Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
977/25.3T8TVD.L1-9
Relator: MARIA DE FÁTIMA R. MARQUES BESSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
PRAZO
REJEIÇÃO
RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE/NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da Relatora)
I. Os recursos, na acepção comum de recursos jurisdicionais utilizada quer no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), quer no artigo 399.º do Código de Processo Penal (CPP), consubstanciam, por natu­reza, a impugnação perante um tribunal (superior) de anterior decisão de outro tribunal (inferior).
II. Quando o citado artigo 399.º estatui que “é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” está a referir‑se às três formas de “atos decisórios dos juízes” cuja utilização o artigo 97.º, n.º 1, do mesmo Código descreve do seguinte modo: “a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando pu­serem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior; c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial”.
III. O recurso de impugnação judicial do despacho de rejeição da impugnação judicial, por extemporânea, de decisão da autoridade administrativa Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANSR), para o Tribunal da Relação apenas se mostra possível quanto a esse despacho de rejeição e não quanto aos fundamentos da decisão administrativa proferida pela ANSR.
IV. É crescente o entendimento doutrinal e jurisprudencial de uma autonomia processual no domínio do direito contraordenacional, distinto quer do direito penal, quer do direito administrativo, admitindo um regime específico ou sui generis na matéria.
V. A jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 2/94 publicado no Diário da República n.º 106/1994, Série I-A de 7 de Maio de 1994, no sentido de que “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”, não caducou, porquanto não foi modificada pelo artigo 60º, nº 1 do RGCO, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro nem por qualquer outra legislação posterior.
VI. A legislação contraordenacional estradal, no art.º 132.º, do Código da Estrada (CE), remete, como direito subsidiário, para o Regime Geral das Contraordenações (RGCO), ao contrário do que acontece, por exemplo, no procedimento de contraordenação laboral, previsto na Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, em que foi estatuída a remissão do artigo 6.º, n.º 1, dessa Lei para o Código do Processo penal (CPP).
VII. À impugnação judicial prevista no art.º 181.º, n.º2 alínea a) do Código da Estrada (CE), não é aplicável o disposto no artigo 107.º-A do Código Processo Penal (CPP) nem a remissão que aí é efetuada para o nº5 a 8 do art.º 139.º do Código de Processo civil (C.P.C.), não sendo de aplicar o raciocínio jurídico encetado no Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2022, de 10/03/2022 publicado no Diário da República n.º 73/2022, Série I de 13 de abril de 2022.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, os Juízes Desembargadores, em conferência, na 9ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I Relatório
1.
No processo supra identificado 977/25.3T8TVD.L1 em que é arguido AA foi proferido em 22/05/2025 despacho de rejeição por intempestividade, do recurso da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANSR), de .../.../2020, que nos autos de Contraordenação estradal n.º ... lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, por, no dia ...2...-01, pelas 17h06m, no local ..., o recorrente, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula AB-..-CH, ter praticado a seguinte infracção: o veículo circulava fora de localidade, pelo menos à velocidade de 190 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/h..
2.
O arguido, não se conformando com o despacho, vem dele interpor recurso em .../.../2025 para este Tribunal da Relação de Lisboa, na previsão da norma do art.º 74º-1 e 73º-1, aliena b) e d) todos do DL n.º 433/82 de 27/10, na redacção introduzida pelo DL n.º 244/95 de 14/10, para o que apresenta a respectiva MOTIVAÇÃO dela se extraindo as seguintes CONCLUSÕES:
I – O aqui recorrente foi notificado, em 5 de janeiro de 2024, da decisão dos autos de Contraordenação estradal acima referida, que lhe aplicou a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias;
II – A Impugnação foi apresentada no dia ... de ... de 2024, dentro do prazo concedido para o efeito, estando dentro do prazo, nunca o mesmo deveria ter sido rejeitado por intempestivo.
III – Contudo, admitindo-se por mera hipótese académica – o que não se concede, que o recurso foi apresentado fora do prazo, sempre estaria dentro do 1 dia útil fora do prazo.
IV – Pelo que o recurso de impugnação sempre deveria ter sido admitido, pois que, a Sentença de 22/05/2025 não aplicou subsidiariamente o Código de Processo Penal o que deveria, devendo o presente recurso ter sido aceite, na procedência deste, ser determinada a revogação da Sentença de que ora se recorre e a sua substituição por decisão que determine a admissão do presente recurso por tempestivo, ao abrigo do preceituado nas disposições combinadas das normas dos art.os 41º, nº 1 do RGCO, e ainda do art. 107º- A do Código de Processo Penal , com os efeitos legais.
V – Devendo ser o mesmo apreciado quanto aos factos referidos na decisão recorrida, alegadamente consubstanciadores da infração, terão sucedido em ...2...-01.
VI – O Regime Geral das Contraordenações (doravante RGCO), diploma de aplicação subsidiária, está ferido de inconstitucionalidade orgânica em virtude das duas alterações legislativas que sofreu terem sido extemporaneamente promovidas pelo Governo, isto é, com a respetiva lei de autorização legislativa da Assembleia da República caducada
VII – As normas contidas nos artigos 138.º n.º 1 e 169º nºs 2 e 3 são inconstitucionais enquanto permitem que, quer a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, quer as entidades designadas pelo Ministro da Administração Interna por ilegalidade resultante da inconstitucionalidade do Regime Geral das Contraordenações.
VIII – No âmbito do direito penal as infrações cujos autores se expõem a penas (sanções) destinadas a dissuadir e reprimir e que consistem em medidas privativas de direitos, liberdades ou garantias;
IX – Aliás, o carácter genérico da norma que prevê a sanção acessória da inibição de conduzir, bem como o fim desta última, simultaneamente preventivo e repressivo, permite concluir pela natureza penal dessa sanção;
X – Fatores determinantes de tal natureza são a existência de um registo, a possibilidade de agravação da sanção e da sua atenuação, a punição da reincidência e a prolação dos seus efeitos no tempo após o cumprimento da pena principal;
XI – Pelo que, a aplicação da dita sanção por parte de uma entidade administrativa viola o princípio da jurisdicionalização da aplicação das medidas sancionatórias de natureza penal consagrado nos artigos 18º, 32º e 202º da nossa Lei Fundamental;
XII – Consubstanciando a exceção de incompetência material.
XIII – Apenas admitindo-se por mera hipótese académica – o que não se concede – a improcedência destas inconstitucionalidades, sempre se dirá que:
a. O condutor – arguido na defesa que apresentou, em sede administrativa, assumiu e se redimiu da sua conduta, a verdade é que, a condução do veículo foi feita sempre em perfeitas condições de segurança, quer pelas características da via, quer pelas condições climatéricas, quer pelas condições de segurança do veículo que conduzia, quer pelo cuidado que o arguido teve na condução.
b. arguido naquele momento se encontrava numa situação desculpabilizante e atenuante que deve ser tida em consideração na ponderação da aplicação da sanção acessória.
c. O estado de necessidade em que o arguido se encontrava, presenciado e comprovado inclusive pelos Senhores Agentes da Autoridade que o autuaram, era de tal ordem que o impeliu para a condução, nos termos mencionados nos autos, pois, naquelas circunstâncias o arguido só tinha aquela opção, chegar com a maior brevidade a uma estação de serviço, para poder usar os lavabos com máxima urgência, tendo em conta o estado físico debilitante em que a infeção intestinal de que padecia o deixou, naquele momento.
d. o arguido viu-se obrigado a conduzir o veículo onde circulava àquela velocidade para evitar um perigo maior, para si e para os que circulavam naquela via, pois que se não tivesse chegado com celeridade à estação de serviço poderia ter causado um acidente o que seria bem mais grave para si e para que ali circulava.
XIV – Da suposta infração não resultou, por isso, perigo concreto para terceiros utentes da via, o que, aliás, pode concluir-se seguramente do teor da descrição sumária do auto de notícia.
XV – O arguido tem carta de condução há mais de 20 (vinte) anos, conduzindo diariamente, fazendo milhares de quilómetros anualmente.
XVI – A profissão do arguido, Médico dentista, obriga-o a efetuar, diariamente, numerosas deslocações em veículos automóveis.
XVII – Caso lhe viesse efetivamente a ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir, o arguido veria impedido o exercício das suas funções, porquanto as mesmas não podem sequer ser prestadas através da utilização de transportes públicos – sendo certo que o arguido não dispõe de qualquer outra fonte de rendimentos, para além dos que resultam do exercício da profissão acima indicada, o que colocaria em risco a angariação do seu sustento.
XVIII – O arguido não retirou qualquer benefício económico da prática da contraordenação.
XIX – Atendendo às circunstâncias em que terá ocorrido a infração sub judice, poderá facilmente concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da sanção acessória de inibição de conduzir, e demais consequências, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
XX – Sendo tais factos suficientes, sempre salvo melhor opinião, para obstar à repetição de nova infração, assim se dando cabal cumprimento aos efeitos sancionatório e preventivo dos preceitos legais presumidamente infringidos.
XXI – Pelo que, atendendo à personalidade e às condições de vida do recorrente, verifica-se que a simples censura do facto realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, se assim não se entender deverá ser aplicada uma Admoestação, ou uma prestação de boa conduta, pelos limites mínimos legalmente estabelecidos, ou a suspensão da execução da inibição de conduzir e retirada dos pontos na carta de condução.
XXII – Assim, nunca deverá ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de noventa dias e subtração de 4 (quatro) pontos.
Termos nos quais, e nos melhores de direito, deverão as presentes alegações e conclusões merecer provimento, com o que se fará a necessária JUSTIÇA!
*
3.
O recurso foi recebido por despacho de 04/06/2025 com o seguinte teor:
“Por legal e tempestivo, dispondo o recorrente de legitimidade para o efeito, admito o recurso interposto por AA da decisão proferida em 22/05/2025, o qual subirá imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo – artigos 73.º, n.º 1, al. d) e 74.º, n.ºs 1 e 4, ambos do RGCO ex vi do artigo 186.º do Código da Estrada e artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.ºs 1 e 2 al. a) e 408.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal ex vi do artigo 41.º do RGCO.
Notifique o Ministério Público nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 411.º, n.º 6 e 413.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, ex vi artigo 74.º, n.ºs 1 e 4 do RGCO ex vi do artigo 186.º do Código da Estrada (prazo: 10 dias).”
4.
O Ministério Público respondeu ao recurso em 12/06/2025, extraindo da resposta as seguintes CONCLUSÕES:(transcrição)
1. É a presente resposta ao recurso interposto por AA do despacho proferido em 22.05.2025, que não admitiu a impugnação judicial apresentada;
2. Não se conformando com tal, interpôs o arguido o presente recurso, defendendo, em suma, que foi notificado da decisão administrativa a 05.01.2024 e que apresentou a impugnação a 26.01.2024, pelo que o fez dentro do prazo concedido para o efeito e que, acaso se considere que foi extemporâneo, sempre se devia ter considerado que foi apresentada no 1.º dia útil após o prazo e, como tal, devia ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 107.º-A, do Cód. Proc. Penal;
3. Vem ainda o arguido insurgir-se quanto ao mérito da decisão administrativa proferida, invocando que nunca lhe deveria ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias, nem determinada a subtracção de 4 (quatro) pontos;
4. Em primeiro lugar, cumpre referir que, no entendimento do Ministério Público, apenas se mostra possível o recurso quanto à rejeição da impugnação judicial;
5. Com efeito, dispõe o artigo 73.º, n.º 1, do RGCO, que “Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º (…)”, sendo estes últimos aqueles em que é considerada desnecessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público a isso não se oponham, e, nos termos do artigo 73.º, n.º 1, do RGCO, apenas algumas daquelas sentenças e despachos admitem recurso, consoante o teor da decisão deles constante;
6. Por seu turno, o artigo 63.º, do RGCO, com a epígrafe “Não aceitação do recurso”, estabelece no n.º 1 que “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo (…), resultando do n.º 2 que “deste despacho há recurso, que sobre imediatamente”;
7. No caso vertente estamos perante esta segunda situação: foi proferido despacho, a 22.05.2025 que não admitiu a impugnação judicial apresentada por considerar que a mesma foi apresentada fora de prazo;
8. Termos em que, o recurso a interpor apenas pode visar sindicar a bondade de tal despacho – de rejeição da impugnação por extemporânea – e não os fundamentos da decisão administrativa proferida;
9. Por outro lado, e apreciando o despacho ora recorrido, temos que, como dele bem resulta, o Recorrente foi notificado da decisão administrativa a 04.01.2024, sendo tal inequívoco atenta a informação prestada pelos CTT que dá conta disso mesmo (e-mail de 20.05.2025, ref.ª 16695153);
10. Pelo que, dispondo de 15 (quinze) dias úteis para proceder à apresentação de impugnação judicial, tal teria que ocorrer até ao dia 25.01.2024, o que não sucedeu no caso concreto, conquanto a impugnação judicial apenas foi apresentada a 26.01.2024, sendo por isso certa a decisão que a considerou intempestiva;
11. Acresce que, não assiste qualquer razão ao Recorrente quando defende que devia ter sido aplicado o disposto no artigo 107.º-A, do Cód. Proc. Penal;
12. Pois que, conforme referido pela jurisprudência, o prazo em causa – os 15 (quinze) dias úteis – tem natureza administrativa, citando-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão n.º 2/94, de 7 de Maio, do Supremo Tribunal de Justiça e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e de Coimbra, que consideraram que tal prazo tem natureza administrativa e, como tal, não admite a aplicação do disposto no artigo 107.º-A, do Cód. Proc. Penal;
13. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao rejeitar a impugnação judicial, por intempestiva, e ao não convidar o Recorrente a proceder ao pagamento da multa a que alude o artigo 107.º-A, do RGCO, por ser legalmente inadmissível;
Por tudo quanto se expôs, entende o Ministério Público que o recurso apresentado não merece qualquer provimento, devendo improceder na totalidade, mantendo-se o despacho recorrido. Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
5.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa a Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta lavrou parecer em .../.../2025 nos seguintes termos (transcrição):
Do mérito do recurso:
1 – O arguido AA recorre do despacho proferido em 22.05.2025, que não admitiu a impugnação judicial por ele apresentada. Defende, em suma, que foi notificado da decisão administrativa a 05.01.2024 e que apresentou a impugnação a 26.01.2024, pelo que o fez dentro do prazo concedido para o efeito. Ainda que aquela fosse considerada extemporânea, devia ter-se considerado que foi apresentada no 1.º dia útil após o prazo e, como tal, devia ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 107.º-A, do Cód. Proc. Penal.
2 – O Ministério Público, junto da 1ª instância, respondeu ao recurso, em ... de ... de 2025, pugnando pela manutenção do decidido.
3 - A análise, a nosso ver, irrepreensível, bem assim a qualidade e clareza da resposta apresentada pela magistrada do MP junto da 1.ª Instância, à questão jurídica que consta da motivação do recurso do arguido e que também subscrevemos, permite que nos limitemos a reproduzi-las, fundamentando nos seus precisos termos, o que cremos, ser a evidente falta de razão do recorrente.
4 – Pelo exposto, e em conclusão:
– É de ter-se por intempestiva a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa;
– E, por consequência, declarar a manifesta improcedência do recurso e a manutenção da decisão impugnada.
*
No exame preliminar considerou-se que o objecto do recurso interposto deveria ser conhecido em conferência, dispensando o cumprimento do n.º2 do art.º 417.º, do CPP, porquanto o parecer se limitou a acompanhar a resposta do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
Questão prévia:
Além de recorrer do despacho que indeferiu o recurso por extemporâneo, vem ainda o arguido/recorrente insurgir-se quanto ao mérito da decisão administrativa proferida, solicitando seja o mesmo apreciado quanto aos factos referidos na decisão recorrida, alegadamente consubstanciadores da infração invocando que nunca lhe deveria ser aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 (noventa) dias, nem determinada a subtracção de 4 (quatro) pontos.
Porém, tal como entendimento do Ministério Público, apenas se mostra possível o recurso quanto à rejeição da impugnação judicial.
Neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional 15 de Setembro de 2003, processo n.º 498/03 Relator: Conselheiro Mário Torres, onde além do mais, se lê :
“ (…) 2. Os “recursos”, na acepção comum de “recursos jurisdicionais” – que é a utilizada quer no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), quer no artigo 399.º do Código de Processo Penal (CPP) –, consubstanciam, por natu­reza, a impugnação perante um tribunal (superior) de anterior decisão de outro tribunal (inferior), diversamente do que ocorre com o “recurso contencioso” (impugnação pe­rante um tribunal de um acto da Administração) ou com o “recurso administrativo” (impugnação perante um órgão administrativo de um acto de outro órgão administra­tivo subalterno ou tutelado). Como refere Armindo Ribeiro Mendes (Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Lex, Lisboa, 1994, pág. 19), recursos, naquela acepção co­mum, são “os meios processuais destinados a submeter a uma nova apreciação juris­dicional certas decisões proferidas pelos tribunais”. Quando o citado artigo 399.º pro­clama que “é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei” está a referir‑se às três formas de “actos decisórios dos juízes” cuja utilização o artigo 97.º, n.º 1, do mesmo Código descreve do seguinte jeito: “a) Sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória ou quando pu­serem termo ao processo fora do caso previsto na alínea anterior; c) Acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial”.
Ademais, dispõe o artigo 73.º, n.º 1, do RGCO, que “Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º (…)”, e, apenas algumas daquelas sentenças e despachos admitem recurso, consoante o teor da decisão deles constante;
Por seu turno, o artigo 63.º, do RGCO, com a epígrafe “Não aceitação do recurso”, estabelece no n.º 1 que “O juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo (…), resultando do n.º 2 que “deste despacho há recurso, que sobre imediatamente”;
No caso vertente estamos perante esta segunda situação, porquanto se recorre do despacho proferido a 22.05.2025 que não admitiu a impugnação judicial apresentada por considerar que a mesma foi apresentada fora de prazo;
Termos em que, o recurso interposto apenas pode sindicar o despacho de rejeição da impugnação por extemporânea e não os fundamentos da decisão administrativa proferida, rejeitando-se nesta parte o recurso.
Notifique.
II-Questões a decidir no recurso:
Constitui jurisprudência assente que o objecto do recurso, que circunscreve os poderes de cognição do tribunal de recurso, delimita-se pelas conclusões da motivação dos recorrentes (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 417º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).(cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt)
Na Doutrina, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Volume II, 5.ª Edição atualizada, pág. 590, “As conclusões do recorrente delimitam o âmbito do poder de cognição do tribunal de recurso. Nelas o recorrente condensa os motivos da sua discordância com a decisão recorrida e com elas o recorrente fixa o objecto da discussão no tribunal de recurso… A delimitação do âmbito do recurso pelo recorrente não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente das nulidades insanáveis que afetem o recorrente… não prejudica o dever de o tribunal conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º2 que afetem o recorrente…” e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
A questão que se impõe decidir é a seguinte:
-Apreciação da (in) tempestividade do recurso de impugnação judicial.
III – Factos relevantes para a apreciação do recurso:
III.1-Por decisão da autoridade administrativa Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (doravante ANSR), de 30/10/2020, nos autos de Contraordenação estradal n.º ... foi aplicada ao recorrente a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 90 dias, por, no dia ...2...-01, pelas 17h06m, no local ..., o recorrente conduzir o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula AB-..-CH, e ter praticado a seguinte infracção: o veículo circulava fora de localidade, pelo menos à velocidade de 190 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 120 km/h.
III.2- recorrente foi notificado, em 5 de janeiro de 2024, dessa decisão, por carta registada com AR tendo sido o próprio a assinar o A/R.
III.3 – A Impugnação foi judicial foi remetida pelo recorrente por correio registado em 26/01/2024.
III.4- A decisão recorrida tem o seguinte teor (transcrição):
Da intempestividade do recurso apresentado:
O recorrente foi notificado da decisão administrativa em 04/01/2024, tendo sido o próprio a assinar o AR (conforme AR junto aos autos, conjugado com a informação prestada pelos CTT junta ao processo eletrónico em 20/05/2025).
A impugnação judicial foi remetida por correio registado em 26/01/2024 (conforme p. 28 do expediente junto ao processo eletrónico em .../.../2025). O prazo para apresentação do recurso é de 15 dias úteis, nos termos do disposto no artigo 181.º, n.º 2, al. a) do Código da Estrada.
O prazo começa a contar na data da assinatura do AR, quando assinado pelo próprio, como sucedeu no caso vertente, nos termos do disposto no artigo 176.º, n.º 9, al. a) do Código da Estrada.
O recorrente assinou o AR em 04/01/2024, pelo que o prazo de recurso se esgotou em 25/01/2024, tendo o recurso sido apresentado em 26/01/2024, ou seja, intempestivamente.
Acresce ainda que “não é aplicável à impugnação judicial prevista no art. 59º, n.º 3, do RGCO e no art. 181º, nº 2, alínea a), do CE o artigo 107.º-A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/03/2024, Isabel Valongo).
Termos em que se rejeita o recurso por intempestividade.
Notifique e após trânsito devolva os autos à Autoridade Administrativa.
IV-Fundamentos do recurso e respectiva apreciação
Apreciemos, então, a questão a decidir:
A decisão recorrida, por considerar que não é aplicável, à impugnação judicial prevista no art. 59º, n.º 3, do RGCO e no art.º 181º, nº 2, alínea a), do CE (Código da Estrada), o artigo 107.º-A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC (Código de Processo Civil), face à natureza administrativa do prazo em questão, rejeitou o recurso da decisão da autoridade administrativa, que havia sido notificada ao recorrente em 04/01/2024 (data de assinatura do AR).
O Código da Estrada contém específica regulamentação, estabelecendo as formalidades das notificações.
Consagra o artigo 175º, nº 2 do Código da Estrada que:
“O arguido pode, no prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação:
a) Proceder ao pagamento voluntário da coima, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172.º;
b) Apresentar defesa e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;
c) Requerer atenuação especial ou suspensão da sanção acessória e, querendo, indicar testemunhas, até ao limite de três, e outros meios de prova;
d) Requerer o pagamento da coima em prestações, desde que o valor mínimo da coima aplicável seja igual ou superior a 2 UC”.
Mais se prevê no artigo 181º do Código da Estrada que:
1 - A decisão que aplica a coima ou a sanção acessória deve conter:
a) A identificação do infrator;
b) A descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão;
c) A indicação das normas violadas;
d) A coima e a sanção acessória; e) A condenação em custas.
2 - Da decisão deve ainda constar que:
a) A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito, constando de alegações e conclusões, no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima;
b) Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.
3 - A decisão deve conter ainda:
a) A ordem de pagamento da coima e das custas no prazo máximo de 15 dias úteis após a decisão se tornar definitiva;
b) A indicação de que, no prazo referido na alínea anterior, pode requerer o pagamento da coima em prestações, nos termos do disposto no artigo 183.º
4 - Não tendo o arguido exercido o direito de defesa, a fundamentação a que se refere a alínea b) do n.º 1 pode ser feita por simples remissão para o auto de notícia. (sublinhado nosso).
Estipula o artigo 176º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Notificações”, o seguinte:
“1 - As notificações efetuam-se:
a) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;
b) Mediante carta registada com aviso de receção expedida para o domicílio ou sede do notificando;
(…)
2 - A notificação por contacto pessoal é efetuada, sempre que possível, no ato da autuação ou, em qualquer outro momento, quando o notificando for encontrado pela entidade competente, independentemente do ato procedimental a notificar.
3 - Na notificação pessoal o arguido pode assinar através de assinatura autógrafa em suporte de papel ou digital, bem como através da leitura de dados biométricos.
4 - A notificação por via eletrónica é efetuada para a morada única digital das pessoas singulares e coletivas que tenham aderido ao serviço público de notificações eletrónicas, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 93/2017, de 1 de agosto.
5 - Se não for possível, no ato de autuação, proceder nos termos do n.º 2 ou se estiver em causa qualquer outro ato, a notificação pode ser efetuada através de carta registada com aviso de receção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.
6 - Se, por qualquer motivo, a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples.
(…)
9 - As notificações consideram-se efetuadas:
a) Em caso de notificação por carta registada, na data em que for assinado o aviso de receção ou no terceiro dia útil após essa data, quando o aviso for assinado por pessoa diversa do arguido;
(…) (sublinhados nossos).
Assim, analisado o Código da Estrada verifica-se que este contém específica regulamentação, pelo que é aplicável ao caso dos presentes autos o prazo de 15 dias úteis para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa previsto no artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada, não sendo aplicável o prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, nº 3 do RGCO (Regime Jurídico das Contraordenações e Coimas), isto é, a norma do Código da Estrada constitui norma especial face à norma do RGCO.
Como se retira da decisão administrativa da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que sancionou o aqui recorrente foi dado cumprimento ao disposto no artigo 181º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada, pelo que, o prazo de que dispunha o arguido para impugnar a decisão proferida pela mencionada autoridade administrativa era de 15 dias úteis.
No caso que nos ocupa o arguido foi notificado da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, por via postal registada com aviso de recepção, tendo sido o respectivo aviso de recepção assinado pelo arguido na data de 04/01/2024, (conforme AR junto aos autos, conjugado com a informação prestada pelos CTT junta ao processo eletrónico em 20/05/2025).
A impugnação judicial foi remetida por correio registado em 26/01/2024 (conforme p. 28 do expediente junto ao processo eletrónico em .../.../2025).
Perante o exposto e tomando em consideração o disposto no artigo 176º, nº 1, alínea b) e nº 9, alínea a) do Código da Estrada, o arguido considera-se notificado da decisão da Autoridade Nacional de Recurso na data da assinatura do A/R., contando-se a partir daí o prazo de 15 dias.
Dispõe o art.º 132.º, do C. Estrada que:
“As contraordenações rodoviárias são reguladas pelo disposto no presente diploma, pela legislação rodoviária complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações.”(sublinhado nosso).
Assim, ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se subsidiariamente as normas do RGCO; em caso de lacuna neste é que se aplicam as normas do C.P.P. (artigo 41º do RGCO) e em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4º do C.P.P.).
Dúvidas não há que a apresentação do recurso de impugnação judicial, trata-se, como o nome dele indica, de um recurso “de impugnação judicial”, (como decorre quer do art.º 59.º, n.º1 do RGCC quer do 181.º, n.º2, al. a) do C. da Estrada), que é praticado junto da entidade administrativa (tal como provêm quer o art.º 59.º, n.º3 do RGCC quer o art.º 181.º, n.º2, al. a) do C. da Estrada) seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P..
Permite, o n.º 2 do art.º 62.º, do RGCO, aplicável às contraordenações rodoviárias, à entidade administrativa a revogação da sua decisão ou a passagem para a fase “acusatória” do processo contraordenacional prevista no artigo 62º, n. 1, do RGCO, após envio do recurso pela autoridade administrativa ao Ministério Público, que o apresenta com juiz, valendo este acto como acusação, não deixando de ser um recurso de “impugnação judicial”.
Para o caso em apreciação a questão relativa ao termo inicial do prazo previsto no art.º 181.º, n.º2, al. a) do C. da Estrada mostra-se resolvida pelo art.º 176.º, do C. da Estrada.
Porém, ao computo do prazo temos que aplicar o artigo 60º do RGCO (aplicável subsidiariamente) que:
“1 - O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 - O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte”.
Sendo, porém certo que não se suspende nas férias judiciais o que encontra fundamento no modo de funcionamento das autoridades administrativas - sem qualquer condicionamento durante o período das férias judiciais.
A propósito da suspensão ou não do prazo previsto no art.º 59.º, do RGCC em férias judiciais o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 395/02 (Processo nº 321/2002) em www.tribunalconstitucional.pt) “Não julgar inconstitucional, designadamente por violação do disposto nos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 10, da Constituição, os artigos 59º, nº 3, e 60º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso neles previsto não se suspende durante as férias judiciais”.
Também o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 473/01 (Processo nº 371/01; Relator: Conselheiro Sousa e Brito; disponível em www.tribunalconstitucional.pt): “não considerar inconstitucional, designadamente por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas; (…)”.
O D.L. nº244/95 de 14/09 trouxe alterações muito relevantes que reforçam a ideia de que o processo contraordenacional é, fundamentalmente, e em toda a sua extensão, direito processual penal especial, na medida em que o processualismo penal se aplica subsidiariamente (art. 41º do RGCO).
Este diploma substituiu o art.º 60º que passou assim a regular a contagem do prazo para a impugnação. Estabeleceu que o prazo para este efeito se suspende aos sábados, domingos e feriados (nº1), e que se o termo final do prazo ocorrer em dia não útil, transfere-se para o dia útil seguinte (nº2).
Esta alteração não deixou de reforçar a ideia de autonomia processual no domínio do direito contraordenacional, distinto quer do direito penal, quer do direito administrativo, admitindo um regime específico ou sui generis na matéria, o qual , como já referido, devolve a questão para a aplicação subsidiária do direito processual penal (art.º 41º do RGCO).
Face ao supra exposto, revisitando o caso dos autos, o primeiro dia do prazo de 15 dias úteis de que o arguido dispunha para impugnar judicialmente a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária corresponde ao dia 05/01/2024, pelo que, não se contabilizando os fins de semana (sábado e domingo), o prazo de recurso se esgotou em 25/01/2024, correspondendo ao último dia do aludido prazo de 15 dias úteis, tendo o recurso sido apresentado em 26/01/2024, um dia após o termo do prazo, portanto.
Defende o recorrente que são aplicáveis ao recurso de impugnação judicial, subsidiariamente, os artigos 107.º-A do Código de Processo Penal139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, sendo de admitir o seu recurso por ter sido praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
A jurisprudência e a doutrina têm-se dividido na sua aplicação ao direito contraordenacional, partindo da qualificação judicial ou administrativa do prazo, (em que seria de aplicar os artigos 139.º, n.º 5 e n.º 6 do Código de Processo Civil, e 107.º-A do Código de Processo Penal considerando-o judicial e não se aplicaria considerando-o administrativo ou não judicial).
Oliveira Mendes e Santos Cabral, entendem que tal prazo não é um prazo judicial, pois que se reporta a um momento em que não existe fase judicial. E argumentam que tal fase pode nem sequer iniciar-se caso a entidade administrativa revogue a decisão até ao momento em que deveria enviar o processo para tribunal. ( in “ Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas)
Também salienta Paulo Pinto de Albuquerque, “O prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º não tem natureza judicial, uma vez que o recurso de impugnação em processo contraordenacional ainda faz parte da fase administrativa. Assim, este prazo não se suspende nem interrompe durante as férias judiciais” (in Comentário do Regime Geral das Contraordenações, UCE, 2ª Edição actualizada, 2022, p. 301).
Vai no mesmo sentido António Beça Pereira, no “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, 12.ª Ed., Coimbra: Almedina, 2018, pp. 178-179, que considera plenamente válida a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 2/94, Relator: António de Sousa Guedes, publicado no Diário da República n.º 106/1994, Série I-A de 7 de Maio de 1994.
Esse citado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência disponível em www.dgsi.pt, fixou jurisprudência no sentido de que:
“Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”, cuja jurisprudência não foi modificada pelo artigo 60º, nº 1 do RGCO, na redacção do Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro.
Pronunciou-se também no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-06-2007, Processo nº 4485/2007-3, Relator: Rui Gonçalves (disponível em www.dgsi.pt), ao referir que :
“I – Não há dilação em processo penal.
II – O prazo de impugnação judicial de decisão administrativa que aplica uma coima é de natureza administrativa.
III – As alterações introduzidas aos artigos 59.º e 60.º, do RGCO, pelo DL 244/95 de 14/9 não modificaram a natureza do aludido prazo, mantendo-se válida a jurisprudência fixada pelo Ac. 2/94, do STJ.
IV – Aquele prazo deve contar-se nos termos do art. 279.º, al. b), do CC, por remissão do seu art. 296.º. É, pois, um prazo contínuo, que não se interrompe durante as férias judiciais”.
Também no aresto do Tribunal da Relação de Évora de 12-01-2021, Processo nº 615/20.0T89LAG.E1, Relatora Beatriz Marques Borges foi entendido que “Independentemente da discussão à volta da natureza do prazo previsto no artigo 59.º, n.º 3 do DL 433/82 de 27.10, a redação do atual artigo 60.º apresenta uma disciplina própria sobre a forma como o prazo para a apresentação da impugnação judicial deve ser contado, correndo sempre durante o período de férias judiciais”. (disponível em www.dgsi.pt).
Especificamente, no que respeita à não aplicação do disposto no artigo 107º-A do Código de Processo Penal e no artigo 139º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, referindo-se ao então vigente artigo 145º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 293/06 (Processo nº 1051/05; Relator: Conselheiro Gil Galvão; disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que “há que concluir que a norma que se extrai da conjugação dos artigos 41º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e 145.º, n.ºs 5 e 6 do Código de Processo Civil, segundo a qual não se considera aplicável o disposto o art. 145.º, n.ºs 5 e 6 do CPC ao prazo para interposição do recurso de impugnação de contra-ordenação, não viola normas ou princípios constitucionais, nomeadamente o da igualdade ou o da tutela jurisdicional efectiva”.
Sustenta, na mesma linha, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-06-2006 (Processo nº 802/06-1; Relator: Alberto Borges; disponível em www.dgsi.pt) que “Ao prazo de recurso de uma decisão administrativa que aplicou uma coima não é aplicável o regime estabelecido no artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil”.
Lê-se igualmente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-03-2020 (Processo nº 239/19.5T8CVL.C1; Relatora: Maria José Nogueira que:
“(…) III – A disciplina do artigo 107.º - A do CPP, relativa à possibilidade da prática extemporânea do acto processual mediante o pagamento de multa, sendo privativa dos prazos judiciais, não colhe aplicação no caso do n.º 3 do artigo 59.º do RGCO, cujo prazo, de 20 dias, fixado para impugnação da decisão da autoridade administrativa, tem natureza administrativa. (…)”.( disponível em www.dgsi.pt)
Também no Ac. RE de 12/07/2012 processo 179/10.3TBORQ.E1, relator Martinho Cardoso foi sumariado o entendimento de que:
“1. O prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, sendo-lhe, por conseguinte, inaplicáveis as regras do processo civil e do processo penal.”
Lendo-se na respectiva fundamentação que:
“relativamente à contagem desse prazo, também não é aplicável o disposto no art.º 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e, por consequência, o acto de interposição do recurso não pode ser praticado de acordo com o estatuído no art.º 145.º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, ou seja, nos três dias úteis subsequentes ao termo final do respectivo prazo, ainda que a validade ficasse condicionada ao pagamento da multa respectiva prevista nesse preceito (neste sentido, Ac. RP de 18-02-1998, BMJ 474-552, Ac. RP de 07-01-1998, BMJ 473-565 e Ac. RL de 18-04-2002, com sumário disponível em www.dgsi.pt ).”(disponível em www.dgsi.pt)
Refere o Acórdão do TRC de 18-03-2020, relatora Maria José Nogueira, que como tem vindo a afirmar de forma pacífica a jurisprudência, não é aplicável nesta sede o disposto no artigo 107.º A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão (cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.02.2012, no processo n.º 1757/11.9TALRA.C1, in www.dgsi.pt).
Também no muito recente Acórdão do TRL 03/04/2025 Processo, 2000/24.6T8TVD.L1 desta 9.ª Secção relator André Alves, não publicado, foi consagrado o seguinte entendimento:
“Ora, o regime do prazo do nº3 do art. 59º é, provavelmente, o que existe de mais sui generis em todo o regime processual contraordenacional: O termo inicial não prescinde da aplicação subsidiária das normas do CPP; mas o cômputo do prazo têm disposição própria, que teve origem nas regras de direito administrativo (art. 60º).
Já o termo final decorre da estrutura própria do processo contraordenacional, dividido que está em duas fases: uma necessária (fase administrativa) e outra facultativa (fase judicial). No cerne da “transição” encontra-se o prazo de que agora nos ocupamos. O termo final do prazo é incindível do facto de o ato ser praticado perante a autoridade administrativa. Logo, os atos específicos relativos à convalidação do ato praticado fora do prazo pela imposição de uma multa, só são aplicáveis quando possam ser praticados na fase judicial.
Assim, entendemos que, ao termo final do prazo de impugnação judicial não é aplicável o regime do art. 107º-A do C.P.P., nem a remissão que aí é efetuada para o nº5 a 8 do art. 139º do C.P.C.”
Em sentido contrário temos o Acórdão da Relação de Évora, de 06 de Dezembro de 2016, (Processo nº 236/15.0T8PTM.E1), e de 03-11-2015 (Processo nº 62/15.6T8EVR.E1, ambos tendo como relator João Gomes de Sousa, (in www.dgsi.pt) que desde logo parte da premissa de que “um processo contra-ordenacional não é um processo administrativo.” E que considera caduca a jurisprudência fixada pelo STJ no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 2/94.
É nosso entendimento, em sintonia com a Doutrina e a Jurisprudência maioritária que a disciplina do artigo 107.º - A do CP e do art.º 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, quanto à possibilidade da prática extemporânea do acto mediante o pagamento de multa processual, sendo privativa dos prazos judiciais também não colhe aplicação também no caso que nos ocupa do art.º 181º, nº 2, alínea a), do CE, com base nos mesmos fundamentos da não aplicação ao art.º 59.º, do RGCO, considerando a aplicação subsidiária do RGCO nomeadamente dos art.ºs 60.º a 73.º às contraordenações estradais.
Vai nesse sentido, entre outras, a seguinte decisão jurisprudencial:
-Acórdão de 06-03-2024 (Processo nº 905/23.0T8VIS.C1), relatora Isabel Valongo (in www.dgsi.pt):
“Não é aplicável à impugnação judicial prevista no art. 59º, n.º 3, do RGCC e no art. 181º, nº 2, alínea a), do CE o artigo 107.º-A do CPP ou o artigo 139.º, n.ºs 5 e 6 do CPC, atenta a natureza administrativa do prazo em questão.” (sublinhado nosso).
Lendo-se na fundamentação do mesmo acórdão que:
“Embora compreendamos a lógica do pensamento exposto no Acórdão da Relação de Évora, entendemos ser de respeitar a Fixação de Jurisprudência nº 2/94, pois como claramente se explicita no Ac do STJ de 3 de Novembro de 2010 (relator Cons Maia Costa) este Acórdão ( nº 2/94) não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º do RGCO não é um prazo judicial. O que é aplicável ao prazo fixado no art artigo 181º, nº 2, alínea a), do CE.
É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).”
Ora, só existe caducidade da jurisprudência fixada quando lei posterior vem consagrar solução contrária ou incompatível com a doutrina fixada.
Assim sendo, não se mostrando ultrapassada nem contrária à Constituição a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, cumpre observá-la nos termos do disposto no art 445º, nº 3, do CPP, mantendo-se em vigor que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º, do RGCO não é um prazo judicial. Regime aplicável ao art 181º, nº 2, alínea a), do CE.
Assim sendo, não se mostrando ultrapassada nem contrária à Constituição a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, cumpre observá-la nos termos do disposto no art 445º, nº 3, do CPP, mantendo-se em vigor que o prazo previsto no nº 3, do art. 59º, do RGCO não é um prazo judicial. Regime aplicável ao art 181º, nº 2, alínea a), do CE. Logo, conjugando-se com o disposto no artigo 60.º, n.º 2 do RGCO, o prazo em questão não se suspende durante o período de férias judiciais, nem lhe é aplicável o disposto no art. 107º, nº 5 , do CPP.
Em suma, a disciplina do artigo 107.º - A do CPP, quanto à possibilidade da prática extemporânea do acto mediante o pagamento de multa processual, sendo privativa dos prazos judiciais também não colhe aplicação no caso do art 181º, nº 2, alínea a), do CE.”
É certo que no relativamente recente acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2022, de 10 de março de 2022, publicado no Diário da República n.º 73/2022, Série I de 13 de abril de 2022, relatora Maria Paula Sá Fernandes, foi fixada a seguinte jurisprudência:
“É aplicável à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contraordenação laboral, prevista no artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o disposto nos artigos 107.º, n.º 5, 107.º-A, do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”.
Lê-se na fundamentação, além do mais, o seguinte:
“Recorrendo aos elementos sistemático e atualista da interpretação, importa atender aos diversos regimes especiais contraordenacionais. Sem preocupação de exaustividade, note-se que uma parte substancial dos regimes contra-ordenacionais prevê expressamente que o prazo de impugnação judicial é contabilizado em dias úteis e/ou remete diretamente para o RGCO, sendo por isso aplicável este último diploma, relativamente ao qual não se discute a possibilidade da prática de actos nos três dias úteis subsequentes ao término do prazo. É o caso do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigos 228.º e 232.º), do Código dos Valores Mobiliários (artigos 407.º e 416.º, n.º 1), do Regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões publicado como Anexo II da Lei n.º 147/2015 de 09.09 (artigos 28.º, n.º 1 e 32.º), do Regime Geral das Contra-ordenações Ambientais (artigo 2.º), do Novo Regime da Concorrência (artigos 14.º e 83.º), do Decreto-Lei n.º 10/2004 de 09.01 que aprovou o Regime Aplicável às Contra-ordenações Aeronáuticas (artigo 35.º), da Lei n.º 99/2019 de 04.09 - Regime quadro das Contra-ordenações do sector das Comunicações (artigo 32.º, n.º 1), da Lei n.º 9/2013 de 28.01 que aprova o Regime Sancionatório do Sector Energético (artigos 4.º e 6.º, n.º 1) e do Estatuto da Entidade Reguladora para Comunicação Social aprovado pela Lei n.º 53/2005 de 08.11 (artigo 67.º, n.º 2).
Ao invés, o Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas recentemente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021 de 29.01 prevê que o prazo é contínuo e a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal com as devidas adaptações, incluindo, consequentemente, a possibilidade da prática do acto processual nos três dias úteis subsequentes. Este diploma é aplicável às Infrações Antieconómicas e contra a Saúde Pública (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20.01) e às Contra-ordenações previstas no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (artigo 204.º) e no Código da Propriedade Industrial (artigo 316.º, n.º 1).
Com este Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas e da sua aplicação às infrações referidas, transparece a intenção do legislador em aproximar o regime jurídico de tais contra-ordenações às disposições processuais penais.
Verificamos, assim, no que concerne às regras aplicáveis aos prazos para dedução de impugnação judicial e excluindo por agora a Lei n.º107/2009, que os regimes sectoriais agrupam-se em duas lógicas:
- Um grupo em que se aplicam as normas dos prazos administrativos, contabilizando-se em dias úteis e sem aplicação das regras processuais penais;
- Outro grupo em que se aplicam as regras dos prazos judiciais com a remissão para as regras do processo penal e, consequentemente, com a aplicação da possibilidade de praticar os actos nos três dias úteis subsequentes.
Depois de analisada a evolução legislativa e a tendência manifesta do legislador em criar regimes quadro sectoriais no âmbito das contra-ordenações, deixando para o RGCO um papel cada vez mais de direito subsidiário, afigura-se, ainda, no que respeita ao procedimento contra-ordenacional laboral, que o legislador pretendeu uniformizar o regime aplicável aos prazos para a prática de actos nas várias fases do processo. Prevendo, apenas, uma exceção: o artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, relativo à não suspensão dos prazos nas férias judiciais na fase administrativa. Tal exceção encontra justificação no normal funcionamento das autoridades administrativas por contraposição aos tribunais durante o período das férias judiciais. Configurando essa previsão mais um indício para o intérprete de que o legislador quis mesmo efetuar uma remissão de conteúdo mais lato, pois se o legislador quisesse remeter, apenas, para o disposto no artigo 104.º do Código Processo Penal, tê-lo-ia dito, dado que tal norma existia à data da entrada em vigor da Lei n.º107/2009. Por outro lado, a interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa, tal como resulta do artigo 33.º da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro, encontra-se inserido na Secção II do Capítulo IV, com a epígrafe Fase Judicial.
Uma interpretação restritiva da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, implicaria que as contra-ordenações laborais não se inserissem em nenhum dos subgrupos supra-referidos, constituindo um regime sui generis e criando incoerência no sistema pois que:
- Os prazos administrativos não correm aos sábados, domingos e feriados e, consequentemente, a parte que deles beneficia dispõe de mais tempo para preparar o acto processual que pretende praticar;
- Os prazos judiciais correm de forma contínua, sendo por isso necessariamente mais curtos, mas as partes beneficiam da suspensão durante as férias judiciais, bem como da possibilidade de praticarem o acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa;
- O prazo administrativo para dedução de impugnação judicial em processo contra-ordenacional laboral, não seria contado nos termos gerais em dias úteis, mas sim de forma contínua, mas não beneficiaria da suspensão das férias judiciais, nem da possibilidade de praticar tal acto nos três dias úteis subsequentes.
(…)
Se é certo que a não aplicação da suspensão das férias judiciais à impugnação judicial encontra fundamento no modo de funcionamento das autoridades administrativas - sem qualquer condicionamento durante o período das férias judiciais - já a não aplicação da possibilidade da prática do acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa criaria um tratamento diferenciado injustificado, com prejuízo manifesto para o exercício do direito de defesa do arguido em processo de contra-ordenação laboral, o que se nos afigura não ter sido o objetivo do legislador.
Não vislumbramos, assim, qualquer fundamento para que no âmbito de um procedimento de contra-ordenação laboral o arguido visse o prazo para apresentação da sua defesa reduzido quando comparado com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativas de outras autoridades, criando-se um regime híbrido e mais desfavorável.
Deste modo, afigura-se-nos que a remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 deve ser interpretada como incluindo, também, o disposto nos artigos 107.º e 107.º-A do Código de Processo Penal e, por remissão destes, o artigo 139.º do Código de Processo Civil, pelo que não se deverá convocar a aplicação do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 que remete para o RGCO, configurando-se ser esta a interpretação mais consentânea e conforme com as garantias de defesa previstas, designadamente, no artigo 32.º n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.” (sublinhados nossos)
Como decorre da fundamentação do acórdão, a fixação de jurisprudência, no sentido em que o foi pelo STJ, adveio da remissão expressa do art.º 6.º, da Lei 107/2009 para o CPP, tratando-se de opção expressa do legislador ao estabelecer que :
“1 - À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal.
2 - A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais.” .
Tal não ocorre no Código da Estrada, o qual remete como direito subsidiário para o RGCO no seu art.º 132.º, não lhe sendo de aplicar o raciocínio jurídico encetado neste AUJ no que respeita à legislação contraordenacional estradal, não se aplicando o disposto nos artigos 107.º, n.º 5 e 107.º-A do Código Processo Penal e 139.º do Código Processo Civil, considerando-se que a jurisprudência fixada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94 não caducou, porquanto nenhuma lei posterior veio consagrar solução contrária ou incompatível, ao contrário do que acontece no procedimento de contraordenação laboral, prevista na Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, em que foi estatuída a remissão do artigo 6.º, n.º 1, dessa Lei para o Código do Processo penal.
Assim, no caso dos autos e em suma, o recorrente foi notificado da decisão administrativa a 04.01.2024, sendo tal inequívoco atenta a informação prestada pelos CTT que dá conta disso mesmo (e-mail de 20.05.2025, ref.ª 16695153), dispondo de 15 (quinze) dias úteis para proceder à apresentação de impugnação judicial, tal teria que ocorrer até ao dia 25.01.2024, o que não sucedeu no caso concreto, porquanto a impugnação judicial apenas foi apresentada a 26.01.2024, um dia após o termo do prazo, sendo por isso assertada a decisão que a considerou intempestiva, não sendo de determinar a sua revogação nem a sua substituição por decisão que determine a admissão do recurso por tempestivo dada a não aplicação do art.º 107º- A do Código de Processo Penal.
Logo, há que improceder o recurso.

VDispositivo
Face ao exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto e manter o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça individual de 3 UC nos termos dos art.ºs 513º n. º1 e 514.º, do Código de Processo Penal, 8º/9.º do Regulamento das Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro) e Tabela III anexa a este último diploma.
Notifique.
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Lisboa, 11/09/2025
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Paula Cristina B. Gonçalves
Ana Marisa Arnêdo