Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10505/06-9
Relator: GUILHERME CASTANHEIRA
Descritores: CUSTAS
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. O demandante civil que não seja, simultaneamente, assistente pode ser condenado nas custas criminais quando desista da queixa apresentada.
2.Considerando os valores jurídicos, envolvidos e envolvente, estava na disponibilidade do titular do interesse que a norma protege, desistir, ou não, da queixa por si apresentada, sendo certo que em causa estava, tão só, obter o montante pecuniário que seria devido.
3. Desconhecendo-se, face à operada desistência, se a arguida cometeu, ou não, o crime em causa, sempre pagaria as custas a queixosa/demandante – não sendo legítima, sem mais, a oneração da arguida/demandada com o pagamento das mesmas, por, nos autos, se não demonstrar ter dado origem ao facto determinante da “lide”, o que constitui corolário do princípio da causalidade, na sua formulação negativa.
(sumariado pelo relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa


I. – No Proc. n.º6164/03.4TDLSB, da 2ª Secção, do 4º Juízo Criminal de Lisboa, veio a recorrente, "M SA", interpor recurso do despacho, proferido em 03-10-2006, “que a condenou no pagamento de custas criminais”, constante de fls. 70 dos autos, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
(...)
Termina pela revogação do despacho recorrido.

O MP, a fl. 95 a 101, responde que deve ser mantido o despacho recorrido, dizendo em conclusões:
(...)
O despacho foi mantido – fl. 104.
Neste Tribunal o Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs “parecer”, a fl.107 a 108, no sentido de o recurso merecer provimento.
Foram colhidos os vistos.

II. – É do seguinte teor o despacho recorrido – fl.70 –:
À arguida é imputado nestes autos a prática, como autora material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo art.º 11°, n.° 1, al. a), do D.L. n°. 454/91, de 28/12, com a redacção que lhe foi introduzida pelo D.L. n°. 316/97, de 19/11.
A fls. 8 a 9, veio a demandante, “M, SA", deduzir pedido de indemnização civil contra a arguida, o qual foi liminarmente admitido.
A demandante veio, a fls. 66 a 68, desistir da queixa e do pedido de indemnização civil, apresentados contra a arguida, sendo certo que a arguida e a Digna Magistrada do Ministério Público não deduziram qualquer oposição.
Atenta a sua tempestividade, a natureza semi-pública do ilícito em questão, a legitimidade do desistente e a não oposição da arguida, julgo válida e relevante a desistência de queixa constante de fls. 66 a 68, a qual homologo por sentença, declarando, consequentemente, extinto o procedimento criminal instaurado nestes autos contra a arguida A.. – art°. 113°, n°.1, 116°, n°. 2, do CPenal, 11° – A do D.L. n°. 454/91 de 28/12, na redacção introduzida pelo D.L. n°. 316/97, de 19/11, art. 49°, 50° e 51°, do C.P.Penal.
Custas a cargo da desistente, nos termos do preceituado nos artigos 520°, al. a), do C.P.Penal, e 451°, n°. 1, do C.P.Civil.
Fixo os honorários à ilustre defensora oficiosa em conformidade com a tabela em vigor
Notifique e deposite."
Atenta a legitimidade e a capacidade da demandante e a natureza disponível do direito seu objecto, julgo válida e relevante a desistência do pedido de indemnização civil, formulado a fls. 8 a 9, a qual homologo por sentença, declarando, consequentemente, extinto o direito que aquela pretendia fazer valer nos autos contra a demandada.
Sem custas, atento o preceituado no art. 66º, n°.1, da Lei n°. 60 – A/2005, de 30/12. Notifique.
Em consequência dou sem efeito a 2ª data já designada.”

Realizada a conferência, cumpre decidir:
O objecto do recurso é delimitado pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, conforme o n.º 1, do artigo 412º, do Código de Processo Penal, sem prejuízo para a apreciação das questões de oficioso conhecimento de que ainda se possa conhecer.
Das conclusões de recurso resulta que o efeito pretendido pela recorrente é, tão-somente, a revogação da decisão da sua condenação no pagamento das custas referentes à instância criminal.
Não se pode, pois, questionar a decisão que, em razão da anterior homologação da desistência da queixa e, consequente, extinção do procedimento criminal contra a arguida/demandada, declarou, não a impossibilidade superveniente da lide, como requerido, mas “válida e relevante a desistência do pedido de indemnização civil, formulado a fls. 8 a 9”, a qual foi “homologada por sentença”, e, “consequentemente, extinto o direito que aquela pretendia fazer valer nos autos contra a demandada”.
O que há que decidir é se perante aquela decisão de extinção da acção crime deveria, ou não, ter havido condenação em custas da demandante.
De resto, o regime, aplicado, previsto no artigo 66.º, n.º 1, da Lei 60-A/2005, de Dezembro, traduzido na dispensa do pagamento das custas judiciais no caso de extinção da instância, em razão de desistência do pedido, mostra-se bem aplicado ao pedido de indemnização civil por, fundado na prática de um crime, ter sido deduzido no processo penal.
A "M., SA" manifestou intenção de proceder criminalmente por factos que entendia indiciadores da prática de um ilícito criminal, impulsionando processualmente o pleito, deduziu pedido de indemnização civil, liminarmente admitido, e veio, depois, desistir da queixa e requerer, igualmente, o arquivamento dos autos quanto ao pedido de indemnização civil – sendo certo que os presentes autos não são de acção cível, mas que, à face do artigo 71.º, do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização cível foi deduzido no processo-crime, porquanto fundado na, alegada, prática de um crime.
O pedido de indemnização civil mais não era do que uma acção cível enxertada em processo-crime, podendo ter sido formulado em separado (artigo 72.º do Código de Processo Penal).
Por outro lado, resulta do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – sendo que, em qualquer caso, “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1, do referido artigo 9.º, do Código Civil).
Ora, as custas são encargos pagos pela utilização dos serviços de justiça e são suportadas pela parte que lhes deu causa ou, não havendo vencimento, de quem do processo tirou proveito, mesmo em ocorrência ligada às vicissitudes próprias do processo penal (extinção do procedimento criminal por desistência da queixa).
Constitucionalmente, não existe o dever de uma justiça administrada gratuitamente, antes decorre do artigo 20º, da Constituição da República, a garantia do exercício da tutela jurisdicional dos direitos dos cidadãos e de que por carência de meios económicos ninguém pode ser privado de defender judicialmente os seus interesses.
A exigência de custas judiciais não constitui qualquer restrição ao direito de acesso aos tribunais e se qualquer cidadão, ou entidade, não estiver em condições de poder suportar os respectivos encargos existem mecanismos legais para suprir essa sua situação.
Assim, desde logo, para efeitos de aferição da responsabilidade por custas, o artigo 520º, al. a), do Código de Processo Penal, relativamente a outros responsáveis, que não os assistentes ou arguidos, dispõe que pagam também custas as partes civis “se dever entender que deram causa às custas, segundo as normas do processo civil”.
E consta do, aplicado, artigo 451.º, nº 1, do CPC, que quando a causa termine por desistência, as custas são pagas pela parte que desistir.
Um dos critérios para tributação de outras pessoas, que não aquelas, é, pois, o da causalidade, conforme resulta do referido preceito, devendo a mesma ser determinada de acordo com as regras do processo civil.
E, nesse âmbito, no tocante à responsabilidade por custas, fixou-se regra de causalidade e regra de responsabilidade objectiva – cf. artigos 446º e 447º, do CPC, para efeito de imputação a uma das partes (ou a ambas, em determinada proporção) da responsabilidade pelo pagamento das custas.
Desconhecendo-se, face à operada desistência, se a arguida cometeu, ou não, o crime em causa, sempre pagaria as custas a queixosa/demandante – não sendo, como sugere a recorrente, legítima, sem mais, a oneração da arguida/demandada com o pagamento das mesmas, por, nos autos, se não demonstrar ter dado origem ao facto determinante da “lide”, o que constitui corolário do princípio da causalidade, na sua formulação negativa.
Por outro lado, considerando os valores jurídicos, envolvidos e envolvente, estava na disponibilidade do titular do interesse que a norma protege desistir, ou não, da queixa por si apresentada, sem que, sequer, ao Ministério Publico coubesse legitimidade para prosseguir com a acção penal – afinal, como decorre dos próprios termos do requerimento de fls. 66 a 68 (“assinalando-se” que a arguida, A., “procedera ao pagamento do valor em dívida, pelo que a sociedade se encontrava ressarcida, não mais existindo o prejuízo que maculava o seu património”) em causa estava, tão só, obter o montante pecuniário que seria devido, e, como se refere na contramotivação, só à queixosa/demandante cabia declarar se estava ressarcida, nada tendo o tribunal que indagar, o que, em qualquer caso, não importava, em si, o cessar de apuramento da existência, ou não, do crime objecto da queixa formulada pela "M., SA".
E assim, visto o disposto pelo n.º 1, do artigo 451º, do CPC, conjugado com o n.°1, do artigo 520º, e 523º, do CPP – e, quanto a este, note-se que o legislador de 1998 lhe deu uma nova redacção, passando o mesmo a regular a responsabilidade pelas custas relativas ao pedido de indemnização civil, que antes estava prevista na alínea a), do artigo 520º, do mesmo diploma –, tendo ocorrido desistência, no âmbito do processo penal, relativamente a crime de natureza semi-pública, as custas são pagas pela parte (queixosa/demandante civil) que desistiu.
III – DECISÃO:
Nos termos supra expostos, nega-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s (art. 87.º, nºs 1, al. b), e 3, do CCJ).
Notifique.