadas em factos erroneamente apreciados. 34. Das conclusões do Tribunal a quo parecem resultar três pressupostos nos quais fundamenta a sentença relativa à primeira infração (Concurso I e II): i) existência de troca de informação entre as empresas consorciadas e a N..., S.A. contrária ao direito da concorrência; ii) existência de reuniões entre as visadas após o lançamento do concurso pela IP; e iii) apresentação de uma proposta superior ao preço-base. 35. Contudo, (i) os factos revelam um comportamento das empresas totalmente compatível com as regras de concorrência; (ii) os meios de prova elencados pelo Tribunal a quo não permitem suportar as infrações propostas; (iii) o Tribunal não explicou fundamentadamente quais os factos diretamente resultantes dos meios de prova que só poderiam ser configurados como uma infração; (iv) o Tribunal aderiu à tese da AdC e assume mesmo de forma expressa, no caso do Concurso III, que a infração resultaria de uma presunção; e, finalmente, (v) não se pronunciou e desconsiderou totalmente todo o enquadramento jurídico e económico subjacente ao desenho dos concursos pela IP. 36. Nos Concursos I e II a ora Recorrente e as visadas Fergrupo, F..., S.A., M..., S.A. e Somafel apresentaram-se sempre em consórcio, não existindo qualquer questão de licitude relacionada com as reuniões, discussões, coordenação e apresentação de propostas pelo C... e respetivos membros. 37. Todos os emails, notas pessoais, ou outros meios de prova referentes ao funcionamento intrínseco do C... (que não respeitem à N..., S.A., não consorciada) não têm qualquer relevo material e probatório para efeitos de existência ou inexistência das infrações em causa. 38. Os contactos, as reuniões, a coordenação de estratégias e de propostas eram normais, esperados, inerentes ao consórcio e, mais importante, lícitos. 39. Tal como dado como provado pelo Tribunal a quo, o procedimento concursal eContratos n.º ...80 (Concurso I para efeitos da decisão condenatória) foi lançado em 14.10.2014 pela então REFER, ao abrigo do sistema de qualificação de prestadores de serviços em vigor, tendo sido convidadas a apresentar proposta as cinco empresas visadas. 40. O concurso previa a adjudicação de 2 (dois) lotes, compreendendo o Lote 1 "gestão norte", e o Lote 2 "gestão sul", sendo o preço base de cada um dos lotes € 2.569.060 e € 2.371.440, respetivamente. 41. A IP admitia a apresentação de propostas em consórcio e, nesse sentido as visadas Fergrupo, F..., S.A., M..., S.A. e Somafel apresentaram-se em consórcio (C...). 42. O C... e a N..., S.A. apresentaram propostas – diferentes - acima do preço base. 43. Não houve decisão de adjudicação e a IP celebrou um novo contrato com o C... por ajuste direto por um período adicional de 12 meses, contados de 01.01.2015. 44. O período seria considerado adequado à necessária reflexão técnica para a determinação de um novo preço base, e, portanto, à instrução de um novo procedimento de concurso limitado ao abrigo do sistema de qualificação de prestadores de serviços de manutenção de aparelhos de via, plurianual. 45. Não existe prova alguma no sentido de que as empresas apresentaram propostas acima do preço base para lesar a IP; ou de que terá sido uma estratégia do C... para prejudicar a N..., S.A.; ou de que terá sido simplesmente uma firma de não apresentar uma proposta abaixo dos custos incorridos. 46. Não obstante, o Tribunal a quo, decide formar a sua convicção numa afirmação e juízo de “sentido”, desconsiderando a prova documental e testemunhal produzida: “não faz qualquer sentido, independentemente de tratar-se de uma prática corrente” (cf. pág. 216 da Sentença). 47. A apresentação de propostas acima do preço base não é ilícita; a apresentação de proposta em consórcio também não e a apresentação de propostas em consórcio acima do preço base também não. 48. Consequentemente, ou há prova de coordenação entre as empresas para levar ao aumento de preço ou não há. Não pode a Ferrupo ser condenada por presunção ou porque os concursos não correram como inicialmente planeados. 49. Em total adesão à Decisão da AdC, o Tribunal a quo relata que a N..., S.A. partilhou com as visadas Fergrupo, M..., S.A. e Somafel que se tinha qualificado como prestadora de serviços para efeitos do concurso I, sugerindo existir uma troca de informação sensível entre concorrentes. 50. Antes mesmo de se perceber que a informação em causa foi desde logo comunicada pela REFER a todos os concorrentes, deve desde já colocar-se uma questão: e mesmo que tal não tivesse sucedido, qual seria a infração à luz do direito da concorrência? De que norma, orientações ou práticas decorre, em Portugal ou na UE, que um concorrente não pode informar outro concorrente de que também se qualificou para o concurso? 51. Certo é que não existe prova que sustente a sugestão acusatória da AdC e aceite sem reservas pelo Tribunal a quo em total desconsideração da prova produzida; simplesmente, é tão válida como qualquer outra e não pode beneficiar uma qualquer teoria de infração em detrimento dos direitos de defesa e presunção da inocência da Fergrupo. 52. Andou mal o Tribunal a quo ao não considerar que o documento F..., S.A.53 constitui um indício de conversações e partilha de informação sensível (cf. ponto 76 dos factos provados). 53. Como o Tribunal a quo não desconhece e em linha com a prática decisória da AdC em matéria de tratamento de confidencialidades (e de igual modo com as melhores práticas da Comissão Europeia), se uma informação se encontra acessível ou é partilhada, neste caso pela REFER, de modo uniforme entre todas as visadas, não pode ser considerada sensível. 54. Termos em que se conclui que, face ao exposto, a convicção do Tribunal foi formada com base num erro notório na apreciação da prova (nomeadamente do documento F..., S.A.53) o qual impõe, à luz do da al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que seja declarada nula a decisão. 55. Nos pontos 78 a 84 da Sentença Recorrida, o Tribunal a quo dá como provados um conjunto de e-mails que, no seu entender, configuram contactos entre as empresas que integram o consórcio e a N..., S.A. para na sentença concluir que as empresas se terão coordenado apresentar propostas acima do preço base, o que determinaria a continuidade da C... através de ajuste direto com a REFER. 56. Em síntese, haveria contactos de algum tipo entre o C... e a N..., S.A. e, simultaneamente, a N..., S.A. dirigiu um pedido de cotação apenas à F..., S.A. para prestação de serviços para efeitos de instrução de proposta para o Lote 2 (como decorre da sentença autos a F..., S.A. prestava serviços técnicos a todas as visadas). 57. O Tribunal pretende concluir, por mera adesão à Decisão da AdC, que as empresas se reuniram e conluiaram para apresentar propostas acima do preço base. 58. Vejamos os factos que resultam dos meios de prova existentes: a) Em 14.10.2014 as cinco empresas (incluindo a N..., S.A.) são convidadas pela REFER para apresentar proposta; b) Em 20.10.2014 os membros da C..., excluindo a N..., S.A., reuniram-se para discutir “o preço base estabelecido no concurso” e o facto de a “REFER ter retirado as ações de MPC e inspeção” – até aqui tudo normal. c) Em 5.11.2014 a N..., S.A. pede uma cotação à F..., S.A. para instruir a sua proposta ao Lote 2, pedindo resposta até ao dia seguinte. d) Na mesma data o colaborador da F..., S.A. reenvia internamente o pedido de cotação, afirmando “Não deveria alguém falar com a N..., S.A.? Parece-me que não haverá concertação com o acordado na última reunião”. e) Na mesma data o pedido de cotação é reencaminhado para a Fergrupo. f) E ainda na mesma data, a Fergrupo responde, copiando a N..., S.A., afirmando que ter-se-á tratado “de um processo de consulta habitual” e que “temos de nos reunir para clarificar apenas alguns aspetos da apresentação de propostas”, sugerindo nova reunião para o dia seguinte. g) Também no dia 5 de novembro agenda-se a reunião acabada de referir e ao final do dia a N..., S.A., em email interno, afirma que a situação correu mal. h) No final, e como se sabe, as propostas da C... e da N..., S.A. situaram-se acima do preço base e a C... celebrou novo contrato com a REFER por ajuste direto por um período adicional de 12 meses, não tendo a N..., S.A. beneficiado de qualquer adjudicação ou subcontratação. 59. A questão que se coloca agora é a de saber se destes factos resulta que a única interpretação possível é no sentido de que C... e N..., S.A. se reuniram para, de forma concertada e seguindo um plano de ação comum, combinar os preços das propostas a apresentar a concurso. 60. Parece evidente que o desfecho em nada favoreceu a N..., S.A.: foi excluída desse concurso e não existe prova de qualquer vantagem posterior que lhe tenha sido conferida pela C.... 61. A verdade é que lendo e relendo os emails não se consegue extrair uma única e mesma conclusão. 62. Mas há algo inequívoco: as empresas concorreram separadamente, a lotes diferentes e com preços diferentes e a N..., S.A. foi excluída desse concurso. 63. Da Sentença não resulta uma explicação clara, precisa e concordante de como aqueles emails provam a existência de um cartel entre o C... e a N..., S.A. para apresentação de propostas acima do preço base no concurso I. 64. O Tribunal presume a infração, sem haver qualquer indicação, concreta e por referência especifica aos meios de prova, do facto concreto que prova determinada conclusão. Qual o email ou parte de email que concretamente permite concluir pela existência de um acordo para fixação de preços? 65. O Tribunal a quo não considerou provados factos que foram provados pela Recorrente, quer com recurso a prova constante dos autos e de acesso público (notas justificativas) quer através da prova testemunhal que, em audiência de discussão e julgamento, descrever o impacto financeiro concreto dos requisitos do sistema de prévia qualificação na atividade da Recorrente. 66. Termos em que se conclui que, face ao exposto, a convicção do Tribunal foi formada com base em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, devendo ser declarada nula a decisão recorrida. 67. No que respeita ao Concurso II, vem o Tribunal a quo referir que “a prova dos factos descritos nos pontos 86 a 92 […] assenta nos elementos documentais aí referenciados, recolhidos pela AdC na fase administrativa”. 68. Uma vez mais, o Tribunal a quo incorre num erro notório de apreciação da prova, uma vez que a factualidade provada não resulta da prova produzida. 69. Refere o Tribunal que a N..., S.A. terá informado a IP que não iria apresentar proposta “tendo em conta que o custo internamente apurado era superior ao valor base indicado” e que as demais empresas “não obstante terem decidido apresentar proposta em agrupamento, em regime de consórcio externo de responsabilidade solidária, por forma a fazer face ao que entenderam ser um valor base exíguo, fizeram-no, mas propondo novamente um valor superior ao preço base.” 70. Com base nesta factualidade, o Tribunal retira a conclusão de que “se o objetivo do consórcio era unicamente permitir às empresas que o constituíam ultrapassar, em conjunto, minimizando, as dificuldades em fazer face ao preço base exíguo fixado pela IP, conforme alegam, mostra-se desprovido de sentido que tivessem optado por apresentar em conjunto uma proposta com um preço superior ao preço-base, sabendo, ademais, de antemão, que esta seria rejeitada, ainda para mais com o único propósito de sinalizar à entidade adjudicante o seu desajuste, como afirmam”. 71. O Tribunal adere novamente à tese da AdC e parece entender estar demonstrada a existência de uma infração quanto ao concurso II – leia-se, um consenso e plano de ação comum para fixar os preços do concurso. 72. Desde logo, parece estranho que existisse um plano de ação comum para fixação de preços num cenário em que a N..., S.A. nem sequer apresentou proposta e em que o desfecho levou à não adjudicação de lotes a qualquer empresa, tendo a IP decidido não contratar. 73. Não existiu qualquer fixação de preços e os preços não aumentaram. 74. Na Sentença Recorrida, o Tribunal parece querer retirar a conclusão de que a N..., S.A. estava a ser convocada para uma reunião do C... “com vista a reunirem e abordarem a estratégia a seguir nesse concurso, o que foi aceite pelas demais, tendo a reunião decorrido no dia 10/07/2015 e, novamente, no dia 15/07/2015, mas, desta vez, com a participação da empresa não consorciada N..., S.A., da qual resultaram alguns apontamentos por parte do representante da N..., S.A., elucidativos dos assuntos aí abordados”. 75. O Tribunal andou mal na apreciação da prova, analisando globalmente as várias reuniões realizadas, sem atender ao seu conteúdo e factos passíveis de serem retirados dos mesmos. 76. Como decorre do e-mail acima transcrito, a reunião agendada para o dia 10/07/2015 visa o “Assunto: C... - Prestação de Serviços em Aparelhos de Via”. Nestes e-mails não existe qualquer referência à N..., S.A.; não existe igualmente qualquer consideração sobre o concurso ou posição das empresas face ao mesmo; apenas o agendamento e nada mais. 77. Os contactos ocorridos exclusivamente entre consorciadas eram normais e lícitos no contexto dos vários concursos que admitiam expressamente a apresentação de propostas em agrupamento. 78. Não se vislumbra qual a relevância probatória destes meios de prova contra a Fergrupo ou qualquer outra visada, sendo certo que o Tribunal não esclarece em que medida estes contactos para agendamento de uma reunião entre consorciadas (sem qualquer informação adicional) poderiam ou deveriam ser considerados violadores das regras de concorrência. 79. Ao arrepio do exigido, o Tribunal relaciona este e-mail com a marcação de uma segunda reunião no dia 15/07/2015, desta vez com a participação da N..., S.A., não analisando o e-mail em concreto. 80. Não existe nos autos um qualquer email que demonstre ter existido um acordo nessas datas entre C... e N..., S.A. para fixação dos preços do concurso II. 81. Apenas existe o agendamento de uma reunião em que a empresa F..., S.A. alude a uma reunião que terá lugar com a N..., S.A. e uma nota pessoal manuscrita por EE, administrador da N..., S.A., em que o mesmo parece ilustrar cenários possíveis para o concurso II e que em nada coincidem com o desfecho do concurso. 82. Sendo certo que no agendamento nada se diz sobre a matéria a discutir; aliás tão-pouco é inequívoco que a N..., S.A. tivesse sido convidada para essa reunião. 83. Ou seja, essa informação não se extrai (porque não se pode extrair) dos referidos emails; antes resulta das declarações das visadas que admitem que a N..., S.A. participou de facto na reunião com o objetivo de, novamente, e como forma de tentar corresponder aos concursos da IP com preços muitos esmagados, alargar o consórcio. 84. Efetivamente, a incorporação da N..., S.A. (especialmente localizada na zona geográfica do Lote 4) no Consórcio C... tinha em vista a obtenção de uma solução técnico-económica mais eficiente e que permitisse alguma rentabilidade face ao enquadramento e contexto económico-financeiro subjacente aos concursos (em que, como se observou, a IP foi esmagando os preços pagos pelos serviços oferecidos). 85. Assim, se a informação quanto ao intuito restritivo não está nos autos, não decorre dos documentos e não coincide com o desfecho do concurso, em que se baseia o Tribunal para considerar a explicação de um cartel mais verosímil face à explicação do alargamento do consórcio? 86. Havendo manifesta dúvida (na exata medida em que os documentos apreendidos juntos aos autos não revelam esse acordo proibido), qual a razão para privilegiar a presunção de infração face à presunção da inocência da Fergrupo? 87. A Fergrupo e o Eng. BB não são os autores da referida nota manuscrita, não podendo reconhecer a sua veracidade e desconhecem a motivação que levou à sua produção. 88. O Tribunal a quo começa por afirmar que: “apesar de tratarem-se de meros escritos apenas da autoria de uma das pessoas intervenientes na dita reunião, não podemos deixar de os valorar quando analisados em conjunto com os demais elementos carreados para os autos e que nos levam a concluir que, na reunião do dia 15/07/2015, ocorrida entre as únicas empresas pré-qualificadas para o concurso II, foram trocadas impressões e informações sobre a estratégia a seguir, tendo sido ponderados dois cenários possíveis”. 89. Concluindo: “Em lugar algum dessas notas se conjetura, pois, contrariamente ao invocado pelas Recorrentes, a possibilidade de a N..., S.A. integrar o consórcio existente, sendo que, a ser essa a única justificação para a participação da N..., S.A. na reunião, conforme alegam as Recorrentes, faria todo o sentido, de acordo com a lógica, que aí estivesse mencionado tal hipótese e não tudo o mais que aí consta.” 90. Ora, o Tribunal omite que a nota explicitamente refere “consorciadas + N..., S.A. (C...)”. 91. Esta referência demonstra o propósito da reunião e o assunto em discussão: a N..., S.A. encontrava-se presente naquela reunião para considerar integrar o Consórcio C.... Desta forma, as empresas envolvidas poderiam aproveitar as sinergias aliando esta prestação de serviços a outras já em curso nas mesmas áreas geográficas. 92. Existe, pois, um erro manifesto de apreciação da prova o qual inquina a conclusão extraída e, em consequência, resulta da imputação indevida da prática de uma infração às regras da concorrência. 93. O Tribunal a quo, erroneamente, acrescenta ainda que “faria todo o sentido, de acordo com a lógica, que aí estivesse mencionado tal hipótese [consórcio]”. 94. Uma vez mais, esta conclusão enferma de um erro grave: não só o título da nota manuscrita é claro, como os cenários avançados na própria nota demonstram que estaria a ser equacionada a entrada da N..., S.A. no consórcio. 95. O facto de a N..., S.A. constar nos Lotes mais a sul na hipótese constante da nota manuscrita, significa que, como faz sentido, está “mencionada a tal hipótese” de consórcio com a N..., S.A. e a sua participação mais a sul. 96. Quanto ao alegado segundo cenário, pode ler-se na nota “todos separados”. A ilação de que os representantes das visadas discutiam o cenário de todas as empresas concorrerem separadamente, mas não admite que a nota possa ter sido escrita por EE, considerando – sem partilhar com as outras empresas – o cenário em que a N..., S.A. decide não participar no Consórcio C.... Este é, sem dúvida, um cenário possível, tanto mais que foi o que ocorreu de facto, como demonstrado pelo desfecho do concurso. 97. Ora, numa reunião de avaliação e tentativa de continuação da atividade de um consórcio e possível alargamento do mesmo a uma nova empresa (a N..., S.A.) é natural, se não mesmo essencial, que um gestor como EE equacionasse cenários alternativos, de modo a apurar as sinergias resultantes do agrupamento. 98. Entende o Tribunal que as empresas visadas repartiram os lotes constantes do concurso. Contudo, o Tribunal não considera que EE da N..., S.A. pudesse estar apenas a refletir no papel o que vinha sendo a distribuição “natural” dentro do consórcio, onde cada empresa prestava serviços de MAV nas geografias onde já levava a cabo outros serviços de manutenção da via férrea e a F..., S.A. prestava serviços às restantes empresas visadas. 99. Quanto às expressões “F..., S.A. vai sozinha” e “dá propostas a todos com preços novos”, a nota deve querer referir-se ao facto de a F..., S.A. ser sempre subcontratada pelas outras empresas (por ser a única empresa qualificada a prestar determinados serviços técnicos) e, como tal, ter de dar preços para os serviços subcontratados pelas demais. 100. O Tribunal não pode, portanto, atribuir importância probatória a um documento que admite diversas interpretações. 101. A prova tem de reconduzir-se aos factos e meios de prova existentes; os meios de prova manifestamente não suportam as conclusões extraídas pelo Tribunal. 102. O Tribunal a quo deveria ter dado o facto “b)” constante da página 199 da Sentença Recorrida como facto provado: “[q]ue as conversas ocorridas entre as empresas que constituíam o Consórcio C..., entre as quais a FERGRUPO e a SOMAFEL, e a N..., S.A. visavam unicamente aliciá-la a integrar o referido consócio” 103. Ao contrário do que pretende o Tribunal, a nota manuscrita não permite provar que “dúvidas inexistem que as cinco únicas empresas pré-qualificadas para o concurso em causa, e, portanto, as únicas concorrentes entre si, deliberadamente reuniram, trocaram impressões e informações sobre o concurso II em curso e a estratégia a seguir”. 104. É, pois, forçoso concluir que, ademais, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, devendo ser declarada nula a decisão recorrida. 105. No que concerne ao Concurso III, o Tribunal a quo deu como provada a prática pelos Recorrentes da infração de repartição do mercado e fixação dos preços, conforme resulta da factualidade provada acima transcrita. 106. Os Recorrentes não podem, contudo, conformar-se com tal posição. 107. Na verdade, (i) o Concurso III era idêntico ao Concurso II prevendo a adjudicação dos mesmos 5 lotes; (ii) a IP apenas convidou as 5 empresas visadas para apresentação de propostas; (iii) o concurso não admitia a apresentação de propostas por agrupamentos de empresas e observou-se um incremento do preço base em 14% face ao Concurso II; (iv) as cinco visadas apresentaram propostas; (v) cada visada apresentou uma proposta abaixo do preço base para o lote correspondente à sua área geográfica de implantação física e uma ou duas propostas acima do preço base para lotes contíguos mais afastados da sua área de implantação;(vi) foi adjudicado um lote a cada visada, correspondente à área geográfica de implantação física e à área “natural” em que historicamente as empresas consorciadas foram operando; (vii) as visadas Fergrupo (ora Recorrente), F..., S.A., M..., S.A. e Somafel ganharam, cada uma, o lote equivalente ao lote em que vinham operando dentro do C..., na sequência das adjudicações e ajustes diretos anteriores; (viii) a visada N..., S.A. ganhou pela primeira vez um lote que também correspondia à sua área geográfica de implantação física; (ix) o objectivo das reuniões havidas entre as já consorciadas e a N..., S.A. tinha como objetivo o alargamento do C.... 108. Todos estes factos e razões foram devidamente explicados em sede de julgamento. No entanto, o Tribunal a quo parece ignorá-los. 109. Repare-se na explicação dada pelos Recorrentes sobre a razão de ser da alegada repartição do mercado: tendo a Fergrupo os seus estaleiros e recursos localizados na zona Norte, para que fosse minimamente rentável a actividade teria que concorrer aos lotes localizados nessa zona ou perto da mesma. 110. Ora, o Tribunal a quo, pese embora considere que as testemunhas DD e FF explicaram de forma escorreita e sustentada as dificuldades, mormente o facto de a “Fergrupo atuar no norte do país, onde reúne as suas infraestruturas e meios, não lhe sendo financeiramente viável atuar noutras zonas do país por força dos custos que tal implica com a deslocação de pessoal e de maquinaria”, o certo é que não dá como provado tal facto. 111. Ignora, pois, o conteúdo dos depoimentos, não obstante os considerar credíveis. 112. Ao invés, quer a AdC quer o Tribunal a quo na sentença recorrida, fazem assentar a prova da prática da infração em referência na existência de notas pessoais manuscritas de um administrador da N..., S.A. já acima referidas (cfr. pontos 93 a 107 dos factos provados e p. 203, ss. da sentença recorrida). 113. Ora, as notas em questão contêm a referência de 15 de Julho de 2015, pelo que terão sido manuscritas durante a fase de apresentação de propostas ao Concurso II, ou seja 4 meses antes, quando ainda era desconhecido o lançamento do Concurso III. 114. Sendo certo que, conforme já referido, não existe qualquer meio de prova do qual conste o conteúdo das reuniões ocorridas, 115. E que foi inclusivamente produzida prova em sede de julgamento no sentido de que tais reuniões não visaram nenhuma repartição do mercado nem fixação de preços. 116. Nos termos da sentença recorrida: “Ora, daqui resulta à evidência que, não obstante o concurso em causa não permitir a admissão de propostas por parte de agrupamentos, as únicas cinco empresas convidadas a apresentar propostas contactaram previamente entre si com vista a delinear a estratégia a seguir nesse concurso e o secretismo dessas conversações plasmado na preocupação sentida por BB da Fergrupo em apagar os e-mails que o evidenciasse.” 117. Se a primeira parte da afirmação é comprovável pelos e-mails, a segunda parte (“com vista a delinear a estratégia a seguir nesse concurso (…)”) é apenas e somente uma presunção levada a cabo pelo Tribunal a quo, sem qualquer adesão à realidade. Temos, pois, que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base única e exclusivamente numa presunção, porquanto nenhum dos meios de prova em questão é suscetível de provar cabalmente os factos em questão. Bem pelo contrário. 118. Circunstância diferente seria se existissem dois meios de prova, em que pelo menos um não levantasse dúvidas. Não foi o caso. 119. Aliás, o próprio Tribunal a quo deixou consignado: “porque insuscetíveis de prova direta, dada a sua natureza, extraem-se, desde logo, dos factos objetivos provados, os quais, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade” (cf. pág. 207 da Sentença). 120. É evidente que esta presunção só poderá ter por base uma dúvida razoável. Aliás, na pureza dos princípios, uma presunção é justamente o contrário de uma certeza, por não estar assente em prova directa e inequívoca. 121. Não havendo prova inequívoca de um plano de ação comum para fixar preços e apenas podendo procurar interpretar-se os meios de prova existentes (francamente incoerentes), parece claro que sempre deveria prevalecer o princípio in dubio pro reo. 122. Este princípio impunha, pois, que a escassez probatória demonstrada nos autos fosse valorada a favor da posição processual dos Recorrentes. 123. Os Recorrentes não ignoram que, dada a diferente natureza dos processos de contraordenação, a prova não tem de ser produzida (ou melhor, repetida) em audiência de julgamento, sendo válidas e valoradas as provas recolhidas na fase de inquérito. 124. Essa circunstância não pode, porém, significar a desnecessidade total de sustentação do conjunto de conjeturas e presunções gizadas pela AdC numa fase anterior e, do mesmo passo, ignorar toda e qualquer prova apresentada pelos aqui Recorrentes – que, ademais, segundo as regras da experiencia comum, seriam suscetíveis de infirmar as conclusões presuntivas da AdC. 125. É, pois, forçoso concluir que, ademais, também neste segmento, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, devendo ser declarada nula a decisão recorrida. 126. O Tribunal a quo não procede a qualquer análise do mercado, limitando-se a concluir que o mercado relevante corresponderá ao mercado nacional tal como identificado e caracterizado pela AdC, qualificando mesmo a apresentação de mercado feita na decisão da AdC (que inclui quotas de mercado de cada operador e suposta dinâmica competitiva territorial) como facto “notório, do conhecimento público generalizado” – cf. página 201, por referência ao factos provados identificados nos pontos 30 a 46. 127. Parece evidente que a caracterização do mercado, dos serviços prestados, condições de prestação de serviços, preços e custos inerentes, dinâmica concorrencial a nível local ou nacional, posicionamento de cada operador, nada têm de notório e não são do conhecimento público generalizado. 128. Mais uma vez, o Tribunal a quo limitou-se a aderir à decisão da AdC sem proceder a qualquer confronto com os argumentos apresentados nas alegações de recurso da Recorrente Fergrupo, 129. Devendo, por conseguinte, improceder a conclusão de que o mercado é uno, que os operadores concorrem entre si a jusante e, finalmente, que existiu afetação de comércio entre Estados-Membros. 130. Efetivamente, a Recorrente Fergrupo não pode concordar com aquela abordagem, desde logo, porque se verifica ter sido (também) com base nas quotas de mercado das visadas que a AdC concluiu estarem preenchidos alguns dos elementos do tipo da infração. 131. Com efeito, a AdC recorreu a estimativas de quota de mercado para concluir que a alegada restrição da concorrência aqui em causa é sensível, dando assim como preenchido o elemento do tipo objetivo “carácter sensível da restrição da concorrência”. 132. Já o TCRS limitou-se a reproduzir estas conclusões sem empreender qualquer análise ou juízo crítico – contra ou a favor da Fergrupo. 133. Acresce ter sido precisamente com base nessas mesmas quotas de mercado que a AdC entendeu estar também verificada a “afetação do comércio entre Estados-Membros” concluindo, dessa forma, pela violação do artigo 101.º do TFUE. E o TCRS limitou-se a concluir que existirá uma suscetibilidade de afetação do comércio entre Estados-Membros, sem apresentar, contudo, qualquer explicação adicional que permita perceber como poderia a apresentação de propostas a concursos para manutenção da ferrovia em determinada região de Portugal afetar as trocas comerciais entre, por exemplo, a Alemanha e França. 134. Por outro lado, sendo as visadas condenadas no quadro de uma infração horizontal, entre concorrentes, deveria o Tribunal explicar em que medida as empresas visadas eram efetivamente concorrentes entre si, o que não sucede. 135. Embora a resposta possa parecer evidente, o estudo do caso e o estudo de mercado (que a AdC não realizou) revela que, de facto, a empresa que opera e tem o seu estaleiro físico no ... não tem capacidade de concorrer e não concorre de facto no .... 136. As empresas repartiriam o mercado porque isso seria necessário para permitir a prestação de serviços que a IP pretendia contratar. 137. Não se encontra na decisão ou na Sentença qualquer análise desta matéria, mas apenas a presunção simplista de que se as visadas são empresas que oferecem e concorrem à prestação de serviços de manutenção de via, em concursos organizados pela IP (em lotes) para Portugal Continental, então serão obviamente concorrentes no mercado nacional. Não é assim e não existe qualquer análise da AdC nesse sentido (não podendo caber às visadas o ónus da prova negativa). 138. Na medida em que não há sequer prova efetiva e inequívoca de um acordo proibido, sempre se exigiria mais para aferir da existência ou inexistência de uma infração e do seu impacto. 139. Ao não considerar o contexto económico e jurídico da infração, como de resto a jurisprudência mais recente do TJUE impõe, a Sentença incorre num vício de análise que se traduz na clara falta de fundamentação da decisão e num erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito. 140. Conforme já amplamente referido, a sentença faz subsumir a factualidade descrita nos autos à previsão do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e c) da LdC e, bem assim, do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE. 141. Vejamos cada um dos elementos do tipo contido no artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e c) da LdC e a razão pela qual os mesmos não se encontram preenchidos no presente caso. 142. A Recorrente constitui uma empresa para efeitos de aplicação do artigo 9.º da Lei da Concorrência. 143. Segundo a Sentença, a Recorrente, enquanto membro do Consórcio C..., terá participado em negociações com a N..., S.A. no sentido de alcançar um acordo (que nunca chegou a existir, sublinhe-se) para alegadamente proceder: (i) à fixação do nível dos preços da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, no âmbito dos Concursos I e II; e à (ii) repartição da prestação dos referidos serviços no âmbito do Concurso III (cf. ponto 724 da Decisão; página 219 da Sentença). 144. A AdC desenvolveu o conceito de acordo na decisão impugnada, afirmando que: (i) essencial, para efeitos de caracterização desta figura, é que o instrumento em causa traduza a expressão fiel da vontade das empresas sobre a adoção do seu comportamento comum no mercado (cf. ponto 713 da Decisão); (ii) um acordo entre empresas, para efeitos do Direito da Concorrência, consiste num concurso de vontades entre as empresas participantes no acordo, o que se verifica e cumpre logo que as partes atinjam um consenso sobre um projeto que limite, ou seja de natureza a limitar, as suas liberdades comerciais, pela determinação das suas linhas de ação ou de abstenção, bem como da sua ação mútua no mercado (cf. ponto 714 da Decisão); e (iii) trata-se de uma realidade que implica a definição de um "plano de ação" entre as diversas empresas participantes, do qual decorra um conjunto de obrigações, de garantias ou de expectativas de comportamento futuro das suas concorrentes (cf. ponto 715 da Decisão). 145. Já a sentença revela-se manifestamente omissa na demonstração do que seria o preenchimento do conceito de acordo. 146. Entre as páginas 219 e 230, a Sentença limita-se a apresentar uma construção teórica do que pode traduzir o conceito de acordo e de prática concertada à luz do direito aplicável. 147. Finalmente, na página 230 e agora por referência ao caso concreto, a Sentença refere que: “as empresas que constituíam o C..., entre as quais as Recorrentes Fergrupo e Somafel, e a N..., S.A. estabeleceram contactos e realizaram reuniões para efeitos de determinar, de maneira conjunta, a sua participação no referido concurso econtratos n.º ...80”. “Neste contexto, foram apresentadas propostas, por um lado, pela visada N..., S.A., e, por outro, pelas restantes visadas, agrupadas no Consórcio C.... Contudo, todas as propostas apresentadas se situaram acima do preço contratual máximo estabelecido pela REFER, motivo pelo qual foram excluídas e se instruiu novo procedimento concursal”. 148. Não refere, todavia, o TCRS que o C... e a N..., S.A. apresentaram propostas para lotes diferentes e por valores diferentes; não houve decisão de adjudicação e a IP celebrou um novo contrato apenas com o C... por ajuste direto por um período adicional de 12 meses, contados de 01.01.2015. 149. A N..., S.A. em nada beneficiou com a suposta concertação. 150. Com maior relevo, não existe nos autos (nem resultou da audiência de julgamento) qualquer prova que permita concluir que as empresas se reuniram e acordaram entre si um plano de ação comum para fixação de preços (que simplesmente é contrariado pelos factos, em particular pelo desfecho do concurso). 151. Prossegue a Sentença na parte do direito e procurando explicar o preenchimento do conceito de acordo (Concurso II): “Assim, em 01/07/2015, a IP convidou novamente as únicas cinco empresas que se encontravam pré-qualificadas, visadas pelo PRC/2016/6, para apresentar proposta no novo procedimento concursal econtratos n.º ...30 (Concurso II), para prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, para o período 2016-2017, desta feita, dividido em cinco lotes, sendo o preço contratual máximo total, superior ao anterior, isto é, de € 4.319.839,20. As empresas visadas pelo PRC/2016/6 estabeleceram contactos e realizaram reuniões para efeitos de determinar, de maneira conjunta, a sua participação no concurso econtratos n.º ...30 (Concurso II). Em resultado do que, a N..., S.A. decidiu não apresentar qualquer proposta e as propostas apresentadas, apenas pelo Consórcio C..., situaram-se acima do preço contratual máximo estabelecido pela IP, motivo pelo qual foram novamente excluídas e se instruiu um novo procedimento concursal”. 152. A contradição parece evidente: as empresas ter-se-iam reunido para combinar um plano de ação comum e, afinal, o C... apresentou uma proposta para os 5 (cinco) lotes a concurso e a N..., S.A. não apresentou qualquer proposta; não houve decisão de adjudicação e a IP revogou a decisão de contratar; a N..., S.A. não beneficiou de qualquer adjudicação e não foi subcontratada pelo C.... 153. O desfecho do concurso em nada coincide com a teoria de infração proposta (de um consenso e plano de ação comum para fixação de preços entre todas as empresas Visadas). 154. Acresce que não existe qualquer meio de prova nos autos (nem tão-pouco resultante da audiência de julgamento e que seja identificado na Sentença) que permita demonstrar que as empresas acordaram entre si um plano de ação comum para fixação de preços (que é na verdade contrariado pelos factos, em particular pelo desfecho do concurso). 155. Prossegue a Sentença (Concurso III, página 231): “Nessa sequência, em 03/11/2015, a IP convidou novamente as cinco empresas pré-qualificadas no mercado, visadas pelo PRC/2016/6 para apresentarem propostas, desta vez, individualmente, no novo procedimento concursal econtratos n.º ...98 (Concurso III), para a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, para o período 2016-2017, dividido em cinco lotes, sendo o preço contratual máximo total de € 4.927.161,17, ou seja, superior ao anterior. Em 18/11/2015, diante as dúvidas suscitadas por duas dessas empresas, a IP esclareceu-as que, nos termos do Regulamento do Concurso, não podiam apresentar proposta em agrupamento neste procedimento. Não obstante, todas as empresas visadas pelo PRC/2016/6, aquelas que constituíam o C... e a N..., S.A., estabeleceram contactos e realizaram reuniões para efeitos de determinar, de maneira conjunta, a sua participação no referido concurso econtratos n.º ...98. Em 01/12/2015, as empresas visadas pelo PRC/2016/6 apresentaram propostas individuais, nos moldes previamente ponderados em conjunto, por todas elas, nomeadamente, a apresentação, por parte de cada uma das empresas visadas pelo PRC/2016/6, de apenas uma proposta válida para cada lote e com o preço colado ao preço base. Em 21/01/2016, a IP adjudicou os lotes contantes do procedimento concursal econtratos n.º ...98 (Concurso III) nos moldes supra descritos, i.e., um lote para cada uma das empresas visadas pelo PRC/2016/6”. 156. O TCRS não considera todavia que, após a resposta ao pedido de esclarecimentos pela IP, não existiu qualquer outro contacto entre as empresas referente ao concurso. 157. Do mesmo modo, nenhum documento constante dos autos revela um plano de ação comum para fixação de preços ou repartição de mercados. 158. Existiram contactos entre as empresas no quadro do consórcio – perfeitamente lícitos – e das negociações para a N..., S.A. integrar o consórcio – igualmente lícitos; por essa razão apenas e apesar do desfecho dos vários concursos, presume-se o conceito de acordo restritivo para efeitos do preenchimento do tipo. 159. O Concurso III era idêntico ao Concurso II prevendo a adjudicação dos mesmos 5 (cinco) lotes; a IP apenas convidou as 5 empresas visadas para apresentação de propostas. 160. Cada visada apresentou uma proposta abaixo do preço base para o lote correspondente à sua área geográfica de implantação física e uma ou duas propostas acima do preço base para lotes contíguos mais afastados da sua área de implantação. 161. As visadas Fergrupo, F..., S.A., M..., S.A. e Somafel ganharam, cada uma, o lote equivalente ao lote em que vinham operando dentro do C..., na sequência das adjudicações e ajustes diretos anteriores (Lotes 1, 2, 3 e 5 do Procedimento Concursal ...98 – Concurso III). 162. A N..., S.A. ganhou pela primeira vez um lote que também correspondia à sua área geográfica de implantação física (Lote 4 do Procedimento Concursal ...98 – Concurso III). 163. Mais uma vez, presume-se que um (i) resultado idêntico à prática habitual das empresas nos anos anteriores; (ii) correspondente às áreas geográficas de implantação natural de cada operador só pode resultar de um acordo restritivo (e apesar de inexistir prova do acordo). 164. Note-se que a AdC afirmava expressamente na decisão impugnada perante o TCRS que a prova da infração relativamente ao Concurso III resulta (apenas) da seguinte presunção: “cruzamento entre as notas manuscritas de EE, da N..., S.A. [4 meses antes no âmbito da eventual integração do C... no Concurso II], e as propostas efetivamente apresentadas no concurso [III]” (cf. ponto 599 da Decisão). 165. Na medida em que o desfecho do Concurso III coincide parcialmente com alguns cenários manuscritos a título pessoal pelo administrador da N..., S.A. 4 meses antes (e coincide de resto com a alocação histórica daqueles lotes dentro do C... e de acordo com as respetivas áreas de implantação física das consorciadas), existiria necessariamente um cartel na opinião do TCRS. 166. Na verdade, e apesar das buscas realizadas, a AdC não apreendeu qualquer documento que sustente esta presunção. Nada resultou também da audiência de julgamento que pudesse sustentar tal tese. 167. O TCRS preenche assim o conceito de acordo com base, apenas também, numa presunção, invertendo o ónus da prova e imputando às visadas a responsabilidade de demonstrarem que não cometeram qualquer infração. 168. Não há qualquer meio de prova nos autos que sustente a posição da AdC e que permitisse ao TCRS condenar a Recorrente. Aliás, note-se que a Autoridade não foi capaz de em contra-alegações ou em audiência de julgamento proceder à indicação concreta e especifica do meio de prova do qual se retira o facto de que as visadas “acordaram apresentar propostas acima do preço contratual máximo”, de que as visadas acordaram abster-se de apresentar propostas, ou de que as visadas “decidiram sobre a coordenação do seu comportamento” no seio das reuniões do C..., ou ainda de que “as propostas (…) foram elaboradas em colusão e tinham como base a concertação”. 169. No ponto 721 da Decisão, a AdC revela o seu profundo erro de aplicação do direito: “Deste modo, a Autoridade deverá apresentar um conjunto de elementos probatórios suficientemente consistente (…) não [sendo] necessário que todos e cada um dos elementos probatórios produzidos, individualmente considerados, satisfaçam tal nexo de causalidade em relação a cada aspeto ou elemento da infração, sendo para o efeito suficiente que se considere que o conjunto dos elementos é consistente e probatório dos factos alegados”. 170. E este é também o erro de direito em que incorre a Sentença. Independentemente de se observar que não existe um “conjunto de elementos probatórios suficientemente consistente”, o critério legal não é obviamente este: não basta nem é suficiente que os indícios se adequem, ainda que remotamente, a uma qualquer teoria de infração; não havendo prova do acordo, como no presente caso, tem de demonstrar-se obrigatoriamente que esses indícios correspondem a uma realidade que só poderia resultar de um acordo proibido, não admitindo outra explicação. 171. A prova de uma prática de cartel não pode fazer-se, nem se fará, seguramente por presunção. 172. A Sentença recorrida limita-se a aderir à tese da presunção apresentada pela AdC, como se o conceito jurídico de acordo se pudesse preencher apenas por haver prova de que um conjunto de empresas – consorciadas entre si e nessa medida com contactos regulares –, mantinham reuniões ou tentavam – por razões também amplamente explicadas – integrar uma nova empresa no consórcio. 173. Um consórcio não pode entabular negociações com um terceiro sem incluir nas conversações o contexto de contratação pública existente, projetos futuros, insuficiências individuais que justifiquem o reforço do agrupamento. 174. Com certeza que as negociações não podem ser abstratas; tal não equivale, todavia, nem pode fazer presumir automaticamente que tais contactos só podem ter tido como objetivo uma fixação de preços ou repartição de mercado nos concursos I, II e III. Este é um erro de direito manifesto na Decisão da AdC e agora na Sentença do TCRS, que assumem a presunção como suficiente para o preenchimento do conceito de acordo, apesar da inexistência de prova concreta desse plano de ação comum e ao arrepio da jurisprudência do TJUE. 175. Para o Tribunal a quo bastou que o resultado de um concurso realizado em novembro, desconhecido em julho, fosse convergente com um cenário equacionado, a título pessoal, numa nota manuscrita meses antes por um administrador da N..., S.A. no quadro da eventual integração de um consórcio (de resto em linha com a alocação história dos lotes, totalmente transparente no mercado e conhecida da própria IP). 176. Não é este, claramente, o teste legal. Qualquer empresa poderia assim ser facilmente condenada por presunção, pela aparência, pela coincidência ou pelo simples facto de operar num mercado concentrado e transparente, em que que cada operador (e a IP) sabe exatamente qual o comportamento esperado do seu concorrente. 177. Com efeito, não existe qualquer possibilidade (juridicamente válida) de o Tribunal a quo concluir, desta forma ligeira, que a Fergrupo participou de forma voluntária e consciente, enquanto membro do Consórcio C..., num acordo restritivo da concorrência. 178. Pelo contrário existe prova abundante nos autos que demonstra a inexistência de um plano de ação comum ou de acordo entre visada. 179. Os factos revelam que não existiu acordo: a N..., S.A. não integrou o consórcio; o C... apresentou propostas para dois lotes e a N..., S.A. apenas para um; as propostas tinham preços e características diferentes. 180. A N..., S.A. não obteve qualquer benefício com o concurso I e também não foi subcontratada pelo C.... 181. Os preços cobrados à IP pelo C... não aumentaram. 182. Para efeitos do Concurso II o C... e a N..., S.A. mantiveram novamente contactos tendentes à integração da última no consórcio (em julho de 2015). 183. Não existe nos autos qualquer meio de prova que permita revelar, ainda que de forma ténue, o conteúdo e objeto desses contactos ou reuniões no contexto do Concurso II. 184. Todavia, os factos revelam que não existiu acordo: a N..., S.A. não integrou o consórcio; o C... apresentou propostas para os 5 lotes e a N..., S.A. não se apresentou a concurso (invocando junto da IP que o preço base não permitia cobrir o custo da operação). 185. A proposta do C... ficou acima do preço base e a IP decidiu revogar a decisão de contratar, mantendo-se o C... a prestar serviços ao abrigo do contrato anterior. 186. A N..., S.A. não obteve qualquer benefício com este concurso e também não foi subcontratada pelo C.... 187. Os preços cobrados à IP pelo C... não aumentaram. 188. Parece evidente que (i) não existe prova do acordo e que (ii) não pode haver uma presunção de infração em detrimento da presunção de inocência apenas para acomodar a teoria de infração. 189. Para efeitos do Concurso III não existe qualquer meio de prova nos autos que revele contactos ou reuniões entre as empresas visadas depois de prestado o esclarecimento pela IP de que este concurso não admitia a apresentação de propostas por agrupamentos. 190. As empresas não reuniram. 191. As empresas apresentaram propostas com preços e características diferentes para lotes diferentes, de acordo com a sua área de implantação e exploração “natural” (mais próxima do estaleiro físico). 192. Perante as condições do concurso, a Recorrente (tal como as demais empresas consorciadas) apenas estava em condições de apresentar proposta válida na área onde leva a cabo a execução dos demais serviços. 193. Como ficou acima demonstrado, a Fergrupo simplesmente não tinha capacidade para, atuando sozinha, assegurar a prestação de serviços em todos os lotes previstos no Concurso III. 194. Não existe nos autos, reitere-se, prova de qualquer reunião para efeitos deste concurso, ou da natureza e objeto de quaisquer reuniões que possam ter tido lugar em momento anterior. 195. Utiliza-se um documento descontextualizado (a referida nota manuscrita elaborada na sequência da reunião de 15.07.2015) para comprovar factos incertos (existência de um acordo para repartição de mercados de um concurso que não existia) e que as partes desconheciam à data da sua elaboração (assim como naturalmente desconheciam quais as regras específicas de um hipotético procedimento concursal – que neste caso, até foram distintas das regras definidas em anteriores concursos). 196. Sem prejuízo da presunção que se possa querer extrair desses factos (sempre em violação grosseira do princípio da presunção de inocência) parece evidente que aquela coincidência não basta para provar que as empresas: “acordaram apresentar propostas acima do preço contratual máximo”, “acordaram absterse de apresentar propostas”, “decidiram sobre a coordenação do seu comportamento” no seio das reuniões do C..., ou que “as propostas (…) foram elaboradas em colusão e tinham como base a concertação”, ou ainda que as empresas “reuniram-se e distribuíram os lotes (..) determinando os lotes aos quais cada empresa deveria concorrer e o lote que deveria ser adjudicado”. 197. São coisas bem diferentes: afirmar-se que o desfecho de um concurso coincide parcialmente com um cenário equacionado numa nota manuscrita meses antes (num contexto amplamente debatido acima) não equivale a provar que cinco empresas se reuniram em determinada data e que nessa reunião discutiram e decidiram combinar os preços a apresentar ao concurso (cf. jurisprudência Wood Pulp acima referida). 198. O conceito de prática concertada foi sendo densificado ao longo dos anos por sucessivas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente nos casos emblemáticos Dyestuffs, Sugar, Pioneer e Polypropilene. 199. Como relevo para a presente análise, estes casos têm o mérito de clarificar que um paralelismo de comportamento não pode ser considerado uma prática concertada proibida de per se. 200. Nos casos em que se observe um paralelismo de comportamento deve conseguir provar-se que as condições de concorrência observadas não correspondem à mera adaptação inteligente dos operadores ao comportamento conhecido ou esperado dos concorrentes e às normais condições de funcionamento de determinado mercado. 201. Esta conclusão exige prova efetiva (no caso Sugar fez-se prova de contactos entre as empresas concorrentes com o objetivo, precisamente, de eliminar a incerteza do jogo concorrencial, o que não sucede no presente caso). 202. In casu, o mercado era totalmente transparente para as cinco empresas visadas, sendo certo que as visadas consorciados apresentavam já um histórico de operação em determinados lotes ou áreas. 203. Aliás, deve sublinhar-se a forma como a própria IP lança o Concurso III: apenas convida as cinco visadas para apresentação de propostas a 5 lotes, claramente coincidentes com a cinco áreas de atuação preferencial de cada uma. Parece evidente que a própria IP esperaria e consideraria este desfecho normal – não tendo suscitado, à luz do Código de Contratos Públicos, qualquer questão relacionada com a licitude da conduta das visadas. 204. Neste contexto, qual a razão para privilegiar a presunção de infração, quando manifestamente não há prova do acordo e há, pelo contrário, uma explicação verosímil para o tendencial paralelismo de comportamento observado. 205. No emblemático caso Wood Pulp, o TJUE anulou a quase totalidade da decisão da Comissão ao concluir que o paralelismo de comportamento não pode ser reconduzido a uma prática concertada se existir uma explicação alternativa, como sucede no presente caso. 206. A prova de uma prática de cartel não pode fazer-se, nem se fará, seguramente por presunção. 207. Ou há um acordo ou não há; elementos probatórios demonstrativos da existência de contactos/negociações entre empresas consorciadas e a N..., S.A. para esta última integrar também o Consórcio C... não equivalem ou permitem presumir um acordo e plano de ação comum para aumento do preço contratual máximo estabelecido pela IP. 208. Assim, os elementos de prova constantes dos autos não são suficientes, precisos e consistentes para a AdC concluir pela existência de um plano de ação comum para alcançar um acordo de repartição do mercado no âmbito da prestação de serviços de MAV. 209. É, pois, forçoso, concluir que a Recorrente não participou em qualquer acordo de repartição do mercado e de fixação dos preços da prestação de serviços de MAV nos termos dos artigos 9.º da LdC e 101.º, 1, do TFUE. 210. Sem prescindir e a título subsidiário, decorre da forma como o Tribunal a quo conclui pela existência de duas infrações, que estar-se-ia perante apenas uma única infração, contínua e similar durante os três concursos. 211. Afirma-se que no Concurso I e no Concurso II as empresas consorciadas usaram o C... como veículo para mascarar o acordo a que teriam chegado com a N..., S.A. para fixação de preços das propostas a apresentar, resultando assim num acordo, consenso e plano de ação comum entre as cinco visadas para viciar aqueles dois concursos. 212. Já no Concurso III, agora sem a capa do C..., as mesmas cinco empresas teriam chegado a acordo para repartir os lotes entre si (rectius, para acordar mais uma vez os preços das propostas a apresentar e que teria como consequência a adjudicação repartida dos lotes a concurso). 213. Repare-se que, para efeitos de concluir que existe uma infração no Concurso III (de novembro de 2015), a AdC não hesitou em concluir que a coordenação teria sido desenhada e ocorrido meses antes, em julho e numa fase em que o Concurso III não era conhecido, e quando o C... e a N..., S.A. manteriam contactos (no âmbito do alargamento do consórcio) para o Concurso II. Esta mesma tese – alicerçada na nota manuscrita de EE da N..., S.A. – é também confirmada pelo TCRS. 214. Neste sentido, e não podendo a Fergrupo concordar com qualquer das infrações pelas razões que vêm sendo explanadas, não pode deixar de referir que, para efeitos de determinação dos elementos do tipo (objetivo e subjetivo), o resultado é manifestamente irrelevante; não releva de facto para esse efeito que num concurso o desfecho fosse a não adjudicação e eventual aumento de preço e no outro a efetiva repartição de lotes. 215. Antes se exigiria apena a demonstração de que existiu um plano de ação comum para combinar os preços (mais altos ou mais baixos) das propostas a apresentar a cada concurso. 216. A existir um plano de ação comum para viciar os concursos, parece evidente que a ser assim o mesmo não se teria alterado entre o Concursos I e II e o Concurso III. 217. Recorde-se que do ponto de vista da teoria da infração o tipo se preenche no momento em que se observa a verificação dos vários elementos do tipo (nomeadamente o acordo de vontades), sendo irrelevante para esse efeito a forma de execução do acordo. 218. O tipo preenche-se quando se observa a verificação dos vários elementos do tipo (nomeadamente o acordo de vontades), sendo irrelevante para esse efeito a forma de execução do acordo. Ou seja, para efeitos das infrações propostas pela AdC apenas importaria determinar, no que respeita ao tipo objetivo, se as empresas acordaram ou não coordenar-se para apresentar propostas aos concursos oferecendo determinados preços; já o impacto desse acordo apenas relevaria para efeitos de análise da gravidade do acordo e a maior ou menor execução por cada visada para efeitos do tipo subjetivo. 219. Acresce que o alegado acordo também não era suscetível de eliminar a concorrência naquele mercado relevante específico porque esta não se teria processado de outra forma. Consequentemente, não houve nem nunca poderia ter chegado a haver qualquer impacto restritivo no mercado. 220. O Sistema de Qualificação esteve sempre em aberto, até caducar por causa unicamente imputável à IP, não tendo aparecido mais nenhuma candidatura durante todos os anos dos concursos em causa. 221. Mas mesmo nesse hipotético cenário em que as empresas concorriam isoladamente, com toda a probabilidade, o resultado alcançado seria o mesmo, ou seja, as empresas ou deixariam os concursos desertos ou apresentariam propostas acima do Preço-Base (e respetiva justificação) dada a desadequação e insuficiência do Preço-Base para custear as operações. 222. A Sentença, à semelhança da Decisão da AdC, considera que as duas alegadas infrações constituem uma infração “por objeto” ao direito da concorrência, nos termos do artigo 9.º da LdC e do artigo 101.º do TFUE. 223. No entanto, nem a decisão da AdC nem a Sentença justificam a qualificação do ilícito como uma infração por objeto, limitando-se a fazer uma interpretação muito simplista deste conceito e aplicando-o, sem mais, ao caso em apreço. 224. A Recorrente não se conforma com a qualificação das infrações como uma infração por objeto. 225. O conceito de infração por objeto exige uma interpretação restritiva, daqui resultando que do teor e finalidade da prática em causa, bem como do contexto económico e jurídico em que a mesma se insere, se tenha nitidamente de retirar uma pretensão anticoncorrencial. 226. O objetivo é alcançar resultados mais exatos e desenvolver uma prática decisória com o menor número de falsos positivos (erros tipo 1) para não travar a concorrência pelo mérito. 227. Assim, para verificar o caráter restritivo da concorrência por objeto de um acordo ou prática concertada é necessário examinar o seu conteúdo, a finalidade (pese embora a intenção não seja um elemento essencial), mas também o respetivo contexto económico e jurídico. 228. De acordo com jurisprudência do TJUE, há ainda que tomar em conta a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura dos mercados em causa. 229. No entanto, em parte alguma da Decisão a AdC ou da Sentença recorrida se faz essa análise – uma avaliação do contexto económico e jurídico em que se terão desenvolvido os alegados acordos. 230. A AdC limitou-se a descrever a sua interpretação da factualidade – que, como vimos, não corresponde à realidade – e a concluir que “as condutas objeto da presente investigação, são subsumíveis integralmente no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 9.º da lei n.º 19/2012, e do artigo 101.º, n.º 1, do TFUE, na medida em que têm por objeto a restrição da concorrência no mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga” (cf. n.º 775 da Decisão). 231. A Sentença secunda esta teoria (cf. páginas 219 e seguintes). 232. O contexto económico e jurídico encontra-se descrito pela Recorrente e foi explicado em sede de julgamento de forma exaustiva e permite concluir que o preço base dos Concursos I e II vinha a baixar significativamente face aos procedimentos anteriores, que já tinham refletido uma redução, enquanto se mantinham as exigências em termos de serviços prestados. 233. As empresas visadas quereriam ter apresentado uma proposta sob a forma de consórcio (C...); não sendo admitida essa possibilidade e face ao ligeiro aumento do preço base, que permitia cobrir os custos de operação, as empresas apresentaram propostas individuais, determinadas de forma autónoma e independente por cada uma. 234. As empresas visadas não poderiam ter apresentado propostas diferentes das que efetivamente apresentaram, na exata medida em que o preço base (mesmo no Concurso III) não permita que cada empresa pudesse concorrer senão ao lote “natural” e a lotes contíguos, de acordo com a área de implantação geográfica, sob pena de o preço base não cobrir sequer os custos incorridos. 235. No que concerne ao contexto económico, deve ainda ser sublinhada a situação económica e financeira do país a partir de 2008 e a constante necessidade de a IP/REFER lançar concursos mais curtos a preços reduzidos, embora igualmente exigentes. 236. Nenhum destes pontos foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo. 237. A prática em análise nos presentes autos (claramente lícita) não provocou qualquer efeito nocivo no mercado – os preços não aumentaram e, mais importante, foi sempre garantida a prestação de serviços de manutenção, essenciais para a segurança ferroviária. 238. Posto isto, não se poderia ter qualificado as alegadas infrações em causa como infrações por objeto. 239. Na prática, a AdC e o TCRS demitem-se de considerar o real funcionamento do mercado em causa e o contexto económico e jurídico subjacente a cada um dos Concursos, optando pelo caminho simplista de presumir a existência de uma infração (de resto inexistente e não provada). 240. Mais: ainda que o alegado acordo pudesse ser incluído na categoria de restrição por objeto – o que não se admite – sempre se diga que não seria irrelevante saber se, no caso concreto, a prática supostamente restritiva teria tido efeitos anticoncorrenciais. Com efeito, tal circunstância sempre relevaria em termos de graduação do montante de eventuais coimas. 241. Na parte de Direito, a Sentença afirma que os acordos adotados pelas visadas, as respetivas quotas de mercado, bem como o âmbito de aplicação dos acordos, restringem de forma sensível a concorrência. 242. O artigo 9.º, n.º 1 da LdC aplica-se a acordos que tenham por objeto ou efeito, impedir, falsear ou restringir a concorrência desde que haja uma restrição sensível da concorrência de forma sensível no todo ou em parte do território nacional. 243. Os acordos que não sejam suscetíveis de restringir de forma considerável a concorrência, por apenas afetarem o mercado de modo insignificante80, não se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 9.º da LdC, nem no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE. 244. Na Comunicação De Minimis, a Comissão indica, por meio de limiares de quotas de mercado, as circunstâncias em que se deve considerar que os acordos suscetíveis de ter por efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência no mercado interno não constituem uma restrição significativa da concorrência ao abrigo do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE. 245. Como decorre das regras aplicáveis, tem de se demonstrar o “caráter sensível” para se poder subsumir a conduta ao tipo contraordenacional em causa. 246. Quanto à contextualização dos comportamentos da Fergrupo e das demais empresas visadas, bem como aos argumentos apresentados pela Recorrente relativamente ao carácter não sensível dos alegados acordos, pouco se disse, analisou ou valorou. 247. No caso vertente, aplicando uma lógica puramente aritmética (mas ainda assim que considera as circunstâncias concretas dos procedimentos em causa), tendo em conta os volumes adjudicados anualmente pela IP e os volumes adjudicados nestes concursos, não se vislumbra como podem ter estes contratos um caráter sensível, devido ao seu diminuto valor. 248. Como consta dos autos, os comportamentos das visadas ocorreram num contexto económico específico - que resultou na apresentação pela Entidade Adjudicante de condições contratuais desajustadas face à prestação dos serviços a realizar pelas empresas – e de estreita relação de parceria e resposta aos objetivos estratégicos da Entidade Adjudicante, bem como da necessidade de manutenção das melhores condições e do bom estado de utilização da ferrovia nacional. 249. Assim, não se podia concluir que as alegadas condutas das visadas configuraram restrições graves da concorrência com um objetivo anticoncorrencial. 250. Por estes motivos, a Recorrente reitera que a Sentença deveria ter fundamentado com detalhe por que motivo entende que os comportamentos da Recorrente constituem uma restrição por objeto, ignorando sem mais as justificações apresentadas pela Recorrente, bastando-se apenas com a aplicação de uma lógica de presunção baseada puramente na quota de mercado das visadas. 251. Ficou, por isso, por demonstrar que os alegados acordos celebrados entre as visadas continham restrições da concorrência de natureza grave. 252. Tal omissão consubstancia uma violação do dever de fundamentar a Sentença, pelo que deve a mesma ser revogada por violação do princípio da presunção da inocência, bastando-se com a presunção de infração, e por manifesta falta de fundamentação, em particular quanto ao conceito de acordo ou prática concertada, objeto restritivo e carácter sensível da restrição. 253. Não se logrou fazer prova dos três elementos fundamentais do requisito que determina a aplicação do direito da União Europeia, que são (i) o conceito de comércio entre Estados-Membros; (ii) a noção de suscetibilidade de afetação do comércio entre os Estados-Membros; e (iii) o conceito de carácter sensível. 254. A AdC não procurou caracterizar a existência do impacto mínimo nas atividades económicas transfronteiriças entre pelo menos dois EstadosMembros, tendo-se bastado com uma simples referência ao facto de que “os acordos objeto do presente processo abrangem a totalidade do território de Portugal continental […] e os agentes económicos envolvidos, à data dos factos, representavam a totalidade do mercado, pertencendo a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros EstadosMembros (cf. pontos 854 da Decisão). Já o TCRS limitou-se a aderir a essa posição (cf. página 238). 255. No entanto, veja-se a falácia: tendo em conta que a configuração dos concursos lançados pela IP envolveram sempre a totalidade do território continental (ainda que partido em lotes por área geográfica) e eram dirigidos às únicas cinco empresas a operar, nunca poderia o argumento alegado ser contrariado. 256. Todavia, confrontando a Sentença, verifica-se que o TCRS (à semelhança da AdC) não analisou o contexto económico e jurídico em que alegadamente terá ocorrido o acordo restritivo da concorrência. Com efeito, o TCRS – uma vez mais – limita-se a recorrer a uma presunção de que os acordos que se estendem a todo o território de um Estado-Membro são suscetíveis, pela sua natureza, de afetar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, não fazendo prova dos três elementos fundamentais acima referidos. 257. A jurisprudência do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão no caso GALP é clara no sentido de que “resulta evidente que não basta à AdC referir que as existentes «barreiras ao comércio de natureza regulamentar e logística» não impedem o preenchimento do elemento de afetação do comércio, sem procurar explicar os motivos pelos quais chega a esta conclusão” 81. 258. Ora, nada existe na Sentença que sequer aflore as razões para se poder concluir que a alegada infração, circunscrita ao território português e, como se observou, alicerçada numa prestação de serviços de cariz regional, afetou o comércio entre Estados-Membros. 259. O TCRS bastou-se mais uma vez numa presunção, onerando assim a Recorrente com a uma infração também ao artigo 101.º do TFUE, com reflexo direto na coima aplicada. 260. Conclui-se, assim, que este requisito não se encontra preenchido, ficando totalmente afastada a possibilidade de aplicação do artigo 101.º do TFUE. 261. O mesmo se diga quanto ao segundo requisito de suscetibilidade de afetação do comércio entre Estados-Membros, que apenas se considerará preenchido quando for possível prever, com um suficiente grau de probabilidade, com base num conjunto de fatores objetivos de direito e de facto, que o acordo poderá ter uma influência direta ou indireta, efetiva ou potencial, na estrutura concorrencial da União Europeia. 262. Quanto à natureza do serviço, importa referir que a sua prestação era necessariamente nacional (e de âmbito regional), realizada a um único cliente, localizado em Portugal. 263. Relativamente à existência de barreiras, é essencial ter em conta que esse cliente, primeiro a REFER e depois a IP, decidia a forma de contratar o serviço. 264. Não existiam condições para que empresas que não estivessem já a operar em Portugal se apresentassem a concurso. 265. Apenas foram lançados um primeiro anúncio, em 2013, e um segundo anúncio, em 2014, momento em que a visada N..., S.A. concretizou a sua candidatura ao Sistema de Qualificação. 266. O que indicia que o Sistema de Qualificação não era mais abrangente que o nacional, e que não havia, portanto, comércio entre Estados-Membros nesta aceção. 267. Conclusão que é reforçada pelo facto de, após 2014, não ter sido lançado mais nenhum anúncio para a integração de novas entidades no Sistema de Qualificação. 268. A Sentença também não analisa esta questão ou concretiza como poderiam os serviços em causa ser suscetíveis de afetar o comércio entre EstadosMembros, bastando-se com a afirmação de que aquelas práticas seriam, “face à sua gravidade e dimensão, suscetíveis de produzir os mesmos efeitos no comércio entre os Estados-Membros, quando, ademais, a dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado são fatores tidos em consideração por investidores internacionais no mercado nacional”. 269. A Sentença limita-se a enunciar uma presunção ou opinião. Não existe esforço de concretização ou de fundamentação e, na verdade, fica por clarificar como poderia a alegada prática com impacto essencialmente regional afetar as trocas comercias entre dois Estados-Membros. 270. À luz do exposto, apenas se poderá concluir que a oferta no mercado da prestação de serviços para a manutenção de aparelhos de via era limitada ao território nacional. 271. Por fim, o conceito de caráter sensível corresponde a um critério quantitativo que limita a aplicabilidade do direito da União Europeia a acordos que atinjam uma certa magnitude de efeitos, tendo em conta a importância do mercado e a posição das empresas em causa. 272. Porém, uma vez mais, não se demonstra o caráter sensível da restrição, limitando-se a sentença referir que os acordos abrangem a totalidade do território de Portugal continental” e que os agentes económicos envolvidos, à data dos factos, representavam a totalidade do mercado, pertencendo a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros Estados-Membros. 273. Acresce ainda que a própria Comissão Europeia entende que os acordos em relação aos quais o volume de negócios anual agregado na União Europeia das empresas em causa em relação aos produtos objeto do acordo não é superior a 40 milhões de euros, podem não ser suscetíveis de afetar o comércio entre Estados-Membros. 274. Verifica-se que o agregado total dos volumes de negócios de todas as visadas não atingiu aquele valor. 275. Deste modo, a posição de mercado das empresas afigura-se como o principal argumento para fundamentar a presunção constante da Sentença quanto ao caráter sensível da afetação. 276. Face ao exposto, entende-se que o Tribunal a quo não formulou a fundamentação necessária para concluir que foi observada uma restrição sensível da concorrência, condição sine qua non da aplicabilidade do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE. 277. Refere a Sentença Recorrida a “inexistência de dúvidas” quanto à subsunção da factualidade apurada na previsão legal do n.º 1 do artigo 9.º da LdC. (cf. pág. 230 da Sentença) 278. Como já amplamente referido, a Sentença bastou-se pela mera adesão à prova produzida pela AdC na fase administrativa, ignorando as questões e prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento e concluindo com base em pressupostos de facto errados e sem correspondência com a realidade. 279. O caso está construído com base em elementos de prova que no seu conjunto, como vimos, não são suficientes para demonstrar o alegado acordo e, na verdade, têm uma explicação alternativa lícita e consistente. 280. A AdC tem o ónus da prova da existência de uma infração. 281. A prova que incumbe à AdC não pode ser qualquer prova, mas sim prova de um nível suficiente para estabelecer – para além de uma dúvida razoável – que a infração foi efetivamente cometida. 282. Acusações com consequências bastante gravosas para as empresas visadas, têm necessariamente de ser alicerçadas na mais concreta prova, sob pena de violação grosseira do princípio da presunção de inocência, que encontra assento constitucional no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, no artigo 6.º da CEDH, e constitui um princípio geral de direito da União Europeia. 283. O Tribunal a quo limitou-se a olhar apenas para um lado da história, sem admitir que pudesse existir uma explicação lógica, aliás, a única possível. 284. O Tribunal a quo assume a posição de garante e de cumprimento da tutela jurisdicional efetiva, estando obrigado a uma análise fundamentada, completa e atenta da prova carreada para os autos. 285. Considerando a clara ausência de fundamentação quanto aos juízos de inferência levados a cabo, a Sentença ora recorrida afronta de forma clara o princípio da presunção de inocência, previsto no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, no artigo 6.º, n.º da CEDH e princípio geral de direito da UE. 286. Em conclusão, a Sentença não cumpriu a determinação legal de conhecer de todas as questões alegadas pelas partes, o que acarreta, necessariamente, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia (como acima se indicou), nos termos do artigo e artigo 379.º, n.º 1, al c) do CPP (aplicável ex vi do artigo 13.º, n.º 1 da LdC e do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO). 287. Mais, estando a Sentença assente numa errada apreciação dos factos, bem como a prova não revestir um nível suficiente para estabelecer – para além de uma dúvida razoável – que a infração foi efetivamente cometida, o Tribunal a quo decidiu em clara violação em grosseira violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência, em desfavor dos Recorrentes, considerando terem existido vantagens cuja prova não foi produzida. 288. Sem conceder, jamais os Recorrentes admitiram a possibilidade de estar a violar o direito da concorrência. 289. O Tribunal a quo basta-se com a afirmação de que “evidenciou-se que as empresas visadas, aqui Recorrentes, agiram de forma livre, consciente e voluntária na prática das infrações que lhes são imputadas, atuando com dolo, na medida que representaram e aceitaram entre si os acordos que lograram obter, sendo o comportamento do Recorrente BB elucidativo nesse sentido.” (cf. pág. 238 da Sentença). 290. E, ainda que “BB, na qualidade de vogal do conselho de administração e diretor geral da Fergrupo, e/ou pessoa por si designada, representou a Fergrupo nos contactos e reuniões realizadas entre as empresas visadas pelo PRC/2016/6, para definir, coordenar e implementar a estratégia de atuação conjunta no concursos” (cf. pág. 232 da Sentença). 291. A Sentença Recorrida ao não justificar e analisar cabalmente o grau de culpa da Recorrente, padece do vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, subsidiariamente aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. 292. Ora, contrariamente ao sustentado pelo Tribunal, não existe nenhuma evidência nos autos de que os Recorrentes tivessem atuado com dolo, nem tão-pouco com negligência. Muito pelo contrário. 293. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o pedido do visado BB no sentido de apagar determinadas mensagens de correio eletrónico nada tem que ver com um putativo conhecimento e representação da prática de um ilícito concorrencial. 294. Esta conduta foi justificada pelo próprio em audiência de discussão e julgamento, tendo sido liminarmente afasta pelo Tribunal sem qualquer justificação e/ou fundamentação adicional relativa ao seu juízo. 295. Nenhuma dessas mensagens contém ou revela qualquer acordo restritivo para efeitos do artigo 9.º da Lei da Concorrência (antes correspondendo a agendamentos de reuniões no contexto do C... e que poderiam ou não em determinados momentos incluir a N..., S.A., nada revelando sobre o respetivo conteúdo e, muito menos, sobre um acordo para fixação de preços ou repartição de mercado). 296. Ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, a verdadeira justificação para tal pedido é plenamente lícita: não sendo a possibilidade de a N..., S.A. participar no consórcio conhecida de todos os respetivos colaboradores, aquele visado pretendia que houvesse cautela na transmissão da mensagem, num momento embrionário, em que as empresas ainda se encontravam a preparar a proposta no âmbito do C.... 297. Este pedido prendeu-se, pois, com questões de sensibilidade negocial e não com qualquer propósito de esconder qualquer prática ilícita. 298. Não obstante, nunca seria aquele pedido de BB a fazer prova de dolo – leia-se, a intenção consciente e voluntária de cinco empresas para se encontrarem e combinarem quais os preços concretos a apresentar em concursos da IP de forma a viciar os resultados. 299. O comportamento dos Recorrentes revelou um enorme sentido de responsabilidade, procurando encontrar uma solução operacional que permitisse a manutenção dos AMV, em claro benefício do transporte de passageiros e de mercadorias, e com um custo contratual bastante mais baixo do requerido para a prestação exigida, indo ao encontro da expectativa da REFER/IP, que pretendia reduzir o investimento neste tipo de prestações de serviços. 300. À luz do que antecede, deve concluir-se que não existe dolo da Recorrente quanto à participação nos referidos acordos visando um efeito restritivo a concorrência. 301. Decidiu o Tribunal a quo pela improcedência do argumento dos Recorrentes quanto à violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da confiança legítima e da boa-fé. 302. As soluções ou decisões encontradas num mesmo processo, umas em sede de transação, outras em sede de decisão final, ainda que distintas, têm necessariamente que respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 13.º e 18.º da CRP. 303. Em sede de Decisão Final, a AdC entendeu justificar-se a aplicação de uma coima à Recorrente Fergrupo no valor de €870.000,00, correspondendo €503.000,00 pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015 e €367.000,00 pela infração alegadamente cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015. 304. Não obstante, em sede de conversações de transação e na minuta de transação enviada à ora Recorrente em Março de 2018, a AdC fixou esse montante em €472.000,00 já incluindo 10% de redução em função dos ganhos de eficiência resultantes de uma transação. 305. Ou seja, entendeu a AdC que a coima devida pela prática da infração seria de cerca de € 519.200,00, ao qual seria deduzido um desconto de 10% do valor global em virtude da transação: € 47.200,00. 306. Inexistiam no processo novos elementos de facto ou de direito que permitam alterar a apreciação da AdC sobre a gravidade da conduta e culpa da ora Recorrente. 307. Uma alteração, que não encontra respaldo em factos e valorações comportamentais concretas e adicionais às referidas na NI e na Proposta de Transação (devidamente justificadas), deverá ser considerado manifestamente desproporcional e redunda numa intenção de penalizar as Visadas (ora Recorrentes) que decidem (nos termos do direitos conferidos pela LdC) não aderir à versão final da decisão condenatória em sede de transação, por não se reverem no texto, factualidade e/ou enquadramento jurídico e/ou medida da coima aplicada. 308. Na Sentença Recorrida, o Tribunal a quo fixou uma coima única aplicada à Recorrente Fergrupo no valor de € 600.000,00, correspondendo a € 450.000,00 pela infração alegadamente cometida no período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015 e € 315.000,00, pela infração alegadamente cometida no período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015. 309. Quanto ao Recorrente BB, o Tribunal a quo fixou uma coima única no valor de € 12.000,00, correspondendo a € 8.000,00 pela infração alegadamente cometida no período compreendido entre 15/11/2014 e 05/08/2015 e € 8.000,00, pela infração alegadamente cometida entre 17/11/2015 e 01/12/2015. 310. Refere o Tribunal a quo, que “[c]oimas inferiores às indicadas não refletiriam a gravidade dos factos, nem seriam suficientes para satisfazer as exigências de prevenção reclamadas pelo caso.”. 311. Por outro lado, consigna também que a AdC não se encontra vinculada por nada mais do que o exposto na Nota de ilicitude. 312. O Tribunal a quo incorre num erro de análise. O procedimento de Transação ocorre já na fase de Instrução, isto é, após a emissão da Nota de Ilicitude. Assim, aquando da notificação da Minuta de Transação, a AdC já tinha proferido a Nota de Ilicitude e, com base no raciocínio do Tribunal a quo, a Autoridade estaria vinculada aos factos e à valoração aí realizada. 313. Acresce que, mesmo em julgamento, a AdC não produziu qualquer prova adicional– não ofereceu qualquer tipo de prova adicional, não indicou prova testemunhal e/ou documental que fosse suscetível de contribuir para um aumento e/ou alteração do nível de censurabilidade e/ou gravidade da alegada conduta. 314. Considerando que o procedimento de transação existe para que a AdC beneficie de ganhos de eficiência processual – note-se que este procedimento não foi criado para beneficiar as visadas – não se vislumbra em que medida pode tratar de maneira diferente as situações da F..., S.A., da N..., S.A. e da M..., S.A. (ou mesmo a proposta anteriormente efetuada à Somafel e à Fergrupo) da que presentemente verificámos com a Decisão oportunamente impugnada. 315. A transação permite apenas a aplicação de um desconto ao montante final da coima que seria devida em sede de decisão final condenatória. 316. Não existindo matéria de facto e ou de direito adicional aquela que já constava da apreciação realizada pela Autoridade na Nota de Ilicitude e à data da minuta de transação, qualquer alteração e/ou agravamento da moldura contraordenacional e/ou sancionatória aplicável constitui uma violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade previstos no artigo 13.º e 18.º da CRP e artigo 18.º do RGCO. 317. Não obstante a Sentença recorrida ter entendido que a sanção acessória não deveria ser aplicada, furtou-se e não retirou as necessárias conclusões relativamente à questão prévia suscitada pela ora Recorrente em sede de Impugnação Judicial. 318. Quanto ao princípio da proporcionalidade, na sua vertente de adequação, dirse-á que, se houve três decisões finais alcançadas através de processo de transação onde não foi aplicada uma sanção tao elevada, pode concluir-se que a AdC considera que a coima num valor mais reduzido seria suficientemente dissuasora, pelo que aquele subprincípio não foi respeitado. 319. Foi demonstrado que a alegada infração não surtiu qualquer efeito no mercado, nomeadamente, pela ausência de aumento dos preços, que, na realidade, eram mais baixos. 320. O valor anteriormente determinado seria suficiente para prosseguir o fim de interesse público de promoção da concorrência e de prevenção geral e especial. 321. A AdC não atribuiu qualquer diferença valorativa à intervenção de cada uma das visadas. E, em três decisões finais, a AdC concluiu que não se justificava, face às circunstâncias do caso, aplicar a sanção acessória e definiu uma moldura concreta da coima substancialmente inferior à aplicada em sede de Decisão Final (acima dos 10% de desconto). 322. Também a Sentença Recorrida, ainda que em montante inferior ao determinado pela AdC, aplica uma coima que se situa bem acima da moldura concreta da coima aplicada em sede de transação incluído o adicional relativo ao desconto de 10% (€ 600.000,00 face a um teto máximo de cerca de €500.000,00 em sede de Transação). 323. Aplicar este montante de coima à Fergrupo equivale a uma sanção não pela alegada infração que a AdC lhe imputa e que o Tribunal a quo confirma, mas pelo facto de – ao contrário de outras visadas – a Fergurpo não ter concordado com a totalidade do teor da minuta de transação apresentada pela AdC. 324. A Sentença Recorrida não valorou devidamente a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. 325. Por fim, o Tribunal a quo não valorou igualmente a violação do princípio da boa-fé, primordialmente na sua vertente da tutela da confiança, ao qual a Administração está vinculada por força do artigo 266.º, n.º 2 da CRP. 326. Como se referiu acima, o Tribunal refere a importância da emissão de linhas de orientação para gerar certeza das empresas quanto à metodologia e molduras concretas da coima que lhe poderão ser aplicadas. 327. Não obstante, não analisa e/ou retira as devidas conclusões quanto à aplicação e violação da tutela da confiança da Recorrente. 328. No momento da transação, a AdC apresentou a sua opinião sobre as sanções que considerava adequadas ao caso em termos de coima, sanção acessória e âmbito subjetivo de aplicação. 329. Uma alteração desta posição, sem factos adicionais que justifiquem a sua aplicação, configura uma violação do princípio da confiança. 330. Nestes termos, a Fergrupo entende que, não existindo factos novos ou elementos adicionais que permitam inferir uma maior gravidade dos comportamentos da Visada, a AdC está vinculada ao montante da coima definido em sede de transação, bem como, às ponderações que tenha realizado relativamente à necessidade de aplicação ou não da respetiva sanção acessória. 331. Tal aplicação, não fundamentada e discriminatória, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, da confiança-legítima e da boa fé, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 266.º, n.º 2 da CRP da CRP. 332. Nos termos do disposto no artigo 69.º da LdC, na determinação da medida da coima deverão ser considerados os seguintes critérios: (i) gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional; (ii) natureza e dimensão do mercado afetado pela infração; (iii) duração da infração; (iv) grau de participação do visado na infração; (v) vantagens obtidas, quando as mesmas sejam identificadas; (vi) comportamento do visado; (vii) situação económica do visado; e (viii) antecedentes contraordenacionais. 333. Na linha do decido pelo Tribunal a quo, a gravidade é aferida apenas por referência ao tipo de infração (in casu, por objeto, cuja refutação é uma verdadeira probatio diabolica), sendo irrelevantes outras circunstâncias atenuantes do caso. 334. No entanto, do mesmo passo, a Mma. Juíza a quo incluiu neste critério uma circunstância que, segundo o art.º 69.º da LdC, seria valorada autonomamente: a dimensão do mercado afetado. 335. Vale isto por dizer que o critério da dimensão do mercado afectado foi valorado duplamente para efeito de determinação da medida da coima, o que manifestamente não poderia suceder. 336. Sempre se diga que é diminuta a dimensão do mercado afetado – e sempre assim deveria ter sido considerada. 337. No que à duração das infrações diz respeito, Tribunal a quo dispõe que a infração respeitante ao acordo de fixação do nível dos preços teve uma duração de nove meses e que a infração relativa ao acordo de repartição do mercado e fixação dos preços teve uma duração de quinze dias. 338. É manifesto que se trata de uma duração muitíssimo curta. 339. Sucede que a sentença recorrida, com o muito e devido respeito, faz tábua rasa dessa circunstância, limitando-se a referir as durações objetivas das infrações, não caracterizando as mesmas. 340. É legítimo perguntar: acaso a duração fosse superior, teria sido aplicada a mesma coima? Parece-nos que sim. 341. Significa isto que o critério em apreço não foi tido em consideração pelo Tribunal a quo para ponderação da redução da coima. 342. Acresce que os Recorrentes haviam colocado expressamente à apreciação do Tribunal recorrido a questão da curtíssima duração das infrações. 343. Ao proceder desta forma, a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia, padecendo de nulidade, nos termos e para os efeitos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP. 344. No que respeita às vantagens de que hajam beneficiado os ora Recorrentes em consequência da infração, a AdC não calculou nem tão-pouco identificou quaisquer vantagens da alegada prática ilícita para os Recorrentes. 345. Não existiram quaisquer vantagens. 346. A verdade é que os contratos em questão não eram economicamente favoráveis para a Recorrente Fergrupo, sendo certo que esta não contribuiu para a subida de preço (que não existiu), tendo apenas concorrido validamente ao lote onde naturalmente apresentaria a sua proposta de forma a beneficiar das sinergias com os contratos de via e catenária. 347. O Tribunal a quo carece de qualquer base para extrair a conclusão que extrai: que houve vantagens para os Recorrentes e, mais ainda, que houve prejuízo para os próprios consumidores. 348. Os Recorrentes jamais aceitam que, face à prova que foi feita, se possa alvitrar a existência de vantagens para si e de prejuízos para os consumidores, quando toda a conduta adotada foi justamente para assegurar a segurança da rede ferroviária. E nada mais. 349. Sendo certo que tal ausência de dano não pode ser ignorada no momento da determinação concreta da coima. 350. A sentença recorrida, ao referir que não se apurou o lucro concreto extraído, e, do mesmo passo, que é certo que as empresas retiraram vantagens, padece do vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, subsidiariamente aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. 351. Verificando-se uma dúvida razoável, sempre o Tribunal a quo deveria ter decidido em favor dos Recorrentes. 352. Contudo, perante tal dúvida, o Tribunal a quo decidiu, em grosseira violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência, em desfavor dos Recorrentes, considerando terem existido vantagens cuja prova não foi produzida. 353. Por fim, cumpre sublinhar que, não obstante o Tribunal a quo reconhecer que a conduta da REFER/IP “concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa”, o certo é que daí não extrai nenhuma consequência de maior. 354. A sentença recorrida não fundamenta a diferenciação das medidas da coima aplicadas à Recorrente Fergrupo e à também visada Somafel. 355. É, pois, manifesto que a decisão, quanto a este segmento, padece de falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 374.º, n,º 2 do CPP, aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. 356. O Tribunal a quo parece não ter ponderado que: (i) a dimensão do mercado afetado é diminuta; (ii) a duração das infrações é diminuta; (iii) os Recorrentes não obtiveram qualquer vantagem; e (iv) não foi demonstrado ou provado qualquer dano decorrente das infrações por cuja prática os Recorrentes foram condenados. 357. À luz do que antecede, as coimas parcelares e, consequentemente, a coima única deverá ser reduzida no seu montante. * A SOMAFEL - ENGENHARIA E OBRAS FERROVIÁRIAS, S.A. (Somafel) recorreu também da sentença, formulando as seguintes conclusões: Objeto do Recurso 1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo TCRS, em 06.09.2021, nos termos da qual foi a Somafel condenada no pagamento de uma coima única no valor de € 640.000,00 (seiscentos e quarenta mil euros), bem como na sanção acessória de publicação de um extrato da Sentença Recorrida na II Série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, a seu encargo, no prazo de 20 dias úteis a contar do respetivo trânsito em julgado, consubstanciando, assim, aquela Sentença Recorrida o objeto do recurso. Nulidade da prova 2. A utilização da correspondência eletrónica como suporte probatório da decisão condenatória plasmada na Sentença Recorrida ocorreu apesar de a Somafel, no seu recurso de impugnação da DI, ter arguido a ilicitude da sua utilização nos presentes autos e a sua consequente nulidade, tendo o Tribunal a quo indeferido aquela sua arguição com base em fundamentos que foram recente, mas perentoriamente, rejeitados pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 687/2021, nos termos melhor explicitados nas motivações de recurso supra, termos esses que não poderão deixar de ser considerados por este Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do conhecimento do presente recurso. 3. A proteção constitucional da correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação – mormente a garantia do respetivo sigilo e da sua inviolabilidade e de não ingerência pelas autoridades –, decorrente, nomeadamente, do artigo 34.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, é assegurado ao correio eletrónico. 4. Essa proteção contempla (i) o meio de comunicação, (ii) o conteúdo da comunicação e (iii) os dados associados à comunicação, nomeadamente os designados “dados de tráfego”. 5. A proteção conferida ao correio eletrónico não varia em função de qualquer distinção em função da “abertura” ou da “leitura” daquela correspondência/comunicações pelos seus destinatários. 6. O artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC não autoriza a AdC a examinar, recolher e/ou apreender correspondência e, em particular, mensagens de correio eletrónico, ainda que “abertas” ou “lidas”, no âmbito de um processo contraordenacional, não podendo a norma nele contida ser interpretada em termos que possibilitem a prática dessas diligências probatórias por tal interpretação colidir frontalmente com a letra, a teleologia e a história daquela disposição, bem como com o seu enquadramento sistemático, chocando, além disso, com a Constituição nos termos desenvolvidamente evidenciados nas motivações de recurso que acima se deixam. 7. As provas obtidas violando a proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 42.º do RGCO, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, da LdC, bem como dos artigos 32.º, n.º 8 e n.º 10, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, circunstância que não se verificou de forma alguma. 8. Mesmo que assim não se entendesse – o que se rejeita –, sempre teria de se considerar que as provas obtidas violando a proteção constitucional conferida à correspondência e às comunicações, incluindo às mensagens de correio eletrónico, são nulas, nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, aplicável ex vi artigo 13.º, n.º 1, da LdC e 41.º, n.º 1, do RGCO, e dos artigos 32.º, n.º 8 e n.º 10, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, não podendo ser utilizadas, a não ser que seja obtido o consentimento do titular, o que, como vimos nunca foi pela Somafel prestado. 9. A norma constante do artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, quando interpretada no sentido de que o mesmo prevê a possibilidade de exame, recolha e/ou apreensão de mensagens de correio eletrónico “abertas” ou “lidas” porquanto tais mensagens de correio eletrónico consubstanciam meros documentos é materialmente inconstitucional por violação dos direitos à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), bem como do princípio da proporcionalidade tal como previsto no artigo 18.º, n.º 2 da CRP – o que, desde já, se invoca para os devidos efeitos legais. 10. Está, pelos fundamentos melhor desenvolvidos nas motivações supra, absolutamente vedado às autoridades públicas, entre as quais qualquer autoridade administrativa (incluindo à AdC), seja qual for a sua natureza, a ingerência na correspondência e nas telecomunicações, mormente em processo de contraordenação ou em quaisquer outros processos sancionatórios de natureza não penal, como é o caso dos autos, porquanto, como sobejamente evidencia o Tribunal Constitucional naquele seu Acórdão n.º 687/2021, a Constituição prevê, de forma expressa e inequívoca, no seu artigo 34.º, n.º 4, uma reserva absoluta do processo penal em matéria de intromissão na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação. 11. Também a violação daquela reserva constitucional absoluta, prevista no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, por via interpretativa do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, gera a nulidade insanável da prova assim obtida pela AdC nos autos, por aplicação direta daquele comando constitucional do artigo 34.º, nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1 da CRP, por afronta ilícita aos direitos fundamentais da Somafel à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), e à proteção dos dados pessoais no âmbito da utilização da informática (nos termos do artigo 35.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), enquanto refrações específicas do direito à reserva de intimidade da vida privada, (consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição). 12. A norma que se extrai do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, quando interpretada no sentido de que é possível, em processo de contraordenação da concorrência, examinar, recolher e apreender mensagens de correio eletrónico é materialmente inconstitucional, por violação da reserva absoluta ao processo penal da admissibilidade da ingerência, por autoridade pública, na correspondência, telecomunicações e demais meios de comunicação e, consequentemente, da garantia jusfundamental de inviolabilidade das mesmas, tal como previstas e consagradas no disposto no artigo 34.º, n.º 4 da CRP, em conjugação com o princípio da proporcionalidade (cfr. 18.º, n.º 2 da CRP). 13. A arquitetura legal da investigação em processo contraordenacional é compatível e materialmente equivalente à fase de inquérito em processo penal. Consequentemente, seguindo a interpretação do artigo 32.º, n.º 4 da CRP que tem sido unanimemente acolhida pelo Tribunal Constitucional, bem como atendendo ao enquadramento plasmado no seu Acórdão n.º 687/2021 a este respeito, é forçoso concluir que a medida de exame, recolha e apreensão de correio eletrónico – porque consubstancia uma ingerência grave no sigilo da correspondência do visado pela mesma – carece de despacho judicial prévio, sob pena de ser considerada intolerável num Estado de Direito democrático. 14. A interpretação da norma contida no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) da LdC, no sentido de admitir o exame, recolha e apreensão de mensagens de correio eletrónico em processo de contraordenação da concorrência, sem despacho judicial prévio, é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da reserva de juiz para a ponderação da afetação de direitos fundamentais em direito sancionatório, em particular, do direito à inviolabilidade e ao sigilo da correspondência, contidos nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 32.º n.º 4 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP. 15. Deve ser, nos termos supra expostos, declarada a nulidade da prova e, consequentemente, a nulidade da Sentença que nela assenta, nos termos do disposto no artigo 122.º n.º1 do CPP, o que se requer. Erro notório na apreciação da prova 16. A Sentença Recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, no que respeita à apreciação da prova que esteve na base na decisão de julgar não provados os factos a. a g. 17. Deve ser a Sentença revogada e alterada na parte respeitante à decisão pela não prova dos factos. a. a g., os quais devem, ao invés, ser dados como provados. 18. Consequentemente, deverá a matéria de facto de índole subjetiva dada como provada ser alterada, em particular os pontos 142 a 148 da Sentença Recorrida, por não se poderem dar como provados os factos objetivos na base da mesma. 19. Em consequência da alteração da matéria de facto que foi dada como não provada e como provada na Sentença Recorrida com base em erro notório na apreciação da prova produzida, deve o processo baixar à primeira instância para alteração da qualificação jurídica atribuída à conduta da Somafel – quer ao nível da sua (a)tipicidade objetiva, quer ao nível da sua (a)tipicidade subjetiva e culpa – para que a mesma possa ser absolvida. 20. Com efeito: apesar de a Recorrente ter sido condenada pela alegada prática de dois acordos, não resulta de qualquer dos factos provados – nem mesmo das mensagens de correio eletrónico ilegalmente (pelos motivos já especificados) transcritas na íntegra na Sentença – a existência de um qualquer entendimento, acordo, ou encontro de vontades entre as visadas quanto à fixação de preços e/ou à repartição de mercado, assentando tal conclusão numa presunção de que, nos contactos entre visadas demonstrados nos autos, teria ocorrido uma troca de informações supostamente relevante para efeitos jusconcorrenciais (apesar de não ser esse o enquadramento jurídico dos factos pelos quais a Somafel vinha acusada) ou o estabelecimento de “acordos” proibidos. 21. Existe, porém, prova direta – produzida pela testemunha CC e pelo co-Visado AA – de que os contactos havidos entre visadas tinham como propósito integrar a N..., S.A. no consórcio e não qualquer troca de informações jusconcorrencialmente relevante nem qualquer acordo proibido. 22. O Tribunal a quo incorreu, assim, em erro notório na apreciação da prova, desde logo, porque, com base em emails que demonstram a ocorrência de contactos entre visadas, mas não espelham o aí discutido nem o propósito desses contactos, concluiu que esses contactos apenas podem ter tido como propósito estabelecer acordos restritivos da concorrência, quando é manifesto que estes indícios se adequam a outras hipóteses legais, designadamente a de esses contactos terem como propósito a integração de uma nova empresa num consórcio, como, aliás, foi corroborado pela prova testemunhal. 23. Resulta da prova testemunhal produzida pela testemunha CC, corroborada pelos vários depoimentos oferecidos pelas testemunhas na audiência de julgamento dos autos, em particular pelo depoimento do co-Visado AA, tal como descritos no texto da Sentença Recorrida, nos termos melhor descritos nas motivações de recurso supra, o seguinte: (i) a participação da Somafel nos concursos lançados pela REFER/IP era relevante para a empresa em termos curriculares; (ii) os contactos encetados com a N..., S.A. após a sua pré-qualificação tiveram como finalidade integrá-la no C..., por forma a minimizar mais custos, refutando a ideia de que nessas reuniões tenham sido discutidos os valores a propor no concurso I; (iii) era prática corrente nos concursos públicos, por forma a sinalizar à entidade adjudicante o desajuste daquele preço, apresentar propostas acima do preço-base, mesmo sabendo, de antemão, que as mesmas não seriam aceites; (iv) no concurso II voltaram a tentar integrar a N..., S.A. no consórcio, o que motivou a reunião de 15.07.2015, mas não chegaram a acordo; e (v) no concurso III, os contactos encetados com as empresas foram feitos na convicção de que os consórcios eram permitidos e que, após saber daquela impossibilidade, apenas encetou contactos com as demais empresas para cindir o consórcio e reunir a documentação necessária para a Somafel concorrer individualmente, como veio a suceder. 24. Resulta da experiência comum que um consórcio de empresas pressupõe a existência de contactos entre as empresas que se pretendem consorciar ou que já se encontram consorciadas, pelo que a existência de contactos com o propósito de discutirem a possibilidade e a viabilidade de um consórcio é normal. Em rigor, é até impossível que empresas se consorciem sem contactarem entre si, sendo que a existência de contactos não revela, per si, a existência de troca de informações ou de qualquer acordo para restringir a concorrência. 25. Resulta igualmente da experiência comum e da racionalidade económica do cidadão médio que quando um preço base é muito baixo e pretende sinalizar-se esse aspeto à entidade adjudicante, apresenta-se um preço superior acompanhado de uma justificação fundada do preço apresentado – o que, além disso, e conforme resultou evidenciado da prova testemunhal produzida, constitui prática comum de mercado no âmbito da contratação pública. 26. Inexistem quaisquer regras de experiência comum que permitissem ao Tribunal a quo concluir pela falta de sentido dos depoimentos das testemunhas na parte em que atestaram, de forma absolutamente uniforme e consonante, nomeadamente (i) que as empresas encetaram contactos com a N..., S.A. sempre com o intuito de a integrar no Consórcio C...; (ii) que o consórcio decidiu sinalizar à entidade adjudicante que não seria viável a apresentação de proposta àquele preço, mediante a apresentação de proposta acima do preço-base; (iii) que a Somafel (e as restantes empresas) pretendiam com a participação no concurso e potencial prestação de serviços obter/incrementar o seu currículo naquela área; e (iv) que as empresas reuniram no âmbito do concurso III convictas de que a proposta em agrupamento era possível e que, quando ficou claro não haver essa possibilidade, reuniram novamente para separar propostas para permitir a cada uma concorrer individualmente (o que foi feito, sublinhe-se). 27. O erro notório na apreciação da prova de que padece a Sentença Recorrida encontra-se, assim, presente em dois planos: o Tribunal a quo desconsiderou ilógica e irracionalmente uma parte relevante dos depoimentos prestados pelas várias testemunhas ouvidas na audiência de julgamento com base, por um lado, no seu convencimento subjetivo sobre a análise trazida aos autos pela AdC, sem suporte objetivo e racional para o efeito, e, por outro lado, o Tribunal a quo afirmou ter aplicado, na ponderação da prova que serve de base à decisão contida na Sentença Recorrida, critérios de lógica e experiência comum que são, paradoxalmente, contrários às regras da lógica, da racionalidade e daquela experiência comum. 28. Existe erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos previstos no disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, quando o tribunal conclui (como concluiu o Tribunal a quo) pela não prova de factos, contra prova testemunhal produzida nos autos, assente numa regra que não é de experiência comum e apenas corresponde a um convencimento subjetivo do tribunal sem suporte objetivo e racional. 29. Existe nos autos, e o Tribunal a quo reconhece e atribuiu-lhe credibilidade, prova testemunhal a corroborar os factos a. a g. descritos na Sentença Recorrida e dados como não provados, não havendo, nem o Tribunal a quo a identifica, prova em contrário e muito menos se encontra nos autos prova bastante para contrariar o afirmado pelas testemunhas e a análise que deles foi efetuada pela Somafel. O que se constata, ao invés, é a existência de uma convicção do Tribunal quanto à falta de sentido do alegado, supostamente assente em regras de lógica e experiência, mas que, paradoxalmente, contraria todas aquelas regras de racionalidade e experiência comum. Da sanção – violação do princípio da confiança legítima 30. Não obstante o Tribunal a quo se ter distanciado da DI na determinação concreta da coima aplicável à Somafel, na medida em que relevou de forma diversa os fatores considerados nessa operação, a Sentença Recorrida sofre de erro de Direito na apreciação da violação de princípios gerais, de Direito da União Europeia e do direito nacional, da confiança legítima, da boa fé e da igualdade de tratamento entre visadas no que respeita à determinação da coima aplicada. 31. Nos termos melhor desenvolvidos nas motivações de recurso supra, a Minuta de Transação da Somafel criou uma expectativa legítima na Recorrente de que, mantendo-se inalterados os factos considerados apurados pela AdC e a respetiva qualificação jurídica – como se veio a verificar na DI –, nunca a coima a aplicar à Somafel pela AdC poderia exceder os EUR 530.000, estando limitada ao montante da coima considerado adequado pela AdC na Minuta de Transação, excluindo a redução de coima de 10% – elemento específico desse procedimento –, e não havendo também lugar à aplicação de qualquer sanção acessória. 32. O princípio da confiança legítima constitui um dos corolários do princípio da boa-fé, consagrado no direito português enquanto princípio fundamental orientador da atuação da Administração Pública, ao abrigo do artigo 266.º, n.º2 da CRP, assim como no artigo 10.º do CPA, devendo a legitimidade da confiança suportar-se não apenas numa mera convicção psicológica, mas sobretudo na enunciação de sinais exteriores produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança. 33. Na DI, a Somafel foi condenada no pagamento de uma coima no valor de EUR 925 000 e ao conjunto de sanções acessórias previstas no artigo 71.º, n.º 1 da LdC, o que representa um agravamento muito significativo, infundado e injustificável das condições constantes da Minuta de Transação notificada pela AdC à Somafel. 34. Não foram trazidos aos autos quaisquer factos novos nem foi considerado enquadramento jurídico distinto na DI ou nas minutas de transação face ao que já tinha sido plasmado na NI, muito menos em termos que justificassem o agravamento da moldura sancionatória aplicável à Somafel nos termos em que esse agravamento ocorreu. 35. Não se tendo verificado qualquer alteração ao nível da factualidade ou da qualificação jurídica constante da DI, a confiança gerada na esfera da Somafel pela moldura sancionatória apresentada na sua Minuta de Transação só pode ser considerada como legítima e atendível. 36. A atuação da AdC nos presentes autos, plasmada na DI e incorretamente validada na Sentença Recorrida, configura a violação da confiança legítima da Recorrente, nos termos da jurisprudência do TJUE, a qual tem vindo a afirmar a aplicação dos princípios da confiança legítima, da boa fé e da igualdade de tratamento também quanto às expectativas das visadas em sede de procedimento de transação, dela resultando igualmente que, em matéria de determinação de coima (ou em geral da moldura sancionatória), o elemento específico do procedimento de transação face ao procedimento ordinário corresponde à possibilidade de uma redução de coima. 37. Pelos motivos devida e desenvolvidamente detalhados nas motivações de recurso supra, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, não há paralelo possível do caso Timab com o presente caso, nomeadamente considerando o seguinte: (i) o processo de transação naquele caso Timab deu-se num momento processual distinto daquele em que ocorreu a transação no caso em apreço, o que reforça a necessidade de acautelar a completude da análise fáctica e jurídica no quadro da ponderação da sanção aplicável; (ii) a imutabilidade das circunstâncias de facto e do enquadramento jurídico entre a NI e a DI; (iii) as negociações e o processo de transação que esteve na origem do aí decidido teve contornos e decorreu de forma totalmente distinta do processo de transação em causa nos presentes autos; (iv) o aumento de coima verificado naquele caso, ao contrário do que se verifica nos autos, deveu-se, nomeadamente, à consideração de elementos novos tidos em conta pela CE durante a fase ordinária e que determinaram, entre outros, a ponderação de um período temporal de infração distinto do tido em conta aquando das negociações de transação; e (v) nos presentes autos, contrariamente ao verificado no caso Timab, a Somafel apresentou uma proposta de transação, que foi avaliada pela AdC e relativamente à qual esta notificou a Recorrente da Minuta de Transação, que integrava um juízo de apreciação da gravidade das práticas imputadas à Somafel, assim como do seu grau de culpa (únicos elementos relevantes para a determinação da sanção acessória), ao qual a AdC fica vinculada, caso essas circunstâncias não se alterem, como foi o caso. 38. Em termos idênticos aos que valem para a Comissão Europeia, também a AdC não se encontrava, naturalmente, vinculada pela aplicação à Recorrente de uma redução de coima de 10% ponderada em processo de transação, uma vez que esta se retirou desse procedimento. No entanto, a não aplicabilidade desse desconto nada tem que ver com os factos em causa, com a sua qualificação jurídica e com o juízo de gravidade e de culpa, que, como vimos, não se alterou desde que a Somafel foi notificada da Minuta de Transação. 39. Sob pena de se desvirtuar o objetivo e o objeto do procedimento de transação, conferindo um caráter punitivo à não transação, não pode a AdC, sem que se surjam factos novos com base nos quais se alterem os contornos da suposta infração ou que lhe permitam formular um juízo de gravidade e de culpa diferente, afastar-se do que apresentou na Minuta de Transação não confirmada pela Somafel, tendo o Tribunal a quo errado na apreciação jurídica da questão suscitada pela Recorrente no seu recurso de impugnação da DI por não ter considerado as circunstâncias específicas do caso concreto e ao ter interpretado a jurisprudência do TJUE no sentido de que a AdC pode fazer tábua rasa da moldura sancionatória que considerou adequada à luz de uma apreciação da factualidade e enquadramento jurídico que não sofreu quaisquer alterações. 40. O agravamento da moldura sancionatória imposto pela AdC na DI, não estando fundado em nenhuma alteração da matéria factual ou do enquadramento jurídico, consubstancia ainda uma violação clara do princípio da boa fé e da igualdade de tratamento entre visadas porquanto, ao reponderar a moldura sancionatória apresentada à Somafel na Minuta de Transação, designadamente no sentido de agravar quase ao dobro a coima, e de aplicar sanções acessórias com enorme impacto na atividade da Empresa e no mercado – punindo-a pois mais severamente pela retirada do procedimento de transação do que pelos factos em causa nos autos -, sem que se tenham verificado quaisquer elementos novos que justificassem um tal agravamento, a AdC procedeu a uma discriminação entre as Visadas em matéria que não se limita às especificidades inerentes ao procedimento de transação, como seria o caso da aplicação do coeficiente de redução por recurso ao mecanismo de transação. 41. A AdC frustrou ainda as legítimas expetativas da Recorrente, por se afastar da metodologia de determinação da coima a que a AdC se autovinculou pela adoção das suas LOCC, sem justificação para o efeito. 42. Esta atuação, além de ilegal, afigura-se ainda mais grave porquanto a AdC não logrou dar qualquer visibilidade na DI quanto ao montante de base concretamente utilizado para cada uma das Visadas, e muito menos quanto aos coeficientes e ajustamentos concretamente aplicados a cada uma delas, não permitindo às Visadas sindicar a DI quanto ao cumprimento do princípio da igualdade de tratamento, tendo frustrado as legítimas expetativas da Recorrente, por se afastar da metodologia de determinação da coima a que a AdC se autovinculou pela adoção das suas LOCC, sem justificação para o efeito – fundamento que a Somafel invocou no seu recurso de impugnação e que não é, de todo, apreciado na Sentença Recorrida. 43. Como resulta melhor e desenvolvidamente explicitado nas motivações de recurso supra, a AdC não aplica com a mínima clareza e transparência a metodologia a que se auto-vinculou pela publicação das suas LOCC, o que implica que os montantes da coima concretamente impostos à Somafel se tornem insindicáveis pela Somafel, e por qualquer tribunal, designadamente quanto ao respeito pelo princípio da igualdade entre visadas na determinação do montante da coima – o que, de acordo com a jurisprudência assente do TJUE, consubstancia uma violação do princípio da confiança legítima e o princípio da igualdade de tratamento. 44. As diferenças verificadas nos critérios de determinação da coima concretamente aplicável a cada uma das Visadas, tal como identificadas nas motivações de recurso supra, evidenciam, desde logo, uma distinção de tratamento entre as Visadas, que não é justificada, de forma alguma, nem pela DI nem pelos elementos constantes dos autos, em particular pelas minutas de transação confirmadas pelas Visadas N..., S.A., M..., S.A. e F..., S.A.. * AA respondeu ao recurso apresentado pela AdC formulando as seguintes conclusões: A. No que releva para a presente Resposta, no recurso interposto pela AdC, esta não se conforma com a redução da medida concreta da coima aplicada ao ora Recorrido, por entender existir erro de direito nos pressupostos e na valoração dos critérios de determinação da medida concreta da coima que fundamentaram a referida redução. B. Não se pode concordar com esta pretensão. C. A decisão de aplicação da coima deveria, antes, ter sido revogada. Sem prescindir, D. Na Sentença os pressupostos e a valoração dos critérios de determinação que fundamentam a redução da coima estão amplamente referidos e tem, sempre necessário, total suporte na prova produzida. E. Neste particular, a Sentença ponderou todos os fatores incluindo os respeitantes às empresas visadas, os quais, naturalmente, se estendem ao Recorrido, pessoa singular. F. A coima resultante da Sentença, mais baixa do que a aplicada pela AdC, reflete, assim, os fatores favoráveis ao ora Recorrido não considerados por aquela entidade. G. Não sendo o Recorrido absolvido, como se espera, o valor da coima aplicado pela AdC sempre deveria ser substancialmente reduzido, tendo em conta o grau da sua participação e a inexistência de qualquer vantagem. H. A sanção aplicável pela AdC foi-o sem a fundamentação exigível, em clara violação do disposto no art.º 375.º, n.º 1 do CPP, aqui aplicável por remissão dos art.ºs 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. I. Não existe qualquer contradição entre a fundamentação constante da Sentença e a decisão de redução do quantum da coima aplicada pela AdC ao ora Recorrido. J. Não se verifica, assim, qualquer erro de direito nos pressupostos e na valoração dos critérios de determinação da medida concreta da coima que fundamentaram a respetiva redução. * A COMSA S.A.U. e a COMSA S.L. responderam ao recurso apresentado pela AdC, concluindo pela sua improcedência e pugnando pela confirmação da sentença recorrida no que respeita à sua absolvição da responsabilidade solidária pelo pagamento da coima única aplicada à Fergupo - Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A.. * A Fergrupo e BB responderam ao recurso apresentado pela AdC, formulando as seguintes conclusões: 1. A AdC interpôs recurso da Sentença do TCRS proferida a 6 de setembro de 2021, no âmbito do Processo n.º 249/18.0YUSTR-F, referência ...59 e que decidiu absolver as Recorrentes COMSA SAU e COMSA Corporación de Infraestructuras, S.L. (“Comsas”) da responsabilidade solidária no pagamento da coima aplicada à Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A. e condenou esta última, em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de €600.000,00 (seiscentos mil euros) e BB, em cúmulo jurídico, no pagamento de uma coima única no valor de €12.000,00 (doze mil euros)pela prática de duas contraordenações prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. a), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE, referente ao período de 05/11/2014 a 05/08/2015 e 17/11/2005 a 01/12/2015, respetivamente, bem como, na sanção acessória de publicação de um extrato da Sentença na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, absolvendo-a do demais, nomeadamente, da aplicação da sanção acessória de não participação em procedimento de concursos públicos no mercado relevante em causa. 2. A AdC delimitou o objeto do seu recurso a apenas três questões de Direito: i) O erro de direito sobre a responsabilidade das Sociedades-mãe, nomeadamente, no que respeita responsabilidade solidária pelo pagamento da coima das Comsas; ii) O erro de direito nos pressupostos e na valoração dos critérios de determinação da medida concreta da coima que fundamentaram a redução da medida concreta da coima, nos termos do n.º2 do artigo 69.º da LdC; iii) O erro de direito nos pressupostos de aplicação da sanção acessória nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC, errada valoração e falta de fundamentação da decisão que determinou a absolvição das Visadas da sanção acessória aplicada às recorridas nos termos da al. b) do n.º1 do artigo 71.º da LdC 3. Não assiste razão à AdC em qualquer uma das três questões colocadas, devendo a Sentença manter-se nos pontos referidos pela ora Recorrida adiante, bem como, serem atendidas as respetivas motivações de Recurso igualmente apresentadas pela ora Recorrida. 4. No que se refere à primeira questão, refere a AdC, sem razão, que o Tribunal incorreu num erro de direito ao “considerar que não está prevista na ordem jurídica interna a possibilidade de imputação de responsabilidade solidária a outras entidades que integram a mesma unidade económica que a visada pela infração”, entendendo que “nada obsta a que a sociedade-mãe seja chamada à colação para responder, solidariamente, através do pagamento solidário da coima, pelos factos perpetrados pela sua filial, autora da infração”. 5. Em primeiro lugar, cumpre concretizar que na Decisão Condenatória a AdC entendeu apenas “declarar as empresas COMSA SAU e COMSA Corporación de Infraestructuras SL como responsáveis solidarias pelo pagamento da coima aplicável à empresa Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A., nos termos conjugados do artigo 3.º da Lei n.º 19/2012 e n.º 1 do artigo 101.º do TFUE”. 6. Ou seja, a AdC entendeu condenar apenas a Fergrupo pela alegada participação num acordo de fixação de preços e de repartição de mercado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 9.º da LdC, bem como de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. 7. O artigo o art.º 73.º, n.º 2 é claro no sentido de estatuir que as pessoas coletivas respondem unicamente pelas contraordenações cometidas: a) em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) por quem atue sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 8. Em parte alguma se alude ao referido conceito de empresa, seja enquanto critério de imputação de responsabilidade contraordenacional, seja enquanto meio para garantia de uma maior eficácia na cobrança coerciva das coimas. 9. Inexiste, portanto, quer na Lei da Concorrência quer no Regime Geral das Contraordenações, norma legal que habilite a condenação das Comsas no pagamento solidário da coima. 10. A Recorrida não pode aceitar o salto lógico dado pela AdC para acolher na ordem jurídica portuguesa uma alegada extensão da imputação da responsabilidade da infração (que, repita-se não é o que alega a AdC) e/ou a alegada responsabilidade solidária da sociedade-mãe pelo pagamento da coima imputada à sociedade-filha. 11. Quer na Nota de Ilicitude, quer no Recurso, a AdC concluiu que não existe previsão explicita para imputação do comportamento ilícito das subsidiárias às sociedades-mãe. 12. O Tribunal a quo não incorre num erro de direito sobre a alegada responsabilidade das Comsas, nem relativamente à análise da alegada responsabilidade solidárias destas relativa à coima aplicada à Fergrupo. 13. O Tribunal analisou os fundamentos invocados pela AdC, verificado a sua aplicabilidade à luz (i) do ordenamento jurídico existente em Portugal e (ii) e com base no princípio da harmonização da interpretação das normas vigentes à luz a jurisprudência do TJUE, tendo percorrido todos os argumentos e alegados pressupostos invocados pela AdC para alegada responsabilidade solidária das Comsas. 14. Andou bem o Tribunal a quo ao pugnar pelo princípio da legalidade e da tipicidade e ao entender que “das normas invocadas pela AdC [artigo 3.º e 73.º da LdC e artigo 101.º do TFUE] não se alcança qualquer responsabilidade solidária no pagamento de coimas aplicadas pela prática de uma infração ao direito da concorrência por outra sociedade sua associada”. 15. Neste sentido, andou igualmente bem o Tribunal a quo ao considerar que, contrariamente ao que pretende a AdC, o Tribunal não pode recorrer à jurisprudência do TJUE para criar normas que não existem no ordenamento jurídico nacional e que extravasam o espírito do legislador. 16. Sem conceder, e no que respeita ao erro de direito quanto à interpretação sobre o nível de prova exigível, é pois cristalino que a presunção foi ilidida de forma suficiente pela Recorrida. 17. A prova testemunhal é, nada mais nada menos que a prova rainha em sede de julgamento, plenamente consagrada nos regimes processuais penais e contraordenacionais. A AdC pretende sim, transformar uma presunção ilidível numa presunção inilidível. 18. Por outro lado, referira-se a jurisprudência deste douto Tribunal no Acórdão de 14 de junho de 2017, no âmbito do processo n.º 36/16.0YUSTR.L1 19. O Tribunal da Relação de Lisboa, já afastou a aplicação da presunção mesmo num cenário em que não existiam dúvidas quanto à existência determinante da sociedade-mãe sob a sociedade filha. 20. Esta matéria concreta já foi analisada pelo TRL que decidiu não acolher a jurisprudência do TJUE relativa à responsabilidade da sociedade-mãe, a qual vai para além da tese da violação de um dever de garante e/ou vigilância da sociedade-mãe relativamente aos comportamentos das suas subsidiárias; como se observou a AdC pretende apenas fazer vingar a tese de que, à luz da jurisprudência do TJUE (aplicável aos processos de natureza administrativa da Comissão Europeia), uma qualquer sociedade-mãe pode ser responsabilizada, em Portugal, por uma infração cometida pela sociedade filha num processo de natureza contraordenacional. 21. Ou seja, o TRL afastou a aplicação da presunção num cenário em que não existiam dúvidas quanto ao facto de a Farminveste (sociedade-mãe) exercer uma influência determinante na sociedade-filha. 22. A Decisão do Tribunal não se funda no facto de a presunção ter sido/ou não ilidida, mas sim com base no entendimento que “em lado nenhum se descrevem condutas da Farminveste SGPS que consubstanciem a prática da infração” rejeitando, desta forma, a aplicação da tese do TJUE. 23. Qualquer configuração da responsabilidade contraordenacional com base apenas no dever de vigilância e garante da sociedade-mãe configuraria uma violação séria do princípio da legalidade e da tipicidade, nomeadamente, por violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da igualdade, e bem assim da intransmissibilidade das penas, consagrados, respetivamente, nos artigos. 1.º, 25.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 13.º da e 30.º, n.º 3 da CRP, todos aplicáveis em sede de ilícitos contraordenacionais. 24. O TRL reconduz sempre a análise à existência da prática de um facto (ou no limite omissão) pela sociedade-mãe, para logo concluir pela impossibilidade de responsabilização dessa sociedade em sede contraordenacional por uma infração da sociedade-filha. Sucede que no caso concreto a AdC nem sequer explora esta possibilidade (de omissão), limitando-se a concluir que as Comsas serão solidariamente responsáveis pela contraordenação (e coima) praticada pela Fergrupo pela simples razão de que detêm a quase totalidade do seu capital social. 25. Como resulta dos autos e consta da Sentença do TCRS, não só não ficou demonstrada a existência de uma influência determinante das Comsas sobre a Fergrupo, como também não constam da Decisão e/ou Sentença qualquer alusão a elementos de facto demonstrativos de que uma alegada omissão das pudesse ter contribuído para que a alegada infração ocorresse. 26. Tal significa que, contrariamente ao pretendido pela AdC, para responsabilizar a sociedade-mãe por uma conduta que alegadamente terá sido cometida exclusivamente pela sociedade-filha, não basta que se demonstre a possibilidade de exercício de controlo e/ou influência determinante sobre esta sociedade. 27. Em suma, é convicção da Recorrente que é mais do evidente a inconstitucionalidade das normas constantes do art.º 101.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, e bem assim do art.º 3.º da Lei da Concorrência, quando interpretadas e aplicadas no sentido de estabelecerem uma presunção ilidível segundo a qual uma sociedade-mãe que detenha 100% do capital social da sua subsidiária, exerce uma influência determinante no comportamento desta, admitindo que lhe seja imputado o respetivo comportamento ilícito, por violação dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da igualdade, e bem assim da intransmissibilidade das penas, consagrados, respetivamente, nos artigos 1.º, 25.º, n.º 1, 18.º, n.º 2, 13.º da e 30.º, n.º 3 da CRP, todos aplicáveis em sede de ilícitos contraordenacionais. 28. Por outro lado, a posição sustentada pela AdC no presente recurso apresenta sérias incongruências com a sua prática decisória bem como no desenho do novo regime jurídico da concorrência decorrente transposição da Diretiva 2019/1/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 para a ordem jurídica portuguesa. 29. Em decisões anteriores, a AdC não se bastou com a mera aplicação da referida presunção, buscando sempre factos que indiciem o exercício de uma influência determinante e, ainda, uma real intervenção na alegada infração, o que não sucedeu no presente caso. 30. Nestas, a AdC optou por não indiciar ou imputar a responsabilidade contraordenacional pela infração às sociedades-mãe dos grupos envolvidos, antes fazendo, uma imputação direta a cada Visada, demonstrando o seu envolvimento direto na infração. 31. Esta prática sim, mostra-se consentânea com a exposição de motivos e sugestão de alteração do atual regime jurídico da concorrência enviada pela AdC à Assembleia da República e ao Governo, na qual propõe que se adite ao artigo 73.º da LdC uma norma que, precisamente, passe a colmatar a lacuna existente na Lei e permitir a aplicação da jurisprudência do TJUE tal como previsto no considerando 46 e artigo 13.º, n.º 5 da Diretiva. 32. Por último, vem a AdC requerer nos termos do artigo 267.º do TFUE a formulação de 3 questões ao TJUE a título de reenvio prejudicial. 33. Não obstante, as questões formuladas pela AdC visam, pura e simplesmente e à semelhança dos Acórdãos invocados, aplicar ao caso sub judice a jurisprudência baseada na presunção de influência determinante para imputação da conduta à sociedade-mãe. 34. Todavia, este não foi o dispositivo da AdC, logo a questão controvertida do litígio não diz respeito à jurisprudência e questões prejudiciais formuladas pela AdC no seu Recurso. 35. Ora, sobre a questão de imputação da responsabilidade às sociedades-mãe, não existem dúvidas quanto aos fundamentos e princípios veiculados pelo TJUE para aplicação dessa mesma presunção, sendo os pressupostos conhecidos, claros e ausentes de qualquer dúvida que torne necessário e útil o requerido reenvio. 36. Inexiste sim, norma legal habilitante que permita a aplicação dessa jurisprudência na ordem jurídica portuguesa, mormente, pelos princípios constitucionais e legais escolhidos pelo legislador para nortear a aplicação do regime jurídico da concorrência. 37. Ou seja, a AdC pretende obter por via do reenvio prejudicial o resultado que a Constituição obriga que ocorra, em respeito pelo princípio da legalidade e da tipicidade, ope legis, através de Lei aprovada pela Assembleia da República. 38. Uma vez mais, a questão controvertida nos autos é substancialmente diferente daquela que a AdC visa esclarecer e totalmente distinta daquela que vem sendo discutida no âmbito da jurisprudência do TJUE. 39. A AdC vem, através do presente recurso e após ter esgotado a sua competência decisória, perpetrar uma tentativa de ampliar a questão controvertida com vista a alcançar a condenação das Comsas pela prática da infração e, em consequência, conduzir à aplicação da jurisprudência do TJUE relativa à imputação da infração cometida pela sociedade-filha à sociedade mãe e respetiva responsabilidade no pagamento, pela aplicação da presunção de exercício de uma influência determinante sobre a mesma sem previsão legal no ordenamento jurídico português. 40. Em suma, não estando a questão estabilizada no direito nacional, isto é, não existindo fundamento no atual ordenamento jurídico português para a possibilidade de imputação de responsabilidades às sociedade-mães por via da aplicação da presunção de exercício de uma influência determinante, um pedido de reenvio prejudicial com vista a esclarecer os pressupostos da aplicação dessa mesma presunção, constitui um mecanismo desnecessário e sem qualquer efeito útil na resolução do litígio. 41. Sendo a questão controvertida a “responsabilidade solidária pelo pagamento da coima” nos termos do artigo 73.º da LdC, constituiria igualmente, uma subversão e ampliação do objeto do recurso em causa, que iria para além do dispositivo proferido pela AdC em sede de Decisão Final. 42. Discorda a AdC da redução do montante das coimas aplicadas aos Recorridos Fergrupo e BB levada a cabo pelo Tribunal a quo, concluiu a AdC, em termos genéricos, que (i) por um lado, a sentença escudou-se numa formulação vaga e genérica, sem identificar em concreto os fatores atenuantes e não considerados pela própria AdC; (ii) por outro, a conduta da REFER/IP jamais se pode configurar como circunstância atenuante; e (iii) finalmente, ainda que se admitisse uma redução da coima, sempre se terá de considerar manifestamente excessiva. 43. Conforme devidamente fundamentado no seu recurso, os Recorridos consideram que – a não procederem os argumentos que conduziriam necessariamente a uma absolvição, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio – deve ser realizada uma redução drástica dos montantes das coimas, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao fixar em €600.000,00 o valor da coima única da Fergrupo e em €2.000,00 o valor da coima única do Recorrido BB. 44. Regressando ao recurso a que ora se responde, em primeiro lugar, a Autoridade refere uma suposta “formulação vaga e genérica” do Tribunal a quo (“[n]os fatores favoráveis às recorrentes supra referidos, não considerados por aquela”), para logo de seguida, sem qualquer dificuldade, elencar as circunstâncias que terão sido consideradas pelo Tribunal, a saber: ausência de antecedentes criminais; colaboração com a AdC e conduta da REFER/IP. 45. A conduta da REFER/IP é uma circunstância atenuante, aferida nos termos dos artigos 18.º do RGCO e 69.º da LdC. 46. A própria AdC reconhece que o artigo 69.º da LdC não encerra uma lista taxativa de fatores a ponderar, mas sim um elenco aberto, que admite o preenchimento com outras circunstâncias, como é necessariamente a conduta de um terceiro, in casu, da REFER/IP. 47. Embora o Tribunal a quo reconheça que a conduta da REFER/IP concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em questão, o certo é que daí não extrai nenhuma consequência de maior, mormente em termos de redução proporcional da coima. 48. A ponderação do Tribunal a quo pecou por defeito e não por excesso, ou seja, não se verificou qualquer ampliação das circunstâncias atenuantes (ex. conduta da REFER/IP), mas o inverso. 49. Por outro lado, a gravidade da conduta dos Recorridos foi aferida apenas por referência ao tipo de infração (in casu, por objeto, cuja refutação é uma verdadeira probatio diabólica), sendo irrelevantes outras circunstâncias atenuantes do caso. 50. O Tribunal a quo incluiu no critério da gravidade uma circunstância que, segundo o art.º 69.º da LdC, seria valorada autonomamente. Ou seja, o critério da dimensão do mercado afetado foi valorado duplamente para efeito de determinação da medida da coima, o que manifestamente não poderia suceder. 51. De todo o modo, é diminuta a dimensão do mercado afetado – e assim deveria ter sido considerada. 52. No que à duração das infrações diz respeito, o Tribunal a quo limitou-se a referir que as durações objetivas das infrações, não caracterizando as mesmas. 53. É manifesto que se trata de uma duração muitíssimo curta. 54. O critério da duração das infrações não foi considerado pelo Tribunal a quo para ponderação da redução da coima. 55. Os Recorridos haviam colocado expressamente à apreciação do Tribunal recorrido a questão da curtíssima duração das infrações, não tendo o mesmo apreciado, pelo que a decisão recorrida incorreu em omissão de pronúncia, padecendo de nulidade, nos termos e para os efeitos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP. 56. No que respeita às vantagens de que hajam beneficiado os ora Recorridos em consequência da infração, nem a AdC nem o Tribunal a quo calcularam ou identificaram quaisquer vantagens da alegada prática ilícita para os Recorridos. 57. Não existiram quaisquer vantagens. 58. A sentença recorrida, ao referir que não se apurou o lucro concreto extraído, e, do mesmo passo, que é certo que as empresas retiraram vantagens, padece do vício de contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, subsidiariamente aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. 59. Verificando-se uma dúvida razoável, sempre o Tribunal a quo deveria ter decidido em favor dos aqui Recorridos. Não o tendo feito, violou os princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência, em desfavor dos ora Recorridos. 60. A decisão padece de falta de fundamentação quanto à diferenciação das medidas da coima aplicadas à Recorrido Fergrupo e à também visada Somafel, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 374.º, n,º 2 do CPP, aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. 61. A determinação da medida concreta da coima viola o princípio da proporcionalidade e justiça relativa, na medida em que a coima determinada na sentença é largamente superior ao montante da coima que a AdC considerou adequado na fase administrativa em sede de discussão de transação, sem que tenham existido factos novos ou produzida qualquer prova adicional que pudesse alterar aquela primeira aferição. 62. Contrariamente ao defendido pela AdC, faz-se mister que as coimas parcelares e, consequentemente, a coima única, seja reduzida no seu montante. 63. A AdC reputa de errada a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo fez do artigo 71.º, n.º 1 da LdC. 64. A aplicação da sanção acessória prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea b) à Recorrida, ademais de ser desnecessária, desadequada e desproporcional, violaria os princípios da igualdade, da confiança e da boa-fé. 65. A sentença recorrida indica expressamente quais os fatores que tomou em consideração para absolver a Recorrida Fergrupo da sanção acessória em referência. 66. A aplicação da sanção acessória, mesmo que circunscrita à prestação de serviços de manutenção de via na rede ferroviária, via larga, teria um impacto real – percetível por qualquer pessoa – em termos de perda de postos de trabalho, danos sociais e económicos, como bem destacou o Tribunal a quo. 67. No seu recurso, a Autoridade procura, no âmbito da ponderação de aplicação de uma sanção acessória – que é isso mesmo, acessória –, mobilizar todos os critérios que já foram tidos em conta na (incorreta, na perspetiva da Recorrida) determinação da medida concreta da coima. 68. O facto de as empresas não apresentarem dificuldades económico-financeiras, o comportamento supostamente ilícito, o caráter sensível das restrições, ou a inexistência de comportamento com vista à eliminação das práticas restritivas da concorrência foram circunstâncias valoradas quer na determinação da medida da coima quer na não aplicação da sanção acessória. 69. Não existiu qualquer prejuízo para o erário público/consumidores, que, de resto, não foi calculado ou estimado pela AdC. Antes pelo contrário: a conduta da Recorrida foi sempre enformada por um elevado sentido de dever, com vista à manutenção da segurança ferroviária (não obstante as vicissitudes contratuais). 70. A AdC labora em erro quando pretende que a sanção acessória seja aplicada sem mais, quase como consequência direta e necessária da prática de uma contraordenação, ao arrepio do disposto no artigo 30.º, n.º 4 da CRP. 71. Declarar como puníveis determinados ilícitos contraordenacionais com sanção acessória não equivale a tornar obrigatória a sua aplicação a todos os casos de práticas restritivas da concorrência, e independentemente da sempre necessária análise casuística. 72. A Recorrida colaborou sempre de forma proactiva com AdC durante a fase de inquérito e de instrução, nomeadamente em sede de procedimento de transação, produzindo e fornecendo elementos adicionais à última para enquadramento e contextualização dos alegados comportamentos. 73. Aquando das negociações em sede de transação, e em concreto na minuta de transação, a AdC estando preparada para condenar a Fergrupo pela prática das mesmas duas infrações que agora se discutem, não deixou de manifestar de forma expressa que inexistiam razões para a aplicação da sanção acessória; as circunstâncias concretas do caso (factos e comportamento da ora Recorrida) não justificariam, tornando-a desnecessária, tal sanção acessória de privação de participação em concursos. 74. Entre a minuta de Transação e a Decisão final da AdC e a sentença sob recurso, inexistiram no processo novos elementos de facto ou de direito que justifiquem a dramática alteração operada pela AdC sobre a gravidade da conduta e culpa da aqui Recorrida. 75. Nenhuma das demais decisões de transação com as visadas F..., S.A., M..., S.A. ou N..., S.A. impôs aquela sanção acessória. 76. O agravamento do quadro sancionatório em referência constitui uma violação do princípio constitucional da proporcionalidade e da igualdade previstos nos artigos 13.º e 18.º da CRP e artigo 18.º do RGCO. 77. Os fins invocados para justificar a aplicação da sanção acessória já estariam largamente salvaguardados sem a aplicação da referida sanção. 78. Inexiste qualquer razão de tutela preventiva geral e especial que justifique tal aplicação. 79. Bem andou o Tribunal a quo ao absolver a Recorrida Fergrupo da sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, durante o período de 2 anos, inexistindo qualquer erro na interpretação do artigo 71.º, n.º 1 da LdC ou contradição insanável entre a fundamentação da sentença e a decisão de absolvição da Recorrida. * A AdC respondeu aos recursos apresentados pela Fergrupo e BB, Somafel, e AA, formulando as seguintes conclusões: A. Os recursos a que ora se respondem conjuntamente vêm interpostos da Sentença do TCRS que, na sua maioria, veio corroborar de facto e de Direito a Decisão administrativa impugnada, a qual foi adotada pela AdC, em 03.03.2020, nos autos do PRC/2016/6, mantendo a condenação dos Visados e aqui Recorrentes Fergrupo e Somafel, BB e AA, pela prática de duas contraordenações previstas e punidas que pelo n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º, ambos da LdC, bem como de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 101.º do TFUE 79. B. As Visadas e aqui Recorrentes Fergrupo e Somafel foram sancionadas pela AdC, na Decisão administrativa impugnada, por terem participado em dois acordos entre empresas, visando, quer a fixação do nível de preços, quer a fixação do nível de preços e a repartição do mercado, no âmbito dos concursos lançados pela Refer/InfraEstruturas de Portugal, para a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, para o período de 2015-2017, tendo cada um de tais acordos por objeto impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência. C. Os Visados e aqui Recorrentes BB e AA, por seu turno, foram sancionados pela AdC, na mesma decisão, pela prática, cada um deles, de dois ilícitos contraordenacionais, previstos e sancionados nos termos dos n.ºs 1 e 6 do artigo 73.º da LdC, pela contraordenação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º da mesma Lei, por terem tido conhecimento e participado ativamente, no período de 2014 e 2015, nas práticas ilícitas que são imputadas às empresas visadas Fergrupo e Somafel, respetivamente, nas quais ocupavam ou ocupam o cargo de membro do órgão de administração e direção e por não terem adotado qualquer diligência ou medida que impedisse as infrações ou lhe pusessem termo. D. Tendo a Decisão Final Condenatória da AdC sido objeto de impugnação judicial, o Tribunal a quo por sentença de 06.09.2021 – mediante uma cuidada análise dos elementos probatórios constantes dos autos, da factualidade daí resultante e dos argumentos da defesa – veio, na sua maioria, corroborar de facto e de Direito a Decisão administrativa impugnada proferida pela AdC nos autos do PRC/2016/6, mantendo a condenação dos Visados e aqui Recorrentes Fergrupo e Somafel, BB e AA. E. Quanto às sanções acessórias, manteve-se a condenação das Visadas e ora Recorrentes Fergrupo e Somafel na sanção acessória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC, e alterou-se a Decisão administrativa impugnada no sentido de as absolver da sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via durante o período de 2 (dois) anos. F. Na presente Resposta a AdC demonstrará, face ao acervo probatório assente e considerando o Direito aplicável, que se impõe a improcedência das tentativas constantes dos Recorrentes de inviabilização da prova, invocando a sua nulidade e a da Sentença que nela se suporta, recorrendo à alegação de violação de princípios consagrados na CRP e existência de vícios (i.e. o erro notório na apreciação da prova, a falta de fundamentação e omissão de pronúncia e a contradição insanável da fundamentação) para sustentar a revogação da Sentença recorrida – com o intuito de obter um novo escrutínio da matéria de facto (circunstância essa que, como não podem desconhecer, está vedada aos poderes de cognição deste Venerando Tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo 89.º da LdC e do n.º 1 do artigo 75.º do RGCO aplicáveis ex vi artigo 83.º da LdC). DA ALEGADA NULIDADE DA PROVA E DA SENTENÇA RECORRIDA – INVOCANDO A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DAS NORMAS CONTIDAS NA ALÍNEA C) DO N.º 1 DO ARTIGO 18.º E N.º 1 DO ARTIGO 20.º, DA LDC G. Os Recorrentes socorrem-se do Acórdão n.º 687/2021 recentemente proferido pelo Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva do artigo 17.º do Decreto n.º 167/XIV, para sustentar as nulidades oportunamente invocadas em sede de recurso de impugnação da Decisão administrativa impugnada – e já consideradas na Sentença recorrida. H. Várias razões de Direito – e inclusivamente outras decisões daquele mesmo Tribunal Constitucional – impedem, todavia, que assim seja: desde logo e no plano processual, porque a declaração de inconstitucionalidade de determinada norma em sede de fiscalização preventiva não tem qualquer consequência quanto à LdC atualmente em vigor e, em particular, para estes autos. I. A única consequência daquele acórdão é aquela que resulta do n.º 1 do artigo 279.º da CRP, ou seja, a devolução do Decreto n.º 167/XIV ao Presidente da República para veto e consequente devolução ao Governo. J. As normas com relevância para a temática da apreensão de correio eletrónico nos presentes autos (al. c) do n.º 1 do artigo 18.º, n.º 1 do artigo 20.º e artigo 21.º da LdC) não são as mesmas postas em crise naquele acórdão de fiscalização preventiva. K. Acresce que, seriam necessárias três decisões sobre as referidas normas do Regime Jurídico da Concorrência para que uma eventual declaração de inconstitucionalidade ganhasse força obrigatória geral (n.º 3 do artigo 281.º da CRP). L. As normas da LdC ao abrigo das quais foi emitido o mandado que autorizou a apreensão de correio eletrónico lido não viram, até à presente data, qualquer inconstitucionalidade declarada. Aliás, todas as decisões do Tribunal a quo e do Tribunal da Relação até ao momento apontam em sentido precisamente diverso (veja se o requerimento da AdC apresentado ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 165.º do CPP, com a ref.ª ...83, de 07.07.2021). M. Em segundo lugar, porque o circunstancialismo legislativo subjacente àquele Acórdão não é comparável com o dos presentes autos – e isso tem sido sucessivamente afirmado não só pelo Tribunal a quo mas como pelo próprio Tribunal da Relação de Lisboa. N. Com efeito, a jurisprudência do TCRS e do Tribunal da Relação de Lisboa tem entendido, de forma unânime, que a LdC prevê e regula especificamente a possibilidade da apreensão de correio eletrónico e, nesse sentido, fica expressamente afastada a aplicação subsidiária da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro). Nesse sentido, vejam-se as várias decisões referidas nas alegações de recurso da AdC, sobre a Decisão administrativa impugnada, entre as quais se destacam os dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, onde expressamente se afasta a aplicação da Lei do Cibercrime ao domínio do direito contraordenacional da concorrência. O. E nem se argumente, como sugerem os Recorrentes, que o Tribunal Constitucional tomou posição expressa quanto à exclusão do domínio contraordenacional da previsão do n.º 4 do artigo 34.º da CRP porque essa questão particular não foi objeto de análise: a fiscalização que lhe foi suscitada cingia-se ao processo penal. P. Em terceiro e último lugar, porque existem especificidades no direito da concorrência que reclamam uma solução diferente da adotada no Acórdão n.º 687/2021. Q. As diligências de busca, exame e apreensão previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º da LdC se cingem às instalações, terrenos ou meios de transporte das empresas, não estando pois aqui em causa diligências de busca a pessoas singulares82. Por seu turno, o núcleo do artigo 34.º da CRP parece reconduzir-se à intimidade da vida privada e à tutela da privacidade da pessoa singular. R. Sendo, pois, primeira ou primordialmente vocacionado para a proteção de informação fora desse contexto, isto é, de informação criada e produzida no contexto da vida empresarial, de informação criada, produzida e veiculada entre empresas. S. A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional e a doutrina nela citada, onde, a propósito das buscas às instalações das empresas, se acolhe esta diferenciação ou graduação de proteção entre a esfera de intimidade da vida privada e a esfera de privacidade de uma pessoa coletiva83. T. No sentido de excluir as pessoas coletivas da proteção constitucional do domicílio decorrente do artigo 34.º da CRP, ou pelo menos matizar o seu âmbito, propugnam igualmente Paulo Pinto de Albuquerque84 e Maria José Costeira85. Perfilhando orientação idêntica, pronunciou-se também o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, no seu Parecer n.º 127/2004 (referido pelos autores supra citados). U. Estando em causa as diligências de busca, exame e apreensão feitas tão-somente a empresas e às contas de email profissional dos seus colaboradores, na problematização sobre a conformidade constitucional da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, do n.º 1 do artigo 20.º e do artigo 21.º da LdC deve ser devidamente ponderada a dissemelhança da tutela concedida pela Lei Fundamental às pessoas singulares e às pessoas coletivas. V. Contextualizando o § 38 do acórdão citado pelos Recorrentes, não pode admitir-se a comparação do âmbito das buscas promovidas pela AdC ao “acesso indiscriminado (…) aos distintos planos da vida de cada pessoa”. A AdC não pesquisa os vários planos de cada pessoa. A AdC faz as suas pesquisas com recurso a palavras-chaves relacionadas como objeto da investigação, circunstância que afasta as comunicações do foro privado que os colaboradores possam manter na sua conta profissional. W. Como asseverou o Tribunal Constitucional naquele mesmo § 38, não se exclui que haja “casos objetiva e rigorosamente delimitados, claramente justificados, e mediante atuação de órgãos que assegurem uma intervenção isenta e imparcial, e um elevado grau de proteção dos direitos fundamentais afetados”. X. É caso para questionar-se se as infrações à LdC – cada vez mais sofisticadas e elaboradas na forma como são arquitetadas e no modo como os infratores se articulam entre si – não serão uns desses casos objetiva e rigorosamente delimitados e claramente justificados pela inexistência, em muitos desses casos, de qualquer outro meio de investigação idóneo para detetar e condenar a prática restritiva da concorrência. Y. A salvaguarda do “funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral” é uma incumbência prioritária do Estado com consagração constitucional (cf. alínea f) do artigo 81.º da CRP). Z. Ainda por referência ao § 38 daquele Acórdão, é ali feita referência à necessidade de intervenção isenta e imparcial de um juiz, nos tais casos que sejam objetivamente justificados. Esta preocupação conduz-nos a outra questão que afasta derradeiramente o processo contraordenacional da concorrência do âmbito daquela decisão. AA. Concretizando, uma das razões invocadas no acórdão relativamente à necessidade de reservar ao juiz de instrução criminal a autorização de apreensão de correio eletrónico reside na necessidade de salvaguardar um processo isento e imparcial, não permitindo que o mesmo órgão que investiga em processo penal (o Ministério Público) também autorize a possibilidade de obtenção daquele meio de prova. BB. Contudo, no processo contraordenacional da concorrência semelhante preocupação se encontra salvaguardada porquanto a entidade que investiga, acusa e instrui o processo (a AdC) não é a mesma a quem caberá autorizar as diligências de busca, exame e apreensão – função reservada ao Ministério Público e, alguns casos particulares, ao próprio Juiz de Instrução Criminal. CC. Esta separação orgânica, funcional e material de entidades acautela assim a necessidade de isenção, neutralidade e imparcialidade exigidas. DD. Na realidade o Tribunal a quo já teve oportunidade de salientar a propósito do papel do Ministério Público no domínio contraordenacional da concorrência, que se trata “(…) de uma autoridade judiciária (artigo 1.º al. b) do CPP), que “representa o Estado, defende os interesses que a lei determinar, participa na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exerce a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defende a legalidade democrática, nos termos da Constituição, do (…) e da lei”, gozando “de autonomia em relação aos demais órgãos do poder central, regional e local, nos termos da presente lei”, o que se caracteriza “pela sua vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas” no seu estatuto (vide artigo 1.º e 2.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto e artigo 3.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário )”86 [destacado e sublinhados da AdC]. EE. Retomando os presentes autos, claro está que a objetividade e imparcialidade aclamada pelo Tribunal Constitucional a propósito do princípio de reserva de juiz é salvaguardada pela solução da LdC, já que a autoridade que autoriza as diligências de busca, exame e apreensão é sempre distinta, neutra e isenta face àquela que requereu aquelas diligências e as posteriormente executou nos termos para os quais foi mandada. FF. A solução acomodada pelo Regime Jurídico da Concorrência acautela a preocupação manifestada pelo Tribunal Constitucional de “garantia adicional de ponderação dos direitos e liberdades atingidos no decurso da investigação ”87, discriminando-se quais as matérias em que as diligências podem ser autorizadas pelo Ministério Público e aqueloutras, de natureza mais sensível, que exigem a intervenção do Juiz de Instrução Criminal (cf. n.os 1 e 7 do artigo 19.º e no n.º 6 do artigo 20.º).88 GG. Igualmente pertinentes afiguram-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 596/2008 (também proferido a propósito da Lei n.º 18/2003), bem como o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.12.2020. HH. Não se retira assim qualquer subsídio daquela decisão suscetível de corroborar os vícios suscitados pelos Recorrentes relativos à prova eletrónica oportunamente apreendida no processo contraordenacional com a ref.ª ..., e que sustentaram a Decisão administrativa impugnada. II. Nada há, pois, a apontar na Sentença recorrida, secudando-se o sentido decisório constante das páginas 108 e 109 da referida Sentença.... JJ. Mais, sustenta a Sentença recorrida – que se companha - que, contrariamente aos argumentos invocados pelos Recorrentes, “não será aplicável ao processo de contraordenação concorrencial os artigos 17.º da Lei do Cibercrime, 179.º, n.º 1 e 269.º, n.º 1, al. d), do CPP, porque, desde logo, inexiste lacuna no NRJC que permita a aplicação subsidiária destas normas.” KK. Face a todo o exposto, impõe-se concluir, em linha com o que se conclui na Sentença recorrida, que a prova resultante das diligências de busca e apreensão realizadas pela AdC nas instalações das empresas visadas, das quais resultaram a apreensão de correspondência eletrónica diversa dos computadores de colaboradores daquela empresa, não é prova proibida em sede de processo contraordenacional e as diligências em causa não são ilegais, porquanto emanadas pela entidade com competência legitimada para tal, i.e. o Ministério Público. Pelo que, devem improceder as nulidades invocadas, bem como as inconstitucionalidades materiais suscitadas a esse respeito95. LL. E conclui-se, ademais, que o Acórdão n.º 687/2021 proferido pelo Tribunal Constitucional e ora invocado pelos Recorrentes não é idóneo a fazer a prova ou a alcançar a finalidade pretendida por estes, remetendo-se, no mais, para as razões de Direito e para a jurisprudência apresentadas pela AdC nas suas contra-alegações de recurso (secções II.2 e II.3). DA AUSÊNCIA DE VÍCIOS DA SENTENÇA RECORRIDA – POR ALEGADO ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E OMISSÃO DE PRONÚNCIA E CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO MM. No âmbito do direito contraordenacional existe uma via única de recurso restrita à matéria de direito, sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, de acordo com o regime previsto no artigo 89.º da LdC e nos artigos 73.º, 74.º, e 75.º do RGCO aplicáveis ex vi artigo 83.º da LdC. NN. A alegação dos Recorrentes reconduz-se a uma mera discordância da bondade da Sentença recorrida e a uma tentativa de obter interpretação diversa, razão pela qual não configura qualquer nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 379.º do CPP aplicável ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCO e 83.º da LdC. OO. Da Sentença resulta, com absoluta clareza, que os factos relevantes do processo sub judice constam da matéria de facto dada como provada e daquela dada como não provada, não recaindo sobre o Tribunal qualquer dever processual que imponha uma decisão sobre toda a factualidade (relevante ou não) alegada pelas Recorrentes. PP. O erro notório na apreciação da prova não deve confundir-se (e muito menos ser utilizada como forma de convocar a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto) com a mera discordância dos Recorrentes face à decisão sobre a matéria de facto, e/ou alegada insuficiência da prova para tal decisão96, que cabe no âmbito da livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo - é este o entendimento defendido pelo STJ97. QQ. Aplicando, aos presentes autos, as diretrizes da jurisprudência do STJ quanto ao erro notório na apreciação da prova, não sobejam dúvidas que não cabe recurso da Sentença recorrida, quando convocada a reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, por discordância dos Recorrentes face à decisão sobre a matéria de facto e/ou alegada insuficiência da prova para tal decisão, que cabe no âmbito da livre apreciação da prova pelo Tribunal a quo , devendo ser considerado improcedente argumentação expendida pelos Recorrentes. RR. O objeto do litígio, tal como, delimitado pela Decisão administrativa da AdC e pelas defesas dos Recorrentes ( i.e. das conclusões das respetivas impugnações judiciais) – thema decidendum – é robustamente analisado na fundamentação da Sentença, apresentando-se claro, racional e inteligível o iter decisório seguido pelo Tribunal a quo , sendo manifestamente improcedente a arguição da nulidade da Sentença por erro notório na apreciação da prova , nos termos do disposto no al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP. SS. Por outro lado, relativamente à arguição da nulidade da Sentença por falta de fundamentação, em violação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP aplicável ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCO e 83.º da LdC, é a mesma manifestamente improcedente. TT. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP é nula a sentença que não contiver as menções do n.º 2 do artigo 374.º do CPP – porém, na Sentença sub judice, não há qualquer omissão dos requisitos legais. UU. Contrariamente aos argumentos expendidos pelos Recorrentes, no caso concreto, da Fundamentação da Sentença (cf. pp. 157-217) consta o elenco dos factos provados (155 factos) e não provados (7 factos) com interesse para o objecto da causa, devidamente motivados – em estrito cumprimento do estatuído nos n.º 2 do artigo 368.º, n.º 4 do artigo 339.º e n.º 2 do artigo 374.º, todos do CPP aplicáveis ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCO e 83.º da LdC. VV. E, com relevo para os Recorrentes, os factos que lhe dizem respeito e se afiguram com interesse para a resolução do caso sub judice são, entre outros, os factos 1-3, 5-16, 23155. WW. Se os factos dados como provados não refletem as conclusões da impugnação da Decisão da AdC deduzida pelos Recorrentes, apenas uma conclusão se impõe: a de que o Tribunal a quo entendeu, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, que só ficaram provados os factos com relevância para o thema decidendum, que os mesmos se encontram vertidos na matéria de facto devidamente fundamentada e que acomodam as conclusões dos Recorrentes, ainda que não no sentido decisório por aqueles defendidos. XX. Assim se apresenta a indicação completa dos factos relevantes para a causa, acompanhados das respetivas provas, a par do exame crítico das mesmas e da motivação que forma a convicção do Tribunal – em tudo conforme o n.º 2 do artigo 374.º do CPP. YY. Sobre a fundamentação da Sentença propriamente dita, o acórdão do STJ de 21.03.2007, prescreve importantes diretrizes quanto à exigência de fundamentação (e melhor explanadas na Resposta supra), não subsistindo quaisquer dúvidas que na Sentença recorrida, se encontram enunciados, especificadamente, as provas e a valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas que serviram à convicção do Tribunal, permitindo, no contexto ambiental, do espaço e do tempo, compreender os motivos e a construção do percurso lógico, racional e intelectual que serviu de suporte da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum. ZZ. Assim sendo, o Tribunal a quo fundamentou, de facto e de direito, o envolvimento dos Recorrentes nas infrações em apreço, fazendo-se ainda referência à jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora que sendo adotada no âmbito do processo penal, consente aplicação aos processos contraordenacionais por maioria de razão, sendo, portanto, aplicável ao processo sub judice e, nesse sentido, também por aqui improcedendo a alegação de nulidade da Sentença por alegada violação do dever de conhecer os factos alegados pela defesa, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP aplicável ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCO e 83.º da LdC. AAA. Quanto à alegada omissão de pronúncia relativamente a factos não levados à Sentença, reitera-se que o que os Recorrentes pretendem, verdadeiramente, escrutinar, é a matéria de facto – a qual, pelas razões supra enunciadas, não pode ser objeto do presente recurso. BBB. Sem prejuízo e apenas por mero dever de patrocínio, sempre se diga que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que só há omissão de pronúncia quando o Tribunal se abstenha de responder a questões que tinha a obrigação/dever de decidir, e que não ficaram prejudicadas pela resposta dada a outras questões. CCC. Nesta categoria não se incluem os argumentos, opiniões e juízos dos Recorrentes que, por mais relevantes ou pertinentes que entendam ser, não os convola em questões do litígio a que o Tribunal a quo estava obrigado a levar à matéria de facto e a tomar uma decisão sobre as mesmas. DDD. Neste sentido, o recente entendimento proferido pelo TRL no sentido de que “a omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. O vocábulo legal – “questões” – não abrange todos os argumentos invocados pelas partes. Reporta - se apenas às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, às concretas controvérsias centrais a dirimir, vide, por todos 100”. EEE. Os factos invocados no recurso dos Recorrentes não poderiam redundar numa omissão de pronúncia porquanto o TCRS, como supra se demonstrou, tomou posição sobre todos os factos relevantes para a causa, acompanhados das respetivas provas, a par do exame crítico das mesmas e da motivação que forma a convicção do Tribunal. FFF. Não existe qualquer omissão de pronúncia nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP conquanto a Sentença contém as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º do CPP (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, a contrário). GGG. Refere o Tribunal da Relação de Évora que: “Se a sentença não enumera factos, que, na perspectiva do recorrente, resultaram da discussão da causa e tinham relevância para a decisão, essa omissão não pode ser suprida por uma reapreciação da prova pelo tribunal de recurso. Não foi essa a solução processual querida pelo legislador. A motivação do recurso não é o meio adequado para introduzir factos novos no objeto da ação penal 101”. HHH. Também daqui decorre ser improcedente a alegada omissão de pronúncia e, pelas razões expostas, deve ser considerado como tal pelo Venerando Tribunal. III. No que respeita à alegada contradição insanável da fundamentação, saliente-se que a contradição pode emergir i) entre factos contraditoriamente provados entre si; ii) entre os factos provados e os não provados; e/ou iii) entre a fundamentação e a decisão – e nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP a contradição insanável pode constituir fundamento do recurso, “ desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ”. JJJ. Aplicando aos presentes autos as diretrizes da jurisprudência do STJ102 quanto à verificação do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não subsistem dúvidas de que na Sentença recorrida, não existe qualquer contradição quer “na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.” KKK. Contrariamente aos argumentos expendidos pelos Recorrentes, no caso concreto, não se encontra na Fundamentação da Sentença, designadamente entre o elenco dos factos provados (em particular, cf. parágrafos 142-148; páginas 196 a 198) e não provados (cf. parágrafos a. a g., páginas 199 a 200) qualquer contradição, ou “ posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão” – pelo contrário, constata-se uma absoluta concordância entre eles. LLL. Do mesmo modo, também não consta do texto da Sentença recorrida qualquer contradição entre a fundamentação de facto e de Direito (cf. elenco dos factos melhor identificado no parágrafo anterior, e sintetizada nas páginas 207-209, e páginas 238 e 247, respetivamente) e entre aquela e a decisão (cf. pp. 271-273), na medida em que, através de um raciocínio lógico, e no âmbito da livre apreciação da prova pelo Tribunal a q u o , é manifesta a concordância entre os meios de prova invocados na fundamentação, com base nos factos dados como assentes, e a decisão que consta do dispositivo da Sentença recorrida – condenando os Recorrentes “[p]ela prática de uma contraordenação, prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. a), artigo 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012, de 08 - 05 e no artigo 101.º, n.º 1 do TFUE ” e “[p] ela prática de um contraordenação, prevista e punida nos artigos 73.º, n.ºs 1 e 6 e 68.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 19/2012 (consoante se trate, respetivamente, de empresa visada ou de titular de órgãos de administração e/ou direção visado). MMM. Por pertinente para a presente questão, remete-se para o que acertadamente concluiu a Sentença recorrida, no que respeita à ponderação dos factos provados, de natureza subjetiva (sobre os quais se centra a argumentação expendida pelos Recorrentes) – cfr. páginas 207,209 e, para a fundamentação de direito a página 217 e 238. NNN. Daqui resulta que a argumentação expendida pelos Recorrentes não poderia redundar numa contradição insanável da fundamentação porquanto o TCRS tomou posição absolutamente concordante sobre todos os factos (provados e não provados) e, bem assim, entre a fundamentação e a decisão, acompanhando o sentido do exame crítico das provas constantes dos autos, e da motivação que formou a convicção do Tribunal a quo – que foi perentório em concluir que as infrações foram praticadas com dolo direto (p. 261 da Sentença recorrida). OOO. É que, uma vez mais, o que os Recorrentes pretendem, verdadeiramente, é escrutinar a matéria de facto – a qual, pelas razões supra enunciadas, não pode ser objeto do presente recurso. PPP. Saliente-se ainda, por relevante para a presente questão que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, e como melhor resulta da matéria de facto considerada provada na Sentença recorrida e da subsunção da matéria de facto ao Direito (designadamente, nas pp. 255 e 226), as infrações objeto dos autos são consideradas muito graves, traduzindo-se num “ acordo de fixação do nível dos preços e num acordo de repartição do mercado e de fixação do nível dos preços , entre as empresas visadas, com o objeto de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível , ou seja, em restrição à concorrência horizontal de tipo “ cartel ”, o que pode afetar de forma especialmente grave o bom funcionamento do mercado. Com efeito, as práticas adotadas permitiram às empresas visadas reduzir a incerteza quanto ao comportamento futuro das suas concorrentes, alterando assim as condições concorrenciais no mercado, mediante prévia divulgação e articulação da sua estratégia e da conduta comercial de cada uma das empresas visadas. Acresce que, como se evidenciou, as infrações em causa afetam todo o território de Portugal Continental, representando empresas visadas conjuntamente, à data dos factos que consubstanciam as infrações em causa, a totalidade da oferta do mercado em causa.” QQQ. As alegações dos Recorrentes reconduzem-se a uma mera discordância do sentido decisório (coeso) da Sentença recorrida, e a uma tentativa de obter, por via do recurso, interpretação e valoração diversa dos factos e dos elementos trazidos para os autos, razão pela qual não configura qualquer nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 379.º do CPP aplicável ex vi n.º 1 do artigo 41.º do RGCO e 83.º da LdC. RRR. Pelo que, também daqui decorre ser improcedente a alegada contradição insanável da fundamentação e, pelas razões expostas, deve ser considerado como tal pelo Venerando Tribunal. A INEXISTÊNCIA DE ERRO DE DIREITO, NA APRECIAÇÃO DO FUNDAMENTO DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA, DA PROPORCIONALIDADE E DA IGUALDADE SSS. Reiterando os argumentos já oportunamente expostos nos seus recursos de impugnação da Decisão administrativa, sustentam os Recorrentes que a coima que, a final, lhes foi aplicada na Decisão administrativa impugnada representa um agravamento muito significativo, infundado e injustificável face às condições constantes da minuta de transação que lhes havia sido notificada pela AdC. TTT. Na Sentença sub judice o TCRS expressou, de forma clara e acertada, o sentido da sua apreciação sobre a argumentação expendida pelos Recorrentes, remetendo-se nesse sentido para as páginas 248 e 249 da Sentença recorrida, bem como para as páginas 252 e 253. UUU. A Sentença vem, por conseguinte, confirmar o sentido da jurisprudência e da fundamentação de Direito enunciados na resposta da AdC104 aos argumentos aduzidos pelos Recorrentes nos seus recursos de impugnação da Decisão administrativa, sustentando, por um lado, que a AdC não se encontra vinculada aos termos da minuta de transação (quando não se convole em decisão definitiva condenatória); e, ainda que, atentas as circunstâncias do caso concreto, e ponderados os valores e princípios em causa, improcedem os argumentos dos Recorrentes quanto à violação dos princípios da confiança legítima, da igualdade e da proporcionalidade. VVV. Ou seja, as alegações dos Recorrentes reconduzem-se a uma mera discordância do sentido decisório (coeso) da Sentença recorrida, e a uma tentativa de obter, por via do recurso, ponderação diversa dos argumentos trazidos pelos Recorrentes, razão pela qual não configura qualquer erro de direito, e nem omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, nem a Sentença padece de qualquer nulidade, nos termos e para os efeitos do art.º 379.º, n.º 1, al. c) do CPP – como invocado pelos Recorrentes105. No mais, remete-se para a já exposta jurisprudência e fundamentação de Direito (cf. capítulo anterior), sobre a inexistência de qualquer nulidade e/ou omissão de pronúncia e/ou falta de fundamentação, decorrente do texto da Sentença recorrida. WWW. Pelo que, também daqui decorre ser improcedente o alegado erro de direito e, pelas razões expostas, deve ser considerado como tal pelo Tribunal ad quem . XXX. Importa referir ainda que é jurisprudência uniforme do TJUE que o procedimento de transação é um procedimento alternativo e totalmente distinto do processo ordinário, com caraterísticas e regras específicos. YYY. Desde logo, nos termos do artigo 27.º da LdC, na fase de instrução, o procedimento de transação parte da iniciativa das Visadas, que devem apresentar a sua proposta de transação à AdC. Quer isto dizer que serve essencialmente aqueles casos em que as Visadas optam por confessar os factos e reconhecer a sua responsabilidade na infração em causa, pondo fim ao processo e, em contrapartida, obter uma redução da coima. ZZZ. Por outro lado, sempre que a empresa não apresentar uma proposta de transação ou quando os esforços para concluir a transação falharem, aplica-se o procedimento ordinário, que é regulado pelas suas próprias regras, e não pelas regras da transação. AAAA. No procedimento ordinário, os visados contestam os factos apurados pela AdC e a sua interpretação da prova, tendo a possibilidade de esgotar todos os prazos à sua disposição até à decisão final. Por último, neste procedimento a AdC encontra-se unicamente vinculada pela nota de ilicitude (“NI”), que não estipula o valor concreto das coimas a aplicar, devendo ao longo do procedimento tomar em consideração os elementos novos levados ao seu conhecimento. BBBB. No presente caso, as Recorrentes Fergrupo e Somafel apresentaram, cada uma, uma proposta de transação, cujos termos incluíam o valor da coima a que as Visadas se propunham sujeitar. Estas propostas foram avaliadas e aceites pela AdC. Contudo, nenhuma das Visadas chegou a confirmar a minuta de transação, pelo que o procedimento ordinário seguiu o seu curso, conforme as disposições que o regulam, não podendo os termos das transações malogradas constituírem qualquer critério, garantia ou referência suscetíveis de condicionar o procedimento ordinário. CCCC. Concretizando, os termos incluídos na minuta de transação não representam nem podem representar informações precisas, incondicionais e concordantes fornecidas pela AdC, na medida em que os mesmos apenas se aplicariam caso a Minuta de Transação fosse confirmada pelas ora Recorrentes e se convolasse em decisão definitiva condenatória. DDDD. Não o tendo feito, o processo ordinário que conduz à adoção de uma decisão pela AdC (como a Decisão administrativa impugnada) segue o seu curso, sendo regulado pelas suas próprias disposições, o que significa que as Minutas de Transação ficaram sem efeito, incluindo no que respeita ao montante das coimas proposto pelas Recorrentes. EEEE. Pelo exposto, facilmente se conclui que a minuta de transação em nada condiciona tal decisão administrativa, improcedendo – como confirmado na Sentença recorrida – o argumento das Recorrentes quanto à violação do princípio da confiança legítima e da boa-fé, no presente caso. FFFF. É que o princípio da confiança legítima inscreve-se entre os princípios fundamentais da União Europeia106, sendo reconhecido a qualquer operador económico em cuja esfera a administração tenha feito surgir esperanças fundadas, por garantias precisas que lhe tenha dado107. Constituem garantias como essas, qualquer que seja a forma pela qual são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis108. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação desse princípio na falta de garantias precisas fornecidas pela administração109. GGGG. No que respeita ao princípio da igualdade, salienta-se que, tal como verificado na Sentença recorrida, este tem assento constitucional e europeu. De acordo com a jurisprudência do TJUE, o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, a não ser que esse tratamento seja objetivamente justificado. HHHH. Reitera-se, pois, que nos procedimentos de transação que culminaram com as decisões finais em relação às empresas N..., S.A., M..., S.A. e F..., S.A., a AdC, no uso do seu poder de apreciação, avaliou as propostas apresentadas por estas empresas com base no contexto específico e no momento da sua apresentação, sendo que estas vinculam exclusivamente as respetivas proponentes. IIII. Quer isto dizer que as conclusões alcançadas em sede do procedimento de transação quanto àquelas empresas não são (e não devem ser) necessariamente transponíveis para a Decisão administrativa adotada pela AdC quanto às Recorrentes Somafel e Fergrupo: trataram-se de desfechos processuais distintos que, por via dessa diferença, requerem, por força do aclamado princípio da igualdade, tratamento distinto. JJJJ. Acresce que o procedimento de transação pressupõe a admissão dos factos, assim como a assunção da responsabilidade pelas empresas que nele participam, o que se traduz numa redução das necessidades de prevenção especial inerentes à condenação e aplicação de sanções a estas Visadas. KKKK. Ademais, a AdC notificou as Recorrentes das respetivas minutas de transação, em termos equiparados às restantes envolvidas nas infrações em causa no presente processo. No entanto, estas optaram por não confirmar estas minutas, razão pela qual o procedimento de contraordenação correu os seus termos ordinários. LLLL. Em sede do procedimento contraordenacional, a AdC apenas se encontra vinculada pela Nota de Ilicitude, a qual já previa que se seguissem as Linhas de Orientação sobre coimas, nos termos do n.º 8 do artigo 69.º da LdC, assim como a aplicação as sanções acessórias em causa no presente caso. MMMM. Assim sendo, a moldura sancionatória não resulta de um juízo arbitrário e discriminatório por parte da AdC, nem tão pouco se pode concluir que esta teve a intenção de punir as Recorrentes por se terem retirado do procedimento de transação. NNNN. No que respeita ao princípio da proporcionalidade, cumpre sublinhar que, em sede do procedimento ordinário, a AdC tem a possibilidade de determinar responsabilidades e assim aplicar as sanções que considere adequadas, proporcionais e necessárias à infração em causa, não se encontrando vinculada por nada mais do que o exposto na Nota de Ilicitude. OOOO. Logo, quaisquer soluções adotadas nas minutas de transação das outras visadas não se transpõe necessariamente para a Decisão administrativa a adotar pela AdC, uma vez que têm em consideração um contexto específico e o momento da sua apresentação. PPPP. Assim sendo, é jurisprudência assente do TJUE que: “ o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições não ultrapassem os l imites do que é apropriado e necessário para atingir o objetivo pretendido (acórdãos de 13 de novembro de 1990, Fedesa e o., C ‑ 331/88, Colet., EU:C:1990:391, n.° 13; de 5 de maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C ‑ 180/96, Colet., EU:C:1998:192, n.° 96; e de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T ‑ 30/05, EU:T:2007:267, n.° 223).” 110 QQQQ. No caso em apreço, o objetivo da AdC é o de salvaguardar um valor de inegável relevo: a concorrência, ou seja, assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, que constitui a principal componente de uma economia de mercado e a base dos mecanismos de defesa da concorrência (cf. alínea f) do artigo 81.º da CRP). RRRR. Para esse efeito, uma vez apurados e analisados todos os elementos decorrentes dos autos, e tomando em consideração as circunstâncias aplicáveis ao caso em apreço, i.e., a gravidade das infrações em causa, a culpa das visadas destinatárias da Decisão administrativa que praticaram as duas infrações – ora Recorrentes – assim como as exigências de prevenção geral e especial, a AdC considerou que se justificava a aplicação do montante da coima em causa para cada uma das Recorrentes, assim como as duas sanções acessórias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC. SSSS. E entendeu nesse sentido dada a gravidade das infrações cometidas, ou seja, dois acordos horizontais de tipo “cartel”, que se traduziram na coordenação de condutas com o objetivo de repartir o mercado e fixar o nível de preços. TTTT. Em suma, o que não se pode aceitar é que empresas com possibilidade de terem transigido nos presentes autos nos termos determinados pela LdC, tenham recusado essa possibilidade e, agora, em sede de impugnação da Decisão Final invoquem um pretenso direito de verem refletido na decisão condenatória, os termos, condições e benefícios discutidos estritamente em sede de negociações com vista à transação. UUUU. Não pode pois retirar-se outra conclusão quanto à atuação da AdC se não a de que esta agiu com cautela e adequação durante todo o procedimento relativamente às Recorrentes, sendo o montante da coima e as sanções acessórias aplicadas adequadas, necessárias e proporcionais às infrações cometidas pelas Recorrentes, pelo que este argumento também não pode proceder – remetendo-se, no mais, para as razões de Direito e para a jurisprudência apresentadas pela AdC nas suas contra-alegações de recurso (secção II.4). VVVV. Recorde-se que, no processo de contraordenação, a coima tem um fim de prevenção especial negativa, isto é, visa evitar que o agente repita a conduta infratora e, igualmente, um fim de prevenção geral negativa, ou seja, visa evitar que os demais agentes tomem o comportamento infrator como um modelo de conduta111. WWWW. Em síntese, e nos termos da lei aplicável, e no âmbito do processo ordinário, estes fins devem ser alcançados em função, nomeadamente, dos critérios enunciados no artigo 69.º da LdC (conforme listados supra ). XXXX. E, apesar de o Tribunal se ter distanciado da decisão da AdC na determinação concreta das coimas parcelares e na coima única, quanto aos seus valores, não demonstrou censura na ponderação crítica feita pela AdC relativamente aos critérios de determinação da medida concreta da coima, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º do RGCO, em função dos critérios previstos no artigo 69.º da LdC. YYYY. Assim, e como corroborado pelo Tribunal (pp. 252 e ss.) a AdC pode determinar responsabilidades e aplicar as sanções consideradas adequadas, proporcionais e necessárias à infração em causa. ZZZZ. Nos termos do n.º 2 do artigo 69.º da LdC, no caso das contraordenações em causa nos presentes autos, as coimas parcelares aplicadas não poderiam exceder 10% do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à Decisão administrativa impugnada. AAAAA. Tal como igualmente detalhado na Sentença recorrida (pp. 247 e ss.), as coimas aplicadas pela AdC a cada uma das empresas ora Recorrentes correspondem aos seguintes valores, que se traduzem nas seguintes percentagens dos respetivos volumes de negócios - representando um valor médio de 2,5%, e em que nenhuma delas excede 3,6% - estando, por conseguinte, amplamente afastadas do limiar de 10%: BBBBB. Os valores percentuais concretamente aplicados pela AdC foram todos inferiores a 3,6%, sendo sempre manifestamente inferiores ao teto máximo de 10% previsto no n.º 1 do artigo 69.º da LdC. CCCCC. Desse modo, atendendo aos pressupostos estabelecidos no artigo 19.º do RGCO (melhor descritos no Capítulo I. supra ), em conjugação com os limites definidos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 69.º da LdC, a AdC aplicou, para cada um dos Visados e aqui Recorrentes, uma coima única correspondente à soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso, respeitando plenamente a limitação do n.º 2 do artigo 19.º do RGCO, i.e. do “dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso”, que, no caso das empresas Visadas, corresponde a 20% do volume de negócios referente ao exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela AdC; e no caso dos Visados/pessoas singulares, 20% da respetiva remuneração anual auferida pelo exercício das suas funções na empresa infratora, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida. DDDDD. Nestes termos, aquilo que se pede a este Tribunal ad quem é que confirme, na íntegra, as coimas aplicadas pela AdC na Decisão administrativa impugnada, que visam alcançar as finalidades de prevenção especial e geral. EEEEE. Todo o exposto a respeito das empresas Visadas e ora Recorrentes, deve considerarse, por razões de economia processual, extensível aos também Recorrentes/pessoas singulares, remetendo-se no mais, para a análise vertida na subsecção 3.8.3.1 da Decisão administrativa impugnada, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 73.º da LdC, e nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 69.º da mesma Lei. * A Somafel respondeu ao recurso apresentado pela AdC, formulando as seguintes conclusões: 1. Versa a presente resposta sobre o recurso interposto nos autos pela AdC, por via do qual veio a Autoridade, para o que aqui releva, manifestar a sua discordância face à Sentença Recorrida (i) na parte em que o TCRS decidiu reduzir a coima fixada pela Autoridade e (ii) na parte em que decidiu revogar a sanção acessória de inibição de participação em procedimentos de formação de contratos de natureza pública pelo período de dois anos, aplicada na Decisão Administrativa, por, no seu entendimento, a mesma padecer de contradições insanáveis entre a sua fundamentação e aquelas decisões de redução da coima aplicada e de revogação daquela sanção acessória nela plasmadas e, além disso, de interpretações erradas das disposições contidas nos artigos 69.º e 71.º da LdC e 18.º e 19.º do RGCO. 2. A Somafel interpôs igualmente recurso da Sentença Recorrida, o qual |>mantém integralmente, não sendo o mesmo, por qualquer forma, prejudicado pela presente resposta. 3. Não obstante o alegado pela Somafel no seu recurso, e em particular a sua discordância do sentido decisório quanto à coima aplicada, certo é que o recurso da AdC não deve ser julgado procedente, por carecer, pelo menos no que às sanções diz respeito, de qualquer fundamento. Da redução da coima aplicada pela AdC 4. Ao contrário do sustentado pela Autoridade no seu recurso, não existe contradição (muito menos insanável) entre a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para justificar a redução da coima aplicada pela AdC, nem tampouco o TCRS incorreu em erro de direito na interpretação e aplicação conjugada das disposições dos artigos 69.º da LdC e 18.º e 19.º do RGCO, razão pela qual a Sentença Recorrida não padece, nesta parte, de qualquer dos vícios que lhe vêm apontados pela Autoridade no recurso objeto de resposta e, consequentemente, deve o pedido de revogação da Sentença Recorrida, nas partes em que decide reduzir a coima aplicada pela AdC à Somafel na Decisão Administrativa, ser julgado improcedente. Senão, vejamos: 5. O Tribunal a quo afirma, de forma cristalina, ter-se distanciado da posição da AdC constante da Decisão Administrativa quanto à determinação concreta das coimas fixadas, na medida em que entendeu ser de relevar, por um lado, “de forma diversa os fatores considerados nessa operação” e, por outro lado, alargar esses fatores “a outros que não haviam sido ponderados naquela decisão”. 6. Assevera o Tribunal a quo, designadamente, e com pleno suporte na matéria de facto considerada provada na Sentença Recorrida, que “[q]uanto ao grau de participação das empresas visadas, as mesmas intervieram ativamente, enquanto autoras das infrações em causa, reconhecendo-se, contudo, que a FERGRUPO, através de BB, teve um papel mais ativo do que a SOMAFEL, de que são expressão, por um lado, os e-mails referenciados nos factos provados e, por outro, a não representação da SOMAFEL em todas as reuniões realizadas”, evidenciando o seu afastamento face à ponderação da AdC transposta para a Decisão Administrativa, o que não surpreende porquanto ressalta da fundamentação oferecida na Decisão Administrativa que a Autoridade não relevou minimamente as manifestas diferenças existentes entre as condutas das Visadas, particularmente no que respeita ao seu grau de envolvimento na infração imputada. 7. Mais entendeu o Tribunal a quo ser de valorar distintamente o facto de ambas as empresas serem primárias, “não lhes sendo conhecidos quaisquer antecedentes contraordenacionais jusconcorrenciais, tendo colaborado com a AdC, conforme a mesma reconhece na decisão em crise”, tendo o TCRS entendido que o facto de a Somafel ser primária e o facto de a mesma ter colaborado com a Autoridade no âmbito do processo não haviam sido adequada e suficientemente ponderados por esta última aquando da fixação da coima concretamente aplicável às Visadas e, consequentemente, decidiu, no âmbito dos seus poderes jurisdicionais, valorar essas duas circunstâncias de forma mais favorável às Visadas do que aquela que resultava da ponderação que a Autoridade havia efetuado na Decisão Administrativa. 8. Em sentido oposto ao que parece vir sufragado pela AdC, o Tribunal a quo não se encontrava limitado pelo teor da Decisão Administrativa na apreciação das coimas aplicadas pela Autoridade. Efetivamente, o TCRS não estava (nem poderia estar) por qualquer forma impedido de valorar de forma distinta os fatores que a AdC já havia ponderado para efeitos de determinação concreta das coimas que decidiu aplicar na Decisão Administrativa. 9. Ao contrário do que alega a Autoridade, o Tribunal a quo não tinha de fazer constar do elenco de factos provados a conclusão de “que a conduta da IP/REFER tenha induzido, obrigado e/ou concorrido na conduta adotada pelas empresas visadas”. Desde logo porque, em rigor, a análise do impacto da conduta da REFER/IP na conduta das Visadas assume natureza conclusiva e não propriamente fática, tratando-se de uma conclusão extraída pelo Tribunal da apreciação que fez da matéria de facto dada como provada no seu conjunto e, bem assim, da prova carreada para os autos, o que não obsta, de modo algum, à sua valoração pelo TCRS. 10. Conforme vem melhor demonstrado nas motivações da presente resposta supra, não só resulta evidente do texto da Sentença Recorrida que a conclusão do Tribunal a quo quanto ao impacto da conduta da REFER/IP na conduta das Visadas tem suporte factual, como dele ressalta igualmente cristalino o modo como tal conclusão foi por si alcançada, bem como o modo como a mesma foi apreciada, tendo sido claramente atribuído àquele impacto da conduta da REFER/IP natureza atenuante em consequente da sua ponderação no quadro da apreciação da culpa das Visadas, não estando em causa, como parece sustentar a AdC, um critério que escape ao elenco dos artigos 69.º, n.º 1 da LdC e 18.º do RGCO. 11. A jurisprudência citada pela AdC para rejeitar a ponderação da conduta da REFER/IP como fator de redução da coima não é aplicada para efeitos de atenuação mas sim apenas para efeitos da não aplicação do direito da concorrência a uma determinada conduta. Para além disso, resulta das suas próprias Linhas de Orientação sobre fixação de coimas que “[a] Autoridade da Concorrência considera também as circunstâncias atenuantes, designadamente: (i) o facto de o comportamento anticoncorrencial ter sido autorizado ou incentivado por entidades públicas ou regulamentação (…)” – cfr. § 33 das LdO. 12. Apesar de a Autoridade afirmar no seu recurso que o impacto da conduta da REFER/IP na conduta das Visadas foi objeto de ponderação na Decisão Administrativa, o que se verifica é que apenas o terá sido no âmbito da “alegada justificação dos acordos e respetiva apreciação pela Autoridade” (secção 3.2.6 da Decisão Administrativa. § 870) e não em sede de determinação das sanções (tratada na secção 3.5 e, mais concretamente, na secção 3.5.1.3 da referida Decisão), tendo o Tribunal a quo entendido, e bem, que também para este efeito devia aquele impacto ser valorado. 13. A coima aplicada à Somafel na Sentença Recorrida (fixada em € 640.000,00) não contende com o limite previsto no artigo 69.º, n.º 2 da LdC nem com o disposto no artigo 19.º do RGCO, tendo o Tribunal a quo explicitado sobejamente na Sentença Recorrida a forma como fez funcionar o mecanismo previsto naquele artigo 19.º do RGCO, aplicável ao presente caso por via da remissão contida no disposto no artigo 13.º, n.º 1 da LdC. Isto sem prejuízo de a Somafel entender, como alegado no seu recurso, que ainda assim a coima aplicada é demasiado elevada e não tem justificação. 14. Em qualquer caso, o que extensivamente ressalta das motivações da presente resposta supra é que a Autoridade não identifica no seu recurso, como lhe cabia, quaisquer contradições propriamente ditas em termos que possibilitem a sua apreensão, nomeadamente explicitando os motivos que entende determinarem a existência de uma qualquer contradição e em que medida tal contradição se verificaria e, além disso, comprometeria as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo. 15. Como devidamente salientado pela Somafel no seu recurso e, em termos mais sintéticos, nas motivações de resposta supra, a Sentença Recorrida, a sofrer de erro de Direito, não é seguramente em virtude da redução de coima nela efetuada, mas sim em consequência de ter tomado como ponto de partida para tal redução o montante de coima aplicado pela AdC e não aquele que resultou do procedimento de transação, assim violando, os princípios gerais de Direito da União Europeia e do direito nacional, da confiança legítima, da boa fé e da igualdade de tratamento entre visadas no que respeita à determinação da coima aplicada – este último em consequência da diferenciação entre Visadas em matéria que não se limita às especificidades inerentes ao procedimento de transação, como seria o caso da aplicação do coeficiente de redução por recurso ao mecanismo de transação. Da revogação da sanção acessória 16. À semelhança do que se verifica em relação à redução de coima operada na Sentença Recorrida, não existe contradição (muito menos insanável) entre a fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para justificar a revogação da sanção acessória aplicada pela AdC, nem tampouco o TCRS incorreu em erro de Direito na interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 71.º da LdC, razão pela qual deve o pedido da AdC de revogação da Sentença Recorrida, na parte em que decide pela revogação, por desproporcional, da sanção acessória prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea b) da LdC e aplicada à Somafel na Decisão Administrativa, ser julgado improcedente. Vejamos porquê. 17. Como vem evidenciado nas motivações supra, da leitura da Sentença Recorrida resulta manifesto que o Tribunal a quo procedeu, como lhe competia, à efetiva apreciação, no caso concreto, da verificação dos critérios legais previstos pelo legislador no artigo 71.º, n.º 1 da LdC para a aplicação da sanção acessória em crise e, além disso, ponderou inegavelmente a proporcionalidade da sua aplicação concreta à Somafel, tendo concluído que a aplicação de tal sanção não se justifica. 18. Para efetuar aquela ponderação de proporcionalidade no caso concreto o Tribunal a quo não tinha de dar como provada a perda de postos de trabalho nas respetivas empresas como consequência da eventual aplicação da sanção acessória, como pretende a Autoridade, antes tendo legitimamente recorrido, mais uma vez, a uma conclusão que alcançou em resultado da sua apreciação da matéria de facto considerada assente e da prova recolhida, bem como (e sobretudo) de um seu juízo de prognose manifestamente suportado nas regras da lógica e da experiência comum, tal como vem evidenciado nos excertos da Sentença Recorrida transcritos nas motivações supra. 19. A Autoridade, no seu recurso, ignora (com particular infelicidade) que o impacto da efetivação da sanção acessória se verifica em termos inegavelmente distintos consoante ocorra em “contextos pandémicos” ou não, sendo que, como salienta o TCRS na Sentença Recorrida, a existência ou não de um “contexto pandémico” como aquele que vivemos há aproximadamente 2 anos para efeitos da análise do potencial impacto dos efeitos da aplicação da sanção acessória em crise na realidade de uma empresa nacional não é irrelevante e indiferente, não podendo, como pretende a AdC, ser tratado como tal. 20. Por outro lado, se é verdade que “o impacto da imposição de uma sanção acessória desta natureza não foi seguramente ignorado pelo legislador”, não é menos verdade que o legislador efetuou essa ponderação em termos gerais e abstratos, tendo definidos critérios que carecem de ponderação no caso concreto no quadro da decisão de aplicação ou não da mesma a um concreto visado, bem como é igualmente verdadeiro que, na ponderação geral e abstrata do legislador, não entrou seguramente o potencial impacto, nem mesmo em abstrato, daquela sanção acessória no excecionalíssimo contexto de uma pandemia (muito menos da extensão da que atravessamos), como muito bem se salienta na Sentença Recorrida. 21. Na ponderação da aplicação/manutenção da sanção acessória sob escrutínio, tem de atenderse não só à verificação concreta dos requisitos legais, mas também ao princípio da proporcionalidade, aferindo-se da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito da aplicação da sanção a um determinado visado no caso concreto. 22. Enquanto o Tribunal a quo fundamentou claramente na Sentença Recorrida por que motivos entende que a aplicação da sanção acessória ao caso dos autos se revela desproporcional (nos termos transcritos nas motivações da presente resposta), a Autoridade não foi capaz de concretizar no seu recurso as particulares necessidades preventivas que genericamente alega para justificar a manutenção da sanção no caso dos autos, sobretudo quando estão em causa, como salienta o Tribunal a quo, Visadas que “operam no mercado há largas décadas” e que, apesar disso, são primárias. 23. A AdC, porventura inadvertidamente, acaba por reconhecer fundamento à ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, sustentando mesmo que aquele “até poderia ter reduzido o período temporal da sanção acessória para, de alguma forma, poder acomodar o que aparentam ser as suas preocupações e matizar a intensidade de tal sanção”. 24. Como melhor explicitado pela Somafel nas motivações supra, a manutenção da sanção acessória de inibição de participação em concursos públicos aplicada pela AdC à Somafel e revogada pela Sentença Recorrida, no caso dos autos, revelar-se-ia, paradoxalmente, contrária à prossecução dos fins de interesse público inerentes à defesa da concorrência e do mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional prosseguidos e invocados pela Autoridade nos autos, violando o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º da CRP, tal como sustenta o Tribunal a quo. 25. Em termos semelhantes aos verificados a respeito da decisão de redução de coima, a AdC, apesar de alegar a existência de uma contradição insanável entre a fundamentação da Sentença Recorrida e a decisão de revogar a sanção acessória aplicada nela plasmada, torna a não identificar convenientemente a(s) contradição(ões) que alega existir(em), não explicitando minimamente em que termos e em que medida as mesmas resultariam do texto da Sentença Recorrida, limitando-se a transcrever excertos da mesma que em nada contendem com a decisão de revogação em crise. 26. Mais cumpre concluir que a eventual procedência do recurso da AdC nesta parte, com a consequente confirmação da aplicação às Visadas da sanção acessória de inibição de participação em procedimentos de contratação pública, consubstanciaria igualmente uma violação dos já referidos princípios da confiança legítima, da boa fé e da igualdade de tratamento entre visadas, já que redundaria, também aqui, num agravamento injustificado e discriminatório da moldura sancionatória aplicada à Somafel, por referência ao que lhe havido sido apresentado na Minuta de Transação que lhe foi notificada e ainda ao que foi aplicado às restantes Visadas, nos termos da jurisprudência dos tribunais europeus, conforme vem melhor explicitado nas motivações supra. * O Ministério Público respondeu aos recursos apresentados, concluindo com a seguinte síntese: São os factos provados que ilidem a presunção de efetivo exercício de influência dominante das COMSA,S, o que afasta a sua responsabilização solidária pelas contraordenações/coimas. Encontra-se prejudicado, por isso, o pedido de reenvio prejudicial A douta sentença recorrida fez uma correta interpretação do disposto nos artigos 18.° e 20.° do RJC. O processo não contém prova nula ou inválida. O RJC regula de forma específica e esgotante as buscas e apreensões de documentação, aqui se incluindo o correio eletrónico, não existindo lacuna de previsão. A Lei do Cibercrime não tem aplicabilidade ao processo contraordenacional da concorrência. A tese do Acórdão do TC 687/2021 relativo à Lei do Cibercrime não tem qualquer aplicação ao processo contraordenacional da concorrência. A coberto da invocação de vícios do artigo 410.º do CPP os Recorrentes limitam-se a impugnar a matéria de facto provada da sentença, designadamente a que descreve o tipo subjetivo, o que lhes está vedado pelo artigo 75.° do RGCO ex vi artigos 89.° e 83.° do RJC A douta sentença recorrida não contém qualquer vício, nulidade, erro de direito ou julgamento, tendo efetuado adequada e correta interpretação das normas aplicáveis e dos conceitos da jurisprudência da União, Mais, tendo fixado sanções adequadas e proporcionais às concretas circunstâncias dos Recorrentes e ao concreto contexto socioeconómico, tendo ponderado as necessidades de prevenção geral e especial em respeito pelos critérios legais de escolha e determinação das sanções. * Admitidos os recursos, pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação foi emitido parecer sumário no sentido da improcedência dos recursos, subscrevendo o teor da argumentação e conclusões aduzidas pelo Ministério Público no Tribunal recorrido. Colhidos os Vistos, foi realizada a audiência requerida pela AdC. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II. Questões a decidir Atentas as conclusões formuladas pelos Recorrente, que condensando as razões da sua divergência com a decisão recorrida delimitam o objecto do recurso e definem as questões a decidir (cf. artigos 402º, 403º e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), exceptuando as que sejam de conhecimento oficioso, importa apreciar e decidir neste caso: - a nulidade da sentença decorrente da nulidade da prova, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação; erros notórios na apreciação da prova; contradição insanável da fundamentação e entre esta a e decisão; - erros de Direito e julgamento. * III. Fundamentação III.1. Matéria de facto Na sentença foram considerados provados os seguintes factos: FERGRUPO 1. Fergrupo tem sede na Avenida D. João II, n.º 44C, Edifício Atlantis, 2.º Piso, Esc. 2.1, 1990-095 Lisboa (fls. 2424). 2. A Fergrupo tem como objeto social a elaboração de estudos e projetos, execução de empreitadas de obras públicas e particulares, nomeadamente caminhos-de-ferro e outras vias de transporte e bem como o fornecimento de equipamentos e materiais de qualquer natureza aplicáveis na execução ou exploração daquelas infraestruturas. 3. A Fergrupo foi constituída em 1989 e o seu capital social é detido em 99,99% pela COMSA SAU (fls. 3297). 4. A COMSA SAU, por sua vez, é detida a 100% pela COMSA Corporación, empresa líder no mercado espanhol da construção e manutenção de infraestruturas e superestruturas ferroviárias (fls. 3297 e 4086 a 4087). 5. A Fergrupo opera no mercado interno, tendo realizado no ano de 2019 o volume de negócios € 14.000.000 (fls. 9399). 6. No que se refere ao volume de negócios realizado na prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, o mesmo foi de € 452.949, em 2014, e de € 460.841, em 2015 (fls. 2213). 7. Por referência ao quadriénio 2014-2017, o conselho de administração da Fergrupo era composto por: GG; HH; BB e DD (fls. 2424). SOMAFEL 8. Somafel tem sede no Edifício 2, Lagoas Park, 2740-265 Porto Salvo (fls. 1447). 9. A Somafel tem por objeto social a realização de estudos, projetos, empreitadas e obras públicas e privadas, nomeadamente nos domínios da engenharia, construção, renovação e conservação de vias férreas, ou instalações conexas, sua exploração ou concessão, bem como a indústria, comércio, importação, exportação e representação de materiais e de equipamentos ferroviários. A sociedade dedica-se também à execução de todo o tipo de obras fluviais e marítimas e tem atividades em vários países. 10. A Somafel foi constituída em julho de 1957, sendo o seu capital social detido em 60% pela Tedal, em 28,60% pela Soares da Costa – Construção, SGPS, S.A. e os restantes 11,40% por ações próprias (fls. 1447 e 1518). 11. Por sua vez, a Tedal é detida a 100% pela Teixeira Duarte Gestão, sendo esta detida a 100% pela Teixeira Duarte S.A., da qual 48,46% do capital é detido diretamente pela Teixeira Duarte – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A. (fls. 4108 a 4120). 12. A Somafel opera no mercado interno, no mercado europeu e ainda no mercado internacional (fls. 3409). 13. À data da decisão da AdC, as contas referentes ao ano de 2019 ainda não estavam auditadas, sendo o volume de negócios estimado de € 24.134.252 (fls. 9396). 14. No que se refere ao volume de negócios realizado na prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, o mesmo foi de € 559.330 em 2014 e de € 432.105 em 2015 (fls. 1740). 15. No quadriénio 2014-2017 o conselho de administração da Somafel era composto por: II; JJ; KK; LL e MM (fls. 1451). 16. No quadriénio de 2015-2018, o conselho de administração da Somafel era composto por: II; MM; NN e OO (fls. 1447). COMSA SAU e COMSA Corporación 17. COMSA SAL tem sede social no Edificio Numancia 1, c/ Viriat 47, 08014 Barcelona, Espanha (fls. 3297 e 4279). 18. A COMSA SAU apresentou, em 2018, um volume de negócios individual de € 284.083.000 (fls. 8328). 19. A COMSA SAU, por sua vez, é detida a 100% pela COMSA Corporación, empresa líder no mercado espanhol da construção e manutenção de infraestruturas e superestruturas ferroviárias (fls. 3297 e 4086 a 4087). 20. A COMSA Corporación tem a sua sede em Edificio Numancia 1, c/ Viriat 47, 08014 Barcelona, Espanha (fls. 4279). 21. A COMSA Corporación apresentou, em 2018, um volume de negócios individual de € 28.128.000. O volume de negócios consolidado, no ano de 2018, foi de € 1.100.901.000 (fls. 8328). 22. Por referência ao exercício de 2019, a COMSA SAU e a COMSA Corporación indicaram que os respetivos volumes de negócios não se encontram disponíveis (fls. 9427v). BB 23. BB, na qualidade de administrador e diretor geral da Fergrupo, foi o responsável pelos procedimentos de contratação pública no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, nomeadamente pela adoção de decisões quanto à participação, ou não, nos procedimentos, lotes a concorrer e valores a apresentar, no período de 2014 a 2017 (fls. 2212). 24. BB é ainda, desde o ano de 2004, vogal do conselho de administração da Fergrupo (fls. 114 e 7673). 25. Acresce que BB também representou a Fergrupo nas reuniões do consórcio externo para a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via (C...) no período de 2014 a 2016 (fls. 2213). 26. Pelo exercício das suas funções na Fergrupo, BB recebeu, nos anos de 2014, 2015 e 2016, as remunerações de € 150.367, € 156.925 e € 158.977, respetivamente (fls. 3479 e 4306). AA 27. AA, na qualidade de diretor geral da Somafel, foi o responsável pelos procedimentos de contratação pública no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, nomeadamente pela adoção de decisões quanto à participação, ou não, nos procedimentos, lotes a concorrer e valores a apresentar, no período de 2014 a 2017 (fls. 1445 a 1446). 28. Acresce que AA também representou a Somafel nas reuniões do Consórcio C... no período de 2014 a 2016 (fls. 1446). 29. Pelo exercício das suas funções na Somafel, AA recebeu, nos anos de 2014, 2015 e 2016, as remunerações de € 149.864, € 156.630 e € 133.821, respetivamente (fls. 3497, 4290 e 4296). 30. A prática objeto do presente processo de contraordenação insere-se no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental. 31. A circulação de comboios nas vias ferroviárias provoca desgaste no material, fadiga nas fixações e alterações nas condições da geometria da infraestrutura e da superestrutura, fruto do peso da carga a transportar, da frequência de utilização e da velocidade a que os comboios circulam. A deterioração da via exige necessariamente o recurso a serviços de manutenção que garantam a sua integridade, em termos de funcionalidade e aptidão (documento N..., S.A.9651). 32. Como parte integrante da via-férrea, os aparelhos de via, estando sujeitos aos fatores de desgaste e alteração anteriormente identificados, exigem inspeções, verificações e manutenções específicas, designadamente a manutenção preventiva sistemática (MPS), a manutenção preventiva condicionada (MPC) e a manutenção corretiva (MC) (documento N..., S.A.96 e fls. 899 e 900). 33. A MPS caracteriza-se por englobar um conjunto de intervenções de rotina, executadas periodicamente com base num roteiro pré-definido, de modo a reduzir a probabilidade de anomalias ou avarias e permitindo ainda conhecer o estado das condições das instalações e equipamentos. Este tipo de manutenção tem como principais atividades a limpeza e medição dos parâmetros significativos dos diferentes aparelhos de via, de modo a identificar os valores que divergem do normal desempenho operacional do equipamento, e proceder, caso se verifique necessário, à calibração e/ou à substituição de componentes (documento N..., S.A.96 e fls. 900). 34. A MPC inclui um conjunto de intervenções regeneradoras, programadas após a sua deteção, de modo a garantir a funcionalidade e aptidão do sistema, ou seja, a reparação ou substituição de peças ou componentes deteriorados (documento N..., S.A.96 e fls. 900). 35. Por último, a MC refere-se ao conjunto de intervenções efetuadas após avaria ou anomalia, ou seja, a reparação ou substituição de peças ou componentes deteriorados que surge de uma forma imprevista (documento N..., S.A.96 e fls. 900). 36. De salientar que a manutenção de aparelhos de via se distingue de serviços de manutenção prestados por referência a outros elementos da rede ferroviária nacional, que, pela sua especificidade, exigem know-how e equipamentos distintos. 37. A procura de serviços de manutenção de aparelhos de via é constituída por uma única empresa, a IP, que, até 2015, era denominada de Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E. (REFER). 38. A IP, criada em 01.06.2015, é uma empresa pública que resulta da fusão entre a REFER e a EP - Estradas de Portugal, S.A. (EP) através da qual a REFER incorpora, por fusão, a EP e é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. 39. A IP tem por objeto a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação, alargamento e modernização das redes rodoviária e ferroviária nacionais, incluindo o comando e controlo da circulação ferroviária52. 40. A IP adquire, neste contexto, serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, através de procedimentos, quer concursais (concursos limitados), quer por negociação (ajustes diretos). 41. A oferta do mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, no período entre 2014 e 2016, era constituída pelas empresas visadas pelo presente processo de contraordenação, ou seja, Fergrupo, F..., S.A., M..., S.A., N..., S.A. e Somafel, sendo as mesmas as únicas habilitadas a prestarem estes serviços. 42. Estas empresas participaram nos procedimentos de aquisição lançados pela IP em consórcio ou individualmente. 43. Com base no procedimento de aquisição lançado pela IP53, datado de 03.11.2015, (fls.1016), as empresas visadas detinham, no ano de 2016, as seguintes quotas de mercado: Fergrupo 25,2%, F..., S.A. 16,6%, M..., S.A. 25,3%, N..., S.A. 6,3%; e Somafel 26,6%. 44. No que respeita à dimensão geográfica do mercado em causa, é de referir que a prática decisória nacional54 tem sido a de considerar que o mercado das obras ferroviárias assume dimensão correspondente ao território nacional. 45. Com efeito, a referida prestação de serviços envolve prestações permanentes de manutenção, tornando-se necessária a presença local e em permanência das empresas, o que as leva a estabelecerem-se nos locais em que pretendem operar, no caso em análise, em Portugal continental. 46. Assim, o mercado define-se por referência ao território de Portugal continental. 47. Em 04.02.2013, a REFER lançou um procedimento para a qualificação de prestadores de serviços para a manutenção de aparelhos de via55 , com vista à seleção de concorrentes para futuros concursos limitados ou procedimentos por negociação (fls. 31). 48. O referido procedimento de qualificação visava criar uma carteira de entidades qualificadas, permitindo, nos procedimentos posteriores para a formação de contratos, prescindir da fase da qualificação destinada a avaliar a capacidade técnica, económica e financeira dos candidatos. 49. Nestes termos, uma vez concluída a fase da qualificação, seria enviado convite e o programa do procedimento às entidades previamente qualificadas para a apresentação de propostas, contendo as regras de concurso limitado, aplicáveis a partir da fase de apresentação das propostas. 50. De salientar que esta carteira de entidades qualificadas permanecia aberta, devendo ser, em princípio, todos os anos lançado o anúncio para a integração nessa carteira de novas entidades (fls. 29 a 31, 900 e 901). 51. No quadro do procedimento de qualificação lançado em 2013, foi deliberado, em 02.07.2013, pela comissão nomeada para o efeito, qualificar como prestadoras as empresas F..., S.A., Somafel, Fergrupo e M..., S.A. (fls. 29 a 31, 900 e 901). 52. Em 09.04.2014, a REFER lançou um novo procedimento para a qualificação de prestadores de serviços para a manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga. 53. Ao abrigo do referido procedimento, em 23.07.2014, a REFER comunicou à visada N..., S.A. a aceitação da sua candidatura e, consequentemente, a sua qualificação a par das restantes empresas visadas (fls. 29 a 31, 900 e 901). Concurso 0 – Procedimento concursal e contrato n.º ...94, de 01.11.2013 54. Em 01.11.2013, na sequência da prévia qualificação das visadas F..., S.A., Somafel, Fergrupo e M..., S.A. em julho do mesmo ano, as mesmas foram convidadas pela REFER para apresentar proposta no âmbito do procedimento concursal e contrato n.º ...94 que visava a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, pelo período de um ano (janeiro a dezembro de 2014), com um preço base de € 2.500.000,00 (fls. 1041). 55. O referido procedimento foi adjudicado pelo valor de € 2.496.393,27 às quatro empresas supra identificadas que apresentaram proposta conjunta56, tendo as mesmas posteriormente constituído, para o efeito, o consórcio C...57. Consórcio C... de 08/01/2014 56. Em 08/01/2014, para efeitos da prestação do serviço no contexto do referido procedimento concursal econtrato n.º ...94, foi formalmente constituído o Consórcio C... entre as empresas F..., S.A., Fergrupo, M..., S.A. e Somafel. 57. A duração do C... estava limitada exclusivamente ao cumprimento do seu objeto, ou seja, a "Prestação de Serviços de Manutenção de Aparelhos de Via da Rede Ferroviária Nacional, Via Larga, adjudicada através da carta da REFER, ref. a ... de 7 de Janeiro de 2014”, para um período de 12 meses, i.e. 01.01.2014 a 31.12.2014 (fls.1867 e 1868). 58. A vigência do Consórcio C... foi, no entanto, prolongada no tempo, além do inicialmente previsto, por força da adjudicação de outros procedimentos (ajustes diretos) por parte da entidade adjudicante REFER/IP e de maneira a garantir a continuidade das atividades da prestação de serviços que assegurassem a circulação dos comboios para segurança das pessoas e bens. 59. O contrato de consórcio foi, assim, prorrogado quatro vezes através da celebração dos respetivos aditamentos, prestando o Consórcio C... serviços de manutenção à IP até ao ano de 2016 (fls. 1867 e 1868). 60. A organização, funcionamento e tomada de decisão do Consórcio C... constam do contrato de Consórcio Externo, bem como do respetivo Regulamento Interno, assinado pelas consorciadas em 08.01.2014, tendo posteriormente, em 27.04.2015, sido objeto de aditamento (fls. 2142 a 2154 e 2184 a 2192). 61. O Consórcio C..., com exceção da F..., S.A., refletia o facto de as demais empresas consorciadas já estarem instaladas em todo o território nacional e funcionarem operacionalmente por lotes, distribuídos pelas áreas geográficas em que cada uma delas já anteriormente atuava na rede ferroviária nacional, em consequência dos contratos existentes para a via e catenária (fls. 1867). 62. Entre as consorciadas existia uma subcontratação interna de trabalhos, liderada pela F..., S.A., sendo atribuída a cada consorciada 25% do valor adjudicado (fls. 1869). 63. Esta organização permitia ao Consórcio C... uma eficiente e racional gestão dos meios de cada consorciada, em função das respetivas valências e competências préexistentes (fls. 1867 a 1869). 64. Os valores das propostas a submeter aos procedimentos resultavam da adição da contribuição e dos valores indicados individualmente por cada uma das consorciadas, correspondentes ao respetivo preço dos serviços a prestar. Assim sendo, “se os valores globais tivessem enquadramento no preço base, era definido o valor da proposta a apresentar. Se tal não acontecesse, a proposta a apresentar seria, em regra, superior ao preço base, o que se verificou relativamente aos procedimentos econtratos n.º ...80 e n.º ...30. Noutros casos, porém, perante a possibilidade de ausência de outros procedimentos e adjudicatários em tempo útil e até a pedido da REFER, foi decidido apresentar propostas enquadradas no valor base, numa atitude responsável, para que os comboios pudessem circular em segurança de pessoas e bens” (fls. 1868 a 1869). 65. Para discussão destas propostas e acompanhamento dos trabalhos, a F..., S.A. convocava as reuniões do conselho de orientação e fiscalização (COF), órgão superior do consórcio, do qual faziam parte todas as consorciadas (fls. 2145). 66. As reuniões do COF realizaram-se, de maneira regular, durante a vigência do consórcio, entre os anos 2014 e 2017, com a participação de representantes de cada uma das consorciadas (fls. 2127 a 2129). Concurso I – Procedimento concursal econtratos n.º ...80, de 14.10.2014 67. Em 14.10.2014, a REFER procedeu à instrução de um concurso limitado lançado ao abrigo do sistema de qualificação de prestadores de serviços em vigor, com vista à contratação do serviço relativo à MPS-Execução58, para além das atividades de MPC e MC, para o período 2015-2017. 68. O referido concurso, identificado como econtratos n.º ...80 e/ou ... visava a contratação dos serviços durante o período de 31 meses e incluía dois lotes, o Lote 1 “gestão norte”, e o Lote 2 “gestão sul”, sendo o preço base de cada um dos lotes € 2.569.060 e € 2.371.440, respetivamente. 69. Neste âmbito, foram convidadas para apresentar proposta as cinco empresas visadas, que tinham sido previamente qualificadas ao abrigo do sistema de qualificação em vigor. O prazo limite para a apresentação de propostas fixou-se no dia 18.11.2014. 70. Foram apresentadas propostas, por um lado, pelo Consórcio C..., que agrupava quatro das empresas visadas, e, por outro lado, pela N..., S.A.. O Consórcio C... apresentou proposta para os dois lotes do concurso enquanto a N..., S.A. apenas apresentou proposta para o Lote 2 (fls.1041). 71. Neste contexto, de acordo com o ponto 1.4 dos termos do convite à apresentação de proposta no procedimento econtratos n.º ...80 (Concurso I), estava prevista a apresentação de propostas por parte de Agrupamentos de Empresas nos seguintes termos: “1.4.1. Todas as entidades qualificadas podem apresentar propostas, privilegiando-se, numa lógica de prossecução do princípio da concorrência, que o façam nos exatos termos em que foram qualificadas: a título individual ou em agrupamento. 1.4.2. Ao procedimento poderão apresentar-se Agrupamentos de Empresas, nos termos do disposto no artigo 54.° do Código dos Contratos Públicos, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação […] 1.4.7. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a prerrogativa ali conferida será inviabilizada caso se verifique, em concreto e mediante apreciação de todos os elementos que forem solicitados por parte da entidade adjudicante, a existência de indícios de que o agrupamento constitui uma prática restritiva da concorrência” (documento Fergrupo624). 72. As propostas apresentadas situaram-se acima do preço base, motivo pelo qual foram excluídas com fundamento na alínea d) do n.º 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (CCP) (fls. 29, 901, 1041 e 1756). 73. Em 16.12.2014, atendendo a que, segundo a REFER, os serviços em causa, pela sua natureza e criticidade no tocante à segurança para a circulação ferroviária, não podiam ser interrompidos, esta solicitou ao Consórcio C... que assegurasse a continuidade dos serviços, a partir do dia 01.01.2015, por um período de 12 meses, tempo considerado adequado à necessária reflexão técnica para a determinação de um novo preço base, e, portanto, à instrução de um novo procedimento de concurso limitado ao abrigo do sistema de qualificação de prestadores de serviços de manutenção de aparelhos de via, plurianual (documentos IP34, IP60, IP688 e F..., S.A.579). 74. Em 19.12.2014, a F..., S.A., na qualidade de líder do Consórcio C..., aceitou o pedido de continuidade da prestação dos serviços, salvaguardadas as condições do contrato ainda em vigor (resultante do procedimento concursal e contrato n.º ...94) que terminava em 31.12.2014. Para o efeito, em fevereiro de 2015, a REFER celebrou um contrato, através de ajuste direto, com o C... (documentos IP653 e F..., S.A.579). 75. Em 21.07.2014, a F..., S.A. informou as restantes visadas membros do Consórcio C... da candidatura da N..., S.A. ao sistema de qualificação de prestadores de serviços de manutenção de aparelhos de via lançado pela REFER (documentos F..., S.A.483 e Somafel98). 76. Em 24.07.2014, a própria N..., S.A., informou as visadas Fergrupo, M..., S.A. e Somafel, suas potenciais concorrentes no concurso que iria ser lançado em breve, da sua qualificação como prestadora de serviços de manutenção de aparelhos de via, reenviando, para conhecimento daquelas empresas, a comunicação recebida da REFER (documento N..., S.A.88). 77. Em 14.10.2014, conforme referido em «69.», as cinco empresas visadas são convidadas pela REFER para apresentar proposta, individualmente, e até ao dia 18.11.2014, no procedimento e contratos n.º ...80 (Concurso I), com vista à contratação de serviços de manutenção de aparelhos de via para o período 2015-2017. 78. Em 20.10.2014, as visadas membro do Consórcio C..., embora tenham sido convidadas a título individual para apresentar proposta ao referido concurso, discutem, em conjunto, os aspetos relevantes do mesmo, tal como resulta da ata da reunião do COF desse mesmo dia, segundo a qual, “o COF tomou conhecimento do lançamento pela REFER de um novo concurso para a Manutenção de Aparelhos de Via, para um período de 31 meses, tendo trocado impressões sobre a matéria, designadamente quanto ao preço base estabelecido no concurso e quanto à Refer ter retirado as ações de MPC a Inspeção” (documentos F..., S.A.80, F..., S.A.575, F..., S.A.574, F..., S.A.84 e F..., S.A.79). 79. Em 05.11.2014, perante o pedido de cotação de PP, comercial da N..., S.A., à F..., S.A., para o fornecimento e montagem dos trabalhos relativos ao Lote 2 do concurso em causa, QQ, da F..., S.A., revela surpresa e questiona RR, da F..., S.A., sobre o que terá sido previamente acordado na última reunião com a N..., S.A., nos seguintes termos (documento F..., S.A.53): 80. No mesmo dia, RR, da F..., S.A., reencaminha a mensagem de correio eletrónico já referida a BB, da Fergrupo, transmitindo preocupação e solicitando a intervenção para evitar interferências no acordado. Em resposta, BB, da Fergrupo, com conhecimento de EE, da N..., S.A., desvaloriza o pedido de cotação, indica ter falado previamente com EE, da N..., S.A., e refere a necessidade de agendar nova reunião para clarificação de alguns aspetos relacionados com a apresentação de propostas a concurso. BB, da Fergrupo, solicita, por último, que a mensagem de correio eletrónico seja apagada (documentos F..., S.A.10 e N..., S.A.42): 81. No dia 06.11.2014, BB, da Fergrupo, envia mensagem de correio eletrónico a RR, da F..., S.A., com o conhecimento de EE, da N..., S.A., indicando que aguarda a confirmação de SS, da M..., S.A., para a realização da supra referida reunião entre as empresas visadas. Mais uma vez, é reiterado por BB, da Fergrupo, o pedido para que a mensagem de correio eletrónico seja apagada (documentos F..., S.A.9 e F..., S.A.5): 82. Também EE, da N..., S.A., assinala, mediante envio de mensagem de correio eletrónico aos seus colegas, ter chamado previamente a atenção para o facto de esta situação se prestar a equívocos (documento N..., S.A.44): 83. Em 18.11.2014, conforme referido no facto «70.», foram apresentadas propostas, por um lado, pela visada N..., S.A., e, por outro lado, pelas restantes empresas visadas, agrupadas no Consórcio C..., ao concurso econtratos n.º ...80 (Concurso I). 84. As propostas apresentadas incluíram valores superiores ao preço base contratual estabelecido pela REFER para este concurso, tendo sido, por esse motivo, excluídas e prolongada a contratação do Consórcio C... para a prestação dos serviços em causa até 31.12.2015. 85. A continuação da prestação dos serviços durante o ano de 2015 pelo Consórcio C..., salvaguardava as condições do contrato em vigor, que incluíam um valor superior ao preço base estabelecido neste concurso pela prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via. Concurso II – Procedimento concursal e contratos n.º ...30, de 01.07.2015 86. Em 01.07.2015, atendendo à ausência de adjudicação no concurso e contratos n.º ...80 (Concurso I) supra, a IP lançou novo concurso limitado por prévia qualificação, identificado como e contratos n.º ...30 e/ou ... identificado “Concurso II"), para a prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional durante o período de 24 meses, dividido em cinco lotes, sendo o preço base total de € 4.319.839,20 (fls. 902). 87. A IP convidou novamente as cinco empresas visadas, previamente qualificadas, para apresentar proposta, inicialmente, até ao dia 29.07.2015, prorrogando-se, posteriormente, este prazo até ao dia 05.08.2015 (fls. 1041 e 1756). 88. Neste contexto, a visada N..., S.A., informou a IP do seguinte: “não nos é possível apresentar proposta, tendo em conta que o custo apurado internamente para a execução da mesma é superior ao valor base indicado pelo IP” (fls. 902 e documento N..., S.A.237). 89. Por sua vez, as restantes quatro visadas decidiram, “a exemplo do verificado em anteriores procedimentos da mesma natureza, continuar associadas, face ao valor base exíguo estabelecido pela Infraestruturas de Portugal, considerando as exigências e os níveis de serviços estabelecidos no Caderno de Encargos, para apresentar uma proposta em Agrupamento, em regime de Consórcio Externo de Responsabilidade Solidária, liderado pela F..., S.A., como está previsto no Caderno de Encargos - Cláusulas Jurídicas Gerais deste procedimento, por forma a possibilitar a racionalização e permitir definir um valor mínimo, versus o preço base estipulado, que se considera necessário para uma operação desta natureza” (documentos Fergrupo888 e Fergrupo907). 90. No ponto 1.4 dos termos do convite à apresentação de proposta estava prevista a apresentação de propostas por parte de Agrupamentos de Empresas nos seguintes termos: “1.4.1. Todas as entidades qualificadas podem apresentar propostas, privilegiando-se, numa lógica de prossecução do princípio da concorrência, que o façam nos exatos termos em que foram qualificadas: a título individual ou em agrupamento. 1.4.2. Ao procedimento poderão apresentar-se Agrupamentos de Empresas, nos termos do disposto no artigo 54.° do Código dos Contratos Públicos, sem que entre elas exista qualquer modalidade jurídica de associação. […] 1.4.7. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a prerrogativa ali conferida será inviabilizada caso se verifique, em concreto e mediante apreciação de todos os elementos que forem solicitados por parte da entidade adjudicante, a existência de indícios de que o agrupamento constitui uma prática restritiva da concorrência“(documento N..., S.A.236). 91. As propostas apresentadas pelo Consórcio C..., para os cinco lotes, situaram-se, contudo, novamente, acima do preço base estipulado para cada um dos lotes, sendo, por esse motivo, todas excluídas (fls. 902). 92. Face ao exposto, em 22.09.2015, a IP comunicou às cinco empresas visadas que, por decisão do seu conselho de administração de 17.09.2015, era decidida a não adjudicação da aquisição dos serviços, revogando a decisão de contratar (fls. 1755 e documentos Fergrupo941e N..., S.A.222). 93. Em 03.03.2015, SS, da M..., S.A., em mensagem de correio eletrónico enviada a BB, da Fergrupo, a EE, da N..., S.A. e a AA, da Somafel, propõe que, subsequentemente a uma reunião previamente agendada para o dia 10.03.2015 sobre o tema “Programa de investimentos/2020”, se realize uma outra, no âmbito do Consórcio C.... Todos, incluindo EE, da N..., S.A., não membro do Consórcio C..., concordam com a hora e lugar propostos por BB, da Fergrupo (documentos N..., S.A.43, M..., S.A.53, M..., S.A.107, N..., S.A.45, Fergrupo83, Fergrupo56, M..., S.A.131, N..., S.A.47, Fergrupo84, M..., S.A.125, M..., S.A.68, N..., S.A.49, M..., S.A.74, M..., S.A.134, Fergrupo85): 94. Em 01.07.2015, conforme referido no facto «86.», na ausência de adjudicação da prestação de serviços em 2014, a IP lançou um novo procedimento, o concurso econtratos n.º ...30 (Concurso II). 95. No dia 05.07.2015, RR, da F..., S.A., contacta as visadas consorciadas através de mensagem de correio eletrónico para informar que “saiu novo Concurso para a manutenção de aparelhos de via o que torna necessário que o consórcio reúna o mais rapidamente possível” (documento F..., S.A.329). 96. Em 07.07.2015, atendendo à disponibilidade dos participantes e dada a alegada urgência do assunto a tratar, RR, da F..., S.A., propôs, através de mensagem de correio eletrónico, que a reunião tivesse lugar no dia 10.07.2015, às 10 horas (documentos F..., S.A.330, F..., S.A.519, Somafel96 e M..., S.A.103): 97. Ainda no mesmo dia, face aos constrangimentos dos participantes, a reunião foi, finalmente, agendada, mediante mensagem de correio eletrónico, para o dia 10.07.2015, às 11 horas, nas instalações da M..., S.A., e com sistema de videoconferência para assegurar a participação da Somafel (documentos F..., S.A.360, Somafel127, F..., S.A.170, F..., S.A.338, F..., S.A.343, F..., S.A.344, F..., S.A.345 e F..., S.A.674): 98. Em 10.07.2015 na sequência da reunião do dia 10.07.2015, BB, da Fergrupo, contacta, através de mensagem de correio eletrónico, AA, da Somafel, com o fim de reunirem e “analisar algumas questões que se levantaram na reunião hoje realizada” sobre o novo concurso de prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via. Em 11.07.2015, AA informa que antecipou o seu regresso para o dia 13.07.2015, solicitando a BB o seguinte: “ligue-me de tarde no dia 13 para falarmos e acertamos eventual reunião prévia” (documento Somafel257). 99. Nesse mesmo dia, RR, da F..., S.A., confirma, por mensagem de correio eletrónico, a convocatória de uma nova reunião, no dia 15.07.2015, desta vez, também com a participação da N..., S.A. (documentos F..., S.A.355, Somafel128, F..., S.A.357, F..., S.A.672, F..., S.A.673, F..., S.A.676 e Somafel258): 100. A reunião do dia 15.07.2015 foi objeto das seguintes notas manuscritas por EE, da N..., S.A., no seu caderno (fls. 285): 101. Conforme resulta das referidas notas manuscritas, na reunião realizada no dia 15.07.2015 entre as empresas visadas, são discutidos dois possíveis cenários, sendo o primeiro a apresentação de proposta por parte do consórcio e da N..., S.A., e, o segundo, a apresentação autónoma de proposta por parte de cada uma das empresas visadas. Contudo, parece não estar claro para a N..., S.A., a posição adotar, tal como resulta da expressão manuscrita (“Afinal como é?”). 102. As notas fazem também referência ao facto de o preço base do concurso em causa não satisfazer as visadas (“preço não satisfaz”) e que as propostas deveriam incluir um preço superior ao preço base (“propostas acima base”). 103. Das notas consta, ainda, uma listagem e a repartição dos lotes constantes do concurso entre as empresas visadas, identificando-se os lotes aos quais cada empresa visada deveria concorrer, realçando o lote atribuído a cada uma delas. 104. Acresce que o manuscrito supra revela igualmente a estratégia delineada pelas visadas para o concurso em causa. Com efeito, as notas manuscritas indicam que a este concurso concorrerá apenas o Consórcio C..., conforme a seguinte anotação junto à indicação da data limite inicial para apresentação de propostas, “29/7”: “C...” e “não concorre cada empresa a cada lote”. 105. Por último, separadamente, noutro ponto, as notas manuscritas de EE, da N..., S.A., mencionam que a F..., S.A. apresentará proposta individualmente (“F..., S.A. vai sozinha”) e enviará, às restantes empresas visadas, propostas incluindo novos valores (“dá propostas a todos com preços novos”), tratando-se de valores acima do preço base (“PREÇO BAS ACIMA JAN 2015”), com o fim de conseguir uma revisão do mesmo (“REVISÃO PREÇOS”). 106. Após os contactos e as reuniões supra evidenciadas, finalizado o prazo estipulado para a apresentação de propostas no contexto do procedimento econtratos n.º ...30 (Concurso II), apenas o Consórcio C... apresentou proposta para os cinco lotes a concurso. 107. Todas as propostas apresentadas se situaram acima do preço base estipulado, sendo, por esse motivo, excluídas. Em consequência, a IP revogou a decisão de contratar neste concurso, conforme referido nos factos «91. e 92.». Concurso III – Procedimento concursal e contratos n.º ...98, de 03.11.2015 108. Em 03.11.2015, mais uma vez, e perante a ausência de adjudicação no âmbito do anterior procedimento (procedimento econtratos n.º ...30 - Concurso II), a IP procedeu à instrução de um novo concurso limitado lançado ao abrigo do sistema de qualificação de prestadores de serviços em vigor, procedimento identificado como e contratos n.º ...98 e/ou .... 109. O procedimento em causa visava a aquisição de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, dividido em cinco lotes, consoante as zonas do país, para o período 2016-2017, e pelo preço base contratual máximo total de € 4.927.161,17, acrescido de IVA, repartido pelos seguintes valores (fls. 30, 1041 e 1756): - Lote 1 - € 1.251.480,61; - Lote 2 - € 1.244.036,68; - Lote 3 - € 820.068,75; - Lote 4 - € 299.792,93; - Lote 5 - € 1.312.693,39 110. O processo de contratação da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via EC ...98 [Concurso III], era em tudo idêntico ao processo EC ...30 [Concurso II] exceto no que se refere ao preço base e à admissão de propostas por parte de agrupamentos. (documentos IP114 e IP549). 111. Acresce ainda o facto de o procedimento ter sido submetido a visto prévio do Tribunal de Contas, situação que não ocorreu nos processos anteriores” (documentos IP114 e IP549). 112. Atendendo a que nos procedimentos anteriores as propostas apresentadas pelos concorrentes estiveram, em todos os casos, acima do preço base estabelecido, a IP entendeu que se podia considerar que o mesmo estava desadequado, pelo que, este novo concurso envolveu uma revisão do preço base face aos procedimentos concursais anteriores (fls. 902, 1037 e 1755, e documentos IP114, IP551, IP748 e IP753). 113. A IP considerou ainda que, tendo em vista promover a concorrência entre os qualificados, neste novo procedimento, seria inibida a possibilidade de qualquer agrupamento para apresentação de propostas (fls. 902, 1037 e 1755, e documentos IP114, IP551, IP748 e IP753). 114. Em 03.11.2015 foi enviado convite para apresentação de propostas até ao dia 11.11.2015 às cinco empresas visadas, entidades previamente qualificadas, tendo sido o referido prazo prolongado até ao dia 01.12.2015 (fls. 1756 e documento IP114). 115. Neste sentido, cumpre referir que o ponto 1.4 dos termos do convite à apresentação de proposta no procedimento econtratos n.º ...98 (Concurso III) estabelecia o seguinte: “Não são admitidos agrupamentos para além dos inicialmente qualificados” (documento N..., S.A.223). 116. Em 04 e 05.11.2015, a F..., S.A. e a Fergrupo, respetivamente, solicitam à IP esclarecimentos sobre a possibilidade de as empresas previamente qualificadas poderem apresentar proposta em agrupamento. Em particular, a Fergrupo colocou a seguinte questão: “No ponto 1.4 da Carta Convite em assunto, pode-se ler: ‘Não são admitidos agrupamentos para além dos inicialmente qualificados’ Recorda-se que no processo do Sistema de Qualificação, respeitante ao anúncio de Procedimento Nº ..., à data lançado pela REFER, EPE, foram qualificados os seguintes candidatos: - F..., S.A.; - Somafel – Engenharia e Obras Ferroviárias, S.A.; - Fergrupo – Construções e Técnicas Ferroviárias, S.A.; - M..., S.A.; e posteriormente: - N..., S.A. Não se tendo, portanto, previamente qualificado, como tal, qualquer agrupamento, a expressão “para além dos inicialmente qualificados”, é nosso entendimento que apenas são admitidos agrupamentos constituídos exclusivamente por empresas que previamente se tenham isoladamente qualificado. De outro modo, não se entenderia quais os agrupamentos que, nesta data, se estariam a admitir a concurso. Entendemos assim, que os agrupamentos que se possam vir a constituir por Empresas candidatas qualificadas à data, são admitidas no procedimento em assunto. Queiram, por favor, esclarecer se o nosso entendimento está correto”. (documento Fergrupo1182). 117. A IP esclareceu, através de ofício datado de 17.11.2015, que “se as empresas não se candidataram em agrupamento […] não podem apresentar proposta em agrupamento neste procedimento” (fls. 1004). 118. Assim sendo, em 01.12.2015, foram apresentadas propostas individuais pelas visadas (fls. 1756), sintetizando a Tabela 1 a informação sobre o preço base, o valor das propostas apresentadas e a proposta vencedora, por lote, no procedimento em análise: 119. Relativamente ao Lote 1, foram apresentadas duas propostas: F..., S.A. e M..., S.A.. A proposta da F..., S.A. foi excluída por ultrapassar o preço base, tendo o lote sido adjudicado à M..., S.A. pelo valor de € 1.251.451,43. 120. No que concerne ao Lote 2, foram apresentadas três propostas: F..., S.A., Somafel e Fergrupo. As propostas da F..., S.A. e da Somafel foram excluídas por ultrapassarem o preço base, tendo o lote sido adjudicado à Fergrupo pelo valor de € 1.243.302,29. 121. Para o Lote 3, foram apresentadas três propostas: F..., S.A., N..., S.A. e M..., S.A.. As propostas da N..., S.A. e da M..., S.A. foram excluídas por ultrapassarem o preço base, tendo o lote sido adjudicado à F..., S.A. pelo valor de € 820.012,75. 122. No contexto do Lote 4, foram apresentadas duas propostas: F..., S.A. e N..., S.A.. A proposta da F..., S.A. foi excluída por ultrapassar o preço base, tendo o lote sido adjudicado à N..., S.A. pelo valor de € 299.783,25. 123. Finalmente, no que respeita ao Lote 5, foram apresentadas três propostas: F..., S.A., Somafel e Fergrupo. As propostas da F..., S.A. e da Fergrupo foram excluídas por ultrapassarem o preço base, tendo o lote sido adjudicado à Somafel pelo valor de € 1.312.611,45. 124. Em 09.12.2015, a IP, internamente, e no âmbito da avaliação técnica das propostas apresentadas, supra assinaladas, destacou, em particular, os seguintes aspetos: “ - Para cada um dos lotes apenas foi recebida uma proposta válida, com o preço colado ao Preço Base; - Todos os 5 qualificados se encontram em condições de ver adjudicado um dos 5 lotes a contratar; - Nas propostas das empresas que integram o Consórcio C... existem semelhanças até na redação, que se admite advir do exercício executado para processos anteriores; - Por qualificado, não é percetível através das propostas por que motivo existem diferenças tão díspares de preços para cada um dos lotes, quando a constituição das equipas propostas é a mesma. Em suma, será que há matéria para investigar se se trata de uma prática concertada como parece?”. (fls. 903 a 906 e documentos IP532, IP747, IP500, IP531, IP702, IP751, IP757). 125. O procedimento culminou na adjudicação, em 21.01.2016, de um lote a cada uma das concorrentes, nos termos indicados, em resultado da exclusão das propostas concorrentes apresentadas, por incluírem um preço superior ao preço base (fls. 33 a 35, 981 a 1033, 1041 e 1756). 126. Em 26.04.2016, os contratos de prestação dos serviços adjudicados foram assinados. 127. Todavia, o procedimento em causa apenas obteve o visto do Tribunal de Contas em 10.05.2016, pelo que os trabalhos começaram em 08.06.2016, no caso do Lote 3, em 01.07.2016, no caso do Lote 4, e, em 01.10.2016, para os restantes lotes, continuando o Consórcio C... a prestar os serviços até essa data. (fls. 1293, 1747, 1756 e documentos IP47, IP270, IP407, IP520, IP241, IP756, F..., S.A.374). 128. Em 17.11.2015, QQ, da F..., S.A., enviou uma mensagem de correio eletrónico para as restantes empresas visadas, convocando uma reunião para o dia 20.11.2015, sob o assunto “REUNIÃO OPERACIONAL-CONSORCIADAS”, sendo TT e EE, ambos da N..., S.A., também, convocados, embora a N..., S.A. não fizesse parte do Consórcio C..., fazendo-se referência a uma reunião anterior, na qual foi delineado o plano de atuação das empresas visadas no concurso, sendo que esta nova reunião seria para “corporizar na prátic[a] o definido” (documentos N..., S.A.18, Fergrupo1890, M..., S.A.119 e M..., S.A.59): 129. Ainda no mesmo dia, SS, da M..., S.A., reenviou a mensagem de correio eletrónico supra a UU, também da M..., S.A., indicando que seria o mesmo quem participaria nessa reunião (documento M..., S.A.211). Também a Somafel, em 18.11.2015, auscultou, internamente, a disponibilidade para se fazer representar nessa reunião (documento Somafel93). 130. Em 18.11.2015, a N..., S.A. verificou internamente, mediante mensagem de correio eletrónico, a sua disponibilidade para participar na referida reunião agendada para o dia 20.11.2015, “de forma a poder[mos] preparar proposta”, tendo VV, da N..., S.A., confirmado também a sua disponibilidade (documentos N..., S.A.20, N..., S.A.180 e N..., S.A.24). 131. Ainda em 18.11.2015, BB, da Fergrupo, confirma igualmente a presença, solicitando, uma vez mais, que eliminem as mensagens de correio eletrónico sobre este assunto, nos seguintes termos (documentos F..., S.A.71 e Fergrupo1916): 132. Neste contexto, em 20.11.2015, foi enviada confirmação à F..., S.A. da participação nesta reunião de UU, da M..., S.A., e de WW, da Somafel (documentos N..., S.A.25, F..., S.A.70, Fergrupo1971, F..., S.A.12, F..., S.A.11 e M..., S.A.14). 133. Em 23.11.2015, após a realização da identificada reunião, WW, da Somafel, envia uma mensagem de correio eletrónico interno a CC, com os detalhes da citada reunião de 20.11.2015 (documentos Somafel49 e Somafel328): 134. Conforme consta do documento transcrito supra, todas as empresas visadas participaram na reunião de dia 20.11.2015, na qual “se corporizou na prática” a estratégia comum de atuação das empresas visadas, no que se refere à sua participação no concurso em causa, acordada em reunião anterior: a F..., S.A. elaboraria as propostas de MPC, as enviaria posteriormente a cada empresa visada, de acordo com o lote previamente adjudicado, e cada empresa visada formalizaria individualmente a proposta junto da IP. Nos restantes aspetos das propostas, a F..., S.A. iria, também, disponibilizar a documentação pertinente, para que as empresas visadas a adequassem ao lote correspondente. Foi ainda acordado que todas as visadas subcontratariam a F..., S.A. para efeitos da execução do contrato de prestação de serviços. 135. Atendendo a que, em 20.11.2015, teve lugar a supra referida reunião, a reunião do COF marcada para essa mesma data não teve lugar (documento F..., S.A.750). 136. Em 01.12.2015, cada empresa visada apresentou proposta, nos moldes previamente definidos, em conjunto, por todas elas, conforme Tabela 1 referida no facto «118.». 137. E ainda de acordo com um dos cenários ponderados na reunião realizada entre as empresas Visadas no dia 15/07/2015, conforme aludido nos factos «101. a 105.». 138. As empresas visadas repartiram os lotes constantes do concurso econtratos n.º ...98 (Concurso III) de acordo com um dos cenários ponderados na reunião celebrada em 15.07.2015. 139. Tal como referiu QQ, da F..., S.A., no email datado de 17.11.2015, referido do precedente facto «128.», no qual alude a uma reunião anterior onde foi definida a atuação das visadas no concurso. 140. Com efeito, no que respeita às propostas apresentadas, e face às notas manuscritas referidas no facto «100.», observa-se o seguinte: a) Para o Lote 1 - foram apresentadas duas propostas: F..., S.A. e M..., S.A. [como consta das notas manuscritas]; b) Para o Lote 2 - foram apresentas três propostas: F..., S.A., Somafel e Fergrupo [como consta das notas manuscritas]; c) Para o Lote 3 - foram apresentas três propostas: F..., S.A., N..., S.A. e M..., S.A. [conforme as notas manuscritas, a N..., S.A. não apresentaria proposta. Note-se, neste sentido, que de acordo com a informação constante dos autos, a N..., S.A. informou internamente, em 17.11.2015, que “apenas vamos apresentar proposta para o Lote 4”, tal como estabelecido nas notas supra. Não obstante, em 23.11.2015, e uma vez realizada entre as visadas a reunião de 20.11.2015, supra evidenciada, a N..., S.A. comunicou internamente que também concorreria ao Lote 3 (documento N..., S.A.8)]; d) Para o Lote 4 - foram apresentadas duas propostas: F..., S.A. e N..., S.A., [como consta das notas]; e e) Para o Lote 5 - foram apresentas três propostas: F..., S.A., Somafel e Fergrupo [Nas notas manuscritas, para o Lote 5 está identificado o nome das 3 empresas, embora, no caso da Fergrupo, o número 5 aparenta estar rasurado]. 141. No que respeita à adjudicação dos lotes deste concurso, realizada em 21.01.2016, verifica-se também que o resultado pretendido pelas visadas foi, efetivamente, alcançado. Com efeito, conforme consta das aludidas notas manuscritas: a) No que se refere ao Lote 1, ... está realçada em negrito, tendo o lote sido adjudicado efetivamente à M..., S.A.; b) No que se refere ao Lote 2, o lote foi efetivamente adjudicado à Fergrupo, como assinalado nas notas; c) Relativamente ao Lote 3, depreende-se das notas que seria para F..., S.A., tendo o lote sido adjudicado finalmente à F..., S.A.; d) O Lote 4 foi adjudicado à N..., S.A., como consta das notas supra; e e) O Lote 5 foi adjudicado à Somafel, como marcado nas notas manuscritas 142. As empresas visadas, entre as quais, a Fergrupo e a Somafel, com dimensão considerável no mercado ferroviário nacional e pertencentes a grandes grupos económicos com dimensão internacional, com a capacidade financeira que se lhes reconhece e com as suas estruturas internas que detêm, por intermédio das pessoas que as representam, no caso, os Recorrentes BB e AA, não podiam deixar de conhecer as obrigações que lhes incumbem à luz do direito da concorrência, pelas quais qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado. 143. Fergrupo e Somafel sabiam, pois, que através da adoção, nos termos em que o fizeram, daqueles acordos, traduzidos na repartição do mercado e na fixação artificial do nível dos preços, resultariam restrições da concorrência e, não obstante, optaram por as assumir. 144. Agiram, assim, de forma livre, consciente e voluntária, tendo representado, querido e aceite entre si os acordos que lograram obter, sabendo que tais condutas eram proibidas por lei, tendo, ainda assim, querido realizar todos os atos necessários à sua verificação. 145. BB, da Fergrupo, administrador e diretor geral da Fergrupo, com larga experiência profissional em procedimentos de contratação pública no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via e, portanto, conhecedor das regras da concorrência a eles inerentes, não podia ignorar, como não ignorava, que ao assumir tais trocas de informações com empresas diretamente concorrentes da Fergrupo, nos moldes e nos timings em que o fez, assumindo acordos estratégicos de participação nos concursos públicos em causa, estava a incorrer na sua violação. 146. BB, ao pedir reiteradamente para apagar diversas mensagens de correio eletrónico que referiam a adoção e/ou implementação dos acordos celebrados pelas empresas visadas, sabia da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, nada tendo feito para a evitar. 147. De igual modo, AA, da Somafel, na qualidade de diretor geral da Somafel, responsável pelos procedimentos de contratação pública no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, nomeadamente na adoção das decisões quanto à forma de participação nos procedimentos concursais em causa, diante da sua vasta experiência profissional em concursos públicos, não poderia ignorar, como não ignorou, que ao trocar impressões, informações, com as demais empresas visadas pelos concursos, fazendo elas parte do consórcio ou não, atendendo ao timing em que as mesmas se deram, quando aquelas eram as únicas empresas concorrentes da empresa que representava, delineando a estratégia a seguir nos concursos em causa, estava a infringir as regras da concorrência, suprimindo qualquer incerteza no comportamento dos seus concorrentes, permitindo-lhe conhecer as suas posições no mercado, as estratégias comerciais dos seus concorrentes, alterando, por conseguinte, de modo sensível a concorrência entre todos. 148. AA, ao adotar os comportamentos em causa, sabia da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, nada tendo feito para a evitar. 149. O volume de negócios realizado pela Somafel entre 2014 e 2017, na prestação de serviços de manutenção de AMV’s na rede ferroviária nacional, representa a menos de 3% do seu volume de negócios total realizado nesse período. (documentos de fls. 1459 a fls. 1739). 150. AA não esteve presente na reunião de 6/11/2014, referida em «81. e 82.», não obstante ser conhecedor da sua realização, assim como não esteve presente na reunião ocorrida no dia 10/07/2015, referida em «97.». 151. Não são conhecidos aos recorrentes antecedentes contraordenacionais jusconcorrenciais. 152. A gestão da Fergrupo não estava subordinada às instruções da COMSA SAL. 153. A Fergrupo não informava a COMSA SAU. sobre a sua atuação no mercado, atuando de forma autónoma. 154. A Fergrupo tinha plena liberdade contratual, não necessitando de prévia autorização da COMSA SAU, nomeadamente nas suas interações com a IP. 155. A Fergrupo era financeiramente autónoma, tendo a estratégia da Fergrupo sempre sido determinada de forma independente, tal como era percecionada por terceiros. » E foram considerados não provados os seguintes factos: a. Que as comunicações existentes entre as empresas visadas, quer no âmbito do Consórcio C..., quer no âmbito de discussões entre as empresas que integram o Consórcio C... e a N..., S.A., tinham conteúdo e propósito meramente informativos, correspondendo à normalidade do exercício da atividade de qualquer player do setor estar informado e procurar informar-se relativamente aos desenvolvimentos do mercado em que opera, incluindo quanto à entrada e/ou saída de operadores económicos no âmbito dos concursos, designadamente no respeita à N..., S.A., por forma a fazer face ao reduzido preço base neles indicados. b. Que as conversas ocorridas entre as empresas que constituíam o Consórcio C..., entre as quais a FERGRUPO e a SOMAFEL, e a N..., S.A. visavam unicamente aliciá-la a integrar o referido consócio. c. Que as propostas do C..., apresentadas com um preço superior ao preço base estabelecido pela REFER/IP, diante de não ser possível às visadas, mesmo agrupadas em consórcio, prestar os serviços previstos no caderno de encargos pelo valor estabelecido como preço base do concurso, visava apenas sinalizar à entidade adjudicante o desajuste do preço base. d. Que a reunião de dia 17.11.2015 foi realizada apenas pressupondo que as empresas se poderiam apresentar a concurso em regime de consórcio. e. Que em face do esclarecimento prestado a respeito pela IP no dia 18.11.2015, a reunião agendada para o dia 20.11.2015 foi mantida com o único propósito de desagregar as empresas agrupadas e dotar cada uma delas dos elementos e meios necessários para que pudessem apresentar, individualmente, propostas ao concurso no curtíssimo tempo que se seguia, i.e., em apenas 10 (dez) dias. f. Que as propostas apresentadas no Concurso III foram decididas unilateralmente e com desconhecimento das estratégias de atuação das outras empresas. g. Que a principal motivação para a Somafel executar estes contratos estava relacionada com as declarações abonatórias que resultam dos mesmos e que são úteis para se habilitar a outro tipo de contratos de maior dimensão. * III.2. Do mérito dos recursos 2.1. Nulidades 2.1.1. Nulidade da prova Os Recorrentes AA, Fergrupo e BB e Somafel invocaram a nulidade da prova examinada e apreendida pela AdC nas diligências de busca que levou a cabo nas instalações das empresas Visadas - sem sustento em qualquer despacho de autorização ou sequer de validação judicial, alegam - que se consubstancie em mensagens de correio electrónico, lidas ou não, e que veio a ser utilizada e a servir de alicerce probatório da Decisão Final da AdC e, bem assim, da Sentença, por inadmissibilidade legal para o efeito, bem como por violação dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 2.º, 32.º n.º 4 e 34.º n.ºs 1 e 4 da CRP. Remete-se a exposição dos concretos fundamentos para as conclusões das respectivas alegações, reproduzidas no Relatório supra (AA, cls. B a L; Fergrupo e BB, cls. 4 a 22; Somafel, cls. 2 a 15). A sentença contém, com uma exposição da jurisprudência e da doutrina mais relevantes sobre as matérias, uma extensa apreciação da invocada questão da nulidade da prova obtida nas diligências de busca e apreensão de correspondência electrónica levadas a cabo pela AdC, incluindo sobre a nulidade, do despacho do Ministério Público que autorizou a apreensão de correspondência e consequente nulidade da apreensão; e a inconstitucionalidade do art. 20.º n.º 1 da LdC se interpretada e aplicada no sentido de ser admitida a apreensão de mensagens de correio eletrónico no âmbito de diligências de busca e apreensão sem prévio mandado judicial para o efeito, por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º da CRP, do princípio da inviolabilidade do domicílio e da correspondência, consagrado no artigo 34.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, e do princípio da reserva da função jurisdicional, previsto no artigo 202.º, n.º 2 da CRP. Com a qual concordamos e que, por economia, atenta desde logo a sua extensão (págs. 107 a 130), nos escusamos de aqui reproduzir. As Recorrentes invocam o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, de 30.08.2021, o qual, no âmbito de um processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade que lhe foi submetido pelo Presidente da República ao abrigo do artigo 278.º, n.º 1, da CRP, se pronunciou sobre a conformidade constitucional das normas constantes do artigo 5.º - “na parte em que altera o artigo 17º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro” - do Decreto n.º 167/XIV, que «transpõe a Diretiva (UE) 2019/713 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa ao combate à fraude e à contrafação de meios de pagamento que não em numerário, alterando o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, e outros atos legislativos», aprovado pela Assembleia da República em 20 de Julho de 2021. Alegam os Recorrentes, em suma, que este acórdão do Tribunal Constitucional rejeita o fundamento em que assenta a sentença recorrida. Sem razão, no entanto. Para além de se tratar de uma fiscalização preventiva de constitucionalidade de um Decreto da Assembleia da República que contém uma alteração do art. 17.º da denominada Lei do Cibercrime - que transpôs para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adaptou o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, adotada em Budapeste em 23 de novembro de 2001, ao mesmo tempo que revogou a anterior legislação sobre a matéria, nomeadamente, a Lei n.º 109/1991, de 17 de agosto, denominada Lei da Criminalidade Informática - que não, portanto, de um diploma legal em vigor, como se reconhece naquele acórdão a apreciação tinha por objecto o standard de protecção constitucional, na específica sede do processo penal, e no âmbito da problemática da divisão de competências entre Ministério Público e Juiz. Chamando colateralmente à atenção que os preceitos questionados são passíveis de aplicação à investigação de qualquer crime, e não apenas aos crimes directamente relacionados com a utilização da informática. Como impressivamente se escreveu no voto de vencido que consta do referido acórdão: A norma sindicada (vale tal referência para o conteúdo do artigo 17.º da LCc) integra-se, na sistemática do Diploma, tanto na versão em vigor como na introduzida pelo Decreto n.º 167/XIV, num Capítulo designado “Disposições processuais” (Capítulo III, artigos 11.º a 19.º). Este corresponde a matéria de processo criminal, ou seja, a normas de direito processual penal [2]. Assim se evidencia, diversamente do que como hipótese se aventa na exposição do Requerente (cfr. o respetivo ponto 14.º, com correspondência no pedido formulado a final), o desajustamento à situação, enquanto parâmetro de um possível desvalor constitucional, do n.º 4 do artigo 34.º da CRP. Com efeito, corresponde o artigo 17.º da LCc (na disposição vigente e na projectada), evidenciando um sentido linguístico indubitavelmente coincidente com o pensamento legislativo, ao recorte negativo, introduzido pelo trecho final do n.º 4 do artigo 34.º, da CRP (… salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal), à proibição de ingerência sedeada no trecho inicial da norma ([é] proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação…). (…) Com efeito, estamos neste caso, desde logo, perante normas de processo penal – por isso o n.º 4 do artigo 34.º da CRP não constitui parâmetro do desvalor constitucional afirmado no dispositivo.” [destaques nossos] Ora, no caso dos autos, a apreensão das mensagens de correio electrónico encontra suporte no disposto no art. 18º/1 c) da LdC, que tem por epígrafe “Poderes de inquirição, busca e apreensão”. Não sendo convocados, sublinhe-se, os art. 42.º, n.º1 do RGCO ou o art. 126.º, n.º3 do CPP, de aplicação subsidiária no processo regulado pela LdC. Dispõe este preceito que: “No exercício de poderes sancionatórios, a Autoridade da Concorrência, através dos seus órgãos ou funcionários, pode, designadamente: proceder, nas instalações, terrenos ou meios de transporte de empresas ou de associações de empresas, à busca, exame, recolha e apreensão de extratos da escrita e demais documentação, independentemente do seu suporte, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova.” [destaques nosso] A defesa da concorrência constitui um bem público também constitucionalmente protegido pela Constituição da República Portuguesa, na alínea f) do artigo 81.º, que cabe à Autoridade da Concorrência preservar numa perspectiva instrumental. A Autoridade da Concorrência, pessoa colectiva de direito público com a natureza de entidade administrativa independente, dotada de autonomia administrativa e financeira, de autonomia de gestão, de independência orgânica, funcional e técnica, e de património próprio, tem por missão, nos termos dos artigos 1º e 4º do respectivo Estatuto (DL n.º 125/2014, de 18 de Agosto), assegurar a aplicação das regras de promoção e defesa da concorrência nos sectores privado, público, cooperativo e social, no respeito pelo princípio da economia de mercado e de livre concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a afectação óptima dos recursos e os interesses dos consumidores. Cumprindo-lhe, no âmbito do exercício dos seus poderes sancionatórios, identificar e investigar as práticas susceptíveis de infringir a legislação da concorrência nacional e europeia, proceder à instrução e decidir sobre os respectivos processos, aplicando, se for caso disso, as sanções previstas na lei, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º, dos seus Estatutos. A temática em apreciação deve ser apreciada à luz do primado do Direito da União Europeia – proclamado, entre outros, no conhecido Acórdão Costa c. Enel – cuja primazia perante a ordem constitucional interna apenas cederá, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em face de ameaça dos aspectos essenciais dos princípios fundamentais do Estado de Direito. Sendo que a Directiva ECN+ (DIRETIVA (UE) 2019/1 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO) veio constituir um instrumento adicional de defesa da concorrência e de garantia do bom funcionamento do mercado interno em face dos novos desafios que emergem do ambiente digital. De acordo com o teu teor, e como impressivamente se refere no Considerando 30: A competência de investigação das autoridades administrativas nacionais da concorrência deverá ser adequada aos desafios da aplicação das normas no ambiente digital e deverá permitir que as ANC obtenham todas as informações relacionadas com a empresa ou associação de empresas objeto da medida de investigação em formato digital, incluindo os dados forenses, independentemente do suporte em que as informações estiverem armazenadas, designadamente computadores portáteis, telemóveis, outros dispositivos móveis ou armazenamento em nuvem.)[1] Esta Secção pronunciou-se já sobre a questão da nulidade da prova (correio electrónico) apreendido pela AdC, incluindo a nulidade do despacho do Ministério Público que ordenou as buscas e a inconstitucionalidade dos arts. 18º/1 c) e 20º do RJC e do art. 42º do RGCO por violação dos arts. 34º/4,32º/2,4 e 8, 18º e 26º/1 da CRP, quando interpretados no sentido de permitir a busca a correspondência electrónica em processos contraordenacionais, e sobre a aplicação nos processos contra-ordenacionais da concorrência do decidido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 687/2021, no acórdão de 24.02.2022 proferido no proc. 71/18.3YUSTR-M.L1[2]. Nele se decidindo que, “Tal como também foi entendido no acórdão proferido em 4/3/2020 no apenso D, não vislumbramos fundamento para a aplicação ao caso de qualquer regime subsidiário (cf. art. 13º, 59º/2 e 83º do RJC), porquanto não se nos afigura existir lacuna no regime jurídico da concorrência, já que o regime aplicável às práticas restritivas previstas no art. 9º se encontra expressamente regulado no mencionado art. 18º do RJC. Por outra banda, subscrevemos o juízo do Tribunal a quo no sentido de que deve ser excluída a aplicação ao caso da Lei 109/2009 (Lei do Cibercrime), cujo objecto e âmbito de aplicação é bem distinto do da Lei da Concorrência. Aquela lei apenas se aplica aos processos crime, como flui do seu art. 1º, além de que não existe qualquer remissão para esse diploma, quer no RJC, quer no CPP (ex vi art. 41º/1 do RGCO). No sentido da inaplicabilidade da Lei do Cibercrime no domínio do direito contraordenacional da concorrência, vide o acórdão desta Secção PICRS proferido, em 21/12/2020, no apenso D do processo nº 18/19.0YUSTR, assim como o supra citado acórdão proferido pela 3ª Secção Criminal deste TRL em 4/3/2020 (processo nº 71/18.3YUSTR-D.L2). Neste conspecto e ao contrário do que advogam as recorrentes, não tem pertinência para o caso vertente o acórdão do TC nº 687/2021, de 30/8/2021 (publicado no DR nº 185, 1ª série de 22/9/2021), que, em sede de fiscalização preventiva, se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas constantes do seu artigo 5º do Decreto nº 167/XIV da Assembleia da República, na parte que altera o art. 17º da Lei nº 109/2009 (Lei do Cibercrime). Na verdade, as dificuldades técnicas e dogmáticas apontadas pelo TC, quanto à distinção, no âmbito das mensagens de correio electrónico, entre correio «aberto» e «fechado», reportam-se evidentemente ao objecto daquela decisão, ou seja, à Lei do Cibercrime, cuja alteração ao art. 17º estava em apreciação. Quer dizer, face à inaplicabilidade de tal diploma ao caso dos autos, são muito escassos os contributos desse aresto, que cingindo-se ao processo penal (e não se pronunciando sobre o processo contraordenacional) concluiu pela inconstitucionalidade das normas em apreciação no acórdão (alteração ao art. 17º da Lei do Cibercrime).” Por outro lado, a apreensão de correio electrónico lido é permitida pela Lei da Concorrência, sendo que ocorrendo a apreensão de mensagens de correio eletrónico em ambiente empresarial, nunca se verificaria – independentemente de ter sido só apreendido correio eletrónico já lido – qualquer ofensa ao direito à inviolabilidade das comunicações, porquanto estamos no âmbito da esfera jurídica da pessoa coletiva e não das pessoas singulares que colaboram com a Recorrente. A dissemelhança da proteção atribuída pela Lei Fundamental às pessoas singulares e às pessoas coletivas afasta estas últimas do âmbito subjetivo do n.º 4 do artigo 34.º da CRP - entendimento que foi acolhido no acórdão de 24.02.2022 desta Secção, proferido no processo n.º 71/18.3YUSTR-M. Nos termos do artigo 21.º da LdC (na redacção aqui aplicável), a regra é a de que a competência para ordenar a realização das diligências a que se referem as alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 18.º e os arts. 19.º e 20.º é do Ministério Público. Prevê esta norma como excepção, apenas quando expressamente previsto, que esta competência será do Juiz de instrução no caso de autorização da busca domiciliária (cf. n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 19/2012), da presença em busca em escritório de advogados ou consultório médico (cf. n.º 7 do artigo 19.º da Lei n.º 19/2012) ou da apreensão em banco ou instituição de crédito de documento sujeito a sigilo bancário (cf. n.º 6 do artigo 20.º da Lei n.º 19/2012). Do que não se trata, no caso dos autos. Sendo no caso a competência do Ministério Público (por não existir a excepção prevista no artigo 21º da LdC), o escrutínio da validade do mandado emitido só poderia ser feito em sede reclamação hierárquica junto do próprio Ministério Público, atento o princípio de separação de poderes, o princípio da legalidade e as garantias de independência e autonomia do Ministério Público. Esta separação de esferas de competências, que impede que o Juiz de Instrução Criminal sindique a validade dos mandados emitidos pelo Ministério Público, foi recentemente reiterada nesta Secção por acórdão de 07.04.2022, no âmbito do processo n.º 8121/19.0T9LSB-B.L2, no qual se decidiu: “O Tribunal de Instrução Criminal não tem competência para se pronunciar sobre se o MP tem ou não legitimidade para autorizar buscas e apreensões no âmbito do Regime Jurídico da concorrência e muito menos revogar tais actos, não sendo nem instância de recurso dos actos praticados ou autorizados pelo MP nos processo de natureza contra-ordenacional jusconcorrencial, quando não foi o emitente do mandado de busca e apreensão em apreciação (sendo que ao Juiz de Instrução Criminal apenas cabe autorizar as buscas e apreensões especificamente previstas nos arts. 19º nº 1 e 7 e 20º nº6 da LdC)” Tudo isto, sempre sem prejuízo do controlo de plena jurisdição que caberá sempre ao Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão fazer, em sede de recurso de impugnação judicial de eventual decisão final condenatória que venha a ser proferida no âmbito do respectivo processo contraordenacional. Do exposto é forçoso concluir que não está em causa prova proibida, em virtude de a prova apreendida nos autos pela AdC assentar nas disposições conjugadas dos arts. 18º/1 c) e 20º/1 e 2 da LdC, improcedendo, pois, a alegada nulidade. De igual forma, não ocorre a invocada inconstitucionalidade destas normas, assim como do art. 42º do RGCO, tendo em conta a inaplicabilidade ao caso do RGCO (art. 42º/2) e do CPP (art. 126º/1), e o entendimento adoptado de que a apreensão de mensagens enviadas por email já lidas, porque se trata de documentos, não está sujeita à tutela prevista no art. 34º/4 da CRP, não se afigurando que a tese perfilhada seja susceptível de violar qualquer outra norma ou princípio constitucional. Conclui-se, assim, pela improcedência dos recursos, nesta parte. * 2.1.2. Erros notórios na apreciação da prova Estando em causa o recurso de sentença que conheceu de impugnação judicial de uma decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação, importa ter presente o disposto no artigo 75º, n.º 1 do RGCO, que estabelece que, em regra e salvo se o contrário resultar do diploma, este Tribunal apenas conhece de matéria de direito. Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, preceito que estabelece que “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: al. a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; al. b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e al. c) erro notório na apreciação da prova”. Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos vícios elencados tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência apelam para a ideia de “descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”. Para não enfermar de tais vícios, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal). Tais vícios têm que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Não podendo incluir-se neles a sindicância que o recorrente possa pretender fazer à forma como os factos dados como provados foram julgados ou enquadrados juridicamente ou sequer àquela como o Tribunal recorrido valorou a prova produzida, a qual é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no artigo 127.º, do Código Processo Penal, sem que tal encerre qualquer inconstitucionalidade. O erro notório na apreciação da prova consiste, assim, num vício de apuramento da matéria de facto que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum. Traduz um defeito estrutural da decisão penal, que não do julgamento. Verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. O seu regime legal não prevê a reapreciação da prova – contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto – limitando-se a actuação do tribunal de recurso à detecção do defeito presente na sentença e, não podendo saná-lo, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (artigo 426º, nº 1 do Código de Processo Penal). Vejamos. O Recorrente AA entende que devia ter sido dado como provado que a Somafel teve contactos com a N..., S.A. com o propósito de alargar o Consórcio C... à mesma, o que alega ter resultado da prova produzida (depoimento da testemunha CC e declarações prestadas pelo Recorrente) e resultar da experiência comum que a existência de contactos com o propósito de discutirem a possibilidade e a viabilidade de um consórcio é normal. Pelo que, conclui, a decisão quanto à não prova dos factos a) a g) deve ser revogada e alterada, por enfermar de erro notório na apreciação da prova, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º n.º 2 alínea c) do CPP, ex vi artigo 41.º n.º 1 do RGCO, devendo os mesmos ser dados como provados. Também a Somafel invocou a existência de erro notório na apreciação da prova que esteve na base na decisão de julgar não provados os factos a. a g., pelo que conclui que a sentença deve ser revogada e alterada nessa parte, considerando-se os factos. a. a g. como provados. E, consequentemente, deve ser alterada a matéria de facto de índole subjectiva, em particular os pontos 142 a 148 da matéria de facto provada, por não se poderem dar como provados os factos objectivos na base da mesma, devendo o processo baixar à primeira instância para alteração da qualificação jurídica atribuída à conduta da Somafel para que a mesma possa ser absolvida. Os Recorrentes Fergrupo e BB imputam também à sentença “vícios graves na apreciação da matéria de facto”. Alegam que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provada a factualidade constante das págs. 199 e 200 da sentença, que foi provada pelos Recorrentes em sede de audiência de julgamento. Concluindo que o Tribunal apreciou mal a prova ou que a sua convicção foi formada com base em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, devendo ser declarada nula a decisão recorrida. Como dissemos acima, o vício decisório de erro notório na apreciação da prova traduz um defeito estrutural da decisão e não do julgamento, prescindindo da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum. Ora, o que os Recorrentes, em suma, alegam é que o Tribunal apreciou/valorou mal a prova que foi produzida e que determinados factos que considerou não provados e deviam ter sido considerados provados. Impugnando, afinal, a matéria de facto considerada na sentença com fundamento na sua própria convicção àcerca da prova que foi produzida. Nos termos do art. 127.º do CPP a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a convicção da entidade competente, que, no caso, é o Juiz. E a decisão de considerar não provada a matéria das als. a) a g) da matéria de facto mostra-se fundamentada na sentença. De forma suficiente, clara e coerente, não se vislumbrando qualquer facto ou motivação contraditórios ou que contrariem com toda a evidência, do ponto de vista de uma pessoa de formação média, a lógica mais elementar ou as regras da experiência comum. Sendo normal a existência de contactos com o propósito de discutir a possibilidade e a viabilidade de um consórcio (não havendo, por isso, necessidade de apagar os emails trocados referentes a tais contactos, cfr. resulta dos pontos 80 e 131 da matéria de facto provada), o facto é que o Tribunal recorrido julgou não provado que os contactos havidos tivessem esse propósito. No mais, a alegação dos Recorrentes reconduz-se a um defeito que imputam ao julgamento da matéria de facto na sequência da sua própria convicção sobre a prova, o que não integra o vício decisório previsto no art. 410.º, n.º2, al. c) do CPP. Resta assim concluir pela improcedência dos recursos, nesta parte. * 2.1.3. Da falta de fundamentação Consagrada no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a fundamentação constitui uma garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, funcionando como condição de legitimação externa das decisões dos tribunais, ao permitir a verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que as determinaram. [3] Para além disso, assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que assegura o conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, de modo a facultar a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos, revelando-se, assim, essencial para o exercício do direito ao recurso.[4] Consequentemente, serve também um propósito intraprocessual voltado para a reapreciação das decisões que caracteriza o sistema recursório, pois permite ao tribunal superior conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico contido em tais decisões, para efectuar o seu próprio juízo no âmbito da sindicância que cumpre realizar.[5] Estabelece o artigo 374.º, n.º 2 do CPP que a fundamentação da sentença consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Os Recorrentes Fergrupo e BB sustentam que a sentença recorrida padece de falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 374.º, n,º 2 do CPP, aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO, bem como, para além de erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito, de uma contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, subsidiariamente aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO. Em síntese, por não ter procedido a qualquer análise do mercado, limitando-se a concluir que o mercado relevante corresponderá ao mercado nacional tal como identificado e caracterizado pela AdC, concluindo que deve improceder a conclusão de que o mercado é uno, que os operadores concorrem entre si a jusante e que existiu afectação de comércio entre Estados-Membros. Alegam que a AdC recorreu a estimativas de quotas de mercado para concluir que a alegada restrição da concorrência aqui em causa é sensível, dando assim como preenchido o elemento do tipo objectivo “carácter sensível da restrição da concorrência”, tendo o TCRS limitado-se a reproduzir estas conclusões sem empreender qualquer análise ou juízo crítico. Tal como no que respeita à conclusão de que existirá uma susceptibilidade de afectação do comércio entre Estados-Membros, apenas com base nas quotas de mercado referidas pela AdC e com base nas quais se concluiu pela violação do artigo 101.º do TFUE, sem qualquer explicação adicional que permita perceber como poderia a apresentação de propostas a concursos para manutenção da ferrovia em determinada região de Portugal afectar as trocas comerciais entre dois países estrangeiros. Alegam que, tendo as visadas sido condenadas no quadro de uma infração horizontal, entre concorrentes, o Tribunal não explicou em que medida as empresas visadas eram efectivamente concorrentes entre si, limitando-se a uma presunção simplista de que se as visadas são empresas que oferecem e concorrem à prestação de serviços de manutenção de via, em concursos organizados pela IP (em lotes) para Portugal Continental. Concluem que, ao não considerar o contexto económico e jurídico da infracção, como de resto a jurisprudência mais recente do TJUE impõe, a sentença incorreu num vício de análise que se traduz na clara falta de fundamentação da decisão e num erro grosseiro sobre os pressupostos de facto e de direito. Alegam ainda que para concluir que as condutas das visadas configuraram restrições graves da concorrência com um objetivo anticoncorrencial, a sentença deveria ter fundamentado com detalhe por que motivo entende que os comportamentos da Recorrente constituem uma restrição por objecto, ignorando sem mais as justificações apresentadas pela Recorrente e bastando-se apenas com a aplicação de uma lógica de presunção baseada puramente na quota de mercado das visadas. Ficando por demonstrar, alegam, que os alegados acordos celebrados entre as visadas continham restrições da concorrência de natureza grave. Concluem que tal omissão consubstancia uma violação do dever de fundamentação, devendo a sentença ser revogada por violação do princípio da presunção da inocência, por ter-se bastado com a presunção de infração, e por manifesta falta de fundamentação, em particular quanto ao conceito de acordo ou prática concertada, objecto restritivo e carácter sensível da restrição. No que respeita à falta de fundamentação, entendem por último os Recorrentes que a sentença recorrida não fundamenta a diferenciação das medidas da coima aplicadas à Recorrente Fergrupo e à também visada Somafel. Vejamos, por partes. A sentença começou por fazer a exposição do Direito aplicável e jurisprudência relevante sobre a matéria essencialmente nas páginas 218 a 229. Quanto à análise do mercado e preenchimento do elemento do tipo objectivo “carácter sensível da restrição da concorrência”, não padece de falta de fundamentação a sentença que, como referem os Recorrentes, conclui que o mercado relevante corresponderá ao mercado nacional tal como identificado e caracterizado pela AdC e que, recorrendo a estimativas de quotas de mercado conclui que a restrição da concorrência aqui em causa é sensível, ou significativa. Escreveu-se a respeito na sentença: “Face ao exposto, como já adiantado, as empresas visadas adotaram, em conjunto e conscientemente, um plano de ação comum no mercado nacional de prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, condicionando reciprocamente a sua liberdade de ação e eliminando a incerteza dos respetivos comportamentos, ou seja, apresentando todas as características que permitem caracterizar a existência de dois “acordos” na aceção do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 19/2012 e do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE, quando elas eram as únicas empresas elegíveis no mercado em causa, isto é, as únicas concorrentes entre si. As empresas visadas, que formavam um verdadeiro oligopólio no mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, substituíram, conscientemente, os riscos normais da concorrência por um sistema de cooperação, adotando e implementando um plano de ação comum com vista a coordenar o seu comportamento para efeitos da participação nos concursos lançados pela REFER/IP com o fim de (i) aumentar o preço contratual máximo estabelecido nos concursos econtratos n.º ...80 e econtratos n.º ...30 (Concurso I e Concurso II, respetivamente), para, posteriormente, (ii) repartir entre si o mercado, fixando o nível de preços, mediante a partilha dos lotes constantes do procedimento concursal econtratos n.º ...98 (Concurso III), independentemente dos seus efeitos, diga-se. Com efeito, é dado objetivo que os dois acordos em causa têm por objeto a restrição da concorrência no mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, sendo ainda evidente que esses acordos foram executados e implementados pelas empresas visadas e que dos mesmos resultou uma distorção das regras de funcionamento concorrencial do mercado em que ocorreram os procedimentos concursais objeto dos presentes autos. E as empresas visadas, ao adotarem os referidos dois acordos restritivos da concorrência, afetando a prestação de serviços de interesse público, de enorme importância para os utilizadores das ferrovias, acordos esses que, como se viu, abrangem a totalidade do território de Portugal continental e representando totalidade dos agentes económicos envolvidos à data dos factos, a totalidade do mercado, dúvidas inexistem em concluir-se pelo carácter sensível das restrições em apreço. Sendo que, apresentando-se as visadas como líderes no mercado português, pertencentes a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros Estados-Membros, os seus comportamentos conduziram à alteração, em todo o território de Portugal continental, das condições concorrenciais na prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, sendo, por isso, suscetíveis de afetar o respetivo mercado nacional, anulando qualquer comportamento concorrencial por parte das únicas empresas que operavam no mercado em causa, e, subsequentemente, face à sua gravidade e dimensão, suscetíveis de produzir os mesmos efeitos no comércio entre os Estados-Membros, quando, ademais, a dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado são fatores tidos em consideração por investidores internacionais no mercado nacional.” Depois de ter enunciado as normas aplicáveis e a jurisprudência relevante designadamente quanto aos conceitos de acordos, concorrência, restrição por objecto, por efeito, e “sensível” ou significativa, e de ter (págs. 229 a 236) apreciado a conduta das Visadas que resulta da matéria de facto provada, como decorre da leitura deste breve trecho final, a sentença identificou e caracterizou o mercado (mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional); os acordos (o plano de acção comum no mercado nacional de prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, adoptado em conjunto e conscientemente pelas empresas visadas, com vista a coordenar o seu comportamento para efeitos da participação nos concursos lançados pela REFER/IP com o fim de (i) aumentar o preço contratual máximo estabelecido nos concursos e contratos n.º ...80 e contratos n.º ...30 (Concurso I e Concurso II, respetivamente), para, posteriormente, (ii) repartir entre si o mercado, fixando o nível de preços, mediante a partilha dos lotes constantes do procedimento concursal e contratos n.º ...98 (Concurso III), independentemente dos seus efeitos); a concorrência (eram as únicas empresas elegíveis no mercado em causa, isto é, as únicas concorrentes entre si, formando um verdadeiro oligopólio no mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional); a restrição por objecto (os dois acordos em causa - e foram detalhadamente analisados na sentença, imediatamente antes do trecho citado - tinham directamente por objecto, visavam, a restrição da concorrência no mercado nacional da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga); a gravidade e a susceptibilidade de afectação do comércio entre Estados-Membros (apresentando-se as visadas como líderes no mercado português, pertencentes a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros Estados-Membros, os seus comportamentos conduziram à alteração, em todo o território de Portugal continental, das condições concorrenciais na prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, sendo, por isso, suscetíveis de afectar o respetivo mercado nacional, anulando qualquer comportamento concorrencial por parte das únicas empresas que operavam no mercado em causa). Quanto à restrição sensível da concorrência, alegam os Recorrentes que o Tribunal a quo não formulou a fundamentação necessária para concluir que foi observada uma restrição sensível da concorrência, condição sine qua non da aplicabilidade do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE. Sem razão, no entanto. Escreveu-se na sentença (págs. 222 - 238): “(…) embora a letra do art. 101.º, n.º 1 do TFUE possa sugerir que qualquer restrição da concorrência é abrangida pela proibição, cedo foi esclarecido pelo Tribunal de Justiça que apenas as restrições sensíveis da concorrência são abrangidas (sejam elas por objeto ou efeito): “um acordo não é abrangido pela proibição do artigo [101.º(1)] quando tenha apenas um efeito insignificante no mercado, atendendo à fraca posição das pessoas em causa no mercado do produto em questão” – Acórdão do TJUE de 9 de julho de 1969, Völk c. Vervaecke (5/69), C.J. (1969) 295. Não obstante, o Tribunal Europeu tem vindo a tender para considerar a existência de uma afetação sensível sempre que essa afetação seja possível (ainda que de modo algo remoto). Esta precisão já consta também da letra do art. 9.º, n.º 1 da LdC, através do uso da expressão “de forma sensível”. Sobre esta questão assume particular importância as Orientações da Comissão Europeia [Publicadas no Jornal Oficial a 14/01/2011, páginas 001 a 0072] sobre a aplicação do art. 101.º do TFUE aos acordos de cooperação horizontal, no ponto 2, relativo aos “Princípios gerais da apreciação em termos de concorrência dos intercâmbios de informação”. Segundo estas Orientações, deve ser entendido como uma restrição da concorrência pelo objeto, a troca de informações de uma empresa relativas a um comportamento futuro acerca de preços e quantidades. Por outro lado, entende-se que a troca de informações passadas em que não está em causa nem preços nem volumes de faturação, ou delas se possa retirar uma estratégia futura da empresa, não deve ser considerada como uma restrição da concorrência pelo objeto (ou seja, pela sua natureza independentemente da demonstração dos efeitos). A análise deve ser efetuada caso a caso. O Tribunal de Justiça (nomeadamente, no acórdão John Deere) considerou que a troca de informações precisa e com uma periodicidade frequente, num mercado altamente concentrado, oligopolístico até, onde a concorrência é muito ténue e a troca de informação muito facilitada, é suscetível de alterar significativamente a concorrência entre os operadores económicos. Considerou ainda o Tribunal de Justiça que o Tratado proíbe tanto os efeitos anticoncorrenciais reais e efetivos como os meramente potenciais, desde que estes sejam suficientemente sensíveis. Deste modo, a troca de informações não faz mais do que atenuar ou até suprimir para outros operadores qualquer incerteza no comportamento dos seus concorrentes, permitindo às empresas conhecer as posições de marcado, estratégias comerciais dos seus concorrentes, alterando de modo sensível a concorrência entre operadores económicos. (… ) E as empresas visadas, ao adotarem os referidos dois acordos restritivos da concorrência, afetando a prestação de serviços de interesse público, de enorme importância para os utilizadores das ferrovias, acordos esses que, como se viu, abrangem a totalidade do território de Portugal continental e representando totalidade dos agentes económicos envolvidos à data dos factos, a totalidade do mercado, dúvidas inexistem em concluir-se pelo carácter sensível das restrições em apreço.” [destaque nosso] Podem os Recorrentes não concordar com o decidido - e nesse caso a fundamentação da sentença nunca será suficiente nem “a necessária” – mas, considerando que, de acordo com o art. 379.º do CPP a sentença só é nula quando não contiver, nomeadamente, as menções referidas no n.º2 do art. 374.º, e que de acordo com este n.º2 a fundamentação tem apenas de conter uma exposição concisa, ainda que tanto quanto possível completa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, tem de concluir-se que é suficiente a fundamentação dos motivos da decisão no que respeita à qualificação das restrições à concorrência como sensíveis, ou significativas. A sentença também se pronunciou fundamentadamente, a págs. 239 a 242, sobre o contexto económico e jurídico da infracção: “Destarte, as ora Recorrentes, Fergrupo e Somafel, em sentido semelhante, advogaram que os acordos em causa estariam justificados atendendo ao contexto económico e jurídico em que tais acordos teriam sido concluídos, nomeadamente, à luz dos reduzidos valores constantes dos três concursos em referência e da intenção das empresas visadas de apresentar proposta conjunta, em consórcio, juntamente com as restantes visadas pelo PRC/2016/6, no âmbito dos três concursos objeto do presente processo. Neste sentido, as empresas visadas justificam, por um lado, os contactos entre todas as visadas pelo processo, com o propósito de a N..., S.A. vir a integrar o Consórcio C... e, por outro lado, a apresentação de propostas acima do preço base, com o intuito de sinalizar à IP a impossibilidade de prestação dos serviços pelo preço proposto. Bem como sublinham o impacto que a intervenção do IP provocou no seu comportamento, ao comunicar-lhes, apenas 10 (dez) dias úteis antes de finalizar o prazo, a impossibilidade de apresentar proposta em consórcio no Concurso III. Esta circunstância, na sua perspetiva, obrigou-as a apresentar proposta individual sobre os lotes com localização geográfica coincidente com os lotes em que cada empresa visada já estava a prestar serviços no âmbito dos serviços de manutenção de via e de catenária, porquanto só assim conseguiriam assegurar a prestação dos serviços aos valores exigidos. A prática concertada ou decisão de associação de empresas que preencha os requisitos do art. 101.º, n.º 1 do TFUE ou do art. 9.º, n.º 1 da LdC, ou seja, que caia no âmbito da proibição geral, pode ainda assim ser permitida por uma lógica de justificação económica. Em suma, entende-se que pode haver uma restrição da concorrência que acabe por ser positiva para o bem-estar dos consumidores. Para tal, é necessário que cumpra os quatro requisitos cumulativos indicados tanto no art. 101.º, n.º 3 do TFUE como no art. 10.º, n.º 1 da LdC, isto é: (i) contribuir para melhorar a produção ou a distribuição de bens ou serviços ou para promover o desenvolvimento técnico ou económico; (ii) reservar aos utilizadores uma parte equitativa do benefício daí resultante; (iii) não impor às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis para atingir esses objetivos; e (iv) não dar às empresas em causa a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado em causa. Ora, reportando-nos ao caso concreto, não se vislumbra em que medida o acordo evidenciado entre as empresas visadas dos concursos em crise não lhes tenha permitido eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado em causa, quando elas eram as únicas empresas pré-qualificadas, admitidas a concurso, no mercado de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga. (…) Diante do exposto, face à necessidade da evidenciação cumulativa dos quatro requisitos supra assinalados e não se verificando, desde logo, que o comportamento assumido pelas empresas visadas não deu às mesmas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado em causa, pelo contrário, o mesmo não se apresenta justificável, quedando-se prejudicada a análise dos demais argumentos invocados, sendo que os mesmos, a verificarem-se, nunca se mostrariam bastantes para justificar o cartel objetivamente constatado. Sem prejuízo do exposto, importa realçar que o alegado contexto de crise económica que se fazia sentir à data dos lançamentos dos concursos, facto notório e por isso não carecido de ser elencado na factualidade, e a alegada baixa contínua dos preços lançados pela REFER/IP, não justifica ou legitima de per si qualquer atuação ilícita das empresas visadas, porquanto se sabe que é precisamente nos momentos de crise financeira que surgem as práticas restritivas à concorrência com vista à minimização dos prejuízos dela resultantes, através da eliminação do risco, da imprevisibilidade, da concorrência, como sucedeu no caso em apreço.” No que respeita à medida das coimas concretamente aplicadas à Fergrupo e a Somafel, a sentença julgou proporcionais à gravidade dos factos, suportadas pelo grau de culpa das Recorrentes, necessárias, adequadas e suficientes para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso e compatíveis com a situação económico-financeira das Recorrente, fixar as seguintes coimas parcelares. - À FERGRUPO, €450.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015; e €315.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015 - À SOMAFEL, €485.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015; e €330.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015. E as seguintes coimas únicas: - À FERGRUPO, no valor de €600.000,00. - À SOMAFE, no valor de €640.000,00. A fundamentação consta no capítulo “DA ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA SANÇÃO” e em especial, no que para aqui releva, a fls. 254 e ss da sentença. De que consta uma análise fundamentada da verificação em concreto, em relação a cada uma das empresas Visadas, dos critérios legais de determinação da medida concreta das coimas. E de que resultam evidenciadas diferenças, v.g. das situações económico-financeiras, espelhadas pelo respectivos volumes de negócios, entre as duas Visadas. Sendo certo que a sentença não tem que fundamentar a diferenciação das respectivas medidas e sim as coimas concretamente aplicadas, o que fez. Improcede, pois, este segmento do recurso dos Recorrentes. * 2.1.4. Omissão de pronúncia Entendem os Recorrentes Fergrupo e BB que a sentença não analisa ou concretiza como poderiam os serviços em causa ser susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros, bastando-se com a afirmação de que aquelas práticas seriam, “face à sua gravidade e dimensão, suscetíveis de produzir os mesmos efeitos no comércio entre os Estados-Membros, quando, ademais, a dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado são fatores tidos em consideração por investidores internacionais no mercado nacional”. Limitando-se, afinal, a enunciar uma presunção ou opinião, onerando assim a Recorrente com uma infração também ao artigo 101.º do TFUE, com reflexo directo na coima aplicada. Alegam também que a sentença não se pronunciou sobre a questão da duração das infrações que haviam colocado ao Tribunal como fundamento para a redução da coima. Concluem que a sentença não cumpriu a determinação legal de conhecer de todas as questões alegadas pelas partes, o que acarreta, necessariamente, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do artigo e artigo 379.º, n.º 1, al c) do CPP, aplicável ex vi do artigo 13.º, n.º1 da LdC e do artigo 41.º, n.º 1 do RGCO. O vício de omissão de pronúncia ocorre, apenas, quando a sentença deixa de “pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar” (cfr. artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO). Esta nulidade relaciona-se com a norma ínsita ao artigo 608º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que as questões omitidas que ditam a nulidade da sentença em recurso contra-ordenacional são aquelas que tenham sido arguidas pelas partes e as demais cujo conhecimento seja imposto por lei e em relação às quais não se considere que o seu conhecimento ficou prejudicado pela solução dada a outras ou que não são, implicitamente, relevantes para a decisão da causa. A falta de pronúncia que determina a nulidade incide, pois, sobre as “questões” e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.[6] Ora, como resulta da transcrição da sentença que fizemos acima – “Sendo que, apresentando-se as visadas como líderes no mercado português, pertencentes a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros Estados-Membros, os seus comportamentos conduziram à alteração, em todo o território de Portugal continental, das condições concorrenciais na prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via na rede ferroviária nacional, via larga, sendo, por isso, suscetíveis de afetar o respetivo mercado nacional, anulando qualquer comportamento concorrencial por parte das únicas empresas que operavam no mercado em causa, e, subsequentemente, face à sua gravidade e dimensão, suscetíveis de produzir os mesmos efeitos no comércio entre os Estados-Membros, quando, ademais, a dinâmica e a estrutura concorrencial do mercado são fatores tidos em consideração por investidores internacionais no mercado nacional.” – é manifesto que o Tribunal se pronunciou sobre a susceptibilidade de os comportamentos das Visadas produzirem uma afectação do comércio entre os Estados-Membros. Quanto ao tempo de duração das infracções, a sentença conheceu da questão que lhe cabia conhecer, a da medida da coima, de que “a curtíssima duração das infrações” constituía fundamento para a impugnação dos Recorrentes. Pelo que não resta senão concluir que a sentença não padece da omissão de pronúncia que os Recorrentes lhe imputam, não se vislumbrando qualquer omissão de pronúncia na sentença. * 2.1.5. Contradição insanável da fundamentação (e entre esta e a decisão) A contradição insanável da fundamentação verifica-se, apenas, quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão. No caso e no que respeita ao vício de contradição insanável da fundamentação de que os Recorrentes Fergrupo e BB alegam que a sentença padece também, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, subsidiariamente aplicável por remissão sucessiva dos artigos 13.º, n.º 1 da LdC e 41.º, n.º 1 do RGCO, entendem que tal se verifica ao referir-se que não se apurou o lucro concreto extraído, e, do mesmo passo, que é certo que as empresas retiraram vantagens, e no que respeita ao grau de culpa da Recorrente, que não foi cabalmente analisado e justificado. Sem razão, não sendo antagónicas as conclusões referentes ao lucro e às vantagens obtidas. Escreveu-se na sentença: “Quanto às vantagens de que beneficiaram as infratoras, pese embora não se tenham apurado o lucro concreto extraído por cada uma das infrações, certo é que ambas as empresas retiraram vantagens das mesmas, permitindo reduzir a incerteza quanto ao modo como avaliavam o funcionamento do mercado e quanto ao comportamento futuro das suas concorrentes, ajustando as suas estratégias individuais em conformidade, e, como tal, alterar as condições concorrenciais no mercado e coordenar, deste modo, o seu comportamento no mercado, em seu exclusivo benefício e em detrimento não só dos seus concorrentes mas dos próprios consumidores. A alteração das condições concorrenciais no mercado representa, pois, uma clara vantagem para as empresas visadas, uma vez que constitui para estas uma garantia de não concorrência, ou de falseamento da concorrência, de que elas serão as principais beneficiárias.” As vantagens a que, fundamentadamente, alude a sentença não estão directamente relacionadas com o lucro concreto obtido pelos Recorrentes com o cometimento de cada infracção, pelo que não há qualquer conclusão antagónica entre si. Sem razão, também, no que respeita à culpa da Recorrente. Em rigor, a contradição apontada pelos Recorrentes refere-se ao que foi considerado provado e ao que entendem que não devia ter sido considerado como tal no que respeita ao dolo da Recorrente Fergrupo, de que alegam não existir nenhuma evidência nos autos continuando a analisar a prova produzida (cfr. cls. 292 a 300). Age com dolo, nos termos do art. 14.º, n.º1 do Código Penal, quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar. O que resultou demonstrado que a Recorrente fez. Com efeito, resultou provado - o que os Recorrentes pretendem impugnar, concluindo nas suas alegações que não existe dolo da Recorrente quanto à participação nos referidos acordos visando um efeito restritivo a concorrência – que: 143. Fergrupo e Somafel sabiam, pois, que através da adoção, nos termos em que o fizeram, daqueles acordos, traduzidos na repartição do mercado e na fixação artificial do nível dos preços, resultariam restrições da concorrência e, não obstante, optaram por as assumir. 144. Agiram, assim, de forma livre, consciente e voluntária, tendo representado, querido e aceite entre si os acordos que lograram obter, sabendo que tais condutas eram proibidas por lei, tendo, ainda assim, querido realizar todos os atos necessários à sua verificação. E, em relação a BB, que: 145. BB, da Fergrupo, administrador e diretor geral da Fergrupo, com larga experiência profissional em procedimentos de contratação pública no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via e, portanto, conhecedor das regras da concorrência a eles inerentes, não podia ignorar, como não ignorava, que ao assumir tais trocas de informações com empresas diretamente concorrentes da Fergrupo, nos moldes e nos timings em que o fez, assumindo acordos estratégicos de participação nos concursos públicos em causa, estava a incorrer na sua violação. 146. BB, ao pedir reiteradamente para apagar diversas mensagens de correio eletrónico que referiam a adoção e/ou implementação dos acordos celebrados pelas empresas visadas, sabia da ilicitude e censurabilidade da sua conduta, nada tendo feito para a evitar. Reitera-se que, de acordo com o disposto no art. 75.º do RGCO, no caso dos autos este Tribunal da Relação conhece apenas de matéria de Direito, o que exclui o conhecimento de impugnação de matéria de facto alegada como contradição insanável da fundamentação. O vício de contradição insanável da fundamentação previsto o art. 410.º, n.º2, al. b) do CPP verifica-se, apenas, no que respeita exclusivamente à contradição da fundamentação (que não entre a fundamentação e a decisão) quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, nos termos supra explanados. E no caso não se vislumbra qualquer contradição da fundamentação, nem os Recorrentes a identificam (para além do que alegam ter sido uma errada apreciação da prova produzida por parte do Tribunal e de uma falta de “justificação e análise cabal” do grau de culpa). Os factos dados como provados acima transcritos mostram-se suficiente e coerentemente motivados no capítulo “Dos factos” da sentença, a págs. 200 a 217, e as respectivas conclusões de Direito a págs. 238 e (relativamente a BB) a págs. 246. Pelo que resta concluir que não se verifica o vício que os Recorrentes imputam à sentença. Também a Autoridade da Concorrência imputou à sentença o vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, ao absolver as Visadas Fergrupo e Somafel da sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, por considerar que a mesma não se justifica, sem sustentação na matéria de facto considerada provada. Também sem razão, adianta-se. A nulidade por contradição entre os fundamentos e decisão verifica-se sempre que, considerada a decisão final como o desenlace de um raciocínio, se regista, a final, uma contradição – uma contradição lógica – entre os pressupostos e a conclusão (todos os argumentos apontavam para certa decisão e, sem que nada o fizesse esperar, a decisão final foi a oposta ou diferente da que se anunciava)[7]. O que não se verifica na sentença recorrida. Que absolveu as Visadas da sanção acessória em questão, que havia sido aplicada na decisão administrativa, com a seguinte fundamentação: “As infrações cometidas pela FERGRUPO e pela SOMAVEL são ainda puníveis com as sanções acessórias previstas no artigo 71.º, n.º 1, al. a) e b) da LdC, ou seja, publicação, a expensas do infrator, de decisão de condenação proferida no âmbito do processo, no Diário da República e/ou num jornal de expansão nacional, regional ou local, após o trânsito em julgado; e/ou privar, as empresas condenadas “do direito de participar em procedimentos de formação de contratos cujo objeto abranja prestações típicas dos contratos de empreitada, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços ou ainda em procedimentos destinados à atribuição de licenças ou alvarás, desde que a prática que constitui contraordenação punível com coima se tenha verificado durante ou por causa do procedimento relevante”, durante um período máximo de dois anos, contados da decisão condenatória, após trânsito em julgado. Para o efeito, conforme resulta da letra da lei, importa ponderar se a gravidade da infração e a culpa do infrator as justificam, bem como, responsavelmente, os efeitos que da aplicação das mesmas podem advir tanto para as empresas como para o normal funcionamento do mercado, a coberto pelo princípio da proporcionalidade constante no artigo 18.º da CRP. Apesar das elevadas exigências de prevenção geral e especial assinaladas, bem assim o evidente desvalor da conduta das visadas Recorrentes, a gravidade das infrações e a culpa das Recorrentes, na modalidade de dolo direto, e não obstante a AdC ter optado por restringir a privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, certo, é que ambas as Recorrentes, operadoras no mercado há largas décadas, são primárias, estando o Tribunal convicto que a censura do seu comportamento, a decorrente condenação na coima única aplicada, a par da publicação, a expensas suas, da presente decisão, no Diário da República e num jornal de expansão nacional, servirão de advertência bastante para a dissuadir de assumir comportamentos semelhantes no futuro. Por outro lado, não podemos ficar indiferentes ao impacto que a sanção de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, mesmo restringida às prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, teria ao nível de perda de postos de trabalho nas empresas Recorrentes, com os inerentes e evidentes danos sociais e económicos, quer para os trabalhadores, quer para o próprio Estado, quando, ademais, vivemos um período de crise económica, criada pela pandemia do novo coronavírus, covid-19, que, por si só, tem revelado inegáveis perdas de postos de trabalho nos vários setores da economia. Considera-se, assim, que não se justifica a condenação de cada uma das Recorrentes na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via. Em súmula, quanto às sanções acessórias, mantendo-se a condenação de cada uma das empresas Recorrentes na sanção acessória prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º da LdC, altera-se a decisão da AdC quanto à condenação na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via durante o período de 2 (dois) anos, absolvendo-as da mesma.” [destaques nossos] Não se verifica nenhuma contradição lógica entre a decisão de absolvição da sanção acessória em questão e os fundamentos que a sustentaram, não há nenhum vício de raciocínio, nenhuma surpresa na decisão assim fundamentada, sendo a decisão perfeitamente coerente com a fundamentação. Invoca também a AdC a existência de um vício de contradição entre a decisão de redução do quantum das coimas aplicadas pela AdC e a respectiva fundamentação, na parte em que a sentença considera como circunstância atenuante da medida da coima um factor que não emergiu da matéria de facto considerada provada, e quando sustenta na sua motivação (p. 259) que a “(…) atuação censurável das visadas, objetivamente observável, quando as mesmas poderiam e deveriam ter assumido um comportamento distinto”. Na sentença decidiu-se reduzir o montante concreto das coimas com a fundamentação desenvolvida ao longo de cinco páginas (254-259), pelo que se afigura temerária a alegação do vício decisório de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – sequer qualquer contradição insanável da fundamentação - sustentada numa citação descontextualizada. Considerar a actuação das visadas censurável e que estas podiam e deviam ter agido de outra forma não é contraditório com a redução da medida concreta da coima, é um dos pressupostos para a aplicação da coima. Nem tal conclusão é contraditória com a primeira parte do segmento da fundamentação que se refere à conduta da REFER/IP: “(…) A par, não podemos deixar de reconhecer que a conduta da REFER/IP nos concursos em crise, de certa forma, concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa, sem que com isto se mostre justificada ou desculpabilizada a atuação censurável das visadas, objetivamente observável, quando as mesmas poderiam e deveriam ter assumido um comportamento distinto, nos termos deixados consignados na apreciação que se fez a respeito na subsunção dos factos ao Direito aplicável. De facto, não podemos ignorar as recomendações do Tribunal de Contas à entidade adjudicante, não acatadas, a respeito dos concursos em causa, nos termos que se passam a transcrever: “Recomenda-se, no entanto, que em futuros procedimentos a entidade adjudicante se abstenha de fixar preços mínimos ou outras cláusulas que limitem a concorrência, não observando o regime do preço anormalmente baixo.” (sic) – vide fls. 32 verso e 33. Ora, a REFER/IP ao lançar os concursos em apreciação nas condições em que o fez, fixando um preço mínimo e permitindo que as visadas, que atuavam num verdadeiro oligopólio no mercado em causa, se agrupassem, pese embora pré-qualificadas individualmente, não obstante alertada para as consequências que daí pudessem advir, permeabilizou a atuação das visadas nos termos demonstrados. Tudo ponderado, entende-se que são proporcionais à gravidade dos factos, suportadas pelo grau de culpa das Recorrentes, necessárias, adequadas e suficientes para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso e compatíveis com a situação económico-financeira das Recorrente, fixar as seguintes coimas parcelares: (…)” Ou seja, por um lado, nesta apreciação o Tribunal recorreu ao teor um documento junto aos autos, contendo uma recomendação do Tribunal de Contas à entidade adjudicante a respeito dos concursos em causa e, por outro, sublinhou que a conduta da REFER/IP nos concursos não significa que se mostre justificada e desculpada a conduta censurável das Visadas (tanto mais que o Tribunal apenas refere não poder deixar de reconhecer que a conduta da REFER/IP nos concursos, de certa forma, concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa; e que permeabilizou a atuação das visadas). A recomendação do Tribunal de Contas já antes tinha sido referida na sentença (cfr. fls. 241 (“as empresas visadas…distorceram as regras do mercado … discutindo e acordando os preços a apresentar e a estratégia quanto aos lotes a concorrer. O resultado do concurso o evidenciou, conforme a própria IP desconfiou e o Tribunal de Contas denunciou.”) [destaque nosso] Ora, esse raciocínio lógico percorrido pelo Tribunal não contém qualquer contradição com a decisão de reduzir o montante concretos das coimas, sendo mesmo coerente com essa decisão. Invoca ainda a AdC a existência de um outro vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de redução do quantum da coima única aplicada pela AdC, alegando em síntese que o Tribunal remeteu para os termos do artigo 19.º do RGCO e, em contradição com o disposto nessa norma em conjugação com os limites definidos nos n.ºs 2 e 4 do artigo 69.º da LdC, decidiu como “adequada, necessária e suficiente uma coima a fixar entre o mínimo e meio da moldura legal abstrata, mais próximo deste último”, o que se traduziu numa injustificada redução das coimas aplicadas pela AdC. Também não se vislumbra qualquer contradição insanável entre a fundamentação devidamente contextualizada e a decisão de reduzir o montante das coimas únicas aplicadas aos Visados (não se compreendendo a alegação de contradição da decisão com o disposto no art. 19.º do RGCO em conjugação com o art. 69.º, n.ºs 2 e 4 da LdC). Com efeito, escreveu-se na sentença, em sede de apreciação da coima única a aplicar: No que respeita à coima única a fixar entre o mínimo, correspondente à sanção de maior valor (cfr. art. 19.º, n.º 3 do RGCO, aplicável ex vi art. 13.º, n.º 1 da LdC) e o limite máximo decorrente da soma das duas coimas (cfr. art. 19.º/1, do RGCOC), sob as condicionantes previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 19.º do RGCO e “em função da apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente”, precedentemente feita, aquando da concreta determinação das coimas parcelares, entende-se que é adequada, necessária e suficiente uma coima a fixar entre o mínimo e meio da moldura legal abstrata, mais próximo deste último, ou seja: - Quanto à FERGRUPO - Uma coima única no valor de € 600.000,00. - Quanto à SOMAFEL - Uma coima única no valor de € 640.000,00. Efetivamente, a apreciação conjunta dos factos revela um grau de irresponsabilidade social-adscritivo das Recorrentes, que justifica claramente a aplicação de uma coima com potencial intimidatório, mas também temperada pelos fatores favoráveis às mesmas supra referidos.” [destaques nossos] A AdC entende existir também uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão de absolver as Recorridas da sanção acessória prevista no n.º 1 do artigo 71.º da LdC, tal como aplicada pela AdC. Alega que ao absolver as Recorridas Fergrupo e Somafel da respectiva condenação na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, por considerar que a mesma não se justifica, sem sustentação na matéria de facto considerada provada que enquadra as práticas jusconcorrenciais ilícitas, o Tribunal a quo – nesta justa parte – incorreu numa contradição insanável com a sua fundamentação. Também aqui, sem razão. A decisão de absolver as Visadas da sanção acessória aplicada pela AdC está em consonância com a respectiva fundamentação: nos termos do disposto no art. 71.º, n.º1 al. b) da LdC aquela sanção só pode ser aplicada caso a gravidade da infração e a culpa do infractor o justifiquem, tendo no caso o Tribunal entendido que não o justificam. Face ao montante da coima aplicada e à sanção prevista na al. a) do art. 71.º, n.º1 (aplicada pela AdC e mantida na sentença); ao facto que ambas as empresas, apesar de operarem no mercado há largas décadas, serem primárias; a convicção do Tribunal de que a censura do comportamento decorrente da coima única aplicada, a par da publicação da decisão de condenação no Diário da República e num jornal de expansão nacional, servir já como advertência bastante para dissuadir comportamentos semelhantes no futuro; atendendo ao impacto que a sanção em questão teria ao nível de perda de postos de trabalho nas empresas, com os inerentes danos sócio-económicos, incluindo para o Estado, num período que é de crise económica decorrente da pandemia de Covid-19. Não se vê senão coerência entre a fundamentação e a decisão de não aplicar a sanção em questão. O facto de a perda de postos de trabalho decorrente da proibição de, durante dois anos, participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública cujo objecto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional de via larga, não constar da matéria de facto não constitui uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Desde logo, ainda que se trate de uma eventualidade, ela pode ser abstractamente equacionada na ponderação global sobre a justificação da aplicação da sanção acessória em causa no caso concreto, porquanto decorre das regras da experiência comum. Tal como a situação de crise económica, que a AdC não contesta. Sendo que, em todo o caso, não foi o único fundamento ponderado na decisão de não manter mais essa sanção acessória. Não resta, assim, senão concluir também pela improcedência, nesta parte, do recurso da AdC. * 2.2. Dos erros de julgamento 2.2.1. recurso da AdC Na decisão da AdC a COMSA SAU e a COMSA S.L.(COMSA’s) foram declaradas responsáveis solidárias pelo pagamento da coima única aplicada à Fergrupo, nos termos conjugados do artigo 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08-05 e do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE. Sustentou essa decisão no facto de a Fergrupo ser detida em 99,99% pela COMSA SAU, que, por sua vez, é detida a 100% pela COMSA S.L., considerando, de acordo com a jurisprudência e princípios invocados, que se presume que as COMSA’s exerceram uma influência determinante no comportamento da empresa visada Fergrupo e, como tal, é responsável na exacta medida daquela pelo pagamento da coima em que esta foi condenada. A sentença recorrida julgou procedente o recurso apresentado pelas COMSA’s, no qual pediam a sua absolvição alegando que a sua declaração como responsáveis solidárias pelo pagamento da coima aplicável à Recorrente Fergrupo não tem respaldo legal, porquanto, em seu entender, nem o artigo 3.º da Lei n.º 19/2012, nem o n.º 1 do artigo 101.º do TFUE aludem à possibilidade de, num processo sancionatório, uma pessoa colectiva ser declarada “como solidariamente responsável” pelo pagamento de uma coima pela qual outra seja condenada. Entendeu-se na sentença recorrida que, na lei da concorrência, a sociedade-mãe do grupo apenas poderá responder pela contraordenação e pela correspondente coima se tiver sido parte na infração, isto é, se participou no comportamento proibido. E que, em todo o caso, ou seja, “mesmo que se entenda que o Regime Jurídico da Concorrência tem uma natureza especial face ao Regime Geral de Mera Ordenação Social, considerando que o que está em causa é um conceito funcional de empresa, de acordo com o seu artigo 3.º - que considera, como tal, “qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento”, sendo considerada uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituam uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência – e que, por conseguinte – isto é, porque a sociedade filha e a sociedade mãe fazem parte da mesma unidade económica –, a lei da concorrência, pelo seu caráter excecional face às demais, dirige as suas proibições à entidade económica una e não à pessoa jurídica individualmente considerada, não se violando, nessa medida, o princípio da responsabilidade pessoal em casos de aplicação de coimas à sociedade-filha, importaria demonstrar, no caso concreto, que a sociedade mãe assume um completo controlo da sociedade filha, apresentando-se, pois, a mera influência decisiva insuficiente para responsabilizar solidariamente a sociedade mãe pela coima em que a sociedade filha foi condenada. Importaria, pois, no nosso entender, para quem defende este entendimento, com o qual não partilhamos, no que respeita ao presente caso, que a AdC demonstrasse o completo controlo das sociedades COMSA´s sobre a sociedade visada Fergrupo, o que não sucedeu, uma vez que, desde logo, na decisão sob recurso não estão articulados quaisquer factos a respeito e da prova produzida tal não se evidenciou.” [destaques nossso] No seu recurso a AdC sustentou que da factualidade dada como provada se retira que as COMSA´s formam, conjuntamente com a Fergrupo, uma empresa nos termos do artigo 3.º da Lei da Concorrência, e que as COMSA´s detêm a totalidade do capital social da Fergrupo. Impondo-se, por isso, concluir que (i) não só estavam em posição de exercer uma influência determinante sobre a Fergrupo, (ii) como se presume que exerceram uma influência determinante no comportamento da Fergrupo. Conclui não existir dúvida de que as COMSA´s, pelo facto de deterem 100% do capital social da Fergrupo, condenada por duas infrações às regras da concorrência, podiam exercer uma influência determinante no seu comportamento, existindo uma presunção ilidível de que, efectivamente, exerceram essa influência. Ora, considerando a matéria de facto que resultou provada - que a matéria citada na cls. S das alegações de recurso da AdC não é susceptível de infirmar - teremos sempre que concluir que resultou ilidida tal presunção em que assentou a condenação da AdC. Com efeito, resultou provado que: 152. A gestão da Fergrupo não estava subordinada às instruções da COMSA SAL. 153. A Fergrupo não informava a COMSA SAU. sobre a sua atuação no mercado, atuando de forma autónoma. 154. A Fergrupo tinha plena liberdade contratual, não necessitando de prévia autorização da COMSA SAU, nomeadamente nas suas interações com a IP. 155. A Fergrupo era financeiramente autónoma, tendo a estratégia da Fergrupo sempre sido determinada de forma independente, tal como era percecionada por terceiros. Pelo que não podia, em todo o caso, manter-se a sua condenação no pagamento solidário da coima em que a Fergrupo foi condenada. O que torna inútil a apreciação dos erros de direito que a AdC imputa à sentença nesta parte, bem prejudicado o pedido de reenvio prejudicial. » Alega ainda a AdC a proporcionalidade da sanção acessória de inibição ou privação das Visadas Fergrupo e Somafel do direito de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública cujo objecto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, durante o período de dois anos a contar do trânsito em julgado da Decisão. Insurge-se, em suma, contra a decisão de absolver as Recorrentes da sanção acessória em questão. Vejamos. Dispõe o artigo 71.º, n.ºs 1 e 2 da LdC sobre as sanções acessórias, que: 1 - Caso a gravidade da infração e a culpa do infrator o justifiquem, a Autoridade da Concorrência pode determinar a aplicação, em simultâneo com a coima, das seguintes sanções acessórias: a) Publicação no Diário da República e num dos jornais de maior circulação nacional, regional ou local, consoante o mercado geográfico relevante, a expensas do infrator, de extrato da decisão de condenação ou, pelo menos, da parte decisória da decisão de condenação proferida no âmbito de um processo instaurado ao abrigo da presente lei, após o trânsito em julgado; b) Privação do direito de participar em procedimentos de formação de contratos cujo objeto abranja prestações típicas dos contratos de empreitada, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis ou de aquisição de serviços ou ainda em procedimentos destinados à atribuição de licenças ou alvarás, desde que a prática que constitui contraordenação punível com coima se tenha verificado durante ou por causa do procedimento relevante. 2 - A sanção prevista na alínea b) do número anterior tem a duração máxima de dois anos, contados da decisão condenatória, após o trânsito em julgado. Recorre-se mais uma vez à transcrição da fundamentação da sentença a respeito: “(…) importa ponderar se a gravidade da infração e a culpa do infrator as justificam, bem como, responsavelmente, os efeitos que da aplicação das mesmas podem advir tanto para as empresas como para o normal funcionamento do mercado, acoberto pelo princípio da proporcionalidade constante no artigo 18.º da CRP. Apesar das elevadas exigências de prevenção geral e especial assinaladas, bem assim o evidente desvalor da conduta das visadas Recorrentes, a gravidade das infrações e a culpa das Recorrentes, na modalidade de dolo direto, e não obstante a AdC ter optado por restringir a privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja exclusivamente prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, certo, é que ambas as Recorrentes, operadoras no mercado há largas décadas, são primárias, estando o Tribunal convicto que a censura do seu comportamento, a decorrente condenação na coima única aplicada, a par da publicação, a expensas suas, da presente decisão, no Diário da República e num jornal de expansão nacional, servirão de advertência bastante para a dissuadir de assumir comportamentos semelhantes no futuro. Por outro lado, não podemos ficar indiferentes ao impacto que a sanção de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, mesmo restringida às prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via, teria ao nível de perda de postos de trabalho nas empresas Recorrentes, com os inerentes e evidentes danos sociais e económicos, quer para os trabalhadores, quer para o próprio Estado, quando, ademais, vivemos um período de crise económica, criada pela pandemia do novo coronavírus, covid-19, que, por si só, tem revelado inegáveis perdas de postos de trabalho nos vários setores da economia. Considera-se, assim, que não se justifica a condenação de cada uma das Recorrentes na sanção acessória de privação de participar em procedimentos de formação de contratos de natureza pública, cujo objeto abranja prestações de serviços de manutenção de aparelhos de via.” [destaques nossos] Não se vislumbra nesta fundamentação e decisão qualquer erro de interpretação do art. 71.º da LdC. O preceito começa por dispor que a aplicação, isolada ou cumulativa, das duas sanções acessórias que prevê nas als. a) e b) do seu n.º1, podem ser aplicadas caso a gravidade da infração e a culpa do infractor o justifiquem. O Tribunal fundamentou de forma clara e suficiente porque é que considerou que não se justifica, no caso, a aplicação, a par da coima e da sanção acessória prevista na al. a), da sanção acessória aplicada pela AdC, não tendo incorrido em qualquer erro de interpretação do preceito legal. Fundamentação e decisão que não merece a censura feita pela AdC, sustentada apenas na sua convicção de que se justificava, que era proporcional, a aplicação da sanção feita na decisão que proferiu. Todos os factores que sublinha na sua motivação, do dolo à lesão do interesse público, foram ponderados na aplicação das coimas e da sanção acessória mantida, estando aqui em causa uma “especial” gravidade e culpa que entendemos, com o Tribunal a quo, não existir de molde a justificar-se, no contexto descrito na sentença, a aplicação de mais esta sanção acessória. » Por último, alega a AdC o que entende ser o erro na redução das coimas aplicadas pelo Tribunal a quo. A AdC condenou a Fergrupo no pagamento de uma coima única no valor de €870.000,00, correspondente às coimas parcelares de €503.000,00, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015 e de €367.000, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015; BB no pagamento da coima única no valor de €19.400, correspondente às coimas parcelares de €9.700, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015 e €9.700, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015; a SOMAFEL no pagamento da coima única de €925.000, correspondente às coimas parcelares de €547.000, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015 e €378.000, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015; e AA no pagamento da coima única de €11.800, correspondente às coimas parcelares de €5.900, pela infração cometida no último trimestre de 2014 a 05.08.2015 e €5.900, pela infração cometida de novembro de 2015 a 01.12.2015. A sentença recorrida reduziu os montantes das coimas, condenando os visados nas seguintes coimas únicas: Fergrupo - €600.000,00; BB - €12.000,00; Somafel - €640.000,00; e AA - €6.300,00. Com o que a AdC não se conforma, alegando que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o artigo 69.º, n.º1 da LdC e o artigo 19.º do RGC, não tendo nesse âmbito concreto fundamentado, como lhe cabia, a sua decisão. Vejamos. Dispõe o art. 69.º, n.ºs 1 da LdC (Lei n.º 19/2012, de 08 de Maio) que: 1 - Na determinação da medida da coima a que se refere o artigo anterior, a Autoridade da Concorrência pode considerar, nomeadamente, os seguintes critérios: a) A gravidade da infração para a afetação de uma concorrência efetiva no mercado nacional; b) A natureza e a dimensão do mercado afetado pela infração; c) A duração da infração; d) O grau de participação do visado pelo processo na infração; e) As vantagens de que haja beneficiado o visado pelo processo em consequência da infração, quando as mesmas sejam identificadas; f) O comportamento do visado pelo processo na eliminação das práticas restritivas e na reparação dos prejuízos causados à concorrência; g) A situação económica do visado pelo processo; h) Os antecedentes contraordenacionais do visado pelo processo por infração às regras da concorrência; i) A colaboração prestada à Autoridade da Concorrência até ao termo do procedimento. 2 - No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo anterior, a coima determinada nos termos do n.º 1 não pode exceder 10 % do volume de negócios realizado no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória proferida pela Autoridade da Concorrência, por cada uma das empresas infratoras ou, no caso de associação de empresas, do volume de negócios agregado das empresas associadas. (…) 4 - No caso das contraordenações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 1 do artigo anterior, a coima aplicável a pessoas singulares não pode exceder 10 % da respetiva remuneração anual auferida pelo exercício das suas funções na empresa infratora, no último ano completo em que se tenha verificado a prática proibida. (…) Dispõe, por seu turno, o art. 19.º do RGCO: 1 - Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações. Correndo já o risco de alguma repetição, não podemos nesta análise e face à alegação da AdC de deficiente fundamentação, deixar de transcrever toda a fundamentação que consta da sentença a propósito da determinação da medida concreta das coimas, parcelares e única, aplicadas: “Expostos os parâmetros gerais a considerar e sob a moldura contraordenacional referida, importa determinar a medida concreta da sanção a aplicar a cada uma das Recorrentes por cada uma das infrações cometidas, por referência aos fatores aludidos. Cumpre, desde logo, salientar, no que respeita às exigências de prevenção geral, que as mesmas são entendidas como um instrumento de política sancionatória destinado a atuar sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de ilícitos, atuando em duas vertentes: através da manutenção ou reforço da confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos (prevenção geral positiva ou de integração), e através da intimidação causada à generalidade dos agentes, devido ao prejuízo que a sanção causa ao infrator e que os leva a não cometer atos puníveis (prevenção geral negativa ou de intimidação), apresentando-se atualmente como prioridade a atuação dinâmica e robusta na deteção, investigação e punição de práticas que distorcem o funcionamento dos mercados, nomeadamente cartéis, considerada a mais grave para a concorrência, diante dos seus efeitos danosos para os consumidores. Pelo que, as necessidades de prevenção geral, no caso, são elevadas. Por outro lado, as exigências de prevenção especial, assenta na ideia de que a coima é um instrumento de atuação preventiva sobre o infrator, com o fim de evitar que, no futuro, este cometa novos ilícitos. A prevenção especial atua, quer ao nível da intimidação individual do agente para que este não repita o facto praticado (prevenção especial negativa), quer através da criação de condições para que este atue de harmonia com as regras jurídicas (prevenção especial positiva). No caso, a FERGRUPO opera mercado desde o ano 1989, data em que foi constituída; é considerada uma das líderes no mercado português e, por isso, com responsabilidades acrescidas no exemplo a dar às demais no cumprimento das regras da concorrência. E a SOMAFEL, operante no mercado desde 1957, também é considerada uma das líderes no mercado, pertencente a grandes grupos de empresas com dimensão internacional e presença noutros Estados-Membros, com responsabilidades acrescidas no exemplo a dar às demais no cumprimento das regras da concorrência. Pelo que, as exigências de prevenção especial também se mostram relevantes. Deve ainda atender-se ao desvalor da ação e ao resultado da mesma, bem como à intensidade da realização típica, sendo que, entre essas circunstâncias, se considera, no que toca à ilicitude, o grau de violação ou o perigo de violação do interesse ofendido, o número de interesses ofendidos e suas consequências, a eficácia dos meios utilizados; no que toca à culpa, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, o grau de intensidade da vontade, os sentimentos manifestados no cometimento do ilícito, os fins ou motivos determinantes, a conduta anterior e posterior. Estes elementos permitirão concretizar, dentro da medida abstrata da coima, o quantum a aplicar no caso concreto. Assim, quanto à gravidade das infrações objeto dos autos, as mesmas são consideradas muito graves. Traduzem-se num acordo de fixação do nível dos preços e num acordo de repartição do mercado e de fixação do nível dos preços, entre as empresas visadas, com o objeto de impedir, restringir ou falsear, de forma sensível, ou seja, em restrição à concorrência horizontal de tipo “cartel”, o que pode afetar de forma especialmente grave o bom funcionamento do mercado. Com efeito, as práticas adotadas permitiram às empresas visadas reduzir a incerteza quanto ao comportamento futuro das suas concorrentes, alterando assim as condições concorrenciais no mercado, mediante prévia divulgação e articulação da sua estratégia e da conduta comercial de cada uma das empresas visadas. Acresce que, como se evidenciou, as infrações em causa afetam todo o território de Portugal Continental, representando as empresas visadas conjuntamente, à data dos factos que consubstanciam as infrações em causa, a totalidade da oferta do mercado em causa. Neste sentido, veja-se a jurisprudência dos Tribunais da União Europeia, a respeito das práticas em causa no presente processo: “[…] as infrações que consistam na fixação de preços e na repartição de mercados […] devem ser consideradas particularmente graves pois comportam uma interferência direta nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa” 70; a “[…] natureza da infração tem um papel primordial, nomeadamente na caracterização das infrações ‘muito graves’. A esse respeito, resulta da descrição das infrações muito graves nas orientações que os acordos ou práticas concertadas que se destinem, nomeadamente, como no presente caso, à fixação dos preços podem, só pela sua própria natureza, levar à qualificação de ‘muito graves’, sem que seja necessário caracterizar esses comportamentos através de um impacto ou de um alcance geográfico particular71. (sublinhado nosso). Quanto à natureza e dimensão do mercado afetado pelas infrações, conforme resulta da factualidade provada, o comportamento das empresas Recorrentes desenvolveu-se no mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, abrangendo todo o território nacional, Portugal Continental, pelo que, estamos perante um mercado de dimensão nacional em que as empresas envolvidas nos acordos objeto do processo, no período da infração, constituíam, a totalidade da oferta do mesmo. Relativamente à duração das infrações, cumpre dizer que as empresas visadas praticaram duas infrações permanentes, mais concretamente: Uma infração pelo facto de as empresas visadas terem participado no acordo de fixação do nível dos preços da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, que durou desde 05/11/2014, aquando da reunião realizada no âmbito do procedimento concursal econtratos n.º ...80 (Concurso I), referida por QQ da F..., S.A. – facto «82.» -, até 05/08/2015, data limite estabelecida pela IP para apresentação de propostas no âmbito do procedimento concursal n.º ...30 (Concurso II), ou seja, durante nove meses. Cumprindo aqui esclarecer que, conforme resultou evidenciado, independentemente da Somafel não ter estado representada nas reuniões realizadas nos dias 05/11/2014 e 10/07/2025, a mesma estava inteirada das mesmas, do seu objeto, tendo adotado a estratégia daí resultante, à semelhança das demais visadas, não se demarcando das mesmas, conforme resultou das propostas apresentadas nos concursos em causa e dos demais elementos carreados para os autos. Uma infração pelo facto de as empresas visadas terem participado no acordo de repartição do mercado e fixação dos preços da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, que durou desde 17/11/2015, data do e-mail enviado pela F..., S.A. às demais empresas visadas, entre as quais as qui Recorrentes, a convoca-las para uma reunião para delinear o plano de atuação no Concurso III – facto «128.» – e até 01/12/2015, data de apresentação da última proposta elaborada de maneira concertada, com base na estratégia desenhada pelas visadas pelo processo, no âmbito do procedimento concursal n.º ...98 (Concurso III), ou seja, durante quinze dias. Quanto ao grau de participação das empresas visadas, as mesmas intervieram ativamente, enquanto autoras das infrações em causa, reconhecendo-se, contudo, que a FERGRUPO, através de BB, teve um papel mais ativo do que a SOMAFEL, através de AA, de que são expressão, por um lado, os e-mails referenciados nos factos provados e, por outro, a não representação da SOMAFEL em todas as reuniões realizadas, diferentemente do que sucedeu com a FERGRUPO, que esteve sempre representada. Quanto às vantagens de que beneficiaram as infratoras, pese embora não se tenham apurado o lucro concreto extraído por cada uma das infrações, certo é que ambas as empresas retiraram vantagens das mesmas, permitindo reduzir a incerteza quanto ao modo como avaliavam o funcionamento do mercado e quanto ao comportamento futuro das suas concorrentes, ajustando as suas estratégias individuais em conformidade, e, como tal, alterar as condições concorrenciais no mercado e coordenar, deste modo, o seu comportamento no mercado, em seu exclusivo benefício e em detrimento não só dos seus concorrentes mas dos próprios consumidores. A alteração das condições concorrenciais no mercado representa, pois, uma clara vantagem para as empresas visadas, uma vez que constitui para estas uma garantia de não concorrência, ou de falseamento da concorrência, de que elas serão as principais beneficiárias. A par, não se evidenciou qualquer comportamento assumido por parte das visadas com vista à eliminação das práticas restritivas da concorrência constatadas ou reparação dos prejuízos daí advindos. De acordo com os seus relatórios e contas e sendo elas pertencentes a grandes grupos empresas, não apresentam dificuldades económico-financeiras, tendo, de acordo com a factualidade evidenciada, no ano de 2019, imediatamente antecedente ao ano em que foi proferida decisão sob recurso, apresentado os seguintes volumes de negócios, de acordo com as informações por ela prestadas: i) FERGRUPO: € 14.000.000,00; ii) SOMAFEL: € 24.134.252,00. Por outro lado, ambas as empresas são primárias, não lhes sendo conhecidos quaisquer antecedentes contraordenacionais jusconcorrenciais, tendo colaborado com a AdC, conforme a mesma reconhece na decisão em crise, designadamente aquando das diligências de busca, exame, recolha e apreensão de cópias ou extratos da escrita e demais documentação, ou de diligências de obtenção de prova consubstanciadas em pedidos de elementos que lhes foram endereçados, atuando, por conseguinte, em conformidade com as normas aplicáveis e em cumprimento do seu dever legal. A par, não podemos deixar de reconhecer que a conduta da REFER/IP nos concursos em crise, de certa forma, concorreu para a conduta assumida pelas visadas nos concursos em causa, sem que com isto se mostre justificada ou desculpabilizada a atuação censurável das visadas, objetivamente observável, quando as mesmas poderiam e deveriam ter assumido um comportamento distinto, nos termos deixados consignados na apreciação que se fez a respeito na subsunção dos factos ao Direito aplicável. De facto, não podemos ignorar as recomendações do Tribunal de Contas à entidade adjudicante, não acatadas, a respeito dos concursos em causa, nos termos que se passam a transcrever: “Recomenda-se, no entanto, que em futuros procedimentos a entidade adjudicante se abstenha de fixar preços mínimos ou outras cláusulas que limitem a concorrência, não observando o regime do preço anormalmente baixo.” (sic) – vide fls. 32 verso e 33. Ora, a REFER/IP ao lançar os concursos em apreciação nas condições em que o fez, fixando um preço mínimo e permitindo que as visadas, que atuavam num verdadeiro oligopólio no mercado em causa, se agrupassem, pese embora pré-qualificadas individualmente, não obstante alertada para as consequências que daí pudessem advir, permeabilizou a atuação das visadas nos termos demonstrados. Tudo ponderado, entende-se que são proporcionais à gravidade dos factos, suportadas pelo grau de culpa das Recorrentes, necessárias, adequadas e suficientes para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso e compatíveis com a situação económico-financeira das Recorrente, fixar as seguintes coimas parcelares: Ø À FERGRUPO Ø €450.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015; Ø €315.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015. Ø À SOMAFEL Ø €485.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 05/11/2014 e 05/08/2015; Ø €330.000,00, pela infração cometida no período compreendido entre 17/11/2015 e 01/12/2015. Coimas inferiores às indicadas não refletiriam a gravidade dos factos, nem seriam suficientes para satisfazer as exigências de prevenção reclamadas pelo caso. Acresce que as coimas indicadas são mais baixas do que aquelas aplicadas pela AdC, refletindo, assim, os fatores favoráveis às recorrentes supra referidos, não considerados por aquela. No que respeita à coima única a fixar entre o mínimo, correspondente à sanção de maior valor (cfr. art. 19.º, n.º 3 do RGCO, aplicável ex vi art. 13.º, n.º 1 da LdC) e o limite máximo decorrente da soma das duas coimas (cfr. art. 19.º/1, do RGCOC), sob as condicionantes previstas nos n.ºs 2 e 3 do art. 19.º do RGCO e “em função da apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente”, precedentemente feita, aquando da concreta determinação das coimas parcelares, entende-se que é adequada, necessária e suficiente uma coima a fixar entre o mínimo e meio da moldura legal abstrata, mais próximo deste último, ou seja: Ø Quanto à FERGRUPO Ø Uma coima única no valor de € 600.000,00. Ø Quanto à SOMAFEL Ø Uma coima única no valor de € 640.000,00. Efetivamente, a apreciação conjunta dos factos revela um grau de irresponsabilidade social-adscritivo das Recorrentes, que justifica claramente a aplicação de uma coima com potencial intimidatório, mas também temperada pelos fatores favoráveis às mesmas supra referidos.” Começaremos por adiantar que não se vê qualquer deficiência na fundamentação. Quanto à conduta da REFER/IP, em lado algum da sentença é afirmado que a mesma induziu, ou obrigou as empresas visadas a adoptar os dois acordos restritivos da concorrência, mostrando-se clara, coerente e suficientemente fundamentado o que foi ponderado na apreciação do Tribunal. Acresce, como a própria Recorrente reconhece, que o elenco dos critérios para efeitos de determinação da medida concreta da coima previstos no n.º 1 do artigo 69.º da LdC, em conjugação com o n.º 1 do artigo 18.º do RGCO, não é taxativo (o que, por definição, contraria a afirmação da Recorrente de que, não obstante, “se reconduzem aos já mencionados”) e dependem de uma ponderação casuística, no caso, pelo Tribunal. Para além de, como a Recorrente reconhece, ter confirmado a apreciação feita pela AdC dos critérios que a levaram a fixar as coimas na decisão administrativa condenatória – sem que tal constitua qualquer sancionamento dos concretos valores por aquela decididos com base nessa apreciação - a sentença ponderou ainda factores que entendeu que não haviam sido devidamente considerados pela AdC, como sejam, a par da ausência de antecedentes contra-ordenacionais em matéria de concorrência, a colaboração com a autoridade administrativa e a própria conduta da REFER/IP, censurada pelo Tribunal de Contas. A decisão a que chegou a sentença recorrida, de que a medida concreta das coimas é proporcional à gravidade dos factos, suportada pelo grau de culpa das Recorrentes, necessária, adequada e suficiente para satisfazer as exigências de prevenção geral e especial reclamadas pelo caso, e compatíveis com a situação económico-financeira das Recorrentes, mostra-se adequadamente fundamentada e não padece de qualquer erro de interpretação dos artigos 69.º da LdC e 19.º do RGCO. Pelo que resta concluir pela improcedência do recurso interposto pela AdC. * 2.2.2. recurso da Fergrupo e BB Os Recorrentes Fergrupo e BB alegam que a sentença padece de vários erros de direito: baseia-se em indícios, não havendo prova do acordo entre as Visadas - pelo contrário, alegam, existe prova abundante nos autos que demonstra a inexistência de um plano de acção comum ou de acordo entre elas – “não podendo haver uma presunção de infração em detrimento da presunção de inocência apenas para acomodar a teoria de infração”. Sustentam que os elementos de prova constantes dos autos não são suficientes, precisos e consistentes para concluir pela existência de um plano de ação comum para alcançar um acordo de repartição do mercado no âmbito da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via (MAV). Sendo forçoso concluir, alegam, que a Recorrente não participou em qualquer acordo de repartição do mercado e de fixação dos preços da prestação de serviços de MAV, nos termos dos artigos 9.º da LdC e 101.º, n.º1, do TFUE. A sentença contém a págs. 218 a 247, no capítulo DO DIREITO E DA SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO APLICÁVEL, uma apreciação assinalavelmente completa e correcta do direito aplicável, da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia densificadora de conceitos como “acordos”, “expressão da vontade comum”, “prática concertada”, “restrições sensíveis” da concorrência, dos factos que resultaram provados e a sua subsunção ao Direito. Essa apreciação inclui esta matéria das alegações dos Recorrentes, que já era invocada no recurso de impugnação da decisão da AdC. Como se escreveu na sentença, são considerados acordos para efeitos de Direito da Concorrência, os contratos, acordos de transação judicial, acordos de cavalheiros, etc., não sendo necessário que o acordo tenha sido reduzido a escrito, que se consiga determinar a sua data exacta, que tenha uma pretensão de vinculação formal das partes ou que seja judiciável. A questão coloca-se essencialmente ao nível da prova de uma vontade comum acordada entre concorrentes, cuja expressão pode ser explícita ou implícita, uma prática concertada, mesmo que não tenha chegado a concluir-se qualquer acordo formal. Uma cooperação que tenha por objecto ou por efeito levar a condições de concorrência que não correspondam às condições normais de mercado. Cuja existência, no caso, resulta cristalina da matéria de facto provada, remetendo-se para a apreciação feita na sentença, que não merece qualquer reparo. Nomeadamente, no que respeita ao uso do Consórcio C...: “Destarte, as quatro empresas consorciadas, concorrentes entre si, diga-se, ao procurarem, desde logo, o alegado alargamento do Consórcio C... à única empresa pré-qualificada e que se encontrava fora dele, sabiam que com essa atuação estavam a eliminar a sua única concorrente, partilhando com ela os seus interesses e inerentes informações sobre a sua almejada atuação no mercado e procurando fazer com que ela atuasse de acordo com os desígnios de cada uma das empresas, do consórcio e da própria N..., S.A., que, como se viu, visava a aquisição dos contratos em causa pelo preço que consideravam mais ajustado às suas capacidades financeiras e nos locais mais ajustados às suas capacidades”. » Alegam também as Recorrentes que nem a decisão da AdC nem a sentença justificam a qualificação do ilícito como uma infração por objecto, qualificação com que não se conformam, sustentando que “a prática em análise nos presentes autos (claramente lícita) não provocou qualquer efeito nocivo no mercado – os preços não aumentaram e, mais importante, foi sempre garantida a prestação de serviços de manutenção, essenciais para a segurança ferroviária”. Não têm desde logo razão no que respeita à sentença, que constitui o objecto deste recurso. Dispõe o art. 101.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE) que “são proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associação de empresas e todas as práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno”. Nos termos do disposto no art. 9.º da LdC constituem práticas restritivas da concorrência, sendo como tal proibidas, “os acordos entre empresas, as práticas concertadas entre empresas e as decisões de associações de empresas que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir de forma sensível a concorrência no todo ou em parte do mercado nacional.”. Como bem se escreveu na sentença: “Como indica a letra do Tratado e da lei, só é necessário demonstrar que uma prática coletiva tem um efeito anticoncorrencial se o seu objeto não for, por si só, anticoncorrencial. Isto facilita largamente a prova da violação do art. 101.º TFUE / art. 9.º, n.º 1 da LdC nos casos de acordos com objeto anticoncorrencial – é a chamada infração por objeto. Nos restantes casos, é necessário provar, pelo menos, a possibilidade de um efeito anticoncorrencial, o que implica juízos económicos complexos – é a chamada infração pelo efeito. Esta distinção parte da constatação de que certo tipo de práticas colusivas têm uma probabilidade tão elevada de serem prejudiciais para os consumidores que seria despiciendo e demasiado oneroso exigir a prova do seu efeito anticoncorrencial. O objeto da prática corresponde ao seu sentido e fim objetivo, no respetivo contexto económico e jurídico, e não à intenção das partes. A jurisprudência europeia tem vindo a identificar os seguintes tipos de acordos como sendo anticoncorrenciais pelo seu objecto: (i) Acordos horizontais de fixação de preços, de troca de informação sobre preços e de repartição de mercados; e (ii) Acordos verticais de fixação de preços ou de proibição de exportações. Em síntese, os acordos que tenham por objeto impedir, restringir ou falsear a concorrência são proibidos independentemente dos seus efeitos no mercado considerado.” Para acertadamente concluir adiante (pág. 232) que: “Face ao supra exposto, resultou provado, em suma, que as empresas visadas pelo PRC/2016/6 coordenaram o seu comportamento para efeitos da sua participação nos concursos lançados pela REFER/IP, econtratos n.º ...80 (Concurso I) e econtratos n.º ...30 (Concurso II) para a prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, adotando e implementando uma estratégia comum, com o objetivo de aumentar o preço contratual máximo estabelecido nos referidos concursos. Para o efeito, as referidas empresas visadas, acordaram apresentar propostas acima do preço base nos concursos instruídos, primeiro pela REFER e depois pela IP, com a consequente exclusão das propostas e provocando o lançamento de um novo procedimento concursal por um preço-base necessariamente superior. Resulta ainda dos factos provados que, uma vez alcançado o pretendido aumento do preço contratual, com apresentação de propostas concretas acima do preço base, as empresas visadas pelo PRC/2016/6 partilharam entre si o mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, através da repartição dos cinco lotes constantes do concurso n.º ...98 (Concurso III), fixando igualmente o nível de preços ajustados aos seus interesses.” O objecto restritivo da concorrência significa a adequação objectiva do acordo, e não a intenção das partes no acordo, não se reconduzindo o conceito de objecto à intenção de lesar a concorrência[8]. Os Recorrentes invocam, em suma, o contexto económico e jurídico verificado, que “permite concluir que o preço base dos Concursos I e II vinha a baixar significativamente face aos procedimentos anteriores, que já tinham refletido uma redução, enquanto se mantinham as exigências em termos de serviços prestados”. O que não se vê que seja sequer susceptível de infirmar o que resulta evidenciado da matéria de facto provada e foi devidamente apreciado na fundamentação de direito da sentença. Que incluiu a apreciação dos casos em que uma conduta que caia no âmbito da proibição geral poder, ainda assim, ser permitida por uma lógica de justificação económica (art. 101.º, n.º3 do TFUE e art. 10.º, n.º1 da LdC); a relação existente entre a contratação pública e a concorrência; e da alegação da Recorrente Fergrupo de que os “acordos em causa estariam justificados atendendo ao contexto económico e jurídico em que tais acordos teriam sido concluídos, nomeadamente, à luz dos reduzidos valores constantes dos três concursos em referência e da intenção das empresas visadas de apresentar proposta conjunta, em consórcio, juntamente com as restantes visadas pelo PRC/2016/6, no âmbito dos três concursos objeto do presente processo”, para afinal concluir: “Desta forma, as empresas visadas, nas quais se incluem as empresas Recorrentes, distorceram as regras da concorrência, eliminando qualquer risco e incerteza e criando as condições mais vantajosas para si ou, pelo menos, menos prejudiciais, e que não resultavam do próprio funcionamento do mercado, discutindo e acordando os preços a apresentar e a estratégia quanto aos lotes a concorrer. O resultado do concurso o evidenciou, conforme a própria IP desconfiou e o Tribunal de Contas denunciou. Diante do exposto, face à necessidade da evidenciação cumulativa dos quatro requisitos supra assinalados e não se verificando, desde logo, que o comportamento assumido pelas empresas visadas não deu às mesmas a possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial do mercado em causa, pelo contrário, o mesmo não se apresenta justificável, quedando-se prejudicada a análise dos demais argumentos invocados, sendo que os mesmos, a verificarem-se, nunca se mostrariam bastantes para justificar o cartel objetivamente constatado” E, ainda, que “importa realçar que o alegado contexto de crise económica que se fazia sentir à data dos lançamentos dos concursos, facto notório e por isso não carecido de ser elencado na factualidade, e a alegada baixa contínua dos preços lançados pela REFER/IP, não justifica ou legitima de per si qualquer atuação ilícita das empresas visadas” . Não podemos deixar de concordar com o assim decidido que, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, se mostra suficientemente fundamentado. » Subsidiariamente, alegam as Recorrentes que decorre da forma como o Tribunal a quo conclui pela existência de duas infrações, que se está perante apenas uma única infração, contínua e similar durante os três concursos. Os Recorrentes suscitaram esta questão no seu recurso de impugnação da decisão da AdC e a mesma foi apreciada na sentença, que considerou que as empresas visadas praticaram duas infrações permanentes, mais concretamente: - Uma infração pelo facto de as empresas visadas terem participado no acordo de fixação do nível dos preços da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, que durou desde 05/11/2014, aquando da reunião realizada no âmbito do procedimento concursal econtratos n.º ...80 (Concurso I), referida por QQ da F..., S.A. – facto «82.» -, até 05/08/2015, data limite estabelecida pela IP para apresentação de propostas no âmbito do procedimento concursal n.º ...30 (Concurso II), ou seja, durante nove meses. - Uma infração pelo facto de as empresas visadas terem participado no acordo de repartição do mercado e fixação dos preços da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, que durou desde 17/11/2015, data do e-mail enviado pela F..., S.A. às demais empresas visadas, entre as quais as aqui Recorrentes, a convocá-las para uma reunião para delinear o plano de atuação no Concurso III – facto «128.» – e até 01/12/2015, data de apresentação da última proposta elaborada de maneira concertada, com base na estratégia desenhada pelas visadas pelo processo, no âmbito do procedimento concursal n.º ...98 (Concurso III), ou seja, durante quinze dias. Escreveu-se na sentença (pág. 238-239): (…) mostra-se infirmando o alegado pela FERGRUPO quando alega que, a conceber-se existir infração, tratar-se-ia apenas de uma única infração e não duas, porquanto apenas uma delas, a referente ao Concurso III, terá tido impacto no mercado. De facto, tratando-se de uma infração por objeto, isto é, um acordo horizontal, importa apenas concluir pela potencialidade do seu efeito nefasto e não pelo seu efeito concreto, como ocorreu nas duas situações descritas. Dúvidas inexistem, pois, estarmos perante duas infrações: (i) um acordo de fixação de preços relativamente à atuação das empresas nos Concursos I e II, tal como previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da LdC; e (ii) um acordo de repartição de mercados, através da fixação do nível de preços e partilha de lotes no Concurso III, tal como previsto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 9.º da LdC.” Nenhuma censura merece o assim decidido, partindo os Recorrentes, no erro que assacam à decisão, de pressupostos errados. » Quanto ao carácter sensível da restrição da concorrência, ou ao facto de acordos celebrados entre as visadas consubstanciarem restrições da concorrência de natureza grave, os Recorrentes contrapõem, em síntese, o contexto económico específico em que ocorreram os factos e tendo em conta os volumes adjudicados anualmente pela IP e os volumes adjudicados nestes concursos, o valor diminuto destes. Para concluir, se bem se depreende, que a sentença não teve em conta estes factores e/ou fundamentou-os de forma deficiente e incorreu em erro de julgamento, tendo-se baseado, mais uma vez, numa presunção, ou “opinião”, afrontando de forma clara os princípios in dubio pro reo e da presunção de inocência previsto no artigo 32.º, n.º 2 da CRP, no artigo 6.º da CEDH e princípio geral de direito da UE. Como vimos já, a sentença mostra-se devidamente fundamentada nesta matéria (a págs. 239 e ss. apreciou este argumento das Recorrentes de que os acordos em questão estariam justificados atendendo ao contexto económico e jurídico em que tais acordos foram concluídos, nomeadamente à luz dos reduzidos valores constantes dos três concursos em referência), tendo procedido a uma correcta subsunção dos factos provados ao Direito aplicável. Existirá uma restrição da concorrência sempre que seja limitada a liberdade de concorrência e contratual das partes envolvidas (restrição formal) e afectada a posição de terceiros, sejam concorrentes, consumidores ou fornecedores (restrição material).[9] O carácter sensível ou significativo da restrição da concorrência (por oposição a insignificante, atendendo à fraca posição das empresas em causa no mercado em questão)[10], e a gravidade desta, não estão relacionados nem com o valor das adjudicações nem com o contexto económico alegado pelas Recorrentes em que os factos foram praticados. No caso, tendo em conta que, de acordo com a matéria de facto, (41.) a oferta do mercado da prestação de serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, em Portugal continental, no período entre 2014 e 2016, era constituída pelas empresas visadas pelo presente processo de contraordenação, ou seja, Fergrupo, F..., S.A., M..., S.A., N..., S.A. e Somafel, sendo as mesmas as únicas habilitadas a prestarem estes serviços; (43.) que essas empresas detinham, no ano de 2016, as seguintes quotas de mercado: Fergrupo 25,2%, F..., S.A. 16,6%, M..., S.A. 25,3%, N..., S.A. 6,3%; e Somafel 26,6%; e (44-46.) que o mercado das obras ferroviárias assume dimensão correspondente ao território nacional, envolvendo prestações permanentes de manutenção, tornando-se necessária a presença local e em permanência das empresas, o que as leva a estabelecerem-se nos locais em que pretendem operar, no caso em análise, em Portugal continental, definindo-se assim o mercado define-se por referência ao território de Portugal continental, a sentença não padece de qualquer erro de julgamento a decisão de considerar, no caso, a restrição da concorrência como sensível e grave e os acordos em questão, atendendo à dimensão do mercado, susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros da União Europeia. » Quanto à determinação da medida concreta da coima alegam os Recorrentes, em apertada síntese, que o critério da dimensão do mercado afectado foi valorado duplamente para efeito de determinação da medida da coima, o que manifestamente não poderia suceder; e que o Tribunal decidiu, em grosseira violação dos princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência, em desfavor dos Recorrentes, considerando terem existido vantagens cuja prova não foi produzida. Concluindo que as coimas parcelares e, consequentemente, a coima única, deverão ser reduzidas nos seus montantes. Quanto às vantagens, vimos já a propósito do invocado vício de contradição da fundamentação que, da mera leitura cuidada da sentença resulta que as vantagens a que nela se alude se reconduzem à alteração das condições concorrenciais no mercado representa, pois, uma clara vantagem para as empresas visadas, uma vez que constitui para estas uma garantia de não concorrência, ou de falseamento da concorrência, de que elas serão as principais beneficiárias. Tal como o dano, que os recorrentes entendem não ter resultado demonstrado e que resulta claro tratar-se, objectivamente, da própria restrição da concorrência; do reverso, afinal, das vantagens obtidas pelas Recorrentes que se consubstanciam, em última instância, em prejuízos para os consumidores. A dimensão do mercado não foi, ao contrário do que alegam os Recorrentes, duplamente valorada. Aliás, os próprios Recorrentes, e bem, convocam a dimensão do mercado a propósito da integração do conceito de carácter sensível da restrição da concorrência. A sua ponderação na determinação da medida concreta da coima, de acordo com o disposto no art. 69.º da LdC, não consubstancia qualquer insustentável dupla valoração. Improcede, assim, o recurso da Fergrupo e BB, nesta parte, sendo a questão do erro de Direito quanto à violação dos princípios constitucionais apreciada a seguir. * 2.2.3. recurso da Somafel e recurso da Fergrupo e BB A Recorrente Somafel alega que a sentença padece de erro de Direito na apreciação da invocada violação dos princípios gerais de direito da confiança legítima, boa fé e da igualdade de tratamento entre visadas no que respeita à determinação da coima aplicada. Alega que a Minuta de Transação da Somafel criou na Recorrente a legítima expectativa de que, mantendo-se inalterados os factos considerados apurados pela AdC e a respectiva qualificação jurídica, a coima a aplicar à Somafel pela AdC nunca poderia exceder os €530.000, estando limitada ao montante da coima considerado adequado pela AdC naquela Minuta de Transação, excluindo a redução de coima de 10%, e que não haveria também lugar à aplicação de qualquer sanção acessória. Sustenta que o Tribunal a quo errou na apreciação jurídica da questão suscitada pela Recorrente no seu recurso de impugnação, por não ter considerado as circunstâncias específicas do caso concreto e ao ter interpretado a jurisprudência do TJUE no sentido de que a AdC pode fazer tábua rasa da moldura sancionatória que considerou adequada à luz de uma apreciação da factualidade e enquadramento jurídico que não sofreu quaisquer alterações. Entende ainda que a AdC procedeu a uma discriminação entre as Visadas, em matéria que não se limita às especificidades inerentes ao procedimento de transação, como seria o caso da aplicação do coeficiente de redução por recurso ao mecanismo de transação. Que, não tendo havido alteração dos factos em causa, a sua qualificação jurídica e o juízo de gravidade e de culpa, desde que a Somafel foi notificada da Minuta de Transação, foi afinal severamente condenada por se ter retirado do processo de transação. Alega, ainda, que a AdC não aplicou a metodologia a que se auto-vinculou pela publicação das suas LOCC, o que implica que os montantes da coima concretamente impostos à Recorrente se tornem insindicáveis quer por si quer por qualquer tribunal, designadamente quanto ao respeito pelo princípio da igualdade entre visadas na determinação do montante da coima. E que as diferenças verificadas nos critérios de determinação da coima concretamente aplicável a cada uma das Visadas, evidenciam uma distinção de tratamento que não é justificada, de forma alguma, nem pela DI nem pelos elementos constantes dos autos, em particular pelas minutas de transação confirmadas pelas Visadas N..., S.A., M..., S.A. e F..., S.A.. Os Recorrentes Fergrupo e BB sustentam também, essencialmente com os mesmos argumentos, que, não existindo factos novos ou elementos adicionais que permitam inferir uma maior gravidade dos comportamentos da visada Fergrupo, a AdC está vinculada ao montante da coima definido em sede de transação, bem como, às ponderações que tenha realizado relativamente à necessidade de aplicação ou não da respectiva sanção acessória. Violando tal aplicação, não fundamentada e discriminatória, os princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade, da confiança-legítima e da boa fé, previstos nos artigos 13.º, 18.º e 266.º, n.º 2 da CRP. Vejamos. Tanto a Somafel como a Fergrupo invocaram nos seus recursos de impugnação a violação pela decisão condenatória da AdC dos princípios em questão, cujos fundamentos reiteram no recurso da sentença que julgou improcedente o vício invocado. Como se escreveu na sentença, “a Lei n.º 19/2012 introduziu um procedimento que permite, nas fases de inquérito ou da instrução, a obtenção de ganhos de eficiência e economia processual na adoção de decisões condenatórias, quando os visados confessam os factos e reconhecem a sua responsabilidade na infração, implicando a aplicação de coimas e outras sanções, designado de procedimento de transação – artigos 22.º e 27.º da Lei n.º 19/2012. O procedimento de transação pode ser desencadeado no âmbito de um processo contraordenacional que tenha por objeto infrações aos artigos 9.º, 11.º e 12.º da Lei n.º 19/2012 e/ou aos artigos 101.º e 102.º do TFUE. O objetivo do procedimento de transação é garantir a resolução célere dos processos contraordenacionais de concorrência, sempre que daí decorram benefícios para o interesse público na perseguição e punição às infrações às normas de defesa da concorrência e para os objetivos de prevenção geral e especial, inerentes à aplicação de coimas em processos contraordenacionais, ponderados à luz do normal desenvolvimento de um processo contraordenacional nesta sede. A transação implica a aplicação de uma coima mais reduzida do que a que seria aplicável em concreto, caso o processo seguisse os seus termos normais. A medida de redução da coima com base na aceitação deste procedimento será definida nas linhas de orientação previstas pelo n.º 8 do artigo 69.º da Lei n.º 19/2012, sendo que a medida da redução da coima por transação na fase de inquérito ou na fase de instrução refletirá o maior desenvolvimento processual da instrução, devendo ser ponderada à luz dos ganhos de eficiência e eficácia processual pretendidos. Conforme resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 5 e 6 do artigo 27.º da LdC, no caso de o Visado não proceder à confirmação da proposta de transação, o processo de contraordenação segue os seus termos, ficando, por um lado, sem efeito a proposta de transação apresentada e, por outro, não pode ser utilizada como elemento de prova contra nenhum visado no procedimento de transação. A lei é clara quanto a este aspeto, em nome do princípio da autonomia e separação do processo de transação face ao processo de contraordenação. (…) Desde logo, importa analisar a questão colocada por ambas as Recorrentes em sentido semelhante, a título de questão prévia, mas que se relegou para este momento, assente no entendimento de que a AdC na decisão proferida violou os princípios da igualdade, da proporcionalidade, confiança legítima e boa fé ao decidir aplicar-lhe uma coima única de valor superior ao proposto em sede de transação, ponderada na fase de instrução, e duas sanções acessórias, que não havia conjeturado nessa fase, quando, ademais, desde então, não sobrevieram aos autos novos elementos de facto e de direito que justificasse alterar a posição ali assumida. Pese embora o Tribunal se tenha distanciado da decisão da AdC na determinação concreta das coimas parcelares e na coima única, quanto aos seus valores, na medida que relevou de forma diversa os fatores considerados nessa operação, para além de os ter alargados a outros que não haviam sido ponderados naquela decisão, consideramos não assistir razão às Recorrentes quanto à referida alegação. Destarte, conforme bem aduziu a AdC na resposta que apresentou à dita violação, nas alegações escritas apresentadas em Juízo, na adoção da Decisão em sede do procedimento ordinário, a AdC não se encontra vinculada aos termos da Minuta de Transação, razão pela qual não podem as Recorrentes vir invocar qualquer confiança legítima. Não obstante o princípio da confiança legítima e da boa fé serem um dos princípios fundamentais da Comunidade, reconhecidos a qualquer operador económico em cuja esfera a administração tenha feito surgir esperanças fundadas, por garantias precisas que lhe tenha dado, o procedimento de transação, no que ora releva, é um procedimento alternativo e totalmente distinto do processo ordinário, com caraterísticas e regras específicos, tal como se depreende do disposto no artigo 27.º da LdC, sendo que, quando a empresa não apresente uma proposta de transação ou quando os esforços para concluir a transação falhem, aplica-se o procedimento ordinário, que é regulado pelas suas próprias regras, e não pelas regras da transação, assistindo aos visados, no âmbito desse processo, o direito de contestar os factos apurados pela AdC e a sua interpretação da prova, esgotando todos os prazos à sua disposição até à decisão final. Estando a AdC, neste procedimento, unicamente vinculada pela nota de ilicitude (“NI”), que não estipula o valor concreto das coimas a aplicar, devendo ao longo do procedimento tomar em consideração os elementos novos levados ao seu conhecimento. No presente caso, as Recorrentes Fergrupo e Somafel apresentaram, cada uma, uma proposta de transação cujos termos incluíam o valor da coima a que as Visadas se propunham sujeitar, as quais foram avaliadas e aceites pela AdC. Contudo, nenhuma das Visadas chegou a confirmar a Minuta de Transação, pelo que o procedimento ordinário seguiu o seu curso, conforme as disposições que o regulam, não podendo os termos das transações malogradas constituírem qualquer critério, garantia ou referência suscetíveis de condicionar o procedimento ordinário, ou seja, os termos incluídos na Minuta de Transação não representam nem podem representar informações precisas, incondicionais e concordantes fornecidas pela AdC, na medida em que os mesmos apenas se aplicariam caso a Minuta de Transação fosse confirmada pelas ora Recorrentes e se convolasse em decisão definitiva condenatória, o que não sucedeu. Conforme o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar a respeito, no Acórdão Timab: “o montante da coima não deve, em caso nenhum, ser mais elevado do que o montante correspondente ao limite superior (acrescido de 10%) do leque de coimas que lhes tinha sido comunicado com vista a uma transação.”. (...) No caso em apreço, as recorrentes decidiram interromper as discussões que visavam a transação. Como acertadamente salientaram, as recorrentes dispunham em absoluto do direito de o fazer. A este respeito, há que observar que o procedimento de transação é um procedimento voluntário (v. n.° 120, infra) e, além disso, distinto do procedimento ordinário. O ponto 19 da comunicação sobre a transação dispõe que, quando uma empresa se retira do procedimento de transação, isto é, no caso em que não apresenta uma proposta de transação, a instrução do processo que leva à decisão final desenrolar‑se‑á em conformidade com as disposições gerais, nomeadamente n.° 2 do artigo 10.° (resposta à comunicação de acusações), o n.° 1 do artigo 12.° (audição), e o n.° 1 artigo 15.° (acesso ao dossier), do Regulamento n.° 773/2004, e não com as disposições que regem o procedimento de transação. (...) importa sublinhar que o leque de coimas é um instrumento única e especificamente ligado ao procedimento de transação. O artigo 10.°‑A, n.° 2, do Regulamento n.° 773/2004 faculta expressamente aos serviços da Comissão a possibilidade de informar os participantes que queiram iniciar discussões com vista a uma transação, uma estimativa do montante da coima que lhes será aplicada tendo em conta as modalidades previstas nas orientações para o cálculo das coimas, as disposições da comunicação sobre a transação e da comunicação sobre a cooperação, se for caso disso. A lógica subjacente a estas disposições é que, como resulta do considerando 2 do Regulamento n.° 622/2008 e do ponto 16 da comunicação sobre a transação, o leque de coimas e os restantes elementos devem ser levados ao conhecimento da empresa em causa para que esta possa utilmente pronunciar‑se sobre os elementos tidos em conta pela Comissão e, assim, com conhecimento de causa, decidir transigir ou não. Se a empresa decide transigir, apresentará, no prazo fixado pela Comissão, uma proposta de transação, na qual reconhece a sua responsabilidade na infração e que reflete os resultados das discussões levadas a cabo para esse efeito, designadamente uma indicação do montante máximo das coimas que espera que a Comissão lhe aplique, e que aceitaria no âmbito do procedimento de transação. Sendo a notificação, por escrito, de uma comunicação de acusações uma etapa obrigatória antes da adoção de uma decisão final, a Comissão apresentará, em seguida, uma comunicação de acusações que reflete a proposta de transação e a empresa em causa responde a esta comunicação confirmando que esta corresponde ao teor da sua proposta (v. n.° 69, supra). Se a empresa não apresentar uma proposta de transação, o procedimento que conduz à decisão final é regulado pelas disposições gerais do Regulamento n.° 773/2004, e não pelas que regulam o procedimento de transação. Tal como já foi acima salientado, trata‑se aqui de uma situação dita «tabula rasa», na qual as responsabilidades devem ainda ser determinadas. Daí resulta igualmente que o leque comunicado durante o procedimento de transação é irrelevante, sendo este um instrumento próprio deste procedimento. Por conseguinte, é ilógico, e mesmo inadequado (v. n.° 100, supra), a Comissão ser obrigada a aplicar, ou a tomar como referência, um leque de coimas abrangido por um outro procedimento entretanto abandonado. Na mesma lógica, nenhuma obrigação de fundamentação mais pesada incumbe à Comissão quando esta recorre ao procedimento de transação, posteriormente abandonado, com vista a facilitar a resolução dos litígios, do que aquela que lhe incumbe quando adota uma decisão ao abrigo do procedimento ordinário. Por conseguinte, o argumento das recorrentes segundo o qual o montante da coima que lhe foi aplicada não deveria, em nenhum caso, ser mais elevado do que o montante correspondente ao limite superior do leque de coimas que lhes tinha sido comunicado com vista a uma transação, acrescido de 10% em razão da não aplicação da comunicação sobre a transação, não pode vingar”. Pelo exposto, atentas as circunstâncias específicas do presente caso, o argumento das Recorrentes quanto à violação do princípio da confiança legítima e da boa-fé improcede. Quanto à alegada violação do princípio da igualdade entre as visadas, sustentada na ideia de que o agravamento do montante da coima e a aplicação de sanções acessórias, não aplicadas às visadas que decidiram transigir com a AdC, sem que se tenham verificado elementos novos que o justifique, conferindo, assim, um caráter punitivo à opção de não transação, também não procede. Como é sabido, o princípio da igualdade tem assento constitucional e europeu, estando assente pela jurisprudência do TJUE que o mesmo exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, a não ser que esse tratamento seja objetivamente justificado.65 Os procedimentos de transação que culminaram com as decisões finais em relação às empresas co-visadas N..., S.A., M..., S.A. e F..., S.A., não são (e não devem ser) necessariamente transponíveis para a Decisão adotada quanto às Recorrentes Somafel e Fergrupo: trataram-se de desfechos processuais distintos que, por via dessa diferença, requerem, por força do aclamado princípio da igualdade, tratamento distinto. O procedimento de transação pressupõe a admissão dos factos, assim como a assunção da responsabilidade pelas empresas que nele participam, o que se traduz, desde logo, numa redução das necessidades de prevenção especial inerentes à condenação e aplicação de sanções a estas Visadas. Por último, quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de princípio de adequação, necessidade e proporcionalidade, na sanção aplicada pela AdC, sem prejuízo de tudo o quanto já exposto a propósito dos demais princípios, reitera-se que, em sede do procedimento ordinário, a AdC tem a possibilidade de determinar responsabilidades e, assim, aplicar as sanções que considere adequadas, proporcionais e necessárias à infração em causa, não se encontrando vinculada por nada mais do que o exposto na Nota de Ilicitude. Logo, quaisquer soluções adotadas nas Minutas de Transação das outras co-visadas não se transpõem necessariamente para a Decisão, uma vez que têm em consideração um contexto específico e o momento da sua apresentação.” O assim decidido não merece censura, pese embora a manifestação de discordância das Recorrentes, e não configura qualquer erro de Direito da sentença recorrida. De acordo com o disposto no art. 27.º da Lei da Concorrência (LdC), na redacção vigente à data - preceito que prevê e regula o procedimento, confidencial, de transação na instrução do processo de contra-ordenação por práticas restritivas da concorrência – se após a notificação para o efeito, o visado não proceder à confirmação da proposta da minuta de transação com os termos aceites pela AdC, incluindo as sanções concretamente aplicadas e a percentagem da redução da coima, o processo de contra-ordenação segue os seus termos e fica sem efeito a decisão de avaliação e aceitação da proposta de transação por parte da AdC. O que fica sem efeito não produz efeito, designadamente legitimar uma confiança. Pelo que não pode qualificar-se de legítima qualquer confiança que as Visadas tenham criado no sentido de que, não confirmando a minuta de transação contendo a proposta aceite pela AdC para efeitos de transação, a condenação de que viessem a ser alvo na decisão final seria a que constava da minuta, apenas acrescida da percentagem de redução da coima que era proposta pela AdC. O procedimento de transação é um procedimento alternativo, com características e regras próprias, totalmente distinto do processo ordinário, não estando a AdC vinculada, no procedimento ordinário, aos termos da minuta de transação enviada no procedimento de transação e não confirmada pelo visado. Como refere a AdC nas suas alegações, os termos incluídos na minuta de transação não podem representar informações precisas, incondicionais e concordantes fornecidas pela AdC, na medida em que os mesmos apenas se aplicariam caso a Minuta de Transação fosse confirmada pelas Recorrentes e se convolasse em decisão definitiva condenatória. E só as informações precisas, incondicionais e concordantes são susceptíveis de gerar esperanças fundadas e, com isso, confiança legítima. Não pode afirmar-se, como fazem as Recorrentes, que não houve desde o termo do procedimento de transação na instrução qualquer alteração dos factos em causa, a sua qualificação jurídica e o juízo de gravidade e de culpa. A confissão dos factos, o reconhecimento da responsabilidade numa infracção às regras da concorrência, em cooperação com a AdC, afectam o juízo sobre a culpa e as necessidades de prevenção especial. Sendo que os termos da transação têm também em consideração o seu escopo: a simplificação do procedimento sancionatório e a celeridade processual, com a consequente diminuição do contencioso e aumento da eficácia da actuação da própria AdC, o que se traduz numa mais efectiva aplicação do Direito da Concorrência.[11] Não se afigurando correcta a afirmação dos Recorrentes Fergrupo e BB de que o procedimento de transação não foi criado para beneficiar as visadas. Para além da redução da coima, a redução do período de contencioso, a menor exposição mediática do processo, a divulgação de menos elementos do que numa decisão de condenação em procedimento ordinário, são benefícios para as visadas que resultam do desenho legal do procedimento de transação. Assim, não podem as Recorrentes pretender extrair conclusões do procedimento de transação que terminou sem a sua aceitação, nem relativamente à coima nem às sanções acessórias que lhe vieram a ser aplicadas e que, sublinhe-se, a sentença recorrida alterou. Na tese das Recorrentes terão sido mais severamente condenadas por não terem confirmado os termos da transação aceite pela AdC, o que concluem sem, aparentemente, ponderar se não seriam os termos da transação que, por se tratar precisamente de uma transação, terão sido mais benevolentes. O que tudo retira também fundamento para a invocação legítima de uma violação do princípio da igualdade. O princípio da igualdade de tratamento, ou da não discriminação, determina que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de forma igual, a não ser que seja objectivamente justificado. Como a própria refere nas suas alegações, nos procedimentos de transacção que culminaram com as decisões finais em relação às empresas N..., S.A., M..., S.A. e F..., S.A., a AdC, no uso do seu poder de apreciação, avaliou as propostas de transação apresentadas por estas empresas com base no contexto específico em que o foram e no momento da sua apresentação, que vinculam apenas os respectivos proponentes – e, acrescente-se, cujos contornos e termos concretos se desconhecem. Também não têm razão as Recorrentes no que respeita à violação do princípio da proporcionalidade. As decisões finais condenatórias alcançadas no procedimento de transação não podem servir de base para aferir da proporcionalidade/adequação nem da medida das coimas aplicadas às Recorrentes nem à própria aplicação de sanções acessórias. Quanto aos montantes das coimas concretamente aplicadas às ora Recorrentes, tiveram estas a possibilidade de as contestar quer no recurso de impugnação quer, ainda, no presente recurso da sentença que as reduziu. Não tendo a sentença recorrida (como já não tinha a AdC) que justificar a medida das coimas concretamente aplicadas às Recorrentes por referência às que foram aplicadas às empresas condenadas no âmbito de um procedimento de transação. Resta, assim, concluir pela improcedência dos recursos da Somafel e da Fergrupo e BB. * IV. Decisão Pelo exposto, acordam em julgar improcedentes os recursos dela interpostos, confirmando a sentença recorrida. Custas por cada um dos Recorrentes AA, Somafel, Fergrupo/ BB, com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs (seis unidades de conta) - art.°s 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III ao mesmo anexa – estando a AdC isenta, nos termos do art. 4.º, n.º1, al. g) do RCP. * Lisboa, 26.10.2022 Eleonora Viegas Ana Mónica Mendonça Pavão Luís Ferrão _______________________________________________________ [1] Neste sentido, o voto de vencido da Desembargadora Ana Pessoa no acórdão proferido nesta Secção no proc. 10626/18.0T9LSB-B.L1. [2] Disponível para consulta em www.dgsi.pt [3] Cf. Acórdão do STJ de 16-03-2005, proc. n.º 05P662, disponível em <http://www.dgsi.pt>. [4] Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/00, de 21-03-2000, disponível em <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/>. [5] . Cf. Acórdão do STJ de 16-03-2005, atrás indicado. [6] Cfr, entre muitos outros, os acórdão do STJ de 04.12.2008, Proc. n.º 2823/08, de 26.01.2011, Proc. n.º39/96.9TBCNF.S1, de 21.01.2009, Proc. n.º 111/09, de 09.02.2012, Proc. n.º 131/ll.lYFLSB, e de 10.05.2012, Proc. n.º 39/94.3JAAVR.L1.S1. [7] Cfr. ac. STJ de 29.04.2021, proc. 704/12.5TVLSB.L3.S1 [8] Cfr. ac. do TRL de 29.01.2014, proc. 18/12.0YUSTR.E1.L1-3 [9] Cfr. Miguel Gorjão-Henriques e Catarina Anastácio in, “Lei da Concorrência – Comentário Conimbricense”, 2ª ed., Almedina, pág. 189 [10] Cfr. ac. do TJUE de 9 de Julho de 1969, Völk c. Vervaeck (5/69) 295. [11] Cfr. “Lei da Concorrência - Comentário Conimbricense”, 2ª ed., p. 414 |