Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11353/23.2T8LSB.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: ARRENDATÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
TOTALIDADE DO IMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. Sendo a questão de direito controvertida a de saber se a A., enquanto titular do direito de arrendamento comercial sobre a parte de um prédio indiviso, não constituído em regime de propriedade horizontal, tem o direito de preferência na compra de todo o prédio, só a resposta positiva a esta questão é que impõe o conhecimento da exceção da caducidade de tal direito.
2. Sendo a resposta a esta questão negativa, torna-se inútil a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto com o objeto apresentado que, como é reconhecido pela Recorrente, apenas é suscetível de relevar no conhecimento da exceção da caducidade do direito.
3. Na medida em que os factos que são objeto da impugnação da matéria de facto não são relevantes para a decisão de causa, não sendo a alteração pretendida suscetível de interferir na mesma, não há que proceder à sua apreciação, pela inutilidade de tal diligência, de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do CPC.
4. É pacífico que o regime legal do direito de preferência do arrendatário de prédio urbano a considerar, corresponde àquele que se encontra em vigor à data em que ocorre o ato de alienação do imóvel, pelo que ao caso é aplicável o regime previsto no art.º 1091.º do C.Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 64/2018 de 29 de outubro, já que o contrato de compra e venda do prédio em questão foi realizado em 22 de março de 2022.
5. No âmbito da atual regulação do direito de preferência do arrendatário, contemplada no art.º 1091.º do C.Civil e após a declaração de inconstitucionalidade do n.º 8 de tal artigo, a jurisprudência do nosso tribunal superior tem sido unânime na defesa do entendimento de que o direito de preferência do arrendatário está limitado à parte do prédio que é objeto do contrato de arrendamento, só existindo quando tal parte tem autonomia jurídica, não dispondo o arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal de direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada.
6. Ainda que não exista sobre tal matéria um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, atento o significativo número de arrestos do Supremo Tribunal de Justiça que têm vindo a pronunciar-se e a decidir sobre tal matéria no sentido referido, afigura-se, a bem dos princípios da segurança, da igualdade e da certeza jurídicas, que não pode desvalorizar-se o sentido com que aquelas normas reguladoras do direito de preferência do arrendatário têm vindo a ser interpretadas pelo nosso tribunal superior, atenta a unanimidade do entendimento que têm vindo a expressar sobre a questão.
7. O art.º 1091.º n.º 1 al. a) do C.Civil, apenas confere ao arrendatário o direito de preferência na compra do local arrendado, quando este apresenta autonomia jurídica, designadamente por incidir sobre uma fração autónoma, existindo nesse caso uma coincidência material entre o local arrendado e a fração que constitui o objeto do contrato de arrendamento.
8. O benefício do arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal dispor do direito de preferência na compra da totalidade do prédio onde situa o local arrendado é atribuído, com carater excecional, pelo legislador, na Lei 42/2017 de 14 de junho, apenas quando no arrendado está instalado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural, numa manifestação de proteção do interesse público.
9. O n.º 9 do art.º 1091.º, tal como anteriormente o n.º 8, visa apenas os arrendamentos para fins habitacionais, em face do disposto no n.º 5 do art.º 1091.º que expressamente alude e sujeita o direito de preferência do arrendatário de imóvel para fins habitacionais ao regime geral dos art.º 416.º a 418.º e 1410.º do C.Civil, ainda que com as especificidades previstas nos números seguintes deste artigo.
10. O n.º 9 do art.º 1091.º contempla apenas a possibilidade dos diversos arrendatários de prédio não constituído em propriedade horizontal exercerem em conjunto o direito de preferência, na proporção do local arrendado, não facultando ao arrendatário de parte do imóvel o direito de o adquirir na totalidade para si, o que chocaria com o direito legal de preferência atribuído pelo n.º 1 al. a), limitado ao local arrendado.
11. Em face do regime legal contemplado no atual art.º 1091.º do C.Civil, resulta que o arrendatário não habitacional de parte de imóvel não constituído em propriedade horizontal, fora da exceção conferida pela Lei 42/2017 de 14 de junho, relativa ao arrendatário de parte do imóvel em que esteja instalado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural, não dispõe do direito de preferência na compra da totalidade do imóvel
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem a A. RECEITAS & PALAVRAS COMÉRCIO E RESTAURAÇÃO, LDA. intentar a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra PALAVRAS CONSISTENTES, LDA., NOTABLEFREQUENCY, UNIPESSOAL, LDA. e ABANCA CORPORACIÓN BANCARIA, S.A., SUCURSAL EM PORTUGAL formulando os seguintes pedidos:
“(i) ser reconhecido o direito de preferência da Autora relativamente à totalidade do prédio urbano composto de edifício de lojas, cinco andares e águas furtadas, sito em São Nicolau, Rua da Prata, n.ºs ... a … e Rua da Vitória, n.ºs … a …, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo..., no âmbito do contrato de compra e venda celebrado em 22 de março de 2022, entre a 1.ª Ré enquanto compradora e a 2.ª Ré vendedora;
(ii) serem as Rés condenadas a verem transferida a totalidade da propriedade do prédio vendido para a esfera jurídica da Autora, que substituirá a 1.ª Ré na transmissão operada mediante o pagamento do preço pago e depositado à ordem destes autos após liquidação do mútuo contraído pela 1.ª Ré junto do Banco;
(iii) ser ordenado junto da Conservatória do Registo Predial o cancelamento da inscrição predial de aquisição feita sob ap. 1858 de 2022/03/22, a favor da 1.ª Ré e, em simultâneo, ordenada a inscrição predial de aquisição a favor da Autora;
(iv) serem ordenados junto da Conservatória do Registo Predial os cancelamentos das inscrições prediais de hipoteca e consignação de rendimentos feitas sob as Ap. 1859 de 2022/03/22 e 1860 de 2022/03/22, a favor da 3.ª Ré;
(v) ser ordenado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a inscrição da propriedade plena do imóvel na titularidade da Autora;
(vi) ser a 2.ª Ré condenada a devolver a quantia de € 39.881,94 (trinta e nove mil, oitocentos e oitenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), paga indevidamente desde março de 2022 a título de rendas, acrescida dos respetivos juros de mora desde a data da citação;
(vii) serem as 1.ª e 2.ª Rés condenadas a pagar à Autora os valores recebidos desde março de 2022 a título de rendas dos restantes locados que integram o prédio objeto dos autos, acrescido de juros de mora desde a data da citação;
(viii) seja admitido o pagamento das rendas devidas pela Autora através de consignação em depósito, nos termos do disposto no artigo 841.º, n.º 1 a) do CCivil até ao trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida nos presentes autos;
(ix) serem as 1.ª e 2.ª Rés condenadas a pagar a diferença entre o montante que a Autora irá pagar pelo empréstimo e o montante que iria pagar pelo empréstimo, se tivesse sido contratado em março de 2022, a apurar em sede de liquidação de sentença”.
Alega, em síntese, que é arrendatária não habitacional das divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes ao 1º Andar Direito, 1º Andar Esquerdo e 3 lojas no R/C do prédio que identifica, que foi vendido pela 2ª R. à 1ª R., não lhe tendo sido comunicada a intenção de celebrar o contrato de compra e venda do prédio, nem tão pouco os termos do negócio, tendo, por isso, o seu direito legal de preferência sido violado.
Por requerimento de 16/05/2023, veio a A. juntar comprovativo do depósito do valor do preço de € 3.550.000,00.
Devidamente citadas as RR. vieram contestar, invocando a exceção de ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário e a caducidade do direito da A. alegando, em síntese, que a A. se furtou ao recebimento de toda e qualquer comunicação, tendo criado a convicção de que não tinha interesse na aquisição do imóvel, a qual, em todo o caso, não tem direito de preferência por inaplicabilidade do artigo 1091º do CC, na redação introduzida pela Lei n.º 64/2018, concluindo pela improcedência da ação.
O Banco Réu veio ainda alegar que, vindo a ação a ser procedente, deverá ser acautelado o pagamento da dívida da 1ª R. ao R. Abanca decorrente do contrato de mútuo celebrado entre ambos, sob pena da mesma se constituir numa situação de enriquecimento sem causa.
Notificada, a A. respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se declarou que “A apreciação da eficácia liberatória de um (qualquer) depósito é feita através do processo especial “da consignação em depósito” - cfr. arts. 916º e ss. do Cód. Proc. Civil”, na sequência do que se absolveu as Rés da instância no que se refere ao pedido (viii); julgou-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade e relegou-se para final o conhecimento da exceção de caducidade; foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal.
Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo as RR. dos pedidos e a A. do pedido de condenação como litigante de má fé.
Por não se conformar com esta decisão, vem a A. dela interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que “julgue, a final, o presente Recurso totalmente procedente, reconhecendo o direito de preferência da Recorrente, ordenando a remessa dos autos para a 1.ª Instância para conhecimento das questões prejudicadas, nos termos e com os fundamentos supra expostos”, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. O presente Recurso de Apelação, com reapreciação da prova gravada, vem interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo em 06.03.2025, e notificada através de Ofício de Ref.ª 443476028, datado de 07.03.2025, quanto ao segmento decisório relativo à improcedência da Acção e absolvição das Rés, aqui Recorridas, do pedido, em face da alegada inexistência do direito de preferência da Autora, aqui Recorrente, encontrando-se assim o presente Recurso limitado e restringido a este segmento decisório, para efeitos do disposto no artigo 635.º, n.º 2, do CPC.
B. Sucede que, a Recorrente não se pode conformar a Sentença recorrida, na medida em que a mesma enferma de erros que a irremediavelmente inquinam, seja o erro de julgamento de/na apreciação da matéria de facto, quanto ao elenco de factos provados, seja o erro de apreciação e julgamento da matéria de direito, nomeadamente quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 1091.º, do CC, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro.
C. No que concerne à matéria de facto, não pode a Recorrente concordar e aceitar parte da matéria assente pelo Tribunal a quo, atendendo a que existem concretos pontos de facto que foram incorrecta e/ou insuficientemente julgados como provados, bem como factos que deveriam ter sido julgados como provados em função da prova produzida nos presentes autos, nomeadamente a documental e a testemunhal, e não foram.
D. Em concreto, que no que se reporta ao Facto 13), da Sentença recorrida, “No 1º Andar Direito funciona o Restaurante ALDEA mas não é utilizado com frequência pela Autora”, afigura-se o mesmo incorrectamente julgado em face da prova produzida, no que concerne à conclusão de que o mesmo não é utilizado com frequência, não tendo tal facto resultado do depoimento da testemunha AA, como valorado, em erro, pelo douto Tribunal a quo.
E. Assim, para efeitos da alínea b), do n.º 1, e da alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, e n.º 1, do artigo 662.º, do CPC, compulsado o depoimento da testemunha AA, prestado em 17.01.2025 – cfr. segmento da Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10-34-33 - 00:01:31 a 00:03:36 – sempre se constata que a testemunha em momento algum do seu depoimento referiu tal facto, tendo a mesma, ao invés, atestado que que o restaurante “Aldea” funciona efectivamente nas três lojas do R/C e ainda no 1.º andar (esquerdo e direito), e que ocupa todas as divisões objecto do arrendamento em apreço (cfr. Facto 1), do elenco dos factos provados).
F. Resultando ainda do depoimento da testemunha AA, cabalmente demonstrado que inexiste qualquer limitação ao uso das divisões do 1.º andar e que o acesso ao mesmo (pelos clientes, fornecedores e pela Recorrente) é feito através do interior do restaurante.
G. Mais se encontrando corroborado, através do sobredito depoimento, o facto de a Recorrente se encontrar impedida de aceder ao 1.º andar através das escadas comuns do prédio, seja porque a mesma encontra-se fechada, seja porque não detém, nem nunca deteve, a chave de entrada do prédio pela Rua 1, por não lhe ter sido dado pela proprietária, encontrando-se assim impedida de ter acesso à entrada do prédio e aos receptáculos postais que aí se encontram.
H. A este propósito, é aqui convocável ainda o depoimento da testemunha BB, em 17.01.2025, (cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10-58-54 – 00:23:51 a 00:24:57, para efeitos da alínea b), do n.º 1, e da alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, e n.º 1, do artigo 662.º, do CPC), tendo o mesmo atestado que a porta de acesso ao 1.º andar se encontrava tapada e sem acesso pela Recorrente, resultando assim que a testemunha – colaborador da Hipoges à data dos factos – detinha cabal conhecimento de que a Recorrente não tinha acesso “pelo vão de escadas do prédio” ao 1.º andar.
I. Nestes termos e para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, no Facto 13) no seguinte sentido: “13. No R/C e 1º Andar Direito funciona o Restaurante ALDEA, tendo a Autora acesso ao 1.º andar, apenas e exclusivamente, através das escadas interiores do estabelecimento comercial, por nunca lhe ter sido a chave de acesso à entrada do prédio pela Rua 1.”, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
J. No que concerne ao Facto 21), da Sentença recorrida, o douto Tribunal a quo deu como provado que: “21. A carta enviada pela 2ª Ré comunicando à Autora a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, foi enviada para a Rua 1, e foi recebida”, no entanto, erradamente, não considerou, em concreto, qual o local da sua recepção, atendendo a que o mesmo diverge da morada destinatária.
K. Ora, resulta demonstrado que o distribuidor postal entrega toda e qualquer correspondência dirigida à Recorrente e que surge identificada com o nome desta, dentro do restaurante, o qual se encontra aberto, todos os dias, das 09h00 às 23h00, resultando da prova produzida, em sede de Audiência de Julgamento, que a Recorrente não recepcionava correspondência no 1.º andar, atendendo a que toda a correspondência era efectivamente entregue no estabelecimento comercial, no restaurante.
L. Assim, para efeitos da alínea b), do n.º 1, e da alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, e n.º 1, do artigo 662.º, do CPC, atente-se ao depoimento da testemunha AA, prestado em sede de Audiência de Julgamento realizada em 17.01.2025 – cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10-34-33 – 00:03:37 a 00:04:11.
M. A sobredita testemunha que atestou que recepcionava toda a correspondência/comunicações dentro do restaurante, tendo ainda esclarecido que todos os avisos de levantamento de correio, avisos de recepção são ali recepcionados, sendo o mesmo responsável por diligenciar pela sua recepção, atestando não ter recebido qualquer correspondência, ou registo para levantamento da carta datada de 28.03.2022, e apenas remetida para o 1.º andar Dto. da Recorrente.
N. A este propósito, veja-se ainda às Declarações de Parte da 1.ª Recorrida, através do gerente CC, na Audiência de Julgamento realizada em 13.02.2025 – cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-02-13_11-00-15 – 00:10:15 a 00:10:58 –, nos termos das quais foi inteiramente corroborado o procedimento de recepção de correspondência para a Recorrente dentro do restaurante da mesma.
O. Nestes termos e para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, no Facto 21) no seguinte sentido: “21. A carta enviada pela 2ª Ré comunicando à Autora a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, foi enviada para a Rua 1, e foi recebida no R/C, dentro do estabelecimento comercial Aldea, à semelhança de toda a correspondência remetida à Autora.”, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
P. No que concerne à matéria de facto provada constante dos Factos 22), 23), 24), 25) e 26), da Sentença recorrida, nos termos dos quais deu-se como provados os contactos pessoais, alegadamente, promovidos pela 1.ª Recorrida junto da Recorrente, importa igualmente referir que os mesmos não resultam suficientemente provados da prova produzida nos presentes autos, motivo pelo qual o douto Tribunal erra ao dá-los como provados.
Q. Sendo que, a prova produzida a este propósito, e erradamente valorada pelo douto Tribunal a quo, reporta-se ao depoimento da testemunha DD (“accionista indirecto da Palavras Consistentes” - cfr. 00:00:50 a 00:01:46 e 00:01:54 a 00:02:46 da Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_11-56-31), e às declarações de parte (da 1.ª Recorrida) na pessoa de CC, sendo que tais depoimentos/declarações revelam-se contraditórios, incongruentes e pouco credíveis, sendo evidente o ensaio e preparação dos mesmos.
R. Ao que acresce o facto de ambos terem interesse directo e pessoal na improcedência da presente Acção, encontrando-se o seu discurso enviesado por tal interesse e sintomático disso mesmo é o facto de ambos se reportarem às alegadas diligências promovidas de forma vaga e genérica, sem concretizarem no tempo e no espaço a sua verificação, reportando-se ainda a testemunha DD a factos que não presenciou e que apenas tem conhecimento através do que lhe havia sido transmitido por CC, demonstrando não ter conhecimento pessoal dos factos.
S. Sendo que, no que concerne em concreto ao Facto 24), da Sentença recorrida, sempre deverá ser excluído do mesmo o juízo de valor “(…) nem se mostrou disponível para falar com o representante da 1ª Ré.”, atendendo a que a valoração de que o legal representante da Autora, aqui Recorrente, não se tinha mostrado disponível para falar com o legal representante da 1.ª Ré, aqui 1.ª Recorrida, é um juízo valorativo quanto à disponibilidade da Recorrente, reconduzindo-se a uma apreciação subjectiva da questão em apreço, e que não tem cabimento na apreciação da matéria de facto.
T. Assim, para efeitos do disposto na alínea b), do n.º 1, e da alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, e n.º 1, do artigo 662.º, do CPC, veja-se que o depoimento da testemunha DD, em sede de sessão de Audiência de Julgamento de 17.01.2025 – cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_11-56-31 – 00:08:18 a 00:14:20 –, revela-se confuso e pouco crível quanto à descrição dos factos, e quando questionado directamente sobre em que momento temporal o mesmo em momento algum referiu “Abril de 2022” ou “Maio de 2022”, não tendo conseguido enquadrar tais acontecimento no tempo e espaço, não se reportando sequer ao ano de 2022, mas tão só a “Abril”.
U. No que concerne às declarações de parte da 1.ª Recorrida – e cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-02-13_11-00-15 – 00:03:50 a 00:08:02 –, resulta inequivocamente que o Gerente se reporta a deslocações ocorridas no período de fim da COVID-19, não tendo, em momento algum, referido que os contactos pessoais ocorreram no ano de 2022, sendo que, como é de conhecimento público e notório, o final da COVID-19 reporta-se ao ano de 2023, tendo sido declarado o fim da emergência global da COVID-19, em 05.05.2023, https://www.insa.min-saude.pt/organizacao-mundial-da-saude-declara-fim-da-emergencia-global-da-covid-19/.
V. Por fim, importa ainda trazer à colação os depoimentos das testemunhas EE, em 17.01.2025, (cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_11-30- 50 – 00:17:56 a 00:20:229), portfólio manager da Hipogesiberia, AA, em 17.01.2025 (cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10- 34-33 - 00:07:20 a 00:08:23 e 00:16:29 a 00:20:08), FF, em 13.02.2025, (cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-02-13_10-40-37 – 00:04:22 a 00:08:16), resultando do confronto dos depoimentos em apreço que os contactos telefónicos (e eventualmente os pessoais que tenham ocorrido, o que não se concede) apenas ocorreram em 2023.
W. Relevando-se, a este propósito, o depoimento da testemunha FF, no sobredito segmento citado, confuso e incoerente, atendendo a que a testemunha sem qualquer convicção assumiu ter realizado o contacto em 2022 e numa parte final do seu depoimento referiu já não se recordar quando é que o mesmo teve lugar, não podendo assegurar que o mesmo tenha ocorrido em 2022, motivo pelo qual o depoimento em apreço não merece qualquer credibilidade.
X. Ainda no que concerne ao depoimento da testemunha AA – cfr. Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10-34-33 - 00:07:20 a 00:08:23 e 00:16:29 a 00:20:08 – resulta ainda demonstrado que que nunca, em momento algum, recebeu a visita do legal representante da 1.ª Recorrida, no restaurante, nem de qualquer outra pessoa, a questionar sobre o pagamento das rendas e/ou sobre a não recepção de comunicações/correspondência remetida para a Recorrente.
Y. No mais, atente-se ao DOC. 7, junto com a Petição Inicial, onde resulta que a 1.ª Recorrida procedeu àquela única comunicação, qual remeteu em 22.03.2022 (e mesma não foi recebida) e em 04.04.2023 (tendo a mesma sido recebida), i.e., um ano depois do primeiro envio, o que demonstra – através de raciocínio lógico e de normalidade das coisas e/ou experiência comum – que a 1.ª Recorrida não fez qualquer outra comunicação para além daquela, tendo-a remetido após o contacto telefónico mantido entre a testemunha FF e a testemunha AA, em 2023.
Z. Sendo inequívoco que estamos perante uma única comunicação, a mesma comunicação enviada nas sobreditas datas, pois que assim não fosse também as Recorridas deveriam ter procedido à junção da demais correspondência devolvida, o que não fizeram.
AA. Nestes termos e para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, nos Factos 22), 23), 24) e 25), dando-se os mesmos como não provados, devendo estes, em consequência, ser aditados ao rol de matéria não provada, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
BB. No mais, para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada no facto 26), no seguinte sentido: “26. Uma funcionária, a pedido 1ª Ré, em 2023, telefonou para o Gerente do Restaurante ALDEA que lhe transmitiu que teria que falar com o dono do Restaurante, nunca tendo dado o contacto deste.”, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
CC. Ainda em sede de impugnação da matéria de facto, existem concretos factos que deveriam ter sido dados como provados, porquanto resultam da prova carreada e produzida nos presentes autos, e não o foram, erradamente diga-se, pelo douto Tribunal a quo.
DD. Para efeitos do da alínea b), do n.º 1, e da alínea a), do n.º 2, do artigo 640.º, e n.º 1, do artigo 662.º, do CPC, importa trazer à colação os DOCS. 1 e 8, da Petição Inicial e de onde resulta manifestamente demonstrado que era prática reiterada entre os Autores e a 2.ª Ré o envio das comunicações para todos os locados – 1.º Andar Direito, 1.º Andar Esquerdo e três lojas no R/C.
EE. Com efeito, veja-se que caso o douto Tribunal a quo tivesse apreciado e cotejado a prova produzida, em concreto os DOCS. 1 e 8, da Petição Inicial, havia concluído que a correspondência/comunicações dirigidas à Recorrente o eram, em regra e por norma, sempre remetidas para a morada do locado, correspondente às diversas divisões ocupadas pela Recorrente, em estrito cumprimento da cláusula décima do contrato de arrendamento (cfr. DOC. 1), e exemplo disso é o DOC. 8, ambos juntos com a Petição Inicial.
FF. No mais, veja-se ainda que o cumprimento da regra relativa ao envio da correspondência/comunicações para a morada do locado da Recorrente, resultou inequivocamente do depoimento da testemunha EE, portfólio manager da Hipogesiberia - cfr. segmentos 00:01:05 a 00:02:20, e 00:15:08 a 00:17:36 da Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_11-30-50 – e onde o mesmo referiu que a regra era o envio da morada do locado constante do contrato de arrendamento.
GG. Nestes termos e para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, aditando-se ao rol de factos provados que: “Era prática reiterada entre a Autora e a 2.ª Ré o envio das comunicações para todos os locados – 1.º Andar Direito, 1.º Andar Esquerdo e três lojas no R/C, sendo as mesmas recebidas no R/C dentro do estabelecimento comercial.”, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
HH. Ora, de facto, não resulta provado que o Gerente da 1.ª Recorrida, CC, se tenha deslocado ao restaurante para averiguar a não recepção das comunicações ou o não pagamento da renda, ou sequer que tenha tentado contactar o Gerente da Recorrente para este mesmo fim, sendo que inequívoco que aquele não comunicou qualquer tentativa de contacto aos Gerentes da Recorrente (até porque a mesma não ocorreu).
II.No mais, resulta ainda demonstrado através do depoimento da testemunha GG, em sede de Audiência de Julgamento em 17.01.2025 – cfr. segmentos 00:05:12 a 00:10:05 e 00:14:48 a 00:15:25, da Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_09-50-18 –, que na sequência da recepção da fatura emitida pela 1.ª Recorrida, junta sob o DOC. 4, da Petição Inicial, em Janeiro de 2023, a mesma comunicou à Recorrente tal circunstância “anómala”,
JJ. Resultando assim demonstrado que foi precisamente na sequência dessa comunicação pela testemunha GG que a Recorrente diligenciou pela obtenção de todos os documentos necessários ao conhecimento dos termos e condições do negócio celebrado entre as Recorridas, o que veio a ocorrer com a disponibilização da cópia da escritura de compra e venda em 09.03.2023 (cfr. Facto 8), dos Factos provados).
KK. Nestes termos e para os efeitos da alínea c), do n.º 1, artigo 640.º, do n.º 1, do artigo 662.º, ambos do CPC, impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada, aditando-se ao rol de factos provados que: “A Autora apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais do negócio, aquando da recepção da cópia da escritura de compra e venda, o que só veio a ocorrer em 09.03.2023, na sequência da informação transmitida pela contabilista da empresa em Janeiro de 2023.”, o que desde já se requer para todos os efeitos e demais consequências legais.
LL. No que concerne à impugnação da matéria de direito vertida na Sentença recorrida, fica cabalmente demonstrado o erro incorrido pelo douto Tribunal a quo quanto à interpretação e aplicação do disposto no artigo 1091.º, do CC, e em concreto ao ter decidido pela inexistência do direito de preferência da Recorrente, no presente caso, o que determina a sua revogação.
MM. A Recorrente demonstrou que o entendimento perfilhado na sede de Sentença recorrida, enferma de erro ao considerar que o n.º 9, do artigo 1091.º, do CC, assume um carácter de dependência do já declarado inconstitucional n.º 8, do mesmo enunciado normativo, não se aplicando a arrendamentos para fins não habitacionais.
NN. A este propósito, resulta demonstrado que o enunciado normativo ínsito no artigo 1091.º, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, se aplica quer aos arrendamentos para fins habitacionais, quer aos arrendamentos para fins não habitacionais, não resultando da letra da lei, ou mesmo do espírito do legislador, qualquer restrição de aplicação do presente enunciado normativo apenas aos casos de arrendamento habitacional, e tanto assim é que o n.º 8 refere expressamente “fins habitacionais” e o n.º 9 não.
OO. No mais, fica ainda demonstrado que a Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho – a qual tem como escopo o reconhecimento e a protecção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local e por isso especial – não impede, nem tão pouco contraria, a possibilidade dos demais arrendamentos para fins não habitacionais, isto é que não se reportem a estabelecimentos com interesse histórico e cultural, inseridos em prédios não constituídos em propriedade horizontal, encontrarem tutela jurídica quanto ao direito de preferência no âmbito do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), e n.º 9 do CC.
PP. Sendo que, aliás, a redacção da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, até é anterior à redacção do artigo 1091.º, do CC, conferida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, ou seja não se pretendeu com a mesma restringir e/ou limitar o direito de preferência, em arrendamentos não habitacionais, aos casos em que exista interesse histórico e cultural, mas tão-só estabelecer um regime especial para aqueles, sem que para isso os demais fiquem desprotegidos.
QQ. Sintomático disso mesmo é todo o processo legislativo inerente ao sobredito enunciado normativo, tal como demonstrado através dos DOCS. 13, 14 e 15, da Petição Inicial, pois que, mesmo após a reapreciação da lei em apreço e do pedido de esclarecimentos quanto à aplicação do mesmo quer a arrendamentos não habitacionais, quer a habitacionais, o artigo 1091.º, n.º 9, do CC, manteve-se inalterado, aquando da aprovação do diploma, tendo a proposta da sua eliminação sido recusada (cfr. DOC. 16, da Petição Inicial).
RR. Tendo a alteração legislativa estabelecido que a única diferença entre os arrendamentos habitacionais e os não habitacionais diz respeito à possibilidade que os primeiros têm – ou tinham até a norma ter sido julgada inconstitucional – e os segundos não, de exercer o direito de preferência sobre a respetiva quota-parte do imóvel, pelo que é inequívoco que a intenção do legislador foi a de que o regime do exercício do direito de preferência previsto no artigo referido se aplique tanto aos arrendamentos habitacionais como aos não habitacionais, sendo esta a interpretação que melhor se coaduna com o disposto no artigo 9.º, do CC.
SS. Com efeito, a Recorrente, ainda que arrendatária não habitacional, podia (e pode) exercer o seu direito de preferência em conjunto com os demais arrendatários “que assim o pretendam”, adquirindo a totalidade do prédio isoladamente, sem que daí advenha qualquer sacrifício à autonomia negocial do obrigado à preferência, neste caso a 2.ª Ré, aqui 2.ª Recorrida, operando inequivocamente o n.º 9, do artigo 1091.º, do CC.
TT. Pois que, perante a redacção da alínea a), do n.º 1, do artigo 1091.º, do CC – e conferida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro –, o arrendatário de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, no presente caso a Recorrente, continua a ter direito de preferência na venda ou dação em pagamento de todo o prédio, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo.
UU. Certo é que, in casu, dúvidas inexistem que a ratio da norma do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), do CC – com respaldo nos fins que ao Estado incumbe prosseguir fixados pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com os fins ínsitos nos artigos 13.º, 61.º e 62.º, daquele diploma – não se coaduna com um tratamento desigual dos inquilinos consoante o local por si arrendado seja uma fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal ou um andar de prédio indiviso.
VV. Sendo que, a constituição da propriedade horizontal sobre o prédio não é, nem pode ser, fundamento material bastante para o tratamento diferenciado dos arrendatários urbanos decorrente da interpretação do artigo 1091.º do CC, como procede o douto Tribunal a quo em erro na Sentença recorrida.
WW. Na medida em que não existe qualquer imposição legal de coincidência necessária entre o objecto do contrato de arrendamento e do direito de preferência do arrendatário, podendo este ter uma extensão material maior que o local arrendado, como, de resto, resulta do preceituado no artigo 417.º do CC, cfr. neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, de 16.06.2020.
XX. Motivo pelo qual, não podendo os inquilinos exercer a preferência na aquisição dos andares/divisões dos quais são arrendatários – por estes não deterem “autonomia jurídica”, ainda que materialmente o tenham – terão de exercer o seu direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano, este sim já susceptível de ser objecto de negócios jurídicos (cfr. artigos 202.º e 203.º, do CC) – cfr. neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 23.06.2015, no âmbito do Processo n.º 1275/12.8TBCBR.C1 e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 07.12.2017, no âmbito do Processo n.º 1130/15.0T8VNF-F.G1).
YY. O que, a não ser assim, seria proteger e tutelar de modo diverso situações substantivamente iguais, discriminando negativamente o arrendatário que, não obstante usufruir de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, tem relativamente a ela contrato de arrendamento válido e dele retira benefícios, tão relevantes como os oriundos de contratos incidentes sobre fracção juridicamente autónoma.
ZZ. Termos em que fere o sentido de justiça do cidadão comum, que se aceite a celebração de um contrato de arrendamento de uma parte legalmente indivisa, mas materialmente autonomizada, e depois se subvertam os princípios e fins basilares do direito de preferência, coarctando os seus efeitos jurídicos,
AAA. Afrontando, de forma flagrante, o direito à iniciativa privada, o direito de propriedade e de igualdade, tal como previstos e tutelados, respectivamente, pelos artigos 61.º, 62.º e 13.º, da Constituição da República Portuguesa, com base em expressões de carácter e alcance dúbio como “local arrendado”, como erradamente procede o douto Tribunal a quo.
BBB. Acresce que, a circunstância supra referida não onera mais gravemente a posição do senhorio – cfr. neste sentido, o Acórdão n.º 225/2000, de 05.04.2000, do Tribunal Constitucional –, na medida em que o mesmo detém total liberdade para dispor da coisa objecto de preferência, quanto à intenção de venda, ao preço e às condições de pagamento, permitindo a alienação do prédio em igualdade de condições ajustadas com terceiro.
CCC. Pelo que, o direito de transmitir a propriedade não se vê afectado no seu conteúdo essencial, na medida em que o estabelecimento de um direito de preferência, no caso de alienação do prédio, não obriga o proprietário a vender, nem o impede de vender, nem o obriga a vender por determinado preço e em determinadas condições.
DDD. Ademais, certo é que uma qualquer restrição ao direito de propriedade – por força da vinculação à preferência do arrendatário, a qual não se concede –, não constitui uma limitação arbitrária ou materialmente infundada.
EEE. Ora, veja-se que in casu, impõe-se a aplicação do artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) e o n.º 9, do CC, atenta a necessária protecção do direito do interesse social e económico das actividades prosseguidas no local arrendado pela Recorrente, as quais são favorecidas pela total disponibilidade do prédio onde se exercem e pela estabilidade e continuidade dessa exploração no prédio arrendado há mais de 13 anos.
FFF. Impondo-se assim tutelar, além do interesse económico do arrendatário no exercício da sua liberdade de iniciativa privada, os interesses da preservação de postos de trabalho, dos clientes ou utentes dos estabelecimentos e, sobretudo, bem como das actividades instaladas no local arrendado, interesses que se encontram constitucionalmente tutelados nos artigos 58.º e 61.º, da Constituição da República Portuguesa.
GGG. Por fim, diga-se ainda que a desconsideração da materialidade subjacente à realidade do arrendamento em apreço e a pretensa desaplicação do artigo 1091.º, do CC, promove a desprotecção dos inquilinos em prol das entidades que visam lucrar com os investimentos imobiliários e movimentos especulativos de mercado, que se pretendiam evitar com a aprovação da Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro,
HHH. Promovendo-se ainda que os proprietários dos imóveis, designadamente os não constituídos em propriedade horizontal, optem, deliberada e intencionalmente, pela não constituição da propriedade horizontal, de forma a obter um maior lucro e assim a venderem o imóvel de forma mais facilitada, subvertendo de forma inadmissível o escopo do direito de preferência, tudo em violação directa dos fins e objectivos da sobredita Lei, constantes da exposição de motivos da mesma.
III.Situação que é patente no presente caso, pois que recorde-se que a intenção da 2.ª Recorrida, era sim tornar o prédio em apreço devoluto para o submeter a uma obra urbanística, e requerer um pedido de informação prévia para “acrescentar andares” no sentido de o optimizar e assim revender, tudo de forma a obter o maior lucro (cfr. segmento, 00:05:40 a 00:06:49, Diligencia_11353-23.2T8LSB_2025-01-17_10-58-54, do depoimento da testemunha BB) e de fls. 5, do DOC. 5, da Petição Inicial, onde é confirmado que a aquisição do prédio em causa destina-se a “revenda”.
JJJ. E em evidente prejuízo dos inquilinos do prédio em causa, onde se inclui a Recorrente e outros arrendatários, que terão necessariamente de sair do mesmo e tanto assim é que a 2.ª Recorrida opôs-se à renovação do contrato de arrendamento da Recorrente (cfr. Facto 21), do elenco de Factos Provados.
KKK. Em conclusão, a lei garante a preferência sobre o “local arrendado”, não distinguindo a sua natureza jurídica nem fazendo qualquer exclusão, pelo que a única forma de garantia a preferência sobre o “local arrendado” será através da afectação do local total, motivo pelo qual não é possível extrair da expressão “local arrendado” qualquer limitação de aquisição da totalidade do prédio em causa.
LLL. Com efeito, forçosamente se conclui que o douto Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação do disposto no artigo 1091.º, n.º 1, alínea a), e n.º 9, do CC, e assim em consequente erro de julgamento, ao considerar que a Recorrente não detém qualquer direito legal de preferência,
MMM. Pelo que, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão proferido por este Venerando Tribunal que reconheça o direito legal de preferência da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) e n.º 9 e, em consequência, determine a remessa dos presentes autos para o Tribunal a quo, para conhecimento da questão relativa à pretensa caducidade do direito da Recorrente, e cujo conhecimento ficou prejudicado, conforme desde já se requer nos termos e com os fundamentos supra expostos.
As RR. vieram responder ao recurso concluindo pela sua improcedência e pela confirmação da sentença proferida.
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 13, 21 e 22 a 26 dos factos provados e quanto ao aditamento de dois novos pontos aos factos provados;
- da (in)existência de direito de preferência da A. enquanto arrendatária não habitacional de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, na compra da totalidade do prédio.
III. Fundamentos de Facto
- da impugnação da matéria de facto quanto aos pontos 13, 21 e 22 a 26 dos factos provados e quanto ao aditamento de dois novos pontos aos factos provados
Vem a Recorrente insurgir-se contra a decisão da matéria de facto que considera errada, ao dar como assentes os factos elencados sob os n.ºs 13, 21, e 22 a 26, mais requerendo o aditamento de dois novos pontos aos factos provados, integrando matéria que tem com relevante para a boa decisão da causa.
De acordo com o disposto no art.º 662.º n.º 1 do CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
A parte que pretende impugnar a matéria de facto tem o ónus de cumprir as exigências estabelecidas no art.º 640.º n.º 1 al. a), b) e c) e n.º 2 al. a) do CPC sob pena de rejeição da impugnação.
Salienta-se que a Recorrente dá inteiro cumprimento a este ónus, indicando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meio de prova que impõem uma diferente decisão sobre cada um dos factos impugnados, bem como a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre os mesmos, indicando ainda, com exatidão, as passagens da gravação dos depoimentos gravados em que funda o seu recurso.
Como a Recorrente bem refere nas suas alegações de recurso, em afirmação que se tem por inteiramente correta, a matéria em questão não tem “reflexos directos e imediatos na apreciação e fundamentação do segmento decisório relativo à matéria de direito, tem relevância para efeitos de eventual apreciação da caducidade suscitada – caso o presente recurso venha a ser julgado procedente”.
Na verdade, a sentença proferida considerou prejudicada a apreciação da caducidade do direito de preferência invocado pela A., que não conheceu, por ter entendido que o direito de preferência de que esta se arroga titular não integra a sua esfera jurídica. A ser assim, ao reconhecer-se que o direito não existe, naturalmente que é inútil avaliar a questão de saber se o mesmo caducou ou se foi exercido tempestivamente.
Dito de outro modo, sendo a questão de direito controvertida a de saber se a A., enquanto titular do direito de arrendamento comercial sobre a parte de um prédio indiviso, não constituído em regime de propriedade horizontal, tem o direito de preferência na compra de todo o prédio, só a resposta positiva a esta questão é que impõe o conhecimento da exceção da caducidade de tal direito.
Como melhor se verá adiante a resposta a esta questão é negativa, tal como entendeu a sentença sob recurso, pelo que se afigura inútil a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto que, como se referiu e é reconhecido pela Recorrente, apenas é suscetível de relevar no conhecimento da exceção da caducidade do direito.
Atentos os contornos do caso em presença, como se explicará mais à frente, não pode concluir-se pela existência do direito de preferência da A. na compra da totalidade do prédio que a mesma pretende fazer valer nestes autos, pelo que, ainda que viesse a proceder a impugnação da matéria de facto apresentada em sede de recurso, sempre a ação e o recurso têm de improceder.
Os factos que são objeto da impugnação da matéria de facto apresentada não são relevantes para a decisão de causa, não sendo a alteração pretendida suscetível de interferir na mesma, não havendo que proceder à sua apreciação, pela inutilidade de tal diligência, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos atos, previsto no art.º 130.º do CPC não é sequer lícita a prática de atos inúteis no processo.
No sentido de constituir um ato manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão da matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão, tem vindo a pronunciar-se a nossa jurisprudência, do que são exemplo, entre outros, o Acórdão do TRC de 12-06-2012 no proc. 4541/08, o Acórdão do TRP de 07-05-2012 no proc. 2317/09 ou o Acórdão do STJ de 17-05-2017 no proc. 4111/13.4TBBRG.G1.S1 todos in www.dgsi.pt, referindo-se neste último: “O princípio da limitação de actos, consagrado no artigo 130º do Código de Processo Civil para os actos processuais em geral, proíbe a sua prática no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – desde que não se revelem úteis para este alcançar o seu termo. Trata-se de uma das manifestações do princípio da economia processual, também aflorado, entre outros, no artigo 611º, que consagra a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, e no artigo 608º n.º 2, quando prescreve que, embora deva resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o juiz não apreciará aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Nada impede que também no âmbito do conhecimento da impugnação da decisão fáctica seja observado tal princípio, se a análise da situação concreta em apreciação evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual, cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.
Como, nos termos do disposto no art.º 608.º n.º 2 do CPC o tribunal não está obrigado a conhecer de matéria cujo conhecimento fica prejudicado pela solução dada a outras questões, estando-lhe vedada a prática de atos inúteis no processo, como decorre do art.º 130.º do CPC já referido, abstemo-nos de conhecer a impugnação da decisão de facto apresentada pela Recorrente.
*
São os seguintes os factos que resultaram provados e não provados:
1. A Autora é arrendatária não habitacional das divisões suscetíveis de utilização independente correspondentes ao 1º Andar Direito, 1º Andar Esquerdo e 3 lojas no R/C, com entradas pelos nºs … a … e … a … da Rua 1 e o nº … da Rua 1, do prédio urbano composto de edifício de lojas, cinco andares e águas furtadas, sito em Rua 2, nºs … a …, e Rua 1, nºs … a …, freguesia de São Nicolau, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior sob o artigo....
2. O prédio encontra-se em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cuja proprietária é, desde 03 de setembro de 2018, a NOTABLEFREQUENCY, UNIPESSOAL, LDA., ora 2ª Ré.
3. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica a atividades de restauração como pastelaria, café, bar, casa de chá, bem como o comércio de produtos alimentares.
4. No âmbito da sua atividade comercial a Autora explora um estabelecimento comercial no prédio urbano referido em 1.
5. O contrato de arrendamento foi celebrado com uma anterior proprietária do prédio – FIDELIDADE – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., encontrando-se em vigor desde 30 de outubro de 2012.
6. Tendo as rendas sempre sido pagas pela Autora.
7. No mês de janeiro de 2023 chegou ao departamento de contabilidade da Autora uma fatura, datada de 01 de dezembro de 2022, relativa ao pagamento de uma renda, emitida pela 1ª Ré.
8. Em 09 março de 2023, a Autora obteve cópia da escritura de compra e venda do prédio referido em 1..
9. No dia 22 de março de 2022, foi outorgada a escritura de Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca, Consignação de Rendimentos e Aval, nos termos da qual a 2ª Ré vendeu à 1ª Ré o imóvel referido em 1. pelo preço de € 3.550.000,00 (três milhões quinhentos e cinquenta mil euros).
10. A 1ª Ré remeteu à Autora uma carta, datada de 28 de março de 2022, endereçada para a Rua 1, informando da alteração da posição de proprietária do prédio para a 1ª Ré.
11. Tal carta foi devolvida, com a menção “não reclamado”.
12. No dia 04 de abril de 2023, a 1ª Ré enviou a carta datada de 28 de março de 2022 para a sede social da Autora – Rua 1 -, onde a carta foi recebida por HH no dia 05/04/2023.
13. No 1º Andar Direito funciona o Restaurante ALDEA mas não é utilizado com frequência pela Autora.
14. A Autora continuou a pagar as rendas para a conta da 2ª Ré.
15. Com vista à compra do prédio referido em 1., a 1ª Ré recorreu a empréstimo bancário, tendo celebrado um contrato de mútuo com hipoteca e consignação de rendimentos com o Banco Réu, no valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros).
16. A hipoteca e consignação de rendimentos constituídas a favor do Réu Abanca, encontram-se registadas sobre o imóvel, respetivamente, pelas Ap. 1859 e 1860 de 2022/03/22.
17. As condições de acesso ao crédito bancário alteraram-se, com a subida da taxa EURIBOR.
18. Se a Autora tivesse contratado um empréstimo para a aquisição de imóvel em março de 2022, as condições para fixar a taxa de juro seriam mais competitivas do que na presente data.
19. A Autora soube da intenção de venda do imóvel antes da venda se concretizar e disse que, pelo valor de referência, não pretendia adquirir o Imóvel.
20. Nos termos da cláusula décima do “contrato de arrendamento não habitacional com prazo certo”, “as comunicações a que haja lugar entre as partes ao abrigo do presente contrato, efetuadas por carta registada com aviso de recepção, por notificações judiciais avulsas, por citações judiciais ou por qualquer outro meio exigível por lei, deverão realizar-se para as seguintes moradas: - Arrendatário: a morada do locado, salvo se outra for, de modo expresso, comunicada ao Senhorio.”
21. A carta enviada pela 2ª Ré comunicando à Autora a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, foi enviada para a Rua 1, e foi recebida.
22. Perante a devolução da correspondência que era enviada para a morada do locado e o não pagamento das rendas para a sua conta, o legal representante da 1ª Ré deslocou-se pessoalmente ao Restaurante, em abril de 2022 e, depois, em maio do mesmo ano, para tentar chegar à fala com o representante da Autora.
23. O legal representante da Autora não estava presente no local nem se mostrou disponível para falar com o representante da 1ª Ré.
24. A pessoa com quem conseguiu falar apresentou-se como sendo o Gerente do Restaurante e deu o seu número de telemóvel, tendo dito que iria falar com o dono do restaurante que, depois, entraria em contacto.
25. O que, todavia, nunca aconteceu.
26. Uma funcionária, a pedido 1ª Ré, telefonou para o Gerente do Restaurante ALDEA que lhe transmitiu que teria que falar com o dono do Restaurante, nunca tendo dado o contacto deste.
Factos Não Provados:
a) até à receção da fatura, em janeiro de 2023, a Autora desconhecia “por completo” a Sociedade ora 1ª Ré / nunca tinha tomado conhecimento da existência da 1ª Ré;
b) nunca, em momento algum, houve menção por parte da 2ª Ré no sentido de ter interesse em alienar o prédio em causa;
c) é do conhecimento da 2ª Ré que a fração do 1º Andar Direito não é utilizada com frequência;
d) a carta enviada a 4 de abril de 2023 foi endereçada para o Restaurante Aldea, explorado pela Autora no R/C do prédio, depois de conversa com o gerente da Autora a respeito da mesma;
e) apenas com recurso a crédito tem a Autora capacidade para adquirir o prédio;
f) antes do negócio com a 1ª Ré se concretizar, auscultado II sobre se a Autora estaria interessado em comprar o imóvel, este recusou liminarmente essa hipótese;
g) por ninguém ter atendido o funcionário dos serviços postais que se dirigiu ao 1º direito, em março de 2022, para proceder à entrega da carta e recolha de assinatura por parte da pessoa que a recebesse, o destinatário ficou avisado para proceder ao levantamento da mesma no posto dos CTT da Rua 3.
IV. Razões de Direito
- da (in)existência de direito de preferência da A. enquanto arrendatária não habitacional de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, na compra da totalidade do prédio
Alega a Recorrente que é titular do direito legal de preferência na compra e venda da totalidade do prédio de que é arrendatária de uma parte, onde tem instalado o seu estabelecimento comercial, com fundamento no disposto no art.º 1091.º n.º 1 al. a) e n.º 9 do C.Civil.
A sentença sob recurso entendeu que o direito de preferência em relação à totalidade do prédio onde se situa o locado, não existe na esfera jurídica da A. por a mesma ser titular de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais que tem como objeto apenas uma parte daquele prédio não constituído em propriedade horizontal.
Sobre o direito legal de preferência do arrendatário rege atualmente o art.º 1091.º do C.Civil, na redação que lhe foi dada pelo DL 64/2018 de 29 de outubro.
É pacífico, como considera a sentença sob recurso e também é admitido pela Recorrente, que o regime legal do direito de preferência a ter em conta corresponde àquele que se encontra em vigor à data em que ocorre o ato de alienação do imóvel.
Como se refere de forma impressiva no Acórdão do STJ de 13-10-2022 no proc. 3391/08.1TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : “No conhecimento do mérito do recurso, centrado exclusivamente na apreciação do direito de preferência do arrendatário de prédio urbano com diversos espaços de locação, mas sem estar constituído em propriedade horizontal, deixamos expresso ser entendimento unânime, nomeadamente neste STJ, que a lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do ato de alienação, pois o direito legal de preferência configura uma faculdade que integra o conteúdo do direito do arrendatário que só a prática do negócio translativo da propriedade, sem que o senhorio lhe tenha oferecido a preferência, o transforma em direito potestativo - cf., entre outros, o ac. Acs. STJ de 05.05.1994, in BMJ 437-477; de 09.03.1995, CJ, STJ, II, 1, 118-II; de 28.01.1997, processo n.º 87557 e....11.2009, processo n.º 1842/04.3TVPRT.S1, ambos in www.dgsi.pt.; de 21.01.2016, proc. nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1 e o de 7-11-2019 desta mesma secção no proc. 14276/18.3T8PRT.P1.S2, in dgsi.pt.”
No que respeita à avaliação da atribuição do direito de preferência ao arrendatário de prédio urbano, é então aplicável ao caso o regime previsto no mencionado art.º 1091.º do C.Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 64/2018 de 29 de outubro, já que o contrato de compra e venda do prédio em questão foi realizado em 22 de março de 2022.
Estabelece este art.º 1091.º do C.Civil, na parte que se transcreve e se tem como mais relevante para a situação em presença:
“1. O arrendatário tem direito de preferência:
a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;
(…)
4 - A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção.
5 – É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos art.º 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes.
(…)
8 - No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições:
a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;
b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior;
c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado.
9 - Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.”.
Importa ter em conta a inaplicabilidade do n.º 8 deste art.º 1091.º do C.Civil, cuja inconstitucionalidade foi declarada com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, publicado no Diário da República n.º 183/2020, Série I de 2020-09-18, que reconheceu que a aplicação de tal norma impunha uma limitação desproporcional do direito de propriedade do senhorio, ali se referindo: “A preferência causa prejuízos consideráveis ao proprietário e posteriormente aos consortes: não é concedida em condições de igualdade com outrem; sujeita o proprietário a alienar parte alíquota do prédio contra a sua vontade; priva os demais consortes da utilização direta ou aproveitamento imediato de parte da coisa comum. Ou seja, a preferência prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil acaba por desvalorizar a propriedade a que está ligada muito para além do que normalmente ocorre nas demais preferências legais, que apenas limitam a liberdade de escolha do contraente, e por diminuir o uso ou aproveitamento que os demais consortes poderiam ter e retirar da propriedade comum. Ora, estes entraves colocados ao proprietário e aos comproprietários no interesse do arrendatário são excessivos, desrazoáveis e gravosos, na medida em que também se constata que a preferência não permite alcançar os objetivos que estão na base da mesma. Com efeito, o exercício desse direito não permite o acesso imediato à propriedade plena do local arrendado, nem a compropriedade garante a estabilidade na habitação. Trata-se, pois, de uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos. A ponderação entre a intensidade da intervenção e o peso da sua justificação, o interesse da estabilidade na habitação, tem como resultado que a preferência numa quota-parte do prédio, correspondente ao locado, ultrapassa os limites impostos pela proporcionalidade à determinação do conteúdo e limites do direito de propriedade. Assim, a intervenção na propriedade excede a medida constitucionalmente adequada da vinculação social. Por tudo o que se conclui que a norma sub juditio, ao limitar desproporcionalmente o direito de propriedade privada do senhorio, viola o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição.”
É na interpretação do art.º 1091.º do C.Civil que tem de encontrar-se a resposta para a questão que aqui nos ocupa, que é a de saber se o arrendatário não habitacional de parte de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal tem ou não o direito de preferência sobre a totalidade do prédio, em razão da sua venda, como o A. aqui reclama.
Para o efeito, não pode deixar de levar-se em consideração que, no âmbito da atual regulação do direito de preferência do arrendatário, contemplada no art.º 1091.º do C.Civil e após a declaração de inconstitucionalidade do n.º 8 de tal artigo, a jurisprudência do nosso tribunal superior tem sido unânime na defesa do entendimento de que o direito de preferência do arrendatário está limitado à parte do prédio que é objeto do contrato de arrendamento, só existindo quando tal parte tem autonomia jurídica, não dispondo o arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal de direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada – neste sentido, vd. designadamente, os Acórdãos do STJ de 07-11-2019 no proc. 14276/18.3T8PRT.P1.S2, de 25-03-2021 no proc. 10307/16.0T8PRT.P2.S1, de 18-10-2018 no proc. 3131/16.1T8LSB.L1.S1, de 13-10-2022 no proc. 3391/08.1TVLSB.L1.S1, de 14-09-2023 no proc. 135/20.3T8PVZ.P1.L1 e de 28-09-2023 no proc. 17731/18.1T8PRT.P2.S1.
É certo que não existe sobre tal matéria um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, mas ainda assim, atento o significativo número de arrestos do Supremo Tribunal de Justiça que têm vindo a pronunciar-se e a decidir sobre tal matéria no sentido referido, afigura-se, a bem dos princípios da segurança, da igualdade e da certeza jurídicas, que não pode desvalorizar-se o sentido com que aquelas normas reguladoras do direito de preferência do arrendatário têm vindo a ser interpretadas pelo nosso tribunal superior, atenta a unanimidade do entendimento que têm vindo a expressar sobre a questão, pelo que é essa mesma jurisprudência que se seguirá de perto.
Salienta-se que os dois acórdãos que a Recorrente vem citar nas suas alegações de recurso para fundamentar a sua pretensão, respetivamente o Acórdão do TRG 07-12-2017 no proc. 1130/15.0T8VNF-F.G1 e do TRC de 23-06-2015 no proc..../12.8TBCBR.C1, ambos in www.dgis.pt são proferidos no âmbito de anterior legislação reguladora da matéria, avaliando a situação verificada num momento em que o art.º 1091.º do C.Civil ainda não tinha sido alterado pela Lei 64/2018 de 29 de outubro, nem tão pouco o n.º 8 deste artigo havia sido declarado inconstitucional com força obrigatória geral. Tais acórdãos, bem como a doutrina invocada, expressam uma interpretação sobre a legislação então em vigor, que anteriormente potenciava diferentes entendimentos sobre tal questão, sendo que a alteração legislativa subsequente e a evolução da jurisprudência e da doutrina tem vindo progressivamente a sedimentar-se no sentido de que o arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal não dispõe do direito de preferência na compra e venda da totalidade do prédio.
O art.º 1091.º n.º 1 al. a) do C.Civil atribui ao arrendatário o direito de preferência na compra e venda do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
O requisito que se reporta ao prazo mínimo de dois anos de duração do contrato de arrendamento está verificado no caso, centrando-se a controvérsia no sentido da expressão “local arrendado”, já que é sobre este que o legislador faz incidir o direito de preferência que confere ao arrendatário.
O problema só se coloca quando o “local arrendado” não corresponde a uma fração autónoma, mas incide apenas sobre a parte de um prédio não constituído em propriedade horizontal que o senhorio e proprietário quer vender na totalidade.
A resposta que tem sido dada a esta questão não tem sido, nem unânime, nem a mesma ao longo dos tempos, variando a par da legislação que introduziu e tem vindo sucessivamente a alterar o regime do direito de preferência do arrendatário habitacional e não habitacional, bem como a suscitar diferentes respostas, quer por parte da doutrina, quer da jurisprudência.
Na resenha histórica destes elementos e respetiva evolução legislativa, remete-se para o já mencionado Acórdão do STJ de 13-10-2022 no proc. 3391/08.1TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt que de forma clara, precisa e bem fundamentada enuncia esta evolução, quer quanto ao direito de preferência concedido em benefício do arrendatário não habitacional, quer quanto às restantes categorias de arrendatários.
Em jeito de síntese, socorremo-nos a este respeito do recente Acórdão do TRL de 06-02-2025 no proc. 26145/22.8T8LSB.L1-6 in www.dgsi.pt que nos diz: “A Lei n.º 63/77, de 25 de agosto, estabeleceu o direito de preferência do arrendatário habitacional em caso de transmissão onerosa do local arrendado e, posteriormente. A RAU replicou no art.º 47º e em termos idênticos esse mesmo direito. Ora, na vigência desses dois diplomas o entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência era no sentido que quando não se achasse instituído o regime de propriedade horizontal e o direito de preferência existisse a favor dos locatários habitacionais, o arrendatário duma parte ou os arrendatários coligados podiam exercer o direito de preferência em relação à totalidade do prédio vendido onde se situasse o local arrendado. No entanto, havia ainda, na vigência desses dois diplomas, um entendimento minoritário na doutrina e na jurisprudência que defendia a inadmissibilidade desse direito de preferência por a lei não contemplar no seu texto o direito de preferência de arrendatário de parte alíquota sobre a totalidade do prédio urbano indiviso e, também, porque constituído o direito de preferência do arrendatário sobre a sua condição de locador de um determinado e concreto arrendado, excederia esse fundamento a possibilidade de ele adquirir através da preferência a totalidade do imóvel constituído por várias partes integrantes arrendadas ou arrendáveis. Com o NRAU passou a ser unânime na jurisprudência do STJ o entendimento de o direito de preferência conferido ao arrendatário estar confinado ao andar ou à parte do prédio que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, devia estar juridicamente autonomizado não tendo o arrendatário, de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal, direito de preferência sobre a totalidade do prédio, nem sobre a parte arrendada. É certo que Menezes Cordeiro (in “O Novo Regime do Arrendamento Urbano: dezasseis meses depois, a ineficácia económica do direito”, in O Direito (139), 2007, V, p. 950-951) sustenta a completa eliminação, no nosso ordenamento jurídico, desta prerrogativa do arrendatário, considerando que “A preferência desvaloriza o domínio e mantém vínculos fora de época”, do mesmo modo que Brandão Proença ( in “Para uma leitura restritiva da norma (art.º 1091.º do Código Civil) relativa ao direito de preferência do arrendatário”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. II, Coimbra, Almedina, 2008, p. 946) defende que a manutenção da prelação em matéria de arrendamento significa um entrave à autonomia privada e que esta faculdade do arrendatário se torna especialmente problemática num sistema como o nosso, em que por força da política legislativa, vigora um princípio geral de autonomia da vontade. Também Rute Teixeira Pedro aborda a problemática para sublinhar que o legislador tem revelado uma expressão e vontade no sentido de “(re)garantir um maior espaço para o funcionamento da autonomia privada”, pelo que a manutenção do direito de prelação do arrendatário parece estar em “contraponto com o sentido geral da reforma” (in “O direito de preferência do arrendatário no ocaso do vinculismo – breves reflexões à luz da reforma de 2012”, in Cadernos de Direito Privado, CEJUR, 2013 (42), p.14.).”
No mesmo sentido pronunciou-se o Acórdão do STJ de 14-09-2023 no proc. 135/20.3T8PVZ.P1.S1 in www.dsgi.pt onde se refere a dada altura: “Após uma tentativa de reforma frustrada do RAU, na qual se eliminava radicalmente o direito de preferência legal do arrendatário na compra e venda do local arrendado, foi aprovado o Novo Regime do Arrendamento (NRAU) pela Lei n.º 6/2006 que, devolvendo o regime do arrendamento urbano ao Código Civil, consignou na alínea a), do n.º 1, do artigo 1091.º, que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos , deixando de estar prevista a possibilidade de existir uma pluralidade de preferentes. A aparente exigência da coincidência do objeto da compra e venda com o local arrendado para a titularidade de um direito de preferência do arrendatário naquele negócio, com a ausência de qualquer previsão de concurso de preferentes, ao contrário do que sucedia nas anteriores normas sobre a matéria, conduziu a que a jurisprudência e a doutrina tenham alterado o seu entendimento, passando, maioritariamente, a concluir que apenas era possível ao arrendatário preferir na venda de um prédio não constituído em propriedade horizontal quando o arrendamento tivesse por objeto todo o prédio e não apenas uma parte dele . O legislador, seguramente sabedor que, nesta querela, na interpretação do RAU, haveria sido decisiva a previsão de uma licitação do direito de preferência no caso de existirem uma pluralidade de arrendatários de partes de um prédio não constituído em propriedade horizontal, ao excluir essa previsão, só poderia ter pretendido excluir a possibilidade de nesses prédios o arrendatário de uma parte poder preferir na compra e venda da totalidade do prédio, conferindo relevância à menção no n.º 1, do artigo 1091.º, do Código Civil, que o direito de preferência só incidia na alienação do local arrendado e não na alienação do prédio onde, apenas ocupando uma sua parte, se localizava o local arrendado.”
Não oferece dúvidas, à luz do art.º 1091.º n.º 1 al. a) do C.Civil, que o arrendatário dispõe do direito de preferência na compra do arrendado, quando este apresenta autonomia jurídica, designadamente por incidir sobre uma fração autónoma, existindo nesse caso uma coincidência material entre o local arrendado e a fração que constitui o objeto do contrato de arrendamento.
Já quando o local arrendado incide sobre uma parte de prédio não constituído em propriedade horizontal o mesmo não apresenta autonomia transacionável no conjunto, não se vislumbrando razão nem fundamento legal para que possa estender-se o direito de preferência do arrendatário de uma parte do prédio, ao seu todo, pela falta de coincidência material ou física entre o local arrendado – relativamente ao qual o legislador atribui o benefício da preferência – e a totalidade do prédio onde aquele se integra.
Como bem se refere no já citado Acórdão do STJ de 13-10-2022: “Nestas situações, o prédio composto por várias partes suscetíveis de utilização autónoma e independente, só pode ser encarado na sua globalidade, como sendo uma coisa única onde o locado não tem qualquer autonomia jurídica, sendo uma parte integrante e não cindível e autonomizável do prédio. São casos em que não existe, pois, qualquer coincidência entre o objeto do arrendamento - a parte do prédio indiviso locada - e o objeto a que respeita o direito de propriedade que se pretende adquirir através do exercício da prelação.”
O direito legal de preferência sempre constitui uma limitação de contratar imposta pelo legislador ao proprietário, que nessa medida apresenta um carater excecional no âmbito do princípio da liberdade contratual previsto no art.º 405.º do C.Civil.
Por referência ao direito de preferência do arrendatário atribuído pelo art.º 1091.º n.º 1 al. a) do C.Civil, diz-se com toda a propriedade no Acórdão do STJ de 28-09-2023 no proc. 17731/18.1T8PRT.P2.S1 in www.dgsi.pt : “(…) acolhe-se o entendimento que a preferência legal ali atribuída tem índole excecional, por redundar numa verdadeira limitação à obrigação de contratar, no que concerne à escolha da contraparte, mas também injuntiva, face às razões de interesse público que lhe subjazem, pelo que exige-se na sua interpretação e subsequente subsunção aos factos realizado pelo julgador, uma natural ponderação e cautela quanto às obrigações do sujeito passivo, isto é, do locador. Sendo um direito que apenas pode ser exercido pelo arrendatário, na vigência do contrato de arrendamento, pode dizer-se que resulta do enunciado legal uma coincidência entre o objeto do direito de preferência com o direito decorrente do aludido contrato de arrendamento que a justifica ou suporta, desse modo, o locatário que apenas ocupa por via do arrendamento, uma parte do imóvel, não constituído em propriedade horizontal, não tem preferência na venda ou dação em cumprimento de todo o prédio, pois o texto legal refere, tão só, ao local arrendado, na observação do enunciado princípio da coincidência. Ainda sobre o objeto a adquirir, o local arrendado, tendo presente os limites físicos que não coincidem com os jurídicos, saliente-se que na formulação legal do art.º 1091, n.º 1, a), do CC, comparando com o vertido no âmbito do art.º 47, do DL 321-B/90, de 15.10, Regulamento de Arrendamento Urbano (RAU), desapareceram dois segmentos literais que podiam sustentar que a preferência do arrendatário poderia estender-se para além dos aludidos limites físicos do arrendado, pois contrariamente do ora consagrado, era mencionado o “arrendatário de prédio urbano ou de sua fração autónoma”, bem como “as licitações na hipótese de serem dois ou mais preferentes”, e assim afastada a hipótese do exercício do direito de preferência na falta de coincidência dos limites físicos do local arrendado com os jurídicos, como no caso do locado se encontrar num prédio urbano não constituído em propriedade horizontal. Saliente-se, por outro lado, que se pode dizer que existe neste Tribunal uma Jurisprudência consolidada no sentido que o art.º 1091, n.º1, a), do CC, na redação dada pela Lei 6/2006, de 27.02, NRAU, como se já se mencionou, não atribui o direito de preferência legal ao arrendatário de parte específica do prédio, como ora Recorrente, na venda do imóvel não constituído em propriedade horizontal, onde se situa o locado.”.
Salienta-se ainda que o arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal que é objeto de venda, não vê diminuídos ou limitados os seus direitos de arrendatário, já que o contrato de arrendamento se transmite ao novo proprietário, pelo que a eventual venda total do prédio não lhe trará prejuízo acrescido, ainda que possa não lhe trazer o benefício de passar a proprietário.
Este benefício, do arrendatário de parte de um imóvel não constituído em propriedade horizontal dispor do direito de preferência na compra da totalidade do prédio onde situa o local arrendado, veio a ser atribuído, com carater excecional pelo legislador, com a Lei 42/2017 de 14 de junho, apenas quando no arrendado está instalado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural, numa manifestação de proteção do interesse público.
O mesmo já não sucede se está em causa o arrendamento não habitacional de parte de um prédio, onde o estabelecimento que funciona no locado ou a entidade que o explora não tem tais características – vd. neste sentido o Acórdão do TRL de 06-02-2025 no proc. 26145/22.8T8LSB.L1-6 in www.dgsi.pt
Não se vislumbra também, como defende a Recorrente que o n.º 9 do art.º 1091.º possa para fundamentar a existência do seu direito de preferência sobre a compra da totalidade do prédio.
É que esta norma, que se reporta à situação do obrigado à preferência pretender vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, vem apenas contemplar a possibilidade dos diversos arrendatários do mesmo exercerem o seu direito de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade, na proporção da permilagem de cada local arrendado, não facultando a um arrendatário o direito de adquirir a totalidade do imóvel para si.
O direito que a A. pretende aqui ver reconhecido e tutelado não é o direito de exercício da preferência em conjunto com outros arrendatários, adquirindo o imóvel em compropriedade, na proporção do respetivo locado, antes invoca um direito de preferência sobre a venda da totalidade do prédio, visando um direito de propriedade exclusivo sobre todo o prédio, quando é arrendatária de apenas parte do mesmo, o que choca com o direito legal de preferência atribuído pelo n.º 1 al. a), limitado ao local arrendado.
Como nos diz Maria João Vasconcelos, in Comentário ao Código Civil da Universidade Católica Portuguesa, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, pág. 526 a respeito desta questão: “Apesar da expressão «os arrendatários que assim o pretendam» sugerir que poderá haver arrendatários que não pretendam exercer o seu direito, sem que isso impeça a sua aquisição pelos demais, pensamos que esse entendimento não pode ser sufragado. Com efeito, se aplicação do n.º 9 não fosse afastada caso apenas um dos arrendatários pretendesse exercer o seu direito, estar-se-ia a permitir uma situação que é vedada pelo n.º 1 do mesmo preceito, ou seja, a permitir que apesar do arrendamento dizer respeito a apenas uma parte do imóvel o arrendatário possa preferir na venda de todo o imóvel.”
No mesmo sentido pronunciou-se o já mencionado Acórdão do STJ de 14-09-2023 quando conclui: “(…) após a declaração de inconstitucionalidade do n.º 8, do artigo 1091.º, do Código Civil, mesmo que se entenda que a nulidade dessa norma não afetou a aplicabilidade do disposto no n.º 9, do mesmo artigo, por pressupor a vigência da norma declarada inconstitucional, o disposto neste último preceito não se alterou, não ganhando uma dimensão que até aí não dispunha. A preferência reconhecida a uma pluralidade de arrendatários do mesmo imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, pelo n.º 9, do artigo 1091.º, do Código Civil, continua a reportar-se a uma aquisição, por cada um dos arrendatários, de uma quota do direito de propriedade na proporção da permilagem do locado no valor total da transmissão, pelo que, ao abrigo deste artigo, nenhum arrendatário de parte do imóvel poderá preferir na aquisição da totalidade do direito de propriedade e com a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma contida no n.º 8, do mesmo artigo, ficou irremediavelmente afastada a possibilidade do direito de preferência poder ser exercido apenas por alguns dos arrendatários parciais do prédio.”.
Além do mais, este n.º 9 do art.º 1091.º, tal como anteriormente o n.º 8, visa apenas os arrendamentos para fins habitacionais, em face do disposto no n.º 5 do art.º 1091.º que expressamente alude e sujeita o direito de preferência do arrendatário de imóvel para fins habitacionais ao regime geral dos art.º 416.º a 418.º e 1410.º do C.Civil, ainda que com as especificidades previstas nos números seguintes deste artigo.
Como bem se diz no já citado Acórdão do STJ de 14-09-2023, quando alude às alterações introduzidas ao art.º 1091.º do C.Civil pela Lei 64/2018 de 29 de outubro: “Destacam-se as seguintes alterações no reforço da posição dos arrendatários: o período mínimo de duração do arrendamento foi reduzido de três para dois anos (alínea a) do n.º 1); exige-se agora a forma escrita para a comunicação da preferência ao arrendatário (n.ºs 4 e 7); alargou-se para 30 dias o prazo para a declaração de preferência (n.º 4); densificou-se o conteúdo da comunicação para preferência na venda de coisas conjuntamente com outras (n.ºs 6 e 7); e ampliou-se a atribuição do direito de preferência apenas aos arrendatários habitacionais na alienação de prédios não constituídos em propriedade horizontal (n.ºs 8 e 9). (…) Se as limitações que qualquer direito de preferência causam à livre transmissão dos bens que a elas estão sujeitos, restringindo severamente a sua liberdade de disposição, eram coerentes com o vinculismo que caraterizou os arrendamentos quase durante todo o século XX , com a adoção progressiva de políticas liberalizadoras do mercado de arrendamento, essas restrições começaram a ser olhadas com desconfiança, tendo chegado a ser advogada e mesmo projetada a eliminação deste direito de preferência. Se esta ideia não chegou a ser concretizada, com a aplicação do NRAU formou-se a consciência de que admitir a preferência na compra de um bem que excedia o local arrendado, como até aí vinha ocorrendo na preferência na compra da totalidade do imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, pelo arrendatário de parte desse prédio, era conferir um benefício ao arrendatário que transcendia os fundamentos da atribuição de uma medida fortemente restritiva da liberdade de disposição do direito de propriedade, proporcionando a inadmissível intervenção daquele em lucrativos negócios imobiliários. Daí que essa possibilidade não voltou a ser retomada, tendo-se procurado proteger o interesse do arrendatário de parte do imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal através das soluções imaginativas, adotadas nos descritos n.º 8 e 9, do artigo 1091.º, do Código Civil, após as alterações promovidas pela atribulada Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro.”
No n.º 5 do art.º 1091.º, o legislador distinguiu o regime do direito de preferência aplicável aos arrendamentos habitacionais dos restantes arrendamentos, fazendo aplicar o disposto nos números seguintes com as necessárias adaptações apenas aos primeiros.
A Recorrente, ao defender nas suas alegações de recurso a aplicação do n.º 9 do art.º 1091.º à sua situação de arrendatária não habitacional, esquece a existência do n.º 5 deste artigo, que não menciona, norma que aponta para que as especificidades previstas nos números seguintes se reportam apenas aos arrendamentos habitacionais, pelo que nunca seriam suscetíveis de fundamentar o seu alegado direito de preferência na compra da totalidade do prédio de que apenas é arrendatária não habitacional de uma parte.
Em face do regime legal contemplado no atual art.º 1091.º do C.Civil, resulta que o arrendatário de parte de imóvel não constituído em propriedade horizontal, fora da exceção conferida pela Lei 42/2017 de 14 de junho relativa ao arrendatário de parte do imóvel em que esteja instalado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural, não dispõe do direito de preferência na compra da totalidade do imóvel, na falta de coincidência do objeto do arrendamento com o objeto da compra.
É esta falta de coincidência do objeto dos negócios – do arrendamento de parte do prédio e da compra e venda da totalidade do prédio - por oposição ao caso em que tais objetos coincidem, como acontece quando o arrendamento é de uma fração de prédio constituído em propriedade horizontal, que justifica a atribuição do direito de preferência ao arrendatário neste último caso e não no primeiro.
Não se diga, por isso, como faz a Recorrente que a interpretação das normas enunciadas neste sentido, representa uma violação do princípio da igualdade com dignidade constitucional, o contrário é que corresponderia à violação de tal princípio, atribuindo-se ao arrendatário de parte de um imóvel a preferência na aquisição de todo prédio, como pretende a Recorrente, o que lhe iria conferir um benefício totalmente injustificado em face das razões que levaram o legislador a atribuir um direito de preferência ao arrendatário, sempre limitado ao objeto do contrato de arrendamento. A diferente realidade subjacente justifica o entendimento divergente.
Resta concluir que o art.º 1091.º n.º 1 al. a) e n.º 9 do C.Civil, normas invocadas pela Recorrente como fundamento para o reconhecimento do direito que aqui pretende fazer valer – de que enquanto arrendatária não habitacional de uma parte de prédio não constituído em propriedade horizontal dispõe do direito de preferência na aquisição de todo o prédio – não admitem a interpretação que a mesma lhes dá, antes pelo contrário, delas decorre que a mesma não dispõe de tal direito de preferência, tal como entendeu a sentença sob recurso, que se confirma.
- do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do disposto no art.º 6.º n.º 7 do RCP
O art.º 529.º do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26 de junho estabelece, no seu n.º 1: “As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.” Acrescenta o n.º 2 deste artigo que: “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”
De acordo com o previsto nos art.º 6.º n.º 7.º do RCP, o pagamento da taxa de justiça surge associado ao impulso processual, sendo estabelecido, em regra, a obrigatoriedade do seu pagamento prévio à prática do ato.
Nos processos de maior valor e de modo a não onerar tanto as partes com um pagamento muito elevado no decurso do processo, o legislador veio no art.º 6.º n.º 7 do RCP estabelecer como exceção que: “Nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
O n.º 7 deste artigo foi introduzido pela Lei 7/2012 de 13 de fevereiro, diploma que veio alterar o RCP, que assim passou a prever a fixação de uma taxa de justiça variável em função não só do valor da causa, mas também em razão da sua complexidade e da conduta processual das partes.
Com esta norma o legislador procurou não só ir ao encontro dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao permitir ao juiz fixar uma taxa de justiça que vai variar e se vai adequar à conduta processual das partes e ao concreto processo em que é aplicada, visando, designadamente, as ações que pelo seu alto valor podem onerar as partes com um pagamento que pode ser considerado desproporcional com referência ao serviço de justiça efetivamente prestado, mas também terá pretendido ultrapassar a desconformidade constitucional de um regime anterior que apenas admitia uma taxa de justiça automática em função do valor da ação, sem possibilidade de redução nem adequação à complexidade do processo, permitindo uma maior adequação dos custos associados à prestação do serviço de justiça com o serviço concretamente prestado.
Pode agora ser afastada a aplicação automática da taxa de justiça, quer por intervenção oficiosa do juiz, quer a pedido das partes, no sentido de limitar o valor da taxa de justiça devida por mera aplicação dos critérios legais do valor da ação e das tabelas das custas. É por isso uma norma que vai ao encontro do invocado princípio constitucional da proporcionalidade, revelando uma preocupação do legislador com o acolhimento de tal princípio.
Concorda-se com o entendimento que tem vindo a ser seguido pela nossa jurisprudência, no sentido de que a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça a que alude o art.º 6.º n.º 7 do RCP tanto pode ser total como parcial, devendo a sua medida ser ajustada às especificidades do caso concreto.
Neste sentido e apenas a título de exemplo, pronunciou-se o Acórdão STJ de 22-11-2016 no proc. 200/14.6T8LRA-A.C1.S1 in www.dgsi.pt onde se refere: “Estando, actualmente, assegurada na lei a possibilidade da graduação equitativa do montante da taxa de justiça devida a final, importa considerar, nesta avaliação sobre a proposta dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, por um lado, o valor da acção, e, por outro, que o custo daquela deve ser proporcional ao serviço prestado. Segundo expendeu o acórdão deste Tribunal...-12-2013, fazendo alusão a jurisprudência firmada pelo T.Constitucional no acórdão nº 421/2013, «A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade».”
Também Salvador da Costa, in ob. cit. em anotação a este art.º 6.º do RCP, pág. 201 ensina: “A referência à complexidade da causa e à conduta processual das partes significa, em concreto, a sua menor complexidade ou maior simplicidade, e uma positiva atitude de cooperação das partes entre si e com o tribunal no delineamento do objeto do processo.
No caso o valor do recurso é o valor da ação que é de € 3 589 881,94.
Uma vez que o recurso tem um valor processual superior ao limite de € 275.000,00 previsto no mencionado n.º 7 do art.º 6 do CPC, quando da sua interposição a Recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida confinada a tal valor, no montante de € 816,00, sendo que para além de tal quantia havia que acrescer a final o montante correspondente a 1,5 UC por cada € 25.000,00 ou fração que exceda o valor de € 275.000,00 nos termos da tabela I –B anexa ao RCP.
Avaliando a complexidade/simplicidade do recurso, verifica-se que o recurso interposto pela Recorrente se estende por 102 páginas e teve duas respostas autónomas das RR., configurando uma peça processual algo extensa, maior do que o habitual, assinalando-se, porém, que embora tenha vindo a ser impugnada a decisão da matéria de facto a sua apreciação ficou prejudicado em razão da decisão de direito, não tendo demandado nesta parte trabalho para o tribunal de recurso.
A decisão jurídica da causa determinou a avaliação de diversas interpretações legislativas, designadamente as apresentadas pela Recorrente com ampla fundamentação, na ponderação de questão que pela sua natureza, não sendo de uma simplicidade evidente também não apresenta uma grande complexidade na sua resolução, não podendo olvidar-se que a decisão proferida é coletiva, exigindo a ponderação e intervenção de três juízes.
Importa reconhecer também que conduta processual das partes foi correta, assinalando-se, no entanto, a prolixidade das conclusões de recurso elencadas pela Recorrente, que se estendem por 16 páginas e por 65 pontos, sem a preocupação de observação do dever de síntese a que alude o art.º 639.º n.º 1 do CPC, sendo ainda de registar que a A. vem pretender fazer valer no presente recurso uma posição que tem vindo nos últimos tempos a ser sistematicamente contestada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, não se conformando com uma decisão do tribunal de 1ª instância que a acolhe, parecendo olvidar toda uma evolução jurisprudencial e doutrinária diferente da sua.
Desta forma, na ponderação dos elementos expostos, considera-se que o valor do remanescente da taxa de justiça devida em razão do valor do recurso é efetivamente excessivo e desproporcionado, em contraponto com as características do serviço público de justiça que é prestado e que se evidenciaram, justificando a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na sua maior parte, nos termos do disposto no art.º 7.º n.º 6 do RCP, mas já não na sua totalidade, determinando-se a sua redução em 75%.

IV. Decisão:
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso interposto pela A. confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente por ter ficado vencida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC, dispensando-se o pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça – art.º 7.º n.º 6 do RCP.
Notifique.
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Lisboa, 11 de setembro de 2025
Inês Moura
Pedro Martins
Laurinda Gemas