Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
764/25.9YLPRT.L1-6
Relator: CARLOS MIGUEL SANTOS MARQUES
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
COMUNICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (elaborado pelo relator):
I. O procedimento especial de despejo previsto no artigo 15º da Lei n.º 6/2006, de 27/2, quando fundamentado na oposição do senhorio à renovação do contrato, deve ser acompanhado do contrato de arrendamento e do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097º do Código Civil.
II. A comunicação do senhorio, para tal efeito, nos termos previstos nos artigo 9º e 10º da Lei n.º 6/2006, deve ser enviada por carta registada com aviso de receção com a antecedência mínima prevista no n.º 1 do artigo 1097 do Código Civil; sendo tal carta devolvida, por não ter sido reclamada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, o senhorio deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
III. O envio da segunda carta registada (com aviso de receção) antes de decorridos 30 dias sobre a data do envio da primeira carta, na ponderação dos interesses subjacentes a tal norma imperativa, torna a comunicação ineficaz, não podendo fundamentar o procedimento especial de despejo; do mesmo modo, o envio de uma terceira carta registada simples (sem aviso de receção), por não observar os formalismos legais, torna ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 6ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório.
1. Casaideal Imobiliária, Unipessoal Ld.ª, instaurou, no Balcão do Arrendatário e Senhorio, procedimento especial de despejo contra AA e BB, com fundamento na cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação pelo senhorio, visando o despejo do local arrendado sito na Rua 1. Juntou documentos comprovativos do contrato de arrendamento e das comunicações de oposição à renovação do contrato.
2. Após oposição dos requeridos, foram os autos remetidos e distribuídos ao Juízo Local Cível de Vila Franca de Xira, onde seguiram os demais trâmites legais.
3. Exercido o contraditório relativamente à oposição deduzida, o tribunal julgou a oposição extemporânea e não admitiu a mesma.
4. Ato seguido, o tribunal conheceu do mérito da pretensão da autora, tendo julgado improcedente a pretensão de despejo da autora, absolvendo os réus da mesma.
5. Nessa decisão, depois de assentar a factualidade provada (também por falta de oposição dos réus), o tribunal fundamentou a improcedência da ação nos seguintes termos:
«Considerando os factos supra escritos, emerge que A. e RR. celebraram contrato de arrendamento urbano para habitação pelo prazo de 5 anos, com início em 01/10/2019 e termo em 31/10/2024, sendo o contrato renovável por períodos de 1 ano em caso de não oposição à renovação.
Mais fixaram a antecedência mínima para a declaração de oposição em 120 dias pela senhoria e 90 pelos arrendatários.
Ora, com relevo, prescreve a lei o seguinte quanto à forma de comunicação da declaração de oposição, conforme o disposto no art. 9º e ss. da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro: “1 - Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. (…).”
Com relevo, dispõe, ainda, o art. 10º, que: “1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior. c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.”
Entende a A. que declarou eficazmente a sua oposição à renovação do contrato, inicialmente por carta registada com AR e, na falta de recebimento desta, por nova carta com AR e, subsequentemente, por carta simples.
Atendendo a que está em causa uma declaração receptícia, sendo que releva o conhecimento pelo destinatário da intenção de não proceder à renovação do contrato, já que se pretende assegurar que este disponha de um prazo mínimo para se precaver ante a cessação do contrato, afigura-se-nos que releva – para aferição do cumprimento da antecedência prevista legal ou contratualmente – a data em que o arrendatário tem conhecimento daquela declaração e não apenas a data da sua emissão. Ou seja, mais que o momento de emissão da declaração releva o conhecimento do arrendatário desta, sendo que o senhorio deverá proceder no sentido de se assegurar que a comunicação é recebida com a antecedência mínima. Aliás, a prevalência do conhecimento efectivo pelo arrendatário resulta clara do disposto no art. 10º, n.º 2 e 3, da Lei 6/2006, que impõe a remessa de nova carta nos casos em que a primeira não é recebida por não ter sido levantada pelo arrendatário no prazo definido para tanto.
Ora, considerando a duração do contrato e o seu termo, a declaração de oposição à renovação emitida pela senhoria deveria ter sido transmitida aos RR. até à data de 3 de Julho de 2024.
No caso verifica-se que os RR não receberam as cartas registadas com AR remetidas em 13/06/2024, por não reclamadas. Nesta medida, aquela declaração não se tornou eficaz por não recebida (cfr. art. 10º, n.º 2, al. c), da Lei 6/2006.
A A. remeteu, então, novas cartas datadas de 10/07/2024, sendo que apenas uma delas foi recebida pelo R. em 19/07/2024, tornando-se a declaração eficaz nesta data. Não obstante, tal eficácia ocorreu já posteriormente ao limite do prazo para proceder à declaração de oposição à renovação do contrato. Ou seja, não foi respeitado o período mínimo de antecedência para a declaração de oposição à renovação do contrato pelo que este se renovou na falta da recepção tempestiva da declaração emitida pela A.
Atento a tudo o exposto, afigura-se-nos que a declaração de oposição à renovação do contrato não foi validamente efectuada, por desrespeito do período mínimo de antecedência, tornando-se eficaz quando o contrato já se havia renovado, pelo que o contrato não cessou nos moldes indicados pela A.
Pelo que antecede, não pode, pois, constituir-se validamente título para desocupação do locado, considerando que o contrato se mantém em vigor.
Destarte, cumpre julgar improcedente o presente pedido de despejo com fundamento na caducidade do contrato.»
6. A autora, não conformada com tal decisão, interpôs recurso da mesma, apresentando as respetivas alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
1. Contrato de arrendamento habitacional com termo em 31 de outubro de 2024 e antecedência mínima de 120 dias para oposição à renovação.
2. Carta registada com Aviso de recepção enviada em 13 de junho 2024 para o local arrendado, dentro do prazo legal.
3. A comunicação cumpriu forma e prazo exigidos pelos art. 9.º e 10.º do NRAU.
4. A segunda carta de 10 de julho de 2024 foi envio diligente, mas não requisito indispensável à eficácia da oposição.
5. A sentença recorrida incorreu em erro de direito ao condicionar eficácia à receção da carta.
6. Deve ser revogada a decisão e declarada a cessação do contrato em 31de outubro de 2024.
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença proferida pelo do Tribunal “a quo”, substituindo-a por outra que decrete o despejo do local arrendado.
7. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II - Fundamentação.
Delimitação do objeto do recurso e questões a decidir.
O objeto do recurso, nos termos previstos nos artigos 635º/4, 637º/2, 639º, 640º, 641º/1-b), 652º/1-a) e 663º/2 e 608º/2 do Código de Processo Civil, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s), não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas1.
Por outro lado, devemos ter em consideração que os recursos estão legalmente configurados como um meio processual que visa a reapreciação de uma decisão judicial, não podendo ter por objeto “questões novas” não suscitadas e não conhecidas pelo tribunal recorrido - a não ser, também, que se tratem de questões de conhecimento oficioso. Neste sentido, o tribunal superior não efetua um reexame ou novo julgamento da causa, limitando-se a controlar a correção da decisão recorrida, em função das conclusões apresentadas, reapreciando-a perante os elementos probatórios averiguados até ao momento da prolação da decisão recorrida2.
Assim, analisadas as conclusões das alegações da apelação, tendo subjacente a realidade factual descrita no relatório que antecede e estando em causa uma questão de direito, cumpre apreciar e decidir se o senhorio observou os formalismos legais da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento e, na afirmativa, se é de decretar o despejo.
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B. Factos provados.
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação interposta pelo(a)(s) recorrente(s), e uma vez que não foi impugnada a matéria de facto que fundamentou a decisão recorrida, é a julgada provada pelo tribunal recorrido, no seguintes termos:
1. Em 1 de Novembro de 2019, A. e RR. subscreveram o acordo junto com o requerimento inicial, designado de “Contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. Em 13/06/2024 a A. remeteu aos RR. os escritos datados de 13 de junho de 2024 juntos com o requerimento inicial, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, os quais não foram recebidos pelos RR., por não reclamados.
3. Em 10/07/2024, a A. remeteu dirigida aos RR. o escrito datado de 10 de Julho de 2024, sob o assunto de “Segunda Carta Registada com Aviso de Recepção – Oposição à renovação do contrato de arrendamento”, a qual foi recebida pelo R. em 19/07/20243.
4. Em 03/08/2024, a A. remeteu à R. o escrito datado de 1 de Agosto de 2024, sob o assunto “Carta/Registo Simples oposição à renovação de contrato de arrendamento”.
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C. Do direito.
O recurso de apelação, visando a reapreciação de uma decisão da primeira instância e não um novo julgamento pelo tribunal de recurso, encontra-se delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (onde a mesma deve deixar claro, de forma sintética, as razões pelas quais pede a alteração ou anulação da decisão - cfr. artigo 639º/1 do Código de Processo Civil).
Neste sentido, nos termos previstos no artigo 639º/2 do Código de Processo Civil, o recorrente deve indicar, nas conclusões: «a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada».
Tendo em consideração os factos provados, com relevo para a decisão a proferir, e as conclusões formuladas no recurso, importa apurar se a autora cumpriu as formalidades legais impostas para a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
É ponto assente que entre as partes, na altura em que a autora fez as comunicações de oposição à renovação do contrato, se encontrava em vigor um contrato de arrendamento de um prédio urbano para habitação dos réus, arrendamento este que tinha o prazo de 5 anos, com início em 01/10/2019 e termo em 31/10/2024, e que era renovável por períodos de 1 ano em caso de não oposição à renovação (cfr. factos provados e documentos de suporte).
É, também, ponto assente que as partes fixaram a antecedência mínima para a declaração de oposição à renovação em 120 dias para senhoria e em 90 para os arrendatários (cfr. factos provados e documentos de suporte) e que os 120 dias antes da data prevista para o termo do contrato (31/10/2024) tiveram o seu início no dia 3 de julho de 2024.
É, ainda, ponto assente entre as partes que:
• A autora enviou aos réus em 13 de junho de 2024 uma primeira comunicação (duas cartas registadas nesta data, com avisos de receção, para cada um dos réus) a opor-se à renovação do contrato, que não foi recebida pelos réus, por não a terem reclamado nos serviços postais;
• Perante tal devolução, a autora enviou aos réus em 10 de julho de 2024 uma segunda comunicação (duas cartas registadas nesta data, com avisos de receção, para cada um dos réus), a dar-lhes conta da não receção da primeira comunicação e da reafirmação da sua oposição à renovação do contrato, comunicação esta que foi rececionada pelo réu marido, no dia 19 de julho de 2024, mas que não foi rececionada pela ré mulher;
• Perante a devolução desta carta, a autora enviou à ré mulher em 3 de agosto de 2024 uma terceira comunicação (uma carta simples registada nesta data), a dar-lhe conta da não receção da primeira e segunda comunicações e da reafirmação da sua oposição à renovação do contrato.
O contrato de arrendamento urbano para habitação, nos termos previstos nos artigos 1094º a 1096 do Código Civil, pode ser celebrado com prazo certo ou com duração indeterminada, sendo que mesmo nos casos em que o contrato tem um prazo certo, se não ocorrer nenhuma forma de cessação, a regra é que o mesmo se renova automaticamente.
Neste sentido, o artigo 1096º/1 dispõe que, salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo (e com exceção dos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios) renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
Em todo o caso, o n.º 3 do mesmo artigo confere a qualquer das partes a faculdade de se opor à renovação, nos termos dos artigos seguintes – traduzindo esta oposição à renovação do contrato «outra causa prevista na lei» para a cessação do contrato de arrendamento (cfr. artigo 1079º do Código Civil).
O artigo 1097º ocupa-se da «oposição à renovação deduzida pelo senhorio», dispondo: «1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte: a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos; b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano; d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses. 2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação. 3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º».
Tendo-se em consideração a factualidade provada, estando em causa um contrato de arrendamento urbano para habitação com a duração de 5 anos, conclui-se que o senhorio, a ora autora, podia opor-se à renovação do contrato no termo do prazo dos 5 anos, contanto que o comunicasse ao arrendatário com a antecedência mínima de 120 dias, ou seja, no caso em apreço, até ao dia 3 de julho de 2024.
A questão em análise no presente recurso tem a ver com as formalidades da comunicação, regendo, a este respeito, o artigo 9º da Lei n.º 6/2006, de 27/2, que dispõe: «1- Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes, relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras, são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção. 2 - As cartas dirigidas ao arrendatário, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado. 3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior. 4 - Não existindo contrato escrito nem comunicação anterior do senhorio, as cartas dirigidas a este devem ser remetidas para o seu domicílio ou sede. 5 - Qualquer comunicação deve conter o endereço completo da parte que a subscreve, devendo as partes comunicar mutuamente a alteração daquele. 6 - O escrito assinado pelo declarante pode, ainda, ser entregue em mão, devendo o destinatário apor em cópia a sua assinatura, com nota de receção. 7 - A comunicação pelo senhorio destinada à cessação do contrato por resolução, nos termos do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, é efetuada mediante: a) Notificação avulsa; b) Contacto pessoal de advogado, solicitador ou agente de execução, comprovadamente mandatado para o efeito, sendo feita na pessoa do notificando, com entrega de duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, devendo o notificando assinar o original; c) Escrito assinado e remetido pelo senhorio nos termos do n.º 1, nos contratos celebrados por escrito em que tenha sido convencionado o domicílio, caso em que é inoponível ao senhorio qualquer alteração do local, salvo se este tiver autorizado a modificação».
Estando em causa nos autos uma comunicação do senhorio destinada à cessação do contrato de arrendamento (por oposição à renovação), nos termos previstos no n.º 1 do mencionado artigo, a mesma só se pode ter como formalmente válida se tiver sido realizada mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção – formalismo que, tal como está provado, a autora cumpriu.
A questão subsequente tem a ver com as «vicissitudes» que podem ocorrer com tal comunicação, dispondo, a este respeito, o artigo 10º da mesma lei que: «1 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que: a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la; b) O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário. 2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que: a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º; ou b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior; c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais. 3 - Nas situações previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta. 4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio. 5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo anterior, se: a) O destinatário da comunicação recusar a assinatura do original ou a receção do duplicado da comunicação e cópia dos documentos que a acompanhem, o advogado, solicitador ou agente de execução lavra nota do incidente e a comunicação considera-se efetuada no próprio dia face à certificação da ocorrência; b) Não for possível localizar o destinatário da comunicação, o senhorio remete carta registada com aviso de receção para o local arrendado, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que o destinatário não foi localizado, e considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio».
Assim, não tendo as partes alegado a existência de domicílio convencionado, tendo a ora autora enviado aos réus uma primeira comunicação de oposição à renovação do contrato, não tendo a mesma sido rececionada pelos réus, que não a reclamaram nos serviços postais, estando em causa uma comunicação do senhorio que pode servir de base (como serviu) ao procedimento especial de despejo (previsto nos artigos 14º-A e 15º da mesma lei) e que, simultaneamente, foi devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais, impunha-se ao senhorio, ora autora, nos termos previstos no n.º 3 do mesmo artigo, o envio de “nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta”.
Tal como resulta da factualidade provada, o senhorio, ora autora, enviou aos réus uma primeira comunicação de oposição à renovação do contrato (no dia 13 de junho de 2024) respeitando a antecedência mínima de 120 dias relativamente à data prevista para o termo do contrato (prazo que se iniciou no dia 3 de julho de 2024).
Tendo tais notificações sido devolvidas (por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais), impendia sobre a ora autora o dever de «enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta».
Analisando a factualidade provada verifica-se que ora autora enviou aos réus uma nova comunicação (mediante cartas registadas com aviso de receção), mas também que não observou o prazo legalmente imposto, ou seja, não a enviou decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (enviada no dia 13 de junho), tendo-a enviado antes de decorridos os 30 dias impostos por lei (enviando-a no dia 10 de julho).
E tendo enviado uma terceira comunicação à ré mulher decorridos 30 e antes dos 60 dias, verifica-se também que, em violação da lei, não a enviou por carta registada com aviso de receção, mas apenas mediante carta simples registada.
Estando em causa um procedimento especial de despejo fundamentado em tais comunicações, dispõe o artigo 15º/2-c) da Lei n.º 6/2006 que «apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo, independentemente do fim a que se destina o arrendamento, (…) o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil», pelo que apenas se pode ter como fundamentado o procedimento especial de despejo quando o senhorio tiver em seu poder um comprovativo da comunicação válida e eficaz de oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Não tendo a autora cumprido as formalidades legalmente impostas para comunicação da oposição à renovação do contrato, conclui-se que a autora não tem em seu poder documento bastante para instauração do procedimento especial de despejo.
Consagrando o regime analisado um desvio à regra geral da perfeição das declarações negociais, previsto no artigo 224º do Código Civil, segundo o qual «a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida», permitindo aquele regime a validade e eficácia de comunicações sem prova do seu efetivo conhecimento do destinatário (ou em condições de, sem culpa sua, poder ser por ele efetivamente conhecida), não pode o tribunal interpretar tal regime excecional sem o mínimo de correspondência no texto da lei.
Na verdade, qualquer tarefa interpretativa, nos termos previstos no artigo 9º do Código Civil, deve ter uma correspondência verbal mínima na letra da lei, ainda que imperfeitamente expresso, devendo o intérprete, na fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Vale tudo isto para dizer que, não tendo a primeira comunicação sido efetivamente recebida, a segunda comunicação deveria ter sido enviada decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, não podendo considerar-se válida e eficaz a comunicação enviada sem que se mostre decorrido o prazo de 30 dias.
Deste modo, não tendo os réus recebido efetivamente (de forma válida e eficaz) a comunicação da ora autora pelo menos 120 dias antes da data prevista para o termo do contrato (antes do dia 3 de julh0), não se pode ter o réu marido validamente notificado no dia 19 de julho relativamente a uma notificação expedida (no dia 10 de julho) antes de terem decorridos 30 dias depois do envio da primeira (no dia 13 de junho) e muito menos se pode ter por validamente notificada a ré mulher no dia 20 de julho relativamente a uma comunicação remetida antes do prazo legalmente previsto e que não foi efetivamente rececionada (presumindo-se apenas o seu recebimento) – sendo que a remetida a 3 de agosto também não foi enviada por carta registada com aviso de receção (mas apenas mediante registo simples).
Esta conclusão é independente da questão se saber se a segunda comunicação é condição de validade da primeira comunicação, tornando-a perfeita (AcRL de 13-02-2025, rel. Des. Inês Moura), ou se é mera condição de eficácia da primeira comunicação (cfr. AcSTJ de 19-10-2017, rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; AcRL de 27-04-2023, rel. Des. Vera Antunes; AcRL de 24-09-2024, rel. Des. Micaela Sousa; AcRL de 16-01-2025, rel. Des. Arlindo Crua), análise que, nos termos expostos, fica prejudicada pelo facto de a autora não ter cumprido o prazo legalmente previsto para envio da segunda comunicação.
Efetivamente, tal como o decidiram os mencionados AcSTJ de 19-10-2017 e AcRL de 16-01-2025, a oposição à renovação do contrato só é eficaz se a primeira comunicação for completada com uma nova comunicação, enviada igualmente com aviso de receção e dentro do prazo previsto no n.º 3 do artigo 10º do NRAU (30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira), impondo a lei, em absoluto e imperativamente, a observância destes passos ou trâmites na comunicação a efetuar, sob pena de inoperacionalidade da comunicação de oposição à renovação contratual e, assim, de o senhorio não poder lançar mão do procedimento especial de despejo.
Nestes termos, embora com fundamentos diversos, improcede a apelação, devendo a recorrente, atento o decaimento, ser condenada nas custas do recurso (cfr. artigo 527º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
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III – Decisão.
Em face do supra exposto, acordam os Juízes da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 23 de outubro de 2025.
Carlos Miguel Santos Marques
Elsa Melo
Anabela Calafate
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1. Em consonância com o preceituado nos artigos 608º e 609º, ex vi do 663º/2 do Código de Processo Civil, que veda ao juiz a possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, apreciando todas as questões suscitadas pelas partes, mas também só as questões suscitadas pelas partes – excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não transitadas em julgado. De onde resulta, também, que as questões de mérito decididas pela 1ª instância e que não foram levadas às conclusões do recurso se devem considerar decididas, com esgotamento do poder jurisdicional quanto a elas, estando vedado o seu conhecimento ao tribunal de recurso.
2. Cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 8ª ed. Atualizada (2024), pgs. 163 a 166; Rui Pinto, in Manual do Recurso Civil, Volume I, 2025, pgs. 348 a 366; e Luís Filipe Espírito Santo, in Recursos Civis: O Sistema Recursório Português. Fundamentos, Regime e Actividade Judiciária, 2020, pgs. 7 a 13.
3. Consignando-se que a carta remetida à ré não foi novamente recebida.