Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALFREDO COSTA | ||
Descritores: | AGENTE PROVOCADOR ACÇÃO ENCOBERTA DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO TRÁFICO AGRAVADO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | (da responsabilidade do Relator) – Admissibilidade e proibição de prova: delimitação do art. 126.º CPP (actuação de “agente provocador”/acção encoberta), exigência de produção/confirma. em audiência (art. 355.º CPP) e eventual nulidade insanável (art. 119.º, al. c) CPP). – Deveres de fundamentação e controlo do discurso justificativo: exame crítico da prova (art. 374.º, n.º 2 CPP), omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c) CPP), distinção entre “questões” e “argumentos” e parâmetros de conhecimento do tribunal de recurso (arts. 402.º-403.º e 412.º CPP). – Vícios decisórios e presunção de inocência: tipologia do art. 410.º, n.º 2 CPP (insuficiência, contradições insanáveis e erro notório) e regime do in dubio pro reo, condicionando a sindicância da convicção quando inexiste dúvida expressa. – Qualificação em tráfico agravado: interpretação da al. c) do art. 24.º do DL 15/93 (“avultada compensação remuneratória”) à luz do modus operandi aeroportuário, do aproveitamento de acesso funcional e do grau de inserção do agente na cadeia logística. – Medida e execução da pena: critérios dos arts. 40.º, 70.º e 71.º CP, regime de suspensão (art. 50.º CP), enquadramento do Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82, art. 4.º: “sérias razões” de reinserção) e apreciação da coacção moral como causa de exclusão da culpa (art. 39.º CP). | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO 1.1. No processo n° 112/24.5JELSB os arguidos/recorrentes AA, BB, CC e DD foram julgados e condenados, por acórdão proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Lisboa - JC Criminal - Juiz 16, nos seguintes termos: (transcrição) “(…) A) Absolver os arguidos AA, CC, DD e BB da prática do crime de associação criminosa, previsto e punido pelo artigo 28.º, n.º 1, e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. B) Condenar o arguido AA pela prática, na forma consumada e em concurso efetivo: » como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B a este anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; » como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, e n.º 3, alínea p), 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. » em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos de prisão. C) Condenar o arguido CC pela prática, em coautoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela IB a este anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. D) Condenar o arguido DD pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B a este anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. E) Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B a este anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. F) Declarar perdidos a favor do Estado as duas malas tipo troley, os três rastreadores GPS, a etiqueta de bagagem apreendidos a fls. 16, e a viatura BMW apreendida nos autos (cf. artigo 35.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro). G) Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente apreendido nos autos e ordenar a sua destruição (cf. artigos 35.º, n.º 2 e 62.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro). H) Declarar perdidos a favor do Estado arma de fogo, respetivo carregador e as munições apreendidas nos autos (cf. artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal). I) Ordenar a restituição aos arguidos dos telemóveis que lhes foram apreendidos. J) Condenar os arguidos AA, CC e DD no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) Unidades de Conta, (cf. Artigos 513.º e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa a este último diploma legal). L) Condenar o arguido BB no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) Unidade de Conta, (cf. artigos 344.º, 513.º e 514.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, com referência à Tabela III anexa a este último diploma legal). (…)” * 1.2. Os arguidos AA, CC e DD não se conformaram com o acórdão prolatado e interpuseram recursos, com as seguintes conclusões. A) Recurso do arguido CC (transcrição) (…) 1. Omissão de pronúncia - nulidade do art.º 379.º, nº 1, alínea c) do CPP - Da não consideração de pontos de facto relevantes do Relatório Social. O Relatório Social inserto nos autos e relativo ao recorrente CC contém várias passagens, elencadas “supra”, a pág. 4 – 4.º parágrafo, em sede de “CONCLUSÃO” são não enumerados factos, a pág. 5 - 2.º a 5.º parágrafos, impugnadas ou contestadas pelo Digno Ministério Público, tendo-se o arguido também conformado com essas conclusões, por as mesmas espelharem fielmente a verdade dos factos. 2. No entanto, o recorrido acórdão não lhes confere qualquer relevância a ponto de excluir essas mesmas asserções da Matéria de Facto provada/ou não provada. 3. Assim, muito embora fazendo referência tabelar ao seu conteúdo genérico sob o Capítulo MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO, a pág. 42 – último parágrafo, ao não considerar provados esses itens (que teriam a maior relevância para o aquilatar da personalidade do arguido), mormente para a dosimetria da pena possível do DL 401/82 de 23 de Setembro), os quais mostrar-se-iam relevantes para um melhor apuramento dos factos e uma mais correcta valoração do agir ilícito do arguido e da natureza ou da medida da pena a aplicar. 4.Mesmo admitindo que o Tribunal não se encontre vinculado a aceitar todas as conclusões ou afirmações do Relatório Social, o que jurisprudencialmente vem sido entendido como se aludiu “supra”, isso não impede a necessidade de justificação, por parte do Tribunal, de qual o motivo porque não foram acolhidas determinadas asserções do citado relatório - aquelas a que a defesa se referiu “supra” - em detrimento de outras. 5. É que “in casu” não se trata de o Acórdão não fundamentar a divergência, uma vez que nada disse a tal respeito, mas antes de ter ignorado olimpicamente determinadas passagens do Relatório que, por se referirem e /ou caracterizarem a personalidade do arguido, beneficiariam o mesmo na dosimetria, na medida e até na natureza da pena a aplicar a final. 6. Da Inconstitucionalidade material: O art.º 370.º n.º 1.º do CPP conjugado com o disposto no art.º 1.º, alínea g) e 127.º do CPP se interpretados no sentido de que na valoração do Relatório Social, o juiz pode escolher e individualizar desse conteúdo, as partes que considere relevantes, ignorando outras, mesmo que estas últimas se refiram à caracterização da personalidade do arguido, em termos de o poder beneficiar na medida da pena, encontra-se ferido de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade e da culpa que presidem à aplicação de quaisquer penas, “maxime ” por violação do disposto no art.º 32.º, n.º 1 da Constituição da República no tocante às garantias de defesa do arguido e do art.º 6.º da CEDH no tocante à garantia de um processo justo e equitativo. 7. Ao “decepar” o apontado Relatório, olvidando as partes “supra” sublinhadas e anotadas – e que a defesa considera relevantes porque caracterizadoras da personalidade do recorrente - o douto acórdão não considerou na sua devida medida essa função do Relatório Social, desde logo plasmada no art.º 1.º alínea g) do CPP qual seja a de ajudar o Tribunal a conhecer “a personalidade do arguido”, 8. Por essa razão se terá de concluir que o Acórdão em crise peca por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre questões de que podia - e deveria – conhecer. 9. Nulidade essa cominada pelo art.º 379.º 1- alínea c) do CPP, que deve ser desde já ser declarada por este Alto Tribunal tornando nulo todo o acórdão. 10. Ausência do cumprimento pleno do art.º 374.º n.º 2 do CPP: Deficiente ou exígua fundamentação. Como corolário do expendido “supra”, deve considerar-se que o Acórdão recorrido não cumpriu devidamente a exigência que lhe era imposta pelo art.º 374.º n.º 2 do CPP, 11. Pois ao ignorar esses factos do citado Relatório – e ao não se pronunciar minimamente sobre os mesmos, nem num sentido nem noutro – desconsiderando-os em absoluto, o douto acórdão não deu integral cumprimento à exigência contida no apontado art.º 374.º, n.º 2 do CPP - não procedendo “in subjuditio” ao cha ado “exame crítico das provas”, uma vez que nenhuma consideração afinal teceu sobre tais asserções relativas ao carácter e personalidade do CC – e por isso nenhum exame crítico deduziu. Sem conceder, 12. Da não aplicação “in casu” do Decreto – Lei 481/82 de 23 de Setembro – Sob o Título “Do Regime Especial Penal Para Jovens”. Começando por afirmar que “O regime especial para jovens assenta pois na ideia de que o jovem delinquente é merecedor de um tratamento penal especializado, não só porque a sua capacidade de ressocialização é mais fácil – por se encontrar no limiar da maturidade – como ainda porque se deve evitar, em princípio, um tratamento estigmatizante”, após ter considerado, que este regime especial para jovens “não é de aplicação obrigatória, nem decorrente apenas da idade” (SIC – a pág. 64 do acórdão, 2º parágrafo), o acórdão ora em crise ignorando “as vantagens da atenuação especial da pena para a reinserção do jovem” (muito embora lhe faça referência – parágrafo 3.º da mesma página), vem depois concluir que: Por no caso vertente o acto cometido ser grave, revelador de uma personalidade grandemente desconforme ao direito” (sic – a pág. 65 - 2.º parágrafo do acórdão), e se estar “perante um tráfico intercontinental de estupefacientes “ (sic – ibidem), o que exige ”uma preparação prévia” então, o apontado Regime do DL 401/82 de 23 de Setembro não poderia ter aplicação “in casu”. 13. O acórdão refere que o arguido revela – hoje em dia “não ter interiorizado a ilicitude da sua conduta, uma vez que, tendo admitido a prática dos factos, não assumiu a culpa pela sua prática.” o que, com o muito respeito devido, não será assim. 14. Convém atentar que no dia ... de ... de 2025 no final da audiência de discussão e julgamento, pelas 12h 14m (produção de prova), - cf. Gravação digital inserta nos autos - quando no exacto cumprimento do art.º 361.º do CPP - a M.ª Juiz Presidente deu a palavra ao recorrente CC, o arguido a dado momento refere o seguinte: “Vou ser pai”, ”Foi uma novidade”. A M.ª Juíza: “Como descobriu isso”? CC: “Há cerca de duas semanas. Está grávida de 8 semanas”, A Mª Juíza: “O senhor na prisão tem acesso àquelas visitas”? Tendo o CC esclarecido que não se encontrava preso e acrescentando: “Peço desculpa ao Tribunal” “Peço desculpa à minha família, sinto que desiludi a minha família” … 15. Ora, o arrependimento e autocensura do recorrente mostra-se expressivo. Quem pede desculpa ao Tribunal e à família é porque se encontra arrependido e contrito do mal provocado à sociedade – sendo isso que releva do seu depoimento. 16. E, por uma razão que se desconhece, o douto Acórdão não considerou esta parte do depoimento como facto provado. 17. Todavia, este registo deveria ter sido considerado aquando da ponderação da aplicação do instituto ínsito no mencionado DL 481/82 de 23 de Setembro. 18. O acórdão de que se recorre parte do princípio de que não só devido à qualidade do crime em questão (tráfico de droga iniciado noutro continente) como o devido à “revelada personalidade” do arguido, não mereceria este a atenuação especial. 19. Ora não será assim, uma vez que a atenuação especial da pena prevista no DL 481/82 de 23 de Setembro não exclui qualquer crime, o que desde logo resulta do seu preâmbulo e mesmo da sua redacção. 20. O que decorre até ao momento da personalidade do recorrente é por alguma razão um anterior JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL decretou a possibilidade para o CC de poder aguardar o julgamento não na prisão, mas em sua casa. 21. Não tendo até ao momento registado qualquer incidente (menor ou maior) a manchar esse seu estatuto coactivo, 22. Facto este que nem sequer foi considerado no argumentário do douto acórdão quando pugna pela inaplicabilidade ao CC do Regime Especial para jovens delinquentes. 23. Como apesar de o arguido ter afirmado – em sua declaração final – que esperava um filho (Doc.º 1 ora junto nos termos do art.º 425.º do CPC e art.º 4.º do CPP), esse novo facto – a que o arguido chamou de “novidade” não foi também considerado pelo douto acórdão. 24. Não se entendendo a interpretação do acórdão no sentido de que se o apoio da família não impediu o arguido de delinquir, o mesmo teria um papel “limitado” para a sua integração social”. (a pág. 66 – ibidem). 25. Assim, em vez de perspetivar o futuro, o douto acórdão ficou “atolado” (com o merecido respeito) no passado. 26. Em vez de fazer um prognóstico de que apesar do crime cometido o arguido mereceria ser ressocializado, tanto mais que agora espera um filho, conclui (o acórdão) que o arguido não se ressocializará com facilidade ou no seio da família… necessitando para tal de “UM EFEITO INTIMIDATÓRIO” (Sic – a pág. 66 2.º parágrafo). 27. Esta decisão do douto acórdão, ao afastar liminarmente o CC da possibilidade da atenuação especial da pena, não será esta a melhor decisão nem a mais acertada conforme o nosso direito, penal de cariz humanista estipula. 28. Cremos que mal andou o douto acórdão ao apelar à necessidade de um tal “efeito intimidatório” quanto ao arguido CC e à aplicação de pena severa sem atenuação especial da pena. 29. Não se concordando com a afirmação – tecida no douto acórdão a pág. 66 – 4.º parágrafo - de que “não é possível formular um juízo de prognose favorável objectivamente fundado no carácter evolutivo e na capacidade de ressocialização do arguido”, por a mesma não derivar dos factos provados. 30. Não assiste razão no recorrido acórdão ao concluir que “conforme referido supra, não cremos que da atenuação especial da pena decorrente da aplicação do Regime Especial Penal Para Jovens resultem vantagens para a reinserção do arguido, motivo pelo qual, decide o Tribunal afastar a aplicação do indicado regime especial para jovens estabelecido no Decreto-Lei n.º 401/82” 31. O douto e recorrido acórdão ao interpretar desse modo as normas do DL 401/82 de 23.09, fê-lo de modo inconstitucional, com violação dos princípios constitucionais emanados no art.º 18.º n.º 2 da Lei Fundamental. 32. Da inconstitucionalidade material: O art.º 4.º do DL 401/82 de 23 de Setembro - se interpretado com a dimensão normativa plasmada no recorrido acórdão condenatório - que num caso como o dos autos, um jovem delinquente de 20 anos não pode beneficiar da atenuação especial da pena em virtude da natureza específica do crime cometido (tráfico de droga) e por este ser considerado um crime “grave” encontra-se ferido de inconstitucionalidade material por violação, clara e directa de vários princípios e preceitos constitucionais, mormente os plasmados nos art.º 13.º (princípio da igualdade) 18.º, n.º 2 (proibição da restrição de direitos), e 18.º, n.º 3 da mesma Lei (por a interpretação em causa não considerar o carácter geral e abstrato da lei). Violando ainda a disposição do art.º 6.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que consagra o direito a um processo justo e equitativo, onde se consagra que: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente…” 33. Da não existência de tráfico agravado – Qualificativa constante da alínea c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 23 de Janeiro. O arguido CC foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na sua forma mais grave, uma vez que, a decisão recorrida entendeu dar como provada a qualificativa constante da alínea c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro. Entende-se que sem razão. 34. Na verdade o sentido dessa agravativa tem a sua razão de ser quando se considera que pela sua atuação ilícita (no caso o transporte de duas malas do avião para um veículo rodoviário) ter o arguido obtido ou procurado obter avultada compensação económica. Visivelmente não será esse o caso dos autos. 35. Analisando friamente a situação cedo se verificará que o que os arguidos CC e BB iriam receber seriam 5000€ (segundo declarações de BB), uma importância ínfima face ao valor total da cocaína acondicionada no interior das malas. 36. Tem a jurisprudência entendido que transportes semelhantes (os dos chamados “correios de droga”) - apesar de se desenrolarem em voos intercontinentais - não devem encontrar-se subsumidos à agravante contida na alínea c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro. 37. Uma vez que o transportador de cocaína – nas apontadas circunstâncias – é alguém que através da promessa de uma quantia para ele necessária (mas que raramente ultrapassa 4 ou 5 mil euros), se dispõe a agir desse modo, sujeitando-se às consequências. 38. Mas esse transportador não conhece a organização que subjaz ao mencionado tráfico, desconhecendo em absoluto para quem objectivamente “trabalha”. 39. Não conhece as pessoas em causa, ou seja, os “donos” da droga, apenas contactou com a pessoa que em má hora lhe deu a cocaína já embalada para que a transportasse ou que o ajudou a introduzi-la no seu corpo. 40. Na matéria a que se refere o item 11 da Matéria de Facto provada (a pág. 7 do acórdão) pode ler-se: “Os arguidos CC, BB, DD e AA foram informados da existência destas malas, cabendo aos arguidos CC e BB retirá-las do interior do avião e entregá-las ao arguido DD que por sua vez as entregaria ao arguido AA. 41. Não sendo o CC que iria comercializar toda essa cocaína. 42. O item 35 da Matéria de Facto refere que os arguidos “lograram a introdução em Portugal de cocaína para ser comercializada…” mas não refere (nem o poderia fazer) que seriam estes arguidos (nos quais se inclui o. Aqui recorrente CC) a comercializar essa mesma droga. 43. Por isso, a situação do CC assemelha-se em muito ao caso dos chamados “correios de droga” contratados para fazer apenas um determinado transporte de droga. 44. Com esses considerandos, não se entende como o douto acórdão estatui que o CC “obteve ou procurava obter” avultada compensação remuneratória, 45. Ao discretear nesse sentido o acórdão violou claramente, e por erro de interpretação o disposto no art.º 127.º do CPP. 46. Nem a matéria de facto sugere que assim tenha sido. Aliás, quem colocou as ditas malas de viagem, rígidas, de cor cinzenta, no interior da aeronave proveniente de ...) que faria o voo TP 1498 e chegaria a Lisboa pelas 06h40m do dia .../.../2024 foram “indivíduos que não foi possível identificar” (Dos factos provados – cf. item 10 da Matéria de Facto a fls. 6 do acórdão). 47. Resultando à saciedade da prova produzida que não seriam nunca os arguidos dos autos – e muito menos o CC – a receber as “avultada compensação remuneratória” proveniente da eventual e futura venda de toda essa cocaína. 48. Aceitando-se a acertada conclusão tirada no recorrido acórdão condenatório de que: “o crime de tráfico comporta uma infindável variedade de condutas” podendo ser “desenvolvido com variadíssimos propósitos e motivações” (a pág. 50) já não podemos aceitar que para aplicação da agravativa da alínea c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 e Janeiro baste “um maior adensamento da ilicitude ou da culpa pressupostos no artigo 21.º” – como se escreve a pág. 51 do acórdão ora em crise. 49. Uma vez que o conceito de “adensamento da ilicitude ou da culpa” se mostra suficientemente genérico e “evasivo” susceptível por isso de ser aplicado com a maior subjectividade. 50. Mesmo a citação elencada no douto acórdão de que se recorre – na alusão feita ao Ac. do STJ de 26.09.2007 disponível em www.dgsi.pt não terá inteira aplicação no caso dos autos, uma vez que as circunstâncias do agir ilícito aí referidas implicam, como retrata esse aresto “uma procura de avultados proventos económicos, ou seja, ganhos que projectam o agente para um nível superior, próprio das grandes organizações a nível nacional ou internacional e resultados de uma dimensão superior em termos financeiros”… (a pág. 51 do acórdão). 51. Não tendo ficado provado que o CC no seu agir ilícito prontamente confessado tenha “procurado” avultados proventos económicos, sendo que o possível ganho que fosse auferir nada tem a ver com o ganho logrado obter pelas “grandes organizações a nível nacional ou internacional”. 52. Aliás, dos factos elencados na matéria de facto, não se apurou sequer qual o montante que os arguidos iriam auferir (nomeadamente o CC) pelo mencionado transporte, não podendo o douto Tribunal deixar-se influenciar negativamente pelo facto de a droga ter vindo de África e de com certeza o CC ter feito um “trabalho” para “indivíduos não identificados” 53. Como ficou demonstrado à saciedade no douto acórdão, ao decidir-se pela absolvição dos arguidos quanto ao crime de associação criminosa. 54. Não tendo havido qualquer “envolvimento” do CC com a organização criminosa que concerteza se encontra “por detrás” desse mesmo plano. 55. Atentemos - a tal propósito – na redação do item 9 da Matéria de Facto Provada. (a fls.6 do acórdão). “9. Os arguidos AA, CC, DD e BB aderiram a esse plano, aceitando colaborar com o mesmo, com vista à colocação de cocaína no mercado europeu, mediante a oferta de uma quantia monetária no valor que, em concreto, não foi possível determinar”. (sublinhado nosso). 56. Sendo abundante a Jurisprudência dos nossos tribunais superiores sobre o que se entende por “avultada compensação remuneratória”, e mais precisamente sobre os casos em que essa agravativa deva ser aplicada, resulta que nem o recorrente procedeu a “uma procura de avultados proventos económicos”…nem o seu grau de inserção na rede clandestina” era relevante, nem o tempo do seu agir ilícito perdurou no tempo, nem o arguido CC teve uma “expectativa de grandes lucros” aliado à “duração da actividade e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina” (que como se viu com o arguido CC é mínima). 57. No Ac. de 30.04.2014, no Proc 413/07.7TACBR.C2.S1 sendo seu Relator Souto Moura, a consideração de que num processo em que são aprendidas 2 toneladas de cocaína a um traficante no seu iate, dúvidas não restam que essa sua actuação de comprovado tráfico deva ser punida com a agravante referida na alínea c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, o que conclui nos seguintes termos: 58. “V- A agravante da al.c) do art.º 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, integra um conceito com alguma dose de indeterminação.” 59. “Mas o preenchimento do conceito já é possível se se puder determinar, sem margem para dúvida, ainda que aproximadamente, qual a compensação que o recorrente poderia auferir no caso. E é de fácil previsão, à luz das regras mais elementares da experiência comum, que quem se propõe vender cerca de DUAS TONELADAS DE COCAÍNA, pretende ganhar uma quantia muito avultada de dinheiro, tendo em conta o enorme risco, e os custos do transporte e comercialização do produto, nessa quantidade.” E prossegue: 60. “Tanto mais que o agente, no caso, era o dono da cocaína e dispunha de uma logística e de meios económicos de monta (um iate de 18 metros, comprado para o efeito, pessoal para o manter, aparelhagem de comunicações, paredes falsas para esconder a droga, facilidade com que se deslocava de avião….). 61. Finalmente, a consideração de que UM MUI DOUTO ACÓRDÃO DO STJ ONDE SE CONSIDERA QUE SE O AGENTE NÃO PRETENDE OBTER PARA SI AVULTADA COMPENSAÇAO ECONÓMICA, MAS PARA TERCEIRO ( o que parece configurar o caso dos autos) NÃO SE ENCONTRA PRENCHIDA A AGRAVANTE DA ALINEA C) DO ART.º 24.º DO DL 15/93 DE 22 de Janeiro. 62. Referimo-nos “in concreto ” ao ACÓRDÃO DO STJ DE 9.11.2016 proferido no processo 235/14.9JELSB.E1.S1 sendo seu Relator EE. 63. Assim, porque o CC não iria obter, nem tentar obter, a tal avultada compensação remuneratória a que alude a alínea c) do art.º 24.º da Lei da Droga, pois os “donos” da droga é que lucrariam com a venda dos 50Kg de cocaína existente nas duas malas de cocaína – não deveria o mesmo ter sido condenado por esta agravante qualificativa. 64. E assim como não ficou provado que em relação a esta circunstância agravante o CC também tivesse agido com dolo, (sendo imprescindível essa determinação) mal andou o recorrido acórdão ao condenar o recorrente CC por esta agravante qualificativa. 65. E por isso violando o disposto no art.º 127.º do CPP por manifesto erro interpretativo. 66. Da Medida da Pena (art.º 40 n.º 2 e 71.º do CP.Com os apontados considerandos se entende que a pena aplicar ao recorrente não deveria ter excedido os 3 anos e 6 meses de prisão. 67. Quer por o arguido CC poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no DL 401/82 de 23 de Setembro, quer por o crime de tráfico de droga simples se situar no patamar mínimo de 3 anos e 6 meses, previsto no art.º 21.º n.º 1 do DL 15/9 e de 22 de Janeiro. 68. Deste modo, mesmo atendendo ao facto de o recorrente CC ter agido com dolo directo (não extensível ao dolo da qualificação da alínea c) do art.º 24.º da Lei da Droga), a pena a aplicar não deveria em caso algum ultrapassar os 4 anos de prisão. 69. Da suspensão da pena de prisão – art.º 50.º CP.Assim considerado, a pena de prisão a aplicar ao recorrente, que se entende como mais justa e adequada ser a de 3 anos e 6 meses de prisão – poderia e deveria ser suspensa na sua execução dado o disposto a tal propósito no art.º 50.º do Código Penal e dado o recorrente preencher os respectivos pressupostos. 70. É que, levando em linha de conta tudo quanto o Tribunal deu como provado em relação ao recorrente CC (a sua mais que completa inserção social, o intenso apoio familiar, a ausência de antecedentes criminais, a confissão dos factos, o mínimo grau de inserção do CC no “esquema” clandestino do tráfico por outros delineado, a gravidez recente da companheira – de que se junta agora prova nos termos do art.º 425.º do CPC e art.º 4.º do CP – sob a forma de Doc.º n.º 1), sempre este Alto Tribunal poderia estabelecer quanto ao recorrente CC um juízo de prognose favorável, encontrando-se por isso em condições de aplicar uma pena suspensa na sua execução. (…) B) recurso do arguido AA (transcrição) (…) A. O arguido foi condenado na pena única de 7 (sete) anos de prisão pela prática, na forma consumada e em concurso efetivo: como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B a este anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, e n.º 3, alínea p), 86.º, n.º 1, alíneas c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; B. O arguido não se pode conformar com o douto acórdão, desde logo, Venerandos Desembargadores, salvo o devido respeito, que é muito, na medida em que este não praticou os factos que constam da referida decisão judicial, pelo que, não praticou, também, os crimes pelos quais foi condenado; C. O douto acórdão manifesta-se, desde logo, por proferir uma decisão que se encontra numa gritante contradição com a matéria de facto; D. Não foi produzida qualquer prova directa ou indirecta a que o tribunal possa considerar e atender da participação do arguido, a qualquer título, nos factos, razão pela qual, se teria sempre de dar tais imputações como não provadas, com base no princípio do “in dúbio pro reo”, sob pena de violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa; E. Em bom rigor, inexistem elementos nos autos dos quais se possa depreender que as atuações em concreto, tenham sido do conhecimento do arguido, por si acordadas, planeadas, ou que de alguma forma tenha participado nelas; F. Desde já se diz que, o tribunal a quo não ponderou nem respondeu aos fundamentos invocados pela Defesa quanto à atuação de um agente provocador no decurso da operação policial, cuja conduta, claramente indiciada nos autos, viciou a prova produzida, tornando-a inadmissível nos termos do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. G. As autoridades policiais, embora tivessem plena capacidade e meios operacionais para o fazer, abstiveram-se de identificar ou deter um dos intervenientes decisivos na factualidade em apreço – o condutor da viatura SEAT Ibiza –, cuja fuga foi observada, sem que tenha sido recolhida sequer a matrícula do veículo, não obstante a vigilância direta e prolongada. H. Essa omissão da Polícia Judiciária, que não diligenciou pela identificação do condutor nem pelo apuramento do seu paradeiro, aliada à atuação seletiva e dirigida contra os arguidos ora condenados, configura uma atuação policial em desconformidade com os princípios do processo penal, nomeadamente o princípio da legalidade da prova. I. A referida atuação do suposto agente infiltrado, presumivelmente não identificado e operando sob a tutela ou complacência das autoridades, contaminou toda a cadeia probatória, tornando-a nula e insuscetível de sustentar qualquer juízo condenatório válido. J. O Tribunal a quo desconsiderou por completo os indícios e elementos de prova carreados para os autos que demonstram, com elevado grau de certeza, que a prova foi obtida de forma proibida, devendo, por conseguinte, ser excluída do processo. K. Para além da inadmissibilidade da prova, impugnam-se expressamente os factos dados como provados nos pontos 1 a 6, 10, 12 a 26 e 34 do acórdão, por não corresponderem à realidade e por assentarem em presunções infundadas, não apoiadas em prova objetiva e válida. L. Impugnam-se igualmente os pontos 7 a 9, 11, 27 a 31 e 35 a 42, porquanto a prova produzida em julgamento não permite, com o grau de certeza exigido em processo penal, imputar tais factos ao ora Recorrente, inexistindo demonstração suficiente de qualquer elemento objetivo ou subjetivo dos tipos legais imputados. M. A valoração da prova pelo tribunal recorrido assenta em raciocínios conjeturais, sem base factual sólida, resultando em manifesta violação do princípio in dubio pro reo, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da CRP. N. Nenhuma substância estupefaciente foi apreendida na posse do Recorrente, não existindo ligação objetiva entre este e qualquer conduta típica, ilícita e culposa que configure o crime de tráfico de estupefacientes. O. As declarações dos coarguidos, prestadas em audiência, afastam de forma expressa e inequívoca a participação do Recorrente nos factos imputados, sendo certo que nenhum deles referiu tê-lo conhecido ou colaborado consigo em qualquer plano delituoso. P. Igualmente, os depoimentos das testemunhas, inspetores da Polícia Judiciária, corroboram de forma inequívoca que o Recorrente permaneceu no interior da viatura durante toda a intervenção policial, não encetou qualquer tentativa de fuga, nem manteve contacto com os demais arguidos ou suspeitos, circunstância que contraria frontalmente a tese de adesão a qualquer plano criminoso. Q. A presença do Recorrente no local resulta explicada, de forma credível e plausível, pela deslocação ao armazém do tio da sua companheira, como resulta de depoimento testemunhal direto, sendo alheia a qualquer atividade criminosa. R. A ausência de qualquer ato típico por parte do Recorrente, associado à inexistência de ligação direta com os demais arguidos, impõe a sua absolvição, não se mostrando preenchidos os requisitos legais do crime de tráfico de estupefacientes. S. Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal, sendo a sua decisão inválida por ausência de fundamentação objetiva e racional. T. Caso não seja revogada a condenação, o que apenas se admite por dever de patrocínio, a pena de sete anos de prisão aplicada ao Recorrente revela-se desproporcionada e desadequada, em clara violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e da culpa. U. O Tribunal a quo não ponderou devidamente as circunstâncias atenuantes legalmente relevantes, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais, a inserção social, laboral e familiar do Recorrente, a sua conduta anterior e posterior aos factos, nem as suas condições económicas e pessoais. V. O Recorrente encontrava-se à data dos factos plenamente inserido na sociedade, exercendo atividade económica como sócio-gerente de um estabelecimento de restauração, vivendo em contexto familiar estruturado, e revelando percurso de vida íntegro e responsável, conforme testemunhos credíveis constantes dos autos. W. A aplicação de pena efetiva privativa da liberdade, nas circunstâncias dos autos, não serve os fins das penas, violando o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, sendo desadequada face à natureza do ilícito e ao perfil do Recorrente. X. Ainda que se entendesse manter a condenação — o que apenas se admite por raciocínio subsidiário — a pena nunca poderia ultrapassar o limiar dos cinco anos de prisão, devendo ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, em razão da prognose favorável de socialização do Recorrente. Y. O Tribunal recorrido não fundamentou de forma suficiente, como impunha o artigo 71.º, n.º 3 do Código Penal, os motivos determinantes para a fixação da medida concreta da pena, nem para a recusa da aplicação de pena não privativa da liberdade, o que constitui nulidade. Z. A manutenção do juízo condenatório e da pena aplicada implica violação dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade, presunção de inocência e dignidade da pessoa humana, consagrados nos artigos 1.º, 18.º, 27.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa. AA. Face a todo o exposto, e por se verificar a nulidade da prova produzida, a inexistência de factos suscetíveis de integrar o tipo legal de crime imputado, bem como erro notório na apreciação da prova, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido e absolvido o Recorrente de todos os crimes. BB. Subsidiariamente, e caso se entenda manter a condenação, requer-se que a pena aplicada seja objeto de adequada redução e suspensa na sua execução, por ser essa a medida mais conforme com as finalidades da punição e com o princípio da justiça. (…) C) Recurso do arguido DD (transcrição) (…) 1. O presente recurso visa a revogação do acórdão proferido em 1.ª instância que o condenou pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, nos termos dos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B, para a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão no processo em que é arguido DD, por condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes. 2. Prestou declarações sobre os factos, de forma livre e espontaneamente e sem reservas e explicou de livre vontade a origem dos factos e o medo que o impeliu a fazer o que o obrigaram a fazer. 3. O Acórdão enferma de erro notório na apreciação da prova, não respeitando o princípio in dubio pro reo, conforme impõe o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo 127.º do Código de Processo Penal (CPP). 4. O tribunal a quo desvalorizou injustificadamente a versão do arguido segundo a qual foi coagido mediante ameaça à integridade física da mulher e filha menor, contrariando o disposto no artigo 39.º do Código Penal, que determina a exclusão da culpa por coação moral insuportável. 5. Foi indevidamente afastada a possibilidade de aplicação de pena de prisão suspensa na execução, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, apesar de estarem reunidos os pressupostos legais e jurisprudenciais para tal, violando os princípios da necessidade e proporcionalidade da pena (arts. 18.º e 30.º, n.º 5 da CRP). 6. O acórdão condenatório baseia-se em prova documental e testemunhal que não foi produzida ou confirmada em audiência de julgamento, em violação do artigo 355.º do CPP, o que determina a nulidade da prova e da própria decisão, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP. 7. Ao não haver essa fundamentação de facto e de direito, o douto Acórdão é nulo, por violação do artº 410, nº 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal. 8. Assim foi violado o artº 32, nº 1, 2 e 5 da Constituição, que preceitua esse princípio de presunção de inocência, se se interpretar o artº 410, nº 2, al. a), como não precisando de haver tal fundamento, ou seja, apenas necessária uma mera convicção do Meritíssimo Juiz 9. Deve o arguido ser absolvido desse crime, por o mesmo não ter tido como origem em acto ilícito. 10. A não ser o aqui arguido absolvido desse crime, deve ser condenado em pena que não exceda a mínima e esta suspensa na sua execução 11. Foi omitida e sonegada prova essencial ao esclarecimento dos factos, concretamente elementos referenciados nos autos mas não juntos ao processo, nomeadamente registos e relatórios policiais que confirmam a coação alegada, bem como audição da FF, constituindo prova nula por omissão dolosa ou negligente, em violação dos artigos 32.º, n.º 1 da CRP, 58.º e 59.º do CPP, e 126.º do CPP. 12. A atuação da Polícia Judiciária e do Ministério Público, ao ocultarem e não confrontarem os elementos probatórios referenciados mas não juntos aos autos, viola o direito ao contraditório e à prova plena, bem como o princípio da imparcialidade e da igualdade de armas no processo penal. 13. Tais vícios implicam a existência de inconstitucionalidades materiais e processuais, com especial relevância para os direitos fundamentais do arguido à liberdade, à defesa e à prova, o que legitima a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82. 14. Deve, assim, ser revogada a decisão condenatória, com a consequente absolvição do recorrente, ou, subsidiariamente, a sua condenação em pena de prisão inferior a 5 anos, suspensa na execução, ou a anulação do julgamento por nulidade da prova. 15. Mais nos termos dos artigos supra e nos dos artigos 1.º, al. e), 187.º, n.ºs 1 e 4, al. a), 126.º, n.º 3, 129.º, n.º 3, e 130.º, n.º 1 e 190.º, do Código de Processo Penal o douto Acórdão deve ser analisado em audiência perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa 16. O Acórdão recorrido viola o disposto no artigo 20.º da CRP, ao não assegurar ao arguido uma tutela jurisdicional efetiva, por ter desconsiderado elementos essenciais da sua defesa e por ter formado convicção com base em prova nula ou omitida. 17. Foi igualmente violado o artigo 6.º da CEDH, por não terem sido garantidas as condições de um julgamento justo, com respeito pelo contraditório, igualdade de armas e direito à produção de prova por parte da defesa. 18. O Acórdão não cumpre os deveres de fundamentação impostos pelo artigo 374.º, n.º 2 do CPP, ao não justificar adequadamente porque desvalorizou a versão do arguido sobre a coação a que foi sujeito, limitando-se a rejeitá-la sem análise objetiva. 19. As exigências do artigo 412.º do CPP, quanto à análise crítica da prova e respetiva impugnação, são respeitadas pelo presente recurso, que identifica concretamente os vícios da decisão, razão pela qual deve ser conhecido e provido. (…) * 1.3. O MP regularmente notificado deduziu respostas aos recursos interpostos pelos arguidos, que sinteticamente se elencam: A) Resposta ao recurso do arguido AA 1. Sustenta que a 1.ª instância cumpriu o art. 374.º, n.º 2 CPP (exame crítico) e formou convicção de modo lógico e não arbitrário; discordância do recorrente não basta para erro de julgamento. 2. Inexistem no texto do acórdão contradições, insuficiências ou erro notório. 3. A decisão não revela qualquer estado de dúvida; o princípio só opera quando o tribunal confessa dúvida insanável, o que não ocorreu. 4. Rejeita a existência de agente infiltrado/provocador; a tese do recorrente é infundada e não contamina a prova (produzida/confirmada em audiência: art. 355.º CPP). 5. Os critérios dos arts. 71.º e 40.º CP foram correctamente aplicados; não há base para redução abaixo de 5 anos nem, por consequência, para suspensão (art. 50.º CP). 6. Sustenta improcedência integral do recurso e manutenção do acórdão. B) Resposta ao recurso do arguido CC 1. Distingue “questões” de “argumentos”; não há dever de rebater cada passagem do Relatório Social; o tribunal apreciou as condições pessoais relevantes, logo não há omissão. 2. No Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) a aplicação é facultativa e depende de “sérias razões” de reinserção (art. 4.º); face à elevada ilicitude e circunstâncias do caso, entende não verificados os pressupostos. 3. Agravante do art. 24.º, al. c), DL 15/93 deve manter-se; houve aproveitamento de acesso/funcionalidade aeroportuária para iludir controlos na movimentação de droga em grande escala. 4. Medida da pena e suspensão (art. 50.º CP): quantum é proporcional à ilicitude e culpa; suspensão é legalmente inviável com penas superiores a 5 anos. 5. Sustenta improcedência integral e manutenção do acórdão. C) Resposta ao recurso do arguido DD 1. Defende que a motivação é coerente e racional; não há apreciação arbitrária. 2. Não se verifica, por inexistência de dúvida no julgador; a convicção assenta em prova bastante. 3. Contrapõe que a decisão se baseia em prova válida e produzida em julgamento; não ocorre nulidade da prova/decisão. 4. Ausência de elementos probatórios que comprovem ameaça insuportável determinante da conduta; não se exclui a culpa. 5. Os vícios do art. 410.º, n.º 2 CPP não resultam do texto da decisão; não há erro notório/contradições/insuficiência. 6. Medida da pena está adequada aos critérios dos arts. 70.º, 71.º e 40.º CP; não há fundamento para redução. 7. Pugna pela improcedência integral e manutenção do acórdão. * 1.4. Neste Tribunal, a Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer sustentando-se nos fundamentos do recurso interposto pelo MP e pugna pela sua improcedência, destacando, ainda o seguinte: (transcrição) (…) A tese do agente provocador, já debatida em instrução e renovada em sede julgamento não tem qualquer suporte nos factos apurados, tornando-se absolutamente diabólica a prova negativa de um facto que só existe na tese da defesa, visando inquinar a demais prova obtida. A circunstância de ao arguido, em particular, não ter sido apreendida qualquer substância estupefaciente é irrelevante no quadro fático descrito, considerando que a droga se encontrava dentro de duas malas que haveriam de ser transportadas no veículo que ele conduzia, na execução de um plano previamente traçado. Do facto do coarguido DD ter dito que estava um veículo BMW com duas pessoas no interior, sendo que nenhuma delas era qualquer dos arguidos, e que o condutor fez-lhe sinal para parar e indicou-lhe o local para onde se deveria dirigir (cf. fls. 30 do acórdão), não decorre a ausência de envolvimento do arguido AA. Efetivamente, resulta à saciedade dos autos que era o arguido AA quem se encontrava ao volante do BMW preto de matrícula BG-..-GB (mesmo que o coarguido DD diga que nunca o viu…), que foi este quem deu instruções a DD (e que este acatou!), e que foi quando ainda se encontrava ao volante da referida viatura que foi detido. Mais: resulta que o indivíduo que fugiu, juntamente com o arguido DD Duarte, tinha saído precisamente do lugar do pendura do veículo que o arguido AA conduzia… Também a alegação de ter permanecido calmamente no interior do veículo é contrariada pelo auto de notícia a que se faz referência a fls. 37 do acórdão e pelo depoimento que transcreve a fls. 23 das motivações de recurso: o arguido não queria nem sair do veículo, nem largar o telemóvel. Assim, e contrariamente ao que pretende com a leitura, muito particular, que faz da prova produzida, o arguido não estava naquele local por mero acaso, nem foi detido por erro. (…) * 1.5. Cumprido o artº 417°, n° 2, do CPP não foi junta qualquer resposta ao parecer. * 1.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. * II – OBJETO DO RECURSO 2.1. De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, já que são nelas que sintetizam as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. In casu, atentas as conclusões, os recorrentes invocam as seguintes matérias: AA a. Proibição de prova por alegada actuação de “agente provocador” / acção encoberta – nulidade/ilegitimidade da prova (art. 126.º, n.º 3 CPP). b. Impugnação da matéria de facto. c. Vícios do art. 410.º, n.º 2 CPP e violação do princípio in dubio pro reo – erro notório/insuficiência e dúvida não resolvida a favor do arguido. d. Medida concreta da pena. e. Suspensão da execução da pena de prisão. CC a. Nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c) CPP), relativa a pontos relevantes do relatório social. b. Inconstitucionalidade material: i. – do art. 370.º, n.º 1 CPP (com os arts. 1.º, al. g), e 127.º CPP) quanto à valoração “selectiva” do relatório social; ii. – do art. 4.º do DL 401/82, tal como interpretado in casu, por alegada violação dos arts. 13.º, 18.º e 32.º CRP e 6.º CEDH. c. Erro na qualificação como tráfico agravado (art. 24.º, al. c) DL 15/93) – inexistência de “avultada compensação remuneratória” para o agente. d. Medida da pena – invoca aplicação do Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) e consequente atenuação especial; pede redução para patamar inferior. e. Suspensão da execução da pena. DD a. Nulidade por violação do art. 355.º CPP com reflexo no art. 119.º, al. c) CPP. b. Vícios do art. 410.º, n.º 2 CPP (erro notório/insuficiência) e violação do princípio in dubio pro reo. c. Impugnação ampla da matéria de facto – reapreciação de declarações/testemunhos e pedido de renovação de prova (art. 430.º CPP: audição da Inspectora-Chefe). Esta renovação depende da verificação de vícios, mas foi expressamente requerida. d. Coacção moral – causa de exclusão da culpa invocada como fundamento principal de absolvição. e. Medida da pena e suspensão da execução (art. 50.º CP). * 2.2. Conhecimento das questões suscitadas Delimitadas pelas conclusões dos recursos (art. 412.º, n.º 1, CPP), as questões a decidir, pela ordem lógico-jurídica que pode implicar a anulação ou reconfiguração da decisão, são as seguintes: A) Nulidades a. Nulidade por omissão de pronúncia quanto a aspectos extraídos do relatório social (recorrente CC) – art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP. b. Nulidade por violação do art. 355.º CPP (eventual utilização de prova não produzida/confirmada em audiência) e respectivo enquadramento no art. 119.º, al. c), CPP (recorrente DD). c. Proibição de prova por alegada actuação de “agente provocador” /acção encoberta (recorrente AA) – arts. 126.º, nºs 1 e 3, CPP. B) Vícios decisórios de conhecimento oficioso a. Verificação de vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP (erro notório na apreciação da prova, contradições insanáveis, insuficiência para a decisão). b. Invocada violação do princípio in dubio pro reo (recorrentes DD e AA). C) Impugnação da matéria de facto e eventual renovação de prova a. Impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP), com apreciação dos ónus de especificação de pontos de facto e referência às passagens gravadas (recorrentes AA e DD). b. Pedido de renovação de prova (art. 430.º CPP) deduzido por DD – a conhecer se e na medida em que se verifiquem os respectivos pressupostos. c. Qualificação jurídico-penal e agravante do art. 24.º, al. c), do DL 15/93 (afastamento/subsistência), com especial atenção ao modus operandi em contexto aeroportuário (recorrente CC e, por arrastamento, os demais). d. Coacção moral como causa de exclusão da culpa (recorrente DD). E) Medida e execução da pena a. Medida concreta da pena (arts. 40.º e 71.º CP) – todos os recorrentes, nos termos em que concluíram. b. Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) e eventual atenuação especial (recorrente CC). c. Suspensão da execução da pena de prisão (art. 50.º CP) – pedidos subsidiários (todos, na parte aplicável). Discriminação por recorrente: 1) AA i. Proibição de prova por alegado “agente provocador” /acção encoberta (art. 126.º CPP). ii. Vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP e eventual in dubio pro reo. iii. Impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP). iv. Medida concreta da pena (arts. 40.º e 71.º CP). v. Suspensão da execução da pena (art. 50.º CP). 2) CC i. Nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP). ii. Inconstitucionalidade material: • – do art. 370.º, n.º 1 CPP (com os arts. 1.º, al. g), e 127.º CPP) quanto à valoração “selectiva” do relatório social; • – do art. 4.º do DL 401/82, tal como interpretado in casu, por alegada violação dos arts. 13.º, 18.º e 32.º CRP e 6.º CEDH. iii. Qualificação/agravante do art. 24.º, al. c), do DL 15/93. iv. Medida da pena – com especial enfoque no Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) e em eventual atenuação especial. v. Suspensão da execução da pena (art. 50.º CP). 3) DD i. Nulidade por violação do art. 355.º CPP e respectivo reflexo no art. 119.º, al. c), CPP. ii. Vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP e in dubio pro reo. iii. Impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP) e pedido de renovação de prova (art. 430.º CPP). iv. Coacção moral. v. Medida da pena e suspensão da execução (art. 50.º CP). * III – DO ACÓRDÃO RECORRIDO 3.1. Os factos provados/não provados e motivação da decisão de facto têm o seguinte teor: (transcrição) (…) 1.1. Matéria de facto provada: Da audiência de julgamento, e com interesse para a decisão (não se pronunciando o Tribunal sobre a matéria de direito, juízos de valor e factos conclusivos, repetitivos ou irrelevantes, constantes das peças processuais juntas aos autos), resultaram provados os seguintes factos: 1. A empresa de handling “...” é a responsável operacional pelo controlo logístico das bagagens dos passageiros utilizadores do ..., em Lisboa. 2. Os funcionários da referida empresa de handling têm acesso a todo o circuito de bagagens, desde o interior do porão de bagagens do avião (onde a recolhem dos contentores), passando pela placa do seu destino final, designadamente ... (onde estacionam os aviões), até ao seu carregamento nos “shutters” (tapete rolante que transporta as malas para posterior recolha pelos passageiros) e ao transporte das bagagens dos aviões de passageiros em trânsito no ... para outros destinos. 3. Os arguidos CC e BB são funcionários “...”, pelo que, trabalham no interior do ... e, no âmbito das suas funções, controlam todo o circuito das malas de viagem ali chegadas, têm acesso privilegiado às mesmas, o que lhes permite aceder/movimentar a bagagem introduzida no aeroporto, designadamente malas, provenientes de países do continente Africano, que transportavam cocaína no seu interior. 4. Por seu lado, o arguido DD era funcionário da empresa “...”, que realiza serviços de limpeza no ..., tendo acesso a todas as zonas do mesmo, podendo ali circular, sem levantar suspeitas. 5. Em data que, em concreto, não foi possível apurar, mas anterior a ... de ... de 2024, indivíduos que não foi possível identificar, que se dedicam à aquisição e transporte de produtos estupefacientes, designadamente cocaína, para posterior comercialização, traçaram um plano tendente a permitir-lhes introduzir em território nacional, por via aérea, através do ..., em Lisboa, cocaína de países de África, designadamente da .... 6. No seguimento desse plano, em data que em concreto não foi possível apurar, mas anterior a ... de ... de 2024, indivíduos que não foi possível identificar, estabeleceram contacto com os arguidos CC, BB e DD, por força da atividade por estes desenvolvida no ..., a quem deram a conhecer tal plano. 7. No seguimento desse mesmo plano, em data que em concreto não foi possível apurar, mas anterior a ... de ... de 2024, indivíduos que não foi possível identificar, estabeleceram também contacto com o arguido AA, a quem deram a conhecer tal plano. 8. De acordo com o referido plano, os arguidos CC e BB retirariam do interior da aeronave bagagens que continham, no seu interior, cocaína, entregando-as ao arguido DD, que, por seu lado, as entregaria diretamente a outras pessoas, nomeadamente, ao arguido AA, que aguardariam no exterior do ..., impedindo, desta forma, que essas malas fossem sujeitas a qualquer tipo de controlo ou fiscalização. 9. Os arguidos AA, CC, DD e BB aderiram a esse plano, aceitando colaborar com o mesmo, com vista à colocação de cocaína no mercado europeu, mediante a oferta de uma quantia monetária no valor que, em concreto, não foi possível determinar. 10. No âmbito do referido plano, por indivíduos que não foi possível identificar, foram colocadas duas malas de viagem, rígidas, de cor cinzenta, no interior da aeronave proveniente de ...), que faria o voo TP1498 e chegaria a Lisboa, pelas 06h40 do dia .../.../2024, que continham no seu interior: - 13 (treze) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 13030,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 54791 doses de consumo; - 8 (oito) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 8020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 33563 doses de consumo; - 6 (seis) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 6004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 76,1%, sendo o equivalente a 22845 doses de consumo; - 5 (cinco) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 5020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,6%, sendo o equivalente a 20230 doses de consumo; - 4 (quatro) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4017,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,2%, sendo o equivalente a 16911 doses de consumo; - 3 (três) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 3010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 12657 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 8411 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,7%, sendo o equivalente a 8286 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1995,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,9%, sendo o equivalente a 8069 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2015,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,3%, sendo o equivalente a 8291 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1006,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 94,0%, sendo o equivalente a 4728 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 65,5%, sendo o equivalente a 3288 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1083,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 86,4%, sendo o equivalente a 4678 doses de consumo. 11. Os arguidos CC, BB, DD e AA foram informados da existência destas malas, cabendo aos arguidos CC e BB retirá-las do interior do avião e entregá-las ao arguido DD, que, por sua vez, as entregaria, no exterior, ao arguido AA. 12. Assim, no dia .../.../2024, os arguidos CC e BB, envergando a farda da “...”, deslocaram-se ao ..., pese embora o último não estivesse escalado para trabalhar neste dia, porquanto se encontrava de férias, tendo ali se dirigido, apenas com o intuito de retirar as malas com 5cocaína e transportá-las, conforme o citado plano. 13. Pelas 06h47, chegou ao ... em Lisboa a aeronave que realizou o voo TP1498, procedente de ...), que ficou parqueada no stand 501, em cujo interior se encontravam as duas malas referidas em 10), contendo no seu interior: - 13 (treze) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 13030,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 54791 doses de consumo; - 8 (oito) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 8020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 33563 doses de consumo; - 6 (seis) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquidom de 6004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 76,1%, sendo o equivalente a 22845 doses de consumo; - 5 (cinco) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 5020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,6%, sendo o equivalente a 20230 doses de consumo; - 4 (quatro) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4017,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,2%, sendo o equivalente a 16911 doses de consumo; - 3 (três) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 3010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 12657 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 8411 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,7%, sendo o equivalente a 8286 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1995,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,9%, sendo o equivalente a 8069 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2015,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,3%, sendo o equivalente a 8291 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1006,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 94,0%, sendo o equivalente a 4728 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 65,5%, sendo o equivalente a 3288 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1083,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 86,4%, sendo o equivalente a 4678 doses de consumo. 14. Pelas 06h50, os arguidos CC e BB, envergando a farda da “...”, deslocaram-se ao stand 501 e colocaram os calços nas rodas do avião. 15. Após, afastaram-se e foram à procura de um atrelado com uma lona a cobri-lo e moveram-no para perto da aeronave, ficando este atrelado mais junto da parte dianteira. 16. De seguida, iniciou-se a operação de descarga de contentores e cargas transportados pela aeronave. 17. Os dois primeiros contentores descarregados foram colocados na plataforma motorizada utilizada para o efeito e, após descida, foram colocados nos PMC´s para serem atrelados a um trator que os levaria aos tapetes de inserção de bagagens, sendo aí, que seriam, de acordo com os procedimentos, abertos. 18. Sucede que, pelas 07h00, junto da aeronave, e com o atrelado lado a lado com os contentores, os arguidos BB e CC abriram ali um contentor, e retiraram do seu interior as duas malas referidas em 10), e colocaram-nas no atrelado que tinham trazido, que estava coberto por lona, que continham no interior: - 13 (treze) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 13030,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 54791 doses de consumo; - 8 (oito) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 8020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 33563 doses de consumo; - 6 (seis) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 6004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 76,1%, sendo o equivalente a 22845 doses de consumo; - 5 (cinco) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 5020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,6%, sendo o equivalente a 20230 doses de consumo; - 4 (quatro) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4017,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,2%, sendo o equivalente a 16911 doses de consumo; - 3 (três) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 3010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 12657 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 8411 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,7%, sendo o equivalente a 8286 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1995,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,9%, sendo o equivalente a 8069 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2015,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,3%, sendo o equivalente a 8291 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1006,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 94,0%, sendo o equivalente a 4728 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 65,5%, sendo o equivalente a 3288 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1083,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 86,4%, sendo o equivalente a 4678 doses de consumo. 19. Nessa altura, o arguido CC, utilizando o telemóvel que lhe tinha sido fornecido por membros da organização, enviou mensagem a informar que tinha as malas em seu poder, dizendo que: “ESTAVA FEITO!!”. 20. Após, os arguidos BB e CC afastaram-se e deslocaram-se para uma zona onde se encontrava diverso equipamento, tendo aí o arguido CC ido buscar um trator da “...” que conduziu até junto do atrelado, onde estavam as referidas duas malas. 21. Enquanto isso, o arguido BB afastou-se da plataforma 50, onde se localiza o stand 501, e atravessou apeado uma faixa de rodagem para veículos motorizados (interdita a peões) onde aguardou. 22. Pelas 07h10, o arguido CC atrelou o atrelado, que continha as duas malas com cocaína, ao trator da “...”, e abandonou o local, conduzindo-o pela rotunda que dá acesso aos terminais 1 e 2, e, ao chegar junto do arguido BB, parou a viatura. 23. Nessa altura, o arguido BB entrou no trator, ocupando o lugar do pendura e seguiram, ambos, até à rotunda localizada junto do terminal 2, e, de seguida, a uma zona com diverso equipamento denominada “cemitério do terminal 2”, onde pararam. 24. Pelas 07h18, o arguido DD, conduzindo um veículo afeto à empresa “...”, de matrícula ..., com o número 45-042, foi ao encontro dos arguidos CC e BB, e parqueou a viatura em frente ao trator onde estes se encontravam. 25. De seguida, o arguido DD saiu do veículo, dirigiu-se ao trator, retirou dali as malas com cocaína, colocou-as no banco do passageiro da viatura da empresa “...”, regressou ao lugar do condutor, iniciou marcha, e dirigiu-se para a saída de GG. 26. Após, o arguido DD saiu das instalações aeroportuárias, e conduziu o veículo pela ..., virando à esquerda na .... 27. Nessa altura, a viatura conduzida pelo arguido DD foi seguida pelo veículo de marca e modelo “BMW” série 1, de cor preta e matrícula BG-..-GB, conduzido pelo arguido AA, e por um veículo de marca e modelo “Seat Ibiza”, com matrícula que, em concreto, não foi possível apurar. 28. Ao chegarem a meio do cruzamento da ... com a ..., a viatura conduzida pelo arguido DD e o veículo BMW conduzido pelo arguido AA encostaram. 29. Nessa altura, um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, que seguia no lugar do pendura da viatura BMW e o arguido DD saíram dos respetivos veículos, para procederem ao transbordo/ passagem das malas com cocaína, da viatura da empresa “...”, de matrícula ..., com o número 45-042, para o veículo BMW. 30. Sucede que, nesse momento, quando o arguido DD se encontrava debruçado no lugar do pendura da viatura da empresa “...”, aperceberam-se da presença de Inspetores da Polícia Judiciária no local, que gritaram: ”ALTO!POLÍCIA!”. 31. Ato contínuo, o arguido DD e o indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, que seguia no lugar do pendura do veículo BMW, encetaram fuga apeada no sentido descendente da artéria, logrando aceder ao interior do veículo “Seat Ibiza” que ali os aguardava, e, deste modo, fugir do local. 32. Na mesma altura, o arguido AA encontrava-se no interior do veículo “BMW” série 1, de cor preta e matrícula BG-..-GB, ocupando o lugar do condutor, a realizar uma chamada telefónica. 33. No interior deste veículo, o arguido AA tinha: 1. No interior do porta-luvas do veículo automóvel: 1.1. Um (1) documento de 2 folhas do ..., referente ao extrato bancário n.º 2024/001, em nome de AA; 1.2. Um (1) documento do ..., datado de .../.../2024, referente ao levantamento em numerário, em nome de AA; 1.3. Um (1) documento do ..., datado de .../.../2024, referente ao levantamento em numerário, em nome de AA; 1.4. Um (1) documento de 3 folhas da ..., referente à declaração de seguro do veículo automóvel da marca ..., com a matrícula BG-..-GB, em nome de HH, 1.5. Um (1) documento da ..., referente à carta branca do veículo automóvel da marca ..., com a matrícula BG-..-GB, em nome de HH; 1.6. Um (1) documento do ..., referente à Inspeção Técnica Periódica de seguro do veículo automóvel com a matrícula DV046AP, com o n.º de quadro WBA1S710205B28619, correspondente à viatura automóvel com a matrícula BG-..-GB. 2. Em cima do banco dianteiro direito: 2.1. Um (1) telemóvel da marca ..., modelo “iPhone”, de cor azul escura com capa de proteção com 4 relevos de cor preta; 2.2. Um (1) telemóvel da marca ..., modelo “iPhone”, de cor branca; 3. Em cima do banco do condutor: 3.1. Um (1) telemóvel da marca ..., modelo “iPhone”, de cor preta com capa desilicone preta; 3.2. Um (1) telemóvel da da marca ..., modelo “iPhone”, de cor preta com capa de proteção de cor preta e botões laterais em vermelho. 4. No compartimento junto à manete de mudanças da viatura encontra-se o seguinte objeto: 4.1. Um (1) telemóvel da marca “...” modelo Redmi, com o modelo M2006C3LVG, de cor azul escura, (desconhece-se os IMEI´s, bem como códigos de Acesso); 4.2. Uma (1) embalagem em cartão, de cor azul, da marca “...”, referente ao número de telemóvel ..., contendo no interior o cartão SIM – POR USAR; 4.3. Uma (1) embalagem em cartão, de cor azul, da marca “...”, referente ao número de telemóvel ..., contendo no interior o cartão SIM – POR USAR; 4.4. Uma (1) embalagem em cartão, de cor verde, da marca “...”, referente ao número de telemóvel ..., contendo no seu interior um cartão Micro SIM, da operadora ... com o número ...; 2862 de 6917 4.5. Uma (1) embalagem em cartão, de cor de rosa, da marca “...”, referente ao número de telemóvel ..., sem cartão SIM; 5. No interior do porta luvas: 5.1. Um (1) telemóvel da marca ..., modelo “iPhone”, de cor preta, (desconhecesse os IMEI´s, bem como códigos de acesso); 6. No interior de uma mochila de cor preta, da marca ..., pertencente a AA: 6.1. Uma (1) embalagem em cartão, de cor castanho e preto, da marca “...”, referente ao número de telemóvel ..., contendo no interior o suporte do cartão micro SIM, que corresponde aos dados da embalagem em cartão; 6.2. Uma (1) folha branca manuscrita em cor azul, com indicação de valores monetários; 6.3. Uma (1) arma de fogo, GLOCK 17, calibre 9mm x19, com número de série WZP219, com respetivo carregador e 15 munições do mesmo calibre. O modo de funcionamento da referida arma é semiautomático; com percussão central e direta, com cano com o cumprimento aproximado de 110 mm, tendo tal arma o comprimento total aproximado de 201 mm. 7. Uma (1) chave referente à viatura, de marca BMW, pertencente ao arguido AA. 34. No interior do veículo afeto à empresa “...”, de matrícula ..., com o número 45-042 foram encontradas e apreendidas: » as duas malas referidas em 10), que continham no seu interior: - 13 (treze) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 13030,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 54791 doses de consumo; - 8 (oito) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 8020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 33563 doses de consumo; - 6 (seis) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 6004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 76,1%, sendo o equivalente a 22845 doses de consumo; - 5 (cinco) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 5020,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,6%, sendo o equivalente a 20230 doses de consumo; - 4 (quatro) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 4017,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,2%, sendo o equivalente a 16911 doses de consumo; - 3 (três) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 3010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 84,1%, sendo o equivalente a 12657 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2010,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 83,7%, sendo o equivalente a 8411 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,7%, sendo o equivalente a 8286 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1995,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 80,9%, sendo o equivalente a 8069 doses de consumo; - 2 (duas) embalagens, vulgo “placas” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 2015,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 82,3%, sendo o equivalente a 8291 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1006,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 94,0%, sendo o equivalente a 4728 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1004,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 65,5%, sendo o equivalente a 3288 doses de consumo; - 1 (uma) embalagem, vulgo “placa” de cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 1083,000 gramas, produto este que apresentava um grau de pureza de 86,4%, sendo o equivalente a 4678 doses de consumo; - três rastreadores GPS da marca “...”, de cor branca, com os números de série HG9JQAVKPOGV; HGLJHL22POGV; HG9JQBUNPOGV. » 01 (uma) etiqueta de bagagem do voo TP534783 BJL de ..., com o n.º ..., em nome de “II”; » 1 (um) telemóvel da marca “...”, modelo SM-G525F/DS, de cor preta, com o IMEI 1: 350635/88/324376/7 e com o IMEI 2: 357308/47/324376/0, sem cartão SIM; » 1 (um) telemóvel da marca “...”, modelo SM-A047F/DSN, de cor branca, com o IMEI 1: 357238/50/842170/3 e com o IMEI 2: 358911/72/842170/8, com dois cartões SIM, ICCID 1: 20001081596845256KJ 31 e ICCID 2: ..., com capa de silicone transparente; » 1 (um) telemóvel da marca “...”, modelo Redmi, de cor preta, com o IMEI 1: ... e com o IMEI 2: ..., com cartão SIM, ICCID ..., com capa de silicone transparente. 34. No interior da sua residência, sita em ..., em ..., o arguido AA tinha no seu quarto, no interior da gaveta da mesa de cabaceira: - uma chave pertencente ao veículo BMW” série 1, de matrícula BG-..-GB. 35. A cocaína apreendida nas circunstâncias acima descritas, destinava-se a ser comercializada com vista a auferir compensação económica, 36. Dessa forma, lograram os arguidos a introdução em Portugal de cocaína para ser comercializada por quantia superior a dois milhões e quatrocentos e dez mil euros. 37. Os arguidos conheciam a natureza e as características estupefacientes da cocaína apreendida. 38. A viatura apreendida ao arguido AA destinava-se a ser utilizada para transportar o produto estupefaciente apreendido nos autos. 39. Os arguidos sabiam que a detenção, o transporte e a comercialização de cocaína eram proibidos e punidos por lei. 40. Os arguidos atuaram em comunhão de esforços e de intentos, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 41. O arguido AA detinha consigo a arma de fogo e as munições que lhe foram apreendidas, cujas características conhecia, não tendo qualquer autorização para as adquirir e possuir, sabendo que as mesmas apenas serviam como instrumento de ataque contra terceiros e que eram aptos a causar-lhes lesões físicas e a morte, e bem sabendo que a detenção e uso destes objetos não lhe era permitida por não ter licença de uso e porte de arma, sendo tal conduta punida por lei. 42. Agiu, assim, o arguido AA de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas por lei. 43. Da situação pessoal, social e económica do arguido AA À data dos factos supra descritos, o arguido vivia em ..., em habitação arrendada à família há cerca de quatro décadas, integrando o seu agregado, a mãe do arguido, que apresenta patologia psiquiátrica, e a irmã germana, de 27 anos, num contexto relacional apoiante e caracterizado por laços de afetividade. O arguido assumia um papel significativo no enquadramento familiar, sobretudo no apoio à figura materna, mantendo também uma relação de proximidade com o pai que mantém residência nos ...) desde ..., deslocando-se o arguido com frequência a esse país. Filho de mãe portuguesa e pai cabo-verdiano, ficando aos cuidados da mãe após a separação dos pais quando tinha cerca de 4 anos de idade, o arguido tem mais duas irmãs uterinas (gémeas), de 40 anos, e um irmão consanguíneo, de 30 anos, existindo uma relação próxima com esses elementos da fratria, continuando os familiares a disponibilizarlhe todo o apoio no presente contexto prisional. Profissionalmente, o arguido mantinha-se ativo como sócio-gerente de um estabelecimento comercial (café-restaurante) em ..., denominado “Ninguém faz isso” desde ..., no qual colaborava uma das irmãs uterinas, que desde a sua prisão preventiva assumiu a gestão do mesmo, auferindo anteriormente o arguido um rendimento médio líquido mensal de € 1 300. Paralelamente, o arguido desenvolvia funções laborais sazonais como motorista de camião nos ...), na empresa de eventos “...” desde ..., entre os meses de ..., com vínculo contratual, auferindo um vencimento mensal médio de € 8 000. O arguido concluiu aos 18 anos o 12.º ano de escolaridade através de um curso de formação profissional na área de ... e vendas, ingressando nessa altura no mercado de trabalho na empresa “...” na recolha e transporte de amostras clínicas com vínculo contratual durante cerca de um ano e meio. Viria a cessar estas funções para prosseguir prática desportiva (futebol) no agregado paterno nos ...), que conciliava com o exercício laboral numa empresa de construção civil (remodelações) de um tio paterno. A economia anterior do agregado registava estabilidade e dependia dos rendimentos auferidos pelo arguido a que acresciam a pensão de reforma por invalidez da mãe e o vencimento da irmã germana que desempenhava a atividade de modelo. Nos tempos de lazer, o arguido convivia com a família, com a namorada, relacionamento que mantêm há cerca de dois anos e de forma gratificante, e com amigos, assim como na prática desportiva, não registando consumos aditivos. Adequado na interação e com recursos internos que lhe permitem encetar escolhas dentro do normativo vigente, relativamente ao futuro, o arguido perspetiva reintegrar o mesmo enquadramento familiar e retomar o seu quotidiano profissional anterior estruturado. O arguido encontra-se preso preventivamente desde .../.../2024 no ... à ordem dos presentes autos, prosseguindo um percurso positivo e adaptado, pautado pela observância das regras institucionais, mantendo-se inativo em termos formativo-laborais e continuando a beneficiar de apoio consistente do exterior, recebendo visitas regulares dos familiares, da namorada e de amigos. A presente situação jurídico-penal tem acarretado um impacto significativo na vida do arguido sobretudo pelo afastamento da família e interrupção das atividades profissionais que mantinha, receando não ser exequível no futuro poder regressar aos ... para retomar as anteriores funções laborais. O arguido mostra-se preocupado com o desfecho do processo e evidencia capacidade para avaliar de forma crítica comportamentos de natureza criminal. 44. Da situação pessoal, social e económica do arguido CC Na data dos factos acima descritos, assim como no presente, o arguido residia com a mãe, o companheiro desta e a irmã uterina de 13 anos de idade, numa habitação de tipologia T3, mantendo bom relacionamento com a vizinhança. A dinâmica sociofamiliar é boa e gratificante, assumindo o companheiro da progenitora o papel de figura masculina de referência desde os 18 meses do arguido, assumindo o papel de pai. Com efeito, após a separação dos progenitores, quando o arguido contava 1 ano de idade, o pai constituiu-se numa figura ausente, tendo ido viver para ... onde formou família. O arguido tem três irmãos consanguíneos com os quais não se relaciona. O arguido tem um irmão germano mais velho, já autónomo, e um sobrinho, com os quais mantém contactos permanentes, passando o sobrinho dias com o arguido. Relativamente às habilitações literárias, o arguido tem o 9.º ano de escolaridade. O arguido frequentou formação profissional de técnico de gestão desportiva, de nível IV, que lhe conferiria o equivalente ao 12.º ano, tendo desistido no último ano, atribuindo as causas ao facto de ter contraído Covid-19 por três vezes, o que contribuiu para que tivesse ficado com muitos módulos pendentes. No entanto, e tendo como fonte de inspiração a progenitora, que terminou o 12.º ano recentemente, cogita regressar à escola para concluir o equivalente ao ensino secundário, através do programa de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências Profissionais - RVCC. Em termos de inserção profissional, o arguido, à data dos factos acima descritos, trabalhava na empresa de handling “...”, através de uma empresa de trabalho temporário, para a qual entrou aos 20 anos de idade, após ter deixado a escola, e onde permaneceu por cerca de oito meses, até à data da sua detenção. O arguido iniciou percurso laboral aos 19 anos de idade como ... num estabelecimento pertencente a uma cadeia de fast food, e, posteriormente, como coordenador de home delivery. Quanto à situação económica na data dos factos acima descritos, a mesma sofreu alterações uma vez que o arguido beneficiava de rendimentos líquidos mensais no montante de cerca de € 950 (novecentos e cinquenta euros), provenientes da sua atividade profissional, contribuindo com valor entre os € 200 e os € 300 mensais, ainda que não lhe tivesse sido solicitado. No presente, e após o início do cumprimento da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (OPHVE), o arguido pôs em prática, juntamente com o pai afetivo, um projeto que já tinham idealizado, constituindo uma empresa de exterminação de térmitas. O pai afetivo entrou para a empresa com a sua experiência na área, enquanto técnico, assegurando o arguido os contratos, correspondência e funções administrativas. A atividade da empresa encontra-se suspensa, estando o companheiro a trabalhar para uma empresa desde fevereiro último. A mãe do arguido trabalha como auxiliar de ação educativa e o pai afetivo, presentemente, como comercial, auferindo montantes de € 870 e € 1150 líquidos mensais, respetivamente. Para incrementar os rendimentos, a mãe do arguido toma conta de duas crianças, após o seu horário laboral, durante duas horas, auferindo € 300 mensais. Como despesas, o agregado apresenta as correntes com a TV Cabo/comunicações, no valor de cerca de € 120 mensais, acrescido de € 242 devido a prestação mensal do crédito do carro da mãe. Não obstante a existência de um contrato de comodato, o agregado do arguido disponibiliza ao proprietário o valor mensal de € 550, assegurando este o fornecimento de eletricidade e água, salvo quando o valor ultrapassa os € 100. A este montante acresce o valor de € 298 euros mensais para pagamento de crédito referente a aquisição de viatura própria por parte do arguido, sendo os familiares a assumirem a liquidação do valor no presente. Relativamente aos tempos livres, à data da sua detenção, o arguido frequentava ginásio e praticava futebol com amigos. No presente, para além dos trabalhos com a empresa que constituiu com o pai afetivo, como forma de ocupação dos tempos livres, trata das tarefas domésticas e toma conta do sobrinho, quinzenalmente, de quarta-feira a domingo. O arguido manifesta preocupação face à sua presente situação processual e as consequências mais gravosas que possam advir de uma condenação, designadamente em pena de prisão efetiva, atendendo à experiência de reclusão durante o período em que cumpriu a medida de coação de prisão preventiva decretada anteriormente. Nesse contexto, valoriza o desagravamento da mesma para a OPHVE, benéfico no plano pessoal, mas também para os seus familiares. Encara a existência dos presentes autos e a experiência prisional como aprendizagem do que não deseja para a sua vida. A tomada de conhecimento da situação processual do arguido constituiu-se num abalo emocional para os seus familiares, principalmente pela mãe que, após a data da sua detenção, ficou incapacitada para o trabalho durante largo período. Como consequência da situação processual do arguido, a namorada deste, cuja relação afetiva se manteve por quatro anos, terminou o relacionamento dois/três meses após o arguido ter saído da prisão. O arguido encontra-se a cumprir a medida de coação de OPHVE de forma regular. 45. Da situação pessoal, social e económica do arguido DD À data dos factos acima descritos, o arguido vivia numa habitação arrendada, com a companheira e a filha do casal de 10 anos de idade e encontrava-se a trabalhar no ... em Lisboa, como abastecer de aeronaves, emprego que mantinha à sensivelmente um ano e meio, mediante um contrato de trabalho. A companheira do arguido trabalha por conta própria, na área da geriatria fazendo domicílios, subsistindo o agregado familiar com o vencimento de ambos, mantendo uma vida estável e sem dificuldades económicas. A companheira do arguido beneficia ainda rendas provenientes de uns negócios em ..., beneficiando o agregado de uma situação económica estável. O arguido nasceu em ... e é o mais velho de uma fratria de dois irmãos. Viveu com os pais, ambos integrados em mercado de trabalho, o pai exercia funções de camionista e a mãe era gerente de uma loja no ramo da alimentação. Durante o seu desenvolvimento, vivenciou algumas fases mais difíceis, sobretudo quando o pai registava períodos de menos trabalho, em que era apenas o vencimento da mãe para satisfazer as necessidades básicas. Não obstante, nunca faltou nada em casa. A mãe do arguido era uma pessoa exigente, na transmissão de valores e regras, bem como uma educação consoante com a sociedade em que estava inserido. Esta tinha sempre uma palavra de conforto e acabava por estar mais presente na vida dos filhos, ao invés do pai que, enquanto camionista, passava muitas horas fora de casa. A mãe sempre incentivou os filhos a estudarem, em prol de um projeto de vida futuro. Os pais do arguido mantêm-se a residir em ..., tendo a irmã falecido recentemente. O arguido autonomizou-se do agregado familiar de origem aos 22/23 anos de idade, altura em que foi viver com a sua companheira (JJ), com quem mantém uma relação desde os 19/20 anos de idade. Desta relação nasceu uma filha, atualmente com 10 anos de idade. Com 24 anos de idade o arguido veio para Portugal com a sua família, na procura de melhores condições de vida e de trabalho. O arguido concluiu o 12.º ano de escolaridade e prosseguiu os estudos pela via superior, tendo frequentado um curso de Recursos Humanos, que não chegou a terminar. O arguido teve o seu primeiro emprego ainda menor de idade. Contava 16 anos de idade quando trabalhou como freelancer, tendo apoiado um tio que tinha uma empresa. Mais tarde e depois de ter deixado a faculdade, abriu uma pequena empresa de turismo, juntamente com a companheira, que teve a duração de um ano. Já em Portugal, regista trabalhos na área da construção civil, numa empresa de bicicletas elétricas, na entrega de compras ao domicilio para o ... e ... e desde ... até à data da sua reclusão, trabalhava no ..., em Lisboa, com contrato de trabalho, no apoio aos aviões. O seu processo de socialização decorreu em contexto habitacional, com amigos que foi conhecendo no bairro onde residiu e em contexto escolar, de faculdade e de trabalho. O arguido foi constituindo o seu grupo de pares, que identifica como sendo pessoas com um estilo de vida normativo e organizado, com quem mantinha contactos frequentes. Em Portugal o arguido não tem familiares e os amigos são maioritariamente dos trabalhos que foi tendo. O arguido começou a consumir substância psicoativa quando chegou a Portugal, numa fase da sua vida menos boa, o que o ajudava a esquecer os problemas. Atualmente já não é consumidor desse tipo de substâncias. Revelou algum cansaço relativamente ao trabalho, uma vez que trabalhava por turnos. Relativamente às suas perspetivas futuras, o arguido pretende, quando em liberdade, continuar a viver com Portugal, voltar para junto da companheira e da filha, arranjar um emprego e organizar-se de forma normativa. O arguido encontra-se preso preventivamente desde 14/03/2024, tendo dado entrada no Estabelecimento Prisional anexo à Polícia Judiciária de Lisboa, onde esteve durante seis meses. Desde setembro de 2024 que está afeto ao Estabelecimento Prisional de .... No Estabelecimento Prisional de ..., o arguido não se encontra integrado em nenhuma atividade laboral nem formativa em virtude de estar ainda na situação jurídico-penal de preventivo e tem mantido um comportamento de acordo com as regras institucionais, não registando medidas disciplinares. O arguido recebe apoio monetário da família, bem como visitas da mesma, em concreto da companheira, revelando ser um recluso investido. O arguido demonstra preocupação pela sua situação jurídico-penal, essencialmente pela situação de privação de liberdade em que se encontra, bem como das consequências que a mesma possa vir a ter em termos futuros, particularmente em termos pessoais. O arguido revela alguma vergonha e desconforto pela sua atual situação, uma vez que é a primeira vez que se encontra preso. 46. Da situação pessoal, social e económica do arguido BB À data dos factos supra descritos, o arguido residia no agregado dos progenitores, em habitação social, localizada no ..., em ..., sendo a renda mensal no valor de 44,00 euros. A habitação está arrendada em nome do avô paterno do arguido, sendo o agregado constituído pelo arguido, pelo avô, já reformado, mas que realiza alguns biscates na manutenção de autocaravanas, pelo progenitor, motorista de pesados de longo curso, pela progenitora, gerente do supermercado “...”, no ... e por um irmão com 19 anos de idade, estudante no 12.º ano de escolaridade. Em ..., a mãe do arguido foi diagnosticada com uma septicémia, encontrando-se de baixa médica desde então. Apesar de algumas dificuldades, o agregado conseguia satisfazer as suas necessidades económicas. As relações no seio do agregado eram pautadas pela afetividade e entreajuda. O arguido era funcionário da empresa “...”, a desempenhar funções no aeroporto de Lisboa há cerca de um ano, com contrato temporário, auferindo um vencimento mensal no montante de € 900 / € 1 100. Em termos afetivos, o arguido mantinha uma relação com a sua atual namorada, atualmente com 27 anos de idade, funcionária de uma loja de vestuário, relação essa que perdura há cerca de oito anos. Em termos de tempos livres, o arguido convivia com os seus familiares, passeava com a sua namorada e raramente jantava fora com a mesma, e passava bastante tempo em casa, jogando videojogos no computador. O arguido nunca consumiu estupefacientes e ingeria bebidas alcoólicas pontualmente e com moderação em convívios sociais. O desenvolvimento do arguido decorreu na zona de ..., integrado no agregado dos progenitores e avós, tendo um irmão germano mais novo. Beneficiou de um bom relacionamento no seio do agregado, pautado pela afetividade e entreajuda e com a transmissão de regras e valores, inerentes à sociedade onde o mesmo estava inserido, não sendo notadas problemáticas de índole económica no seio do agregado. O arguido iniciou a escolaridade em idade regular, concluindo o 9.º ano de escolaridade com 18 anos de idade, após uma reprovação no 6.º ano. Ainda frequentou o 10.º ano, mas desistiu dos estudos para ir trabalhar. Com 18 anos de idade trabalhou num supermercado “...” como ..., organização onde trabalhava a sua mãe, com contrato de trabalho durante dois anos e meio. Em seguida trabalhou nos correios, na separação de correspondência durante pouco mais de um ano, após o que rumou ao ... em companhia da namorada, procurando melhores condições de vida, onde permaneceu cerca de um ano e meio, mas não conseguiu trabalho e regressou a Portugal. Após o regresso, trabalhou no armazém da empresa de transportes “...”, onde trabalhava o seu pai e onde permaneceu durante um ano e meio, após o que ingressou na “...”. Em termos pessoais, o arguido apresenta-se como um indivíduo humilde e educado. O arguido encontra-se preso preventivamente no ..., à ordem do presente processo, desde .../.../2024, tendo vindo transferido do Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária de Lisboa, onde deu entrada em .../.../2024. O arguido apresenta-se como um indivíduo angustiado, aguardando com expectativa o epílogo da sua atual situação jurídico-penal, bem como os seus familiares. Enquanto recluído, o arguido interage normativamente com os pares e demais funcionários da instituição. O arguido encontra-se a frequentar a escola, com o intuito de concluir o 12.º ano de escolaridade, mantendo também ocupação laboral como faxina do piso desde o início do corrente mês. Tem visitas regulares da mãe, do pai, do irmão e da namorada. O arguido foi jogador compulsivo no casino e, em ..., por despacho proferido pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos, e a pedido do arguido, foi determinado que o mesmo fosse proibido de frequentar qualquer casino do país, pelo período de cinco anos. 46. Do registo criminal dos arguidos Os arguidos não têm averbada qualquer condenação nos seus certificados de registo criminal. 1.2. Matéria de facto não provada Dos factos que se mostram relevantes para a decisão, não se provou que: a) Após o contacto dos arguidos CC e BB com indivíduos não identificados, nos termos referido em 5) dos factos provados, os arguidos CC e BB e esses indivíduos não identificados conceberam um plano tendente a permitir-lhes introduzir em território nacional, através do ..., em Lisboa, elevadas quantidades de cocaína. b) Com vista à execução do propósito e plano referido em 6) dos factos provados, os arguidos CC, AA, DD e BB resolveram integrar uma organização que se dedica à aquisição e transporte de produtos estupefacientes, designadamente de cocaína, de países de África, designadamente da ..., para território nacional, por via aérea. c) De acordo com o plano referido em 6) dos factos provados, o arguido DD entregaria as bagagens que continham cocaína no seu interior diretamente a outros membros da organização referida na alínea b). d) O plano referido em 6) dos factos provados ocorreu também no dia .../.../2024. e) A cocaína referida em 10) dos factos provados foi colocada nas duas malas nele referidas, pela organização de narcotráfico à qual os arguidos pertenciam. f) A cocaína referida em 10) dos factos provados, destinava-se a ser entregue, pelos arguidos, a outros membros da organização a que pertenciam. g) Com a introdução e comercialização da cocaína referida em 10) dos factos provados em Portugal, visavam os arguidos obter quantia superior a três milhões de euros. h) Os arguidos integravam uma organização constituída e dirigida, destinada a operações de importação e exportação de cocaína com vista à colocação no mercado europeu, aceitando colaborar com a mesma. i) A viatura apreendida ao arguido AA tinha sido obtida com os proventos resultantes de transações de cocaína. j) Os telemóveis e cartões telefónicos apreendidos aos arguidos eram por estes usados nos contactos necessários à comercialização dos referidos produtos e tinham sido adquiridos com proventos daí resultantes. k) Os documentos apreendidos aos arguidos destinavam-se a ser utilizados na atividade de tráfico de estupefaciente e eram fruto da mesma. 1.3. Motivação da decisão de facto O Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica de toda a prova produzida em audiência e constante dos autos, segundo juízos de experiência comum e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (cf. artigo 127.º do Código de Processo Penal). “A livre apreciação da prova a que alude o artigo 127º do Código de Processo Penal, não é reconduzível a um íntimo convencimento, a um convencimento meramente subjetivo, sem possibilidade de justificação objetiva, mas a uma liberdade de apreciação no âmbito das operações lógicas probatórias que sustentem um convencimento qualificado pela persuasão racional do juízo e que, por isso, também externamente possa ser acompanhado no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da atividade probatória.” - cf. Acórdão do STJ de 3/03/1999, in BMJ 485, pág. 248. Muito embora, segundo o disposto no citado artigo 127.º do Código de Processo Penal, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir. Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Como toda a discricionariedade jurídica, também a livre apreciação da prova tem limites que não podem ser ultrapassados. Esta liberdade de apreciação é uma liberdade pré-determinada ao dever de perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos e, portanto, suscetível de motivação e de controlo. Não se trata de mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis), envolvendo a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis (daí o papel essencial que assume a imediação). Para além disso intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, aspeto que já não depende substancialmente da imediação, mas deve basear-se na correção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos. Portanto, a livre apreciação da prova pressupõe a concorrência de critérios objetivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção. Não obstante, quer se entenda que constituiu “um princípio natural de prova imposto pela lógica e pelo senso moral, pela probidade processual” (Cavaleiro Ferreira, direito de Processo Penal, II, pág. 310), quer se entenda que constitui “princípio fundamental do processo penal em qualquer Estado de Direito” (Figueiredo Dias, Direito Processual, pág. 214), a verdade é que se trata de um princípio indiscutível no que concerne à apreciação da prova na decisão da “questão de facto”. Tanto no que diz respeito à prova dos elementos constitutivos do crime, como à prova dos factos extintivos ou causas de exclusão da responsabilidade criminal (cf. Cavaleiro Ferreira, ob. cit., II, pág. 312 e Figueiredo Dias, ob. cit. Pág. 215). Assim, e concretizando, temos que o arguido CC, em síntese, admitiu que, juntamente com o arguido BB, que se encontrava de férias nesse dia, retirou as duas malas em causa nestes autos de um contentor de bagagem retirado do interior do avião, as quais transportou para local distinto do referido contentor de bagagem, tendo tais malas sido recolhidas pelo arguido DD, o qual disse não conhecer nem nunca ter visto antes. No mais, disse o mesmo arguido ter assim agido por ter sido ameaçado, cerca de uma semana antes, por um indivíduo que o abordou junto às bombas de ..., cerca das 23h00, que lhe disse para retirar as malas do interior de um avião, tendo-lhe este dito quais as rotinas da sua mãe e da sua irmã e que se ele não fizesse o trabalho ia acontecer alguma coisa a estas. Nessa altura, foi-lhe entregue um telemóvel, que só viu quando a pessoa se foi embora, tendo este, na caixa de mensagens, que se encontrava aberta, as indicações do número do voo, do contentor, do stand e foto das malas. O arguido CC disse ainda que o arguido BB estava consigo e que o mesmo também foi ameaçado. Quanto ao que se encontrava no interior da mala, disse não saber o que a mesma continha, mas desconfiava que fosse droga. Depois da recolha das malas pelo arguido DD, saiu do aeroporto com o objetivo de atirar o telemóvel fora e, quando estava a sair do aeroporto, recebeu uma mensagem a dizer que tinha corrido mal e deitou o telemóvel fora, ao rio, junto ao arque de skate da expo. O arguido BB estava consigo, também estava assustado e foi com ele atirar o telemóvel fora. Nesse dia não voltou ao aeroporto nem nos dois dias seguintes porque eram a sua folga e porque estava com medo. Por sua vez, o arguido DD, em síntese, admitiu ter ido buscar as duas malas em causa nestes autos, o que fez sob ameaça. Afirmou então este arguido que, no dia anterior aos factos aqui em apreço, foi interpelado por dois jovens junto da sua casa, na rua, quando tinha acabado de estacionar a mota. Um deles já tinha visto no aeroporto, esclarecendo que era funcionário da ..., e que o outro era um cidadão brasileiro. Disse que o indivíduo que não conhecia lhe disse que queria falar consigo e para irem para um canto ali existente. Aí, esse indivíduo levantou um pouco a t-shirt e mostrou-lhe uma arma, dizendo-lhe que ele tinha que fazer o que eles queriam, senão a sua família ia ter consequências, que ele estava “feito ao bife”. O mesmo indivíduo descreveu a sua mulher e a sua filha e as rotinas delas. Disse-lhe que precisavam que tirassem uma mala de tabaco do aeroporto e entregou-lhe um telemóvel que tinha que ter sempre com ele, que o telemóvel era um localizador. Disse-lhe para ir ao stand 200 e que havia de encontrar dois rapazes lá que lhe iam entregar as malas, entre as 07h00 e as 08h00. Depois, devia sair do aeroporto por GG, para ir para junto do “Record” e que lá estaria um carro que lhe faria um sinal e aí entregaria a mala e o telemóvel. Afirmou o arguido que não falou desta situação com ninguém e que, no dia seguinte, foi trabalhar às 06h00 e ia passando pelo local que lhe foi indicado até que viu lá o arguido BB, encostado a um carrinho, e o arguido CC, afastado cem a cento e cinquenta metros. Recolheu as malas e saiu do aeroporto por GG Estava um veiculo BMW preto, com duas pessoas no interior, sendo que nenhuma delas era um dos arguidos. O condutor pôs o braço de fora e fez sinal para parar e ele parou. Ele apontou uma rua à esquerda e que já ia atrás de si. Entrou na rua, subiu pela rua uns cinquenta a cem metros, parou a carrinha, saiu da carrinha e foi para junto do lado do pendura e ouviu um disparo e fugiu a pé para o sítio de onde subiu porque o disparo era do sentido contrário. Quando chega à ..., estava a passar um carro a andar devagar e agarrou-se na porta traseira do lado direito. O condutor apercebeu-se dele mas não parou, arrastou-o cerca de cem a cento e cinquenta metros e depois largou o veículo. Era um Seat Ibiza, com duas pessoas no seu interior e cuja cor não se recorda. Nessa altura foi a correr até à ... e pediu a uma pessoa para ligar para a esposa para sair de casa. Pediu também € 2 e apanhou o comboio para o ..., onde vive um seu amigo, com quem ficou de Domingo a Quarta-feira. Na Quarta-feira, falou com a sua esposa, que lhe disse que a polícia estava à procura dele, que ela já sabia o que se tinha passado e que o melhor era ele entregar-se e entregou-se. Mais afirmou que trabalha para a ... e é normal conduzir as carrinhas no seu trabalho, dentro do aeroporto. Não pode sair com as carrinhas do aeroporto, estas são abastecidas fora dos pórticos, mas ainda dentro do aeroporto. Os nomes dos arguidos soube-os na prisão. Antes dos factos, não sabia o nome deles nem sabe se os tinha visto antes. Quanto ao arguido BB, este começou o seu depoimento por pedir desculpa por ter mentido. Em síntese, disse trabalhar para a ... desde ..., como operador de assistência em escala. Conheceu o arguido CC quando este entrou para a empresa no verão de ..., em .... Tornaram-se amigos e davam boleia um ou outro. Sempre se deram bem No final de fevereiro, início de ..., o arguido CC sabia das dividas dele ao fisco por multas de scuts, e dívida da aquisição do automóvel. Nessa altura disse-lhe que foi contactado por uma pessoa fora do aeroporto e se ele estava interessado em tirar malas com cocaína, que receberiam € 2 500 cada um. Passados uns dias aceitou. Não sabia quanto dinheiro o arguido CC ia efetivamente receber. No fim de semana anterior disse-lhe que ia ser para no dia .... Disse-lhe que nesse dia estava de férias. Pesquisou o avião e viu que o avião chegava dia 8 e dia 10. Dia 8 fizeram uma simulação e correu tudo bem. Tiraram as duas malas e levaram-na para o stand 200. O arguido CC disse-lhe que ia chegar uma carrinha das limpezas da ... que ia buscar as malas. O arguido CC afastou-se e foi ele quem entregou as malas ao arguido DD, esclarecendo que só lhe viu os olhos, porque estava de gola e capuz, o que é normal na farda fornecida pela empresa. Disse só ter conhecido o arguido DD na Polícia Judiciária, que não o conhecia antes dos factos. Depois ele e o arguido CC saíram do aeroporto, passaram o dia juntos até ao final da manhã, foram a casa do tio do arguido CC e foram ver o jogo do sobrinho. Ao arguido CC disseram que iam receber o dinheiro na noite do próprio dia ou no dia a seguir, e não chegou a receber o dinheiro. Quando estava com o arguido CC fora do aeroporto, este recebeu chamada de voz a dizer que tinha havido problema com a polícia. O CC tinha um telemóvel para além do dele. O CC também recebeu uma chamada a dar conta da mudança de planos, porque inicialmente as malas eram para ficar junto ao avião. Mais disse que o que está a dizer agora é diferente do que disse em sede de primeiro interrogatório, porque soube que o arguido CC tinha dito que agiu sob ameaça e ficou “de pulseira” e pensou que se dissesse e a mesma coisa também ficava “de pulseira”. Disse ainda o arguido que há 2 anos era viciado em jogo de casino e pediu para ficar impedido de entrar nos casinos. Tem noção da gravidade da sua conduta. Quando foi detido “ainda não lhe tinha caído a ficha”, mas com o tempo de prisão e ver o sofrimento da família, isso “começou a mexer” consigo. Tinha cerca de € 2 600 em dívida. € 900 em multas de scuts. Quanto ao arguido AA, este não prestou declarações em sede de audiência de julgamento, remetendo para as declarações que já havia prestado em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Ora, nesta sede, afirmou o arguido, em síntese, ser verdade que tinha a arma consigo, que havia adquirido há cerca de um mês, em Portugal, sem que tivesse condições para a deter. Relativamente à dinâmica dos factos, disse que no dia dos factos se encontrava naquele local (onde foi detido), por engano, que estava perdido e aí parou para ligar o GPS. Disse que vinha da casa da prima da namorada, na zona do ..., de onde saiu por volta das 06h50, e que estava sozinho, não se tendo apercebido de nada do que se passou naquele local. Explicou que o veículo em que se encontrava é seu e está registado em seu nome, muito embora o seguro automóvel esteja em nome de um seu amigo, porque ficava mais barato. Esclareceu também quanto lhe custou o veículo (€ 19 500 ou €20 000), que recebeu € 19 000 de uma financeira para comprar o veículo e disse ter levantado € 8 000 em dias distintos porque um seu familiar disse-lhe que se levantasse o dinheiro todo de uma só vez, iriam questionar o porquê do levantamento de tal quantia. Disse ter quatro telemóveis e explicou a que é que se destina cada um deles, bem como os cartões. Já no que se refere à prova testemunhal atinente aos factos, a mesma cingiu-se aos depoimentos dos inspetores da Polícia Judiciária, que se revelaram claros, seguros, circunstanciados e isentos e, por isso, totalmente credíveis. Assim, e em síntese: A testemunha KK disse que no dia ..., por ordem superior, montaram vigilância no exterior do aeroporto por haver suspeitas de que chegariam malas com estupefacientes. Havia informação de que dois dias antes tinha chegado estupefaciente vindo num voo oriundo de .... Os colegas da CCTV foram transmitindo-lhes movimentações suspeitas no voo de .... Ao chegaram à saída do aeroporto por GG viram a carrinha da ... já depois das cancelas. Atrás desta, seguia uma viatura BMW, de cor preta, com duas pessoas no seu interior e uma viatura Seat. Fizeram inversão de marcha e outro carro interpôs-se entre eles e a viatura Seat. A viatura da ... e o veículo BMW viraram para a mesma artéria e encostaram. Eles passaram pelos dois veículos e inverteram o sentido de marcha. Visualizou o funcionário da ... do lado de fora da viatura, junto ao lugar do pendura, com a porta aberta, e junto dele a pessoa que estava no lugar de pendura na viatura BMW. Estes dois indivíduos encetaram fuga apeados. Chegou uma outra viatura policial, e três elementos correram atrás dos dois indivíduos. O arguido DD entrou para a viatura Seat e o indivíduo que seguia no lugar de pendura no BMW foi arrastado alguns metros até entrar na viatura Seat. Quando regressou para junto da viatura BMW, já o seu condutor estava algemado. O veículo BMW não conseguia tirar o carro dali porque estava barrado pelas viaturas policiais. Fez diligências junto de empresas com câmara, mas não conseguiu visualizar imagens que lhe permitisse identificar o veículo Seat Ibiza. Fizeram buscas no dia 10 à residência do arguido AA. A esposa do arguido DD entrou em contacto com a ... porque o marido não voltou a casa depois do trabalho. Dia 11 fizeram buscas a casa do arguido DD, com autorização da esposa. Encontraram seis telemóveis no interior do BMW. Os telefones não estavam todos desligados. Encontraram uma mochila com uma arma, no chão, atrás do banco do pendura do BMW, esclarecendo quem, pondo a mão para trás, era uma arma acessível. Disse tratarse de uma arma blocke 9 mm, municiada com 15 munições no carregor. Da visualização de imagens do circuito CCTV, pelos seus colegas da PJ, em serviço de prevenção ao tráfico de estupefacientes, deram conta de suspeitas da chegada de droga no dia 8. Esclareceu ainda as diligências que encetaram para encontrar imagens de videovigilância no local (bombas da BP) onde os arguidos disseram ter sido abordados, sendo que tais imagens não existiam; e as informações que foram pedidas aos hospitais para saber se lá tinha comparecido alguém que tivesse sido arrastado por veículo automóvel, sendo que, alguns responderam que não, outros nem sequer responderam. Relativamente ao veículo Seat, disse que o mesmo ficou parado no terço da rua e ficou na dúvida se teria alguma coisa a ver com a situação, mas depois vê os dois indivíduos que fugiram apeados a entrar na viatura. Os dois entraram para o banco de trás. A testemunha LL, disse ter participado na abordagem ao arguido AA e, numa segunda fase, na detenção dos restantes arguidos. Disse que já tinham conhecimento que no dia 8 uma mala tinha sido desviada de um voo da ... pelos arguidos, a qual foi conduzida para o exterior. Neste dia não apreenderam a mala nem sabe o que a mesma continha no seu interior. Perceberam que no dia 10 voltou os arguidos CC e BB voltaram a retirar malas do voo da ... e a troca da mala para o arguido DD, que conduziu carrinha da ... e saiu do aeroporto. Fez perseguição da carrinha .... A primeira viatura policial tinha o MM e o NN, ele ia na segunda viatura e havia uma terceira viatura policial. Atrás da ... ia uma viatura BMW e mais duas viaturas. Entretanto, aproximaram-se das viaturas da ... e o BMW, que encostaram e eles passaram. Fizeram inversão de marcha e ele está em posição número um e o seu colega MM em segunda posição. O arguido DD e o indivíduo que seguia no lugar de passageiro do BMW estavam fora do veículo. Comunicaram entre colegas sobre a possibilidade da viatura Seat estar a fazer segurança e falaram para um colega tirar matrícula, mas não anotaram. O foco era não perder a droga. Disse ter sido ele primeiro a sair e diz alto policia e os indivíduos apeados encetam fuga. Tinham a matrícula parcial (as letras do meio) do veículo Seat, fizeram pesquisas, mas deu centenas de resultados. Indagaram hospitais sobre a existência de feridos. Identificaram câmara no local e identificaram apenas uma que estava inativa. A testemunha OO, disse que estava com a PP, junto do aeroporto e recebiam instruções do seu chefe QQ. Tinham dispositivo montado fora do aeroporto. Houve falha de comunicação. Surgem no momento em que ocorreu o flagrante delito e quando os seus colegas estavam fora dos veículos e a correr. Quando iam a passar pelo BMW, apeados, o MM disse-lhes que estava um condutor dentro do BMW e nem tinham reparado porque a porta do lugar do pendura estava aberta. O condutor do BMW mostrou muito resistência para sair do carro e a sua colega estava com dificuldade em tirá-lo, viu o condutor a esticar a mão para trás do banco e foi a testemunha quem tirou o condutor do veículo. A testemunha RR, disse ter feito a abordagem ao AA enquanto o mesmo ainda estava dentro do BMW. Ela e o colega chegaram mais tarde, os seus colegas estavam a correr na direção oposta, um seu colega fez sinal de que estava o arguido dentro do carro. Da sua perceção, o arguido estava a escrever uma mensagem no telemóvel Nessa altura identificou-se como polícia e o arguido continuou a mexer no telemóvel. Deu-lhe ordem para sair do carro e ele não sai e tenta alcançar algo atrás do banco e o seu colega intervém. Fizeram busca à viatura e dentro de uma mochila encontraram uma arma municiada. Estava adstrita à situação, mas noutro ponto do aeroporto. Estavam a comunicar entre si por rádio e quando se aperceberam do que estava a ocorrer, foram para o local. Para além do BMW viu a carrinha da .... Não estava ninguém dentro desta carrinha, a porta estava aberta e depois viram o estupefaciente lá dentro. A testemunha SS, disse que no dia ..., pelas 07h00, no exterior do aeroporto, foi-lhes comunicado que uma mala tinha sido desviada de um avião e colocada numa carrinha da ... que ia sair pela saída de GG. Foram para a saída de GG e vêm a carrinha ... a sair e esta foi seguida por 2 viaturas, uma da marca BMW e outra Seat Só as viaturas ... e o BMW é que viraram para a .... O Seat parou. Estas 2 viaturas encostaram, eles passaram as viaturas, deram a volta e voltaram para trás. Nessa altura o arguido DD e o individuo que estava no lugar de pendura do BMW estavam junto ao lugar de pendura da .... O seu chefe gritou polícia e os dois indivíduos começaram a correr. Correu atrás das pessoas com o seu chefe. Passa a viatura Seat e os dois entram no Seat. Este era o mesmo Seat que viram anteriormente, cuja matrícula não conseguiram ver. São frações de segundo e não sabiam se o Seat ou mesmo o BMW tinham algo a ver com aquilo ou não. Só tinham indicação da carrinha .... Disse ainda que foi um momento de stress, estavam atentos a muitos pormenores e não se pode estar atento a tudo. A pessoa não identificada foi de arrasto no Seat, não o viu entrar no carro. O DD entrou no carro. Estava a olhar para o Seat mas não para a matrícula, estava a olhar para o indivíduo para ver se ele caía ou não da viatura. A testemunha TT, referiu apenas que ia num dos veículos, mas, são muitas situações e não se recorda dos factos. Aqui chegados, em face da produção da prova testemunhal acima indicada, é manifesto que carece de fundamento a nulidade invocada pelo arguido AA quer no que tange à existência, nestes autos, de agente infiltrado ou mesmo provocador, uma vez que, é manifesto que tal não sucedeu. Assim, improcede a nulidade de prova invocada (artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal), podendo o tribunal valorar toda a prova carreada para os autos. O Tribunal valorou a demais prova documental e pericial carreada para os autos, mormente: - o auto de notícia de fls. 2 a 12, de onde se extraem as circunstâncias espácio temporais da prática dos factos; - o auto de apreensão de fls. 16, referente à apreensão, da cocaína, duas malas, três rastreadores de GPS, uma etiqueta de bagagem e três telemóveis (ao arguido AA), e reportagem fotográfica de fls. 18 a 27 atinente a tais bens e local onde os mesmos se encontravam, mormente as malas, o produto estupefaciente e rastreadores de GPS; - o auto de apreensão de fls. 28 a 30, do qual se extrai a apreensão, ao arguido AA, da viatura automóvel, marca BMW, matrícula BG-..-GB, e respetiva chave, e dos bens e objetos encontrados no seu interior, mormente, documentos (que se mostram juntos aos autos de fls. 31 a 43), (seis telemóveis), três cartões SIM, dois deles por usar, uma mochila, contendo no seu interior uma arma de fogo; - o auto de busca e de apreensão de fls. 44, reportado à busca efetuada no domicílio do arguido AA e onde foi apreendida uma chave referente à viatura da marca BMW; - o auto de busca e de apreensão de fls. 48, reportado à busca efetuada no cacifo do arguido DD nas instalações da ... no aeroporto de Lisboa, onde foram apreendidos, no interior de uma bolsa, documentos de multibanco referentes a depósitos bancários e a consulta de movimentos e um papel manuscrito, os quais se mostram juntos aos autos de fls. 49 a 51; - o auto de apreensão de fls. 122, referente à apreensão do telemóvel encontrado no interior do veículo da empresa ... identificada nos presentes autos; - o auto de busca e de apreensão de fls. 125/127 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 128/131, à residência do arguido DD, do qual se extrai que nesta nada foi encontrado com relevo para os autos; - informação prestada pela Direção Nacional da PSP constante de fls. 139/141, da qual ressalta que o arguido AA não tem registos/manifestos de armas de fogo nem licenciamentos emitidos em seu nome, e bem assim que não existem em território nacional qualquer manifestos sobre a arma Glock apreendida a este arguido; - informação constante de fls. 144 a 151, reportada ao acesso ao aeroporto de Lisboa por parte dos arguidos CC, BB e DD nos dias ... de ... de 2024; - o auto de busca e de apreensão de fls. 157/158, e respetiva reportagem fotográfica de fls. 159/162, à residência do arguido CC, do qual se extrai que nesta nada foi encontrado com relevo para os autos; - o auto de busca e de apreensão de fls. 163 e respetiva reportagem fotográfica de fls. 164/169, à viatura automóvel do arguido CC, do qual se extrai que nesta nada foi encontrado com relevo para os autos; - o auto de visionamento de registo de imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Aeroporto ... no período compreendido entre as 05h33 e as 07h36 do dia ........2024, constante de fls. 170 a 190, onde é percetível a entrada dos arguidos BB e CC, juntos, no aeroporto e toda a dinâmica por eles aí empreendida nesse hiato temporal; - o auto de apreensão de fls. 199, referente à apreensão de um telemóvel na posse do arguido CC; - o relatórios de exame pericial de fls. 417/426, referente a exame lofoscópico as telemóveis e arma de fogo apreendidos ao arguido AA; - o auto de busca e de apreensão de fls. 465, e respetiva reportagem fotográfica de fls. 466/467, à residência do arguido BB, do qual se extrai que nesta nada foi encontrado com relevo para os autos; - o auto de busca e de apreensão de fls. 468, e respetiva reportagem fotográfica de fls. 469/473, ao veículo automóvel do arguido BB, do qual se extrai que nesta nada foi encontrado com relevo para os autos; - os relatórios de exame pericial de fls. 898/898 e fls. 905, referentes ao veículo automóvel, telemóveis e arma de fogo apreendidas ao arguido AA; - o auto de visionamento de registo de imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Aeroporto ... no período compreendido entre as 05h33 e as 07h35 do dia ........2024, constante de fls. 932 a 1022 (constando tais imagens do suporte técnico de fls. 1023), onde é percetível a atuação dos arguidos BB, CC e DD no aeroporto e toda a dinâmica por eles aí empreendida nesse hiato temporal; - o auto de visionamento de registo de imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Aeroporto ... no período compreendido entre as 03h50 e as 07h10 do dia ........2024, constante de fls. 1187 a 1238 (constando tais imagens do suporte técnico de fls. 1240), onde é percetível a atuação dos arguidos BB, CC e DD no aeroporto e toda a dinâmica por eles aí empreendida nesse hiato temporal; - o exame toxicológico de fls.862. Sendo esta a prova produzida e a valorar, importa referir que, da análise das declarações prestadas pelos arguidos, resulta à saciedade que estes (com exceção do arguido BB), admitiram a prática dos factos que são incontornáveis, ou por claramente demonstrados pelas imagens captadas pelo circuito de videovigilância do Aeroporto ... (no que se refere aos arguidos CC e DD) ou por terem sido presenciados pelos inspetores da Polícia Judiciária com a subsequente detenção em flagrante delito (no que tange aos arguidos DD e, neste particular, ao arguido AA, que admitiu encontrar-se no local, no interior da viatura BMW, tendo na sua posse, a arma, carregador e munições que lhe foram apreendidas). Quanto aos mais, os arguidos CC e DD referem terem assim agido sob ameaça, o que não mereceu qualquer credibilidade por parte do Tribunal, não só porque nenhum meio de prova foi produzido que permitisse concluir por tal, mas sobretudo porque tal alegação é desprovida de qualquer ligação lógica e racional com as regras de experiência e do senso comum. É que, no caso vertente, estamos perante um tráfico internacional de produto estupefaciente, no caso cocaína, numa quantidade e grau de pureza bastante consideráveis e, por conseguinte, com um valor que ascende a cerca dois milhões e quatrocentos e dez mil euros, valor este a que se chega fase à quantidade, grau de pureza e valor de venda da mesma de acordo com as regras da experiência. Ora, neste tipo de tráfico, como resulta das regras da experiência e do senso comum, é necessário assegurar pessoas de confiança, cujo silêncio se compra com avultadas quantias monetárias e não, como estes arguidos pretenderam fazer crer, através de ameaças que, além do mais, foram descritas pelos arguidos em causa de forma tão vaga e abstrata que, por si só, não mereciam credibilidade. O que acaba de ser dito, permite ao tribunal concluir, com certeza e segurança, não que os arguidos tenham criado ou se envolvido ou aderido a uma qualquer organização criminosa (dado que nenhum meio probatório foi produzido que permitisse chegar a tal conclusão), mas sim que, tendo terceiros, que não foi possível apurar, que se dedicam ao tráfico de produtos estupefacientes, designadamente cocaína, para posterior comercialização, traçado um plano tendente a introduzir em Portugal, através do aeroporto Humberto Delgado, cocaína provenientes de países de África, o deram a conhecer aos arguidos, que a ele aderiram, mediante a oferta de uma quantia monetária no valor que, em concreto, não foi possível apurar. Neste aspeto, cumpre salientar que, tendo o arguido BB, único que admitiu ter agido de forma livre, deliberada e consciente, afirmado que iria receber € 2 500 pela sua atuação, tal valor foi desconsiderado pelo Tribunal, por ser um valor muito abaixo do valor que o serviço prestado garante, face à quantidade e valor da cocaína, no confronto com as regras da experiência e do senso comum. O mesmo é dizer, este tipo de tráfico exige pessoas confiáveis, seguras e que consigam manter o sigilo da operação, o que manifestamente não se alcança com valores dessa ordem de grandeza. No que se refere ao que se passou no exterior do aeroporto, mormente, no que tange à intervenção do arguido AA, o por ele declarado, no sentido de nada ter a ver com os factos em causa nestes autos, e que apenas ali se encontrava por engano, estando perdido e a ligar o GPS, também, não mereceu qualquer credibilidade, sendo que tal versão foi infirmada, de forma cabal e segura, pela demais prova carreada para os autos, mormente o acompanhamento feito pelos inspetores da Polícia Judiciária, nos termos aduzidos supra e pela circunstância de ter sido visualizada uma pessoa a sair da sua viatura. Assim, em face da credibilidade que perpassou dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, cotejados e corroborados pela demais prova acima indicada, resultaram claramente demonstrados os factos julgados provados, sendo que, as justificações apresentadas pelo arguido AA para a posse da arma, por vagas e genéricas, não se revelam credíveis, não se vislumbrando nenhuma relação relevante entre a sua atividade profissional nos ... e a sua vinda para Lisboa para justificar esta conduta por qualquer motivo cultural. A factualidade subjetiva demonstrada ficou em face de tudo o que acima se expôs e em face das atuações empreendidas pelos próprios arguidos Nesta sede, veja-se o o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/05/1994, disponível no sítio www.dgsi.pt, segundo o qual, “o dolo não é suscetível de apreensão direta por pertencer ao foro íntimo de cada um, pelo que só poderá ser captado através de presunções legais, em conexão com o princípio da normalidade e as regras da experiência que permitam inferi-lo a partir de factos materiais comuns, entre os quais avulta o preenchimento da materialidade da infração”. Relativamente à situação pessoal e económica dos arguidos, atendeu o tribunal ao teor dos relatórios sociais elaborado pela DGRSP a pedido do tribunal, onde se descrevem os dados relevantes do processo de socialização dos arguidos bem como as suas condições pessoais e sociais, corroborados pelos depoimentos das testemunhas de defesa arrolas por cada um dos arguidos. No que tange à ausência de antecedentes criminais dos arguidos foram valorados os respetivos certificados de registo criminal, dos quais não constam averbadas quaisquer condenações. Relativamente aos factos não provados, o tribunal assim decidiu em face da ausência de prova cabal e segura que permitisse concluir pela sua verificação, em conformidade com o que atrás já se deixou exposto, sendo que a factualidade vertida na alínea g), não obstante as imagens juntas aos autos referente a essa data, a verdade é que tal mala não foi apreendida, desconhecendo-se o seu conteúdo, o que não permite concluir pela verificação dessa mesma factualidade. (…) * IV- APRECIANDO 4.1. AA 4.1.1. Proibição de prova por alegado “agente provocador” /acção encoberta (art. 126.º CPP). O argumento do arguido/recorrente AA assenta quase exclusivamente numa construção em torno de um “quinto interveniente” que “se pôs em fuga e não foi identificado”, operando daí a conclusão de que teria havido agente provocador. Essa inferência é logicamente inválida, juridicamente improcedente e não encontra respaldo no iter probatório constante do acórdão. O próprio acórdão descreve as percepções objectivas das equipas policiais e a sequência da abordagem (seguimento da carrinha, aproximação das viaturas BMW e Seat, corrida e ingresso de dois indivíduos no Seat), sem qualquer actuação de incitamento aos factos pelos órgãos de polícia criminal, concluindo expressamente que “carece de fundamento a nulidade invocada [...] é manifesto que tal não sucedeu” quanto a “agente infiltrado ou mesmo provocador”. O art. 126.º/1–2(a) do CPP densifica a cláusula de proibição de prova no sentido de ser inadmissível a prova obtida por provocação policial — i.e., quando a autoridade cria artificialmente a situação típica, incitando o agente à prática do crime que, sem essa incitação, não ocorreria. O critério material é, pois, o incitamento determinante (não a mera oportunidade de detecção). Esta regra articula-se com: (i) art. 355.º CPP (princípio da audiência e imediação): só pode ser valorada a prova produzida ou confirmada em julgamento; (ii) art. 127.º CPP: livre apreciação da prova; (iii) vícios do art. 410.º, n.º 2 (de conhecimento oficioso), que não substituem o ónus de alegação e prova de contaminação quando se invoca prova proibida. No plano europeu, o TEDH (v.g. Teixeira de Castro c. Portugal, 1998) distingue entrapment (provocação) de undercover activities lícitas: o que viola o processo equitativo (art. 6.º CEDH) é a criação do crime pela polícia, não a detecção de criminalidade preexistente. A actividade encoberta é instrumento de investigação admitido em molduras legais específicas (v.g., medidas especiais em criminalidade organizada). Já o agente provocador é figura ilícita: a polícia não pode induzir o cometimento do crime. A fronteira decisiva é teleológica e causal: Na detecção (lícita) do facto criminoso, a infiltração ou vigilância não criam nem desencadeiam a resolução criminosa; limitam-se a acompanhar factos em curso. Já na provocação (ilícita), a actuação policial gera a resolução, cria o iter ou determina o facto típico. Em caso de dúvida, exige-se demonstração concreta de actos de instigação (promessa de contrapartidas, pressão, sugestão activa, planificação pela polícia). Meras presenças, seguimentos ou oportunidades de flagrante delito não são provocação. Quem invoca prova proibida por provocação tem o ónus de alegar e demonstrar os factos concretos que consubstanciam a instigação determinante: quem instigou, como, quando, com que conteúdo, com que efeito causal (art. 412.º CPP — ónus de especificação; princípio da auto-responsabilidade do recorrente). Conjecturas ou inferências a partir de lacunas investigatórias não satisfazem esse ónus. Ou seja, não basta sugerir a hipótese de provocação; é necessária prova positiva de actos determinantes imputáveis à autoridade. No caso, a argumentação do “quinto interveniente” não satisfaz a prova que se exige - não identifica agente policial, não descreve actos de incitamento, não demonstra nexo causal com a execução. A factualidade provada assenta na dinâmica aeroportuária (desvio de malas do voo TP1498 por trabalhadores fardados “...”, transporte encoberto em atrelado coberto por lona, entrega no exterior), seguida da intervenção policial que monitoriza a carrinha ... e observa a aproximação das viaturas BMW e Seat, a corrida de dois indivíduos e entrada no Seat, culminando em apreensões e prova pericial (quantidades e teores de pureza). Estes elementos foram produzidos/confirmados em audiência, legitimando a valoração (art. 355.º CPP). O tribunal a quo afastou, expressamente, a existência de agente infiltrado/provocador. O recorrente assume como premissa tácita que a omissão de identificação do “quinto interveniente” equivale à sua qualificação como agente provocador. Mas do ponto de vista lógico-probatório: (a) não decorre da falta de identificação que o sujeito seja agente policial; (b) alternativas plausíveis permanecem abertas (co-autor, cúmplice, mero participante “logístico” ou mero terceiro); (c) o recorrente não aponta acto concreto de incitamento; limita-se a reconstrução indutiva e a críticas genéricas à investigação (pedidos de imagens adicionais, etc.), como se isso fosse suficiente para cominar nulidade. Os próprios trechos transcritos sobre pedidos de videovigilância mostram solicitações à ... e a forças militares e uma discussão sobre respostas não juntas, mas não revelam qualquer roteiro de instigação policial. A prova mostra plano prévio envolvendo acesso privilegiado à zona de “rampas” do aeroporto, retirada de malas antes do circuito normal e entrega no exterior — uma engenharia operacional incompatível com a ideia de conduta ilegítima “nascida” de estímulos policiais ad hoc. O quantum e organização revelam predisposição criminosa e execução autónoma. Nada nos autos indica que a polícia originou ou determinou o crime; tudo aponta para detecção e contenção de um iter já em curso, com apreensões e relatórios periciais subsequentes. A passagem relativa ao Seat — veículo no qual entram dois indivíduos após o alerta “polícia” — é descritiva do momento do flagrante: a equipa identifica as viaturas, persegue, vê os movimentos e perde a matrícula por fracções de segundo em contexto de stress operacional. O acórdão colheu e registrou percepções testemunhais nesse sentido, sublinhando a ausência de elementos que sustentem figura de provocação. A circunstância de um indivíduo não ter sido identificado não reescreve a cadeia probatória já consolidada (vigilância, apreensão, perícias). O art. 355.º CPP impõe que o tribunal apenas valorize prova produzida/confirmada em julgamento. Aqui, o que foi produzido foram testemunhos presenciais (inspectores), elementos objectivos (CCTV aeroportuária, dinâmica dos contentores e atrelado), apreensões e perícias — não “actos de provocação”. A imputação de “provocação” não entrou em audiência com factos concretos; entrou como hipótese. Por isso, não há contaminação: não existe material proibido a expurgar, e a prova regularmente produzida basta para sustentar a convicção. Para haver prova proibida por provocação, seria necessário, tipicamente, demonstrar: (1) Intervenção activa da polícia (ou de terceiro por sua conta e risco) antes da resolução criminosa; (2) Sugestão/pressão que origina a decisão criminosa; (3) Nexo causal entre a instigação e a execução; (4) Inexistência de predisposição criminosa autónoma. No caso, o itinerário revela predisposição e plano prévio (retirada fora do circuito, ocultação em atrelado, logística de entrega), e a polícia não aparece a incitar, mas a vigiar e intervir em momento conclusivo. A ausência de identificação do “quinto” não prova (nem indiciariamente) os quatro elementos supra. A linha jurisprudencial do TEDH (v.g., Teixeira de Castro c. Portugal, 9.6.1998) — tem exigido sempre: (i) prova clara de instigação; (ii) nexo causal entre instigação e facto; (iii) ausência de predisposição anterior. A mera possibilidade de envolvimento policial encoberto não basta. Quando a polícia se limita a detectar condutas pré-existentes, não há provocação. Este padrão coaduna-se com o regime do art. 126.º CPP e com o papel do 355.º CPP na filtragem do que pode ou não ser valorado em julgamento. O acórdão apresenta exame crítico coerente: explicita quem viu o quê, quando e como (sequência das viaturas, corrida, ingresso no Seat, diligências subsequentes), e integra a prova pericial (quantificação e pureza). Neste quadro, a invocada “provocação” não encontra espaço lógico para operar como proibição por conexão, porque não existe “matriz ilícita” antecedente a contaminar as fontes probatórias valoradas. Sem provocação demonstrada, não há proibição de prova (art. 126.º CPP) e não há nulidade a operar. A convicção da 1.ª instância, formada segundo o art. 127.º CPP e ancorada em prova produzida (art. 355.º CPP), mantém-se. Termos em que improcede esta questão. * 4.1.2. Vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP e eventual in dubio pro reo. O art. 410.º, n.º 2, CPP consagra vícios intrínsecos da decisão, a extrair do texto do acórdão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem reponderação global da prova gravada — isso pertence à impugnação ampla do art. 412.º, n.º 3, com ónus próprios. A verificação de tais vícios é oficiosa, mas limitada ao que ressalta do texto da motivação/conclusões. E quais são os critérios operativos? (i) Insuficiência para a decisão: falta de factos essenciais para aplicar o direito; (ii) Contradição insanável: incompatibilidade lógica entre factos provados (ou entre provados e não provados) que inviabiliza a decisão; (iii) Erro notório: erro “que salta aos olhos” do leitor médio perante o texto, violando regras da experiência ou lógica. O in dubio pro reo decorre da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, CRP) e só actua quando o tribunal assuma ou revele uma dúvida insanável sobre factos essenciais; não é um critério de revaloração do probatório nem um “último recurso” sempre que a defesa discorde da convicção. Exige que a dúvida resulte do texto (ou do percurso lógico) e que, perante ela, o julgador ainda assim decida contra o arguido — o que, desde já se diga que tal não emerge do acórdão. Se o recorrente pretende discutir a prova (credibilidade de testemunhos, leitura de imagens, etc.), deve cumprir o art. 412.º, n.º 3 (concretos pontos e passagens gravadas). Não pode deslocar essa reavaliação para os vícios do 410.º/2. O acórdão elenca, com sequência lógica, o modus operandi aeroportuário, funções de cada interveniente, linhas temporais, mensagens, apreensões e perícias (quantidades/teores), permitindo a subsunção jurídica sem lacunas. Não há falta de factos essenciais (insuficiência) nem contradições internas. A noção de “erro notório” exige um desvio evidente às regras da experiência ou da lógica, visível no texto. O acórdão explicita o substrato racional da convicção, encadeando depoimentos presenciais, vigilância/CCTV e exames periciais. A motivação é congruente, afastando leituras ilógicas ou arbitrárias. O acórdão evidencia que o tribunal a quo não ficou em dúvida: a motivação afirma convictamente a matéria provada e identifica razões de credibilidade, pelo que não se abre o princípio in dubio pro reo. A decisão de 1.ª instância cumpre o dever de motivação (enumeração de provados/não provados e exame crítico dos meios que formaram a convicção). A observância deste preceito milita contra a verificação de vícios intrínsecos daquele tipo. Em suma: (i) Os vícios do art. 410.º, n.º 2 não resultam do texto do acórdão; (ii) A decisão cumpre o art. 374.º, n.º 2 e a livre apreciação (art. 127.º), com coerência lógico-probatória; (iii) Não emerge dúvida insanável que accione o princípio in dubio pro reo; (iv) A arguição de vícios visa, em rigor, reapreciar a prova, o que se reconduz — sem ónus cumpridos — ao domínio do art. 412.º, n.º 3; Improcede a pretensão do arguido/recorrente AA nesta parte. * 4.1.3. Impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP). A impugnação ampla da matéria de facto é uma via extraordinária de controlo da decisão de facto que o legislador subordinou a ónus rigorosos de delimitação do objecto do recurso. Não se trata de abrir um “segundo julgamento” com plena revaloração de toda a prova, mas de permitir que a Relação corrija a convicção da 1.ª instância quando o recorrente demonstra, com precisão técnica, que as provas concretas por si indicadas impõem decisão diversa. Daí o triplo ónus do art. 412.º, n.º 3, CPP: (i) especificar os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar; (ii) indicar as concretas provas que impõem decisão diversa (testemunhas, documentos, perícias e declarações de arguido); e (iii) no que respeita à prova pessoal gravada, identificar as passagens relevantes da gravação com referência temporal bastante (minutagem, início/fim, ou outro marcador objectivo que permita a audição célere e fiel pela Relação). É essa delimitação estrita que viabiliza o exercício útil dos poderes do tribunal ad quem (v. também os princípios da imediação e oralidade, a que se liga o art. 355.º CPP, e a livre apreciação do art. 127.º CPP), evitando que o recurso se converta em reedição indiscriminada da audiência. Da perspectiva funcional, o n.º 3 serve dois propósitos que a prática judicial confirma: por um lado, focaliza o escrutínio nos pontos verdadeiramente litigiosos; por outro, protege a estabilidade da decisão de facto quando o recorrente se limita a discordar da convicção, sem cumprir os ónus que a lei lhe impõe. A distinção com os vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP é aqui decisiva: aqueles vícios são intrínsecos ao texto do acórdão (insuficiência, contradição insanável, erro notório) e de conhecimento oficioso, extraindo-se “do texto por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”; já a impugnação ampla do art. 412.º, n.º 3 depende do cumprimento dos ónus formais pelo recorrente e permite uma renovação dirigida da apreciação probatória. Por isso, quem não observa esses ónus não abre a Relação à reavaliação ampla do probatório, ficando a cognição limitada à pesquisa de vícios de 410.º, n.º 2 e, naturalmente, às questões de direito. No plano material, o segundo elemento do ónus — “as provas que impõem decisão diversa” — não se satisfaz com remissões genéricas (“as testemunhas A, B e C disseram o contrário”) nem com transcrições extensas sem juízo crítico. A lei exige a correlação entre cada ponto de facto impugnado e os excertos probatórios concretos que, ou demonstram erro de percepção/valoração, ou, pelo seu conteúdo e fiabilidade intrínseca, impõem uma solução factual diferente. A exigência de minutagem não é formalismo esvaziado: ela substitui, no recurso, a imediação perdida, permitindo que a Relação ouça exactamente o que o recorrente reputa decisivo, no momento certo, com economia processual e fidelidade à fonte. Por isso, meras declarações de inconformismo, a invocação vaga de contradições, ou a apresentação de listagens de meios de prova sem ancoragem temporal e sem análise crítica, não bastam para accionar o mecanismo do 412.º, n.º 3 do CPP. In casu, o recorrente AA anuncia impugnação da matéria de facto, mas a sua motivação não satisfaz os três graus do ónus. Desde logo, a indicação dos concretos pontos de facto surge por vezes diluída em fórmulas conclusivas (“não resultou provado”, “a testemunha X desmentiu a versão”) em vez de autonomizar, por número e redacção, os segmentos do elenco de factos provados que pretende ver alterados. Depois, a invocação das provas que imporiam decisão diversa é genérica: o recorrente remete, em bloco, para declarações/testemunhos sem densificar o porquê da sua desconformidade face ao itinerário motivacional do acórdão (art. 374.º, n.º 2), nem explicitar contradições internas objectivas que resultem dos depoimentos. Por fim — ponto fulcral — não são indicadas as passagens gravadas com minutagem suficiente que permitam à Relação um reexame dirigido das fontes pessoais: ou não há qualquer referência temporal, ou as referências são tão amplas que obrigariam a audição integral das sessões, subvertendo a economia do mecanismo do recurso e a própria ratio do preceito. Nestas condições, a impugnação ampla não pode ser conhecida nos termos pretendidos, por incumprimento do art. 412.º, n.º 3 do CPP. Mesmo que, por cautela, se atendesse ao mérito de algumas objecções, o acervo probatório regularmente produzido e examinado — percepções presenciais das equipas policiais, vigilância/videovigilância aeroportuária, apreensões e perícias — revela-se coerente e suficiente para sustentar a narrativa fáctica acolhida, não se divisando, naquilo que é concretamente articulado, qualquer bloco probatório que imponha decisão diversa. Acresce que a motivação da sentença cumpre o art. 374.º, n.º 2, explicitando o exame crítico dos meios de prova e o seu encadeamento lógico, o que, por regra, reforça a resistência da decisão de facto a impugnações não densificadas. Recorde-se ainda que a eventual renovação de prova (art. 430.º CPP) depende de pressupostos que não se mostram verificados: não basta requerê-la; é necessário que da motivação do recurso ou do próprio texto da decisão emerja um fundado motivo para crer que a renovação esclarecerá ponto decisivo — o que não sucede quando falham, à partida, os ónus do 412.º, n.º 3 do CPP. Em suma, a impugnação ampla deduzida pelo recorrente AA não ultrapassa o crivo de admissibilidade material definido no art. 412.º, n.º 3, CPP, por ausência de especificação cumulativa dos pontos de facto, das provas que imporiam decisão diversa e das passagens gravadas com indicação temporal bastante; por isso, não pode ser conhecida nessa parte. Subsiste, naturalmente, o controlo de vícios do art. 410.º, n.º 2, que, porém, não se mostram verificados à luz do texto decisório, mantendo-se, em consequência, a decisão de facto tal como foi fixada em 1.ª instância. * 4.1.4. Medida concreta da pena (arts. 40.º e 71.º CP). A determinação da pena, em concreto, opera no quadro normativo dos arts. 40.º e 71.º do Código Penal, sob duas valências de (i) respeito pelo limite inultrapassável da culpa (art. 40.º, n.º 2) e (ii) satisfação das exigências de prevenção — geral positiva (de tutela da confiança comunitária no ordenamento) e especial (de socialização do agente) — aferidas à luz dos critérios legais do art. 71.º. Não se trata de uma matemática penal, mas de um juízo prudencial, motivado e controlável, a partir do grau de ilicitude do facto, do modo de execução, da intensidade do dolo, dos motivos que presidiram à conduta, das condições pessoais e económicas do agente, da sua conduta anterior e posterior aos factos, bem como de quaisquer outras circunstâncias que militem a favor ou contra o agente e não estejam já consideradas no tipo legal. A pena deve, pois, ser necessária e suficiente para a protecção dos bens jurídicos e para a reintegração do agente na sociedade, sem exceder a medida da culpa, mas também sem ficar aquém das exigências irrenunciáveis de prevenção. No caso do arguido/recorrente AA, a elevação muito acentuada da ilicitude sobressai desde logo do modus operandi e do contexto operativo: uma actuação inserida em circuito logístico altamente sensível, com aproveitamento de acesso funcional a zonas restritas aeroportuárias para frustrar os controlos, e com quantidade global muito significativa de estupefaciente, apontando para uma operação preparada, dotada de meios, repartição de tarefas e clara expectativa de inserção da substância no mercado ilícito. Esta configuração excede amplamente a pequena ou média traficância e revela perigosidade objectiva para os bens jurídicos da saúde pública e segurança colectiva, reforçando as exigências de prevenção geral: a comunidade tem de ver afirmada, de modo perceptível, a vigência da norma em face de um padrão de criminalidade organizada e de alto impacto. Também em sede de prevenção especial, a densidade e sofisticação do iter executivo evidenciam um grau de adesão ao ilícito que não se compatibiliza com soluções benevolentes ou com compressões relevantes do quantum sancionatório. No plano subjectivo, a intensidade do dolo é elevada. Não se vislumbra actuação por impulso ou arrastamento casual; antes uma adesão consciente a um plano prévio, com divisão de papéis e aproveitamento consciente de fragilidades do sistema de controlo aeroportuário. O dolo directo, projectado sobre um conjunto de actos concertados, agrava a censura ético-jurídica. Ao invés, elementos que tipicamente atenuariam — como confissão integral e sem reservas em fase oportuna, colaboração séria com a descoberta da verdade, arrependimento activo com interrupção do curso do crime ou reparação de danos — não se mostram, nesta sede, com a robustez necessária para deslocar sensivelmente o centro de gravidade da medida da pena. Circunstâncias pessoais eventualmente favoráveis (inserção familiar e laboral, ausência de antecedentes relevantes, idade, percurso formativo) podem e devem ser ponderadas, mas não neutralizam a gravidade do facto e o delineamento operacional acima descrito; no máximo, evitam a aproximação a patamares próximos do limite máximo abstracto, não impondo, porém, descida significativa para zonas de mínima compressão sancionatória. A culpa, enquanto limite normativo da pena, é elevada e não é excedida por uma resposta penal situada num grau médio-alto da moldura aplicável. A censura ético-jurídica que se extrai do conjunto de circunstâncias — alto grau de ilicitude, dolo intenso, perigosidade social da conduta e ausência de factores de forte contrapeso — legitima uma pena parcelar firmada acima do ponto médio do tipo base e, tendo presente a qualificativa/agravante aplicável, ainda claramente dentro do que a culpa tolera. Acresce que a finalidade preventiva (arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1) reclama uma resposta que desincentive práticas de infiltração logística em infra-estruturas críticas, pelas repercussões sistémicas que tais actuações transportam. Uma pena inferior, próxima do limiar mínimo, não realizaria de forma suficiente a tutela do ordenamento nem a contenção das expectativas negativas que tais esquemas fazem nascer na comunidade. No que concerne ao cúmulo jurídico (caso em que haja pluralidade de crimes em concurso), o art. 77.º impõe uma avaliação unitária, valorizando a relação de proximidade temporal, a homogeneidade de bens jurídicos atingidos e a unidade do plano criminoso. Onde exista um nexo funcional entre crimes (v.g., a detenção de arma proibida em contexto instrumental de protecção do circuito do tráfico), a pena conjunta deve reflectir a globalidade da ilicitude sem redundância punitiva, mas também sem esvaziar a acrescida perigosidade do conjunto. Neste quadro, uma pena única que se situe sensivelmente acima da mais elevada das penas parcelares e respeite a moldura resultante do concurso cumpre a teleologia do cúmulo: capta o desvalor adicional da actuação em conjunto e mantém a proporcionalidade. Os argumentos de redução perfilhados em no recurso — tipicamente ancorados em factores pessoais positivos, invocação de percursos de vida, ausência de antecedentes e pretensa marginalidade no plano — não impõem uma descida assinalável. Por um lado, porque o padrão de gravidade objectiva não é marginal, antes revelando inserção num circuito com logística definida; por outro, porque não foi carreado um acervo probatório robusto de colaboração útil, arrependimento eficaz ou outras circunstâncias excepcionais que, em face de exigências de prevenção geral altamente marcadas, pudessem deslocar a pena para patamares francamente medianos ou abaixo deles. A leitura conjugada dos arts. 40.º e 71.º aponta, pois, para a manutenção de um quantum que traduza a gravidade do caso e a intensidade da culpa, sem ceder a uma redução que perturbaria a função de estabilização de expectativas normativas. Em suma, ponderados os critérios do art. 71.º, à luz das finalidades do art. 40.º, a pena aplicada ao arguido AA mostra-se proporcional à sua culpa, necessária e suficiente à tutela do ordenamento e à prevenção, e adequadamente fundamentada no exame crítico dos factos e das circunstâncias. Não se verificam fundamentos jurídico-materiais que imponham redução relevante do quantum, devendo a decisão ser mantida nesta parte. * 4.1.5. Suspensão da execução da pena (art. 50.º CP). O art. 50.º, n.º 1, do Código Penal exige, como pressuposto objectivo, que a pena aplicada não exceda 5 anos. Mantendo-se, no caso, a pena fixada acima desse limite, inexiste o requisito legal indispensável, ficando juridicamente inviável a suspensão da execução da pena e prejudicada a apreciação dos demais pressupostos de natureza subjectiva (juízo de prognose favorável). * 4.2. CC 4.2.1. Nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP). A nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP) ocorre exclusivamente quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões (no sentido técnico de temas de decisão que condicionam o resultado jurídico do objecto do litígio) que devia apreciar — v.g., conhecimento do objecto do processo, qualificação jurídico-penal, medida e espécie da pena, aplicação (ou não) de regimes legais convocados e pertinentes, questões prévias e incidentais que obstem ao conhecimento do mérito. Não abrange a não apreciação, uma-a-uma, de argumentos, passagens de meios de prova ou considerações persuasivas apresentadas pelos sujeitos processuais. A distinção será entre questões (o que se decide) e argumentos (via argumentativa que cada sujeito sustenta a sua posição). O padrão de sindicabilidade é, pois, estrito: se o tribunal decidiu todas as questões decisivas, explicitando o fundamento jurídico e a apreciação global do acervo probatório relevante, não há omissão de pronúncia — ainda que não reproduza ou discuta em detalhe cada excerto de um relatório social, cada passagem de um depoimento, ou cada consideração de política criminal aduzida pelo recorrente. Diversas são, ademais, as nulidades de fundamentação (art. 374.º, n.º 2, CPP), ou os vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP (que têm regime próprio), não devendo ser confundidos com a nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. c). In casu, a argumentação do arguido/recorrente CC assenta na ideia de que o acórdão não considerou determinados segmentos do Relatório Social e, por isso, teria omitido pronúncia. Como se demonstrará infra, tal imputação não procede: (i) o acórdão tratou o tema do Regime Penal Especial para Jovens (RPEJ) e ponderou as circunstâncias pessoais e a personalidade; (ii) referenciou os relatórios sociais enquanto base de contextualização pessoal; e (iii) a defesa renunciou à impugnação ampla da matéria de facto, limitando o objecto do recurso à aplicação do Direito, o que torna incongruente a pretensão de “incluir” como «factos provados» asserções do relatório social via nulidade de omissão de pronúncia. O próprio recurso do arguido/recorrente CC declara que a motivação “vem restrita à aplicação do Direito”, não impugnando especificadamente a matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP) — “excepção feita” a menções ao Relatório Social, mas sem despoletar o regime formal de impugnação ampla (com identificação dos pontos de facto, provas e concretas passagens da gravação). Esta autolimitação invalida, à partida, pretensões de “recompor” a matéria de facto por via da nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. c), que não é instrumento de reconfiguração factual. O recorrente assumiu que os factos dados como provados espelham “fielmente” as ocorrências (com particular ênfase nos depoimentos policiais, videovigilância e apreensões), afastando voluntariamente o mecanismo próprio para atacar a base factual. A partir daqui, não é sustentável pretender que o tribunal incorreu em omissão de pronúncia por não haver deslocado, para o núcleo de factos provados, excertos favoráveis do Relatório Social. Tal inexiste como “questão” autónoma; seria, quando muito, matéria de impugnação de facto (que a defesa expressamente não exerceu) ou eventual crítica à fundamentação (art. 374.º, n.º 2). A nulidade do art. 379.º, n.º 1, al. c) não supre a falta de observância do regime do art. 412.º, n.º 3 do CPP. O acórdão aborda de modo expresso o Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) — condição central das conclusões do recorrente — e esclarece que o regime não é automático, dependendo de sérias razões de prevenção especial de socialização que justifiquem a atenuação especial da pena. Esta ratio é expressamente enunciada e aplicada ao caso concreto do arguido CC (20 anos à data), concluindo-se pela inaplicabilidade do regime à luz das circunstâncias do facto e do juízo de prognose que o tribunal realizou. Simultaneamente, o acórdão regista ter atendido aos Relatórios Sociais (DGRSP) para a caracterização pessoal e social — ponto que, aliás, o próprio recorrente transcreve, ao citar a passagem da “Motivação da decisão de facto” onde se refere que “relativamente à situação pessoal e económica dos arguidos, atendeu o Tribunal ao teor dos Relatórios Sociais […]”. Ou seja, não é verdade que o acórdão tenha ignorado o Relatório Social: considerou-o enquanto fonte contextual, sem lhe atribuir valor imperativo, como impõe o art. 127.º CPP (livre apreciação da prova). O recorrente sustenta que o tribunal desconsiderou o Relatório Social por não ter dado entrada em factos provados a afirmações como: regularidade e cumprimento (declaração da mãe), ausência de antecedentes, apoio familiar, projecto escolar, indicadores favoráveis e hipotética adequação de pena na comunidade. Porém, o tribunal não está juridicamente obrigado a transcrever ou acolher cada enunciado de um relatório social, menos ainda a converter em facto provado conclusões prognósticas ou juízos de valor do técnico. O Relatório Social não é perícia vinculativa; é um meio informativo, sujeito a livre apreciação, e o tribunal pode ponderá-lo globalmente, rejeitando total ou parcialmente as suas proposições sem incorrer em omissão — desde que enquadre juridicamente a decisão e fundamente o juízo final, o que ocorreu. Acresce que o acórdão apreciou a questão essencial colocada pela defesa (aplicação do RPEJ e a dosimetria) e explicou por que razão não se verificavam sérias razões de atenuação especial, em face da gravidade objectiva do tráfico agravado, do iter criminoso e da projecção preventiva exigível. Neste quadro, a ausência de menções individualizadas a cada frase “favorável” do relatório não se reconduz a omissão de questão; é, quando muito, dissenso sobre a valoração probatória e sobre o juízo de prognose — temas que a sentença tratou. O acórdão descreve o caminho probatório (intercepções visuais por videovigilância, actos de flagrante, autos e perícias, buscas sem apreensões relevantes quanto a CC, etc.), expondo o processo lógico-racional e a livre apreciação — com remissão a critérios de lógica e experiência. Esta arquitectura mostra a existência de um substrato racional e controlável, apto a satisfazer o art. 374.º, n.º 2, e contraria a ideia de que o acórdão seja “exígua” na motivação. A argumentação do recorrente verte substancialmente para a tese de que, ponderando as notas biográficas positivas (apoio familiar, projecto educativo, ausência de antecedentes, gravidez da companheira), deveria o tribunal ter concluído pela aplicação do RPEJ e, no limite, por uma pena suspensa (invocando mesmo um patamar de 3 anos e 6 meses). Isto é uma discordância quanto ao juízo de prevenção especial e à medida concreta da pena — não uma omissão de questão. O tribunal tratou o RPEJ, explicitou o critério condutor (“sérias razões” de reinserção com atenuação) e negou a sua aplicação no caso; tratou a medida da pena e explicitou, em termos de prevenção e culpa, o porquê do quantum. Logo, não houve omissão decisória: houve decisão desfavorável ao recorrente, com fundamentação. A pretensão de converter o Relatório Social em lista de factos provados por via da nulidade do 379.º é, portanto, processualmente imprópria e materialmente infundada: se o arguido/recorrente pretendia alterar a base factual, deveria ter accionado o art. 412.º, n.º 3, CPP (impugnação ampla), o que não fez. O recorrente sustenta que, ao não acolher certas asserções do Relatório Social, o tribunal teria “impedido” o contraditório. Tal raciocínio é circular: o contraditório ocorre na audiência (e ocorreu), com discussão das fontes e meios de prova; o acórdão não tem de reproduzir cada linha dos relatórios ou de justificar, uma a uma, todas as exclusões do elenco de factos provados, sobretudo quando se tratam de juízos prognósticos ou valorações (e não factos nucleares típicos). A objecção confunde dever de pronúncia com dever de adesão aos argumentos da parte. Não há direito fundamental a que o acórdão transcreva todas as passagens “favoráveis” para as converter em factos. Por outro lado, o próprio acórdão assinala que atendeu aos Relatórios Sociais e, no capítulo do RPEJ, explicou por que, apesar dos elementos positivos, o juízo de prognose não se formou em sentido suficiente para a atenuação especial. Isso fecha a “questão” que o tribunal a quo tinha de decidir. O recorrente tenta introduzir, em sede recursória, um documento sobre a gravidez da companheira (invocando o art. 425.º CPC ex vi art. 4.º CPP), sugerindo que o tribunal a quo deveria tê-la considerado. Seja qual for a avaliação sobre a admissibilidade do documento superveniente, isto não caracteriza omissão de pronúncia do acórdão sob censura: a nulidade do 379.º, n.º 1, al. c), aferida no momento da prolação da decisão, não pode fundar-se em elementos não presentes nos autos à data ou apresentados apenas em recurso. O argumento é, pois, irrelevante para o vício invocado. Mesmo no plano material, a circunstância não impõe automaticamente um juízo de prognose favorável para o RPEJ ou para suspensão de execução; trata-se de um entre vários dados pessoais, a valorar globalmente no quadro das finalidades preventivas e do limite da culpa — exactamente o que o acórdão fez ao negar vantagens suficientes da atenuação. Em certos passos, o recurso sugere uma contradição interna do acórdão (v.g., reconhecimento de apoio familiar vs. utilidade limitada desse apoio para reinserção; referência à personalidade revelada). Ainda que hipoteticamente se tratasse de uma tensão argumentativa, isso não é omissão de pronúncia: tratar-se-ia, no universo do art. 410.º, n.º 2 do CPP, de oposição entre fundamentos e decisão ou insuficiência — vícios que são de conhecimento oficioso mas que exigem extracção do texto da decisão e têm regime próprio, sem contaminação automática do art. 379.º do CPP. In casu, o acórdão expõe o iter lógico (gravidade do tráfico agravado, padrão operativo, exigências de prevenção), afasta o RPEJ e fixa a pena com base em parâmetros legais, sem hiato decisório. O recurso inclui considerações de política criminal (p. ex., eficácia da prisão, “efeito intimidatório”, condições prisionais) que, independentemente do interesse no debate público, não se traduzem em questões que o tribunal a quo tivesse de decidir sob pena de nulidade. O tribunal não tem dever de responder a argumentos de natureza opinativa ou de política criminal apresentados em abstracto; tem, sim, de decidir as questões jurídicas: qualificação, medida da pena, RPEJ, suspensão, etc. Ao tê-lo feito, não omitiu pronúncia. Last but not least: A invocação subsidiária de “deficiente fundamentação” (art. 374.º, n.º 2 do CPP) foi, de facto, ensaiada na motivação, mas sem consistência face à extensíssima motivação do acórdão, que enumera meios de prova, descreve os autos e perícias, e traça o processo lógico (livre apreciação, lógica e experiência). A remissão voluntária do recorrente para um recurso apenas de direito e a não impugnação da matéria de facto reforçam a inidoneidade do caminho escolhido para alterar o resultado. Face ao exposto, é de rejeitar a invocada nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP), por inexistência do respectivo pressuposto legal. * 4.2.2. Inconstitucionalidade material: • – do art. 370.º, n.º 1 CPP (com os arts. 1.º, al. g), e 127.º CPP) quanto à valoração “selectiva” do relatório social; • – do art. 4.º do DL 401/82, tal como interpretado in casu, por alegada violação dos arts. 13.º, 18.º e 32.º CRP e 6.º CEDH. A arguição desta temática parte de um equívoco de base: o controlo de constitucionalidade incide sobre normas ou interpretações normativas identificáveis, não sobre o mero desacordo do recorrente com a valoração probatória ou com o resultado decisório. Ao Tribunal compete verificar se a norma aplicada — ou a interpretação dela extraída e seguida pelo julgador — colide necessariamente com um parâmetro constitucional. Não basta, pois, dizer que o tribunal valorizou selectivamente um relatório social ou que negou o regime de jovens; é indispensável indicar que leitura normativa se reputa inconstitucional, porquê e em que medida essa leitura era a única possível no caso. Nada disso é densificado na motivação so recurso. No que respeita ao primeiro segmento (art. 370.º, n.º 1, em conjugação com os arts. 1.º, al. g), e 127.º CPP), a Constituição e o CPP não estabelecem qualquer dever de acolhimento integral do conteúdo de relatórios sociais, nem lhes conferem força vinculativa. O relatório social é um meio informativo sujeito ao princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º CPP) e deve ser ponderado globalmente, em articulação com todo o acervo probatório, e fundamentadamente (art. 374.º, n.º 2 CPP). A chamada valoração selectiva é, justamente, a essência da função jurisdicional: seleccionar o que é relevante, fiável e decisivo, descartar o que é redundante ou conclusivo, graduar a força de convicção e explicar por que se chega ao resultado. A Constituição da República Portuguesa exige motivação racionalmente controlável, não integração automática de documentos periciais ou sociais no elenco dos factos provados. Por isso, não há qualquer colisão com o art. 1.º, al. g), CPP ou com o art. 370.º, n.º 1: o juiz não tem de transcrever cada passagem favorável do relatório, nem de a converter em facto provado, bastando que mostre ter ponderado o seu conteúdo e que fundamente a sua opção final. A pretensão de constitucionalizar um dever de integralidade na valoração de relatórios sociais transformaria um instrumento auxiliar de diagnóstico num título vinculativo, incompatível com o modelo de imediação, oralidade e livre convicção motivada que estrutura o julgamento penal. Assim, onde o acórdão evidencia que atendeu aos relatórios sociais enquanto fonte de caracterização pessoal e, ainda assim, fundadamente não acolheu certas afirmações conclusivas (prognoses, juízos valorativos) para o elenco fáctico — por cotejo com outros meios de prova e com as finalidades de prevenção — não há omissão de garantias, nem arbitrariedade, nem, muito menos, inconstitucionalidade. Acresce que a tese do recorrente confunde a dimensão formal do dever de fundamentação com um inexistente dever material de adesão às suas leituras probatórias. O art. 374.º, n.º 2 CPP, lido à luz do art. 32.º, n.º 1 CRP, impõe que o tribunal enumere os factos, indique as provas e exponha o exame crítico, não que responda um a um a todos os argumentos, ou que incorpore em factos provados cada juízo prognóstico constante de relatórios. A verificação constitucional é, pois, simples: se houve contraditório efectivo sobre o relatório, se a decisão o conheceu e o apreciou em termos globalmente suficientes, e se o percurso lógico-juridico é controlável em recurso, o due process está satisfeito (art. 32.º CRP; art. 6.º CEDH). Dizer que a Constituição impõe valoração não selectiva é substituir a cláusula da livre apreciação por um automatismo probatório que a própria Constituição repele. No segundo segmento — alegada inconstitucionalidade do art. 4.º do DL 401/82 tal como interpretado in casu à luz dos arts. 13.º, 18.º e 32.º CRP e 6.º CEDH — a argumentação também não procede. O Regime Penal Especial para Jovens (RPEJ) é um regime favorável e facultativo: não cria qualquer direito subjectivo automático à atenuação especial; sujeita a sua aplicação à verificação de sérias razões de prevenção especial de socialização, aferidas casuisticamente pelo tribunal, em função da gravidade do facto, da personalidade, do modo de execução e dos indicadores reais de ressocialização. Esta arquitectura é constitucionalmente legítima e harmoniza-se com as finalidades da pena (art. 40.º CP) e com os critérios de individualização (art. 71.º CP): a Constituição não proíbe que o legislador condicione um benefício a pressupostos materiais exigentes, desde que objectivos, racionais e controláveis. Não há violação do princípio da igualdade (art. 13.º CRP): o critério do RPEJ (idade mais (+) sérias razões de ressocialização) é objectivo, aplica-se igualmente a todos os jovens e deixa ao juiz uma margem de prudente apreciação para a sua concretização, em função de dados individualizados. Diferenciar situações diferentes (p. ex., casos de elevadíssima ilicitude, organização e dolo intenso, com fragilizações na ressocialização) não é discriminar; é individualizar. Também não há violação da proporcionalidade (art. 18.º CRP): a recusa do RPEJ, quando fundamentada em dados do caso que apontam para exigências acentuadas de prevenção e prognose desfavorável, é adequada à tutela dos bens jurídicos, necessária porque inexistem meios menos gravosos que alcancem o mesmo fim com igual eficácia, e proporcional em sentido estrito porque o sacrifício do benefício (atenuação) é justificado pelo elevado desvalor do facto e pela ausência de indicadores robustos de socialização. Por fim, não há violação do direito a um processo equitativo (art. 32.º CRP; art. 6.º CEDH): o arguido acedeu ao relatório, contraditou-o em audiência, requereu a aplicação do RPEJ, obteve decisão fundamentada e exercitou recurso. Este iter não confere um direito a que o tribunal atribua ao relatório o peso que a defesa deseja; confere o direito a que esse relatório seja ponderado lealmente e a que a decisão seja explicada e recorrível — o que sucedeu. De resto, a invocação de interpretação inconstitucional do art. 4.º do DL 401/82 pressuporia demonstrar que o tribunal teria aderido a uma leitura necessária e geral no sentido de negar tout court o regime em presença de elevada ilicitude. Não é isso que resulta do acórdão: o que se lê é uma ponderação concreta, que reconhece elementos pessoais positivos, mas conclui, em função do caso, pela inexistência de sérias razões que reclamem a atenuação especial, dado o modus operandi, a quantidade e perigosidade do tráfico, a intensidade do dolo e as exigências preventivas. Essa leitura é conforme à Constituição e não automatiza a recusa; individualiza a resposta. Em suma: (i) a imputação de inconstitucionalidade por valoração selectiva do relatório social confunde livre apreciação motivada com um inexistente dever constitucional de integração total; (ii) a arguição dirigida ao art. 4.º do DL 401/82 transforma discordância probatória e pretensão num vício normativo que não existe; (iii) a decisão recorrida cumpre o dever de fundamentação e os parâmetros constitucionais de igualdade e proporcionalidade; (iv) não se identificou nenhuma interpretação normativa necessária incompatível com a CRP ou com a CEDH. Por conseguinte, as invocadas inconstitucionalidades materiais são julgadas improcedentes, mantendo-se a decisão recorrida quanto à ponderação do relatório social e quanto à não aplicação do RPEJ. * 4.2.3. Qualificação/agravante do art. 24.º, al. c), do DL 15/93. A agravação não exige a demonstração de um quantum pecuniário exacto, nem a prova directa de que a compensação foi efectivamente recebida; basta a verificação, por via indiciária e contextual, de que a actuação do agente se inseriu num nível de tráfico cuja escala, organização e valor económico expectável tornam inequívoca a obtenção ou, pelo menos, a procura de uma compensação avultada. A cláusula “procurava obter” tem alcance próprio: cobre os casos em que a retribuição, embora não documentada ou não apurada numericamente, se mostra necessária e racionalmente expectável face ao papel desempenhado e ao volume e qualidade do estupefaciente, à fase da cadeia em que o arguido intervém e à logística envolvida. Assim, a aferição da “avultada” faz-se globalmente, com recurso a indicadores objectivos (quantidade e pureza da droga, valor de mercado aproximado, sofisticação do modus operandi, posição funcional na operação, proximidade à origem ou aos elos de maior margem), e não por uma impossível contabilidade de lucros em ambiente clandestino. Aplicando estes critérios ao caso em apreço, resulta incontroverso que a operação dizia respeito a cerca de 50 kg de cocaína1, com teores de pureza elevados, extraídos a montante dos controlos no circuito aeroportuário e destinados a rápida colocação no exterior. Trata-se de um primeiro anel da cadeia — a extracção e a passagem para fora do perímetro de fiscalização — que, por definição, só é confiado a intervenientes cuja retribuição esperada ultrapassa em muito os patamares do pequeno ou médio tráfico. A escala (quantitativa e logística) e o risco operacional inerente a esse momento inicial torna insustentável dizer que a intervenção seria remunerada em valores residuais; ao invés, impõem a conclusão de que o(s) interveniente(s) obtiveram ou procuravam obter uma compensação avultada, em consonância com a economia do tráfico de grande dimensão. A inexistência de prova do montante exacto que cada arguido receberia não fragiliza a subsunção: o direito penal probatório aceita inferências necessárias quando o conjunto de indicadores objectivos convergem no sentido de um resultado único e razoável (aqui, a avultada contrapartida). Esta linha de argumentação carece, por isso, de fundamento. Primeiro, a alegação de que não se provou o valor, podendo ser baixo confunde prova do valor com prova da contrapartida avultada. O que a lei reclama é um juízo qualitativo robusto sobre o nível remuneratório esperado, que, no contexto de uma operação com este desenho e magnitude, não pode ser senão elevado. Segundo, o argumento da mera operacionalidade não procede: a al. c) não reserva a agravante aos proprietários da droga, aos financiadores ou ao topo da rede; abrange qualquer agente que, no papel que desempenha, obtenha ou procure obter compensação avultada. Justamente porque a fase executiva em que o arguido/recorrente CC se situou é de alto risco e alto valor para a rede, a expectativa de retribuição é, por si, avultada, ainda que o grosso do lucro final se realize em etapas subsequentes da distribuição. Terceiro, a tentativa de esvaziar a al. c) por via da inexistência de uma condenação por associação criminosa é irrelevante: a qualificativa não depende da verificação de tal crime; basta o quadro objectivo de uma operação organizada e altamente rentável, do qual decorre, com a segurança exigível, a contrapartida avultada visada. Quarto, a invocação de eventuais predicados pessoais (idade, apoio familiar, ausência de antecedentes) é matéria própria da medida concreta da pena (arts. 40.º e 71.º CP) e não interfere com a tipicidade agravada: a al. c) é uma circunstância objectivo-descritiva, focada no plus económico associado ao modo de execução, e não um juízo sobre a personalidade do agente. Importa ainda referir duas considerações finais. Não há “bis in idem” com o art. 21.º: o tipo base descreve condutas (produzir, vender, transportar, etc.); a al. c) agrega um elemento de censurabilidade acrescida ligado ao benefício económico avultado que o agente visa ou aufere com o tráfico em grande escala. A quantidade e a pureza — embora não preencham, por si, a al. c) — funcionam como indicadores relevantes da escala e, logo, da remuneração expectável; o seu uso aqui é indiciário, não cumulativo na mesma perspectiva valorativa. Também não procede a ideia de que a qualificação exigiria prova documental de pagamentos ou confissões sobre valores: a natureza clandestina do fenómeno e a estrutura da al. c) sempre admitiram a prova indiciária forte, extraída de factos objectivos e do lugar funcional ocupado pelo arguido na operação. Conclui-se, assim, que a agravante do art. 24.º, al. c), do DL 15/93 se encontra preenchida: a intervenção do arguido integrou-se numa operação de grande dimensão e elevado valor, em fase nuclear da cadeia, da qual resulta, com o grau de certeza exigível num processo penal, que obteve ou procurava obter uma compensação remuneratória avultada. A argumentação do recorrente — ancorada na ausência de prova de um montante específico, na autocaracterizarão como “mero operacional” ou na inexistência de associação criminosa — não desarticula os indicadores objectivos que suportam a subsunção. Será, por isso, de manter a qualificação agravada nesta parte. * 4.2.4. Medida da pena – com especial enfoque no Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) e em eventual atenuação especial. A determinação da pena realiza-se sob o quadro dos arts. 40.º e 71.º do Código Penal: a pena há de ser necessária e suficiente à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente, sem exceder a medida da culpa. Este juízo de prudência concretiza-se mediante a valoração do grau de ilicitude, do modo de execução, da intensidade do dolo, dos motivos e das condições pessoais do arguido, bem como da sua conduta anterior e posterior aos factos e de quaisquer outras circunstâncias relevantes não integrantes do tipo. No caso, o tribunal expõe a metodologia típica da medida da pena e, em segmento autónomo, aprecia o Regime Penal Especial para Jovens (RPEJ), porquanto o arguido CC tinha 20 anos à data dos factos. O art. 4.º do DL 401/82 dispõe, em termos gerais, que se for aplicável pena de prisão, o juiz atenua especialmente a pena, nos termos do CP, quando tiver sérias razões para crer que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção do jovem; o acórdão sublinha, com apoio no preâmbulo do diploma, que o regime visa um direito mais reeducador do que sancionatório, mas não é automático, nem decorrente apenas da idade, impondo um juízo de prognose favorável ancorado em elementos factuais provados. Este juízo de prognose – requisito decisivo do RPEJ – não é um automatismo benevolente, mas uma convicção objectivamente fundada de que a atenuação especial favorece a reinserção. Por isso, a avaliação há de considerar: (i) a natureza e o modo de execução do crime e os respectivos motivos; (ii) os traços de personalidade revelados pelo facto e em audiência; (iii) a conduta anterior e posterior; e (iv) as condições pessoais, familiares e profissionais relevantes para a inserção social. É esta a grelha seguida no acórdão, que recorda ainda que a atenuação especial só deve ser utilizada quando a moldura comum se revele excessiva para realizar os fins de socialização do jovem. Transpondo este critério autos, o tribunal a quo conclui que não existem sérias razões para crer que uma atenuação especial traga vantagens à reinserção de CC. Em síntese, evidencia-se: ilicitude muito elevada do facto, intensa censura da culpa, exigências marcadas de prevenção especial e traços de personalidade revelados no iter delituoso que desaconselham a diminuição adicional do desvalor penal. O acórdão explicita que, perante a gravidade do modus operandi e a inserção funcional do arguido na operação, a atenuação especial poderia neutralizar a interiorização do desvalor e frustrar a finalidade reeducativa, tornando a pena resultante incapaz de promover a adesão aos valores jurídico-penais. Com base nesses factores, nega o RPEJ por ausência do pressuposto de prognose favorável objectivamente sustentado. O recorrente contrapõe que o Relatório Social e vários dados pessoais (apoio familiar, ausência de antecedentes, projecto de vida, gravidez da companheira) imporiam decisão diversa. Porém, a decisão não ignora o relatório, antes o pondera como meio informativo sujeito à livre apreciação (art. 127.º CPP), integrando-o no exame global; o que rejeita é a sua força vinculativa para, por si, determinar a aplicação do RPEJ. O acórdão explica, em termos coerentes, que a positividade do enquadramento familiar não obstou à prática dos factos e que o respectivo contributo para a reinserção é, por isso, limitado; e que, ponderadas as finalidades preventivas e os dados do caso, não se formou a convicção – exigida por lei – de que a atenuação especial facilitaria a reinserção. Também não procede a premissa de que o tribunal teria omitido questão ou falhado a motivação. O acórdão aborda expressamente o RPEJ, transcreve o respectivo critério legal, convoca a razão de ser do regime e justifica a recusa em face do caso concreto, cumprindo o art. 374.º, n.º 2, CPP (enumeração de provas e exame crítico) e dirimindo a questão suscitada. A tentativa de constitucionalizar um direito subjectivo ao RPEJ – por via de igualdade e proporcionalidade– não encontra base normativa. O regime é favorável e condicionado: há um poder-dever de indagação (o tribunal tem de averiguar se se verificam sérias razões), mas não há direito automático à atenuação. No caso, o tribunal indagou e fundamentou a inexistência dessas razões, afastando, por isso, o regime especial. A discordância do recorrente recai sobre a valoração (peso a dar ao relatório e às circunstâncias pessoais), não sobre a norma: é matéria de mérito, não de inconstitucionalidade. Quanto à medida concreta da pena fora do RPEJ, a moldura aplicável ao crime de tráfico, conjugada com a qualificativa da compensação avultada, e os factores do art. 71.º CP, justificam um quantum superior ao patamar proposto pelo recorrente. A ilicitude muito elevada, o modo de execução inserido em logística organizada e o dolo intenso fazem deslocar a pena para um sector não marginal da moldura. Os elementos pessoais positivos (apoio familiar, ausência de antecedentes) foram considerados, mas não têm densidade bastante para neutralizar as exigências de prevenção geral e especial; ao invés, impedem apenas a aproximação a máximos abstractos. Esta ponderação surge explicada no acórdão, não se verificando desvio ao quadro constitucional do art. 40.º CP. No plano recursório, note-se, como já referimos supra, que a defesa autolimitou o recurso à aplicação do Direito, renunciando à impugnação ampla da matéria de facto (art. 412.º, n.º 3, CPP). Assim, reiterando mais uma vez, não poderia agora pretender reconfigurar a base factual – v.g., por via de passagens do Relatório Social – para, desse modo, forçar a prognose favorável do RPEJ. A crítica, para proceder, careceria de demonstrar erro de direito na subsunção do critério legal: não o faz, porquanto o acórdão aplicou o padrão correcto (sérias razões objectivamente fundadas) e motivou a recusa com base nos factos provados. Em conclusão, o enfoque na reinserção que inspira o DL 401/82 foi observado: o tribunal ponderou o regime, procurou as sérias razões e não as encontrou, com fundamentação coerente. A decisão quanto ao quantum da pena alinha com os critérios do art. 71.º CP, não excede a culpa e satisfaz as exigências preventivas que os factos impõem. A pretensão de aplicar RPEJ – e, por via dele, conduzir a pena a níveis que permitissem suspensão – não tem apoio no texto decisório nem no padrão legal: faltou a prognose favorável que a lei exige. Deve, pois, manter-se a solução recorrida quanto à medida concreta da pena e à não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, julgando improcedente o segmento recursório nesta parte. * 4.2.5. Suspensão da execução da pena (art. 50.º CP). O art. 50.º, n.º 1, do Código Penal exige, como pressuposto objectivo, que a pena aplicada não exceda 5 anos. Mantendo-se, no caso, a pena fixada acima desse limite, inexiste o requisito legal indispensável, ficando juridicamente inviável a suspensão da execução da pena e prejudicada a apreciação dos demais pressupostos de natureza subjectiva (juízo de prognose favorável). * 4.3. DD 4.3.1. Nulidade por violação do art. 355.º CPP com reflexo no art. 119.º, al. c) CPP. A nulidade por violação do art. 355.º CPP pressupõe que o tribunal tenha fundado a sua convicção em prova não produzida em audiência, substituindo de forma indevida a produção oral e contraditória por leitura de peças do inquérito (salvo as excepções dos arts. 356.º e segs.). O que está em causa no recurso do arguido DD é a afirmação de que o tribunal teria valorado informação proveniente de uma operadora de CCTV que não depôs (inspectora-chefe ...), designadamente para fixar a marca horária das 07h18 referida no ponto 24 da matéria de facto, concluindo por isso que a prova não teria sido produzida perante o colectivo (violação de imediação e, por essa via, nulidade insanável do art. 119.º, al. c), CPP). Esta premissa não resiste ao texto do acórdão. Na secção em que o tribunal elenca a “prova produzida e a valorar”, são identificados, como prova base: (i) os autos de visionamento de registos do circuito de videovigilância do Aeroporto ... de ........2024, entre as 05h33 e as 07h35, fls. 932–1022, com menção expressa do suporte técnico em fls. 1023; e (ii) os autos de visionamento do dia ........2024, entre as 03h50 e as 07h10, fls. 1187–1238, com suporte em fls. 1240; além de múltiplos autos de busca/apreensão e relatórios periciais. O tribunal regista, textualmente, que por essas imagens “é perceptível a actuação” dos arguidos CC e DD e “toda a dinâmica por eles aí empreendida” nesse período. Trata-se, pois, de prova exibida/documentada e produzida em julgamento, escolhida como fonte probatória da reconstituição cronológica. A mesma arquitectura probatória é reiterada em passagem anterior do acervo, onde se refere ainda um auto de visionamento de ........2024 entre as 05h33 e as 07h36, fls. 170–190, relativo à entrada de BB e CC e à dinâmica subsequente (segmento que coexiste com os autos mais extensos a fls. 932–1022 e 1187–1238). Esta duplicação não altera a conclusão: a cronologia — incluindo marcas horárias — assenta em vídeo, com auto e suporte identificados por fls., e não em “relatórios” não produzidos. A estas fontes objectivas somam-se testemunhos directos colhidos em audiência — com destaque para os inspectores KK e SS — que descreveram a vigilância no exterior, a saída da carrinha ..., o seguimento por BMW e Seat, a encosta, a fuga apeada de dois indivíduos e a subida para o Seat, bem como as razões pelas quais não anotaram a matrícula no momento (foco em garantir a droga, fracções de segundo, stress operacional). Estes depoimentos foram valorados como claros, circunstanciados e credíveis e integram, explicitamente, a base de convicção do tribunal. Daqui decorrem duas consequências jurídicas. Primeira: não se verifica o pressuposto fáctico da arguição — o tribunal não fundou a decisão em “comunicações de CCTV” não produzidas; fundou-a em vídeo (com autos de visionamento e suportes juntos por fls. e produzidos em audiência) e em testemunhos presenciais devidamente contraditados. Segunda: a referência temporal (incluindo a hora-minuto das 07h18 invocada pelo recorrente a propósito do ponto 24) é compatível e típica de reconstituições assentes em suportes vídeo com ... e em autos que descrevem sequências; não há lógica nem necessidade em imputar tal precisão a um “relatório de operadora” que nem sequer foi indicado como fonte probatória na motivação. O silogismo “há 07h18 ⇒ houve relatório não produzido ⇒ nulidade” é, assim, falso. O próprio teor da fundamentação confirma o cumprimento do art. 374.º, n.º 2, CPP: o acórdão enumera os meios (incluindo autos por fls. e suportes) e expõe o exame crítico que correlaciona as imagens com os depoimentos e os demais autos (buscas, apreensões, exames). Afasta-se, portanto, qualquer hipótese de leitura proibida pelos arts. 356.º e segs.: não há notícia de leitura em substituição da prova pessoal, nem de transferência de peças de inquérito como única base de factos. A imediação (produção em audiência perante o colectivo) e a publicidade foram observadas, o que inviabiliza a convocação da nulidade insanável do art. 119.º, al. c), CPP. É certo que, em audiência, um inspector referiu que os colegas da CCTV foram transmitindo movimentações — isto é, contexto operacional de vigilância — e que, a dado passo, foi mencionado o nome da operadora .... Mas essa referência não transforma tais transmissões em fonte probatória exclusiva da cronologia; nem equivale a prova de inquérito não produzida. O que foi produzido e valorizado foram os vídeos com auto e suporte (fls. 170–190; 932–1022; 1187–1238; suportes em fls. 1023 e 1240) e os depoimentos dos inspectores que viram e actuaram no terreno, sob contraditório. Nada no acórdão dá a entender que a convicção tenha sido ancorada em escritos internos da CCTV não trazidos à audiência. Também falha a tentativa de reconduzir o tema à ocultação de prova ou à necessidade de renovação de prova (art. 430.º CPP) para inquirição, em recurso, da operadora .... Como o Ministério Público salientou, renovar prova pressupõe, em regra, a verificação de vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP saídos do texto do acórdão — que não ocorrem — e, ademais, a demonstrada pertinência da diligência que se pretende. Aqui, o núcleo factual foi firmemente construído com vídeo e testemunhos, pelo que a alegada falta de um depoimento não destrói a produção validamente realizada, nem converte a prova produzida em prova proibida para efeitos do art. 355.º. Aliás, a leitura atenta dos depoimentos reduz a pó a narrativa de “horas obtidas por relatório alheio”. O inspector MM descreve a sequência espacial e temporal no exterior, a posição relativa das viaturas (..., BMW, Seat), a fuga e a recolha para o Seat, e as diligências infrutíferas para capturar a matrícula naquele instante (opção operacional por não perder a droga, fracções de segundo, stress), enquanto o inspector NN explica por que motivo não se fixou a matrícula nesse momento, tudo em coerência com as imagens visionadas e com o que depois foi apreendido. Isto é imediação em estado puro, não “valoração de relatório”. A argumentação de que a precisão horária denunciaria, afinal, a existência de “agente provocador” é deslocada e já foi julgada improcedente pelo tribunal, precisamente com base na prova testemunhal directa e na videovigilância. Tentar reentrar por aqui, com rótulo de 355.º/119.º, não altera a base legal nem os factos produzidos e motivadamente valorados. No plano estritamente jurídico, a previsão do 355.º cumpriu-se: (i) identificação das fontes probatórias produzidas (vídeos com autos por fls. e suportes identificados; testemunhos presenciais) — fls. 170–190, 932–1022, 1187–1238; suportes 1023 e 1240; (ii) inexistência de leitura substitutiva de peças do inquérito; (iii) exame crítico conforme ao art. 374.º, n.º 2, CPP; (iv) imediação e publicidade observadas (logo, não verificação do art. 119.º, al. c)). A conclusão é linear: não há violação do art. 355.º; não há, por isso, nulidade insanável. Finalmente, sublinhe-se que o próprio recurso do arguido DD revela tratar-se, no essencial, de discordância valorativa e de tentativas de reabrir matérias (p. ex., “agente provocador”, “cronologia impossível sem relatório”) alheias ao específico vício de não produção de prova. O que o acórdão mostra é que a decisão assentou na livre apreciação de prova regularmente produzida em audiência, em harmonia com o art. 127.º CPP. Fazer derivar de uma hora-minuto a nulidade de todo um segmento probatório produzido é um salto lógico que a lei processual não autoriza. Em síntese, a nulidade invocada é, por conseguinte, julgada improcedente. * 4.3.2. Vícios do art. 410.º, n.º 2 CPP (erro notório/insuficiência) e violação do princípio in dubio pro reo. Como já supra-referido, a invocação dos vícios do art. 410.º, n.º 2 CPP obedece a um crivo estrito: são anomalias internas do discurso decisório, que têm de resultar do texto da decisão recorrida “por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”, não servindo para reabrir a livre apreciação da prova nem para sindicar a credibilidade das fontes à luz de leituras alternativas do recorrente. É também esse o pressuposto que condiciona qualquer pedido de renovação da prova (art. 430.º CPP): a renovação depende de vícios do 410.º, n.º 2 do CPP saídos do acórdão, o que não se verifica no recurso do ora recorrente. No plano do erro notório (art. 410.º, n.º 2, al. c)), só há erro notório (perdoe-nos o pleonasmo) quando, pela simples leitura da fundamentação, “salta aos olhos” uma violação das regras da lógica/experiência ou um juízo ilógico, arbitrário ou contraditório – e não quando o recorrente apenas discorda da valoração feita pelo julgador. O Ministério Público recorda a fórmula clássica de Simas Santos e Leal-Henriques e a jurisprudência que a aplica: o vício existe quando se dão como provados factos que, pelas regras da vida, não poderiam ter ocorrido, ou quando a decisão colide frontalmente com prova plena não impugnada. Nada disso ocorre aqui. O acórdão cumpre, sem reservas, o art. 374.º, n.º 2 CPP: enumera os factos provados e não provados, identifica a prova “produzida e a valorar” (em especial, os autos de visionamento de videovigilância do ... – fls. 170–190, 932–1022 e 1187–1238, com suportes em fls. 1023 e 1240) e expõe um exame crítico que articula as imagens com os depoimentos directos dos inspectores da PJ (v.g. SS e KK). Além disso, a motivação enfrenta a temática da versão da “coacção” e explica, com recurso às regras da experiência, por que razão não mereceram credibilidade. Não há salto lógico nem contradição interna: o raciocínio é linear e ancorado em meios regularmente produzidos em julgamento, sob contraditório, de acordo com o art. 127.º CPP. A alegação de insuficiência para a decisão (art. 410.º, n.º 2, al. a)) também não procede. Há insuficiência quando o acervo de factos provados não cobre os elementos essenciais do tipo ou não sustenta os juízos essenciais da decisão. Aqui, a decisão descreve – com base em vídeo e testemunhos – a dinâmica de extracção e transporte das malas, a intervenção funcional dos arguidos, a sequência exterior (encosta, fuga, entrada no Seat), as apreensões e a confirmação pericial, bastando para a subsunção ao art. 21.º (e à agravação do art. 24.º, al. c), que o tribunal fundamenta autonomamente). Não há lacunas factuais impeditivas da conclusão de direito: antes pelo contrário, a motivação é explícita quanto ao modo de execução, dolo e inserção na operação. No que respeita ao in dubio pro reo, o princípio só é convocável quando o tribunal assume estado de dúvida e, não obstante, decide contra o arguido. O Ministério Público sublinha – e o texto decisório confirma – que o colectivo não ficou em dúvida sobre os factos essenciais imputados ao arguido DD; pelo contrário, formou convicção expressando-a convictamente e explicitando por que não acolheu a narrativa de coacção moral. Não se mostra, pois, qualquer dúvida razoável reconhecida na sentença que devesse operar pro reo. Invocar in dubio sem apontar, no texto, lugar de dúvida assumida é deslocar o princípio para um plano de mera discordância valorativa – que o art. 127.º e a estrutura dos recursos não acolhem. É, aliás, nesse ponto que colapsa a linha argumentativa do recurso centrada na coacção. O tribunal explica por que reputou inverosímil a versão do arguido: nenhuma prova a sustentou; é incompatível com a escala e logística do tráfico em causa; e é contrariada pelo circuito objectivo captado em vídeo e pelos depoimentos colhidos em audiência (v.g., a sequência de aproximação às viaturas, fuga e reentrada no Seat, e a própria actuação do arguido no local). Isto não é prova impossível exigida ao arguido; é a rejeição motivada de uma versão que não encontrou suporte nos autos. Não há, pois, erro notório por violação das regras da experiência (o tribunal até invoca essas regras para afastar a alegação) nem dúvidas que imponham absolvição. O recorrente tenta ainda sugerir que a precisão de certas marcas horárias (v.g., o minuto em que ocorre a encosta/fuga) denunciaria vício lógico ou lacuna na prova. Esse argumento não se sustenta: as horas-minuto decorrem naturalmente dos registos vídeo e dos autos de visionamento – que o acórdão identifica por fls. – e estão corroboradas por testemunhos presenciais. Não há qualquer dependência de relatórios não produzidos (tema que, de resto, foi discutido na alegação de art. 355.º e já vimos ser improcedente); logo, também por esta via não se configura erro notório nem insuficiência. No fundo, o que o recurso do recorrente DD traduz é discordância com a livre apreciação da prova – o que, per se, não integra vício do 410.º, n.º 2. O MP lembra, com apoio em Maia Gonçalves e Marques Ferreira, que a livre apreciação não é arbitrariedade: exige lógica e regras de experiência; e é exactamente isso que a motivação evidencia ao indicar quais os meios que merecem credibilidade e porquê. A valoração em sentido diverso pretendida pelo recorrente não converte uma decisão coerente e fundamentada num acórdão viciado. Em síntese: (i) não emerge do texto decisório qualquer erro notório na apreciação da prova; (ii) não há insuficiência fáctica impeditiva da decisão de direito; (iii) não se verifica in dubio pro reo, porque o tribunal não reconheceu dúvidas e explicou por que rejeitou a coacção; (iv) a tentativa de reabrir a matéria probatória colide com o âmbito do art. 410.º, n.º 2 do CPP e com a ausência de especificação de pontos para eventual renovação. Consequentemente, os segmentos fundados nos vícios do 410.º, n.º 2 CPP e na violação do in dubio pro reo são julgados improcedentes. * 4.3.3. Impugnação ampla da matéria de facto – reapreciação de declarações/testemunhos e pedido de renovação de prova (art. 430.º CPP: audição da Inspectora-Chefe). Esta renovação depende da verificação de vícios, mas foi expressamente requerida. Conforme já afloramos supra, a impugnação ampla da matéria de facto é uma via excepcional que pressupõe o cumprimento cumulativo do triplo ónus do art. 412.º, n.º 3, CPP: (i) especificação dos concretos pontos de facto impugnados; (ii) indicação das concretas provas que impõem decisão diversa; e (iii) quanto à prova pessoal gravada, a identificação das passagens relevantes da gravação com referência temporal bastante (minutagem, início/fim) que permita à Relação um reexame dirigido e útil. Sem esta delimitação, a Relação não reabre um novo julgamento; a cognição confina-se aos vícios internos do art. 410.º, n.º 2 do CPP, extraíveis do texto do acórdão. No caso de DD, o recurso não densifica os pontos impugnados com a precisão exigida, nem oferece a minutagem das passagens de depoimentos em que assentaria a decisão diversa; limita-se, antes, a expressões conclusivas (v.g., quanto a marcas horárias, sequência da encosta/fuga, suposta origem “exterior” da cronologia) e a juízos de discordância global, que não satisfazem o 412.º, n.º 3 do CPP. Daqui decorre a primeira conclusão: não estando cumpridos os ónus do 412.º, n.º 3 do CPP, não há espaço para a Relação proceder à reapreciação global de declarações e testemunhos, designadamente para reponderar credibilidades à luz de leituras alternativas sugeridas pelo recorrente. O acórdão recorrido cumpre o art. 374.º, n.º 2, CPP: enumera a prova produzida e a valorar — com destaque para os autos de visionamento de videovigilância do ... (fls. 170–190; 932–1022; 1187–1238; suportes em fls. 1023 e 1240) — e articula-a criticamente com os depoimentos directos dos inspectores que intervieram no exterior (v.g., MM e NN). O iter lógico é linear, não exibindo insuficiência, contradição insanável ou erro notório que pudesse ancorar conhecimento oficioso (art. 410.º, n.º 2 do CPP). Nestas condições, a pretensão de “reapreciar” os depoimentos, por si, não encontra base processual idónea. No que tange ao pedido de renovação de prova (art. 430.º CPP) para audição, em recurso, da Inspectora-Chefe (CCTV), o respectivo regime não serve para suprir o incumprimento dos ónus do 412.º, n.º 3 do CPP nem para promover “pescas probatórias” em sede ad quem. A renovação é medida excepcional que a Relação apenas pode ordenar quando indispensável “à descoberta da verdade e à boa decisão da causa” — tipicamente quando se verifiquem dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoimento decisivo ou quando a renovação tenha aptidão objectiva para elidir um vício do art. 410.º, n.º 2 do CPP emergente do texto do acórdão. In casu, o recorrente pede a audição da operadora de CCTV para sustentar que a hora-minuto (v.g., 07h18) adveio de relatório não produzido. Porém, o acórdão identifica as fontes probatórias: vídeo (com autos e suportes por fls.) e depoimentos presenciais; e precisamente não se funda em qualquer relatório alheio não produzido. Logo, não há vício que a audição da operadora possa sanar; não há dúvida séria a resolver; e a diligência não é indispensável — seria, antes, redundante. O Ministério Público acentuou este ponto: a renovação pressupõe vícios do 410.º, n.º 2 do CPP e não foi demonstrada a sua ocorrência, pelo que o requerimento deve improceder. Mesmo admitindo, por hipótese, a audição requerida, a sua relevância probatória marginal é evidente. A cronologia contestada decorre naturalmente dos registos vídeo com timestamp e da observação directa relatada em audiência; a referência operatória a “colegas da CCTV” figura como contexto de coordenação policial, não como fonte exclusiva de prova. Acresce que o tribunal ancorou a convicção no duplo suporte vídeo/testemunhal e explicou por que razão não acolheu versões do arguido incompatíveis com esse núcleo — tudo sob contraditório e imediação. A audição da operadora não alteraria este quadro, não preenchendo o critério de “indispensabilidade” do art. 430.º do CPP. Em suma: (i) a impugnação ampla falha por incumprimento do art. 412.º, n.º 3, CPP (ausência de especificação de pontos, de correlação probatória e, sobretudo, de minutagem das passagens gravadas), o que impede a reapreciação global de depoimentos/declarações; (ii) o pedido de renovação do art. 430.º — audição da Inspectora-Chefe (CCTV) — não supera o ónus em falta, não visa sanar qualquer vício do 410.º, n.º 2 do CPP extraível do texto do acórdão e não é “indispensável”, porquanto o acervo vídeo (com autos e suportes por fls. 170–190; 932–1022; 1187–1238; 1023; 1240) e os depoimentos directos já fundamentam de modo suficiente e coerente a convicção do tribunal. Termos em que é de indeferir a renovação pretendida e julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos requeridos. * 4.3.4. Coacção moral – causa de exclusão da culpa invocada como fundamento principal de absolvição. O recorrente DD fundou o pedido de absolvição na alegação de coacção moral, afirmando que, na véspera dos factos, dois indivíduos o teriam abordado junto de casa, um deles ostentando arma, e ameaçado a integridade física da sua mulher e filha caso não procedesse à extracção e entrega das malas, instruindo-o quanto a um ponto do aeroporto, uma janela horária e uma rota de saída. Em audiência, o arguido reproduziu essa versão, acrescentando pormenores sobre o suposto momento intimidatório (descrição genérica da filha, referência às “rotinas” mas sem indicar escola ou hora, inexistência de promessa remuneratória), e explicitando que, apesar de tudo, foi trabalhar no dia seguinte às 06h00, deslocou-se ao stand 200, recolheu as malas e saiu por GG para as entregar a um veículo que lhe faria sinal. A norma jurídica que o arguido/recorrente invoca para fundamentar esta exclusão da culpa (artº 39º do CP sob a epígrafe “Consentimento presumido”) não tem qualquer aplicação nesta temática, o que só pode ter sido referido por manifesto lapso. Parece-nos que a norma a que o recorrente se pretende referir é o artº. 35º do CP. É que a figura pertinente, quando o arguido invoca coacção moral como exclusão da culpa é, no nosso sistema, a inexigibilidade de conduta diversa tipificada no art. 35.º CP (estado de necessidade desculpante). Repare-se que o n.º 1 cobre expressamente o perigo actual que ameaça, entre outros bens, a liberdade do agente ou de terceiro, “quando não for razoável exigir-lhe […] comportamento diferente”. É aqui que se reconduzem as situações de coacção moral. Feita esta observação, prossigamos: O acórdão reconstitui a dinâmica dos factos com base em videovigilância e prova testemunhal directa e, depois de afirmar a tipicidade e a ilicitude, é categórico ao concluir que não se verifica qualquer causa de exclusão da culpa julgando, no mais, a actuação culposa e em co-autoria. Este passo decisório não é uma mera formulação atípica: resulta de uma motivação de facto que articula o conteúdo dos autos de visionamento (com suporte identificado) com os depoimentos dos inspectores que observaram, do exterior, a aproximação/encosta/fuga e subsequente recolha para o Seat, e com o circuito das apreensões e exames, cumprindo o art. 374.º, n.º 2 CPP. A estrutura típica da coacção do art. 35.º CP reclama (i) uma pressão externa grave sobre a liberdade de determinação; (ii) insuperabilidade dessa pressão (inexigibilidade de conduta diversa); e (iii) nexo causal entre a ameaça e o facto, aferidos com padrões objectivos de razoabilidade. A simples invocação de medo não basta: a coacção é causa extraordinária de exclusão de culpa, exigindo que a ameaça imponha uma opção sem alternativas razoáveis. No caso, o próprio relato do arguido evidencia uma janela temporal relevante entre a alegada ameaça (no dia anterior, “na rua, junto de casa”) e a execução, o que, em termos normativos, fragiliza decisivamente a alegação de “insuperabilidade”: não se trata de uma coacção “imediata”, mas antes de um cenário em que, com tempo, DD entra no turno, dirige-se ao ponto combinado e cumpre uma sequência operacional objectivamente planeada. É à luz deste quadro que o tribunal não reconhece a inexigibilidade de outro comportamento. Acresce que a versão não encontra corroboração externa mínima. No interrogatório em audiência, a narrativa sobre as supostas “rotinas” familiares é vaga (não identifica escola nem hora; a referência à filha é descritiva e inespecífica), e não existe qualquer sinal paralelo (comunicações, pedidos de ajuda, alerta interno no local de trabalho, menção a vigilância ou deslocações anómalas) que a suporte. A ausência total de traços de resistência possível — p. ex., quebrar a cadeia combinada, inutilizar o telemóvel alegadamente entregue, procurar protecção institucional, dar conta do sucedido a colegas/superiores — ponderada com a execução fiel das instruções operacionais, torna a versão inverosímil à luz das regras da experiência comuns que presidem ao art. 127.º CPP, como assinalado na motivação, e afasta o juízo de “inevitabilidade” que o art. 35.º CP requer. Deste modo, falham os pressupostos do art. 39.º CP: (a) a alegada ameaça não se mostra insuperável nas condições concretas; (b) não se demonstra inexigibilidade de outra conduta em face da janela temporal e da natureza dos actos executados; (c) o nexo causal determinante entre ameaça e facto é quebrado por uma execução que traduz adesão consciente a um plano externo, evidenciada por deslocações e comportamentos que nada indicam de reacção a perigo iminente. O tribunal, por isso, não reconheceu estado de dúvida e afirmou positivamente a culpa do arguido — o que inviabiliza quer a absolvição por coacção, quer a aplicação reflexa do in dubio pro reo. Em conclusão, a questão suscitada não satisfaz o padrão estrito do art. 35.º CP: os pressupostos de coacção moral não se encontram preenchidos; o tribunal não permaneceu em dúvida; e a motivação cumpre os requisitos do art. 374.º, n.º 2 CPP e a livre apreciação do art. 127.º CPP. Improcede, por conseguinte, o pedido de absolvição por coacção moral formulado pelo ora recorrente. * 4.3.5. Medida da pena e suspensão da execução (art. 50.º CP). A medida da pena assenta nos arts. 40.º e 71.º do CP: a pena deve ser necessária e suficiente à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente, sem exceder a medida da culpa. O juízo concretizador percorre o grau de ilicitude do facto, o modo de execução, a intensidade do dolo, os motivos, as condições pessoais, económicas e familiares do arguido, a conduta anterior e posterior aos factos e quaisquer outras circunstâncias não integrantes do tipo. In casu, o padrão objectivo é de elevadíssima ilicitude: actuação concertada, uso funcional de circuito aeroportuário para subtrair bagagem ao crivo aduaneiro/segurança, quantidade muito significativa de estupefaciente e logística externa pronta para imediata colocação, tudo revelador de sofisticação e risco social acentuados. No plano subjectivo, o dolo é intenso (acto inserido num plano e com papel funcional definido), não se mostrando confissão integral e sem reservas nem colaboração útil com a descoberta da verdade que desloquem, sensivelmente, o centro de gravidade da pena. As notas pessoais positivas invocadas (apoio familiar, eventual inserção laboral, ausência de antecedentes relevantes) foram ponderadas, mas não neutralizam as exigências de prevenção geral muito marcadas em criminalidade desta natureza, nem as de prevenção especial que o iter executivo evidencia. Nesta matriz, a pena fixada situa-se em patamar coerente com a culpa e com as finalidades do art. 40.º, não se divisando qualquer excesso que imponha redução. Quanto à suspensão da execução (art. 50.º CP), o regime exige dois tipos de pressupostos: (i) objectivo – que a pena aplicada não exceda 5 anos; e (ii) subjectivo – juízo de prognose favorável, isto é, fundada convicção de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastam para realizar, no caso concreto, as finalidades da punição. O primeiro é indeclinável: mantendo-se a pena concreta acima de 5 anos, o pedido fica juridicamente inviável, ficando prejudicada a indagação dos demais requisitos. Mesmo em cenário hipotético de pena ≤ 5 anos, o segundo pressuposto não se verifica: o conjunto de indicadores – muito elevado desvalor do facto, organização e partilha funcional de tarefas, dolo intenso, ausência de sinais robustos de arrependimento eficaz ou distanciamento do ambiente criminoso – não permite formular a convicção de que a simples ameaça de execução seja, aqui, suficiente para a reintegração. A suspensão não é um direito automático: é uma medida de confiança do tribunal, que supõe que a execução da prisão não se revele necessária. Nas circunstâncias destes autos, uma solução suspensiva frustraria a função de estabilização de expectativas normativas (prevenção geral positiva) e descuraria a contenção especial que casos desta natureza exigem. Invocar elementos do relatório social ou circunstâncias pessoais favoráveis não basta, por si, para inverter o juízo: o relatório é meio informativo sujeito à livre apreciação e pondera-se globalmente com o restante acervo; além disso, a suspensão não serve para adaptar a pena a um patamar artificialmente inferior apenas para viabilizar o benefício. Em síntese: a pena concreta fixada mostra-se proporcional à culpa e necessária face às finalidades do art. 40.º; e a suspensão da execução é juridicamente inviável por a pena exceder 5 anos; mesmo que assim não fosse, falharia o pressuposto subjectivo do art. 50.º, por inexistência de prognose favorável objectivamente fundada. Mantém-se, por conseguinte, a decisão quanto à medida da pena e nega-se a suspensão da execução por impossibilidade legal. * V-DECISÃO RECURSO DO ARGUIDO ALEXANDRE 1.1. Julga-se improcedente a arguição de prova proibida por alegada actuação de agente provocador. 1.2. Julgam-se improcedentes os vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP (insuficiência, contradição insanável, erro notório) e a invocada violação do princípio in dubio pro reo. 1.3. Não se conhece da impugnação ampla da matéria de facto por incumprimento do art. 412.º, n.º 3, CPP; subsidiariamente, considera-se improcedente. 1.4. Mantém-se a qualificação jurídico-penal e a medida concreta da pena fixadas. 1.5. Indefere-se a suspensão da execução da pena (art. 50.º CP), por não verificado o pressuposto objectivo (pena superior a 5 anos), ficando prejudicada a apreciação do mais. 1.6. Custas pelo recorrente, fixando-se taxa de justiça em 5 UCs. RECURSO DO CC 2.1. Julga-se improcedente a nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), CPP). 2.2. Julga-se improcedente a alegada inconstitucionalidade material: 2.2.1. do art. 370.º, n.º 1, CPP, em conjugação com os arts. 1.º, al. g), e 127.º CPP, por suposta “valoração selectiva” do relatório social; 2.2.2. do art. 4.º do DL 401/82 (RPEJ), “tal como interpretado in casu”, por alegada violação dos arts. 13.º, 18.º e 32.º CRP e 6.º CEDH. 2.3. Mantém-se a qualificação agravada nos termos do art. 24.º, al. c), do DL 15/93 (avultada compensação remuneratória). 2.4. Não se aplica o Regime Penal Especial para Jovens (DL 401/82) por inexistirem sérias razões de prevenção especial que justifiquem atenuação especial; mantém-se a medida concreta da pena. 2.5. Indefere-se a suspensão da execução da pena (art. 50.º CP), por não verificado o pressuposto objectivo (pena superior a 5 anos), ficando prejudicada a apreciação do mais. 2.6. Custas pelo recorrente, fixando-se taxa de justiça em 5 UCs. RECURSO DO DD 3.1. Julga-se improcedente a nulidade por violação do art. 355.º CPP, com reflexo no art. 119.º, al. c), CPP. 3.2. Julgam-se improcedentes os vícios do art. 410.º, n.º 2, CPP (erro notório na apreciação da prova e insuficiência) e a invocada violação do princípio in dubio pro reo. 3.3. Não se conhece da impugnação ampla da matéria de facto por incumprimento do art. 412.º, n.º 3, CPP; indefere-se a renovação da prova requerida (art. 430.º CPP – audição da Inspectora-Chefe), por inexistência de vícios a sanar e de indispensabilidade da diligência. 3.4. Julga-se improcedente a invocada coacção moral como causa de exclusão da culpa, mantendo-se a responsabilidade do arguido. 3.5. Mantém-se a medida concreta da pena fixada; indefere-se a suspensão da execução (art. 50.º CP), por falta do pressuposto objectivo (pena superior a 5 anos) e, de todo o modo, por ausência de prognose favorável. 3.6. Custas pelo recorrente, fixando-se taxa de justiça em 5 UCs. 4.1. Negam-se provimentos a todos os recursos, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido. 4.2. Notifique. * Lisboa, 10-09-2025, Alfredo Costa Ana Rita Loja João Bártolo Processado e revisto pelo relator (artº 94º, nº 2 do CPP). Ortografia conforme pré-acordo _______________________________________________________ 1. Matéria de facto provada (ponto 10) do acórdão: aí são listadas as “placas” de cocaína com os respectivos pesos líquidos (13 030 g; 8 020 g; 6 004 g; 5 020 g; 4 017 g; 3 010 g; 2 010 g; 2 004 g; 1 995 g; 2 015 g; 1 006 g; 1 004 g; 1 083 g). A soma desses valores perfaz 50 218 g, isto é, = 50,2 kg. |