Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa  | |||
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| Relator: | ANA RITA LOJA | ||
| Descritores: |  AMNISTIA PERDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DA SENTENÇA  | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: |  Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. Se quando é proferida sentença estiver já em vigor um diploma legal que estabelece uma amnistia de infrações ou perdão de pena a sentença tem de se pronunciar sobre a aplicação ou não de tal diploma ao caso concreto. II. A pronúncia sobre a amnistia da infração ou perdão de pena é independente do trânsito em julgado da sentença pois todos os efeitos da sentença apenas se tornam efetivos com a verificação de tal trânsito. III. Inexistindo pronúncia sobre aplicação ou não de amnistia ou perdão de pena consagrado em diploma legal em vigor aquando da prolação da sentença ocorre omissão de pronúncia nos termos previstos no artigo 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal. IV. Tal omissão de pronúncia gera a nulidade da sentença e essa nulidade tem de ser suprida pelo tribunal recorrido sob pena de supressão de um grau de jurisdição.  | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: |  Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1-RELATÓRIO: Nos autos de processo comum com intervenção de Tribunal Singular nº1008/23.3S3LSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa- Juízo Local Criminal de Lisboa- Juiz 9 foi, em 7 de abril de 2025, proferida sentença, cujo dispositivo é, ao que nos interessa, do seguinte teor: VI- Decisão Pelo exposto, julgo a acusação do Ministério Público procedente, por provada, e em consequência: a) Condeno a arguida AA pela prática de um crime de furto, previsto e punido, pelo artigo 203. ° n.°1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), num total de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros); b) Mais condeno a arguida a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UC, e depois reduzida a metade atenta a confissão. * Por discordar da decisão proferida dela recorreu a referida arguida extraindo da sua motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: 1ª- A arguida/recorrente foi condenada pela prática de 1 crime de furto, previsto e punido pelo art.° 203°, n.°1 do Cód. Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros, num total de € 250,00 (duzentos e cinquenta) euros, bem como foi condenada a pagar as custas do processo. 2ª- Conforme resulta dos elementos de identificação da arguida/recorrente e da sentença, os factos em causa ocorreram no dia 06 de abril de 2023, tendo a arguida, nascida em .../.../2003, nessa data, 20 anos de idade. 3ª- A arguida/recorrente não tem antecedentes criminais. 4ª- Pelo que, não estando previsto, para o crime de furto simples, o limite máximo de pena de multa aplicável e tendo sido aplicada à arguida uma pena de multa de 50 (cinquenta) dias, o crime em que a arguida/recorrente foi condenada, deveria ter sido declarado amnistiado, nos termos do art.° 4º da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto. 5ª- Assim não se entendendo, uma vez que se verificam, no caso concreto, os requisitos do art.° 3, n.°2, al. b) e do art.° 2º, n.°1 da Lei 38-A/2023, de 02 de agosto, a pena em que a arguida/recorrente foi condenada, foi perdoada. 6ª- Deve, pois, a decisão proferida ser substituída por outra que declare o crime em que a arguida/recorrente foi condenada, amnistiado ou, assim não se entendendo, declare a pena em que a mesma foi condenada, perdoada. 7ª- A sentença recorrida, violou o art.° 4º e o art.° 3º, n.°2, al. a) da Lei 38- A/2023, de 02 de agosto. Termina requerendo que seja dado provimento ao recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida. * Admitido o recurso o Ministério Público apresentou a sua resposta extraindo-se da mesma com maior relevo o seguinte: (…) compulsado o teor das disposições conjugadas dos art.° 2.°/1, 3.°/2 alínea a) e 4.° da Lei n.°38-A/2023, de 02/08 e art.° 127.°/1 e 128.°/2 e n.° 3 do Código Penal, constata- se que se encontram preenchidos os seguintes pressupostos: (i) os factos ocorreram em data anterior às 00:00 horas do dia 19/06/2023 (com efeito, a factualidade objecto dos presentes autos ocorreu em 06/04/2023); (ii) o ilícito criminal objecto dos presentes autos (crime de furto) não se encontra compreendido nos crimes excepcionados pelo art.° 7.° do diploma legal em causa; (iii) a pena de multa aplicada à arguida revela-se inferior a 120 dias, tendo sido, em concreto, condenada na pena de 50 dias de multa; e (iv) a arguida, à data da prática dos factos, tinha idade inferior a 30 anos (concretamente, a arguida tinha 20 anos de idade). Todavia, impõe-se esclarecer que o crime objecto dos presentes autos (crime de furto) NÃO é, abstractamente, punido com pena de prisão a graduar entre 1 mês e 1 ano ou, em alternativa, com pena de multa a graduar entre 10 e 120 dias. Conforme patenteado no art.° 203.°/1 do Código Penal, a moldura penal abstractamente aplicável ao crime de furto corresponde a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa. Consequentemente, e ao arrepio do sufragado pela arguida, o ilícito criminal em causa nunca poderia/poderá ser alvo de amnistia, de harmonia com as disposições conjugadas dos art.° 2.°/1 e 4.° da Lei n.° 38-A/2023, de 02/08 e art.° 127.°/1 e 128.°/2 do Código Penal. Aqui chegados, resta-nos, tão-só, equacionar a possibilidade de perdão da pena de multa aplicada. Porém, e como é evidente, a sentença condenatória não transitou, até à presente data, em julgado, motivo pelo qual se verifica, por ora, uma excepção que obstaculiza à aplicação do perdão da pena de multa aplicada. Desta feita - abstemo-nos de tecer mais considerações porque desnecessárias - cremos que não assiste qualquer razão à recorrente, não tendo o Tribunal a quo violado qualquer preceito normativo, mormente, o disposto no art.° 4.° e 3.°/2 alínea a) da Lei n.°38-A/2023, de 02/08. Termina pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida. * Remetido o recurso a este Tribunal da Relação foi emitido parecer, ao que nos interessa do seguinte teor: Concordando com o Ministério Público na argumentação que afasta a pugnada declaração de amnistia do crime pelo qual a recorrente foi condenada, ressalvando melhor opinião, cremos contudo que em face do disposto no art°. 14° da Lei 38-A/2023 de 2-8, compete ao tribunal de julgamento, em sede de prolação de sentença, aquilatar da verificação dos pressupostos de aplicação do perdão da pena então aplicada, independentemente de vir ou não a transitar em julgado essa condenação. Com efeito: Dispõe o art°. 14° dessa Lei: “Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação”. A redação da norma, aponta assim, a nosso ver de forma inequívoca, para diversos momentos de aplicação da Lei 38-A/2023, afinal coincidentes com a fase processual em que se encontra o processo de natureza criminal. Estando em causa no caso concreto, o perdão de penas (e não amnistia de crimes), manifesto se revela que o mesmo só pode ser aplicado ou “ pelo juiz da instância do julgamento” ou pelo “ juiz da condenação.” Salvo melhor opinião, esta expressa distinção mais não traduz do que a vontade expressa do legislador em permitir a aplicação do perdão, no momento da prolação de sentença condenatória pela prática de crime abrangido pelo perdão de penas previsto na Lei n°. 38- A/2023 de 2-8. Interpretação que vai de encontro aos princípios da economia processual, estabilidade e segurança jurídica, pois que, apreciando-se nesse momento a eventual aplicação do perdão, fica o condenado(a) ciente da pena que, a final, transitada que seja a decisão, tem a cumprir, não deixando de, querendo, se poder insurgir contra a mesma mediante interposição de recurso. Aqui chegados, coloca-se, contudo, a questão de apurar se é este o Tribunal competente para aquilatar da eventual aplicação do perdão ou se é o tribunal da condenação. Por acórdão proferido em 20-3-2024 no Tribunal da Relação de Lisboa no processo 60/22.3SWLSB.L1-3 sobre questão similar, foi a mesma apreciada, e decidida nos seguintes termos: “(...)IL Quanto à aplicabilidade da Lei n° 38-A/2023, de 02.08 O arguido BB vem reclamar a aplicação do perdão de pena constante da Lei de Amnistia, situação em que teria já cumprido toda a pena durante o período de vigência da medida de coacção. Pode colocar-se a questão de saber se, não tendo a primeira instância decidido pela aplicação da Lei referida, e tendo a questão sido suscitada em recurso pelo recorrente (arguido BB), pode este Tribunal decidir da mesma. Aceitamos que sim, por duas ordens de razões: Primeira porque, estando já vigente data em que foi publicitado o acórdão recorrido a Lei n° 38- A/2023 de 02.08, e sendo a sua aplicação (quanto ao perdão de pena) oficiosa (ainda que aguardando o trânsito), se entendesse fazer a aplicação do perdão de pena o Tribunal a quo teria decidido em conformidade, aplicando-o. Sendo também certo que, por oposição, não estava obrigado a fundamentar a sua não aplicação porque dos Tribunais não é expectável um juízo de não aplicação de normas (excepto se essa apreciação for requerida) mas de aplicação, ou seja, simplificando, a função de julgar impõe um dever de decidir se sim ou não em face da inicial premissa. Não sendo exigível que expliquem porque razão não aplicam umas normas, só a razão porque aplicam outras. Nesta conformidade, o Tribunal a quo só teria de se pronunciar sobre a Lei de Amnistia se decidisse aplicar a mesma, fundamentando as razões dessa decisão. Não o tendo feito, por aquela mesma ordem de razão, impõe-se concluir que considerou estar excluída a aplicação do referido perdão de pena. Segunda porque, ao que resulta do processo e nesse mesmo pressuposto, o arguido BB veio, de facto, a suscitar essa questão em recurso, constituindo ela o núcleo fundamental da sua peça recursiva. Razão pela qual, também por aqui se fundamenta a cognição por parte deste Tribunal. Postas assim as coisas, adiante. Sobre essa matéria, foi proferido, nesse mesmo acórdão, o seguinte voto de vencido: “ No que tange ao conhecimento do perdão invocado no recurso, entendo que não cabe a este Tribunal conhecer de tal matéria, pelas seguintes razões: A Lei n.°38-A/2023, de 2 de Agosto, instituiu um regime de perdão de penas e de amnistia de infracções, celebrando a realização da Jornada Mundial da Juventude em território português. No entanto, o artigo 14° da referida Lei determina que a competência para a sua aplicação pertence, conforme o caso, ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz competente pela fase de julgamento ou condenação. Importa salientar que este Tribunal da Relação não detém a função de juiz de julgamento ou de condenação, situando-se assim fora do âmbito de aplicação directa da Lei n.° 38-A/2023, a qual deveria ser primordialmente considerada pelo Tribunal a quo. Além disso, uma eventual aplicação da mencionada legislação por esta instância poderia obstaculizar a admissibilidade de um recurso focado especificamente nessa questão, conforme preceitua o artigo 400°, n° 1, alínea f) do Código de Processo Penal. Concluindo, subscrevo o acórdão relativamente a todas as outras questões suscitadas nos recursos interpostos, ressalvando, contudo, que o perdão previsto pela Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto deve ser primeiramente conhecido e decidido no tribunal da 1a Instância por ser o competente’. Reconhecendo não ser pacífico o entendimento acolhido, sufragamos a posição expressa no voto de vencido proferido nesse acórdão, defendendo assim que compete ao tribunal de julgamento aquilatar da aplicação do perdão previsto na Lei 38-A/2023 de 2-8, independentemente do trânsito em julgado da condenação. Em consonância com o exposto, emitimos parecer no sentido de que se devem devolver os autos ao tribunal de julgamento para aí ser apreciada a eventual aplicação do perdão da pena aplicada à recorrente ou, se assim não se entender, deverá o recurso ser parcialmente procedente e aplicar-se à recorrente o perdão de penas previsto no art°. 3° n° 1 da Lei n°. 38-A/2023 de 2-8. * Cumprido o artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal a recorrente arguida veio aduzir o seguinte: 1.A arguida/recorrente segue o entendimento do MP na parte em que interpreta o art.° 14° da Lei 38-A/2023, de 02/08 no sentido de a redação daquele art.° apontar para diversos momentos de aplicação, coincidentes com a fase processual em que se encontra o processo criminal. 2.Seguindo também o entendimento do MP, entende a arguida/requerente que, no caso concreto, atendendo à fase processual, estaria apenas em causa a aplicação do perdão de pena ou “pelo juiz da instância de julgamento” ou pelo “juiz de condenação”. 3.Ora, no nosso entender, a aplicação do perdão de pena pelo “juiz de condenação”, ou seja, pelo tribunal de recurso, só ocorre na hipótese de o arguido ter sido absolvido pelo tribunal de julgamento e, existindo recurso por parte do MP ou do assistente, na instância superior, vir o arguido a ser condenado. 4.Ora, no caso concreto, a arguida foi condenada pelo tribunal de julgamento, pelo que, nos termos do acima identificado art.° 14°, era ao tribunal de julgamento que competia aplicar a pena. 5.Nesses termos, deve ser dado provimento ao recurso e devem, consequentemente, os autos ser devolvidos ao tribunal de julgamento para aí ser apreciada e aplicado o perdão de pena. * Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. * Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pela arguida cumprindo, assim, apreciar e decidir. 2-FUNDAMENTAÇÃO: 2.1- DO OBJETO DO RECURSO: É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito1. Destarte e com a ressalva das de conhecimento oficioso são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2. A este respeito e no mesmo sentido ensina Germano Marques da Silva: «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»3. Assim à luz do que a recorrente arguida invoca nas suas conclusões a questão a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida aquando da sua prolação deveria ter-se pronunciado sobre a aplicação ao caso concreto da Lei 38-A/2023 de 02 de agosto. * 2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO: Exara a decisão recorrida na parte relevante para apreciação do recurso o que a seguir se transcreve: (…) II-Fundamentação: 2.1- Factos Provados Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que: 1.No dia 6 de abril de 2023, pelas 11h15, a arguida dirigiu-se à loja ..., no ..., sito na R. …, em Lisboa, pertencente à sociedade “...”, com o intuito de se apoderar de quaisquer objectos que aí encontrasse com valor económico. 2.Ali chegada, e em execução de tal desígnio, a arguida retirou das prateleiras, onde se encontravam em exposição, a fim de serem vendidos, os artigos de vestuário e calçado, no valor global de €134,10, melhor discriminados na fatura de fls. 27, para a qual se remete e se dá aqui por reproduzida, para todos os efeitos legais. 3.De seguida, a arguida colocou tais artigos no interior de um saco que transportava consigo e passou pela caixa registadora, na posse dos mesmos, sem proceder ao seu pagamento, integrando-os assim no seu património. 4.A arguida agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de se apoderar dos artigos supra mencionados, com vista a fazê-los seus, como veio a conseguir, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono. 5.Mais sabia, a arguida, que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 6.A arguida confessou a prática dos factos de forma integral e sem reservas demonstrando arrependimento. 7.A arguida não tem antecedentes criminais registados. 8.A arguida trabalha como governanta de hotel e recebe mensalmente cerca de 900,00€. 9.Vive com o marido que também recebe cerca de 900,00€ mensais, e com a filha de 3 anos, em casa arrendada pela qual paga cerca de 750,00€ por mês. 10.Paga ainda cerca de 200,00€ por mês de creche. 11.A arguida tem o 12.° ano de escolaridade. 2.2- Factos Não Provados Não ficaram por provar quaisquer factos com relevância para a boa decisão da causa. III- Motivação da decisão de facto Para formar a sua decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, o tribunal alicerçou-se na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, analisada segundo as regras da lógica e da experiência comum (artigo 127°, do Código de Processo Penal), principalmente nas declarações prestadas pela arguida que confessou a prática dos factos de modo integral, livre e sem reservas. Depôs também quanto às suas condições pessoais, económicas e sociais, de forma espontânea e clara que mereceu por isso a credibilidade do Tribunal. A ausência de antecedentes criminais da arguida resultou do seu Certificado de Registo Criminal junto aos autos. IV- Enquadramento jurídico-penal Fixados os factos provados, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico- penal e verificar se estão preenchidos os elementos constitutivos do tipo penal de furto de que a arguida vem acusada. Comete o crime de furto, previsto pelo artigo 203°, n.°1 do Código Penal, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia”, sendo punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. São elementos objectivos deste tipo de ilícito: - A subtracção; - De uma coisa móvel e alheia; - E um dolo específico de ilegítima intenção de apropriação. A lei não define expressamente o conceito de “subtracção”, mas podemos entendê-lo, acompanhando a doutrina, como uma conduta que faz com que as utilidades da coisa saiam do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando por essa via no domínio de facto do agente da infracção. Trata-se de uma ruptura de uma detenção originária e da constituição de uma nova detenção. José Barreiros (in “Crimes Contra o Património”, p. 23) esclarece que a subtracção não exige de facto “apreensão”, pois basta que a vítima fique desapossada e a coisa fique na “disponibilidade do agente ou de terceiro”, sendo, pois, decisivo a perda da “posse” por parte da vítima. Quanto à coisa móvel alheia, pouco haverá a reter para além das ideias de que coisa, para efeitos penais, é toda a substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor patrimonial juridicamente relevante, sendo que o seu proprietário terá, necessariamente, que ser pessoa diversa do agente que a subtrai. É importante também ter em conta que este conceito de coisa não se restringe apenas ao conceito de propriedade, uma vez que o bem jurídico tutelado neste ilícito penal refere-se às disponibilidades da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica, não se cingindo exclusivamente à tutela do direito real de propriedade. Encontrando-se delimitada a vertente objectiva do tipo de crime em análise, resta referir que, no que se refere à componente subjectiva do mesmo, se exige o dolo (art. 13° do Código Penal), numa forma que tem sido qualificada como dolo específico (art. 203° do mesmo diploma legal), para que o tipo seja plenamente preenchido. Essa ilegítima intenção de apropriação, como explica José de Faria Costa (in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Tomo II, Coimbra Editora, p. 33) é uma “vontade intencional do agente de se comportar, relativamente à coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro”. Apreciando a conduta desenvolvida pela arguida e subsumindo os factos ao direito, teremos de concluir que os factos praticados pela arguida preenchem os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime. In casu, a arguida decidiu apoderar-se dos mencionados objectos, com o propósito de os fazer seus, sabendo que não lhe pertenciam, agindo assim contra a vontade e sem autorização do respectivo dono, actuando, por isso, com ilegítima intenção de apropriação, o que conseguiu. Face ao exposto, preencheu a arguida, com a sua conduta, os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.°1, do Código Penal. V- Da escolha e medida concreta da pena Qualificados juridicamente os factos, e concluindo pela condenação da arguida, importa agora determinar, em concreto, qual a natureza da pena a aplicar e fixar a respectiva medida concreta dentro da moldura abstractamente prevista. Para tanto, deverá atender-se a que a aplicação de qualquer pena visa não só a protecção de bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade, pelo que (sendo certo que em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa), compete ao tribunal, na operação de determinação da medida da pena conduzir-se por duas ideias fundamentais: a culpa e a prevenção, quer geral, quer especial (artigos 40° e 71° do Código Penal). Cumpre referir à partida que, contendo o Código Penal, para o tipo legal preenchido, moldura penal alternativa, possibilitando a aplicação de uma pena de prisão ou de uma pena de multa, exige-se que se opte por uma delas. O artigo 70° do Código Penal refere que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40° do Código Penal). A pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção uma vez que a pena não privativa da liberdade traz vantagens relativamente à pena de prisão. “A maior dessas vantagens é a de não quebrar a ligação do condenado aos seus meios familiar e profissional, evitando, por esta forma, um dos mais fortes efeitos criminógenos da pena privativa de liberdade e impedindo, até ao limite possível, a dessocialização e a estigmatização que daquela quebra resultam”1. Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental. No caso dos autos verifica-se que a arguida não tem qualquer antecedente criminal registado, para além de que confessou os factos e assumiu a ilicitude da sua conduta, pelo que o Tribunal conclui que a aplicação a esta arguida de uma pena de multa basta e é adequada a proteger o bem jurídico em causa, pois a advertência contida na aplicação da pena de multa vai ser suficiente para acautelar as finalidades em vista. Feita esta operação, segue-se a determinação da medida concreta da pena. Esta calcula-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e aos fins de prevenção geral, com o mote permanente da defesa do interesse público na tutela dos bens jurídico-penais. A pena será assim fixada entre um limite mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente, sendo que, entre estes limites se satisfazem, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. Para graduar concretamente a pena há que respeitar o critério fornecido pelo artigo 71°, n.° 2, do Código Penal, ou seja, atender a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”. Os concretos factores de medida da pena são assim relativos: à execução do facto; à personalidade do agente; e à conduta do agente anterior e posterior ao facto. Aferindo dos critérios previstos no artigo 71° do Código Penal, perante a factualidade apurada, importa salientar o seguinte. A actuação da arguida reveste-se de uma ilicitude muito reduzida, atento o valor e a natureza dos bens em causa. A arguida agiu com dolo directo. São altas as exigências de prevenção geral atento o elevado número de furtos perpetrados no nosso país, em especial em situações idênticas às dos autos. As necessidades de prevenção especial são muito reduzidas, a arguida não tem antecedentes criminais registados, confessou, arrependida, os factos integralmente e sem reservas, demonstrando a consciência da ilicitude da sua conduta, justificando e contextualizando tudo, e está totalmente inserida social, familiar e profissionalmente. Ponderando todos os factores supra descritos, entendo adequado aplicar à arguida, pela prática de um crime de furto, a pena de 50 (cinquenta) dias de multa, pena que se mostra adequada a proteger cabalmente o bem jurídico em causa, sendo suficiente para que a arguida reflicta sobre a sua conduta futura, abstendo-se da prática de actos similares aos dos autos, sem, no entanto, hipotecar o limite mínimo aceitável em termos de prevenção geral. Quanto à taxa diária da pena de multa, dispõe o n.° 2 do artigo 47.°, do Código Penal, que a mesma é fixada pelo Tribunal em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. Dispõe o referido artigo que a cada dia de multa tem que corresponder uma quantia entre 5,00€ e 500,00€. Posto isto, e atendendo à situação financeira da arguida, e não esquecendo ainda assim que o cumprimento de uma pena de multa tem que representar um sacrifício para o condenado, parece-nos razoável fixar em 5,00€ (cinco euros) a taxa diária da multa. Condenada nos termos preconizados, a arguida suportará, ainda, o pagamento das custas criminais do processo reduzidas a metade atenta a confissão (Cfr. artigo 513°, n.° 1, do Código de Processo Penal e artigo 8°, n.°5, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais). VI- Decisão Pelo exposto, julgo a acusação do Ministério Público procedente, por provada, e em consequência: a) Condeno a arguida AA pela prática de um crime de furto, previsto e punido, pelo artigo 203.°, n.°1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de5,00€ (cinco euros), num total de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros); b) Mais condeno a arguida a pagar as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UC, e depois reduzida a metade atenta a confissão. Lida, vai ser depositada nos termos do disposto no n.°5, do artigo 372°, do Código de Processo Penal. * * * Notifique. * * * Após trânsito junte certificado de registo criminal actualizado da arguida e abra vista nos autos ao Ministério Público para que se pronuncie quanto à eventual aplicação da Lei n° 38-A/2023 de 2 de agosto. (…) Apreciemos, pois, em concreto a pretensão da recorrente lembrando que a mesma entende que a sentença recorrida deveria ter-se pronunciado sobre a aplicação da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto. É consabido que a Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto tem como contexto subjacente a realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Como se exara na Exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1ª «Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina». Em conformidade o artigo 1º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto esclarece: «A presente lei estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude». O direito de clemência ou de graça é em sentido lato «a contraface do direito de punir estadual4» uma vez que «subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe»5. Tal direito abrange o perdão genérico, a amnistia e o perdão individual traduzindo-se este no indulto e na comutação de penas. Consagra a Constituição da República Portuguesa no seu artigo 161º alínea f) a competência da Assembleia da República para conceder amnistias e perdões genéricos e no seu artigo 134º al. f) como atos próprios da competência do Presidente da República indultar e comutar penas ouvido o Governo. «Designa-se por amnistia a medida de graça, de carácter geral, aplicada em função do tipo de crime, e perdão genérico a medida de graça geral aplicada em função da pena. Visto que o perdão genérico é, como se disse, aplicado em função da pena, ele tem a particularidade de poder ser total ou parcial, conforme seja perdoada a totalidade ou apenas uma parte da pena. Nesta medida, enquanto a amnistia respeita às infrações abstratamente consideradas, "apagando" a natureza criminal do facto, o perdão implica que a pena ou a medida de segurança não sejam, total ou parcialmente, cumpridas. A amnistia serve para libertar o agente de um processo penal ainda em curso ou do cumprimento de uma pena, devida à prática de determinado crime. Significa isto que alguns bens jurídicos, protegidos pela legislação penal, são considerados menos importantes, em determinados contextos (por exemplo, em caso de necessidade de pacificação social), razão pela qual a sua protecção pode ser sacrificada reotractivamente. Contudo, tal não significa que a amnistia implique a ausência de dignidade punitiva do acto ilícito. No caso do perdão genérico, atenta-se apenas na gravidade da pena e no sacrifício que o seu cumprimento implica para o condenado, podendo aquela ser total ou parcialmente perdoada»6. No artigo 127º nº1 do Código Penal estabelece-se que a responsabilidade criminal se extingue, ainda, pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto. Esclarecendo o artigo 128º, respetivamente, nos seus nº2 e 3 do mesmo diploma legal que a amnistia extingue o procedimento criminal e no caso de ter havido condenação faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança e que o perdão genérico extingue a pena no todo ou em parte. Se atentarmos na decisão recorrida a mesma não apreciou a aplicação da aludida Lei porquanto relegou tal conhecimento para momento posterior ao trânsito em julgado. Com efeito refere-se em tal decisão: «Após trânsito junte certificado de registo criminal actualizado da arguida e abra vista nos autos ao Ministério Público para que se pronuncie quanto à eventual aplicação da Lei n°38-A/2023 de 2 de agosto.» De tal entendimento diverge a recorrente por considerar que a sentença deveria ter aquando da sua prolação se pronunciado sobre a aplicação de tal Lei, ou seja, sem aguardar pelo seu trânsito em julgado. No caso vertente está em causa um crime de furto previsto e punido pelo artigo 203º nº1 do Código Penal com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa que por apelo ao previsto no artigo 47º nº2 do Código Penal tem como limite mínimo 10 dias e máximo 360 dias. Como decorre da sentença recorrida e a recorrente não o refuta esta foi condenada pela prática, em 6 de abril de 2023, de tal crime numa pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,00 no montante global de €250,00 sendo que aquando da prática dos factos tinha 19 anos uma vez que nasceu em ... de ... de 2003. Nos termos do artigo 2º nº1 da Lei n°38-A/2023 de 2 de agosto «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º» Prevê o artigo 3º da aludida Lei quer versa sobre perdão de penas que: 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos. 2 - São ainda perdoadas: a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova. 3 - O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena. 4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única. 5 - O disposto no n.º 1 abrange a execução da pena em regime de permanência na habitação. 6 - O perdão previsto no presente artigo é materialmente adicionável a perdões anteriores. Refere o artigo 4.º da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto sob a epígrafe Amnistia de infrações penais que: São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa. Por seu turno, estabelece o artigo 7º da mesma Lei sob a epígrafe Exceções que: 1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei: a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por: i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro; ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal; iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º-A, 144.º-B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal; iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º-B e 158.º a 162.º do Código Penal; v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal; b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados: i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal; ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal; c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal; d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por: i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal; ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal; iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal; e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por: i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções i e ii do capítulo i do título v do livro ii do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal; ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal; iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º-A do Código Penal; iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal; v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal; f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por: i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto; ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003; iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º-A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva; iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública; v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro; vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições; vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que aprova a Lei do Cibercrime; viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional; ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas; x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança; g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º78/87, de 17 de fevereiro; h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º34/87 de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções; i) Os condenados em pena relativamente indeterminada; j) Os reincidentes; k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena; l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. 2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções. 3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos. Estabelece ainda o artigo 8º da mesma Lei sob a epígrafe Condições Resolutivas que: 1 - O perdão a que se refere a presente lei é concedido sob condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada. 2 - O perdão é concedido sob condição resolutiva de pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado. 3 - A condição referida no número anterior deve ser cumprida nos 90 dias imediatos à notificação do condenado para o efeito. 4 - Considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 caso o titular do direito de indemnização ou reparação não declare que não foi indemnizado ou reparado. 5 - Quando o titular do direito de indemnização ou da reparação for desconhecido, não for encontrado ou ocorrer outro motivo justificado, considera-se satisfeita a condição referida no n.º 2 se a reparação consistir no pagamento de quantia determinada e o respetivo montante for depositado à ordem do tribunal. Como se exara no Acórdão do STJ de 28-11-20247: «Amnistia e perdão são matérias de conhecimento oficioso, que podem colocar-se em diversos momentos do processo: a amnistia, antes e depois da condenação (desde logo, pode/deve ser aplicada, sendo caso disso, nas fases anteriores ao julgamento); o perdão, na decisão condenatória ou depois – neste último caso, nas situações em que, à data da decisão, não esteja ainda em vigor a lei que consagra o perdão. Se, no momento da decisão, o diploma que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações já estiver em vigor, as questões da amnistia e do perdão devem ser, necessariamente, equacionadas nessa decisão. O facto de o perdão, incidindo sobre a pena, pressupor, para a sua efetividade, que a decisão quanto à pena transite em julgado, não é diferente de todos os efeitos que, na decisão, apenas se produzem após o trânsito em julgado da mesma.» Ora, a Lei nº n.º 38-A/2003 de 2 de agosto entrou em vigor, como decorre do seu artigo 15º, em 1 de setembro de 2023 e a sentença foi proferida em 7 de abril de 2025 pelo que já após a entrada em vigor da Lei em apreço. Assim, estando tal diploma já em vigor cabia ao tribunal recorrido na sentença pronunciar-se sobre a sua aplicação ao caso concreto. Com efeito, do teor do artigo 14º da Lei em questão resulta que: «Nos processos judiciais, a aplicação das medidas previstas na presente lei, consoante os casos, compete ao Ministério Público, ao juiz de instrução criminal ou ao juiz da instância do julgamento ou da condenação» o que aponta no sentido de tal aplicação ter lugar na 1ª Instância. Ademais embora esteja em causa uma omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º nº1 al. c) do Código de Processo Penal, posto que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre matéria do seu conhecimento oficioso e que se lhe impunha conhecer, entende-se em consonância com o entendimento exarado no Acórdão do STJ supracitado que o suprimento de tal nulidade por este Tribunal da Relação redundaria na supressão de um grau de jurisdição ao recorrente.. Com efeito e, como em tal Acórdão se realça no tocante a eventual sanação da nulidade em causa por parte do tribunal de recurso, nos termos do artigo 379º nº2 do Código de Processo Penal: «As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º» Por via da remissão que o transcrito n.º2 faz para o artigo 414.º, n.º4, permite-se ao tribunal recorrido o suprimento de nulidade da sentença. Tem-se defendido, porém, que também o tribunal de recurso deve suprir as nulidades da sentença recorrida, a menos que, obviamente, a nulidade em causa só seja suscetível de suprimento pelo tribunal recorrido. Diz, a esse propósito, o Juiz Conselheiro Pereira Madeira (Código de Processo Penal, Comentado, Henriques Gaspar et alii, 2016, 2.ª ed. Revista, p. 1133-1134): «Por efeito da alteração introduzida ao texto do nº2 pela Lei nº20/2013, de 21 de fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da atual letra da lei «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las …»), razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja suscetível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição.» Destarte impõe-se concluir que aquando da prolação da sentença o tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado sobre a aplicação da Lei nº38-A/2023 de 2 de agosto como defendido pela recorrente. E que tal configura uma omissão de pronúncia que nos termos previstos no artigo 379º nº1 al.c) do Código de Processo Penal gera a nulidade da sentença recorrida, nulidade essa que sob pena de supressão de um grau de jurisdição incumbe ao tribunal recorrido suprir. 3- DECISÓRIO: Nestes termos e, em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta 3ª Secção em conceder provimento ao recurso interposto por AA, declarando a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia e determinando que seja proferida outra que supra tal nulidade ao proceder à ponderação sobre a aplicação ao caso concreto da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto. Sem custas. Notifique. * Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra. * Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de outubro de 2025 Ana Rita Loja João Bártolo Mário Pedro M.A. Seixas Meireles ______________________________________________________ 1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995. 2. Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1. 3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335 4. Vide Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral II, 1993, p. 685. 5. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº2/20021 publicado no DR I Série A de 14.11.2001 6. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº2/2023 publicado no DR Série I de 1 de fevereiro de 2023 7. Proferido no processo 28420/23.5T8LSB.S1, relatado por Jorge Gonçalves e acedido em www.dgsi.pt  |