Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
71/24.4SHLSB.L1-3
Relator: ANA RITA LOJA
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
FALTA DE COMPARÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
MEDIDA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REGIME DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I-Com a prestação do Termo de Identidade e Residência o arguido tem conhecimento que não pode mudar de residência sem comunicar tal alteração aos autos bem como que o incumprimento de tal obrigação legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente (como no caso da audiência de julgamento) e a realização da audiência de julgamento na sua ausência.
II-Não sendo comunicada nos autos pelo arguido morada distinta da indicada pelo mesmo no Termo de Identidade e Residência não cabe ao tribunal indagar da causa de não comparência do arguido em audiência de julgamento se as notificações foram efetivadas na morada indicada no Termo de Identidade e Residência prestado.
III-A falta de comparência de um arguido a audiência de julgamento pode ter uma multiplicidade de causas e sendo as mesmas desconhecidas do tribunal não se pode de tal circunstância extrair uma valoração negativa, designadamente, para efeito de determinação da pena concreta, como se deteta na decisão recorrida.
IV- A decisão sobre a conveniência e adequação do regime de prova incumbe não ao recorrente, mas ao Tribunal e não estão em causa apenas razões de prevenção especial, mas igualmente razões de prevenção geral como decorre da expressa menção à realização das finalidades da punição prevista no artigo 50º nº2 do Código Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1-RELATÓRIO:
Nos autos de processo comum com intervenção de tribunal singular nº71/24.4SHLSB que correm os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 7 foi, em 26 de março de 2025, proferida sentença cujo dispositivo tem, no que é relevante para o presente recurso, o teor que a seguir se transcreve:
Pelo exposto, julgo a acusação procedente por provada e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), por referência às tabelas I-A e I-B anexas ao aludido diploma legal na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova que deverá assentar nos objectivos que vierem a ser delineados em plano individual de reinserção social a traçar pela DGRSP a favor do arguido, entre os quais deverá estar a procura de uma actividade laboral regular e estruturada, nos termos do disposto no art.s 50.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 e 53.º, todos do Código Penal.
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Inconformado dela recorreu o referido arguido extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
1.Não há prova bastante que sustente o ponto 3 da factualidade provada.
2.O Tribunal a quo não curou de saber o motivo concreto que levou o arguido a não comparecer no julgamento, tomando depois a não comparência como circunstância contra o arguido na escolha e medida da pena.
3.Não existe fundamento nem o Tribunal recorrido fundamentou a necessidade de sujeição a regime de prova a suspensão da execução da pena de prisão que determinou.
4.Foram violados os artigos 355.°, n.°1, e 97.°, n.°4, do Cód. Proc. Penal, e os artigos 71.° e 50.°, nºs 2 e 4 do Cód. Penal, normas jurídicas que foram interpretadas e aplicadas com o sentido expresso na decisão condenatória, devendo tê-lo sido com o sentido propugnado no presente recurso.
Termina requerendo que seja concedido provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a sentença recorrida na parte em que sujeitou a regime de prova a suspensão da execução da pena.
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Admitido o recurso no tribunal recorrido o Ministério Público apresentou resposta que a seguir se transcreve na parte relevante para este recurso:
(…)
O M. P. não reconhece qualquer razão ao recorrente.
Desde logo, considera-se que a douta sentença em crise não padece de qualquer nulidade, nomeadamente a prevista na alínea a), do n° 1, do artigo 379°, do Código de Processo Penal.
Conforme se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 07/06/2016, no âmbito do processo n.°26/14.7GCMFR, disponível em www.dgsi.pt
«II - Fundamentalmente importa que, através da leitura da sentença, se compreenda qual a razão do tribunal ter decidido num determinado sentido e não noutro, também possível.
III- O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».
No presente caso, na sentença constam cabalmente explicitadas as razões de se ter dado determinada factualidade como provada e não provada, sendo percetível o processo lógico formal que serviu de suporte a tal decisão.
Da análise da fundamentação da matéria de facto resulta evidente a existência de uma apreciação objetiva da prova produzida e conforme com as regras de experiência comum.
No mais, a impugnação da decisão da matéria de facto pode processar-se através da arguição de vício previsto no artigo 410.° n°2, do Código de Processo Penal ou através da impugnação ampla de matéria de facto prevista no artigo 412.° n°s 3, 4 e 6 do Código de Processo Penal.
Antes de mais, considera-se que a douta sentença proferida não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.°, n.°2, do Código de Processo Penal.
Conforme se refere no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 29/03/2011, no âmbito do processo n°288/09.1GBMTJ, disponível em www.dgsi.pt
«(...)O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (...) verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do art.358, n°1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção (...).»
No presente processo, considera-se que o Tribunal a quo deu como provados ou não provados todos os factos alegados pela acusação ou pela defesa, bem como os factos de que podia e devia conhecer, pelo que se considera que a douta sentença em crise não padece do vício previsto no artigo 410.°, n.°2, alínea a) do Código de Processo Penal.
No mais, conforme referem Simas Santos e Leal Henrique, em Código de Processo Penal anotado, volume II, página 740, o erro notório na apreciação da prova ocorre quando se dá como provado algo que, de modo manifesto, ostensivo e evidente, não podia ter acontecido, ou quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão recorrida.
No presente caso considera-se que inexiste qualquer erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, considera-se que nenhum erro transparece do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, nem se vislumbra que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Acresce que o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é sindicável em sede de recurso, na medida em que o juiz de julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma perceção própria e insubstituível.
Neste âmbito, apenas se impõe aferir se tal convicção é contrariada pelas regras de experiência comum ou pela lógica do homem médio, o que não se considera que tenha sucedido no presente caso.
E os factos considerados provados pela douta sentença, os quais deverão ser mantidos na totalidade, preenchem os elementos objetivos e subjetivos do crime pelo qual a arguida foi condenada.
Pelo exposto, considera-se que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto e mantida na totalidade a decisão recorrida.
Quanto à dosimetria da pena aplicada ao arguido entende o M. P. ter sido feita uma devida e ponderada apreciação dos critérios legais, previstos no artigo 70.° e ss. do C. Penal, não merecendo qualquer reparo.
(…)
Termina pugnando pela improcedência do recurso do arguido e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Remetido o recurso a este Tribunal da Relação, foi emitido parecer acompanhando na íntegra a resposta do Ministério Público do tribunal recorrido e consequentemente, no sentido da improcedência do recurso interposto.
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Uma vez que o parecer não aduz novas questões não foi nem tinha de ser cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do Código de Processo Penal.
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso interposto pelo arguido cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO:
2.1- DO OBJETO DO RECURSO:
É consabido, em face do preceituado nos artigos 402º, 403º e 412º nº 1 todos do Código de Processo Penal, que o objeto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, devendo, assim, a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por serem obstativas da apreciação do seu mérito, nomeadamente, nulidades que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase e previstas no Código de Processo Penal, vícios previstos nos artigos 379º e 410º nº2 ambos do referido diploma legal e mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.1
Destarte e com a ressalva das de conhecimento oficioso são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar2.
A este respeito e no mesmo sentido ensina Germano Marques da Silva3:“Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
Esclarecem os artigos 368º e 369º do Código de Processo Penal aplicáveis por via do disposto do artigo 424º nº2, do mesmo diploma legal a prevalência processual das questões a conhecer iniciando-se a apreciação pelas obstativas do conhecimento do mérito e caso o conhecimento das demais não fique prejudicado de seguida as respeitantes à matéria de facto, mormente a impugnação alargada e os vícios do artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal e finalmente as questões relativas à matéria de direito.
No caso vertente e à luz das conclusões da motivação do recurso, as questões a dirimir neste recurso são as seguintes:
- se a decisão recorrida infringiu o disposto no artigo 355º do Código de Processo Penal no que respeita ao facto provado 3.
- se a decisão recorrida aplicou incorretamente os critérios de determinação da pena concreta e do regime de prova.
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2.2- DA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO:
Exara a sentença recorrida na parte que releva para a apreciação do recurso interposto o que a seguir se transcreve:
(…)
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
A. FACTOS PROVADOS:
Da instrução e discussão da causa, e com interesse para a respectiva decisão, resultou provado que:
1) No dia ... de ... de 2024, pelas 03h30, o arguido encontrava-se junto ao ... da ..., nesta cidade, junto ao ..., a proceder à venda da cocaína e de heroína, a consumidores destes produtos.
2) Nessas circunstâncias, o arguido encontrava-se ladeado por vários indivíduos conhecidos pela P.S.P. por serem consumidores de estupefacientes.
3) Nessa altura, BB, consumidor de estupefacientes dirigiu-se ao arguido, com moedas na mão.
4) Acto contínuo, o arguido levou a sua mão direita ao bolso direito das calças, preparando-se para lhe entregar uma embalagem, quando foi alertado para a presença de Agentes policiais no local.
5)Após, o arguido foi abordado e revistado por Agentes da P.S.P. que encontraram na sua posse (no bolso direito das calças) e apreenderam:
-9 (nove) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 2,759 gramas;
-2 (duas) embalagens de cocaína (éster metílico de benzoilecgonina), com o peso líquido de 1,725 gramas;
-2 cápsulas de heroína com o peso de 0,597 gramas (cfr. exame toxicológico de fls.49, cujo teor aqui se considera reproduzido);
-A quantia monetária de €22,00 (vinte e dois euros).
6) O arguido conhecia as características e a natureza estupefaciente dos produtos apreendidos que destinava à cedência a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
7) O arguido sabia que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
8) A quantia monetária apreendida ao arguido constituía provento dessas vendas.
9) Agiu, assim, o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
Mais se provou que:
10) À data em que o arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, efectuava …, auferindo cerca de € 30,00/40,00 por semana;
11) O arguido vivia num quarto, cujo valor era suportado pelo rendimento que lhe foi atribuído pela Segurança Social e pela ...;
12) Auferia a quantia de € 237,00 paga pela Segurança Social e a quantia de € 270,00 paga pela ...;
13) Tem filhos maiores na ... e tem uma filha de 26 anos que vive em ...;
14) Possui o 12.° ano de escolaridade;
15) O arguido não possui antecedentes criminais;
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B) FACTOS NAO PROVADOS:
Não ficaram por provar quaisquer factos com relevo para a boa decisão da causa.
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C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos dados como provados na ponderação do conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento conjugada com as regras de experiência comum e acervo documental junto ao processo.
O arguido, apesar de notificado, não compareceu em audiência de julgamento. Por essa razão, foram reproduzidas as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
Nessa sede, o arguido negou a prática dos factos que lhe são imputados, admitindo que tinha produto estupefaciente no bolso, mas que o mesmo era para seu consumo, pois é consumidor de heroína e de cocaína. Referiu que o produto que tinha na sua posse não foi por si adquirido, na medida em que um tempo antes destes factos a polícia tinha estado naquele local e identificou várias pessoas, sendo que ele foi solto logo porque tinha documentos de identificação, ao contrário do que sucedia com outros indivíduos. Explicou que aproveitou o facto de uns indivíduos terem atirado o produto para fora, para apanhar esse produto e ficar com o mesmo.
As testemunhas CC, DD e EE, agentes da PSP que tiveram intervenção directa nos factos em causa, confirmaram a factualidade descrita na acusação e explicaram que receberam informação de que o arguido estava a proceder à venda de produto estupefaciente, tendo na altura sido dada uma descrição física do mesmo e também do vestuário que envergava, pelo que se deslocaram ao local e aí viram um individuo de sexo masculino a contar umas moedas e a dirigir-se ao arguido - que coincidia com a descrição dada -, que nessa altura colocou a mão no bolso como que para retirar algo, tendo sido nesse momento alertado para a presença da polícia, pelo que não concretizou a transacção e tentou abandonar o local em passo apressado, mas foi interceptado por eles. Confirmaram que o arguido tinha na sua posse produto estupefaciente, no mesmo bolso onde havia colocado a mão no momento anterior, designadamente cocaína e heroína, devidamente embalado e pronto a ser transacionado, para além de ter ainda quantia pecuniária, cerca de € 20,00. Referiram ainda que foi fácil distinguirem o arguido dos consumidores, pois o mesmo não tinha aspecto de consumidor. Relataram ainda que cerca de duas horas antes (por volta da 1h00 da madrugada) tinham tido uma outra intervenção no mesmo local em que vieram a efectuar uma detenção, mas salientaram que o arguido não esteve envolvido nessa outra situação, referindo que não conheciam o arguido e só tiveram intervenção com o mesmo nesta situação.
O Tribunal atendeu ao acervo documental junto aos autos, designadamente autos de notícia de fls. 2 a 5, auto de apreensão de fls. 9 e 10, documento de fls. 12, reportagem fotográfica de fls. 13 a 15. Valorou ainda o relatório pericial junto a fls. 49.
De facto, cotejada a prova produzida em julgamento, designadamente os depoimentos das testemunhas com o acervo documental, o tribunal logrou criar a convicção segura de que os factos ocorreram conforme descritos na factualidade dada como provada.
Com efeito, os agentes da PSP relataram os factos de forma pormenorizada e isenta, depuseram de forma congruente, sequencial e circunstanciada, mantendo a coerência do depoimento durante toda a inquirição e sem que se verificassem contradições, razão pela qual foram merecedores de credibilidade e lograram convencer o Tribunal quanto à veracidade dos factos por si relatados que viemos a considerar como provados.
Com efeito, a actuação do arguido que foi visualizada pelos agentes da PSP, a quantidade de produto que tinha na sua posse (11 embalagens de cocaína e 2 capsulas de heroína), a diversidade do mesmo, o modo como estava acondicionado, já dividido em embalagens, o local onde o arguido o tinha guardado e ainda a quantia monetária que tinha na sua posse, permitem consolidar a convicção do tribunal de que o arguido se encontrava a ceder produto estupefaciente a terceiros em troca de quantia monetária, importando notar que também a quantia pecuniária que o arguido tinha na sua posse estava dividida em notas de pequeno valor e moedas, conforme decorre da reportagem fotográfica, o que é elucidativo da sua proveniência.
Além disso, cumpre salientar que apesar do arguido ter negado os factos, ter referido que o produto era para seu consumo e que o havia encontrado na sequência de uma situação ocorrida anteriormente, a verdade é que não logrou convencer o Tribunal dessa sua versão, desde logo porque não é compatível com as regras de experiência comum que um mero consumidor tenha na sua posse 11 embalagens de cocaína e, por outro lado, porque foi explicado pelos agentes da PSP que, não obstante terem tido uma situação anterior, o arguido não esteve relacionado com a mesma, nem foi identificado, o que contraria o alegado pelo arguido que referiu que foi identificado pela polícia e que, por ter os seus documentos de identificação, foi libertado.
De facto, esta versão apresentada pelo arguido não foi confirmada por qualquer elemento de prova, pelo que não convenceu o Tribunal da mesma.
Com efeito, a conjugação de toda a prova produzida permitiu criar a convicção segura de que o arguido tinha na sua posse o produto e a quantia descrita nos autos por estar a proceder à venda de produto estupefaciente naquele local.
De referir que os factos vertidos nos pontos 6) a 9) resultaram provados atenta a conjugação da prova produzida com as regras de experiência comum e com a factualidade dada como provada, resultando evidente que o arguido conhecia a natureza e as características da substância estupefaciente que possuía e que destinava à cedência a terceiros, sabendo que a compra, detenção, transporte ou venda lhe estava legalmente vedada, mas não obstante tal conhecimento, quis e logrou detê-la para a ceder a terceiros, ciente de que tal conduta era proibida e punida por lei.
As quantidades e o tipo de produto apreendido resultaram demonstrados atento o teor do exame pericial junto ao processo.
No que concerne à matéria respeitante à ausência de antecedentes criminais, o tribunal valorou o teor do certificado de registo criminal junto aos autos. No que concerne às condições pessoais e socioeconómicas atendeu às declarações prestadas pelo mesmo em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.
IV- ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
O arguido encontra-se acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelos artigos 21.° e 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal
O crime imputado ao arguido tem de ser analisado por referência ao art. 21° do mesmo diploma, na medida em que a menor gravidade do crime punido no mencionado art. 25°, é feita por comparação com a gravidade estabelecida pelo legislador quanto ao crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21°.
Assim, preceitua o n.°1 do art. 21° Dec.-Lei n.°15/93 de 22.01 que “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos
Por seu turno, nos termos do disposto na al. a) do art. 25° do citado diploma, sempre que a ilicitude se mostre consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.
O bem jurídico primordialmente protegido por este tipo de ilícito criminal é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão, ponderando neste particular a dependência que a droga é susceptível de gerar - cfr. Ac. STJ de 1 de Março de 2001, in CJSTJ/2001, tomo I, pág. 234.
De considerar que o ilícito tipificado no citado artigo é um crime de perigo comum e abstracto, consumando-se logo que o arguido detenha produto estupefaciente, pelo que só a demonstração de ser outro o objectivo é que poderá excluir o tráfico - cfr. Ac. RL de 13/04/2000, in CJ, Ano XXV, tomo II, pág. 157.
Ora, conforme resulta da factualidade provada, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas os autos, o arguido encontrava-se junto de vários indivíduos conhecidos por serem consumidores de estupefacientes, altura em que BB, consumidor de estupefacientes se dirigiu-se ao mesmo, com moedas na mão e nessa altura o arguido levou a sua mão direita ao bolso das calças, preparando-se para lhe entregar uma embalagem, quando foi alertado para a presença de Agentes policiais no local.
Resultou ainda demonstrado que o arguido tinha na sua posse 9 (nove) embalagens de cocaína, com o peso líquido de 2,759 gramas; 2 (duas) embalagens de cocaína, com o peso líquido de 1,725 gramas e 2 cápsulas de heroína com o peso de 0,597 gramas e ainda a quantia monetária de €22,00 (vinte e dois euros).
De facto, resultou provado o arguido agiu com o propósito concretizado de ter na sua posse o produto estupefaciente descrito nos autos, cujas características, naturezas e quantidades conhecia, com o objectivo de o entregar a terceiros a troco do recebimento de quantias monetárias, o que conseguiu, pois as quantias que vieram a ser apreendidas foram a contrapartida pela cedência de estupefacientes, ciente de que tal conduta constituía ilícito criminal.
Importa, então, apurar, se no caso vertente nos encontramos face a uma situação em que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, por forma a determinar se a conduta do arguido é susceptível de ser reconduzida à previsão do referido art. 25°, beneficiando, consequentemente, da sua moldura penal abstracta, que é mais favorável.
Ora, para atingir tal desiderato, e conforme decorre expressamente da letra do normativo ora em apreço, há que considerar globalmente os diversos factores nele tipificados.
De facto, importa atender à quantidade de produto estupefaciente que o arguido detinha.
Por outro lado, e no que concerne aos meios utilizados, ante os factos provados nada de relevante se apurou no sentido de aumentar a ilicitude da conduta.
Do exposto resulta que, no caso dos autos, a ilicitude da conduta do arguido se mostra, em concreto, consideravelmente diminuída, razão pela qual se conclui que o arguido preencheu o tipo de ilícito objectivo resultante da conjugação dos artigos 21.°, n.° 1 e 25.° al. a), ambos do mencionado Decreto-Lei n.°15/93, de 22 de Janeiro.
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo em apreço, verifica-se terem os arguidos actuado com dolo directo, tal como este vem definido no artigo 14.° n°1 do Código Penal, na medida em que agiu de forma livre e consciente, conhecendo as características estupefacientes das substâncias em causa e sabendo que a mera detenção, transporte ou venda a terceiros constituía um ilícito criminal.
Impõe-se, assim, a condenação do arguido pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, pelo qual vem acusado.
V- DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA:
Importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar à conduta do arguido.
O crime de tráfico de menor gravidade é punido com pena de um a cinco anos de prisão - art. 25.°, al. a) do DL 15/93 de 22.01
O art. 40° do Código Penal estabelece as finalidades da punição, consagrando que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade ’’ e estabelecendo um limite à determinação da medida da pena quando estatui que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Assim, é entre os limites máximo e mínimo fixados na lei que deve ser determinada a medida concreta da pena, apelando ao critério da culpa, com a sua função fundamentadora e limitadora, e aos critérios de prevenção - especial e geral.
“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é encarada e interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral), será sempre a finalidade principal a prosseguir no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas violadas, e o máximo, que a culpa do agente consente: entre esses limites, no equilíbrio entre as prevenções (geral e especial) e no respeito a conferir à culpa (no já adequado a ela, no ainda adequado a ela, e no correctamente ajustado a ela), se satisfarão as finalidades das penas” — Ac. STJ de 11/11/1999, Proc. n° 959/99, citado por Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1° volume, Editora Rei dos Livros, 2002, pág.575.
De facto, a determinação concreta da pena acha-se, antes de mais, em função da culpa do agente, das exigências de prevenção especial, ligadas à reinserção social e a fins de prevenção geral, pugnando pela defesa da sociedade com consequente contenção de criminalidade. A estes motores de determinação da medida da pena acrescem todos os outros que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente de modo a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto, por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos semelhantes.
Para determinação concreta da medida da pena importa atender ao art. 71° que estabelece que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (n°1), devendo atender o tribunal, na determinação concreta da pena, ‘‘a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (n°2).
Nestes termos, atentas as disposições conjugadas dos art.s 40° e 71° do Código Penal, são de considerar os seguintes factos:
- As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a frequência com que são praticados factos idênticos aos que estão em apreço nos autos, sendo premente desincentivar este tipo de comportamentos;
- O grau de ilicitude é mediano, porquanto inserto nos padrões usuais para o cometimento do ilícito.
- O dolo assumiu a forma de dolo directo, já que o arguido pretendeu o fim por si alcançado;
- O arguido não possui antecedentes criminais
- O arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu em audiência de julgamento;
Tudo visto e ponderado, e tendo em conta os limites mínimo e máximo abstractamente aplicáveis ao crime de que vem acusado e ainda às circunstâncias que envolveram o caso concreto, designadamente o grau de ilicitude, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção, a punição da sua conduta com uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses.
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Ora, perante a pena de 1 ano e 6 meses de prisão em que se condenou o arguido, cumpre, no caso dos autos, avaliar da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão decretada (art. 50.° do C.P.).
Ora, estipula o artigo 50° do Código Penal que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. ”
É sabido que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Assim, quando aplica uma pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal tem o poder-dever de suspender a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido. (cfr, entre outros, FF, CP Anotado, 15a edição, pág. 197; Ac. STJ de 11 de Maio de 1995; Ac. STJ de 27 de Junho de 1996, ob. cit. Pág. 199).
Tal juízo não deverá assentar numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição.
Um juízo de prognose pressupõe uma valoração do conjunto dos factos e da personalidade do arguido, quanto a saber se, em termos prospectivos, a imagem global indicia positivamente uma esperança fundada de se ressocializar em liberdade. Se, o que está em causa não é qualquer certeza, mas apenas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, entende o tribunal suspender a execução da pena em que o arguido será condenado.
No caso sub judice, o tribunal valora a circunstância do arguido não ter antecedentes criminais, factualidade que, na nossa perspectiva, permite concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, a pena aplicada ao arguido deverá consciencializá-lo da gravidade e censurabilidade da sua conduta, motivando-o ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.
Trata-se aqui de uma pena com manifesta eficácia intimidativa, que estamos em crer que servirá de necessário e suficiente contra-estímulo à reiteração futura do comportamento ora sancionado.
Esta opção pela suspensão da execução da pena representará uma derradeira oportunidade concedida ao arguido no sentido de, ainda em liberdade, assumir no seu projecto de vida um comportamento compatível com o dever-ser jurídico-penal.
Isto é, estamos em crer que, a opção pela suspensão da execução da pena de prisão, contem virtualidades suficientes para uma desejada esperança de readaptação social em liberdade, estimulando-se, assim, o sentido de auto-responsabilização do arguido.
Considerando as circunstâncias do caso concreto, é entendimento do Tribunal determinar a suspensão da execução da pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo período de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova, nos termos do disposto no art.s 50.°, n.°s 1, 2, 3 e 5, e 53.°, todos do C.P., assente nos objectivos que vierem a ser delineados em plano individual de reinserção social a traçar pelos Serviços de Reinserção Social a favor do arguido, entre os quais deverá estar a procura de uma actividade laboral regular e estruturada.
(…)
Aqui chegados impõe-se proceder à apreciação das concretas questões suscitadas pelo recorrente o que se fará pela sua ordem de prevalência processual.
Alega o recorrente que não há prova suficiente que sustente o facto provado 3 que tem o seguinte teor: «3) Nessa altura, BB, consumidor de estupefacientes dirigiu-se ao arguido, com moedas na mão.»
Esclarecendo na sua motivação que «este alegado consumidor não foi ouvido em audiência de julgamento, sendo que «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência» (artigo 355.°, n.°1 do Cód. Proc. Penal), não se vislumbrando pois em que é que o Tribunal se baseou para afirmar tratar-se de um «BB» e não de outra pessoa qualquer.»
Ora vejamos:
Em face da alegação do recorrente afigura-se que o recorrente, embora não o qualificando, pretende invocar vício da decisão recorrida decorrente da valoração nesta de prova não produzida (em sentido lato) na audiência de julgamento.
Estabelece o artigo 355º nº1 do Código de Processo Penal que «Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.»
Aduzindo o nº2 do referido normativo que «Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas nos termos dos artigos seguintes».
Conforme decorre da sentença e das atas de audiência efetivamente não foi inquirido em audiência nenhuma pessoa que aí se identificasse como BB. Todavia, tal não significa que relativamente a tal indivíduo não tivesse sido produzida ou examinada prova no decurso da audiência.
De facto e desde logo em audiência de julgamento prestaram depoimento, como evidenciam as respetivas atas e a sentença, os agentes da PSP CC, DD e EE, constando da referida decisão, além do mais, que estes «que tiveram intervenção directa nos factos em causa, confirmaram a factualidade descrita na acusação e explicaram que receberam informação de que o arguido estava a proceder à venda de produto estupefaciente, tendo na altura sido dada uma descrição física do mesmo e também do vestuário que envergava, pelo que se deslocaram ao local e aí viram um individuo de sexo masculino a contar umas moedas e a dirigir-se ao arguido - que coincidia com a descrição dada -, que nessa altura colocou a mão no bolso como que para retirar algo, tendo sido nesse momento alertado para a presença da polícia, pelo que não concretizou a transacção e tentou abandonar o local em passo apressado, mas foi interceptado por eles. Confirmaram que o arguido tinha na sua posse produto estupefaciente, no mesmo bolso onde havia colocado a mão no momento anterior, designadamente cocaína e heroína, devidamente embalado e pronto a ser transacionado, para além de ter ainda quantia pecuniária, cerca de € 20,00.» Ademais o indivíduo aí referido como tendo sido intercetado está identificado no auto de notícia de fls. 2 a 5 igualmente examinado em audiência sendo que a identidade aí referida é a de um indivíduo que tem como primeiro nome BB e último apelido BB.
Assim, não assiste razão ao recorrente na invocação que tal facto assenta em prova não produzida em audiência e, consequentemente, com violação do artigo 355º nº1 do Código de Processo Penal, improcedendo, neste segmento, a sua pretensão recursória.
Mais invoca o recorrente que a decisão recorrida aplicou incorretamente os critérios de determinação da pena concreta e do regime de prova.
E para tanto e, em síntese, revela na motivação do seu recurso que o Tribunal recorrido considerou, nos termos dos artigos que citou (40.° e 71.° do Cód. Penal), a circunstância de «o arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu em audiência de julgamento» e que ao considerar esta circunstância, da revelia do réu, como depondo contra ele o Tribunal recorrido alheou-se da causa da não comparência, pois, que o mesmo apenas não compareceu por incúria pouco reprovável de ter mudado de residência e não ter comunicado ao Tribunal a nova morada nem ter advertido o defensor de tal facto [artigo 196.°, n.°3, alínea b) do Cód. Proc. Penal] evidenciando os autos que sempre colaborou com a justiça, não só prestando declarações em 1º interrogatório judicial de arguido detido bem como cumprindo a medida de coação aplicada e apresentando-se voluntariamente na secretaria do Tribunal a fim de ser notificado da sentença, tendo então prestado novo termo de identidade e residência o que fez logo que soube de que já havia sido realizado o julgamento e proferida sentença e ainda antes de ser notificado da mesma pelo órgão de polícia criminal que havia sido oficiado para proceder a essa notificação.
Em suma, o recorrente entende que a sua não comparência em audiência não devia ser considerada como circunstância desfavorável na determinação da pena concreta que lhe foi aplicada uma vez que na sua perspetiva o arguido sempre colaborou e apenas não compareceu em audiência por ter alterado a sua morada e a não ter comunicado tal alteração ao tribunal.
O artigo 71º do Código Penal estabelece que a determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar.
No entanto, simultaneamente, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a proteção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares.
Ademais e entre tais parâmetros, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto quer na vertente da reintegração do agente quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente.
Em tal tarefa o tribunal dispõe dos critérios de vinculação na escolha da medida da pena constantes do já citado artigo 71.º do Código Penal, nomeadamente, os suscetíveis de «contribuírem tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar»4.
Importa salientar que é entendimento pacífico jurisprudencial que o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa apenas o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
Assim, a intervenção corretiva do Tribunal Superior no que respeita à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada.
Conforme decorre dos autos o arguido prestou Termo de Identidade e Residência e, assim, tomou conhecimento das obrigações e consequências de incumprimento das mesmas contidas nas diferentes alíneas do nº3 do artigo 196º do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, o recorrente desde a prestação de tal medida de coação tinha conhecimento que não podia mudar de residência sem comunicar tal alteração aos autos bem como que o incumprimento de tal obrigação legitimava a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente (como no caso da audiência de julgamento) e a realização da audiência de julgamento na sua ausência (o que veio a acontecer).
O que o recorrente qualifica com incúria pouco reprovável é um incumprimento de uma obrigação legal e processual que impende sobre o arguido e não sobre o Tribunal pois, que não incumbia a este indagar da causa da ausência do arguido perante notificações efetuadas na morada indicada pelo arguido no seu Termo de Identidade e Residência.
Todavia, a falta de comparência de um arguido a audiência de julgamento pode ter uma multiplicidade de causas e sendo as mesmas desconhecidas do tribunal não se pode de tal circunstância extrair uma valoração negativa, designadamente, para efeito de determinação da pena concreta, como se deteta na decisão recorrida.
Aí se refere no tocante à determinação concreta da pena e em concreto:
«Nestes termos, atentas as disposições conjugadas dos art.s 40° e 71° do Código Penal, são de considerar os seguintes factos:
- As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a frequência com que são praticados factos idênticos aos que estão em apreço nos autos, sendo premente desincentivar este tipo de comportamentos;
- O grau de ilicitude é mediano, porquanto inserto nos padrões usuais para o cometimento do ilícito.
- O dolo assumiu a forma de dolo directo, já que o arguido pretendeu o fim por si alcançado;
- O arguido não possui antecedentes criminais;
- O arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu em audiência de julgamento;
Tudo visto e ponderado, e tendo em conta os limites mínimo e máximo abstractamente aplicáveis ao crime de que vem acusado e ainda às circunstâncias que envolveram o caso concreto, designadamente o grau de ilicitude, entende-se como justa, adequada e proporcional à culpa do arguido e às exigências de prevenção, a punição da sua conduta com uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses
Uma coisa é considerar-se que o arguido estava regularmente notificado, o que em face da morada que constava do respetivo Termo de Identidade e Residência aquando da realização das suas notificações e da ausência nesse momento de qualquer comunicação feita pelo arguido de alteração da sua morada, é facto que não se pode questionar. Outra é a valoração negativa de tal falta de comparência o que entendemos ser desadequado e espúrio aos parâmetros de determinação concreta da pena supra aludidos.
Assim, tal circunstância não pode ser considerada, mas tal não significa que a sua não consideração redunde numa alteração da pena concreta aplicada, porquanto em face dos demais fatores de ponderação apurados tal pena de um ano e seis meses de prisão numa moldura que tem como limite mínimo um ano e limite máximo cinco anos emana um juízo de valorativo adequado da culpa, das circunstâncias do caso concreto e das exigências de prevenção geral e especial verificadas.
Destarte, embora desconsiderando tal circunstância que entendemos ser espúria, mantém-se a pena de 1 ano e seis meses de prisão a qual foi suspensa na sua execução não refutando o recorrente no seu recurso tal suspensão, mas apenas a circunstância de tal suspensão ser acompanhada de regime de prova.
E para tanto alega o recorrente que «tendo 60 anos e sem qualquer passado criminal não se vê que especial reinserção social se almeje alcançar num caso destes; pela simples leitura do n.°3 do artigo 53.° do Cód. Penal se intui que o regime de prova quadra melhor noutro tipo de situações («o regime de prova é ordenado sempre que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade»).»
Retira-se do artigo 53º nº1 do Código Penal que se o tribunal o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
Os nºs 3 e 4 de tal preceito referem-se a situações em que a imposição de tal regime é imperativa sendo que nenhuma delas consubstancia o caso vertente.
O recorrente refuta, em suma, a sua necessidade de reintegração por não ter antecedentes criminais e 60 anos de idade, porém, a decisão sobre a conveniência e adequação do regime de prova incumbe não ao recorrente, mas ao Tribunal e não estão em causa apenas razões de prevenção especial mas igualmente razões de prevenção geral como decorre da expressa menção à realização das finalidades da punição prevista no artigo 50º nº2 do Código Penal.
Não nos podemos olvidar que está em causa um crime de tráfico de menor gravidade, crime cuja prática gera um inegável e expressivo alarme comunitário e que é punido com pena privativa da liberdade, ou seja pena de prisão. Assim militam, nesta sede, para além das razões de prevenção especial, as únicas enfatizadas pelo recorrente, razões de tutela dos bens jurídicos e de restauração das expectativas comunitárias que foram defraudadas pela atuação delituosa daquele.
Ao contrário do invocado não nos merece censura que a suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente seja acompanhada de regime de prova que vise, designadamente, como propugna a decisão recorrida o estímulo daquele para uma procura ativa de uma atividade laboral regular e estruturada.
Assim, impõe-se concluir que a decisão recorrida se deve manter na íntegra com exceção da referência na mesma contida aquando da determinação concreta da pena de que: «O arguido, apesar de regularmente notificado, não compareceu em audiência de julgamento» por se tratar de uma circunstância espúria aos critérios legais de determinação da pena revogando-se apenas nesse segmento a decisão.

3-DECISÓRIO:
Nestes termos e, em face do exposto, acordam as Juízas Desembargadoras desta 3ª Secção em julgar parcialmente procedente o recurso de AA revogando-se a decisão no segmento suprarreferido e mantendo-a no demais.
Sem custas.
Notifique.
*
Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal exara-se que o presente Acórdão foi pela 1ª signatária elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários e sendo as suas assinaturas bem como a data certificadas supra.
*
Tribunal da Relação de Lisboa, 22 de outubro de 2025
Ana Rita Loja
Rosa Vasconcelos
Cristina Isabel Henriques
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1. vide Acórdão do Plenário das Secções do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995.
2. Artigos 403º, 412º e 417º do Código de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 proferido no processo 91/14.7YFLSB.S1 e de 30/06/2016 proferido no processo 370/13.0PEVFX.L1. S1.
3. Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335
4. cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/04/2008, cit. por A. Lourenço Martins, ‘Medida da Pena’, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 242.